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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES


DEPARTAMENTO DE JORNALISMO E EDITORAÇÃO

Disciplina: Revisão de Textos II


Prof. Dr. Thiago Mio Salla
Valesca Peroni Giuriati
Número USP: 8572240

PERELMAN, Chaïm. “Argumentação” In: Enciclopédia Einaudi Vol. 11 - Oral/escrito;


Argumentação​. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1987.

Argumentação

1. Demonstração e argumentação
Neste primeiro tópico, o texto começa falando sobre o desenvolvimento das teorias da
argumentação, e como ele funciona a partir de uma reação à tentativa de transformar a
argumentação em algo próximo da lógica formal. Para o autor, usar de raciocínio
lógico-matemático para desenvolver a argumentação simplifica e reduz o processo, e não
pode ser considerada como argumentação propriamente dita. A lógica formal depende da
demonstração das premissas do raciocínio, que partem de proposições cada vez mais
primitivas, de forma a chegar em máximas inquestionáveis e a argumentação, por outro lado,
não lida necessariamente com premissas tão irredutíveis. O autor explica que, para que a
argumentação funcione, ela deve levar em consideração a adesão daqueles que a ouvem.
Enquanto a prova - pertencente ao domínio da lógica formal - é impessoal, a argumentação é
pessoal.
A partir daí, as diferenças entre a demonstração e a argumentação ficam cada vez
mais claras: o sistema dedutivo é isolado; ignora contexto, ouvintes e até mesmo o próprio
orador para ser demonstrada. A argumentação, por outro lado, depende inteiramente da
comunicação entre orador e auditório para se fazer valer. Essa comunicação é pautada por
inúmeros fatores, alguns dos quais são anteriores ao próprio ato da argumentação (a decisão
do auditório de ouvir ou não o orador é estabelecida muito antes do próprio discurso começar,
por exemplo).
A demonstração também se vale das linguagens artificiais, já que nelas a
possibilidade de ambiguidade é reduzida. A argumentação usa das línguas naturais,
justamente por apresentarem infinitas possibilidades de manipulação em suas construções. Na
demonstração, a verdade é construída a partir de sua própria forma; na argumentação, a
verdade surge unicamente da adesão daqueles que a ouvem, e pode ser eleita “verdade” a
partir de uma série de critérios (sendo que a constatação passa longe de ser um deles): o que é
mais aceitável, justo ou agradável têm mais relevância do que aquilo que é factualmente
verdadeiro.
Para a demonstração, as premissas não podem ser ao mesmo tempo verdadeiras e
contradizentes. Nesse caso, a premissa falsa é descartada completamente. Para a
argumentação, teses incompatíveis são passíveis de interpretação e, portanto, podem se
contradizer. Uma tese pode ser descartada, mas não perde valor, e pode ser reconsiderada a
qualquer momento.

2. O orador e seu auditório


A relação entre aquele que argumenta e aqueles que ouvem sua argumentação é muito
estreita e simbiótica. O autor começa o tópico questionando o que de fato constitui um
auditório: não se trata de qualquer pessoa que tenha acesso à argumentação, nem mesmo de
todos aqueles que assistem ao orador no momento do discurso, mas sim daqueles a quem o
orador procura influenciar ao argumentar.
Já que o orador pauta sua argumentação inteiramente nas crenças e paixões dos
auditores, é possível inferir que a qualidade do auditório é proporcional à qualidade da
argumentação. Aristóteles indica o uso da “psicologia diferencial” como forma de examinar
os ouvintes de um discurso, analisando suas crenças, aquilo que concorda sem hesitar. No
caso de auditórios especializados, é indispensável saber os “conhecimentos introdutórios”
dessa área de conhecimento, para que os argumentos tenham força perante os ouvintes.
Aristóteles ainda fala sobre a possibilidade de classificar o discurso em três gêneros
oratórios, baseando-se nas funções que o auditório deve desempenhar: o deliberativo (cuja
função, como o nome diz, é deliberar), o judiciário (em que cabe aos auditores julgar algo), e
o epidíctico, o modelo em que os auditores apenas assistem à argumentação, usufruindo dela.
Os auditórios são muito particulares e raramente homogêneos, de forma que é difícil
decifrar qual a melhor abordagem. Não importa se são compostos de multidões ou de apenas
uma pessoa, cabe ao orador observar atentamente às mudanças e nuances dos ouvintes, de
modo a adaptar o discurso de acordo com o que percebe.

