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Caderno de Resumos
Campinas – SP
Instituto de Estudos da Linguagem – UNICAMP
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COMISSÃO ORGANIZADORA
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APRESENTAÇÃO
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DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA E
CULTURAL
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"Haveria, portanto, para o velho uma espécie singular de obrigação social, que não
pesa sobre os homens de outras idades: a obrigação de lembrar, e lembrar bem.
Convém, entretanto, matizar a afirmação de Halbwachs. Nem toda a sociedade
espera, ou exige, dos velhos que se desencarreguem dessa função. Em outros
termos, os graus de expectativa ou de exigência não são os mesmos em toda parte.
O que se poderia, no entanto, verificar, na sociedade em que vivemos, é a hipótese
mais geral de que o homem ativo (independente de sua idade) se ocupa menos em
lembrar, exerce menos freqüentemente a atividade da memória, ao passo que o
homem já afastado dos afazeres mais prementes do cotidiano se dá mais
habitualmente à refacção do seu passado."(BOSI, Éclea, 1994, p. 63)
O passado, sob esse prisma, é dinâmico, vivo por estar vinculado ao movimento e
esse à subjetividade do sujeito, bem como à sua história, o seu presente, a objetos... E à
função social.
Virão vozes e silêncios contidos nessas vozes ressignificados na passagem do tempo,
pelas circunstâncias e subjetividades envolvidas no momento da entrevista, da produção
narrativa, do tema narrado.
Ao mesmo tempo “a experiência que passa de pessoa a pessoa” como fonte
inspiradora das narradoras continuaria sucessivamente acontecendo na seqüência da
pesquisa, também se considerarmos que o pesquisador/pesquisadora é mais uma pessoa a
ter acesso às inúmeras experiências contadas e por conseguinte quem tivesse acesso aos
resultados desse estudo também. Seria uma cadeia interativa e gradativamente sucessiva
inter/entre experiências e subjetividades, inúmeras possibilidades de leitura e recepção, de
recorte e reconstrução. Embora não exista a última palavra nas ciências humanas, deve ser
observada a responsabilidade do pesquisador enquanto leitor cujo lugar permitirá ou
indicará a feitura de recortes, intervenções... Responsabiliza-se também pela exposição
explícita da subjetividade de outrem.
estudo. Nas narrativas que aparecerão em meu estudo, atos particulares serão expostos,
porém atos particulares tem um conjunto de dados em que permeiam atos, discursos
coletivos.
Por tudo isso, a pesquisa será qualitativa e exploratória por meio de estudos
bibliográficos e em campo. Este trabalho vale-se de pressupostos da abordagem
(auto)bibliográfica, pois pretende utilizar as histórias de vida de mulheres que
compartilham na sua história um mesmo centro cultural.
Ela acontecerá nas seguintes etapas: estudo bibliográfico; escolha dos prováveis
sujeitos; acesso ao arquivo documental do CECREMAM, elaboração de ficha cadastral e
roteiro para as entrevistas; planejamento das atividades com o grupo de mulheres:
apresentação dessa pesquisa/preenchimento da ficha, autorização para as gravações,
entrevistas e narrativas orais, transcrição e escritura das narrativas biográficas, análise dos
dados.
A metodologia está suscetível à mudança. Sempre em todo processo, a atenção à
ética na pesquisa se fará presente.
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A partir das informações, sons e entrevistas coletados nas atividades dos projetos e
nas ruas, os programas serão construídos no formato podcast e serão disponibilizados no
portal do Biotecnologias de Rua, mais precisamente no blog Calçadão
<www.labjor.unicamp.br/biotecnologias/calcadao>, criado para acompanhar e compartilhar
o desenvolvimento das ações propostas. Espaço criado para reunir, mas sem prender, as
“aglomerações, trânsitos, fluxos de textos, imagens, sons, vídeos numa proposta de
laboratório aberto. Um experimentar contínuo de jogos com/pelas escritas, imagens, sons,
vídeos” (Blog Calçadão).
A intenção de cada programa será perpassar questões cuja abordagem não é comum
em termos de divulgação científica, mas que têm total pertinência e potência: vida, medida,
tempo, dados, acaso, arte, querer... Para isso acontecer, escolhemos utilizar não apenas um,
mas vários formatos radiofônicos pertencentes ao gênero jornalístico, dentre os quais
podemos citar: nota, notícia, reportagem, entrevista, comentário e boletim.
Segundo Barbosa Filho (2003), dentro do gênero jornalístico – cujo objetivo é
atualizar o público por meio da divulgação, acompanhamento e da análise dos fatos (p.89),
o formato divulgação tecnocientífica “tem a função de divulgar e, consequentemente,
informar a sociedade sobre o mundo da ciência, com roteiros apropriados e linguagem que
seja acessível à maioria da população" (p.109).
A inserção do rádio no projeto não ficará limitada ao intuito de diminuir o déficit de
conhecimento das pessoas, de alfabetizá-las cientificamente, como queria Roquette Pinto,
em 1923, quando criou, com um grupo de cientistas e intelectuais, a primeira rádio
brasileira com propósitos educativos, culturais e de difusão científica – a Rádio Sociedade
do Rio de Janeiro (atual Rádio MEC). Roquette Pinto acreditava que o rádio, enquanto
nova tecnologia na época – posteriormente acompanhado pelo cinema –, “por sua
capacidade de alcançar mesmo aqueles mais distantes e pobres” (Rádio Sociedade –
Fundação FioCruz), permitiria uma disseminação barata, rápida e fácil dos conhecimentos.
“A partir de agora, todos os lares espalhados pelo imenso território do Brasil
receberão livremente o conforto moral da ciência e da arte pelo milagre das ondas
misteriosas que transportam, silenciosamente, no espaço, as harmonias” (Roquette-Pinto,
1927, p. 236).
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A ideia defendida por ele de que “no Brasil, o rádio e o cinema têm que ser a escola
dos que não têm escola” (MASSARANI; MOREIRA, 2003, p. 50) e adotada por muitos em
divulgar as ciências pelas ondas do rádio se modificou no decorrer da história.
Acreditamos na possibilidade e na potência de uma divulgação científica que
movimente pensamentos, ideias e que não se limite aos modelos praticados pelos meios de
comunicação, que se pautam pelo convencimento, pelas respostas/imagens prontas, ao que
é bom ou mal, certo ou errado. Por meio da sinestesia e da sonoplastia, tentaremos fugir das
representações e dos sentidos dados e repetidos e, com isso, possibilitar aos ouvintes sentir,
cheirar, ouvir e degustar as ciências, as biotecnologias, dentro de outras lógicas.
Encontro-me com a proposta do projeto Biotecnologias de rua, de expor as mesmas
como produções culturais e produzir, com elas, novos conhecimentos, explorando as
possibilidades e potencialidades do rádio, dos sons.
Referências:
BARBOSA FILHO, André. Gêneros radiofônicos: Os formatos e os programas em
áudio. São Paulo: Paulinas, 2003.
MASSARANI, Luisa, Moreira, Ildeu de Castro, Brito, Fátima (org.). Ciência e público:
Caminhos da divulgação científica no Brasil. Rio de Janeiro: Casa da Ciência/UFRJ,
2002.
MOREIRA, Ildeu, MASSARANI, Luisa. A divulgação científica no Rio de Janeiro: um
passeio histórico e o contexto atual. Revista Rio de Janeiro, n. 11 , set.-dez., 2003.
DOSSIÊ TEMÁTICO. http://www.forumrio.uerj.br/publicacoes_fase3_n11.htm
RIPOLL, D. . Testagens Genéticas: poderosas (e arriscadas) armadilhas da mídia
contemporânea?. In: 16º COLE -Congresso de Leitura do Brasil, 2007, Campinas,
SP. Anais do 16 COLE - Congresso de Leitura do Brasil. Campinas, SP :
ALB/UNICAMP, 2007. v. 1. p. 1-9.
VOGT, Carlos et al. Percepção pública da ciência: uma revisão metodológica e resultados
para São Paulo. In: Indicadores de ciência e tecnologia do estado de São Paulo. São
Paulo: Fapesp, 2005. Disponível em:
http://www.fapesp.br/indicadores2004/volume1/cap12_vol1.pdf . Último acesso: mar.
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Referências bibliográficas
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Martins Fontes.
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Editora Unesp.
SERRANI, S. (2005) Discurso e Cultura na Aula de Língua. Campinas: Pontes.
SERRANI, S. (2008) Antologia: escrita compilada, discurso e capital simbólico. Alea, v.
10, n. 8, jul-dez.
SERRANI, S. (2008) Antologias, Discurso e Memória Cultural. O dialogismo em
compilações bilíngües de poesia argentina. Aletria, v. 17, jan-jun.
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Breve Bibliografia
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Comunicação para ciência e ciência para comunicação. Brasília: Embrapa Informação
Tecnológica, 2003.
BUENO, W. da C. Comunicação Empresarial: teoria e pesquisa. São Paulo, Editora
Manole, 2003.
CALDAS, G. Jornalistas e Cientistas: uma Relação de Parceria. In: DUARTE, J.;
BARROS, A. T. de. (Org.). Comunicação para ciência e ciência para comunicação. Brasília:
Embrapa Informação Tecnológica, 2003.
INSTITUTO DE PESQUISAS TENCOLÓGICAS DO ESTADO DE SÃO PAULO S.A.
(IPT) Agenda de competitividade para a economia paulista. IPT: São Paulo, 2007.
KUMAR, K. Da Sociedade Pós-Industrial à Pós-Moderna: novas teorias sobre o mundo
contemporâneo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
VOGT, C. (Org.). Cultura Científica: Desafios. São Paulo: Editora da Universidade de
São Paulo: FAPESP, 2006.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Paulo: Publicações avulsas do Instituto Pau Brasil de História Natural, 1999.
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O jogo da divulgação: roteiro para uma instalação baseada n’O Oco, de Hilda Hilst
A hipótese é de que a divulgação não seja capaz de destruir a obra, que é irredutível
em si, mas crie relações no palco complexo do discurso que geram redes de conceitos,
próprios das escolhas com as quais os produtos de divulgação foram estruturados.
Essa proposição, no entanto, não nos livra de um certo incômodo. Incômodo que
lembra o notado por Adorno ao ouvir a expressão “crítica cultural”. Uma flagrante
contradição: “o próprio sujeito [que julga] é mediado até a sua composição mais íntima
pelo conceito ao qual se contrapõe como se fosse independente e soberano.” (ADORNO,
1998, p. 7).
Se fizéssemos uma analogia entre a relação arte/filosofia pensada por Zourabichvili
e uma relação obra/divulgação, poderíamos dizer que a obra literária aplica-se àquilo que
na condição da divulgação resiste à divulgação – assim como a arte aplica-se àquilo que na
condição da filosofia resiste à filosofia.
Para François Zourabichvili, é no estabelecimento da relação entre filosofia e arte
que a filosofia toma uma nova consciência de si mesma ou de sua condição. De acordo com
ele, essa relação é necessária pois a filosofia, em busca de uma relação enunciável com o
confuso como tal, encontra na arte a disciplina de pensamento ao qual incumbe essa
confusão sensível. Isto é, a arte propõe ao pensamento humano uma segunda via possível:
“não mais do confuso ao distinto, todavia, do confuso ao confuso, em uma operação que a
eleva em sua própria perfeição (uma “clareza” que lhe é própria)”. (ZOURABICHVILI,
2005, p. 98).
O incômodo permanece: se a literatura resiste ao jogo da divulgação, como jogar?
No plano teórico, quais categorias poderiam nos auxiliar nesse projeto com Hilda Hilst,
cuja prosa enceta séries de elementos próprios como anarquia de gêneros, múltiplas vozes
que se apropriam de cenários do fluxo, personagens incompletas, anti-narradores etc?
Divulgar é vulgarizar. Sempre que o conceito vem à tona, há um jornalista ou um
curador para destacar a conotação positiva do termo (vulgarizar no sentido de “tornar
público”), remetendo à expressão francesa vulgarisation scientifique.
Divulgar é mediar. Tenta-se refutar o senso-comum que traz o efeito de “tornar de
má qualidade”. Todavia, a morte de uma obra, sempre quando mediada, é um espectro que
continua a assombrar todo projeto de divulgação.
“Como você confronta os heterogêneos? Que regra você inventa? Que regra garante
que cada termo não permaneça separado na sua conjunção com o outro, que não há simples
choque, mas contaminação? (...) Com efeito, a obra só nos faz jogar quando estamos
submetidos a uma regra; sem isso ela apenas é agitação de termos heterogêneos, espécie de
coqueteleira para determinações puras entregues como tal.” (ZOURABICHVILI, 2005, p.
107).
Contaminações, fragmentos, metamorfoses. Perversão e não oposição frontal. O
roteiro para uma instalação baseada no texto O oco, do livro Qadós, é a experiência inicial
desse projeto que, num escopo interdisciplinar, se permite participar do jogo da divulgação
literária em espaços expositivos.
Uma aposta na obra literária de Hilda Hilst e em sua literatura que enfrenta
fantasmas inalienáveis a um projeto libertador que ao final não se cumpre, acabando por
encontrar dolorosamente o nada, o oco.
Uma aposta – pois sempre há “o perigo que a jogada aparentemente certeira não
passe de uma pseudo-jogada, e o jogo, de uma ilusão convencida de que se está jogando”.
(ZOURABICHVILI, 2005, p. 107).
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BIBLIOGRAFIA
ADORNO, Theodor W. Prismas. Crítica cultural e sociedade. São Paulo: Editora Ática,
1998.
BATCHEN, Geofrey. Histórias de assombração: os princípios e os fins da fotografia. In:
TURAZZI, Maria Ignez (org). Fotografia. N. 27, 1998, p. 46-69.
DELEUZE, Gilles. Crítica e clínica. Trad. Peter Pál Pelbart. São Paulo: Ed.34, 1992.
HILST, Hilda. Qadós. São Paulo: Edart, 1973.
PÉCORA, Alcir. hilda hilst: call for papers. Agosto de 2005. Disponível em:
http://www.germinaliteratura.com.br/enc_pecora_ago5.htm. Acesso em: 1/10/2008.
PELBART, Peter Pál. A vertigem por um fio: políticas da subjetividade contemporânea.
São Paulo: Iluminuras-Fapesp, 2000.
VERGARA, Moema de Rezende. Ensaio sobre o termo “vulgarização científica” no Brasil
do século XIX. In: Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p.
137-145, jul/dez 2008. Disponível em: http://www.mast.br/arquivos_sbhc/352.pdf. Acesso
em: 30/10/2009.
ZOURABICHVILI, François. O jogo da arte. In: LINS, Daniel (org). Nietzsche e Deleuze.
Arte e resistência. Simpósio Internacional de Filosofia, 2005. Rio de Janeiro: Forense
Universitária; Fortaleza: Fundação de Cultura, Esporte e Turismo, 2007.
Catálogo e fotos da exposição Hilda Hilst 70 anos (SESC Pompéia, SP, 2000)
Catálogo da exposição O Caderno Rosa de Hilda Hilst (CEDAE-IEL-UNICAMP, 2005)
Catálogo da exposição Exercícios para uma exposição (Teatro Centro da Terra, SP, 2009).
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Por ser uma forma cultural, a história é entendida, também, como um discurso que
cria sentidos sobre o mundo e que estabelece relações entre tempo presente e tempo
passado. Em A história repensada, o historiador inglês Keith Jenkins definiu o conceito de
história que ele denomina como “pós-moderno”.
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tema literatura e história pós-modernas. A pesquisa foi realizada no banco de teses online
da CAPES, tendo sido utilizada as palavras chave “literatura e história”, “pós-
modernidade”, “metaficção historiográfica”, “novo romance histórico”. Apesar de a
pesquisa ter abrangido cerca de 20 anos, as teses selecionadas foram todas defendidas no
ano de 2007.
Os trabalhos selecionados para análise têm os seguintes títulos, autores e instituições
de origem, respectivamente: A metaficção historiográfica no romance 'os cús de Judas', de
Antonio Lobo Antunes, de Haide Silva, defendida na Universidade de São Paulo (USP);
Imagens líquidas na obra de Augusto Abelaira: sujeito e história na pós-modernidade, de
Edimara Luciana Sartori, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); A história
editada – o novíssimo romance histórico, de Benedito Costa Neto Filho, da Universidade
Federal do Paraná (UFPR); Fronteiras de literatura e história: a escrita de Sérgio Buarque
de Holanda em “Caminhos e Fronteiras", escrita por Silvana Seabra Hooper, da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Bibliografia
Castells, Manuel. A galáxia da Internet: reflexões sobre a Internet, os negócios e a
sociedade. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
Foucault, Michel. O poder psiquiátrico: curso dado no Collège de France (1973-
1974). Edição estabelecida por Jacques Lagrange. Trad. Eduardo Brandão. São
Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 69. (Tópicos)
Hutcheon, Linda. Poética do pós-modernismo: história, teoria e ficção. Trad. de
Ricardo Cruz. Rio de Janeiro: Imago, 1991.
Jenkins, Keith. A história repensada. 3 ed. Trad. Mario Vilela. São Paulo: Contexto,
2007.
Rago, Margareth. “O efeito-Foucault na historiografia brasileira”. In: Tempo Social.
Revista de sociologia da USP. São Paulo, n. 7, out/1995, p. 67-82.
Vasconcelos, José Antonio. Quem tem medo de teoria: a ameaça do pós-
modernismo na historiografia americana. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2005.
White, Hayden. Teoria literária e escrita da história. Obtido em:
http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/132.pdf. Acessado em 30/10/2009.
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“(...) Os anos 60 foram uma das décadas mais excepcionais da história americana
em termos de costume e moral [...]Todo esse lado da vida americana que aflorou
com ascensão americana do pós-guerra enfim destampou tudo – os romancistas
simplesmente viraram as costas para tudo isso, desistiram por descuido. E restou
uma enorme falha nas letras americanas, uma falha grande o suficiente para permitir
o surgimento de um desengonçado caminhão-reboque Reo como o Novo
Jornalismo”. (2005: página 51)
Para ele, o caminhão reboque que é o new journalism abarca toda esta realidade
multifacetada e em profunda transformação, ao passo que o aparente descuido dos literatas
forneceu ao jornalismo a possibilidade de combater a crise da narrativa.
Jornalistas como Truman Capote, Gay Talese, Tom Wolfe, dentre muitos outros,
filiados a uma concepção de representação da realidade, que é justamente a força motriz do
jornalismo convencional, procuraram dar espaço a assuntos inusitados no sentido de dar
vida, visibilidade e estatuto de real a sujeitos ou casos muitas vezes esquecidos pela grande
imprensa.
Inúmeras obras vinculadas ao new journalism foram construídas por meio de uma
apuração demorada de dados e fatos, sendo esta uma das principais características
defendidas por seus seguidores. Contudo, as atuais transformações no campo da
comunicação, como a digitalização na fotografia, a interação dos internautas e a grande
quantidade de canais para produção da informação demonstram de maneira mais evidente
que a fidelidade à realidade diz respeito a construtos sociais com múltiplos sentidos e que
ela é sempre imaginária mesmo quando não deixa seu caráter de confabulação evidente.
Para a elaboração deste estudo, à luz dos textos teóricos já mencionados, a
metodologia utilizada será a mediação entre trechos da obra A sangue frio, de Truman
Capote, que propõe o retrato de uma situação bárbara e tida como um expoente do new
journalism e trechos de Grande Sertão Veredas, de Guimarães Rosa como por exemplo:
“-Eu queria decifrar as coisas que são importantes. E estou contando não é uma vida de
sertanejo, seja se for jagunço, mas a matéria vertente ." (grifo meu), que apostam numa
problematização da linguagem, do sujeito e das possibilidades do narrar.
Através das ferramentas teóricas pretende-se analisar as avenças e desavenças entre
literatura e jornalismo sob um viés histórico. A proposta não é realizar a defesa de uma
modalidade ou de outra, mas vê-las, como já dito anteriormente, em suas especificidades e
confluências.
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Referências Bibliográficas
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CASTELLS, Manuel. A era da informação: Economia, sociedade e cultura – Sociedade
em rede. Volume 1. 11ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2008.
CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a
sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.
CERTEAU, Michel de. A invenção do Cotidiano: Artes de Fazer. Vol. 1. Petrópolis,
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tempo". Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 22, nº2, p. 15-46, jul./dez. 1997.
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A proposta do meu projeto de mestrado é um encontro entre o RPG (Role Playing Game) e
a divulgação científica. Pressuponho que tal encontro permitirá refletir sobre a divulgação
científica como uma ficção que fabule. Uma fabulação inspirada no conceito proposto pelo
filósofo Gilles Deleuze (2003). Seria tal encontro capaz de desestabilizar os discursos
fixados em uma ordem prévia, ordem daquilo que é reconhecido como o bem divulgar, o
bem falar sobre a ciência? Interessa-me pensar na potência do RPG para criar narrativas
que rompem com a relação de causalidade, com a continuidade temporal e com uma
comunicação baseada na recognição, desmontando as narrativas que predominam nas
mídias. Para isso, proponho um estudo que passe pelas relações entre ficção e divulgação
científica, mas que fuja à lógica de polarização; que passe pela questão da narrativa, mas
problematize o lugar do narrador, a própria noção de narrador; que passe pela mesa de jogo,
mas que busque perceber a presença e a ação dos não-humanos (dados, fichas de
personagens, livros, objetos presentes no jogo). O projeto insere-se num projeto de pesquisa
e extensão maior – Um lance de dados: jogar/poemar por entre bios, tecnos e logias – e
pretende ampliar suas possibilidades de pesquisa e atuação no campo da divulgação
científica.
Existe na divulgação científica, mais especificamente no caso das biotecnologias,
um modelo do que seja divulgar a ciência que se quer predominante. Ensinar o
conhecimento, esclarecer as questões, identificar e reconhecer os objetivos e coletar os
resultados das ações no público “leigo”. Esse modelo é um lugar de morte, controle e
moralização dos discursos e das pessoas. O bom proceder, o bom comer, o bom viver
funcionam como alerta para evitar um mal que espreita e ameaça. Ao contrário disso,
pretendo pensar o RPG como proliferação, criação, destruição de ideas e de signos. Por isso
aposto que o conceito de fabulação escape aos modelos que solidificam o pensar e operam
por uma lógica de exclusão (o certo e o errado):
(...) a fabulação nada tem a ver com gêneros, moral, produção de medos científicos
ou míticos, que terminam por expor o outro como condenação ou fatalidade.
Também não se trata de eliminar a ficção, mas de libertá-la do modelo de verdade
que a penetra e corrói, função da fabulação (DIAS, 2008, p.149).
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Antes, quer deslizar por entre as frestas e pelas sombras dos livros de RPG. Experimentar,
pelo sensível, o que está presente nas crônicas e nos cenários. Nas fabulações que contam
lendas de lobisomens e nas imagens que ilustram esses livros. Não traduzir as referências,
mas apreender o que ali se constrói, as linhas e as palavras que criam sua própria realidade.
Diversos signos potentes na divulgação científica transpassam o RPG que os formula a sua
maneira, não como síntese, representação ou referência, mas segundo seus próprios devires.
Apocalipse, ficção, realidade, magia, presas, caçadores, cura e doença, mar são alguns
exemplos de elementos que implodem esses ditos e pelos quais pretendo errar.
O jogo de RPG (a mesa de jogo, local em que se reúnem os jogadores) está repleto
de não-humanos, de (arte)fatos. Os dados que traçam o destino dos personagens, as fichas
que descrevem os personagens, as lapiseiras, as borrachas, os livros e os desenhos (feitos
pelo narrador ou pelos jogadores) que são mapas, e movimentos sobre esse mapa, pelos
quais os mestres narram o lugar e sobre o qual, em sua superfície, acontece a narrativa. As
fichas de personagens são marcadas pela própria narrativa, por aquilo que se passou em
jogo, cada risco feito para os ferimentos sofridos, apagados depois que curados, vão
esfacelando o papel, como a carne em resistência a doença e a morte, mas vai fadigando e
rasgando. As fichas marcam também o personagem, o descreve, o limita e o possibilita: se
o personagem pode correr, pode fugir, pode se esconder? A ficha o diz com que habilidade.
Os dados que ao serem jogados dizem o futuro, assim como búzios. Mas os jogadores
também influenciam os dados: mente os resultados obtidos, os jogam novamente em cada
oportunidade em que escapam (intencional ou propositalmente) da vigilância dos outros
participantes. Assim, jogador, personagem e materialidade se relacionam mutuamente, sem
hierarquias de poder. Como o não-humano de Pasteur: o fermento (LATOUR, 2001). Que
para se tornar ator principal do processo da fermentação precisam interagir: cientista, a
Academia e o fermento. Mutuamente, sem hierarquia. Ocorre aquilo que Latour chamou de
evento - conceito que este projeto pretende pensar junto com o conceito de acontecimento -
após o triunfo do artigo de Pasteur, nem a Academia, nem o fermento, nem o cientista são
mais os mesmos, mudaram. O fermento se torna ator do fenômeno, Pasteur recebe os
méritos e a Academia muda sua concepção. Assim como o RPG que após a narrativa-
evento nada mais é o mesmo, a ficha, o personagem e os jogadores. Nesse encontro entre
humanos e não-humanos parece haver uma fabulação, como proponho buscar também entre
artefatos e humanos na mesa de RPG.
O projeto almeja pensar as potencialidades e limites do encontro entre o RPG e a
divulgação científica. Não uma divulgação que obedece a lógica do ensinar e do aprender.
Mas uma divulgação que reconhece a ciência como cultura, não só como laboratório. Como
materialidade, como discurso, como intenções, como humanos. Uma cultura que não é
monolítica, mas híbrida e constantemente dinâmica, onde sua obstrução mesmo que por
pouco tempo pode significar uma questão de vida ou de morte.
Bibliografia
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Por fim, vale mencionar que, com base nos subsídios da pesquisa, pretendemos
ainda desenvolver uma proposta de divulgação científica dos temas da saúde em uma
televisão por Internet, na qual a participação das pessoas – pesquisadores, público e
gestores –, configure-se em uma possibilidade de aplicação.
BIBLIOGRAFIA RESUMIDA
CASTELLS, M. A Sociedade em Rede (A era da informação: economia, sociedade e
cultura; v.1). São Paulo, Paz e Terra, 1999.
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faça parte do contexto em que está inserido, mas há também aspectos negativos, tais como
imposições para que este corpo alinhe-se a um modelo previamente descrito, dentro de
padrões socialmente impostos.
Mauss (1974) diz que há um “valor crucial, para as ciências do homem, de um
estudo da maneira pela qual cada sociedade impõe ao indivíduo um uso rigorosamente
determinado de seu corpo” (MAUSS, 1974, p. 2). Essa afirmação nos leva a crer que
devemos sim direcionar nossos olhares ao corpo, porém, para tal, há várias lupas que
podemos utilizar. Exemplos dessas lupas podem ser: a educação dos corpos; a influência da
mídia nos padrões estéticos e de comportamento; a estrutura familiar; aspectos
arquitetônicos e de tecnologia como sobre pungentes às maneiras de uso dos corpos; a ética
e a moral; o regime político em voga. Este último influencia as concepções de corpo e
como as contradições desse mesmo sistema fazem com que tanto as concepções, como as
subversões e os usos dos corpos se modifiquem paulatinamente.
O corpo utilizado para imprimir técnicas e representações sempre fez parte da
história humana, contribuindo para o estabelecimento das relações sociais, as quais podem
ser consideradas simbólicas. Os símbolos presentes nas instituições e nos costumes
humanos são construídos socialmente e culturalmente (MAUSS, 1974).
Não há uma relação hierárquica entre o corpo e a cultura, política, economia, mas
vertentes de observação. Porém, o que podemos ou devemos ressaltar é que o corpo pode
dizer muito mais do que a visão de certos óculos (instituições ou aparatos sociais). Ele traz
todos os elementos de que precisamos, para nos debruçarmos em suas nuances, uma vez
que todas as manipulações simbólicas em que as ciências visam o humano, na verdade
atingem o corpo, desde a fetichização até a dissecação (ALMEIDA, 2001).
Pensando no aspecto tecnológico, há uma importância em conhecermos como se
dão os usos dos corpos no momento histórico atual em que a tecnologia está acima dos
próprios movimentos corporais (MAUSS, 1974). Isso porque a positividade direcionada ao
corpo nas atividades sociais reforça a idéia de que ele é um mero objeto a ser manipulado e
apropriado por essas. Fragmentá-lo é, portanto, a forma mais utilizada, creditada e eficaz
para dar conta de minudenciar seu funcionamento, tentando torná-lo apto a viver num
mundo, em que a velocidade (instantâneo) e o consumo são exacerbados.
“Pode-se afirmar aqui que o corpo vem sendo tanto objeto quanto a vítima
preferencial da civilização” (SOARES; ZARANKIN, 2004, p. 25), sendo a maneira como o
indivíduo na sociedade faz uso de seu corpo, num contexto histórico específico,
simbolicamente constituído, remete a significados distintos ao longo da História, seja
limitando suas potencialidades, inviabilizando expressões corporais diferenciadas do
homogêneo social; como também servindo de seus padrões (o do corpo) para organizar a
própria sociedade.
Outro aspecto relevante é de que, segundo Geertz (1989), a cultura, norteada e
legitimada por uma ideologia, define um padrão de significados, envoltos pelo simbólico e
materializados pelo comportamento social, o qual opera publicamente, via de regra, e
especialmente através de imagens, por isso torna-se meio e alvo de controle social.
O controle dos corpos, sejam eles azuis ou não, se dá de forma sutil quando
pensamos na aparência. A liberdade é uma ilusão, que contrapõem-se a submissão dos
corpos à imagens e representações.
Mesmo na medicina, uma intervenção direta do/no corpo, o monitoramento é via
“inscrição mediatizada dos processos corporais” (VIEIRA, 2003, p. 320), como os raios-X,
o eletrocardiograma etc., direcionando os olhares para ele (através da tecnologia),
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Referências
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MAUSS, M. Sociologia e antropologia. São Paulo: EPU – Ed. da Universidade de São
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VIEIRA, J. L. Anatomias do visível: cinema, corpo e a máquina da ficção científica. In:
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Letras, 2003. pp. 317-345.