3. Retórica clássica e teoria da argumentação


Por mais que o discurso do orador deva ser exclusivamente dedicado ao auditório,
Sócrates e Platão levantam a questão da argumentação que não tem compromisso com a
verdade e que usa de técnicas demagógicas para ganhar a plateia. Para eles (e para o autor), é
preciso encontrar o equilíbrio entre um bom discurso e uma boa atitude moral.
Portanto, a qualidade da argumentação não deve ser medida única e exclusivamente
pelo efeito que causa. A qualidade do público é um fator determinante, uma vez que um bom
público exige argumentos melhores e menos demagógicos, enquanto um público menos
instruído seria persuadido mais facilmente por argumentos enganadores. Um auditório crítico
e que exige apelo à razão é a base do chamado “auditório universal”: se algo não for aceito
por alguém que normalmente faria parte do auditório universal, é preciso questionar se há
algo de errado com o argumento apresentado, ou se o interlocutor realmente faz parte do
auditório universal.
Acreditava-se que o discurso que visa convencer apelaria à razão, enquanto o discurso
que persuade apelaria à emoção. Essa noção é considerada obsoleta, pois tais faculdades não
são mais vistas como separadas no homem. Fica então convencionado que o discurso
persuasivo se dirige a um público particular, enquanto o discurso convincente atende ao
auditório universal.

4. A petição de princípio e a adesão do auditório


A petição de princípio (ou x = x) é um recurso de bastante valor no âmbito da
demonstração, uma vez que é eficiente para demonstrar verdades incontestáveis. Porém,
quando transposta para a argumentação, a petição de princípio pode ser um erro fatal a todo o
trabalho de argumentação, quando um argumento ainda não admitido pelo auditório ou
estabelecido pelo orador como tal.
Para evitar que a petição de princípio aconteça, existem algumas técnicas que podem
ser adotadas pelo orador: no caso de auditórios pequenos, perguntas diretas devem bastar. Se
esta não for uma possibilidade, o orador terá de fazer suposições a partir do contexto do
público. Para o auditório universal, valem apenas as verdades incontestáveis e os valores
universais já estabelecidos.

5. Os fatos, as verdades e as presunções


Fatos e verdades são definidos na argumentação a partir do que o orador supõe que
seja aceito pelo auditório universal. Ao lado deles estão as presunções, que não são
consideradas tão seguras como os fatos e as verdades, mas que também funcionam como uma
base sólida para a argumentação.
A presunção parte do pressuposto de que o que foi produzido é o normal. O normal,
porém, não é algo convencionado, e pode ser passível de interpretação. Por isso, algumas
presunções podem ser facilmente refutadas, como as relacionadas ao homem, por exemplo.
Presunções legais, por outro lado, não são tão facilmente questionáveis.

6. Os valores, as hierarquias e os lugares do preferível


Opõem-se aos argumentos que dizem respeito ao real (as verdades, os fatos, as
presunções) os argumentos que tratam do que é preferível: os juízos de valor (as hierarquias,
os lugares do preferível, os valores).
Apesar de não serem considerados objetivos, o senso comum permite que alguns
juízos tenham valor universal: o verdadeiro, o bem, o belo e o justo são alguns exemplos.
Mesmo assim, eles são convencionados apenas enquanto não estão determinados. Quando
esses valores são discutidos, as divergências de significado entre eles começam a aparecer.
Os valores podem ser abstratos (que lidam com conceitos), ou concretos (que lidam
com seres, grupos ou instituições). As hierarquias podem ser concretas, abstratas,
homogêneas ou heterogêneas. Por fim, os lugares do preferível são afirmações gerais que
dizem respeito ao que é mais proveitoso em muitos âmbitos diferentes. Têm papel análogo ao
das presunções, sendo também bastante passíveis de interpretação.

7. Os acordos próprios de certos auditórios


Além dos objetos de adesão já mencionados, existem ainda alguns que são específicos
de certos auditórios. Estes acordos são visíveis a partir da adesão destes públicos específicos
aos elementos do discurso.
8. Escolha, presença e apresentação
Por serem infinitas as possibilidades de teses a serem escolhidas, o orador precisa
filtrar o que tornará seu discurso o melhor possível. As escolhas tornam os discursos plurais,
o que aguça o senso crítico dos oradores.
As escolhas podem trazer à tona elementos que evocam uma presença no discurso, o
que impede que sejam facilmente esquecidos. A presença tem efeito direto sobre a
sensibilidade do auditor, mas pode tanto ser bastante efetiva no convencimento como causar
o efeito completamente contrário, afastando o público. Existem técnicas importantes para que
a presença seja usada de forma prudente, principalmente para trazer à tona realidades que
estão distantes do auditório, no tempo e/ou espaço.