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LINGÜÍSTICA
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O resultado da pesquisa que desenvolvo junto ao Corpus Tycho Brahe dos contextos
de uso de estruturas de tópico do português clássico mostra que essa gramática tem o
comportamento de línguas V2, especificamente, no que diz respeito à tendência de formar
sentenças raízes com o verbo flexionado em segunda posição e um constituinte qualquer da
oração, inclusive o sujeito, realizado na periferia esquerda, na forma de estrutura de tópico
e/ou na forma de estrutura de adjunção. A freqüência elevada de uso de estruturas de tópico
e/ou adjunto na ordem padrão V2 com o sujeito expresso em posição pós-verbal,
configurando a inversão germânica, é o fator que assegura a ordem SV, projetada com o
deslocamento desse constituinte para a periferia esquerda, como uma ordem marcada.
Outra peculiaridade do português clássico, atestada na pesquisa, é a tendência de
uso do clítico em próclise nessas sentenças de ordem V2, qualquer que seja a categoria do
sintagma pré-verbal. Nas formulações de Galves; Britto e Paixão de Sousa (2005), a ordem
de disposição do clítico define a posição interna e/ou externa à estrutura prosódica da
oração de realização do sintagma pré-verbal nas sentenças do português dos séculos 16-17.
A disposição do clítico em próclise, nessas orações, assegura a posição interna à estrutura
prosódica da frase de realização do sintagma pré-verbal; o uso da ênclise, por seu turno,
define a projeção do sintagma pré-verbal em posição anterior ao sintagma intoacional da
oração. Nas estruturas de adjunção, a variação da posição de realização do clítico define o
alinhamento da fronteira prosódica da oração, respectivamente, no segmento mais alto e/ou
mais baixo de CP.
O objetivo deste trabalho é apresentar os fatos linguísticos atestados na pesquisa que
evidenciam a interação de fatores sintático-prosódicos no desencadeamento da ordem
padrão V2 no licenciamento de estruturas de tópico e/ou adjunto, definida pelo uso de
clítico em próclise nas sentenças que dispõem deste pronome e, por conseguinte,
evidenciam os motivos de variação de uso dessas construções com o clítico disposto em
ênclise.
Entre os fatos lingüísticos evidenciados, está a propriedade do português clássico de
licenciar o fronteamento do objeto. na forma de estrutura de Topicalização e/ou na forma
de Deslocada à Esquerda Clítica, em posição interna e/ou externa à estrutura prosódica da
oração. A realização do clítico em próclise é generalizada nas ocorrências que apresentam o
objeto fronteado na forma de estrutura de Topicalização, havendo o desencadeamento da
próclise mesmo em ambientes não categóricos:
1) Esta singular virtude da caridade lhes quis Nosso Senhor pagar, (CTB-S_001_1556-
1632).
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Este trabalho tem como objetivo principal investigar se existem diferenças entre as
classes de recuperação e as que não são de recuperação, instituídas pelo próprio sistema de
ensino, do estado de São Paulo. Visa constatar ainda quais papéis são alocados para os
alunos de recuperação “especial”, da 8ª série da Recuperação de Ciclo II, em comparação
com outros adolescentes da 8ª série considerada “normal”.
Por último, nosso objetivo também é verificar se as produções escritas desses alunos
colocados em classes de recuperação podem ser avaliadas discursivamente como
insuficientes, e também se as redações dos alunos de classes “regulares” são superiores às
dos primeiros. Utilizaremos as redações do SARESP (Sistema de Avaliação e Rendimento
das Escolas de São Paulo), referentes ao ano de 2005, escritas por alunos da oitava série,
tanto de classes “normais” quanto de classes de “recuperação”.
Com esse estudo verificaremos se as maneiras de conduzirem os alunos ou não para
a etapa seguinte de sua vida escolar são pedagogicamente falhas e politicamente
inadequadas, sufocando talvez o projeto pedagógico, podendo trazer consequências
desastrosas ao processo educacional.
Para a realização do presente trabalho, nossa abordagem teórico-metodológica
seguirá o que preconiza a Teoria do Letramento (Tfouni, 1996, 1998, 1992, 2001, 2005,
2006).
O letramento é um fenômeno de cunho social que salienta as características sócio-
históricas ao se adquirir um sistema de escrita por um grupo social, é o estado em que vive
não apenas o sujeito que sabe ler e escrever, mas todos os indivíduos que vivem na
sociedade que é largamente letrada.
Dentro da perspectiva sócio-histórica, argumenta a autora, o que existe de fato nas
sociedades industriais são graus de letramento, o que significa que o iletrado não existe em
tais sociedades que se organizam fundamentalmente por meio de práticas escritas. É preciso,
argumenta Tfouni, trocar iletrado por “mais” ou “menos” letrado, visto que todos são
letrados; o que varia é o grau de letramento.
Os estudos sobre o letramento, deste modo, não se restringem somente àquelas
pessoas que adquiriram a escrita, isto é, aos alfabetizados. Buscam investigar também as
conseqüências da ausência da escrita a nível individual, mas sempre remetendo ao social
mais amplo, isto é, procurando, entre outras coisas, ver quais características da estrutura
social têm relação com os fatos postos, diz Tfouni.
De acordo com os estudos da autora, os não-alfabetizados têm sim capacidade para
descentrar seu raciocínio e resolver conflitos e contradições que se estabelecem no plano da
dialogia.
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A explicação para isso, segundo Tfouni, “(...) não está em ser, ou não alfabetizado
enquanto indivíduo. Está sim, em ser ou não, letrada a sociedade na qual esses indivíduos
vivem. Mais que isso: está na sofisticação das comunicações, dos modos de produção, das
demandas cognitivas pelas quais passa uma sociedade como um todo quando se torna
letrada, e que irão inevitavelmente influenciar aqueles que nela vivem, alfabetizados ou
não”. (1996, p.27).
Por todos esses motivos, acreditamos que se considerarmos que o educando vive em
uma sociedade permeada por um sistema de escrita cujo uso é amplo e generalizado, e,
portanto, sofre a influência (mesmo que indireta) do código escrito, certamente, não o
representaríamos como um aluno que chega à escola, desprovido de qualquer conhecimento
acerca da linguagem escrita, sem história(s) de letramento(s) alguma(s), sem história(s) de
leitura(s), enfim.
Dentro desse contexto, cumpre ressaltar que a autora considera fundamental que
mostremos aos alunos para que fins a escrita serve, bem como a utilidade social e prática da
leitura, pois, de acordo com ela, a escrita “(...) somente faz sentido dentro de práticas
discursivas que permitam ao aprendiz olhar a escrita como um mediador entre ele, o mundo
e o outro”. (1996, p. 2).
Vale dizer, por fim, que, caso esses fatores não sejam observados pelos professores,
aqueles inseridos nesse contexto, “(...) o aluno pode até ser alfabetizado, como afirma
Tfouni (1996), mas com certeza não atingirá graus mais altos de letramento do que aqueles
que possuía anteriormente, visto que a adoção de objetivos distorcidos, sem relação com a
natureza intrínseca do ato de ler e escrever, coloca para o sujeito do discurso apenas um
lugar disponível, e este é o da reprodução daqueles textos que a escola considera
importantes para atingir seus objetivos estritos”. (Tfouni, op.cit.:6).
Não podemos ser ingênuos, entretanto, de acreditar que a proposição do letramento
possa resolver todos os males do sistema educacional brasileiro. Afinal, como qualquer
outra atividade organizada socialmente, o letramento produz sentidos. Esses sentidos se
materializam em práticas discursivas, as quais, por sua vez, vão determinar esquemas de
papéis, quando colocadas em ação. (Tfouni, 1998).
Por essa prática equivocada, em relação aos alunos serem colocados em classes
“especiais” para recuperação, como foi dito, o conhecimento letrado do aluno (prévio) não
é considerado nesse processo. Pois sempre se espera do aluno que ele seja capaz de aplicar
“todas” as regras gramaticais, por exemplo, quando muitas vezes, nem o próprio professor é
capaz de fazê-lo. O processo discursivo pedagógico torna-se autoritário e, em função disso,
estabelece uma relação de dominação exacerbada sobre a fala do aluno e de exagerada
posse de conteúdo por parte do professor, que, sustentado pela metalinguagem e pela
apropriação do cientista feita por ele transmite – reproduz saberes científicos
institucionalizados que, muitas vezes são inacessíveis, incompreensíveis e sem sentido para
o aluno. Como conseqüência disso, ele, o educando, cala-se e recolhe-se ao lugar em que, a
nosso ver, a instituição escolar insiste em colocá-lo: o de mero copiador. O professor (o
sistema, na verdade) age como se o sujeito estivesse num grau zero de letramento.
Dentro desse contexto, diz Tfouni, olhar as perdas e os ganhos trazidos pela escrita,
do ponto de vista do letramento, não significa entender que é na escrita que se localiza o
problema, mas sim nas condições sócio-históricas, onde os discursos são produzidos e
lidos, e nos efeitos de sentido que eles produzem.
Concluindo, podemos dizer que investigar o que ocorre nessas classes “especiais”,
de uma forma aprofundada, será de extrema importância para o esclarecimento de algumas
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das preocupações modernas com relação ao ensino seriado, agora dividido em ciclos I e II.
Além disso, as consequências advindas desse processo mal estruturado e colocado em
prática de uma forma desorganizada, trazem sérios problemas aos educandos, daí a
importância de se pesquisar a fundo o que acontece dentro dessas salas de recuperação e
como uma prática pedagógica bem fundamentada pode contribuir com os educadores e com
os educandos, no sentido de levá-los a saírem das posições que os mantêm amarrados a
formações discursivas (impostas pela instituição escolar) que entendem a linguagem como
literal, com os sentidos colados às palavras e como veículo transmissor de verdades únicas
e unívocas. Essas formações discursivas remetem às formações ideológicas (aqui, às que se
referem à instituição escolar) que estão à mercê de uma classe social dominante.
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acessar um benefício maior, o alcance da 'felicidade' e da 'realização’, por esta via, ao que
Baudelaire contraria comparando o trabalho ao sal que mumifica almas.
A análise das marcas lingüísticas encontradas nos corpora privilegiou o recalque da
subjetividade como trabalho da ideologia, desdobrando outros sentidos singulares, na
tentativa de homogeneizar, contornando também, o esquecimento nº. 2 de Pêcheux. Os
diversos usos da língua em diferentes são analisados no trabalho, através do conceito
“posições sujeito”, conceito caro à Análise de discurso por se tratar de um conceito
diferenciado e marcado exclusivamente na análise de discurso pêcheutiana, abordagem à
qual nos filiamos. O uso dos “genéricos discursivos”, conceito cunhado por Tfouni (2001);
marca uma falta no dizer; recurso lingüístico do qual o sujeito lança mão, de acordo com
Tfouni (2001), para tamponar uma falta, fazer um com a língua. Enfatizamos os
movimentos de deriva entre formações discursivas antagônicas, que sugerem posições-
sujeito alienadas ao discurso do Outro, re-assegurando o (des) conhecimento da dor, pelos
sujeitos envolvidos e que ao promover uma saída imaginária os isenta e os exclui do
processo de transformação, expressão maior do sucesso do apagamento da luta de classes.
Os sujeitos dos discursos estão a todo o momento a nos implicar como co-autores de
sua história e a nos convocar como testemunhas dela. Resta-nos indiciar o trabalho des -
subjetivado como ‘veneno’ ao contrário da proposta hegemônica de redenção e ‘remédio’ e
concordar com Baudelaire.
O desafio para nós é procurar os giros discursivos no mais de gozar, lugares nos
quais a dor encontre seu caminho no registro do simbólico. Valemos-nos também em larga
medida, de leituras como as do sociólogo Bauman (1995) nas quais o autor traça
contrapontos teóricos para a atualização do mal-estar na cultura moderna; entre os mais
pujantes, fazemos uso, em nosso arcabouço teórico, de conceitos como ‘modernidade
líquida’ e ‘insegurança’, bem como de suas considerações sobre a ‘religiosidade’ e o
enfrentamento da ‘morte na modernidade’, no que cabe ao nosso tema. No entanto, para
nós, a insatisfação com as impossibilidades pode ser redimida, por exemplo, pelos
processos de saúde e doença, hospitalizações, medicalização enfim, parece-nos que, pela
“porta de entrada da saúde pública”, passam mais fantasias e desejos do que se pode
eventualmente supor.
Faço notar essas construções em análises preliminares dos dados, tais como no
recorte selecionado para este trabalho em que se evidencia o trabalho da ideologia no
discurso dos sujeitos envolvidos com a ilusão de que o trabalho é uma redenção, um fim
para acessar um benefício maior, o alcance da ‘felicidade’ e da ‘realização’, pela via do
trabalho. A estas afirmativas responde Bauman (1995): “(...) as pessoas preferem os
hospitais, os novos meios de mantê-las vivas, em aparelhos para terem a sensação de estar
prolongando a vida quando se está apenas, prorrogando a morte...” (...) Na sequência
selecionada para este início de análise segue um trecho da entrevista gravada e transcrita
por mim; a mesma foi realizada em seu ambiente de trabalho que é um serviço público de
Atenção Psicossocial (CAPS); após o encunciado: “fale – me sobre o seu dia-a-dia de
trabalho, situações às quais você está exposta diariamente”, ao que o sujeito responde por
mais de 1 (uma) hora; a marca entr, foi usada para minhas intervenções e o nome Antônia,
usado para o sujeito entrevistado:
Antônia: (...) “eu vejo assim: o paciente vem aqui, aqui tem psicóloga, fonoaudióloga,
terapeuta ocupacional e psicopedagoga; eles vêm aqui (es)tão na berada...
Entr.: Como assim na beirada? (risos).
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Antônia: De cabelo em pé, deseperada por causa de filho, por causa de marido, uma
depressão terrível, (es)tão, assim, na beirada do precipício, eles chegam aqui tão
desesperado, então, desabam aqui pra nós, nós, cê vê, eu sou escrituraria, mas, eu falo que
isso aqui, a gente é um pouco psicóloga, porque você tem que fazer um acolhimento, super
assim, humanizado, super humano com o paciente, receber super bem, tenta erguer a auto-
estima dele, incutir a idéia de Deus; vai ajudar, a gente faz de tudo, faz o jogo de cintura,
assim, né?
Mobilizamos os ‘quatro discursos fundamentais na psicanálise’, de Lacan (1995),
para procurar evidenciar que no ‘discurso do capitalista’ a ausência da barra da
impossibilidade discursiva pode colocar, entre outros objetos, a religião e a religiosidade
como mercadorias acessíveis ao sujeito desejante e consumidor na modernidade.
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Esta pesquisa de mestrado tem como objetivos (i) oferecer uma primeira análise
entoacional da língua Rikbaktsa, (ii) partindo de evidências entoacionais e segmentais,
propor uma análise da formação de constituintes prosódicos nessa língua, e (iii) oferecer
uma comparação entre análises desses fenômenos da interface fonologia-sintaxe a partir
dos quadros teóricos da Teoria da Otimalidade e de modelos de fonologia derivacional.
Esse último ponto tem como propósito trazer o exercício de comparação entre duas análises
diferentes, de onde emergem os ganhos e as perdas no uso de um ou outro modelo teórico.
Esta comunicação, em particular, apresenta uma abordagem do fraseamento
prosódico em Rikbaktsa, sobretudo do sintagma fonológico e entoacional. Dois passos
compõem este percurso: (i) primeiramente, uma abordagem da entoação de sentenças
declarativas neutras nessa língua, e (ii) uma análise do mapeamento de sintagmas
fonológicos. A comunicação irá focar-se, antendo-se ao critério de concisão, à segunda
questão.
O quadro teórico fundamental para o trabalho é aquele da interface sintaxe-
fonologia, e sobretudo os fundamentos de dois modelos que tratam desse ponto de contato
entre os dois componentes da gramática. Nespor & Vogel (1986) e Selkirk (1986, 1995,
2000 e outros) são representantes das duas vertentes do Programa de Pesquisa Gerativo -
por um lado a perspectiva derivacional, serialista, e por outro a representacional, paralelista.
A distinção entre as duas é relevante para a discussão do trabalho, que pretende oferecer
uma comparação entre análises de um mesmo fenômeno sob duas perspectivas.
A escolha de uma perspectiva otimalista para uma primeira abordagem das questões
de interface não é randômica: trata-se do modelo mais comumente usado para explicar a
interação entre efeitos de interface e efeitos de peso/extensão prosódica, já que o último
exerce inegável influência sobre o mapeamento de sintagmas fonológicos. Cabe à visão
derivacional, em um outro momento, lidar com os mesmos fatores e oferecer seu ponto-de-
vista.
A análise otimalista do mapeamento de sintagmas fonológicos em Rikbaktsa parte
da restrição ALIGN-XP,R, definida abaixo:
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Φs independentes. Há, entretanto, casos mais complexos em que essa restrição apenas não é
suficiente. Em todos os casos em que o fraseamento efetivo difere do previsto, é notável
que dentre os elementos fraseados em um mesmo Φ um deles é formado por menos de três
sílabas. Isso sugere que o fator peso/extensão exerce influência sobre o fraseamento
prosódico em Rikbaktsa, algo comum em outras línguas (como o português europeu para o
domínio de IntP, cf. Elordieta, Frota e Vigário 2005).
Para trabalhar com os efeitos de peso/extensão nessa língua, propomos um critério
empírico de extensão, tal como definido abaixo, em que a língua diferencia por natureza
palavras curtas de longas:
Minimum(Φ)
Um sintagma fonológico deve consistir de ao menos uma palavra longa.
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[] Ocupa a atenção dos presentes o Dr. Gerardo Trintade em nome da "S.A.O.P", não
obstante se tratar de um orador já consagrado nossa opinião foi a de que o Dr. Gerardo
Trindade desempenhou, de maneira impecavel e com grande felicidade, sua missão de
orador oficial da solenidade, havendo produzido magnifica peça oratória e sendo que ao
terminar referiu-se a D. Helvécio, chamando-o de pelo titulo
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[] Quando a lista foi apresentada a Mr. Currau, perguntou este para que era; respondeo-se-
lhe que era para o enterro de Mr. O'Brien, escrivão
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revelariam a busca dos sujeitos por um estado de equilíbrio. Essa reflexão demanda que a
semiologia atualmente utilizada seja revista ou ressignificada.
Segundo Porter (1997), um nome para uma doença serve como moeda lingüística,
ou seja, uma forma de viabilizar a troca de informações entre profissionais de uma dada
área. Mesmo que velhos termos continuem sendo usados, a fim de tornar possível essa
comunicação, as teorias lingüísticas podem colaborar agregando novos significados a eles
ou sugerindo uma terminologia que privilegie a linguagem e seu funcionamento e não
apenas os fatores biológicos que até hoje prevalecem no estudo das afasias.
Um elemento fundamental dessa pesquisa, portanto, será um deslocamento de foco
– da lesão para o sujeito, o que tornaria incompatível uma análise que se restringisse ao
sistema formal da língua. Uma abordagem dos fenômenos afasiológicos que leve em conta
o trabalho realizado pelo sujeito sobre o sistema da língua (Franchi, 1977), como propõem
as teorias enunciativas e discursivas, permitiria uma compreensão mais abrangente de um
funcionamento real da linguagem (Bakhtin, 1997).
A segunda questão, como apontada anteriormente, refere-se à reflexão presente
desde os primeiros trabalhos realizados por Coudry na década de 80, sobre os limites de
uma metodologia que consiste de análises quantitativas e estatísticas para os estudos das
afasias, baseadas nos resultados das baterias de testes. Apesar de existirem inúmeros
protocolos de avaliação, todos têm em comum uma visão restrita do que seja a língua(gem),
cujas unidades básicas são palavras e orações. Para ilustrar essa concepção de linguagem e
a relevância das classificações dos fenômenos afasiológicos e da própria semiologia,
citamos uma passagem da apresentação da Bateria de Boston, na qual os autores apontam
para a função dos testes, que vai desde a avaliação até a indicação de procedimentos
terapêuticos:
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1. “Seja o que for , é certo que, se Vossa Mercê tivesse alguma via para as
conseguir, fazia-me grande serviço para me acabar de ordenar, e tomar
estado, já que estou há tantos anos sem o tomar.” ( Antônio da Costa)
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sujeito + vcl -
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meus dados não são, necessariamente, tópicos, mas sempre são elementos pesados
fonologicamente (no sentido de Frota e Vigário 1998). No desenvolvimento deste trabalho
busco, portanto, uma resposta na interface sintaxe/fonologia, para explicar o fenômeno da
ênclise nas orações dependentes. E tenho como objetivo explicar porque, apesar de todas as
mudanças ocorridas na sintaxe de colocação de clítico na história Português, as orações
dependentes são um lugar onde observo uma estabilidade ao longo do tempo.
Principais referências:
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não podem ser claramente estabelecidos; quando se lida com termos do tipo metafórico,
subjetivos, além de alguns neologismos. Por isso, foi-nos sugerido a adaptação do sistema
conceitual de relações lógicas para um sistema de relações ontológicas. Para o
desenvolvimento dessa ontologia, utilizamos o programa Protégé versão 3.4, um editor de
ontologias desenvolvido pela Universidade de Stanford. O programa explicita a hierarquia
em classes e os indivíduos pertencentes a essas classes. Como resultado, a estrutura de uma
classe e as relações entre as classes na ontologia diferem da estrutura de um domínio
semelhante em um programa de orientação linear. Esse tipo de representação soluciona um
dos problemas que estávamos enfrentando ao trabalhar com um sistema de relações lógicas,
por exemplo, quando um termo devia ser classificado em mais de um lugar ou,
principalmente, quando não constituísse de uma relação direta com seu hiperônimo, mas
uma relação partitiva ou de outro tipo. Para o levantamento inicial dos neologismos do
domínio da Astronomia, adquirimos vários números da revista Astronomy Brasil, da Duetto
Editorial e Editora Andromeda. Para a mesma finalidade, selecionamos também algumas
teses e dissertações recentemente defendidas no Departamento de Astronomia do IAG –
USP. Os processos de criação/ ampliação lexical podem ser resumidos em dois: formação
dentro da própria língua e adoção e/ou adaptação a partir do conjunto lexical de uma língua
estrangeira. Temos como hipótese que, na área da Astronomia, os neologismos do segundo
tipo (por empréstimo) são em maior número. Consideramos empréstimo completo aquele
em que há a transposição de todo o significado e do significante, com ou sem a tradução, ou
seja, “quando um elemento estrangeiro (expressão, conteúdo ou ambos) é utilizado em uma
língua e passa a ser codificado por ela” (Alves, 1984). Notamos que, geralmente, os termos
mais gerais e que designam objetos astronômicos mais comuns possuem equivalentes em
português. Já os neologismos, que por natureza acabam designando objetos recém-
descobertos e geralmente mais específicos, são quase que inevitavelmente neologismos por
empréstimo em textos científicos. Tal fato parece não ocorrer, entretanto, nos meios de
divulgação. Os termos, mesmo criados por pesquisadores brasileiros, surgem geralmente
como anglicismos por causa da necessidade de divulgação científica em forma de
publicação em periódicos e/ou congressos internacionais. Por isso, algumas vezes, os
especialistas da área não se preocupam em traduzir para o português o termo criado em
inglês, usando este último mesmo na comunicação entre eles, em textos escritos ou em
aulas. Outras vezes, não se tem uma tradução satisfatória do termo para o português e,
dessa forma os especialistas optam por manter o termo em inglês, desde que seja aceito pela
comunidade. Como, no corpus de divulgação, muitos termos são decalques desses
estrangeirismos, é dessa tradução que tendem a surgir os neologismos em língua vernácula.
Alguns dos termos analisados possuem denominações metafóricas, como é o caso de
júpiter quente; e a maioria apresenta adjetivos que denotam sua principal característica
astronômica e/ou física, como ocorre em planeta de período ultra-curto. Quanto ao estudo
da variação terminológica, subdividimos as variantes em duas grandes categorias:
linguísticas e extranlinguísticas. As variantes linguísticas são determinadas por um
fenômeno propriamente linguístico, ou seja, são motivadas por questões internas à língua.
Dessa categoria, encontramos variantes morfológicas, ortográficas, lexicais e sintáticas. As
variantes extralingüísticas, por sua vez são as que ocorrem no âmbito do uso dos termos,
caracterizadas por serem culturalmente marcadas, de acordo com o nível de língua e de
discurso em que o termo ocorre. Fazem parte desse grupo as variantes populares,
empréstimos e cultismos. Quanto ao estudo das relações inter-línguas, seguimos os
pressupostos de Dubuc (1985), Felber (1987) e Alpízar-Castillo (1995) que propõem
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Considerações sobre mito e autoria no universo das práticas letradas: panorama geral
sobre os rumos da análise de narrativas orais
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(1) subida com “reestruturação”: Quando nos queremos dar por uma bondade sem
exemplo, dizemos, que não temos malícia alguma (Aires, 1705)
(2) subida com “fazer-infinitivo”: E , se isto pode ser louvável , eu o deixo julgar aos
desapaixonados inteligentes. (Verney, 1713)
(3) subida com “fazer-por”: porque, mandando-lhe dar polo seu tesoureiro vinte
cinco mil escudos, [...] lhe mostrou aquela quantidade de dinheiro sôbre uma mesa...
(Lobo, 1579)
(4) obrigatoriedade da “união de orações” com clítico causado: e a inveja que a
acompanha, só lhe faz notar com aversão os bens dos outros... (Aires, 1705)
(5) ambiguidade entre “marcação excepcional de Caso” e “união de orações”: O
rei mandou-os formar diante de si, e perante a multidão enorme condecorou-os e
abençoou-os a um por um sob uma trovoada de palmas e de vivas,... (Ortigão,
1836)
Referências
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KAYNE, Richard. French syntax: the transformational process. Cambridge, MA: MIT Press,
1975.
M ARTINS, Ana Maria. Ambiguidade estrutural e mudança linguística: A emergência do
infinitivo flexionado nas orações complemento de verbos causativos e perceptivos. In:
BRITO, Ana Maria; FIGUEIREDO, Olívia & Barros, C. (eds.) Linguística Histórica e
História da Língua Portuguesa: Actas do Encontro de Homenagem a Maria Helena
Paiva. Porto: Secção de Linguística do Departamento de Estudos Portugueses e de
Estudos Românicos da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2004, p. 197-
225.
M ARTINS, Ana Maria. Aspects of the infinitival construction in the history of Portuguese. In:
GESS, Randall S. & ARTEAGA, Deborah (eds.) Historical Romance Linguistics:
Retrospective and Perspectives. Amsterdam & Philadelphia: John Benjamins, 2006,
p. 327-355.
MCE NERY, Tony & WILSON, Andrew. Corpus Linguistics. 2.ed. Edinburgh: Edinburgh
University Press, 2001.
ROBERTS, Ian. Diachronic Syntax. Cambridge: Cambridge University Press, 2007.
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A partir dos anos 80, com a Teoria de Princípios e Parâmetros, uma série de estudos
dentro do quadro da Gramática Gerativa foi desenvolvido para comparar línguas diferentes
e fases diferentes de uma mesma língua. Um dos trabalhos pioneiros nessa linha foi o
trabalho de Pollock (1989), que comparava a posição do verbo em francês e inglês,
mostrando que o verbo se move a uma posição mais alta em francês que em inglês nas
orações finitas.
As línguas germânicas modernas têm mostrado um comportamento especial em
relação ao posicionamento do verbo na sentença, que deve estar em segunda posição. A
partir daí, muitos estudos propuseram que, nestas línguas, o verbo se moveria para uma
posição mais alta que em línguas como o francês, por exemplo. Os exemplos em (1) a
seguir ilustram as três possibilidades apresentadas:
O exemplo (1a) ilustra um caso do verbo em Vº, o exemplo (1b) ilustra um caso do verbo
em Iº/Tº e o exemplo (1c) ilustra um caso do verbo em Cº.
Diante disso, o objetivo geral desta tese em andamento é fazer um estudo da posição
do verbo na história do espanhol desde o séculos XIII ao XXI e fazer uma discussão teórica
sobre o fenômeno V2 nas línguas humanas dentro de uma visão de que movimento de
constituinte é utilizado como último recurso para checagem de traços.
Neste trabalho, porém, pretendemos discutir exclusivamente a questão do fenômeno
V2 nas línguas humanas.
Em termos gerais, o fenômeno V2 implica na existência de um constituinte,
qualquer que seja a sua função sintática, seguido imediatamente do verbo na sentença
matriz, como ilustram os exemplos em (2):
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Por outro lado, nas orações subordinadas, há uma grande variação na tipologia das línguas
V2 até então estudadas. Ribeiro (1995, p. 43) sintetiza quatro tipos de orações subordinadas
nas línguas V2:
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Considerar que uma palavra é política é considerar que ela ou uma expressão ou um
texto podem sempre ter outros sentidos, funcionando na heterogeneidade, embora se
constituam na busca pela unidade, pelo fechamento a uma interpretação, na homogeneidade
dos sentidos. É a partir dessa tensão entre unidade e multiplicidade dos sentidos que
simbolizam algo do real, das relações sociais, que outros sentidos vão sendo produzidos.
Desse modo, nos inscrevemos no âmbito da Semântica do Acontecimento, estabelecendo
um diálogo com a Análise do Discurso.
No caso da palavra preconceito, nosso objetivo é compreender quais sentidos
específicos essa palavra adquire e quais são silenciados quando pensamos nela como uma
palavra política que simboliza algo das relações sociais brasileiras, no interior de uma
discursividade sobre a formação social do Brasil da década dos anos 20 aos anos 40 do
século XX, período em que as principais interpretações sobre a sociedade brasileira foram
produzidas, marcado por um intenso nacionalismo.
Quais sentidos circulam e quais deixam de circular para essa palavra no
funcionamento enunciativo de textos clássicos da disciplina das Ciências Sociais no Brasil,
lugar de produção de conhecimento autorizado a falar sobre o assunto e que foram textos
que influenciaram a maioria, se não toda, a produção intelectual nessa área que veio depois?
Desse modo, pensar historicamente e politicamente os sentidos de uma palavra
através do que ela designa nos textos em que aparece é não parar no sentido etimológico,
ou mesmo no sentido dicionarizado. É sair da evidência, é expandir as possibilidades de
significação para além dos sentidos evidentes, para além do legitimado, considerando sua
historicidade ao circular em importantes textos das ciências sociais sobre a sociedade
brasileira. É trabalhar com a dinamicidade da linguagem no seu funcionamento, pensando o
sentido como múltiplo, dividido, como possibilidade de ser outro, mas sempre remetido ao
real e a história de enunciações da palavra.
Compreender a distinção da política como o que gere o bem comum no Estado de
um lado, e de outro, a política como sendo o desentendimento, que é próprio da situação de
linguagem (Rancière, 1995) ajudou-nos a pensar, a partir da noção de acontecimento de
enunciação e de espaço de enunciação tal como Guimarães (2002) os considera, esse
funcionamento político dos sentidos na linguagem. Desse modo, isso permitiu sair da
evidência do sentido de uma palavra para compreender que seus sentidos funcionam na
pluralidade, na polissemia, na divisão, no conflito, no acontecimento enunciativo.
Zancarini (2008) desenvolve um importante estudo sobre palavras políticas,
considerando que o que as palavras significam no interior de obras importantes, como “O
Príncipe” de Maquiavel, que buscam compreender um período singular na história de um
lugar, estaria relacionado à “qualidade do tempo”, isto é, à conjuntura da qual essas obras
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tratam. Esta relação é importante pois mostra que a linguagem, o que ela significa, está
ligada aos jogos de poder, às disputas pelo poder.
Assim, para nós a partir do que a palavra preconceito designa no acontecimento
enunciativo, através das relações de linguagem, é que podemos observar seus sentidos
historicamente e politicamente constituídos simbolizando algo do real, das relações sociais
brasileira num período de grande produção intelectual atrelada a um clima nacionalista.
Levamos em consideração, também, que essas obras são obras produzidas por
autores que enunciam como sujeitos no interior de um discurso científico, determinados por
outros discursos, e, desse modo, observar o que a palavra preconceito designa é uma forma
de compreender como a produção do conhecimento no interior das Ciências Sociais
representam a formação da nossa sociedade.
Trazemos então para a análise o que a palavra preconceito designa na obra “Casa
Grande e Senzala”(1933) de Gilberto Freyre. Depois pretendemos compará-la com a
designação dessa mesma palavra em uma obra anterior de Oliveira Viana intitulada “A
evolução do Povo Brasileiro” (1923). Ambas as obras fazem parte de nosso corpus da tese.
Elas buscam dar interpretações diferentes para o modo como ocorreu a formação social do
Brasil. Viana o faz por meio de um estudo evolucionista considerando a questão da
evolução das raças, e Freyre o faz por meio de um viés cultural, embora às vezes, ele acabe
trazendo a noção de raça também.
Para realizar nossa análise, consideramos dois procedimentos através dos quais se
dá a tessitura textual: a reescritura e a articulação. Através delas, as palavras vão sendo
relacionadas umas às outras, produzindo-se, desse modo, relações de sentidos que vão
formar sua designação.
Traremos aqui somente alguns enunciados em que a palavra preconceito é reescrita
na obra de Freyre, um pequeno recorte de seus sentidos nessa obra:
“Para o conhecimento da história social de Brasil não há talvez fonte de informação mais
segura que os livros de viagem de estrangeiros – impondo-se, entretanto, muita
discriminação entre os autores superficiais ou viciados por preconceitos –(...)”
“A interpretação, por exemplo , do 1900 brasileiro – das atitudes, das tendências, dos
preconceitos da primeira geração brasileira depois do Ventre Livre e da débâcle de 88 (...)”
“A falta da gente, que o afligia mais do que a qualquer outro colonizador, forçando-o à
imediata miscigenação – contra o que não o indispunham, aliás, escrúpulos de raça,
apenas preconceitos religiosos – foi para o português vantagem na sua obra de conquista e
colonização dos trópicos. Vantagem para a sua melhor adaptação, senão biológica, social.”
“Os portugueses, além de menos ardentes na ortodoxia que os espanhóis e menos estritos
que os ingleses nos preconceitos de cor e de moral cristã, vieram defrontar-se na América,
não com nenhum povo articulado em império ou em sistema já vigoroso de cultura moral e
material – com palácios, sacrifícios humanos aos deuses, monumentos, pontes, obras de
irrigação e de exploração de minas – mas, ao contrário, com uma das populações mais
rasteiras do continente”.
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a leitura de boletins jornalísticos. A estratégia teve por objetivo desviar a atenção dos
falantes da própria fala, visto que os boletins apresentavam notícias reais e de relativo
interesse. A adoção da estratégia dos boletins procurava deixar a fala dos sujeitos menos
artificial; a leitura de frases-veículos ou listas de palavras e não-palavras teria deixado a
produção muito engessada. Sendo o objetivo da pesquisa a variação dialetal, acreditamos
que essa estratégia tenha sido propícia a captar as nuances do fenômeno, até mesmo por
desviar um pouco a atenção dos sujeitos de sua própria fala, já que a situação de gravação
de fala, por si, coloca o sujeito em uma posição muito formal.
Para continuar verificando como as africadas dos sujeitos de nossa pesquisa se
apresentam no momento de cada coleta, resolvemos também aplicar uma tarefa de
repetição, que nos mostrasse como os falantes produzem certas palavras, com oclusivas
alveolares antes de [i], a partir de estímulos disfarçados ou encobertos. O objetivo da tarefa
é tentar verificar se os sujeitos produzem africadas em uma situação em que vários aspectos
relacionados ao acesso lexical são um pouco mais controlados. A tarefa foi dividida em três
blocos, nos quais tentamos verificar a influência de aspectos como freqüência de ocorrência
da palavra na língua, presença de fricativas adjacentes e posição tônica da oclusiva alveolar.
Por fim, a fim de verificar a influência da taxa de elocução, pediu-se que os sujeitos
produzissem uma fala mais monitorada e uma fala mais rápida. Para tanto, foi necessário,
então, estabelecer um modo para variar a taxa de elocução que tentasse, da melhor maneira
possível, respeitar as diferenças individuais. Apresentou-se um modelo de fala normal,
monitorada, seguido de exemplo de fala rápida, de um falante exemplar. A fala modelo foi
filtrada, deixando-se somente as frequências de 0 a 900 kHz, para que não houvesse
imitação da variante dialetal do falante modelo.
Para a análise dos dados são realizadas correlações de Spearman para a duração
entre os segmentos vocálicos e consonantais, a fim de verificar se há sobreposição entre os
gestos, e também entre os parâmetros espectrais, para podermos verificar como os
parâmetros variam entre si em cada coleta.
Para a análise das produções relacionadas à tarefa de repetição, utilizamos testes
estatísticos não paramétricos. Após aferidos os valores dos momentos espectrais, dividimos
os dados em três faixas de produção da africada, com base nos valores máximos e mínimos
encontrados. A partir disso, cada dado é classificado dentro de uma das faixas, de acordo
com seus valores de distribuição de energia no espectro. Após a classificação dos dados,
fazemos um teste de significância, o chi-quadrado de Pearson, teste de independência que
mostra a associação de duas ou mais categorias nominais variáveis, a partir da contagem
dos resultados observados e esperados. Também aferimos os valores do V de Cramer, que
mostram a força de associação das categorias. Essas medidas são relevantes porque, além
de mostrarem a tendência maior ou menor de cada coleta de se encaixar em uma das três
faixas, indicam o tamanho do efeito da amostra coletada.
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termômetro, bagagem, entre outras, que não precisariam estar ilustradas, pois não são
especificamente da cultura Terena, mas palavras bastante conhecidas por pessoas de outras
culturas. Sendo assim, seria bem mais produtivo que somente palavras específicas da
cultura terena fossem ilustradas no dicionário. Ainda sobre as ilustrações, cabe ressaltar,
que o dicionário apresenta imagens estereotipadas, descontextualizadas, com vistas apenas
a cultura brasileira. Quanto a questões tipográficas, o dicionário apresenta abreviaturas,
possui notação ortográfica, não é silábico (não aponta a divisão de sílabas nas palavras) e
não traz a pronúncia. Nossa proposta de trabalho tem como objetivo estudar o léxico da
língua Terena, defini-lo e organizá-lo em forma de um dicionário bilíngüe, Terena-
português, e para tanto aplicaremos a fundamentação teórica da lexicografia com o objetivo
de elaborar um dicionário mais completo, com macro e micro estrutura bem definidas e
adequadas. Buscaremos uma adequada definição das classes de palavras e atentaremos,
tanto quanto possível, a questões fonológicas, morfossintáticas, semânticas e pragmáticas.
Por se tratar de uma língua pouco estudada, julgamos importante discutir informações sobre
a fonologia, morfologia e sintaxe da língua para que leitor compreenda a organização e o
funcionamento da língua, essenciais para a elaboração do dicionário, tais informações serão
baseadas nos trabalhos já existentes: Silva ( 2009) “Descrição fonológica da língua Terena”
e Rosa, (2009) “Morfologia da língua Terena”(em andamento), além de outros trabalhos.
No entanto, todos os dados serão testado nos trabalhos de campo a serem realizados para
esta pesquisa. Procuraremos trazer uma apresentação dos lemas de forma o mais clara
possível, inclusive pensamos em adotar a segmentação morfológica, quando necessário.
Dessa forma, o consulente visualizará melhor a constituição dos lemas. Diante do exposto,
conforme apontou Alves (2004), este projeto contribuirá com os trabalhos lexicográficos,
em especial com aqueles voltados a línguas de povos minoritários, como fonte de
documentação. O dicionário terena-português se destina tanto ao povo terena quanto aos
estudiosos das línguas indígenas brasileiras e a qualquer pessoa que tenha interesse em
informações sobre línguas indígenas, especialmente línguas pertencentes a família
lingüística Aruak, na qual a língua terena se insere. Tanto a análise lingüística quanto o
banco de dados podem servir de base para futuras pesquisas envolvendo a língua e o povo
terena, tais como: comparação do terena com outras línguas relacionadas, reconstrução de
suas estruturas com a finalidade de se constatar a evolução histórica das línguas que
possuem origem comum, verificação de universais categorias gramaticais e o próprio
aprendizado da língua terena. Além disso, este trabalho servirá como ponto de partida para
a elaboração de materiais didáticos que sirvam de apoio ao ensino da língua terena pelos
professores indígenas à sua comunidade. Essas são algumas das possibilidades de utilização
da presente proposta de pesquisa.
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uma “troca por equivalente” (LACAN, 1992), uma medida comum. O acontecimento,
como furo na cadeia simbólica em que o sujeito se inscreve, oferece múltiplos sentidos,
oferece a deriva e o equívoco: a possibilidade de o sentido vir a ser outro (PÊCHEUX,
2002). O político oferece uma referência desejável e, ao mesmo tempo, destruidora ao
sujeito. No aspecto discursivo, o político determina o sentido, produzindo embate entre
várias posições-sujeito. Dentro desse movimento, o sentido pode ser favorável ao sujeito,
garantindo a identificação, ou pode destruir o sujeito, que, alienado, não chega sequer a
emergir de forma singular, permanecendo numa “oscilação patética” (LACAN, 1992, p.
342). Sob essa perspectiva, podemos pensar que a imagem controlada do sujeito de direito
dá lugar a gestos do sujeito jurídico no espaço real. A articulação do significante em cadeia
produz um sentido particular ao sujeito, abre novas possibilidades de significação. Ao
mesmo tempo em que o equívoco e o mal-entendido não deixam o sujeito emergir, há a
abertura de possibilidades de significação, visto que, em cadeia, o sujeito pode emergir.
Assim, situamos o conceito de sujeito de direito no estádio do espelho proposto por Lacan
([1960b] 1998): pensamos a inscrição do Estado, como grande Outro, junto ao sujeito,
pequeno outro. A liberdade de escolha e a autonomia estão no que Lacan (1992) denomina
“signo imagem de a”, ou seja, na imagem de sujeito de direito que o Estado oferece, na
posição de espelho do esquema ótico. O assujeitamento se dá no que chamamos de sujeito
lingüístico e jurídico, que se constitui a partir dessa imagem. A Lei, representando o Estado,
traça o caminho do desejo e tem função essencial na determinação do sujeito, aparecendo,
para este último como “signo imagem de a”, a imagem especular desejável, destruidora de
sujeito de direito. No entanto, o sujeito que emerge durante seu depoimento na audiência,
manifesta equívocos, atos falhos, conferindo, no momento da enunciação, um sentido
particular ao seu enunciado. No significante há uma “indivisibilidade contingente” e uma
divisibilidade “estruturalmente determinada” (MAJOR, 1989, p. 44) e, por mais que o
político, por meio do conceito de sujeito de direito, imponha um sentido, há a atuação do
imaginário que o revira, rompendo a unidade desse sentido, modificando-o. A subversão do
espaço da audiência subverte o sujeito, pois o funcionamento do inconsciente está ligado à
questão espacial, quebrando a bidimensionalidade do sujeito de direito. Neste trabalho a
bidimensionalidade do discurso do Direito é quebrada por uma terceira dimensão, a do
significante, em que emerge o sujeito jurídico. Embora o discurso do Direito - que
preconiza língua transparente e sujeito mensurável, predizível - despreze, por meio dos
recortes do juiz e do modo silogístico de proferir sentenças, alguns fatos linguístico-
enunciativos, estes são relevantes para nossa pesquisa. A clareza e a objetividade,
pretendidas pelo discurso do Direito, não se perdem quando o discurso jurídico lança sua
âncora na subjetividade encontrada em sentenças (proferidas por juízes e publicadas), com
estrutura de poesia, fora, portanto, do silogismo imposto pela lei.
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quando os pesquisadores não mais atestam o seu uso)? De modo a responder a esses
questionamentos, estamos analisando dados do português escrito e do português oral
supracitados, detendo-nos, no presente trabalho, a compararmos os dados do século XII ao
XVI, coletados no Corpus Informatizado do Português Medieval, aos do século XX,
coletados no Projeto Análise Contrastiva de Variedades do Português – Varport. No que
se refere à Teoria unificada das predicações locativas, Freeze 1992 propõe a existência de
um paradigma locativo universal para o predicado locativo (a), o existencial (b) e a
predicação com have (c), em que todos se derivam de uma única estrutura subjacente em
que a preposição é o núcleo do sintagma predicado: (a) The book is on the bench; (b)
There is a book on the bench; (c) Lupe has a book. A construção existencial, em (b),
possuindo um sujeito locativo, difere-se do predicado locativo, em (a) pelo Efeito de
Definitude: (i) quando o argumento Tema é definido, logo sujeito, é deslocado para o
início da sentença, originando um predicado locativo; (ii) quando o Tema é indefinido,
permanece in situ, e é o sintagma locativo que é o sujeito, logo, movido para o início da
sentença, resultando numa construção existencial; (iii) a mesma estrutura da existencial se
verifica na possessiva, com a diferença de que o Tema, nesse tipo de construção, é
preferencialmente [+humano]. Seguindo Freeze 1992 e Kayne 1993, considero que os
verbos possessivos, copulativos e existenciais derivam de uma mesma forma básica. A
melhor maneira para explicar esse processo é adotar os pressupostos da Morfologia
Distribuída, segundo a qual, apenas os traços formais são manipulados pelo sistema
computacional. Os itens vocabulares só são incorporados na interface fonológica, após a
implementação dos procedimentos sintáticos necessários à formação da sentença. Dessa
forma, é a manipulação desses traços no decorrer da derivação que vai levar à realização
de ser, estar, haver ou ter em construções locativas, possessivas e existenciais. Evita-se,
assim, o que ocorre se se assume uma visão lexicalista, que é a alteração do material
fonético de uma forma, transformando-a em outra, uma vez que as informações fonéticas
já estariam presentes desde o início da derivação.
Referências:
CHOMSKY, N. The minimalist program. Cambridge: MIT Press, 1995.
FREEZE, R. Existential and other locatives. Language, 68, 1992.
HALLE, M; MARANTZ, A., Distributed morphology and the pieces of inflection. In:
HALLE, K.; KEYSER, J. (Org.). View from the Building 20. Cambridge, MA: MIT Press,
1993, p. 111-176.
HARLEY, H.; NOYER, R. Distributed Morphology. In: CHENG, L.; SYBESMA, R.
(Org.). The second Glot International. Mouton de Gruyter, 2003, p. 463-496.
KAYNE, R. S. 1993. “Toward a Modular Theory of Auxiliary Selection,” Studia
Linguistica, 47:3-31 (reprinted in Kayne (2000)).
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individuais e públicas de mundo” (MONDADA & DUBOIS,1995, 2003: 20). Diante deste
quadro, a realidade é construída, mantida ou alterada não apenas nomeando-a, mas,
sociocognitivamente, na forma como interagimos com ela (KOCH, 2005). Nestas linhas, a
referência é constituída a um só tempo por meio de construções culturais e representações
sustentadas por atividades lingüístico-textuais, sendo este processo denominado
referenciação.
No domínio teórico da referenciação, a categorização resulta da inserção de uma
expressão nominal não-ancorada no texto que ativa um determinado objeto de discurso e o
aloca em um “endereço cognitivo” (KOCH, 2004: 64) capaz de fornecer, deste modo, uma
gama de elementos interpretativos (uma vez que vinculados a esse objeto de discurso) que
podem ser estrategicamente selecionados ao longo de suas predicações, revelando-nos parte
do “querer-dizer” (KOCH, 2005: 35) dos interlocutores. Assim, das possíveis
características referenciais supostamente compartilhadas em uma determinada comunidade
de práticas discursivas, aquelas que mais convêm à proposta enunciativa de seus produtores
serão as materializadas no desenvolvimento de um texto; partindo de tal postura é possível
atribuir uma natureza situada, local e historicamente, ao objeto de discurso ao longo de sua
(re)elaboração no fio do discurso.
Já a recategorização deve ser vista como o processo de remissão que resulta numa
determinada (re)construção de um referente já alocado na memória discursiva. É uma
operação referencial que, ancorada tanto no co-texto quanto no contexto sócio-cognitivo
e/ou textual-interativo, não só revela possíveis intenções enunciativas do produtor (como no
caso da categorização), como permite, pela observação de sua recorrência, apontar o
percurso sócio-cognitivo utilizado por este na sua proposta enunciativa. Este processo
textual resulta da inserção de expressões que, ao mesmo tempo que constroem seu objeto
de discurso “primário”, são responsáveis pela introdução de objetos de discurso
“secundários” (ancorados no “primário”) e ao mesmo tempo novos. Deste modo, a
categorização promovida pela ativação e seleção de um conjunto de características
estabilizadas toma forma na medida em que as categorizações promovidas pelos seus
objetos “secundários” contribuem na recategorização subjacente do “primário”, em especial
nos casos de anaforização por associação.
Tendo em mente estas considerações acerca do campo teórico reivindicado, um
aspecto relevante para a consecução dos objetivos de nossa pesquisa concerne à
incorporação, por parte destas igrejas, de um conjunto de práticas associadas ao universo
discursivo, o “ideário” (RODRIGUES, 2003) neoliberal, à crença pentecostal de que os
verdadeiros cristãos – aqueles que se submetem ao sacrifício semelhante ao de Cristo –
possuem direitos consuetudinários às riquezas terrenas. Conhecida como Teologia da
Prosperidade, crença pentecostal de que um fiel deve ser próspero e bem sucedido em seus
empreedimentos terrenos, adquire contornos inéditos no ramo neopentecostal, uma vez que
pressupõe, por exemplo, o usufruto de bens materiais como algo que não deve ser evitado,
mas como algo que atesta a presença de Deus na vida do verdadeiro fiel. Seguindo o
esquema do ut des (CAMPOS, 2008) na relação entre o indivíduo e o sagrado, este estado
de glória terrena é compreendido e explicado em termos metafóricos, tais como
aliança/sociedade com Deus. Assim, ao investir na obra divina, este indivíduo garante
proteção contra ataques de entidades malignas – responsáveis por desvios éticos e morais –
acarretando em problemas cotidianos comuns a boa parcela da população brasileira, como a
miséria econômica e seus efeitos. A exploração retórico-argumentativa destes problemas,
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ao longo dos cultos, dá-se em parte pela interpretação sacralizada de suas causas, e em
parte pela oferta de recursos simbólicos que os oradores oferecem para a superação destes.
Com relação à metodologia de pesquisa, seguimos os seguintes passos:
Registro áudio-visual de dez cultos de duas igrejas representativas do
neopentecostalismo brasileiro;
i) Cinco cultos realizados pela Igreja Universal do Reino de Deus, capturados
digitalmente via stream no site www.arcauniversal.com.br, entre junho e
setembro de 2007, enquanto parte do programa, também televisionado, “O
Santo Culto em seu lar”
ii) Cinco cultos realizados pela Igreja Internacional da Graça de Deus, registrados em
VHS, como parte do programa “Show da fé” (mesmo período) exibido pela rede
Bandeirantes de televisão, em horário nobre.
Para a composição de nosso corpus, a transcrição destes cultos segue normas
adaptadas do projeto NURC (KOCH, 2004). Procedemos, assim, a uma análise
interpretativa, de cunho semântico-textual, de dois fenômenos lingüístico-pragmáticos
fundamentais aos propósitos enunciativos dos oradores neopentecostais: i) determinação
referencial, evidenciado pelo emprego de mecanismos fóricos nominais (re)categorizadores
de objetos de discurso (MONDADA & DUBOIS, 2003) ii) metáforas remissivas e
predicativas, enquanto materialização (LAKOFF & JOHNSON, 2002) da fusão analógica
entre categorias pertencentes ao domínio referencial da Teologia da Prosperidade e ao
domínio referencial do ideário neoliberal.
Por meio da leitura de alguns destes dados, traremos para esta comunicação as
principais indagações proporcionadas pela referida pesquisa, especialmente no que
concerne ao papel assumido pelas recategorizações metafóricas no ambiente retórico dos
cultos neopentecostais e sua importância no processo de construção e estabilização de
referentes no universo discursivo da Teologia da Prosperidade.
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Galves, 2001), inclusive nas construções com verbos auxiliares e semi-auxiliares: no PB, os
clíticos estão sempre ligados em próclise à forma infinitiva do conjunto verbal (como, por
exemplo, “Ela tem me ligado bastante”, “Ele vai te buscar hoje” etc.), ou seja, em nenhum dos
casos há no PB a obrigatoriedade de ligação do clítico ao verbo flexionado. Este fato indicaria
que nem mesmo o ter/haver seguidos de particípio do PB podem ser auxiliar, porque não passam
no critério mencionado anteriormente. Mas esta idéia é somente válida a depender da análise do
clítico que se adota.
Por exemplo, Duarte, Matos & Gonçalves (2005) propõem que o clítico é uma categoria
que deve estar acima de AspP e que, em PB, há um núcleo ativo Asp no domínio do
complemento no particípio, o que explicaria a possibilidade de o clítico estar ligado ao verbo
principal.
Galves, Torres Moraes & Ribeiro (2005), por outro lado, propõem que a diferença de
comportamento dos clíticos em PE e PB é resultado de regras morfológicas que são diferentes
para as duas variedades e pela categoria à qual o clítico se liga em cada uma: enquanto na
primeira ele se liga sintaticamente a Infl, na segunda a adjunção é feita a V. Se a segunda
diferença (que é sintática) entre as variedades for adotada e aplicada à idéia de que o auxiliar é um
V que seleciona outro VP, seria possível dizer que o fato de em PB os clíticos ocorrerem ligados
ao verbo não flexionado em construções como ter+particípio, ir+infinitivo, estar+gerúndio, não é
suficiente para se dizer que o verbo flexionado seleciona um núcleo que seja frásico, uma vez que
o clítico não se liga a Infl, e sim a V.
Como a discussão sobre o estatuto do clítico é importante para que se argumente que um
verbo seleciona um domínio frásico ou um domínio que não é frásico, e sabendo que sua
colocação apresenta mudanças significativas na história do português (como Pagotto, 1996 e
Cyrino, 1996 discutem), busquei observar como se dava a colocação pronominal em construções
com auxiliares, modais, temporais e aspectuais. Como a literatura consultada sobre posição do
clítico na diacronia do PB não apresenta uma divisão por esses tipos de verbo, fiz um
levantamento em corpus do século XIX (composto de anúncios e cartas de jornais publicados em
São Paulo) buscando somente a posição do pronome em tais construções.
Os resultados mostram que a ligação do clítico com o verbo principal da construção com
os auxiliares era marginal (5%), o que não acontece com os temporais (76%) e modais (49%).
Por outro lado, observando somente os casos de ligação do clítico ao verbo principal, vemos que
a ênclise é majoritária para os temporais e modais – colocação possível no PE. A próclise ao
verbo não-finito – posição do clítico no PB em construções com verbo seguido de verbo não-
flexionado – são pouquíssimos.
Assim, foram poucos os casos de colocação do PB e relação às outras posições tanto para
os auxiliares quanto para os modais e aspectuais, o que faz deles resultados não muito reveladores
– principalmente se observarmos alguns exemplos expostos por Carneiro (2005) de dados de
cartas escritas entre 1809 a 1904, porque lá podemos encontrar mais casos de clítico ligado ao
particípio. Fiz, então, um estudo inicial em parte do corpus que se encontra na tese da autora, para
comparar modais, aspectuais, auxiliares e temporais, já que nos resultados da tese não há essa
classificação. Os resultados, preliminares neste ponto, indicam que a colocação pronominal típica
do PB – próclise ao verbo principal – acontecia numa porcentagem semelhante para os aspectuais,
temporais e auxiliares, e menor para os modais. Isso poderia indicar que, mesmo no século XIX,
o PB só tinha verbos semi-auxiliares. É preciso, no entanto, estender o corpus a fim de proceder a
uma análise mais cuidadosa e ampla, abrangendo, inclusive, séculos anteriores ao XIX.
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Para não repetirmos os erros do passado e evitarmos que mais populações sejam
extintas, é necessário que as escolas indígenas se voltem para as divisões de trabalho
existentes em cada comunidade, evitando-se que a escola sirva como sua porta de saída. Por
essa razão, o trabalho a ser apresentado objetiva uma reflexão sobre as finalidades da
educação indígena, ou seja, para que e para quem ela servirá, uma vez que a escola deve
estar sempre voltada para as necessidades de cada sociedade, o que faz com que seja
preciso que continuemos lutando por uma educação diferenciada, não somente por seu
bilinguismo, mas também, e principalmente, por contribuir às necessidades de cada um
desses povos.
Dessa maneira, pretendo realizar uma análise norteada pelos fundamentos da
Linguística em interface com a Linguística Aplicada, uma vez que a língua está entre os
principais fatores de diferenciação de tais comunidades, devendo-se considerar a maneira
como o ensino de português é referenciado em alguns dos dispositivos proporcionados pelo
Ministério da Educação (citados mais abaixo), já que há sim a necessidade de comunicação
entre povos indígenas e não indígenas, bem como o acesso aos documentos da nação, que
são disponibilizados apenas na língua oficial do país, porém, sempre priorizando a
educação na língua nativa do grupo, devendo, portanto, o português ser ensinado na forma
de segunda língua.
Partindo desse princípio, serão analisados, portanto, os principais dispositivos
proporcionados pelo Ministério da Educação (MEC) como meio de garantir a educação
indígena nos termos propostos pela constituição de 1988, uma vez que o ministério é o
órgão responsável pela viabilização da educação diferenciada proposta por lei, ou seja, uma
educação que busque fortalecer as práticas sociais e a língua materna de cada comunidade,
sendo responsável ainda por elaborar e publicar materiais didáticos específicos e
diferenciados em que se incluam conteúdos culturais correspondentes a cada comunidade,
sempre considerando que a LDB de 1996 coloca que os programas educacionais indígenas
devem ser planejados com audiência de suas comunidades.
A ideia de uma educação indígena bilíngue e intercultural já preconizada pela
constituição de 1988 e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) foi o primeiro
passo para o fim da negação da diferença que por séculos assolou nosso país. Durante quase
500 anos, a educação indígena esteve nas mãos de instituições religiosas que acreditavam
(muitas ainda o fazem) que educar era integrar tais povos através da civilização alcançada
pela catequização.
Esse integracionalismo e o não reconhecimento das especificidades dos povos
indígenas como simples diferenças e não inferioridade foram alguns dos fatores de grande
responsabilidade pela diminuição da população indígena brasileira, que hoje é de cerca de
270.000 habitantes (apenas 0.2% da população nacional). Entretanto, apesar de já
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superados pelas leis brasileiras, tais fatores ainda não o foram por grande parte da
população não indígena, sendo seus direitos garantidos por lei muitas vezes violados dentro
e fora das escolas, já que não raramente os programas de educação escolar desses povos são
desenvolvidos por agências antiindígenas.
Assim, a análise dos dispositivos proporcionados pelo ministério, como o
Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas e de produções referentes ao
assunto através da Coleção Educação para Todos, por meio dos exemplares: Formação de
professores indígenas: repensando trajetórias, A Presença Indígena na Formação do
Brasil, Povos Indígenas e a Lei dos “Brancos”: O direito à diferença, O Índio Brasileiro:
o que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje e Manual de
Lingüística: subsídios para a formação de professores indígenas na área de linguagem,
objetiva, primordialmente, a verificação do esforço demandado pela instituição para a
realização de sua função perante as comunidades indígenas, a de efetivamente proporcionar
a educação diferenciada assegurada por nossa constituição.
Além dos materiais acima apontados, intenciono discutir ainda o documento com as
propostas levantadas pelo Coneei – Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena –
e as estatísticas indígenas mais recentes publicadas pelo MEC e pelo INEP (Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira).