9. Dado e interpretação
Dados e interpretações se opõem: enquanto o primeiro trata daquilo que é unívoco e
indiscutível, a segunda é vista como a escolha entre significações diferentes. Os problemas de
significados e interpretações têm a ver com signos e índices. Índices tratam de erros e
independem do ato comunicativo; signos, por outro lado, formam o ato comunicativo, e,
quando mal formuladas, não constituem um erro, e sim um mal-entendido.
A língua por si só não é capaz de produzir enunciados completamente livres de
interpretação ou ambiguidade; para isso, é preciso encontrar suplementos de informação que
extrapolam a língua. Apesar de ser muito emblemática quando usada de forma poética, a
língua, quando usada normalmente, pode ser igualmente confusa e passível de interpretação.

10. As técnicas argumentativas


As técnicas argumentativas se dividem em dois aspectos: o aspecto positivo trata de
promover e juntar as teses já admitidas pelo auditório (os argumentos de ligação). O aspecto
negativo procura romper ligações entre as teses admitidas pelo orador e aquelas que são seu
oposto (os argumentos de dissociação).
A argumentação é considerada completa quando seu discurso possui pontos que
podem se dirigir a múltiplos auditórios. Assim, os argumentos interagem entre si, e podem
ser tomados e reproduzidos pelo próprio auditório.
11. Os argumentos quase lógicos
São aqueles que lembram o raciocínio formal, ou seja, parecem vir do mesmo
processo que forma as verdades incontestáveis da lógica demonstrativa. As tautologias, num
primeiro momento pouco usadas na argumentação, podem ter seu valor caso a palavra seja
usada duas vezes com sentidos diferentes.
O que diferencia o raciocínio quase lógico da lógica formal é, principalmente, a
linguagem. A lógica necessita da linguagem formal para se valer. Quando isso não é atingido,
existe a contradição; quando isso acontece no nível da argumentação, ocorre a
incompatibilidade entre a regra afirmada e a tese anteriormente aceita, o que pode fazer com
que o orador passe por ridículo.
Argumentos como “o todo pela parte” têm forte apelo às ideias matemáticas que
constituem a lógica formal. A partir disso, o argumento quase lógico pode se transformar de
“o todo é maior que cada uma de suas partes” para “o todo vale mais que cada uma de suas
partes”.
Os argumentos que lidam com a divisão têm como objetivo demonstrar que, numa
situação em que existem as causas A, B e C para um fenômeno, e A e B se excluem, somente
C pode ser a causa do tal fenômeno. Se C for excluída, exclui-se também a possibilidade de
ocorrência do fenômeno. Esse argumento é base para os raciocínios ​pari ​e ​contrario.​ Na
primeira, as espécies são assimiladas; na segunda, são opostas uma à outra.
Ao usar o argumento da comparação, são reunidos termos homogêneos, ou seja,
termos pertencentes a uma mesma classe. Isso reforça a superioridade daquilo que não é
comparável, por ser único em sua própria espécie. A comparação pode resultar no argumento
do sacrifício: as coisas são julgadas a partir do preço que lhes é conferido pelos homens.
Os argumentos quase lógicos têm ligação direta com a lógica formal, com a transição
do qualitativo ao quantitativo. Podem ter seu sentido ampliado por argumentos
fundamentados sobre a estrutura do real.