Através de tais análises, será possível fazer um levantamento sobre os benefícios
alcançados pela educação escolar indígena em nosso país. Entretanto, como todos os
documentos a serem discutidos são de autoria do governo, serão ainda apresentadas
algumas experiências de educação escolar indígena descritas por autores diversos como
meio de demonstrar diferentes possibilidades de escolas, porém, que não devem servir
como modelos a serem seguidos, mas sim como inspiração para que cada comunidade
possa buscar a melhor maneira de desenvolver o seu ambiente escolar, levando em
consideração as suas necessidades específicas bem como os desejos de sua população.
Dessa forma, busca-se com este trabalho contribuir para o fim de uma ideia errônea
já perpetuada, a de que os indígenas são seres inferiores, que precisam de ajuda para
evoluírem, uma vez que na atualidade evidencia-se o fato de que eles precisam sim de ajuda,
mas somente para manterem sua individualidade e sua cultura, mas respeitando-se seus
anseios e vontades e trabalhando-se com a autoestima desses povos que já foram
esmagados e explorados por tanto tempo.
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definiremos mais abaixo, relacionado a esse domínio, e, por outro, à relação entre
enunciação e política de línguas específica a essa porção da América Latina. Assim, este
estudo, ao mobilizar tais noções, poderá colocar em questão os modos como se tem
tradicionalmente considerado o sentido na língua, supondo-o literal e “colado” às palavras
que denotam uma certa relação com o mundo, sendo a metáfora, conforme tomada pelos
estudos de estilística e retórica, “uma transformação ou desvio do sentido literal, que é
compreendido como o sentido ontológico das coisas, dos objetos, dos seres” (Joanilho,
1996, p. 24, Por uma abordagem discursiva da metáfora). Assim, a base para a
compreensão da metáfora nessa visão de linguagem atesta para a existência de um sentido
literal, anterior à mudança de sentidos operada pelo funcionamento metafórico.
Ao trabalharmos a enunciação e a subjetividade (relação entre o sujeito e os sentidos)
como conceitos norteadores da constituição dos sentidos das palavras na língua, veremos
que a noção de “metáfora” também ganha outro estatuto teórico que difere daquela forma
tradicional discutida no início desta nossa exposição. Segundo nosso ponto de vista, a
metáfora será concebida como
[...] um movimento de sentido que produz efeitos. Ela introduz um “modo de significar”,
que não é apenas um desvio de sentido, mas a própria instauração de uma subjetividade,
pois, como veremos, uma construção metafórica propõe, através do jogo de posições ou
E, para complementar nossa definição de metáfora, citamos o que nos diz Pêcheux
(1988, p. 132, Semântica e discurso). A metáfora, para ele, deve ser vista
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Adônis, em Met. X, 725-6) reforça o preceito do amor como um mal, mas ao pedir a
Adônis que não se ocupe da caça, zombando, nesse momento da maneira de vestir-se de
Diana (Met., livro X, v. 536), a deusa retoma a rusga existente entre ela e a deusa da caça e,
numa leitura intratextual com Remedia, ela contra-argumenta o próprio poeta: o vate
ovidiano aconselhara aos mortais que se ocupassem de Diana, leia-se, da caça (Rem., v.
144); Vênus aconselha ao seu amante (também mortal) que não se ocupe de tal atividade.
Tal pranto da deusa, ocasionado pela morte de seu amado, é mencionado por Ovídio antes
das Metamorfoses (7 d. C.), em Ars amatoria (1 a. C – 1 d. C.), nos livros I e III (v. 75 e v.
85, respectivamente); e a menção ao mito de Mirra também ocorre nessa mesma obra (v.
285-288), quando a voz do eu poético (na figura do magister) afirma que a jovem amara o
pai, mas não com o amor conveniente a uma filha, e se encontraria, desde então,
aprisionada sob a cortiça, de modo que as gotas que dela gotejam recebem seu nome. Em
Remedia amoris também ocorre breve uma menção ao mito de Mirra (v. 99-102), quando o
magister afirma que se, por absurdo, a jovem tivesse seguido seus conselhos para se curar
da doença amorosa, não teria seu rosto coberto de cortiça.
É perceptível, portanto, que a presença de Vênus é tratada diversamente nas três
referidas obras. Até este momento da pesquisa, observamos, tanto na Ars quanto em
Remedia amoris, em passagens aparentemente metonímicas, um uso do mito: mas
predominantemente como exemplum. No caso de Remedia amoris, Ovídio privilegia
personagens de desastrosas histórias de amor, as quais não teriam ocorrido se, por absurdo,
tivesse havido a interferência do poeta. Em Ars amatoria, como dito, o amor recebe um
tratamento alegadamente objetivo e imparcial, à semelhança de uma técnica que pode ser
ensinada (para uma visão crítica quanto a isso, cf. A. Schiesaro, 2002). Os mitos são, mais
uma vez, utilizados como exemplum, com que o magister da mensagem didática vai ilustrar
para seus discipuli as situações de galanteria que lhes servem de ensinamento: como, nas
lendas míticas, comportam-se as mulheres, os homens e os deuses nos momentos que
perpassam a conquista amorosa. Surpreende, no entanto, que também as Metamorfoses,
obra que trata, em gênero épico, da transformação de tantos deuses e heróis da mitologia
greco-romana, venha marcada por tamanha atuação da deusa do amor (A. Barchiesi, 1999).
Como mais recentemente se tem ressaltado, a presença ativa de Vênus na narrativa da épica
ovidiana se evidencia quando se coteja a versão de diversos episódios mitológicos nessa
obra com as encontráveis quer em outros autores antigos, quer em outras obras do próprio
Ovídio.
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BIBLIOGRAFIA
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Este artigo tem como objetivo apresentar alguns dos resultados obtidos de uma
pesquisa feita sobre a língua indígena Huariapano, pertencente à família Pano. Esta família
lingüística é uma das mais conhecidas da América do Sul e conta com cerca de 30 mil
pessoas que habitam a Amazônia boliviana, peruana e brasileira. O referido estudo teve por
objetivo principal uma análise descritiva da estrutura morfológica e, dentro do possível,
sintática dessa língua. Tradicionalmente, os estudiosos costumavam distinguir a Sintaxe da
Morfologia obedecendo ao critério das dimensões dos significantes. Assim, enquanto a
Sintaxe estaria voltada para construções maiores do que a palavra (sintagmas, frases,
orações, entre outras), a Morfologia cuidaria de construções cujo constituinte máximo seria
a palavra, mais especificamente, o objeto dos estudos morfológicos seria o morfema (raízes,
sufixos, entre outros). Essa distinção nem sempre é feita com tranqüilidade, o que torna
mais conveniente o tratamento da morfologia e da sintaxe em conjunto, assim como foi
feito com a análise da língua em questão. Para tanto, os dados lexicais e os textos literários
usados para a realização da pesquisa são de Manuel Navarro (1903) e Stephen Parker
(1992). Já os de Eugene E. Loos e Betty H. Loos (1980), Norma Fausta e Hiliador Davila
(1982), foram usados para fins comparativos, já que se trata de línguas geneticamente
próximas ao Huariapano, a saber, Capanahua e Shipibo, todos disponíveis no Instituto
Lingüístico de Verano, Lima, Peru. Para tal empreitada, faremos menção de alguns
princípios teóricos que nortearam nosso estudo.
Ao longo dos anos, como costuma ocorrer com a maior parte dos conceitos
utilizados na Lingüística, várias foram as tentativas por parte dos estudiosos de definir a
Morfologia. Assim, de acordo com Nida (1949), compreende o estudo dos morfemas e seus
arranjos formando palavras. Para Matthews (1991), Morfologia é o termo utilizado para
denominar o ramo da Lingüística que lida com a forma das palavras em diferentes usos e
construções; já segundo Bauer (1988), trata-se do estudo das palavras e de sua estrutura,
bem como do conjunto de unidades usadas na mudança da forma das palavras. Anderson
(1988), por sua vez, conceitua Morfologia como o estudo da estrutura das palavras e do
modo pelo qual tal estrutura reflete suas relações com outras palavras em construções
maiores, como a sentença, e com o vocabulário total da língua.
Assim sendo, o termo Morfologia tanto pode estar relacionada com uma das partes
do sistema de uma língua, quanto (sob um prisma teórico) com um componente da
Gramática. Todavia, resguardadas algumas especificações teóricas, todos os conceitos nos
direcionam para a idéia de que ao estudarmos a morfologia de uma determinada língua, em
termos gerais, estaremos procedendo à análise descritiva da palavra e de seus constituintes
estruturais (os morfemas) nessa língua. Contudo, o que especificamente devemos entender
pelo termo ‘palavra’, considerando que para caracterizarmos melhor um campo de estudos
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é necessário definir com a máxima precisão seu objeto de estudo? A obtenção de uma
resposta clara e objetiva para essa pergunta não tem sido uma tarefa fácil, tendo em vista as
várias controvérsias entre os lingüistas sobre a noção de ‘palavra’, como podemos ver em
Bloomfield (1933), Anderson (1992), entre outros. Não sendo nosso intuito entrar no
mérito dessa discussão, já que tão somente nos interessa caracterizar a palavra no âmbito da
língua Huariapano, deter-nos-emos em alguns procedimentos comumente utilizados em
descrições morfológicas de línguas naturais para esse fim.
De acordo com a visão tradicional, o termo sintaxe diz respeito à parte da Gramática
que estuda a maneira como as palavras, a partir de regras específicas, são combinadas e
organizadas visando a constituir sentenças. Assim sendo, o objeto de estudo da sintaxe é a
sentença. O problema com este conceito é que, em geral, ele limita os estudos sintáticos de
uma determinada língua à mera apresentação de regras que caracterizam apenas uma
variedade de tal língua. No tronco indo-europeu, por exemplo, essa variedade é
representada pela norma padrão (escrita e utilizada em situações de formalidade). Com isso,
tem-se um distanciamento de uma descrição lingüística em toda sua complexidade. Foi
nesse âmbito que, historicamente, ocorreram tentativas de tornar a Sintaxe uma disciplina
lingüística autônoma que pudesse contemplar de forma mais ampla as realidades
lingüísticas. Procurando atender aos objetivos de nosso estudo, apresentamos algumas das
propostas que visam a explicar a Sintaxe. Contudo, por motivos práticos, nos detivemos
apenas em definições pautadas nas correntes lingüísticas denominadas Formalismo e
Funcionalismo.
Dada esta prévia sobre alguns princípios teóricos utilizados no trabalho, outras
terminologias teóricas que por ventura não tenham sido mencionadas aqui, certamente
serão definidas conforme se faça necessário, na parte introdutória do artigo. Ainda,
considerando as sobreposições freqüentes entre a Morfologia e a Sintaxe e, principalmente,
as dificuldades em dissociar esses dois níveis lingüísticos em línguas tipologicamente
aglutinantes, como é o caso em questão, serão apresentadas as descrições de algumas
propriedades sintáticas das categorias e estruturas abordadas.
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que mencionamos, e, portanto, para o fazer específico de história das idéias e teorias
lingüísticas deve-se levar em contra três fatores: a história das instituições pertinentes à
idéia que se percorre; a história dos acontecimentos contingentes relacionados; e análise do
engendramento de teorias por meio de uma leitura atenta dos textos. Esta análise dos textos
pertinentes deve ser situada sob dois eixos a saber, o eixo histórico e o eixo sincrônico.
Guimarães (2004) entende a análise deste engendramento de teorias como análise de obras
pertinentes para determinada idéia.
Já que a história de uma idéia pode ser feita a partir das obras que são importantes –
e lembramos aqui que essa importância é determinada pelo historiador a partir de critérios
que ele mesmo se coloca, repensamos até que ponto a obra pode ser tida como uma unidade
óbvia, como Foucault questiona em Arqueologia do Saber (2007). Foucault (2007), para
realizar seu projeto em A arqueologia do saber, coloca em cheque a unidade da obra e do
livro, dizendo que “as margens de um livro jamais são nítidas nem rigorosamente
determinadas (…), ele está preso em um sistema de remissões a outros livros, outros textos,
outras fases: nó em uma rede” (FOUCAULT, 2007, p. 26).
É tomando esses pressupostos teóricos que levamos em conta que uma história das
idéias lingüísticas pode ser feita a partir de obras fundamentais. Fundamentais, aqui,
obviamente se refere a uma determina idéia ou conceito. Isto é, quando quero fazer a
história de uma determinada idéia, ou de um determinado conceito, posso estabelecer uma
série de obras que para o historiador são fundamentais. Essa escolha, entretanto, deve partir
de um critério. Guimarães (2004), por exemplo, ao fazer história da semântica no Brasil,
diz que o percurso que escolheu “é dos autores que produziram obras específicas no
domínio dos estudos da significação” (GUIMARÃES, 2004, p. 14). Notamos que esse foi
um critério que já instala uma temporalidade específica. O historiador, entretanto, pode
instaurar uma temporalidade que pretende percorrer, novamente especificando quais são os
marcos que ele próprio estabeleceu para constituir aquela determinada série.
Após a determinação da idéia ou conceito que se pretende percorrer, propomos que
sejam feitos os recortes enunciativos, considerando-os sempre na medida em que integram
o texto. A análise dessa série enunciativa que o historiador estabeleceu pode ser realizada a
partir de inúmeros métodos ou procedimentos, de acordo com a teoria lingüística que
embasa o historiador.
A partir desses resultados obtidos pela análise lingüística, começaria então o gesto
de leitura. O historiador recorrerá, nesse momento, a algum suporte teórico que interprete
os resultados obtidos.
Essa proposta metodológica foi pensada com vistas ao nosso de trabalho de
dissertação. Dessa forma, daremos como exemplo o que pretendemos fazer em nossa
pesquisa. Estabelecemos um tema, a saber, a função da linguagem na construção do real e
das verdades sobre esse real no filósofo alemão F. Nietzsche e de que modo essas idéias
ressoam na Lingüística do século XX. A partir desse critério, estabelecemos as obras que
estudaríamos, levando em conta apenas as que foram publicadas em vida e pelo próprio
autor para as obras de Nietzsche, e obras que tratam do assunto na Lingüística. A partir da
leitura das obras, realizaremos os recortes enunciativos, tendo como entrada no texto
palavras como verdade, moral e real na medida em que estiverem articuladas com língua
ou linguagem. Com a série enunciativa realizada, utilizaremos recursos da semântica
argumentativa e da semântica do acontecimento, bem como alguns procedimentos da
Análise do Discurso de linha francesa para analisar as séries, levando em conta o que
emerge de cada recorte. Por fim, e com os resultados das análises, buscaremos em autores
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Com efeito, ele foi responsável pela primeira recepção da teoria althussero-pecheutiana no
Brasil. Ele e um grupo no Rio de Janeiro publicavam artigos em uma revista periódica
denominada Tempo Brasileiro (doravante TB), juntamente com traduções de diversos
textos de pensadores franceses que participavam ativamente de discussões em torno das
teorias da História, do discurso e do sujeito, dentre eles: Althusser, Foucault e Pêcheux.
Importante ressaltar que um dos primeiros textos de Pêcheux (“Reflexões sobre a situação
teórica das ciências sociais e, especialmente, da psicologia social”) foi traduzido na Revista
Tempo Brasileiro 30/31 – organizada por C. H. de Escobar – em 1972 e lançado em 1973.
Para além dos limites da TB, Escobar publica também vários livros, dentre eles,
Proposições para uma semiologia e uma linguística: uma nova leitura de F. de Saussure
(1973), em que se constrói a leitura sintomal do CLG. Nesse sentido, o deslocamento para
as décadas de 1960/70 – período em que vigorava o regime ditatorial no Brasil – possibilita
a reconstituição de um percurso da teoria pouco conhecido, em que a AD se formava
enquanto re-leitura da Semiologia saussuriana. Escobar, então professor de Semiologia e
Fundamentos Científicos da Comunicação na UFRJ, mostra que a Semiologia não
formalizada por Saussure deve ser vista como uma Ciência dos Discursos Ideológicos em
estado prático e que é preciso “Constituir os elementos teóricos de uma teoria geral capaz
de formecer as condições para a análise das ‘formações discursivas’” (ESCOBAR, “Uma
filosofia dos discursos: uma ciência dos discursos ideológicos”, 1972, p. 38). A ideia de
conceitos em estado prático é retomada dos trabalhos de Althusser, para quem, a prática
teórica deve se libertar do empirismo. Com efeito, para Escobar, a Semiologia apresentada
no CLG é alvo de visadas empiristas. Dentre outros trabalhos, o autor critica a leitura
barthesiana dessa Semiologia, na medida em que esse modelo trata os signos em circulação
no “mundo real”. Sob essa perspectiva, o trabalho de Escobar é justamente constituir um
campo científico de estudos sobre o discurso, em que uma teoria das ideologias –
materializadas na língua e em outros suportes – ganharia consistência em correlação com
uma Linguística científica – re-leitura de Saussure no sentido de libertá-lo da apropriação
estruturalista/gerativista – e uma Ciência dos Discursos Ideológicos (Semiologia vista por
um viés anti-empirista). Esse retorno da Semiologia encontra eco nos trabalhos de Courtine
(Metamorfoses do discurso político: derivas da fala pública, 2006, p. 85) a respeito da
Semiologia Histórica. O processo de retomada dessas discussões reitera a problemática
atual de inserção de uma teoria semiológica no dispositivo analítico da AD para pensar as
novas materialidades.
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estabelecer a origem das línguas pelas semelhanças entre elas. Por exemplo, no século
XVII, os estudos etimológicos “demonstraram” que o Francês teve origem no Hebraico,
considerado, à época, por motivos religiosos, a língua-mãe. O Francês teria se formado do
Latim, que, por sua vez, teria origem no Grego, que, por fim, teria vindo do Hebraico.
Ficava estabelecida, assim, uma genealogia politicamente conseqüente para a Língua
Francesa, que se afirmava, então, como a língua do Estado Francês, concorrendo com
várias outras línguas. Os estudos etimológicos passaram a servir de instrumento político
para a legitimação (ou o apagamento) de línguas em disputa face ao Estado. No século XIX,
associada à gramática histórica, a etimologia passou a conceber a palavra (e a língua) como
“organismo vivo em constante mudança”. Nessa perspectiva genética à qual o Museu da
Língua Portuguesa se filia na “Árvore de Palavras”, a história da língua é concebida como
evolução. A língua nacional do Brasil seria o resultado de uma evolução do suposto Indo-
Europeu, a língua-mãe do Latim e do Grego clássicos e de todas as línguas vernáculas da
Europa. Pela filiação de sentidos à etimologia do século XIX, o Museu da Língua
Portuguesa legitima a língua nacional do Brasil, produzindo uma genealogia que a associa,
por origem, às línguas européias, mas, também, às línguas indígenas, representadas pelo
Tupi, e africanas, representadas pelo Quimbundo. A questão da origem da língua nacional
do Brasil está marcada, desse modo, pela dualidade e pelo equívoco. A língua nacional do
Brasil se produz nessa dualidade na qual existe, de um lado, a relação com as línguas
indígenas e africanas e, de outro, a relação com a Língua Portuguesa do colonizador. No
atual estágio de minha investigação, estou analisando que os painéis “As grandes famílias
lingüísticas do mundo” e “História da Língua Portuguesa” também se constituem por uma
filiação de sentidos com a ideologia evolucionista que predominou nos estudos da
linguagem no século XIX. No final do século XVIII ocorreu uma mudança que se
manifestou na ideologia, na filosofia e nas ciências que se desenvolveram no século XIX: já
não era suficiente formular regras de funcionamento ou correspondências entre os
conjuntos analisados, tornou-se imperativo apreender esses conjuntos num gesto que os
colocasse em linha ascendente. Era o historicismo fundado na concepção evolucionista que
surgia para se tornar a característica fundamental do pensamento do século XIX, inclusive
no campo dos estudos da linguagem. Foi nesse contexto epistemológico que surgiu e se
desenvolveu a lingüística comparada e a lingüística histórica, substituindo a ordenação
sintática dos gramáticos do século XVIII por uma concepção genealógica das línguas. Os
estudos da linguagem do século XIX agruparam as línguas em famílias, estabelecendo-lhes
a ascendência, como faz o museu no painel “As grandes famílias lingüísticas do mundo”.
Deixando de tomar as categorias lógicas por explicação, a gramática histórica se filiou ao
estudo dos seres vivos, dos organismos. A língua passou a ser pensada como “organismo
vivo em constante mudança”. A sociedade também começou a ser pensada por esse prisma.
Essa mudança epistemológica, o surgimento do historicismo, foi importante para a
produção da unidade das línguas nacionais européias. O gesto de agrupar em famílias as
línguas que se afirmavam como nacionais, estabelecendo-lhes, pela descrição da evolução
de suas formas, uma origem já legitimada, teve como um de seus efeitos o apagamento das
várias outras línguas faladas na Europa, como os patois na França, por exemplo. A questão
da origem é, portanto, uma questão de política lingüística. É, assim, uma questão do Estado.
E fala-se de origem, no Museu da Língua Portuguesa, pela filiação a esse quadro teórico
desenvolvido no século XIX, que concebe a história como evolução, que entende a
mudança lingüística como o resultado da evolução das formas de uma língua.
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brasileiro, mas poucos anos depois a empresa deu lugar à Companhia Editora Nacional,
resultante de uma sociedade entre o escritor Monteiro Lobato e seu sócio Octalles
Marcondes Ferreira. A fundação de uma editora brasileira foi significativa nas primeiras
décadas do século XX, quando passa a haver uma profusão de compêndios gramaticais,
fato que pode ser associado à maturidade da escola brasileira e à fundação das primeiras
universidades na década de 30. Tanto os compêndios gramaticais de Eduardo Carlos
Pereira (Gramática Expositiva: curso elementar, Gramática Expositiva: curso superior e
Gramática Histórica), quanto o compêndio gramatical de Evanildo Bechara (Moderna
Gramática Portuguêsa) foram editados pela Companhia Editora Nacional. A singularidade
estabelecida pela relação entre os compêndios gramaticais dos dois autores trata-se de uma
questão de autoria. De acordo com Orlandi, o processo de ruptura que instaura uma nova
autoria se dá por uma relação com a Linguística, que está na base da “adaptação” feita por
Bechara. O eixo norteador de nosso estudo é a publicação Moderna Gramática Portuguêsa
de 1961 em como constitutivos dessa publicação temos saberes linguísticos em circulação
sendo normatizados/instituídos por decretos como é o caso da NGB (1959) e da Linguística
(1962/1963). Não deixamos de salientar que a publicação de Bechara traz uma definição de
língua fundamentada em Edward Sapir, linguista estruturalista americano que trabalhou a
relação entre língua e cultura, bem como também traz ideias linguísticas de Joaquim
Mattoso Câmara Jr, linguista e estruturalista brasileiro, que nessa época - da publicação de
Bechara e da institucionalização da Linguística - desenvolveu estudos sobre uma relação
entre língua e cultura. Dentre os nossos objetivos está o de observar como conceitos da
linguística estruturalista, que se constituem por saberes sobre língua, foram discursivizados
em um objeto histórico compêndio gramatical voltado para o ensino de língua portuguesa
na escola e como, ao estar inserido em um movimento editorial, esse objeto histórico passa
de um objeto direcionado para o ensino de língua na escola para um objeto que, segundo
Dias & Bezerra (2006), sofre uma substancial modificação em 1999 e, sob uma orientação
da Linguística Moderna, rompe com um padrão tradicional de gramática.
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marcador de negação frásica. Em fazer-Inf, por outro lado, o marcador de negação frásica
no domínio encaixado é agramatical, indicando a existência de um só nó T ativo no
domínio mais alto.
A construção FI é caracterizada, portanto, pela alteração da organização dos
constituintes no domínio encaixado, em que o sujeito ocupa a posição final, depois do
complexo verbal. A estrutura ECM, por outro lado, distingue-se pelo fato do complemento
infinitivo apresentar a ordem SVO, com o sujeito precedendo o verbo infinitivo. As orações
infinitivas flexionadas, por sua vez, diferem das infinitivas simples pela marcação casual:
nas primeiras, o sujeito encaixado é marcado por Nominativo pelo infinitivo flexionado e
nas últimas, marcado por Acusativo pelo verbo finito da oração matriz.
Quanto ao infinitivo flexionado, Martins (2006) relaciona o aparecimento desta
forma verbal em complementos oracionais de verbos ECM com mudanças como a perda da
obrigatoriedade da subida do clítico e o surgimento do elemento de negação no domínio
infinitivo. A autora aponta o século XVI como momento decisivo para a mudança, que
envolve estruturas ambíguas provocadas por elipses em contextos de coordenação e orações
infinitivas flexionadas independentes.
Em uma análise preliminar do corpus, a maior parte das sentenças encontradas é
constituída de construções FI. No século XVI, as FIs representam 96,6% das ocorrências,
93,3% no século XVII e 88,3% no século XVIII. O número dessas construções aumenta
novamente no século XIX, em que representam 96,5% dos dados. Registramos sentenças FI
com sujeito nulo (1), sujeito na forma de clítico (2) e sujeito lexical em posição pós-verbal,
precedido ou não pela preposição a (3 e 4):
(1) Porém Nero emperador mandou pintar em pano um coliseo de CXXI pés. (F.
de Holanda, 1517).
(2) [...] a inconstância ainda que odiosa, nem por isso lhe faltam os motivos, que a
fazem justamente ser precisa. (M. Aires, 1705)
(3) Sua Divina Majestade dê a Vossa Mercê aquele ardente amor, que faz correr as
almas atrás de seus suaves ungüentos [...]; (A. das Chagas, 1631)
(4) Outro houve taõ pacifico, que fazia exhibir aos passageiros o dinheiro, que
levavaõ: (M. da Costa, 1601)
Em relação às construções de ECM, registramos uma baixa ocorrência: 0,2% nos
séculos XVI e XVII, e 0,3% no século XVIII. No século XIX, entretanto, não encontramos
nenhuma sentença deste tipo. Quanto às construções de Infinitivo flexionado, não
registramos nenhum caso em todo corpus.
Encontramos, além disso, diversas sentenças que não podem ser classificadas nos
três tipos de construções causativas descritas, pois apresentam ambiguidade linear. No
século XVI, essas sentenças representam 3,2% dos dados e no século seguinte, 3,7%. No
século XVIII, essas construções representam 11,4% dos dados, mas no século seguinte,
esse número reduz para 3,5%.
No que diz respeito ao tipo de sujeito infinitivo nas construções FI, é no século
XVIII que podemos observar as mudanças ocorridas. As ocorrências de construções com
sujeito nulo diminuem do século XVI (68,1%) para o XVII (59,3%) e reduzem para 37%
no século XVIII. No século XIX, porém, a frequência aumenta para 52,7%. Quanto ao
sujeito lexical nestas construções, a ocorrência aumenta gradualmente entre os séculos XVI
e XVIII, de 10,4% para 21,5%, reduzindo para 18,2% no século XIX.
Diante do quadro apresentado, emergem as seguintes questões relativas às
construções causativas do Português Europeu: 1) Qual é o estatuto do complemento
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Julie Kellen de Campos Borges, doutorado em Lingüística – UNICAMP (co-tutela Paris III)
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Menciona o genebrino: “com o separar a língua da fala, separa-se, ao mesmo tempo: 1º, o
que é social do que é individual; 2º, o que é essencial do que é acessório e mais ou menos
acidental” (Saussure, 2001 [1916], p. 22).
Mas, o próprio Saussure pontua que a fronteira entre o âmbito social e o individual é
“questão difícil de destrinchar” (Engler, 1989, p.284, trad. livre nossa). Dessa forma, a
dicotomia língua e fala, mesmo tendo sido um corte teórico necessário para que o construto
saussuriano se estabelecesse, pode não ser tomada enquanto algo absolutamente estável e
não passível de questionamentos e reformulações. Então, se há, como afirmou Godel (1957
apud Bouquet, 2000, p. 272), uma “fronteira turva” entre língua e fala, como fica o estatuto
do sujeito falante, já que “na parte executiva [na fala] 1º o indivíduo permanece senhor” ?
(Engler, 1989, p. 40; destaques do autor; trad. livre nossa).
Nessa conjuntura, o sujeito falante seria, do ponto de vista estabelecido pela
tradição de leituras de Saussure, aquele que usa a língua para as suas manifestações
volitivas que, segundo o Curso, são expressas pela fala, configurando-se, portanto, como
sujeito falante e pertencendo somente ao campo da fala. No âmbito da língua, esse sujeito
seria apenas seu depositário e a registraria passivamente: [a língua] “trata-se de um tesouro
depositado pela prática da fala em todos os indivíduos pertencentes à mesma comunidade,
um sistema gramatical que existe virtualmente em cada cérebro” (Saussure, 2001 [1916], p.
21).
Assim, não caberia ao sujeito falante qualquer participação ativa no tocante ao
campo da língua, mas como a fronteira entre o que é da língua e o que é da fala
permaneceu como algo turvo e de difícil estabelecimento, a posição desse sujeito também
restou passível de questionamento.
Um trecho do texto feito por Saussure para a primeira conferência na Universidade
de Genebra em novembro de 1891 nos permite refletir sobre a posição do sujeito falante:
Os fatos lingüísticos podem ser tidos como o resultado de atos de nossa vontade? Tal é,
portanto, a questão. A ciência da linguagem, atual, lhe dá uma resposta afirmativa. Só
que é preciso acrescentar, imediatamente, que há muitos graus conhecidos, como
sabemos, na vontade consciente ou inconsciente; ora, de todos os atos que se poderia pôr
em paralelo, o ato lingüístico, se posso chamá-lo assim, tem a característica [de ser] o
menos refletido, o menos premeditado e, ao mesmo tempo, o mais impessoal de todos
(SAUSSURE, 2004, p. 132).
Se o sujeito falante é, como pontuou Saussure, o senhor da parte executiva da
linguagem e é na fala que esse sujeito pode manifestar suas expressões volitivas, como
dizer que o ato lingüístico é irrefletido e impessoal ? Afinal, a princípio, o fato lingüístico é
acontecimento de língua e, enquanto tal, não estaria submetido à vontade individual; já, em
contrapartida, o ato lingüístico é execução da língua pela fala e, portanto, refere-se
justamente àquilo que é individual: “fala é (...) um ato individual da vontade e inteligência”
(Saussure, 2001 [1916], p. 22).
Atribuir ao sujeito falante vontade e particularidade é colocá-lo na esfera de um
sujeito psicológico, o que é incompatível com o construto saussuriano. Todavia, seria
possível apagar esse sujeito da esfera da língua? Os Manuscritos de Harvard apontam para
a presença de uma orelha “que pode naturalmente decidir sobre semelhanças, identidades e
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diferenças de percepções” (Saussure apud Parret, 1993[1994], p. 2002; trad. livre nossa).
Essa orelha, para nós, assim como para Parret, está muito próxima à posição do sujeito
falante: ela decide/julga o que é da língua a partir da fala.
Assim, o sujeito falante estaria representado pela orelha enquanto aquele que
decide. Mas, se considerarmos o questionamento de Saussure sobre os sintagmas – “toda
frase será um sintagma. Ou a frase pertence à fala e não à língua. Ou objeção: os sintagmas
não pertencem à fala e não estaríamos misturando as duas esferas sintagma-associação?
(...)” (Engler, 1989, p. 283-284; trad. livre nossa) –, para nós, mais do que aquele que
decide, o sujeito falante poderia se configurar como aquele que transita da esfera da fala
para a da língua, quando utiliza os sintagmas. Em busca de luzes para essa nossa suposição
que caminhamos atualmente.
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Esta pesquisa aborda a relação ente injúria verbal e prática discriminatória, tendo
em vista as formas qualificadas de injúria, ou seja, aquelas que, segundo a definição do
Código Penal brasileiro, utilizam elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, origem ou
à condição da pessoa idosa ou portadora de deficiência. Seguindo a abordagem austiniana
dos atos de fala (AUSTIN, 1976), pretendo comparar como o sistema judicial brasileiro e
os movimentos sociais interpretam a relação entre insultar e discriminar. O que se espera
com essa investigação é refletir sobre duas tensões básicas do conceito de performativo: a
relação entre dizer e fazer e o conflito entre convenções e atos individuais. O entendimento
dessas tensões é fundamental para a discussão da relação entre injúria e prática
discriminatória. A partir de um levantamento preliminar de dados jurídicos sobre casos de
injúria, pretendo apresentar, nesta comunicação, uma análise das categorias semântico-
pragmáticas empregadas na (re)constituição dos efeitos ofensivos do ato de fala pelo
sistema judicial. As quatro categorias identificadas, significado, referência, contexto e
intenção, além de desempenharem um papel fundamental na tradição dos estudos
semânticos e pragmáticos, têm grande relevância jurídica nos casos de injúria. A intenção,
por exemplo, aparece no meio jurídico sob a forma do dolo. O dolo é a intenção de praticar
um ato, mesmo sabendo que ele é contrário à lei, e está relacionado à previsão dos
resultados de uma ação e à vontade de obtê-los. Conforme o Código Penal, o crime doloso
ocorre “quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”. Dessa forma,
o dolo é constituído por um elemento cognitivo, o conhecimento de que certo ato é
considerado um crime, e um elemento volitivo, a vontade de realizar tal ato. Para haver
dolo, é necessário haver consciência do alcance da ação no momento em que ela é
realizada. O conhecimento dos elementos descritivos e normativos da conduta criminosa e
a previsão da causalidade e do resultado dessa conduta são considerados fundamentais no
julgamento dos casos de injúria. Na linguagem jurídica, o dolo constitui o tipo subjetivo da
conduta proibida, que inclui vontade, intenção, tendências. O tipo objetivo é a
exteriorização da vontade e da intenção por meio de uma ação. No caso da injúria, deve
haver uma relação entre um dizer (tipo objetivo) e uma intenção (tipo subjetivo). Para o
sistema judicial, alguns elementos são necessários para se definir a intenção injuriosa, entre
eles: a) o depoimento das testemunhas, ou seja, das pessoas que estavam presentes no
momento em que ocorreu a ação ofensiva e que ouviram as palavras e expressões
pronunciadas, bem como presenciaram outras ações subsequentes; b) o nível de
conhecimento e de consciência do agente, isto é, o conhecimento do conteúdo das
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natureza mais complexa, com a palavra substituta surgindo de alguma associação particular
esquecida pelo sujeito. Desta forma, se se deseja entender as parafasias, deve-se olhar não
apenas para a anatomia ou fisiologia do cérebro, mas também para a natureza das palavras e
suas associações formais e pessoais, para os universos da linguagem e da psicologia, o
universo do sentido.
Para o estudo do impacto na linguagem causado por lesões cerebrais, traumatismos
crânio-encefálicos ou doenças neurodegenerativas, muitas vezes são utilizados conceitos
advindos da psicologia e da psicanálise, tais como os de sujeito, emoção, cognição,
pensamento, percepção, consciência, inconsciente, memória, entre outros. Tendo em vista a
complexidade dos objetos de investigação dos neurocientistas, eles foram recorrendo
paulatinamente às ciências humanas no intuito de obter subsídios para o estudo das inter-
relações de dados do comportamento manifesto e estados cerebrais, bem como entre dados
relacionados a estados mentais e sua relação com estados cerebrais. A partir de então, passa
a ocorrer uma assimilação do léxico e de alguns conceitos da própria psicanálise, teoria que
assinala que o sujeito não é uno, e sim dividido, já que é dotado de uma mente regida por
conflitos entre o domínio consciente e o inconsciente. Este fato, bem como a possibilidade
de aproximação – muitas vezes considerada improvável – entre este campo e o da
neurociência, apontam, na realidade, para um parentesco ancestral, o qual a clínica,
neurológica ou psicológica, revelou explicitamente, como se pode observar ao longo da
obra de Freud.
Procurando sempre uma aproximação entre a normalidade a patologia, em A
Interpretação das Afasias Freud procura explicitar como que muitas das alterações de
linguagem presentes nos sujeitos afásicos também são encontradas em sujeitos normais,
sendo que um dos principais fatores de diferenciação entre os dois estados seria a
freqüência em que tais alterações são produzidas em um estado ou no outro. Nesta obra,
que consistia em sua tese de doutorado, finalizada em 1891, o então neurologista já trazia
alguns dos conceitos que futuramente se tornariam pressupostos básicos da psicanálise,
como a relevância das associações para a constituição, organização e recuperação da
linguagem dos sujeitos, bem como a importância dos atos falhos e lapsos de linguagem na
compreensão da psique.
A metodologia utilizada para a realização da pesquisa de mestrado consiste na
leitura e análise da obra A Interpretação das Afasias, bem como de diversas outras obras
dos principais autores que abordaram esta temática, tais como Jakobson e Luria, juntamente
com o acompanhamento semanal do sujeito estudado. Serão estudadas também obras
fundamentais relacionadas à estrutura e o funcionamento do cérebro, tais como
Conhecendo o Cérebro, de Luciano Meccacci, e O Erro de Descartes, de Antônio Damásio,
entre outras. Concomitantemente, está sendo realizado um estudo rigoroso acerca da teoria
psicanalítica freudiana, sobretudo das obras relacionadas mais diretamente a questões de
alterações de linguagem, como Sobre a Psicopatologia da Vida Cotidiana.
O sujeito analisado (WM), do sexo masculino, tem 46 anos e sofreu um acidente
vascular cerebral há dois. Seu acompanhamento longitudinal individual vem sendo
realizado desde o mês de agosto de 2009, em sessões semanais de 30 minutos de duração.
Em seguida, ele participa das reuniões coletivas promovidas pelo CCA – Centro de
Convivência de Afásicos da Unicamp, Grupo II.
A partir do contato e das atividades desenvolvidas com WM, algumas hipóteses
acerca de seu caso já puderam ser levantadas. Foi percebida uma apraxia de fala, a qual
vem sendo trabalhada durante os atendimentos, através de atividades desenvolvidas
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especialmente para que ele retome a capacidade de articulação das palavras e fonemas, bem
como uma possibilidade de agramatismo, que vem sendo objeto de investigação. Já foi
possível observar também que as palavras carregadas de sentido e afeto para o sujeito,
como o nome de familiares e situações importantes de sua vida, são produzidas e até
mesmo escritas com mais facilidade, o que corrobora a tese inicial de que as categorias
psicológicas, psicanalíticas e sociais são fundamentais para a compreensão dos fenômenos
cerebrais, sobretudo no estado patológico.
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O projeto de tese Minha língua, patrimônio nosso, que vimos apresentar neste evento,
está em andamento desde o início deste ano de 2009 e versa sobre a língua como patrimônio
nacional, com base na sua condição de objeto de museu.
Inscritos na análise de discurso postulada na França por Michel Pêcheux e desenvolvida
no Brasil por Eni Orlandi e demais pesquisadores, bem como ligados à linha de pesquisa
Língua, Sujeito e História (PPGL/UFSM), buscamos refletir sobre a constituição da língua
como um objeto de museu em virtude do Museu da Língua Portuguesa (SP), problematizando a
questão do patrimônio especialmente em face da forma-sujeito urbana (cf. Orlandi, 2004). Isso
porque entendemos que o gesto de comemoração da língua no museu e, com isso, a
representação/instituição do patrimônio muito nos dizem ou nos levam a refletir sobre a relação
do sujeito com o Estado, representado/significado na/pela língua portuguesa, e, ao mesmo
tempo, com a nação. É pela nossa forma-sujeito histórica que sabemos quem somos e de onde
somos; do mesmo modo, sem língua, não temos história nem memória.
Há muitas questões que avultam para reflexão nesse caminho que tomamos. De
antemão, a própria constituição da língua como objeto de museu. Um patrimônio é um bem
comumente reconhecido e comemorado por uma comunidade, prerrogativa tal que lhe garante
características como preservação e continuidade, ou seja, ele constitui-se num jogo em que a
memória significa em conjunto com a história por meio de filiações a grupos em relação aos
quais esse patrimônio se identifica e por eles é identificado. Contudo, no caso da língua,
observamos condições de produção singulares, uma vez que língua só se constitui na relação
com o sujeito e pela inscrição na história, de tal modo que, pensada na perspectiva do
patrimônio, é preciso que seja narrada/contada no museu a história e a memória do sujeito, ou
melhor, no caso de uma língua nacional, de um povo, conjugação sem a qual o patrimônio não
passa de mero texto jurídico.
Mas que língua é essa que está no museu? O que dela se conta? No momento em que se
musealiza a língua, propõe-se não apenas potencializar a língua portuguesa como também,
pensando o sujeito, reconhecer/conhecer/rever a língua pela via da comemoração, gesto que
Venturini (2008) explica como fazer crer em processos de identificação que podem intervir no
cenário urbano. Por que, nós, brasileiros, precisamos de um museu para comemorarmos a
língua portuguesa? Que subsídios a nossa história enquanto nação e a história da língua
portuguesa nos dá para isso? Ademais, por que precisamos de um museu para contar a história
de uma língua que já tem, de certo modo, suas prerrogativas de conservação e continuidade
jurídica e politicamente dadas, em se tratando de uma língua nacional?
Talvez, seja a velha problemática da nossa brasilidade em relação à língua portuguesa que
ressoe sem cessar na proposta do museu. Somos um país colonizado, diverso linguística e
culturalmente, de modo que, mesmo tendo estatuto jurídico na singularidade do brasileiro, na
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nossa cidadania, a língua portuguesa não é a língua materna de muitos, não representa o
multilinguismo existente em nosso território. A história e a memória latina dessa língua não
necessariamente é a história e a memória que construímos com a língua portuguesa no Brasil.
Mas, é ela quem, de algum modo, está no museu, na literatura, na sua diversidade constitutiva
via falares regionais, raças, cultura, até mesmo biodiversidade. É a nossa relação de
identificação com ela que somos convidados a rever, porque o museu é nosso e a língua
também é nossa.
O museu não poupa esforços para tanto. Confrontando a tradicional e popular definição
de museu como guardião do ‘velho’, ou depositário da memória (Davallon, 2005), o museu da
língua 'guarda' algo vivo e dinâmico, e o faz mesclando os recursos mais primitivos ao high-
tech renovável. Boa parte do acervo é interativa e não permanente, se atualiza a cada visita,
porque cada entrada no museu é uma proposta de movimentar o cenário que narra a língua
na/por ela mesma. Explora-se justamente a materialidade e a plasticidade do objeto museal, a
língua, bem tido como vetor do patrimônio imaterial da humanidade (Unesco, 2003). Na
relação do simbólico com o político, joga-se com o real e o imaginário do sujeito pela vastidão
de possibilidades, pela intensidade e, finalmente, pela impressão de domínio na/pela/da língua,
parte do processo de comemoração.
Sendo o museu um entre tantos outros meios políticos de democratização do acesso à
cultura, o museu democratiza algo que é nosso, não só porque os bens patrimoniais são nossos,
mas porque a língua é minha e é nossa, cada um e todos temos uma relação com ela. A língua
não é um lugar que se visita e que tem uma história espaço-temporal determinada, mas a língua
que falamos, que decoramos, que aprendemos; também, é a nossa roupagem: é por ela que
somos e nos apresentamos, é por ela que somos sujeitos de algum lugar. A língua nos constitui.
Assim é que, além do acervo, todo o 'cenário' produz sentido para a comemoração, aliando
tradição com história, memória e cultura: os meandros silenciados do projeto de revitalização
do bairro e da Estação da Luz, local que abriga o museu; a referência histórico-cultural e a
própria arquitetura da Estação; o metrô; e o urbano (Orlandi, 2004), que muito nos diz sobre
ordem, desordem, organização na metáfora da língua.
“A língua é o que nos une”, esta é a chamada. Contudo, não só este slogan como o
próprio gesto de comemoração envolvem um acordo de olhares, como diria Davallon (1999).
Comemorar, para nós, envolve, um gesto de interpretação (Orlandi, 1996), e a aliança entre
cultura e espetáculo trabalha na ordem do fazer crer, mas não é necessariamente garantia da
significação da língua como patrimônio para o sujeito coletivo, para nós, brasileiros.
Se somos um só pela língua, porque é ela o ponto de confluência do múltiplo, do
variado, da desordem, é na nossa cidadania que está-se convidando a pensar. No poder da nossa
língua para e entre nós mesmos e, concomitantemente, para os outros, para o que nos é exterior
é, ao mesmo tempo, tão importante política e economicamente. Talvez, também, a nossa
história e a nossa memória brasileiras estejam sendo atravessadas/constituídas/significadas por
uma falta, um devir que é o sonho da identificação plena com a língua nacional, para instituir
finalmente uma nossa história, uma nossa memória por essa língua, e não pela diversidade que
nos constitui. Reescrever, recontar a história? Reconstituir memória? Questão sócio-histórica,
essencialmente da ordem do político (Orlandi, 2001) na língua e no sujeito, e de políticas
(Cervo, 2008), há muito nesse processo que se apaga, que se silencia, que busca convencer,
mostrar. Esses são alguns dos motes que nos instigam e nos encaminham neste trajeto no qual
contamos a história da língua no museu, a língua patrimônio no Brasil.
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outros recursos cênicos que complementassem as falas das personagens, contribuindo para
a construção de sentido e os efeitos de humor.
Em um primeiro momento, lidar com questões de tradução e adaptação da
linguagem parece mais simples que trabalhar assuntos diretamente ligados ao contexto
romano e aspectos cênicos, já que estes últimos exigiriam soluções paratextuais como
estudos introdutórios e notas de rodapé. As particularidades linguísticas, por sua vez,
poderiam ser resolvidas na própria tradução, desde que se utilizasse uma linguagem
próxima daquela de uso corrente pelo público. O trato da linguagem, porém, está longe de
ser simples. Ainda mais no caso do texto de Plauto, repleto de recursos poéticos como
repetições, duplos sentidos e efeitos sonoros em abundância, além do uso de léxico
específico como arcaísmos, coloquialismos e termos técnicos.
No caso dos efeitos sonoros (aliterações, assonâncias, homeoteleutos etc.), alguns
pontos da tradução que engendramos não apresentaram, de fato, grandes dificuldades, dada
a proximidade lexical entre o latim e o português. Já em outros a manutenção de efeitos
sonoros não pareceu factível por não encontrarmos termos semelhantes em português
(referimo-nos à lingua corrente, ao menos). Em alguns casos até seria possível uma
tradução um pouco forçada que recuperasse, ainda que parcialmente, a sonoridade do texto
latino. Nesses casos, contudo, a fluência e mesmo parte do sentido do texto acabariam
comprometidos.
As repetições – recurso estilístico de Plauto, que não hesita em empregar vários
termos em versos consecutivos, bem como o encadeamento de termos de valor semântico
semelhante – também se mostram difíceis de traduzir em alguns trechos da peça, mas é
preciso, sim, realizar um esforço para recuperá-las. Isso porque – é sempre bom lembrar –
as repetições existentes na obra de Plauto também servem para estilizar uma linguagem oral,
e visavam, a apresentação oral durante o espetáculo. Repetições lexicais também teriam
outra razão de ser: aumentar o efeito humorístico ou remeter a outros trechos da peça.
Assim sendo, parece adequado mantê-las na tradução, a fim de nos aproximarmos o
máximo possível do que tais peças teriam sido à época de sua criação.
Quanto a este ponto, novamente, em alguns trechos a tradução pode fluir de maneira
relativamente tranqüila devido à similaridade dos termos nas duas línguas. Mas manter tais
repetições também pode gerar dificuldades de tradução (até pela complexidade em
encontrar diversos sinônimos na língua para a qual se traduz), ou mesmo um estranhamento
estilístico. Nesse sentido, lembremo-nos que tal recurso plautino é mesmo depreciado por
não poucos tradutores e estudiosos, que o consideram “ditografia” (i.e. um tipo de
corrupção durante a cópia do manuscrito), falta de clareza, de objetividade. E, claro, que se
considerarmos uma cena inteira ou a peça completa, por exemplo, torna-se impraticável a
tarefa de traduzir sempre pela mesma equivalente em português as palavras repetidas em
latim. Além da atenção exigida para localizar os termos e manter a uniformidade de
tradução, muitas vezes, não é possível utilizar sempre o mesmo sinônimo, sob risco de
afetar o significado das frases em que estão empregados ou efeitos sonoros presentes.
No que se refere ao léxico, também se imagina que a escolha de palavras arcaicas,
coloquiais ou técnicas tenha uma razão de ser e, logo, estes termos precisariam ser
cuidadosamente vertidos para a língua portuguesa, a fim de preservar, ainda que à custa de
algumas adaptações, os efeitos presentes no texto latino. Alguns termos técnicos bélicos
que aparecem em Anfitrião, mais precisamente na narrativa de batalha de Sósia, mostram
de maneira muito clara o quão necessário é este cuidado na tradução. Quanto aos arcaísmos,
o mais interessante é se voltar não para termos arcaicos quanto ao latim clássico, muito
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posterior à época de Plauto; mas concentrar a atenção no uso de palavras que eram arcaicas
já à época de Plauto, pois estas sim deveriam trazer algum efeito ao público coevo às peças.
Finalmente, temos os coloquialismos, que, como já assinalamos, parecem ser os mais
complexos de trabalhar. Apontados com grande freqüência pelos comentadores, expressões
e termos qualificados como coloquiais muitas vezes passam despercebidos na tradução,
uma vez que o texto plautino em si, com seu caráter de oralidade, já é considerado, em
geral, coloquial.
Saindo do domínio do léxico, poderíamos lembrar certos cuidados de tradução ainda quanto
à sintaxe. Isso porque, como notamos no corpus em estudo, não apenas as palavras podem
gerar efeitos poéticos, mas também sua organização e concatenação dentro dos períodos. O
foco de nossa comunicação, entretanto, será apresentar e comentar trechos da peça plautina
Anfitrião que se mostram exemplarmente desafiadores a uma tradução que procure
recuperar, ainda que por meio de adaptações, efeitos poéticos gerados no âmbito lexical.
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trabalho vai incorporar, ainda, a discussão sobre: (i) estrutura interna do DP que codifica
posse inalienável e posse não-alienável, (ii) a hipótese da analogia entre DP e CP, (iii) e a
estrutura de pequena-oração (small-clause), considerando não apenas a realização sintática
de argumentos verbais no curso da derivação, mas, em especial, o mecanismo de ativação
de concordância com sintagma determinante (doravante DP) que denota posse inalienável.
Ainda nessa esteira, a investigação revisita, com base em pressupostos minimalistas
recolhidos em sistemas chomskianos já citados, a idéia de Kato (1989) de que a diferença
entre as línguas deve ser feita não em termos da distinção das categorias tópico e sujeito,
mas em termos do tipo de sujeito (aqui entendido como sujeito gramatical) que as línguas
podem selecionar. Essa interação faz-se, ainda, aproveitar da noção de phase heads, de um
lado, e de proxy heads, de outro, e, sem perder de vista a intuição chomskiana de que C é o
locus tanto de traços- φ quanto de ЕFs, procura motivar a correlação entre movimento de
argumentos, preenchimento de posições com elementos lexicais; e possibilidade de se
codificar informação discursiva de natureza distinta nesse tipo de sentenças do PB (nessas
sentenças, a indicação de possibilidade de leitura com certa pausa entoacional está
representada – de maneira informal – a partir do emprego de vírgula):
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no entanto, a existência desse petróleo já foi comprovada e este fato já causa impacto nas
práticas de construção identitária do capixaba.
É justamente nesse ponto, que nossa pesquisa se insere. Isto é, pensar o estado nesse
momento, é levar em conta o atual quadro político e econômico, para assim, entendermos
que uma outra mudança também vem acontecendo. Essa, no entanto, é mais sutil, menos
visível, mas não menos importante. Trata-se de uma mudança de identidade, ou seja, ao se
enriquecer e se livrar da imagem negativa gerada pelas polêmicas na política, o Espírito
Santo passa a ostentar outra imagem, não mais aquela de outrora, mas sim uma imagem de
sucesso, de riqueza e, como consequência disso, novas maneiras de olhar o estado são
observadas, várias imagens são criadas, sobretudo no discurso jornalístico.
No período anterior à descoberta do pré-sal, as imagens que depreendemos do
discurso do petróleo veiculados pelos jornais A Gazeta e A Tribuna reforçavam o caráter
flutuante da identidade, como defendido por Bauman (2006), já que esse discurso ora
construía identidades positivas do estado, ora as desconstruía. Com o advento do pré-sal no
Espírito Santo, as imagens mais cotidianamente veiculadas são aquelas que retratam um
estado num vivo processo de enriquecimento. Assim, o caráter flutuante da identidade
tende a perder força, dando lugar à consolidação de uma identidade positiva: de um estado
rico e moderno.
Essa pesquisa vai tentar, então, analisar o discurso do petróleo em textos veiculados pelos
jornais A Gazeta e A Tribuna, levando-se em conta a construção/desconstrução de
identidades. Para tanto, nosso percurso se fará com reflexões sobre a noção de discurso e
identidade. Assim, ao nos voltarmos para as análises, tentaremos entender o impacto desse
novo momento vivido no Espírito Santo na realidade social e, consequentemente, nas
práticas identitárias. Para tanto, em um primeiro momento faremos a leitura e revisão
bibliográfica de textos da Análise do Discurso voltados para o entendimento das práticas
midiáticas e de textos de áreas afins focados na questão da identidade. Essa leitura objetiva
a construção de um recorte teórico pela apreensão das categorias a serem usadas na análise;
Num segundo momento, empreenderemos a seleção do corpus que será constituído de:
textos dos jornais A Gazeta e A Tribuna do período anterior ao advento do pré-sal (até julho
de 2008) e textos dos mesmos jornais posteriores ao advento do pré-sal (a partir de julho de
2008). Esses textos serão de gêneros diversos (reportagens, editoriais, artigos de opinião,
entre outros); Em seguida, analisaremos o corpus com base nas categorias apreendidas e
discutiremos os resultados. Finalmente, elaboraremos o trabalho final.
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homens, porque aquele cérebro não adquiriu as conexões que a sociedade dos homens
requer (Mecacci,1987).
Esses são os motivos que me fazem acreditar que uma reflexão séria e significativa das
dificuldades de aprendizagem encontradas na escola, pela sua descaracterização enquanto
ambiente educativo, bem como uma reflexão sobre alternativas possíveis para a
recuperação de seus valores sociais e humanos, deva passar por uma análise
neurolingüística, desenvolvida no Departamento de Lingüística. Sabemos que os
fenômenos de plasticidade cerebral são característicos do sistema nervoso e que uma parte
significativa dos trabalhos sobre plasticidade neuronal e adaptação foi desenvolvida nas
pesquisas em neurolingüística para “reconstrução” desse sistema. Além disso, trabalhos
muito importantes têm sido produzidos na área de neuropsicologia com o objetivo de
pensar e re-estruturar as condições ambientais para que elas se tornem reais e significativas
no acompanhamento longitudinal de afásicos e de crianças com dificuldades de leitura e
escrita.
Bibliografia
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Referências Bibliográficas
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Futuramente, a coleta dos dados deve ser intensificada até que se alcance um número
suficiente de itens lexicais para compor a análise final.
Referências Bibliográficas
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Marcel Dekker, 2000.
Stevenson, M., Wilks, Y. Word-sense disambiguation. In: MITKOV, R. (Ed.). The Oxford
handbook of computational linguistics. Oxford: Oxford University Press, cap. 13, p. 249-
265, 2004.
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Por ser uma forma cultural, a história é entendida, também, como um discurso que
cria sentidos sobre o mundo e que estabelece relações entre tempo presente e tempo
passado. Em A história repensada, o historiador inglês Keith Jenkins definiu o conceito de
história que ele denomina como “pós-moderno”.
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Bibliografia
Jenkins, Keith. A história repensada. 3 ed. Trad. Mario Vilela. São Paulo: Contexto, 2007.
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Referências Bibliográficas
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BOY, R. et al. Síndrome do x frágil: estudo caso-controle envolvendo pacientes pré e pós-
puberais com diagnóstico confirmado por análise molecular. In: Arquivos de
Neuropsiquiatria, 59(1): 83-88, 2001.
VYGOTSKY, L. S. A Formação Social da Mente. São Paulo, SP: Martins Fontes, 1987
(Tradução inglesa dos originais russos de 1930).
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e) uso de operadores de narrativas: “era uma vez”, para iniciar uma narrativa, ou
“acabou a história”, para encerrá-la; “depois”, “e aí” ou “daí”, ligando um evento a outro;
uso de prosódia e elementos como entoação, ritmo, velocidade de fala, qualidade da voz de
suspense de narrar estórias, que caracterizam o ato de narrar.
Dados obtidos em situações dialógicas com sujeitos afásicos permitem afirmar que
um dos gêneros que mais resistem nas afasias é o narrativo, embora certamente a produção
de narrativas varie em função, por exemplo, do grau de severidade dos casos. As
narrativas, dessa forma, se constituem como um lugar privilegiado para a análise dos
impactos das afasias na linguagem dos sujeitos.
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O analisador trabalha com duas estruturas de dados principais: uma pilha para
armazenar nós em construção (por exemplo, um SV) e uma área temporária de três células,
por onde a sentença “entra”. Como saída, o analisador gera árvores sintáticas para as
sentenças que consegue analisar. O estado final da aquisição (ou a “saída” do procedimento
de aquisição) é um conjunto de regras gramaticais de base (projeção de sintagmas e
anexação de especificadores e complementos) e transformacionais (inserção de vestígios e
itens lexicais). Abaixo, uma regra de cada tipo:
Regra de base
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Regra transformacional
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Este trabalho traz uma análise sociolingüística de estruturas com Sujeito Posposto e
a influência das mesmas no processo de concordância verbal na escrita em norma-padrão
do Português Brasileiro (PB).
No Brasil, as pesquisas lingüísticas têm apresentado resultados significativos acerca
dos fenômenos variáveis na gramática do português. Estas pesquisas comprovam a
realidade sociolingüística de nosso país e a sua importância para a descrição da Língua
Portuguesa, tanto em sua modalidade escrita, quanto em sua modalidade falada.
A linguagem escrita, imposta pela norma contida nas gramáticas tradicionais, distancia-se
da realidade da fala dos brasileiros, fazendo com que nos textos escritos surjam estruturas e
fenômenos comuns à fala. A transposição fala - escrita, por ser condenada pela norma-
padrão, é utilizada, na maioria das vezes, inconscientemente pelos falantes/usuários da
língua.
Os funcionalistas Keenan e Comrie (1977 apud Kato, 2005) partindo de dados
empíricos, concebem a existência de uma hierarquia de funções gramaticais - se uma dada
língua usar uma determinada estratégica de realização em determinado local da hierarquia,
esta língua usará a mesma estratégia em todas as outras realizações. Isto é, esta língua terá
uma posição linear – os constituintes com mesmo valor sintático tenderão a se posicionar
sempre em um mesmo local.
Dentro da posição linear, temos a ordem SVO (Sujeito-Verbo-Objeto) e o
deslocamento da posição canônica do Sujeito da oração. Sendo que a partir da segunda
metade da década de 80, surgiram várias linhas teóricas que formularam questões mais
específicas sobre a investigação desta ordem (Sujeito-Verbo-Objeto) – foi especialmente
importante, nesse sentido, o trabalho pioneiro de Eunice Pontes (1986) – e as linhas
apontam para uma mudança: o português brasileiro (PB) está se tornando uma língua de
sujeito obrigatório .
No PB, de acordo com a Gramática Normativa, a concordância, segundo a ordem
SVO, é estabelecida entre o sujeito (S) e o verbo (V): o verbo concorda com o sujeito
explícito em pessoa e número (Bechara, 2006, p.17).
Eunice Pontes, em O conceito de Sujeito entre os falantes (1985), concluiu em suas
pesquisas, realizadas com professores e alunos da UFMG, que a concordância verbal não
foi considerada, pelos entrevistados, como sendo um traço de identificação do sujeito
dentro de uma oração, enquanto que a posição anteposta ao verbo é dada como um traço do
mesmo.