12. Argumentos fundados sobre a estrutura do real


Os argumentos fundados sobre a estrutura do real trazem à tona dois tipos principais
de ligações: as ligações de sucessão (relações de causa e efeito, por exemplo), e as ligações
de coexistência (as relações de uma pessoa com seus atos).
No caso de uma ligação causal, o discurso pode procurar causas, determinar efeitos ou
analisar um fato a partir de suas consequências. O segundo tipo de ligação de sucessão diz
respeito à importância de um objeto ou acontecimento. É a partir dessa relação que surge o
argumento pragmático, que procura apreciar um acontecimento a partir de suas
consequências. Ele é admitido pelo senso comum, e se opõe, no que diz respeito à moral, ao
absolutismo e ao formalismo, uma vez que ambos procuram impor regras e valores, sem
consideração pelas possíveis consequências de tal pensamento.
A partir daí é possível debater sobre as relações entre causa e efeito: o efeito pode
pode ser depreciado em favor da causa, enquanto a causa pode ser revalorizada quando se
torna o próprio efeito. Esta relação entre causa e efeito (ou ainda “meio/fim”) é fundamento
para outros argumentos, como o argumento do desperdício, do supérfluo e do decisivo.
O argumento do desperdício tem como objetivo convencer o auditório a não agir em
vão, ou seja, a não desistir de um objetivo uma vez que sacrifícios foram feitos para
alcançá-lo. Inversamente, o argumento decisivo traz a importância de um ato, que trará a
vitória e a solução dos problemas. O ato supérfluo é, como o nome sugere, aquele que não
possui influência sobre os acontecimentos.
O argumento da direção também está atrelado à relação causa e efeito. Nele, o “fim”
não é visto necessariamente dessa forma, mas sim como uma etapa de um contexto mais
vasto. É pautado na impossibilidade de parar uma vez que se está encaminhado em uma
direção, mas pode seguir o caminho contrário: uma etapa concluída não significa que o
contexto maior está fechado para possibilidades de mudança. Este argumento é ainda
complementado pelo argumento da ultrapassagem, em que as situações são apresentadas
apenas como uma ponte para novas possibilidades. Nesse caso, o fim não é o objetivo, e sim
criar novos limites a cada “fim” alcançado.
As ligações de coexistência estabelecem relações entre duas situações diferentes,
desiguais, em que uma aparenta ser mais importante que a outra. Trata-se da relação entre
uma essência e suas manifestações, e sua manifestação mais comum ocorre na relação entre
uma pessoa e seus atos. A construção da pessoa introduz manifestações transitórias, múltiplas
e mutáveis. A correlação entre a pessoa e seus atos é o que permite a utilização de
argumentos de ligação de coexistência.
Atos são, nesse caso, tudo aquilo que remete à essência da pessoa, suas ações, sua
forma de se expressar, suas emoções e seus julgamentos. A interação entre a pessoa, seus atos
e o grupo em que está inserida dá origem ao argumento da hierarquia. Os que ocupam
posições superiores na hierarquia são geralmente imitados; aqueles que estão na porção
inferior, por outro lado, são expostos ao ridículo.

13. Argumentos que fundam a estrutura do real


Os argumentos que fundam a estrutura do real fazem parte do domínio do exemplo e
do modelo, além da analogia. Eles generalizam o argumento a partir de um caso particular,
transpondo-o para outro domínio.
No caso do exemplo é essencial que os fatos referidos sejam considerados sem
questionamento, enquanto no caso da ilustração é importante apenas que tudo aquilo que
forma a regra seja representado. Geralmente suscita a memória afetiva do auditório.
O antimodelo, por outro lado, é o exemplo em que o auditório não deseja se
assemelhar, e sim se afastar, uma vez que são construídas imagens desagradáveis daqueles
que são odiados ou desprezados.
As analogias e metáforas constituem papel importante na estruturação e valorização
do real.

14. A dissociação das noções


É possível argumentar a partir da dissociação das noções: os aspectos, ao serem
comparados com o real, serão considerados nada mais que ilusão. Assim, o par
“realidade/aparência” serve como origem a todos os outros pares argumentativos, chamados
de “pares filosóficos”, por terem tamanha importância na construção do pensamento
filosófico.

15. A organização dos argumentos no discurso


Por último, o texto dá conta de analisar o discurso em sua totalidade, em que diversos
tipos de argumentação convergem.
A força de um argumento se dá a partir de suas possíveis refutações. Se vários
argumentos chegam a uma mesma conclusão, eles são reforçados pela convergência. Quando
essa convergência é verificável, cria-se o chamado ​consilience,​ ou seja, o fundamento mais
sólido do raciocínio indutivo.
Os argumentos são delimitados por condições sociais e psicológicas, e transgredir tais
regras pode ser prejudicial ao discurso. A ordem dos argumentos pode ser fruto de
convenções, mas é preciso ter em mente a adaptação aos desejos do auditório. Geralmente, o
orador possui três opções: a ordem decrescente, que começa com os argumentos mais fortes,
a crescente, que começa com os argumentos mais fracos, e a ordem nestoriana, que coloca os
argumentos mais fortes no começo e no final do discurso.
A argumentação não se dissocia da necessidade de adesão do auditório; sendo assim,
é a partir dele que serão decididos a escolha dos argumentos, assim como a amplitude e a
ordem em que são apresentados.

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