Porém, os usuários da língua tendem a não fazer a concordância SV, quando o
Sujeito se encontra deslocado de sua posição canônica, e entendem este termo como não
sendo o Sujeito da oração em questão. “Os falantes, de acordo com a pesquisa de Teonila
Pinto (1981), tendem a identificar como sujeito o que vem no início” (Pontes, 1985, p.54).
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restrições contextuais, aos “outros” (intersubjetividade). Por outro lado, a escolha do corpus
(situações interativas envolvendo afásicos e não-afásicos) impõe-se porque ele pode
explicitar, devido à instabilidade lingüístico-cognitiva posta pela afasia, processos
praticamente amalgamados nas atividades cotidianas. Na discussão deste seminário,
focalizaremos o trabalho de elaboração do Sistema de Transcrição da pesquisa, que visa a
dar visibilidade às ocorrências conjugadas entre dêiticos gestuais e verbais, observando a
indicialidade na seqüencialidade enunciativo-discursiva; os dêiticos com função
interacional – para a coesão argumentativa e textual, para a centração indicial de um corpo
situado no mundo de uma cultura em específico. Discutiremos, basicamente, as limitações e
vantagens do modelo de transcrição do material gestual proposto por Adam Kendon (2004).
Seu modelo responderia as indagações sobre estruturação, dinâmica e gestão da interação,
como atestam vários estudiosos sobre linguagem em interação, sobretudo face a face, ainda
que muitos o considerem também complexo. De fato, as primeiras transcrições de Kendon
(1990), por serem extremamente detalhadas (com marcações para qualquer tipo de
movimento, gestual ou não), são consideradas visualmente “sujas” por focarem a
ocorrência in situ e não a progressão enunciativa, o que poderia implicar dificuldades
quanto à visibilidade do fenômeno em questão. No entanto, seu modelo atual de transcrição
da gestualidade, por ser fundamentado na própria enunciação gestual, pode servir de
modelo para os nossos propósitos. Como o referido autor foca a própria ocorrência, numa
tentativa de tipologizar os gestos realizados no curso da interação, nossa transcrição é
adaptada, tendo como inspiração os símbolos propostos pelo autor, alinhados a uma
transcrição do material verbal seguindo o “modelo Jefferson” (Cf. Loder, 2008), usado
pelos analistas da conversação. Em nosso sistema, uma quarta coluna é adicionada a
transcrição, onde marcamos as nossas tipologias gestuais (que parte do corpo é utilizada,
que direcionalidade do gesto é empregada, etc.). O movimento metodológico de adaptação
de notações de transcrição levou-nos à constatação de que com poucas marcações é
possível dar visibilidade a ocorrência gestual. No nosso caso, focalizamos os gestos de
cabeça e mão, seguindo a proposta de Kendon (2004). Isso nos auxiliou na própria
observação do dado áudio-visual, já que nosso corpus é composto por interações coletivas,
em torno de oito participantes ou mais e gravada com apenas uma câmera, o que dificulta a
visualização de várias ocorrências, principalmente o direcionamento do olhar e certos
movimentos corporais. O importante neste ponto é ressaltar que a transcrição é influenciada
por nossa postura teórica, tendo em vista a necessidade de dar visibilidade e possibilidade
analítica ao fenômeno teorizado. Como também o tratamento que o corpus recebe e a
maneira de obtenção dos dados influencia a teorização lingüística. Pela transcrição
adaptada podemos visualizar ocorrências interessantes que podem provar a nossa tese: os
dêiticos gestuais são semelhantes aos dêiticos verbais, na enunciação eles apresentam as
mesmas funções, muitas vezes ocorrem no lugar da fala, em outros momentos eles
complementam a fala. Outra semelhança observada é a polissemia; um mesmo gesto, como
o apontar, é empregado em situações diferentes com significações diferentes, pode indicar
espaço, tempo ou pessoa. No entanto, a dêixis gestual não é só apontar, observamos
ocorrências interessantes em que um dêitico verbal é conjugado com um gesto metafórico
expandindo o sentido da enunciação, em outros casos a gestualidade aparece conjugada
com elementos verbais não dêiticos tendo, para a interação, uma função indicial. Outra
constatação interessante é a de que a dêixis anafórica não é somente interna a língua, assim
como a função dêitica na fala, por seu lado, não se restringe a uma função exofórica de
apontar para o exterior da língua, para um referente sempre fora da enunciação. O
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que está relacionada ao esquecimento número 2, proposto por Pêcheux como a ilusão de
que haveria uma correspondência exata entre o que o sujeito pensa e o que ele diz.
Tomando a determinação, Haroche (1992) propõe que haveria uma sequência histórica que
levaria a uma autonomia aparente do sujeito: a “determinação religiosa”, a “institucional”, e
por fim, onde acreditamos se localizar a determinação dos livros de autoajuda, a
“individual”. Sendo assim, este tipo de discurso não surge a partir de si, trata-se de um
intradiscurso, o fio do discurso (o aqui e agora do discurso), que retoma um interdiscurso,
ou pré-construído. Os livros de auto-ajuda também costumam receber a denominação de
livros de psicologia popular (cf. CHAGAS, 2001), neste sentido, podemos supor que o
interdiscurso retomado no intradiscurso deste tipo de publicação é o da Psicologia, uma vez
também que muitos deles tratam de temas como pensamento, motivação, atenção, etc.
Sendo assim, trata-se de um tipo de reformulação que pretende levar ao público leigo
conhecimentos do campo da ciência. Esta reformulação teria, segundo Authier-Revuz
(1985), uma estrutura ternária onde EU digo a VOCÊS o que ELES dizem, entretanto, o
que se observa é que na sua enunciação, o sujeito aparece como origem do dizer, o que se
relaciona ao esquecimento número 1, proposto por Pêcheux, visando o apagamento da
evidência de heterogeneidade deste discurso. Além disso, deverão ser tratadas as
possibilidades de aproximação teórica entre as duas teorias (AD e PL), tarefa deixada por
Pêcheux, com o auxílio da topologia como é proposta por Jacques Lacan. Topologia, de
acordo com Chamama (1995, p. 212), é uma “geometria flexível que trata
matematicamente das questões de vizinhança, de transformação contínua, de fronteiras e de
superfície, nem sempre fazendo intervir a distância métrica”. De modo geral, a topologia
vai tratar da constituição do sujeito na sua relação com o Outro, em um processo de borda.
Este ramo da matemática é tomado por Lacan a partir de 1962 para que pudesse referenciar
suas invenções. Além disso, o uso da topologia pode ser justificado dada a insuficiência da
língua para a criação de um modelo explicativo (CAPES).
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Sentenças como as que se encontram entre colchetes em (1) e (2) são chamadas
Relativas Livres (RLs). Orações Relativas Livres são frases relativas que não remetem, no
contexto sintático relevante, a um antecedente nominal expresso, mesmo sendo construções
sintáticas iniciadas por um “pronome relativo”.
Três propostas de análise têm norteado as discussões até aqui: a Hipótese de Base, tal
como formulada em BRESNAN & GRIMSHAW (1978), segundo a qual, RLs seriam
derivadas sem movimento, com a palavra-Wh que as integra sendo geradas na base (a
estrutura é a que se vê em (3)); a Hipótese do Comp, delineada em GROOS & RIEMSDIJK
(1981), a qual prevê que o CP de um RL seja transparente e que sintagmas-Wh em Comp
possam ser acessados para a satisfação dos requerimentos do predicador da matriz
(estrutura em (4)); e a hipótese do DP, defendida por CAPONIGRO (2001) e
MARCHESAN (2008), CITKO (2004), MEDEIROS JUNIOR (2005), segundo a qual, RLs
em posição argumental são DPs com um D vazio e um CP complemento, (idéia
representada pelos diagramas em (5), (6) e (7).
A hipótese de trabalho desta pesquisa é que a derivação sintática de RLs envolve um
processo de incorporação dos núcleos funcionais C e D (cf. MEDEIROS JUNIOR (2005)),
que se supõe estarem diretamente implicados no processo de relativização (cf. KAYNE
(1994)), fato que seria sugerido por questões empíricas como as que se mostram em (8) e
(9). Como se vê, as posições sintáticas correspondentes ao antecedente da relativa e ao
elemento relativizador encontram-se bloqueadas para inserção de qualquer tipo de morfema.
Entende-se que esse processo de amálgama sintático se deva à presença de um traço de
afixo nos núcleos funcionais das projeções vazias que encabeçam RLs estando esse traço
específico diretamente relacionado à presença de um sufixo nulo do tipo -ever, que se
supõe integrar o sintagma-Wh de toda construção RL do português. Essa questão também
estaria diretamente implicada com o fato de RLs do português apresentarem uma
interpretação preferencialmente universal para o sintagma-Wh que as integra, conforme
observado em MEDEIROS JUNIOR (2006). A derivação de um RL em português é
demonstrada em (10).
Evidências translingüísticas que dão suporte a essa hipótese podem ser observadas em
fatos como o de, em língua inglesa, RLs do tipo Wh-ever apresentarem quantificação
determinantemente universal (cf. DAYAL 1997, TREDINNICK 2005, GROSU &
LANDMAN 1998). Além disso, no persa (cf. TAIGHVAIPOUR (2005)), RLs apresentam
uma parte sintagmática e uma parte sentencial. A parte sintagmática sempre contém uma
palavra que apresenta o prefixo hær- (-ever), o que evidencia que nessa língua específica,
toda RL é uma sentença do tipo Wh-ever; o dado em (11) demonstra a estrutura de RLs no
persa.
Há questões cuja resposta se pretende perseguir no desenrolar desta pesquisa:
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Quanto à abordagem diacrônica, uma avaliação preliminar parece sugerir que RLs
não apresentam, no português clássico, a mesma estrutura proposta para sua análise nos
dados atuais do PB (a saber, a hipótese de amálgama sintático dos núcleos C e D).
MEDEIROS JUNIOR (2009) argumenta que dados como (15) podem sugerir que
RLs do português clássico apresentem uma constituição do tipo [o Ø [que]], que teria
evoluído para [o que] por meio de um processo de reanálise/gramaticalização da estrutura.
Esse processo de mudança, segundo o autor, teria sido disparado pelo progressivo
apagamento da preposição que intervém entre o determinante e o relativizador (já
amplamente discutido em trabalhos como TARALLO (1984)), num sinal evidente de que
se trata de unidades lexicais distintas (como se vê em (14)).
As questões que se busca responder quanto à diacronia são as seguintes:
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Referências
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Linguistic Theory, 22: 95-126, 2004.
DAYAL, V. Free Relatives and Ever: Identity and Free Choice Readings. Proceedings of
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XV Seminário de Teses em Andamento – 2009
“Nunca foi tão fácil ler jornal”: o povo entre compêndios gramaticais, manuais e
jornais
Este trabalho é uma apresentação, em linhas gerais, dos princípios que têm norteado
minha pesquisa de mestrado. Nela, tenho observado — mediante leituras e dispositivos
teóricos da análise do discurso francesa (Pêcheux) reterritorializados no Brasil por Eni P.
Orlandi — como um certo sentido pejorativo de povo e de popular percorre diferentes
discursividades e se toca entre diversos lugares de enunciação e formações discursivas —
sejam esses lugares: jornalístico, gramatical, de livros de não ficção (relato documental).
Iniciamos a análise dos termos povo e popular a partir de uma longa discussão sobre
os sentidos que os instrumentos de gramatização (gramáticas e dicionários, que funcionam,
segundo Auroux, como formas tecnológicas de descrição e instrumentação de uma língua)
dão a variedade linguística, atrelando esses sentidos aos de norma (culta, padrão, língua
exemplar ou comum) e aos de erro.
Uma das questões mais abordadas foi: de que forma as gramáticas, estejam em
abordagem sincrônica ou diacrônica, trabalhando com estruturalismo ou outra corrente
linguística, vão fixando os conceitos de certo e de errado, o que acarreta, ao mesmo tempo,
uma exclusão e silenciamento de algumas formas da língua. Nesse ínterim, por motivos
abordados na dissertação, foram selecionadas sequências discursivas de três distintas
gramáticas: Rocha Lima, Bechara e Celso Cunha & Lindley. Nesse percurso, percebeu-se
uma voz anterior ao discurso gramatical de cada um, resistindo ou se aliando, num
movimento que só poderia ser interdiscursivo. Estudando os diferentes períodos da
gramatização brasileiros, chegamos a uma voz que poderia ser a perscrutada nos gramáticos
anteriores: a voz de Joaquim Mattoso Camara Jr. De livros seus também foram extraídas
sequências e analisadas, verificando a interface entre aqueles gramáticos e esse linguista-
gramático que parece ter sido uma grande influência aos outros. Segundo Eduardo
Guimarães, em História da semântica: sujeito, sentido e gramática no Brasil, Celso Cunha,
Bechara e Rocha Lima são provas de que uma certa abordagem gramatical desenvolvida (e
associada já a uma tradição) por Mattoso continuará a ser produzida.
Com as análises sobre a variação e o sentido de erro em Mattoso, por exemplo,
descobrimos que as três categorias de erro coincidem — MAS NÃO
COINCIDENTEMENTE! — com as três categorias de variação. E mais: dá-se uma ênfase
a um tipo específico de erro, que cai exatamente nas variações de cunho mais social (e
essas são chamadas, entre outros nomes, de diastráticas).
Mas como esse sentido de povo que já está incluído no discurso gramatical — e
linguístico, veremos — “traslada” para o discurso jornalístico? E como entender esses
sentidos? Segundo nossas análises, eles passam de uma posição enunciativa para outra;
como deslizamentos (Orlandi) parafrásticos dos outros que já foram percebidos nos
discursos vistos antes — e a discussão aqui não é da ordem da anterioridade do discurso,
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heterogeneidade discursiva através das falas dessas mulheres, a fim de que possamos
analisar a construção do ethos discursivo, o qual pode ser entendido como a imagem de si
que é construída através do discurso. O locutor não precisa fazer uma apresentação de si
para que essa imagem seja construída. Através do discurso é possível identificar o ethos
que, muitas vezes, não é o visado. O locutor pretende fazer uma imagem e
inconscientemente produz um discurso que leva a construir um ethos totalmente diferente.
Direcionar o trabalho para a análise do discurso de mulheres independentes, na
identificação de características linguísticas discursivas que indiquem como são construídos
os ethe discursivos, possibilitará entender de que maneira os discursos feministas e
machistas se fazem presente nas falas dessas mulheres. Após meio século de lutas e
mudanças radicais na relação de gênero, como mulheres, que de alguma forma contribuem
para essa mudança através de trabalhos de representação do gênero feminino, constroem
suas imagens? Ainda são poucas as mulheres que atingiram destaque socialmente, mulheres
que têm visibilidade por seu perfil de liderança, de profissionalismo, teoricamente são as
responsáveis pela formação ideológica dos alunos, eleitores e subordinados. Na tentativa de
entender como se dá a construção da imagem dessas mulheres, propõe-se com esse projeto,
verificar como os discursos identitários são constituídos. Entender porque as mulheres,
apesar de estarem em uma posição de igualdade social e intelectual à do homem, ainda
assim, em seus discursos, assumem inconscientemente posições sujeitos de discursos que
reforçam a ideia de supremacia dos homens. Entender como se dá a heterogeneidade no
discurso é entender que há um exterior que constitui o discurso, que sempre nas palavras,
outras palavras estão ditas. O discurso não é transparente, traz consigo dizeres outros que o
sujeito pode ignorar, acusar ou simplesmente aceitar. Os conceitos de Authier-Revuz, a
qual se apóia no dialogismo bakhtiniano e no sujeito clivado lacaniano, contribuirá para
perceber como se dá o processo de subjetivação das mulheres independentes através do
discurso. Visto que muitas vezes os discursos produzidos são divergentes daquilo que
“intencionalmente” querem dizer. Entende-se então como um sujeito descentrado, clivado
pelo inconsciente, o qual não é a origem do que diz, pois as palavras são inevitavelmente as
palavras dos outros.
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construção desse escopo jurídico, o objetivo de existência dessa categoria e por ainda haver
divergências sobre quais são os direitos humanos básicos. Do ponto de vista teórico, um
dos objetivos da dissertação é discutir a noção de formação discursiva (FD), oriunda de
Michel Foucault, retrabalhada por Michel Pêcheux, à luz do Materialismo Histórico. Essa
noção, que aparece na Análise do Discurso (AD), em 1971, sofre atualmente severas
críticas no seio da AD como a feita por Marlene Teixeira (2005), que a considera um
elemento homogeneizador dos discursos. Por outro lado, pesquisadores como Roberto
Baronas (2005) e Freda Indursky (2007) repensam a permanência da FD na teoria de
Pêcheux. A dissertação discutirá ainda algumas propostas de reconfiguração da noção,
como a empreendida por Sônia Branca-Rossof (2008) que sugere, apesar de indicar a
ineficiência da formação discursiva diante de discursos não-institucionais, a relação da
noção aqui discutida com a de gênero do discurso trabalhada por Mikhail Bakhtin (2003),
proposta interessante e que na dissertação será aplicada, principalmente pela natureza do
suporte dos discursos a serem analisados. Outro aspecto a ser discutido, na tentativa de
contribuir com a reconfiguração da noção é a aliança com a idéia, também trabalhada por
Pêcheux, em 1977, de que a ideologia não é idêntica a si mesma, sendo assentada na
divisão, ou seja, a ideologia é heterogênea em si mesma. Partindo desse pensamento e na
idéia de Pêcheux de que uma FD é elemento composicional de uma Formação Ideológica,
pretende-se tentar mostrar que a formação discursiva não é elemento homogeneizante,
sendo possível de ser trabalhada. Para finalizar a discussão sobre os sentidos acerca dos
direitos humanos, pretende-se discutir a noção desenvolvida pela lingüista Jacqueline
Authier-Revuz sobre heterogeneidade discursiva, sobretudo por buscar a presença de
discursos outros no fio do discurso em questão, destacando as outras vozes que constituem
tais discursos. Ademais, através da noção proposta por Authier-Revuz, almeja-se também a
desconstrução da noção de formação discursiva como elemento homogeneizante, indicado
acima como um dos principais objetivos teóricos da dissertação. A idéia de que os
discursos não são fechados e, portanto, são atravessados por outros elementos discursivos,
leva-nos a crer que as formações discursivas, que indicam os sentidos possíveis ou não,
também não podem ser estruturalmente fechadas, como postulou Pêcheux (1983). Na
dissertação, então, objetiva-se com a noção de Authier-Revuz entender a relação entre a
presença de determinadas vozes no discurso e a constituição estrutural das formações
discursivas.
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O presente trabalho tem como anseio estudar as negações do período arcaico dos
escritos lingüísticos do português através de estudos sobre a gramaticalização de uma
partícula negativa em especial: o rem, grandemente presente em cantigas dessa época. Mas,
como traz Mattos e Silva, “Por que estudar hoje o português arcaico?” (MATTOS E
SILVA, 2006, p.15)
Aqui considerado com início no começo do século XIII, o português arcaico
apresenta um sem número de características que, aos olhos dos lingüístas versados em
estudar as épocas passadas, perfazem um tesouro de rico valor. Marcado por diversos
acontecimentos histórico-sociais, que repercutem no modo como a língua foi se firmando
diante do quadro lingüístico mundial e por se tratar de uma fase em que a normatividade
ainda não se faz presente, havendo o registro, pois, das variações quanto ao falar das
diversas regiões da Península Ibérica na qual está inserido, há um vasto campo no qual se
embrenhar e que carece de estudos, uma vez que, excetuando-se Mattos e Silva, aqui no
Brasil, os demais estudos acerca desse período são poucos e, quando se procura saber mais
sobre as negações que se fazem presente na época, parca é a bibliografia encontrada.
Com o intuito de preencher essa lacuna é, pois, que nasceu este projeto. E, tendo
nascido, se deparou com uma lacuna maior ainda: para onde foi a partícula negativa rem,
herdada do latim res e que teve seu significado mudado de coisa para nada, não
subsistindo, porém, no português? Temos res na língua galega, mas por que não temos res
na língua portuguesa se, num dado momento, exatamente o estudado aqui, elas se fazem
uma?
Ora, rem, significando nada, provém da expressão latina res nata, tendo como
significado primeiro coisa nenhuma (CUNHA, 2007, p.543). Por ter sido muito tempo
usado em conjunto com negativas, rem acabou adquirindo “carga” negativa, até vir a
significar, por si só, nada em línguas como o galego (rem), o francês (rien) e o catalão
moderno (res). Entretanto, no espanhol tal partícula era pouco usada já na sua fase arcaica,
segundo nos atesta Casagrande (1973), e no português acabou desaparecendo já antes dos
tempos do cronista Fernão Lopes (KROLL, 1952, p.02).
Em qual período da língua portuguesa o rem se perdeu? Por que a preferência por
nada em detrimento de rem? Muito usado no português arcaico, como se deu sua saída do
palco lingüístico?
Os estudos que visam analisar as negações dessa época da língua portuguesa ainda
são bastante tímidos. Muito se tem falado acerca do enfraquecimento de uma das partículas
negativas nas construções de dupla negação no português atual, mas pouco (ou até mesmo
nada) se tem dito em relação a esse período lingüístico tão rico e precioso como é o do
nascimento da nossa língua escrita. Como nos coloca Mattos e Silva, “os problemas da
história presente são muito mais urgentes de serem equacionados e explicados do que os
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da história pregressa” (MATTOS E SILVA, 2006, p.16). Contudo, continua ela, “nada, ou
quase nada, nas línguas se perde, tudo se transforma e é observando o passado que se
podem recuperar surpresas que o presente, com freqüência, nos faz” (op.cit).
A língua está em constante mudança, impulsionada pelas necessidades discursivas e
essa mudança se dá de modo gradual, caso contrário, os discursos seriam inteligíveis e os
interlocutores ficariam sem compreender um ao outro e sem saber como se comunicar. A
essa mudança é dada o nome de gramaticalização, que Martelotta coloca como sendo
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com prefixo), mas sim, a negação ao nível sintático, “embora seja importante observar que
o português medieval contém muitos vocábulos latinos com prefixo negativo e muitos
outros formados no próprio idioma” (CASAGRANDE, 1973, p.01).
Sobre nada é este projeto e, muito embora passível de trocadilho, eis que é esse seu
objeto de maior interesse.
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Este trabalho integra parte das minhas pesquisas de Doutorado (IEL/Unicamp) que
pretende descrever o sistema tempo / aspectual (e modal) na língua Kaingang Sul (Jê,
Tronco Macro-Jê) a partir da observação de seu emprego em contextos discursivos (orais e
escritos).
A expressão destas categorias na língua Kaingang é decisiva para o entendimento
dos sentidos pretendidos pelos falantes. O conhecimento ou esclarecimento do
funcionamento e das inter-relações dessas categorias depende de um estudo que tome a
língua em sua operacionalidade efetiva, em seu uso real, discursivo. Para explicar essas
relações minha pesquisa tem utilizado dados provenientes de textos escritos e transcrições
de gravações orais que foram produzidas de forma espontânea. As gravações em campo,
junto a comunidades Kaingang do Rio Grande do Sul foram feitas em abril e julho/agosto
de 2008 nas quais auxiliares de pesquisa, entre falantes nativos, colaboraram na primeira
tradução para o português. Também se incluem no corpus textos em Kaingang produzidos
em outros lugares e circunstâncias, que basicamente são: a) gravações de entrevistas e
depoimentos de indígenas Kaingang, em fita cassete ou em vídeo, por pesquisadores
independentes, b) textos produzidos por professores Kaingang em outros estados (Santa
Catarina) e publicados em processos independentes àqueles do contexto já mencionado e c)
outras fontes produzidas por professores ou outros falantes Kaingang. Atualmente, com a
colaboração de falantes nativos, estão sendo feitas discussões de dados sistematizados.
A língua Kaingang classificada na família Jê (RODRIGUES, 1999) é falada por um
dos cinco povos indígenas mais populosos do Brasil, representando cerca de 45% de toda
população dos povos de língua Jê (D’ANGELIS, 2002). Os Kaingang Sul englobam as
comunidades do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina e representam 70,5 % da população
total estimada atualmente em cerca de 30.650 pessoas. São mais de 4.000 indivíduos em
Santa Catarina e mais de 17.500 no Rio Grande do Sul.
Dada a extensão na distribuição geográfica desse povo, ainda que seja possível falar-se de
“uma língua Kaingang”, nem sempre é possível falar de determinados fatos lingüísticos
como fatos “da língua Kaingang”. Wiesemann (1971 e 2002), utilizando critérios mais
propriamente geográficos, afirma que as comunidades Kaingang desenvolveram cinco
dialetos. D’Angelis (2008) discorda desta classificação, apontando que “embora didática,
não é segura ou razoável em muitos aspectos”. Alternativamente – e tratando, em seu
trabalho, da Fonologia do Kaingang – D’Angelis emprega uma distinção macro-dialetal:
Kaingang PR, Kaingang SP e Kaingang Sul. Ressalto, então, que em minha pesquisa
acompanho esta classificação quando me refiro à língua Kaingang.
Nesta comunicação faço um pequeno recorte do meu projeto ao tratar dos
Marcadores Posicionais que aparecem no corpus.
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Há, na língua Kaingang, algumas partículas derivadas de verbos, que indicam a posição
física daquilo a que se referem (humano ou não-humano). São elas:
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variedade rural isolada. Espera-se encontrar, na fala popular urbana, ao se comparar com
resultados de trabalhos desenvolvidos no português afro-brasileiro e na fala popular urbana
do interior do estado da Bahia, um índice de aplicação de regra de concordância nominal
em predicativos do sujeito e em estruturas passivas maior do que aquele observado nos
citados trabalhos, observando-se um processo de difusão de padrões lingüísticos que parte
dos grandes centros urbanos para o interior do país. Poder-se-á observar resultados claros
que delineiam um continuum de formas que parte de uma variedade de língua mais isolada
e segue até uma variedade urbana, seguindo uma jornada do campo para a cidade e
mostrando um processo de difusão lingüística que segue em sentido inverso.
Para realizar tal análise, faz-se uso da Teoria da Variação, de orientação laboviana
que, por considerar a língua um fenômeno heterogêneo, trata a mudança lingüística através
do estudo da variação sincrônica observável na fala. Na composição do corpus, foram
selecionados, baseados em critérios sociais e geográficos, quatro bairros de Salvador e um
da região metropolitana, com o cuidado de serem bairros de massiva ocupação popular e
que estivessem distribuídos de forma a contemplar todas as áreas da cidade, desde a orla ao
subúrbio ferroviário. Dos cinco bairros, serão analisados neste trabalho apenas dois:
Cajazeiras, um dos bairros mais novos, e Itapuã, tradicional bairro da orla marítima
soteropolitana. Os informantes foram divididos em três faixas etárias (I- 25 a 35 anos; II-
45 a 55 anos e III- mais de 65 anos), por sexo e deveriam ter nascido no bairro, quando se
tratava de um bairro antigo, ou estar lá há pelo menos 15 anos, quando se tratava de bairros
novos, como Cajazeiras, que teve sua expansão na década de 1980. Em cada bairro foram
feitas 12 entrevistas, seguindo a orientação loboviana de conduzir a interação como uma
conversa despretensiosa, com o objetivo de buscar a fala vernácula do informante. Para
quantificação dos dados, lançou-se mão do pacote de programas VARBRUL, que é
responsável pelo cruzamento dos dados.
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Em sua obra Elementos de análise do discurso, o linguista José Luiz Fiorin postula
que o objetivo maior de todo ato comunicativo é persuadir o interlocutor a aceitar o que
está sendo comunicado. Nesse sentido, “o ato de comunicação é visto como um jogo de
manipulação com vistas a fazer o enunciatário crer naquilo que se transmite.” (2004, p. 52).
Em certos domínios discursivos, com a finalidade de enfatizar ainda mais tal
característica persuasiva da comunicação, a argumentação por autoridade é frequentemente
utilizada, mesmo que involuntariamente. Nessas situações geralmente são feitas referências
nominais a especialistas em suas respectivas áreas de conhecimento, categorias
profissionais e/ou acadêmicas, ou até mesmo a publicações consagradas.
O fato instigante em relação em relação ao tema exposto é a particularidade do
aspecto polifônico dos provérbios, ou seja, estão inseridos na coletividade social e, apesar
de não se constituírem argumento centrado em apenas um locutor ou grupo específico, aos
quais se faz referência, funcionam como importante recurso argumentativo de caráter
coletivo.
Dessa forma, o objetivo desta pesquisa é analisar a elocução de provérbios na
produção de discursos argumentativos, a fim de demonstrar sob a perspectiva teórica de
Oswald Ducrot (1987), Chaim Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca (1996), que o emprego
de provérbios, especialmente no tocante à argumentação por autoridade, se constitui como
um primoroso recurso de construção e meio de prova a favor de uma tese.
Na primeira fase do presente trabalho objetiva-se fazer o levantamento de material
bibliográfico sobre o tema, assim como sobre os questionamentos sobrevindos ao problema
de pesquisa formulado. Para isso, far-se-á necessária a utilização de diversas fontes teóricas
– livros, artigos e publicações, nacionais e internacionais. A segunda etapa consiste no
levantamento e coleta de corpus investigando o emprego de provérbios no discurso,
utilizando o gênero textual Carta do Leitor. Estão sendo analisadas as publicações diárias
da seção “Cartas dos Leitores” do Jornal O Globo, periódico de grande circulação no
Estado do Rio de Janeiro, com distribuição para todo o país. O terceiro estágio consistirá na
organização e análise, ou seja, no tratamento dos dados e informações colhidos, para
posterior elaboração e produção do relatório final.
Partimos, então, valendo-nos do conceito de heterogeneidade enunciativa, que
repousa sobre a argumentação de que sempre há a pressuposição de uma condição da
leitura dialógica, “admitindo mais de uma ‘voz’ do discurso” (CARDOSO, 1999:65). Essa
noção tende a nos remeter à conceituação de polifonia, teoria postulada por Bakhtin, que
pressupõe o discurso do outro em qualquer enunciado. Aplicados à temática principal deste
trabalho, os provérbios carregam, dada a sua essência coletiva, importantes traços de
heterogeneidade, como afirma Maingueneau sobre a impossibilidade, em sentido estrito, de
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LINGÜÍSTICA APLICADA
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Esse trabalho tem como corpus um filme produzido em 2006 pela 2929 Productions
A Wagner/ Cuban Company , cujo titulo no Brasil foi Turistas, A escolha do filme
deu-se por uma questão de possíveis equívocos do olhar do outro sobre o Brasil.
John Stockwell e Michael A Ross, respectivamente diretor e roteirista do filme,
contaram a um jornal americano, Los Angeles Times, como a idéia de fazer o filme surgiu.
Ambos viajavam pelo litoral da Bahia quando ouviram sobre um mito na América
Latina, onde pessoas eram seqüestradas a fim de terem seus órgãos retirados. Ambos,
diretor e roteirista enfatizaram durante a entrevista seus desejos em fazer um filme muito
próximo da realidade.
Nossa primeira discussão, nesse ponto da pesquisa, é questionar as concepções de
realidade postas em circulação pelos ‘idealizadores’ do filme. A literalidade re-inscreve a
transparência do discurso, o qual tem como cenário, contraditório, de filmagem um local e
o mito um qualquer outro local da mencionada América Latina. Entretanto, a credibilidade
da ferramenta fílmica legitima os sentidos postos em circulação: ‘Estrangeiros, cuidem-se
quando viajarem a América Latina’. A concepção de verdade na materialidade dos
significantes em um filme se faz presente uma vez que o telespectador toma os eventos
desse filme como verdade. Assim como em outro qualquer como num filme de ficção
cientifica onde temos uma cena de uma nave espacial deslocando e ouve-se o som da
espaçonave; tal deslocamento jamais produziria
algum som, pois o espaço é um vácuo, não há a propagação do som, entretanto, qual filme
retiraria o som de tal cena, colocando em perigo a veracidade da cena?
Outra questão que gostaríamos de abordar, a qual é parte significante na teoria da
AD, é a Questão do silenciamento. Orlandi (1992) em seu livro As Formas do Silêncio,
considera o silêncio como um positivo constitutivo da linguagem, ou seja o silêncio é
construção, primeiro vem o silêncio, o silencio fundador. A partir do silêncio originaria o
sentido. A autora faz uma distinção entre silêncio e silenciamento. Há dois tipos de silêncio:
1) local, que seria equivalente a censura, e 2) constitutivo, para dizer, precisa-se não dizer.
Desse modo o sujeito interpelado pela linguagem, em seus funcionamentos ideológicos, diz
algo sempre silenciando outras coisas. Retornando ao nosso corpus, as significações postas
em circulação pelo filme a respeito da América Latina, do Brasil e dos brasileiros, são ditas
de um modo, os quais produzem efeitos de sentidos uns, os quais sempre silenciam outros
sentidos. D/Nesse funcionamento discursivo se constitui o deslocamento e as re-
estabilizações de pré-concebidos, os quais no jogo discursivo das antecipações, re-
direcionam o percurso dos discursos e as relações políticas dos interlocutores.
Como este trabalho ainda está no início da sua investigação, não temos como
apresentar resultados. Esperamos nos debates do evento, receber sugestões para o
andamento do mesmo.
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Este trabalho está ainda em sua fase inicial. Sua finalidade é pesquisar aspectos
envolvidos na aquisição de vocabulário no ensino/aprendizado de inglês como língua estrangeira
(ILE) a partir das atitudes dos participantes da pesquisa, que serão professores e alunos de cursos
de Letras e de escolas de idiomas. Mais especificamente, interessa-nos entender como os
participantes do processo de aprendizagem de língua inglesa consideram o papel da língua
materna (LM) na aquisição de vocabulário. Uma vez que a pesquisa se preocupa com a
subjetividade dos participantes, será utilizada a Metodologia-Q, através da qual são revelados
seus perfis atitudinais.
Nosso interesse pela LM vem de sua importância histórica. Discussões sobre o uso ou
não de LM têm destaque na história do ensino de línguas, ora ocupando posição privilegiada, ora
sendo rejeitada, dependendo da abordagem em vigor. Do século XVII ao XIX, o modelo de
ensino/aprendizado de línguas conhecido era aquele utilizado para ensinar latim clássico nas
escolas, que enfatizava o exercício mental da aprendizagem. Esta abordagem era conhecida como
método gramática-tradução (a distinção entre abordagem e método surgiu mais tarde). Ensinava-
se através da tradução de textos clássicos e de estudos de regras gramaticais explicadas na LM, o
que lhe garantia um papel importante. No final do século XIX, com uma demanda pela
proficiência oral, alguns estudiosos passaram a tentar desenvolver a fluência na língua oral. Nesse
momento da história do ensino de línguas, surgiu o método direto, que tinha como meta o
aprendizado da LE pela LE, sendo a LM proibida. Dentro dessa abordagem a ênfase estava na
língua oral. Nos EUA, embora o método direto tenha sido introduzido em 1878, não recebeu
muito apoio das autoridades educacionais, pois os professores disponíveis não eram fluentes o
suficiente nas LEs para ensinar pelo método direto. Decidiu-se, assim, por desenvolver a
proficiência na leitura, abordagem em que o uso da LM é encorajado. Durante a II Guerra
Mundial, entretanto, o exército precisou de falantes fluentes em várias línguas e, não os tendo
encontrado, financiou o desenvolvimento de uma abordagem própria, conhecida como
abordagem audiolingual. Esta era uma re-edição do método direto, igualmente dando ênfase à
língua oral, porém refletindo as teorias da psicologia da época e partindo do conhecimento das
duas línguas para fazer análises contrastivas de ambas, a fim de prever erros e assim evitá-los.
Nos anos 1970, a abordagem audiolingual começa a receber críticas, principalmente em razão de
seu viés comportamentalista. A abordagem comunicativa surge, então, como uma resposta às
falhas da abordagem audiolingual. O foco, que antes era na forma, passa a ser no significado da
língua, e o uso de LM é novamente criticado por dois motivos principais: encorajar o uso
excessivo de LM em sala de aula e nutrir a idéia de que há um equivalente em LM para tudo que
há na LE. A abordagem comunicativa inicia, sem fechar, o mais recente ciclo na história do
ensino de línguas, configurando, igualmente às anteriores, como uma reação a outra abordagem
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então vigente. Esse breve histórico mostra que há um “vai-vem” em relação ao uso de LM, às
vezes o rejeitando e às vezes o encorajando. Quanto ao vocabulário especificamente, não houve,
durante muitos anos, nenhum interesse especial na sua aprendizagem. As menções ao
vocabulário se limitavam a discutir se deveria haver lista para memorização de palavras ou se
estas deveriam aparecer contextualizadas. Mais recentemente (desde meados dos anos 1990),
surgiram estudos que se preocupam com a aquisição de vocabulário. Interessantemente, alguns
argumentam contra certas críticas feitas ao uso de LM, sugerindo que esta pode ser uma
importante ferramenta auxiliar. Dentre estes, há pesquisas que constataram não haver diferença
significativa na aquisição de vocabulário entre grupos que utilizaram dicionário bilíngue (LE –
LM), grupos que utilizaram dicionário monolíngue (LE – LE) e grupos que inferiram o
significado das palavras pelo contexto sem utilização de dicionários. Há, ainda, estudos cujos
resultados sugerem pouca eficácia da técnica de inferir o significado através do contexto;
argumentam que aquilo que já é conhecido e, portanto, exige menos esforço mental – no caso, a
tradução do vocábulo – é retido e lembrado por mais tempo. Todavia, nenhum estudo partiu da
percepção dos sujeitos envolvidos no processo, ou seja, os próprios alunos e professores.
Perguntamo-nos, portanto, como os participantes do processo de aprendizagem de LE (sejam
professores, sejam alunos) percebem a aquisição de vocabulário e o que eles pensam dos
benefícios possíveis do uso de LM para este fim; também nos interessa em quais situações a LM
seria útil e em quais situações ela atrapalharia. Para esse objetivo, utilizaremos a Metodologia-Q,
definida como um método para o estudo científico da subjetividade, entendida neste contexto
como as atitudes dos participantes do processo. Caracteriza-se por um conjunto de procedimentos
que revelam os perfis existentes entre os participantes, agrupando-os de acordo com as atitudes
que compartilham em relação ao objeto de estudo. Os resultados dessa parte quantitativa da
pesquisa serão utilizados para uma análise qualitativa. Em outras palavras, além de possibilitar o
uso das técnicas da estatística clássica para agrupar os participantes que efetivamente
compartilham um dado ponto de vista, a Metodologia-Q fornece informações relevantes para
uma análise qualitativa mais rica e aprofundada. Embora não possa ser definida como
essencialmente quantitativa nem qualitativa, essa metodologia reúne vantagens de ambas. A
pesquisa procederá da seguinte maneira: primeiramente, serão realizadas entrevistas do tipo
grupos focais, que envolvem entrevistas em grupo (número ideal, de 4 a 8), em que o pesquisador
figura como mediador de um debate sobre o assunto de interesse. O objetivo dos grupos focais é
incitar discussões iniciais para levantar aspectos relevantes sobre o tópico em estudo e assim obter
opiniões as mais diversificadas possíveis. As entrevistas serão gravadas e, das transcrições, serão
retiradas frases que explicitem as opiniões dos participantes. Dessa seleção de frases serão
escolhidas de 36 a 50 para comporem o quadro de afirmações para a Metodologia-Q. Em seguida,
serão selcionados aproximadamente 50 indivíduos, incluindo uma larga gama de participantes
que representam opiniões variadas sobre o assunto. Serão solicitados a distribuir num tabuleiro as
afirmações geradas pelas entrevistas, classificando-as num ranking quasi-normal entre aquilo
com que menos concordam (lado esquerda do tabuleiro, números 1 e 2) e aquilo com que mais
concordam (lado direito do tabuleiro, números 10 e 11). As afirmações sobre as quais os
participantes não tenham opinião ou sintam-se indiferentes ficam mais ao centro do tabuleiro
(números 3 a 9, de acordo com suas prioridades). Os resultados serão digitados num programa de
software que realizará as análises estatísticas. As análises revelarão e agruparão as pessoas
segundo as suas atitudes compartilhadas, formando perfis que destacam diferenças e semelhanças
entre elas. Os resultados serão por nós interpretados, gerando uma análise qualitativa aprofundada
sobre os aspectos envolvidos no processo de ensino/aprendizado de vocabulário e o papel da LM,
a partir do ponto de vista dos participantes desse processo.
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Esta apresentação objetiva relatar parte da minha pesquisa de doutorado que está em
andamento e que tem como foco a constituição identitária do professor de inglês em
momentos em que escreve de si em comunidades virtuais de relacionamento. Tal escrita de
si (que se dá por meio da troca de experiência, de orientações, de esclarecimentos e
conhecimentos) nos possibilita rastrear as representações de aluno, de professor e de língua
constituintes do imaginário do professor de inglês. Nossa motivação para esta pesquisa se
dá a partir da observação do aumento de comunidades virtuais de relacionamento que se
direcionam a professores de inglês e, ainda, do interesse crescente desses professores
escreverem de si, transmitindo e compartilhando informações, conhecimentos, dicas e
experiências, aspectos que se relacionam não apenas ao fazer do professor de inglês, mas,
também, a aspectos da ordem do ser professor de inglês, seus anseios, dificuldades e
receios. Esperamos contribuir com os estudos sobre a constituição identitária do professor
de inglês e, para tanto, propomo-nos a: problematizar a virtualidade como um espaço de
autonomia e liberdade de seus usuários, para que possamos compreendê-la como um
espaço em que o sujeito, é, também, determinado e atravessado pelo outro que lhe é
anterior e exterior; desestabilizar o caráter utilitarista da Internet, reconhecendo-a como um
espaço propício para se perceber traços da constituição identitária do professor de inglês e,
ainda, deslocar as noções de sujeito logocêntrico e de identidade estável, única, verdadeira
e acabada, que têm norteado as pesquisas em torno do ensino e aprendizagem de línguas.
Coracini (2007) considera a identidade do professor de língua (materna e estrangeira)
complexa e tensa, feita de imagens e valores que se chocam e unem, pela memória, o
passado, o presente e o futuro, o dentro e o fora, o novo e o velho, o saber e a ignorância, o
certo e o incerto. Os objetivos específicos desta pesquisa são: entender o modo como as
identidades são constituídas a partir de uma “nova” forma de estar/sentir-se junto
propiciada pelo ciberespaço; observar possibilidades de (re)configurações identitárias de
professores de inglês em momentos em que escrevem de si em sites de relacionamento
virtual;rastrear, por meio da escrita de si, as representações de professor de inglês sobre si e
sobre o outro (aluno, professor e língua) e, ainda, investigar os tipos de laços sociais que se
estabelecem em comunidades virtuais de relacionamento destinadas a professores de inglês.
Procuramos responder as seguintes perguntas de pesquisa, das quais parte a análise dos
registros coletados: Como se dá a escrita de si em comunidades de relacionamento virtual
de professores de inglês? O que essa escrita desvela da constituição identitária do professor?
É possível depreender indícios de (re)configurações e deslocamentos identitários desses
professores? Como o professor de inglês representa, por meio da escrita de si na
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virtualidade, o fazer do professor e o ser professor de inglês? Que tipos de laços sociais são
estabelecidos em comunidades virtuais de relacionamento destinadas a professores de
inglês? A coleta de registros para a composição do corpus de pesquisa foi realizada em dois
sites de relacionamento virtual denominados Orkut e ELT on-line community (British
Council). No primeiro, os relatos advieram de Fóruns de discussão de seis comunidades de
professores de inglês. Já em relação ao ELT on-line community do site British Council
selecionamos tópicos de discussão que nos possibilitavam atender aos objetivos desta
pesquisa. Uma vez escolhidos os enunciados que farão parte do corpus da pesquisa, nossos
gestos de interpretação procuram observar as representações que constituem o imaginário
dos professores, para delinear as regularidades discursivas dos relatos escritos, cujas
brechas nos permitem identificar lampejos da(s) subjetividade(s) desses professores. O
acesso aos fragmentos, aos resíduos, ao que sobra e ao que falta na língua nos
proporcionará um suporte para essa análise, visando a rastrear os processos identitários de
professores de inglês inseridos em contextos virtuais de relacionamento: dessa forma,
objetivamos questionar o que nos apresenta como evidente e problematizar o que nos
parece natural. Partimos do pressuposto de que a comunicação mediada pelo computador
pode servir como um lugar para o indivíduo explorar diferentes aspectos de si mesmo, para
reconstruir ou ter novas experiências de identidade, mudando a maneira de pensar e sentir
(TURKLE, 1996). Apesar desse pressuposto, fazemos a hipótese de que em comunidades
virtuais de relacionamento de professores de inglês é possível perceber traços de uma
identidade que se constrói ora na direção de se tornar igual, ora na direção de se distinguir,
ou melhor, a constituição identitária desse professor se dá em um espaço (confuso e tenso)
entre o mesmo e o diferente, o velho e o novo, a criação e a cristalização. Como referencial
teórico nos apoiamos em estudos de Derrida, Foucault, Coracini, Lacan, Authier-Revuz,
dentre outros, ao tratarmos de noções como identidade, heterogeneidade constitutiva,
representação, laços sociais e práticas discursivas. Para esta apresentação, selecionamos
excertos que constituem três eixos de análise da tese, a saber: A (in)cansável busca pela
unidade; A escrita de si na virtualidade e a espetacularização do mal-estar do professor e da
profissão.
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mais rico da federação, 450 mil alunos concluem o Ensino Médio na rede pública.
Estranhamente, essa maioria é tratada como minoria (T. Maher, 2007), por se encontrar
num lugar de interlocução desprovido de poder (L. Althusser, 1998; M. Pêcheux, 1995).
Esforço-me em demonstrar que a revelação de novas vozes e identidades pode se
dar, acima de tudo, por uma nova posição discursiva do jovem aluno das escolas públicas
possibilitada pela análise das letras de rap: a do herói. Tratei desse tema já no XIII SETA,
em 2007, ao me referir aos caracteres do herói trágico, nos termos da Poética de Aristóteles.
Neste, dou continuidade à “revelação do herói” baseando-me em “Dialética da
malandragem”, ensaio de Antonio Cândido publicado em O discurso e a cidade (1993).
O malandro, como anti-herói, tem sua origem, segundo o crítico literário, nos
romances picarescos, sobretudo espanhóis, dos séculos XVI a XVIII. Eram romances
narrados em primeira pessoa por pícaros, um tipo inferior de servo, normalmente ajudante
de cozinha, que muda de senhor a senhor, ganhando experiência sobre a sociedade no geral,
sendo sempre amável e risonho, e que se torna malandro por defesa.
Com certa filiação dos romances picarescos, tem-se, no Brasil, Memórias de um
sargento de milícias, de Manuel Antonio de Almeida, de 1853, espécie de romance
marginal, com tons satíricos, em que o protagonista, o anti-herói Leonardo, aproxima-se
dos pícaros por ser malandro, mas o é, ao contrário dos aventureiros espanhois, por
nascença. A ele, segue-se, em 1928, do modernista Mário de Andrade, Macunaíma, “o
herói sem nenhum caráter”. A dialética da malandragem, porém, não parou. Décadas depois,
forma-se entre nós um novo anti-herói, mistura do primeiro grande malandro da novelística
brasileira, Leonardo, e da preguiça tediosa de Macunaíma: o “Gerson”. Este porém, mais
do que uma criação literária, uma representação, exemplificava parte do caráter de nosso
povo.
Fiz esse breve intercurso para poder mostrar que o “herói” retratado no rap nacional
vai contra o típico brasileiro que “leva vantagem em tudo” e que se convencionou afirmar
como representante de nossa brasilidade mais ou menos bem-sucedida. A “Lei de Gerson”,
como ficou conhecida, dominava o imaginário do país campeão do mundo em futebol,
enquanto nos porões da Ditadura Militar milhares (ou seriam milhões?) eram presos,
torturados e mortos. Ainda mais: sob o “Pra frente, Brasil” da propaganda nacionalista,
corroíam-se instituições que garantiriam um presente e um futuro ao país – a escola pública
e os salários dos professores, a divisão de terras e de rendas como um todo, o auxílio a
algumas populações do Nordeste que se viam ultrajadas pela seca, pelo coronelismo e pela
necessidade de migração e submissão às intempéries urbanas do Centro-Sul, com destaque
para o subemprego e a vida em favelas e/ou periferias de pouca estrutura.
Menos de uma década depois da abertura política, na gestão da então petista Luiza
Erundina, uma nordestina, na cidade de São Paulo, de 1989 a 1992, foi encontrada uma
grande vala clandestina no Cemitério de Perus, onde corpos haviam sido enterrados nos
anos anteriores sem identificação ou qualquer ritual. O achado se tornou assustador também
por fazer o elo entre passado e presente – a já finada ditadura e os então dias atuais –, uma
vez que uma parte dos corpos era de desaparecidos políticos dos anos 1970, mas outra era
de corpos de indigentes, ou seja, mortos sobretudo pela fome e pela violência urbana. A
melhor referência de fácil acesso que há sobre esse fato histórico se encontra no relatório
produzido pelo site DHnet – Direitos Humanos na Internet:
www.dhnet.org.br/dados/relatorios/dh/br/jglobal/redesocial/redesocial_2001/capi_avala.ht
m.
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O discurso do rap nacional é ao mesmo tempo neto, filho e irmão dos efeitos tanto
da ditadura quanto do descaso. E, além de “responder” às conseqüências negativas da
ditadura e do que se tornou a sociedade brasileira mesmo depois dela, nosso rap parece
distinguir o “herói sem nenhum caráter” – como Leonardo, de Memórias de um Sargento
de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida, Macunaíma, do livro homônimo de Mário de
Andrade, ou ainda o “Gerson”, aquele que só quer se dar bem, “certo?” – do herói do tipo
guerreiro, aquele que não fraqueja, nem no enfrentamento de situações adversas. Segundo a
letra de “Vida Loka Parte II”, dos Racionais MCs, de 2002: o guerreiro de fé nunca gela /
não agrada o injusto e não amarela / o rei dos reis foi traído e sangrou nessa terra / mas
morrer como homem é o prêmio da guerra.
A canção faz referência a Jesus Cristo (“o rei dos reis”) e a São Dimas, o bandido
que também foi crucificado e, arrependido pouco antes de sua morte, iluminou-se, tornou-
se santo. Os Racionais parecem querer mostrar, com essa simbologia, que sempre é tempo
de se arrepender do “querer levar vantagem sem escrúpulos” para se tornar de fato um herói:
Aos 45 do segundo arrependido / salvo e perdoado é Dimas, o bandido / É loko o bagulho,
arrepia na hora / Dimas, o primeiro vida loka da história.
Os traços fundamentais do estereótipo do brasileiro, portanto, foram com o rap bem mais
além do herói sem caráter.
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língua estrangeira também passa a ser visto por uma nova ótica, com diferentes
interpretações.
Nesta perspectiva, é possível encontrar um forte aliado no ensino de uma língua
estrangeira, hoje não mais limitado apenas à aplicação de métodos e à utilização de
materiais didáticos, mas também embasado na proposta do discurso intercultural e na idéia
de um sistema educacional capaz de proporcionar ao aprendente um posicionamento crítico
para assumir seus diferentes papéis numa sociedade sempre em mudança. Ainda que tais
mudanças requeiram processos de construção de novos conhecimentos que, certamente
envolverão o repensar de antigos valores e crenças, e “pressupostos culturais sobre como
aprender línguas” (BARCELOS, 1995, p. 40), a possibilidade de experimentar a vida de
outros para além da vida local, é hoje, talvez, a grande contribuição do mundo
contemporâneo e do aprendizado de uma língua estrangeira.
Reconhecendo assim, a importância da reflexão do aprendiz diante do seu processo
de aquisição da língua inglesa, acreditamos que se o aluno compreende melhor as suas
crenças e adotar um posicionamento crítico em relação a elas, ele poderá minimizar suas
dificuldades e desenvolver ações mais positivas, na medida em que estará não só
demonstrando entendimento de seus próprios sentimentos, valores e opiniões, mas também
agindo sobre eles.
O interesse em estudar as contribuições do interculturalismo para o repensar das
crenças trazidas pelos alunos cotistas para o contexto de sala de aula, surgiu da necessidade
de se entender estas crenças como recursos de que os alunos lançam mão, por vezes
inconscientemente, para dar sentido e lidar com contextos específicos de aprendizagem.
Assim sendo, há indícios de que podemos então encontrar no discurso intercultural,
ferramentas que podem ajudar o aluno a re-interpretar suas experiências e a rever as suas
próprias crenças a respeito do seu processo de aquisição da língua inglesa. O que implica
em dizer que através da aplicação e discussão de atividades e textos voltados para uma
consciência intercultral, aliados ao ensino dos aspectos linguísticos da língua, o aluno terá a
possibilidade de construir um posicionamento crítico diante do seu próprio universo
linguístico-cultural, e a sua concepção acerca do aprendizado da língua inglesa poderá
então ser fortemente influenciada.
O discurso intercultural, ao proporcionar o desenvolvimento de habilidades que
ajudam o aluno a chegar a conclusões que o leva a uma maior conscientização do seu
próprio eu como ser intercultural, respeitando as diferenças, evitando-se julgamentos,
generalizações, inferências e desenvolvendo o sentimento de tolerância em relação ao
outro, ao que parece, este mesmo discurso poderá também contribuir de maneira decisiva
para uma mudança de comportamento do aprendiz diante de suas próprias crenças e das
crenças de seus interlocutores.
Ademais, a pesquisa visa a propiciar a um grupo de alunos cotistas da Universidade
Federal da Bahia, bolsistas vinculados ao Núcleo de Extensão do Departamento de Letras
Germânicas (NELG – UFBA), reflexões sobre a aprendizagem da língua inglesa, e a obter
contribuições para professores de língua inglesa, mais especificadamente aqueles que
desenvolvem trabalhos junto a esse programa.
Por acreditar que “(...) as ciências sociais e as humanidades devam se transformar em
terrenos para conversas críticas sobre a democracia, a raça, o gênero, a liberdade e a
comunidade” (DENZIN e LINCOLN, 1998) e que, o trabalho do pesquisador deve se
constituir em “um olhar” e “um perguntar” (ERICKSON, 1981), definimos a pesquisa
desenvolvida, de natureza qualitativa de cunho interpretativista.
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- Homer- Oh, that poor little boy. We got to find him. How many people live in Brasil?
- Lisa- 150.000 people.
- Homer: Ohh!!(horrorizado)
- Bart- We ‘ve got to find him! (silêncio e cara de espanto da família)
- Bart- What? I’m really concerned! (silêncio e cara de espanto da família)
- Bart- Fine. I want to meet monkeys.
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que tragam ganhos às práticas sociais e a seus participantes, no sentido de uma melhor
qualidade de vida [...]” (ROJO, 2008, p. 258). Um outro fator que a torna relevante o
presente trabalho está no fato da linguagem, ter importância significativa nos processos de
emergência e manutenção das identidades, considerando-se que as estas são
fundamentalmente “o resultados de atos de criação lingüística” (SILVA, 2000, p. 77).
Partindo dos pressupostos que reafirmam o contexto familiar como um locus de
manutenção dos elementos culturais da população afrodescendente no Brasil, a
investigação ora apresentada foi desenvolvida por meio de um estudo de caso, construído a
partir de narrativas (história de vida) dos sujeitos entrevistados na pesquisa. Para tanto,
utilizamos como elementos norteadores das nossas investigações, as seguintes questões de
pesquisa: (1).Como os adolescentes negros brasileiros têm se posicionado frente as
questões raciais que envolvem a pós-modernidade, visto que tais questões apontam tanto
para a criação de identidades defensivas quanto para a fragmentação das paisagens
culturais relativas a etnicidade? (2).Quais são os elementos étnicos, sociais e culturais,
presentes nos discursos desses adolescentes, que podem afetar o processo de construção de
suas identidades? (3).Quais são as posições assumidas por esses adolescentes diante dos
fatos sociais inerentes ao seu grupo etno-racial? A metodologia de pesquisa é de cunho
etnográfico, uma vez que não foi organizada “com o objetivo de responder a questões
prévias ou de testar hipóteses” (BOGDAN, 1994, p. 16) e se preocupa em focalizar a
“percepção que os participantes têm da interação linguística e do contexto social em que
estão envolvidos” (MOITA LOPES, 2003, p. 22). Os dados coletados abrangem um total de
seis (06) horas de gravação dos depoimentos dos adolescentes. Como parte integrante dessa
metodologia, foram utilizados os seguintes instrumentos de pesquisa: (a) atividades escritas;
(b) entrevistas semi-dirigidas e; (c) gravações em áudio. Num procedimento dinâmico
interacional, norteado por entrevistas semi-dirigidas, as quais foram gravadas e
posteriormente transcritas, buscamos traçar/apreender o modo como esses adolescentes
representam a si mesmos ao construir as suas narrativas de vida. Priorizou-se tal
modalidade de entrevista -também classificadas como “entrevistas em profundidade” ou
ainda “entrevista de estrutura flexível” (BOGDAN, 1994, p. 17)-, considerando-se que o
“caráter flexível desse tipo de abordagem permite aos sujeitos responderem de acordo com
a perspectiva pessoal, em vez de terem que se moldar a questões previamente elaboradas”
(BOGDAN, 1994, p. 17) e também devido importância da auto-narrativa no processo de
construção das identidades pessoais, uma vez que, as narrativas, no que diz respeito ao
processo organizacional do discurso, tem “um potencial de criar um sentido de nós mesmos
ao permitir que negociemos e construamos nossas identidades sociais por meio dos eventos
narrados” (MOITA LOPES, 2002, p. 143). A escolha da análise discursiva como parte
fundamental da metodologia desta investigação se deu com base numa concepção que vê
essa modalidade discursiva como importante instrumento para as pesquisas que focalizam o
discurso como ponto fundamental na construção dos significados sociais e das identidades.
A análise dos dados foi feita com uso de técnicas de análise discursiva, observando-se o
modo como os sujeitos da pesquisa escreviam ou falavam sobre si, sobre o seu grupo etno-
racial ou sobre outros grupos. Como complementação dessa técnica, foram utilizados
aportes teóricos da literatura concernente às questões propostas nesta investigação. Assim,
a narrativa de si foi tomada como um processo que se constitui como uma exploração dos
elementos culturais e sociais sobre os quais os adolescentes negros constroem suas
identidade, ao passo que, a ênfase metodológica foi direcionada para relação entre o sujeito,
discurso e alta-modernidade.
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Este texto visa a apresentar um panorama geral de nossa pesquisa para a tese de
doutoramento, destacando o tema, os objetivos, o quadro teórico e a metodologia adotados
em seu desenvolvimento e também demonstrar, especificamente, para a apresentação neste
seminário (SETA), o estado atual de desenvolvimento de nossa investigação. Vamos,
portanto, à explanação:
Com uma filosofia de formação continuada que pretende superar as formas
tradicionais de capacitação de professores até então desenvolvidas, a partir de 2003, a
Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED/PR) instituiu uma nova proposta de
capacitação para seus professores: a autocapacitação por meio da produção, de forma
colaborativa, de material didático-pedagógico. Esta política de valorização e formação
continuada dos professores tem por fundamento a parceria entre o Ensino Superior e a
Educação Básica na construção de estratégias e de material didático que intervenham
positivamente na formação dos professores, por meio da pesquisa, e na construção de
saberes significativos a serem desenvolvidos em sala de aula na educação básica.
Na intenção de estudar, discutir e analisar essa política de formação continuada e,
consequentemente, a tentativa de melhoria no ensino de Língua Portuguesa na Educação
Básica, propomo-nos a investigar como a produção de material didático pode se configurar
em um espaço de formação continuada e de valorização dos professores da Educação
Básica e, ao mesmo tempo, compreender como a relação entre as teorias, os saberes e as
experiências do professor se manifesta no material didático produzido.
Para isso, nossos objetivos, geral e específicos, estão assim organizados,
respectivamente: geral: analisar relatos, entrevistas e materiais didáticos produzidos por
professores de Língua Portuguesa (LP) da rede pública estadual do Paraná que participaram
do curso de formação continuada – Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE)– no
biênio 2007/2008, discutindo a contribuição da experiência de produção de material
didático no processo de formação continuada do professor de LP e na compreensão das
relações entre as teorias, os saberes e as experiências no ensino e aprendizagem de Língua
Portuguesa; específicos: i) analisar, no material didático produzido, nas entrevistas e nos
relatos, indícios da relação entre a teoria e a prática na formação de professores de LP; ii)
identificar se o corpus apresenta indícios que caracterizam o professor produtor como um
“professor-autor” de conhecimentos e dos saberes a serem transpostos em sala de aula de
LP; iii) analisar as escolhas e a organização dos temas de língua/linguagem transpostos no
material didático produzido pelos professores; iv) investigar que vozes aparecem no
enfoque e na organização dos temas de língua/linguagem presente no material produzido.
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O presente trabalho pretende oferecer uma reflexão teórica que contribua para a
discussão da Lingüística Aplicada no que ser refere ao ensino e aprendizagem de línguas
estrangeiras e, para tal, se propõe a discutir a relação destes idiomas com a língua tida como
materna para um falante, analisando os efeitos que esta, enquanto constitutiva do sujeito de
linguagem, pode ter no processo de aprendizagem daquela.
Filiada ao arcabouço teórico da psicanálise, nesta pesquisa pretendo situar a língua
materna e a língua estrangeira frente a este campo de conhecimento, indicando alguns dos
deslocamentos que estes termos recebem ao serem abordados ante as hipóteses de haver
inconsciente e um sujeito a ele atrelado e de este inconsciente ser estruturado como uma
linguagem: isto é, obedecendo as mesmas leis de funcionamento daquela, as leis do significante,
conforme o ensino de Jacques Lacan (Cf. Lacan, 1985).
A relação entre a língua materna e a língua estrangeira, quando consideradas sob o
ponto de vista da teoria psicanalítica, torna-se essencial e indissociável, tendo em vista que a
primeira é tomada por esta corrente como a responsável pela tessitura do psiquismo do sujeito e
como a entrada no campo simbólico que possibilita o encontro com qualquer outro idioma.
Mais que isso, de acordo com a teoria psicanalítica não há nada para o ser humano fora da
linguagem, encarnada na língua materna, sendo esta a responsável por construir e organizar
para ele tudo o que é da ordem de sua realidade.
Levando em conta, então, que a constituição do sujeito por linguagem, esta
presentificada em sua língua primeva, ocorre de maneira única em cada um: Lacan afirma que
cada sujeito é responsável por tecer seu nó (Cf. Seminário 21, inédito), e que é esta língua, com
seus traços singulares, que abre os caminhos para os demais idiomas, proponho considerarmos
que, tanto quanto a língua da primeira infância, o idioma estrangeiro também é acolhido por
cada sujeito de maneira totalmente particular. Moraes salienta este mesmo ponto ao apontar que
graças à “anterioridade lógica da inscrição da linguagem no sujeito, cada um se encontra na
Língua Estrangeira de maneira única, a sua” (p. 01).
Tendo em vista esta dependência do idioma estrangeiro em relação à língua materna do
sujeito, pretendo com este trabalho, acompanhando a sugestão de Christine Revuz (2002),
“contribuir na compreensão daquilo que se põe em movimento para cada sujeito dado, ao
enfrentar uma segunda língua chamada estrangeira” (p. 216). Para tal, parto da hipótese que
prevê que o que se reposiciona aí, diante do idioma outro, são marcas mais originais e íntimas
do sujeito, suas inscrições mais pessoais, as que lhe são até mesmo desconhecidas, mas nem
por isso deixam de ser determinantes. Tais marcas são traçadas pelas palavras e pelos sons da
língua materna, matéria significante para o sujeito, e também pelos afetos neles impregnados.
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Como, então, considerar que o encontro do sujeito com um outro idioma, encontro este
disposto a romper e/ou abalar as estruturas constitutivas, pode ser anódino? Seja para o sujeito
que se rejubila com o contato com a língua estrangeira, seja para aquele que sofre com o
embate travado em seu aprendizado, algo se coloca em movimento, algo se desloca e oferece
conseqüências. São estes efeitos, alegria ou pavor, que nos interessam compreender.
As salas de aula de idiomas, quer em escolas regulares (públicas ou privadas) quer em
institutos de idiomas, estão repletas destas situações tão diversas em relação ao encontro com o
idioma estrangeiro: em um mesmo ambiente, com o mesmo professor e as mesmas abordagens,
técnicas, atividades, enfim, com o mesmo trabalho em relação à língua estrangeira, alguns
alunos se destacam por rapidamente se apropriarem da nova língua, utilizando-se dela de forma
criativa e desembaraçada, enquanto outros se mostram refratários a esse aprendizado, em
constante desconforto diante da nova aquisição lingüística. Isso se deve às “diferenças muito
nítidas entre uma pessoa e outra” (idem: 214), às experiências impares do sujeito com sua
própria língua e à sua constituição, pelo idioma materno.
Em Melman (1992: 31) encontramos o apontamento de que a diferença entre as línguas
materna e estrangeira se situa, para o sujeito de linguagem, em um plano afetivo. Revuz (2002:
229) indica a língua materna como podendo ser, para tantos, aquela que persegue e coage, e é
como que confrontados com a negatividade implicada nestes significantes2 que determinados
sujeitos se posicionam em relação a ela. O contato com a língua estrangeira para estes, que
sofrem com os efeitos de sua língua primeira, será jubiloso, nela eles imaginariamente se verão
capazes de falar sobre si e sobre sua subjetividade de uma maneira que sua língua da primeira
infância jamais permitiu.
Aos que se situam no outro extremo desta situação, aqueles que têm em sua língua
materna a suposição do porto seguro de termos, expressões, sentidos e afetos a ela circunscritos,
oferecendo ao sujeito a ilusão de poder falar tudo sobre seu desejo, com autoridade, em
primeira pessoa, o embate com a língua estrangeira é de outra ordem. A aproximação com a
língua estrangeira se configura como ameaça de ruptura com o tudo o que a língua primeira
representa, e este aprendiz se sente ameaçado nesta situação e tende a evitar as situações de
contato e confronto com tal idioma ou mesmo a boicotar, inconscientemente, seu aprendizado.
Diante de tais perspectivas, colocam-se, ainda, duas questões das mais importantes aos
envolvidos no trabalho com o ensino de línguas estrangeira: A primeira diz respeito à
abordagens e método de ensino: O que dizer a eles frente a hipótese do sujeito ser constituído
por linguagem e ter um encontro singular, somente seu, com a língua estrangeira?
A segunda, fruto do meu embaraço diante de todas estas questões, convoca os
professores de idiomas: Basta afirmar que é a modalidade de inscrição e a constituição do
sujeito por/em sua língua materna são as únicas responsáveis pelo sucesso ou fracasso do
aprendiz, eximindo-se, assim de qualquer responsabilidade?
São questões ainda sem resposta e estas, talvez, jamais surjam. O importante, porém, é
que elas abrem espaço para a reflexão e discussão acerca da língua estrangeira e de seu ensino e
aprendizagem.
2
Indico algumas das definições dicionarizadas destes ter mos para destacar suas significações usualmente
negativas: Perseguir – Seguir ou procurar alguém por toda a parte com freqüência e importunidade / Procurar
fazer a alguém todo o mal possível / Molestar, fatigar / Importunar. Coagir - Constranger, forçar pela lei ou
pela violência (Fonte: Dicionário Priberam da Língua Portuguesa – Cf. bibliografia).
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ainda continua alheia às discussões sobre essa temática. O interesse pela pesquisa também
advém de inquietações suscitadas em dois cursos de especialização – em Educação Especial
e em Educação de Surdos – e ainda, dos próprios resultados da Dissertação de Mestrado. O
estudo torna-se relevante devido à preocupação com a escassez de trabalhos envolvendo o
tema, visto que os conhecimentos matemáticos são pouco tomados como objeto de
discussão no campo da Educação Especial, sobretudo, no campo da Surdez, onde a prática
pedagógica parece indicar que a elaboração da escrita e da leitura transforma-se na maior
preocupação em detrimento da matemática que é relegada a segundo plano. Entretanto,
acreditamos que as práticas de letramento e as práticas de numeramento estão entrelaçadas
e por essa razão, ambas necessitam ser investigadas. Insistimos em dizer que é
indispensável a análise das práticas referentes aos conhecimentos matemáticos de pessoas
surdas e, ainda, o questionamento de representações que remetem tanto ao sucesso quanto
ao fracasso de pessoas surdas na disciplina Matemática. Não é segredo que a atual
legislação brasileira sugere o atendimento preferencial de surdos na rede regular de ensino
na chamada “inclusão”, contudo, muitos surdos são recebidos também por “escolas
especiais”, principalmente, nas séries iniciais. Entretanto, existem ainda outras instituições
não-escolares que também desenvolvem atividades educativas com os surdos, visando uma
melhor inserção destes na sociedade. Sem enumerar as vantagens e desvantagens de cada
uma dessas três realidades, por não ser esse o objetivo do trabalho, mas, ao mesmo tempo,
sem negar a importância de se conhecê-las, enfatiza-se que o presente estudo focará,
principalmente, a análise de algumas práticas realizadas em um contexto escolar específico
no qual a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) é a língua de comunicação e instrução, ao
qual denominaremos “contexto de Educação Bilíngüe”, visto que o mesmo é perpassado
ainda pela língua oficial do Brasil, ou seja, o Português. Contudo, é preciso lembrar que
outras línguas/linguagens também se fazem presentes nesse contexto onde jovens e adultos
surdos de diferentes séries buscam apoio para a realização de suas tarefas escolares nas
diversas disciplinas. Vale ressaltar que, não pode ser excluída, momentaneamente, a
possibilidade de um direcionamento para outras práticas desenvolvidas no exterior da
instituição escolar, pela consideração de que o “aprender” não ocorre somente na escola e
de que, mesmo em contextos não-escolares, os surdos entram em contato com os mais
variados tipos de conhecimentos e, em especial, os conhecimentos matemáticos. Podemos
dizer que o presente trabalho focará inicialmente as formas de participação de jovens e
adultos surdos em práticas de numeramento-letramento em um espaço específico de uma
instituição escolar, podendo ainda ser expandido para as práticas dos surdos em outros
contextos, com o objetivo de analisar alguns dos significados produzidos pelos surdos e por
seus interlocutores, no que se refere à escola, à aprendizagem, à matemática e à própria
surdez, para que assim seja possível iniciar uma reflexão sobre a Educação Matemática dos
mesmos. Enfim, deseja-se com essa pesquisa apresentar uma contribuição aos cursos de
formação de professores (em especial, as Licenciaturas em Matemática), abordando
questões ainda não muito comuns em tais cenários, com o apontamento de alguns possíveis
direcionamentos, promovendo visibilização e reconhecimento desses “outros”, tentando
estabelecer discussões que considerem as relações de poder presentes no processo de
numeramento-letramento de pessoas surdas.
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A importância da língua inglesa na sociedade atual parece ser uma questão bem
aceita diante da necessidade que as pessoas possuem em utilizá-la de diferentes formas no
dia a dia, dependendo de seus papéis sociais e faixas etárias. Essa situação tornou-se ainda
mais evidente com o processo de globalização que afetou o mercado de trabalho brasileiro.
Como conseqüência, as empresas têm estabelecido entre os seus critérios de seleção
profissional, a avaliação em língua inglesa dos candidatos que, por sua vez, buscam
preparar-se para enfrentar testes e entrevistas em inglês para atender tais expectativas.
Entretanto, esses processos seletivos não apresentam contornos bem definidos, visto que
questões como quais tipos de testes são utilizados, habilidades lingüísticas avaliadas e
critérios de correção são algumas das dúvidas que muitos candidatos possuem. Este estudo
tem como objetivo investigar esses e outros aspectos fundamentais para a compreensão do
processo avaliativo conduzido em uma empresa. Entre eles estão as visões de proficiência e
de linguagem existentes, a questão da validade de construto dos testes aplicados, a análise
de uso da língua e os momentos de uso da avaliação. De acordo com Scaramucci (2000), o
termo proficiência tem sido usado de duas formas: não técnica e técnica. A primeira indica
conhecimento, domínio, habilidade e, quando relacionado à segunda língua ou língua
estrangeira, as pessoas geralmente cometem julgamentos impressionistas, tendo como
referência o controle operacional do falante nativo ideal. Dessa forma, a proficiência parece
ser vista como um conceito absoluto, ou seja, uma pessoa é ou não é proficiente. Para a
autora, na forma técnica, a proficiência é um conceito relativo que considera a
especificidade do uso futuro da língua. Portanto, haveria uma gradação com níveis
conforme a situação específica para qual um teste foi proposto. Além disso, um dos
principais aspectos da avaliação é a sua validade, um conceito que passou por
reformulações e que hoje é visto como um conceito unitário. De acordo com Bachman
(2000), a validade é um argumento em relação à interpretação de um teste e seu uso, sendo
que a validade de construto funcionaria como um guarda chuva abrangendo a validade de
conteúdo, correlação, assim como as conseqüências de uso de um teste.Quanto a sua
metodologia, esta investigação pode ser classificada como um estudo de caso de natureza
qualitativa, pois propomos a coleta sistemática de dados em uma empresa para a
compreensão de suas ações no presente com o propósito de contribuir para suas ações
futuras. Dentre as seis vantagens do estudo de caso apresentadas por Alderman et al (1976),
duas são consideradas como principais neste estudo. A primeira está relacionada com a sua
forte ligação com a realidade, que atrairia os envolvidos na pesquisa por meio da
identificação com os problemas levantados, e a segunda é a possibilidade do surgimento de
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idéias produzidas pelos estudos de caso que podem ser utilizadas para o desenvolvimento
de funcionários, avaliação formativa e políticas educacionais. Para a coleta de dados foram
utilizados questionários distribuídos aos funcionários, entrevistas com os profissionais
envolvidos nos processos seletivos, além da análise de outros materiais institucionais da
empresa. Consideramos também que neste estudo a triangulação, mais especificamente de
fontes e métodos, possui um papel fundamental para a validade da análise a ser realizada.
Os resultados iniciais demonstram a existência de vários instrumentos de avaliação
utilizados pela empresa, como teste escrito e entrevista oral em processos seletivos, além
dos testes escritos e orais aplicados no curso de inglês subsidiado pela empresa para seus
funcionários. Além disso, foi identificado um descompasso entre os objetivos de uso da
língua estabelecidos pela empresa e os tipos de testes adotados. Pelas características do
contexto estudado, defendemos a avaliação de desempenho (Mcnamara, 1996) como a
forma mais adequada de medir capacidade de uso da língua inglesa. De acordo com o autor,
há duas diferenças básicas entre esse tipo de avaliação e a avaliação tradicional, que é
baseada em uma visão de linguagem estruturalista e que busca medir o conhecimento da
língua. A primeira é que o candidato deve realmente desempenhar uma atividade pela qual
será avaliado, e a segunda é a existência de um processo de análise de tal desempenho.
Devido as especificidade das situações de uso da língua dentro da empresa, argumentamos
a favor da avaliação para propósitos específicos, conforme as duas principais razões
levantadas por Douglas (2000). Segundo o autor, os desempenhos lingüísticos variam
conforme contexto e tarefas do teste e, portanto, um teste deve envolver o candidato em
tarefas em que sua proficiência e conhecimento da área interajam com o conteúdo do teste.
A segunda razão é a de que a linguagem técnica possui características que as pessoas que
atuam em determinados campos como acadêmico ou profissional, devem dominar, pois
permitem uma comunicação mais precisa. Esperamos que este estudo possa contribuir para
a compreensão de alguns dos vários aspectos envolvidos em processos de avaliação em
língua inglesa, trazendo colaborações principalmente para as empresas e profissionais que
atuam em processos seletivos.
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afirmar, a partir desses dois autores, que a política linguística, tradicionalmente, refere-se à
intervenção consciente de um agente em uma língua ou contexto linguístico.
A política linguística, entretanto, também pode existir independentemente de um
grupo (de um agente) que a promova. Na realidade, ações oficiais no sentido de promover
ou denegrir uma língua podem não funcionar ou funcionar no sentido contrário ao
pretendido. A esse respeito, Spolsky afirma que “[...] a política linguística existe mesmo
onde ela não foi explicitada ou estabelecida oficialmente. Muitos países, instituições e
grupos sociais não têm políticas linguísticas formais de maneira que a natureza de sua
política linguística deve ser derivada a partir do estudo de suas práticas e crenças
linguísticas. Mesmo onde há uma política linguística formal, seu efeito nas práticas
linguísticas não é garantido nem consistente” (SPOLSKY, 2004, p. 08).
Em países em que não há uma política linguística oficial (em sentido forte), como é
o caso brasileiro relativamente às línguas estrangeiras, a descrição da política linguística da
comunidade torna-se muito mais complexa. Para Spolsky (2004) e Shohamy (2006), deve-
se focalizar, nesses contextos, as práticas linguísticas (language practices) e as crenças
sobre a(as) língua(s) (language beliefs) para descrever a “real” política linguística da
comunidade. Como se pode observar, o foco, nessa concepção ampliada de política
linguística, desloca-se do texto legislativo para a vida social.
As práticas sociais e as crenças (ou mitos) relacionadas à língua(gem) ocupam um
lugar central no modelo de política linguística proposto por Spolsky (2004) e Shohamy
(2006), uma vez que, para esses autores, as crenças levam à constituição de uma “ideologia
consensual”, o que pode levar à atribuição de valor positivo e prestígio a uma língua e a
determinados usos linguísticos. Nessa direção, Spolsky afirma que “essas crenças derivam
das práticas e, ao mesmo tempo, as influenciam” e que a “ideologia linguística ou crenças
designa o consenso de uma comunidade discursiva acerca do valor a ser atribuído a cada
uma das variantes ou variedades linguísticas que compõem seu repertório” (SPOLSKY,
2004, p. 14). Na descrição de uma política linguística, é importante considerar, então, a
conjuntura mais ampla na qual ela se desenvolve.
O modelo de política linguística proposto por Spolsky (2004) apresenta três
componentes principais: crenças (beliefs), práticas (practices) e gerenciamento
(management). As crenças se referem às ideologias sobre a língua(gem) que subjazem à
política, enquanto as práticas linguísticas se relacionam à ecologia linguística de uma
região e focalizam as práticas que, de fato, ocorrem na comunidade, independentemente da
política linguística oficial em vigor. O gerenciamento linguístico, por sua vez, refere-se aos
atos específicos que objetivam manipular o comportamento linguístico.
Shohamy (2006) amplia o modelo proposto por Spolsky (2004) ao introduzir o
conceito de mecanismo (mechanism) ou dispositivo político (policy devices). Os
mecanismos são os canais por meio do quais as políticas são introduzidas e incorporam as
“agendas ocultas” (hidden agendas) da política. Essas agendas compreendem, segundo
Shohamy, os objetivos não explícitos de uma política linguística. Relacionam-se, portanto,
aos objetivos e interesses velados que subjazem à implementação de medidas de política
linguística.
Com se pode observar, Spolsky (2004) e Shohamy (2006) postulam uma política
linguística disseminada no tecido social e que atua por meio do circuito: crenças
linguísticas ⇔ práticas sociais relacionadas à linguagem ⇔ gerenciamento linguístico.
Trata-se, portanto, de um modelo circular de política linguística: a política fomenta crenças,
as quais desencadeiam práticas sociais e essas reforçam a política.
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Com base no modelo de política linguística exposto acima, parece correto afirmar
que o vestibular e os exames internacionais de proficiência em inglês atuam como
mecanismos da política linguística da língua inglesa no Brasil, na medida em que eles
ratificam o valor social conferido à aprendizagem dessa língua pela sociedade brasileira.
No caso do vestibular, o Estado Brasileiro, ao avaliar os candidatos ao ensino superior
público quase que exclusivamente em inglês, está enviando uma mensagem clara à
população acerca de qual língua importa do ponto de vista social e econômico.
Quanto aos exames internacionais de proficiência, sua atuação vincula-se ao capital
simbólico relacionado a esses exames. Considere-se, por exemplo, que um diploma de
proficiência em inglês outorgado por uma universidade inglesa ou norte-americana tem
mais valor entre os profissionais da área de ensino/aprendizagem de línguas do que um
diploma de Graduação em Letras (Inglês). Outra evidência do valor simbólico conferido a
certificação internacional de proficiência em inglês é justamente o fato de os Institutos de
Idiomas estarem se voltando, nos últimos anos, para os adolescentes e pré-adolescentes
enquanto consumidores desses exames (Apoio: CNPq – Processo no. 140306/2007-2).
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discursivos, mas estes não podem acontecer sem a materialidade lingüística: é a alteridade
intrínseca da linguagem. Neste componente o sujeito-aprendiz terá consciência em relação
à diversidade lingüística de uma língua, à heterogeneidade que a constitui, às diferentes
condições de produção do discurso, de como é realizada a tomada de palavra pelos falantes
e em quais situações é permitido dizer determinados discursos (e de que lugares esses
discursos são produzidos: em uma escola existem discursos distintos dos que ocorrem em
uma instituição jurídica ou comercial, por exemplo).
O componente das práticas verbais é o espaço em que se trabalham as atividades
mais recorrentes em uma aula de língua: produção oral e escrita, compreensão auditiva,
leitura e também tradução, pois, apesar de que somos contra a uma prática que esteja
baseada somente na metalinguagem e no normativismo, o sistema da língua não está
separado das condições de produção do discurso; a materialidade lingüística forma base dos
processos discursivos. Ademais, a tradução ajuda o aluno a compreender que os sentidos
dos discursos são distintos nas duas línguas e que o significado das palavras, muitas vezes,
não é literal à primeira vista.
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absoluto de práticas sociais orais; apenas uma pequena parcela da população wajãpi
participa de eventos de letramento.
Durante as aulas de português como segunda língua, dadas por mim para esse grupo
de alunos wajãpi, o emaranhado das línguas – língua wajãpi e variantes da língua
portuguesa – e modalidades – oral e escrita – que eu pude presenciar, mostrou-me um
material lingüístico complexo e, à primeira vista, de difícil interpretação. A produção
escrita em segunda língua de meus alunos Wajãpi demonstrava tanto a proficiência de seus
autores na tentativa de dar sentido ao que queriam relatar por escrito quanto a presença de
marcas do português oral e de outras marcas discursivas recorrentes que não me pareciam
típicas da escrita elaborada por falantes nativos do português.
A assunção de que os textos analisados constituem objetos de pesquisa complexos
devido à própria complexidade de sua linguagem levou-me ao campo investigativo da
Lingüística Aplicada, mais precisamente, a Lingüística Aplicada definida por Moita Lopes
(2007, p.103) como ideológica e indisciplinar. Indisciplinar porque
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Este trabalho corresponde ao nosso projeto de mestrado, o qual tem por objeto
investigar as práticas de letramento no processo de regularização territorial em uma
comunidade quilombola. O recorte que trago para esta comunicação é uma análise
documental dos escritos produzidos na comunidade, decorrentes do processo de titulação
das terras.
O contato com a comunidade participante desta pesquisa foi mediado pelo Instituto
de Assessoria a Comunidades Remanescentes de Quilombos, que assessorava a
constituição da Associação Comunitária local. Essa assessoria era decorrente do processo
de titulação de suas terras com base no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias da Constituição Federal de 1988. Desde o final da década de 90, o estado do
Rio Grande do Sul iniciou o processo de regularização de seus territórios remanescentes de
quilombo. Com isso, essas comunidades – agora constitucionalmente chamadas
quilombolas – se inseriram em contatos e disputas com novos atores representantes de
entidades civis e instituições públicas, emergindo como agentes políticos. Entre as
instituições públicas, estão o Ministério Público, na área jurídica; o INCRA, na
regularização e titulação, Prefeituras locais e as Universidades, na elaboração de laudos;
entre as entidades civis estão os movimentos sociais, como o Movimento Negro, na
assessoria e mediação desses contatos.
Este projeto, iniciado na iniciação científica, realizada entre 2005 e 2006, teve como
objetivo maior entender as práticas de escrita locais num contexto de disputa por terras,
envolvendo identidades quilombolas. Nessa pesquisa anterior, observou-se que a
visibilidade e o contato com a escrita aumentaram no âmbito da Associação Comunitária
local, organização construída por conta do processo de titulação das terras que exigiu
práticas letradas para sua administração. Junto a isso, observou-se que a exigência da ata
por parte dos agentes institucionais públicos provocava tensão entre a concepção de
confiança local, baseada na oralidade, e o valor de confiança dos agentes públicos externos,
calcado na escrita.
Considerando essas observações, a análise deste projeto tem como foco o modo pelo
qual as práticas de letramento, geradas no processo de luta pela titulação da terra,
contribuem para o uso da escrita na comunidade. Para isso, buscamos entender a
constituição dessa Associação Comunitária em uma Agência de Letramento e analisar
eventos de letramento vivenciados por lideranças dessa comunidade quilombola em
processo de regularização fundiária. Inserida no grupo Letramento do professor,
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coordenado pela Profª. Angela Kleiman, esse projeto alinha-se à orientação teórica e
epistemológica da vertente sócio-cultural dos Estudos do Letramento (STREET, 1984;
KLEIMAN, 1995), no campo aplicado dos estudos da linguagem (MOITA LOPES, 2006).
Em nossa investigação, que utiliza metodologia qualitativa (DENZIN & LINCOLN, 2006),
foram empregados métodos etnográficos de observação participante e entrevistas semi-
estruturadas; além de contar com documentos produzidos por moradores da comunidade e
com dados audiovisuais de interações.
Para as análises, o foco está nas situações de uso da escrita, assim como na própria
produção escrita decorrente desses eventos. Em outras palavras, olhamos para interações na
quais a escrita é integrante da natureza das interações dos participantes e de suas estratégias
e processos interpretativos, ou eventos de letramento (HEATH, 1982). A partir dessas
situações observadas, entrevistamos os participantes para conhecer seus valores, crenças e
concepções acerca de seu uso, suas práticas de letramento, bem como analisamos os
escritos que produzem por conta da luta pela terra. Sobre a noção de práticas de letramento,
Street afirma que ela deve ser entendida como um conceito mais amplo que do evento de
letramento, por envolver tanto os comportamentos quanto as conceitualizações relacionados
ao uso de escrita e/ou da leitura (STREET, 1993).
Para as análises interacionais, lançamos mão do aporte teórico-metodológico da
Sociolingüística (RIBEIRO & GARCEZ, 2002), para lidar com o nível da microinteração.
Subsidia esta pesquisa a noção de linguagem bakhtiniana, pela qual tomamos a leitura,
assim como a linguagem, como uma ação dentro de um contexto histórico para concretizar-
se. Ou seja, os usos da linguagem que ocorrem em uma interação estão imersos (e emergem)
em um contexto sócio-histórico. Nesta orientação, a própria noção de diálogo é ampliada,
pois compreende o conceito de refração, que é o processo no qual o signo passa a ser algo
apenas ao vincular-se a outros enunciados, justamente porque as significações não estão
dadas no próprio signo. A refração nos propõe entender as significações como “construídas
na dinâmica da história e estão marcadas pela diversidade de experiências dos grupos
humanos, com suas inúmeras contradições e confrontos de valorações e interesses sociais”
(FARACO, 2009, p. 51). Essa concepção de diálogo inclui também a ideia de diálogo face
a face, que será utilizada para as análises interacionais; pois, para o Círculo de Bakhtin, o
diálogo pode ser compreendido num sentido mais amplo, ou seja, não apenas como a
comunicação em voz alta, de pessoas que estão face a face, mas como toda comunicação
verbal, de qualquer tipo que seja (BAKHTIN/VOLOSHINOV, 1995, p. 107).
A partir dessa concepção ampliada de diálogo, vamos olhar para o como a disputa
pela terra está se refratando nos textos que são produzidos no local. Para isso, vamos
observar dois gêneros locais: os cadernos e as atas. O primeiro deles, o “caderninho”, é um
gênero local existente há muitos anos. Quando observei seu uso, na casa das lideranças
locais ao longo do trabalho de campo, percebi que os caderninhos traziam práticas de
escrita muito antigas, bastante relacionadas ao trabalho e à administração da terra. O
caderno, visto aqui como um suporte, possui diferentes gêneros e mostra usos locais de
escrita vinculados às práticas sociais de trabalho e controle financeiro. O segundo deles é a
ata, que possui uma estrutura composicional bem delineada, com abertura, descrição dos
presentes no evento, pauta, discussões, encaminhamentos, fecho e assinaturas. As atas
passaram a fazer parte das escritas na comunidade por uma exigência da negociação pelo
título da terra: para dialogar com os agentes externos, tinha de ser representados pela
Associação Comunitária. Sua escrita é atividade das secretárias da Associação, função
sempre ocupada por mulheres jovens que dominam a escrita. Isso é uma estratégia bastante
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usada localmente: distribuir as funções que exigem escrita para os mais escolarizados. Esse
gênero emergiu com a Associação e, ao longo dos seis anos da Associação, foi mudando
muito. Desde as primeiras atas, que se distanciavam da estrutura composicional do gênero
do tema e só focavam atividades com agentes externos, um segundo momento em que as
atas aproximavam-se da estrutura composicional, mas não davam conta do tema, até as
mais atuais que não só aproximam-se da estrutura, como do tema e dão conta de retratar
ações mais cotidianas localmente, como a organização de festas e eventos na comunidade.
Nas análises iniciais, percebemos processos de apropriação e mudança nos gêneros que
emergiram nesse contexto de atuação política vivenciada pela comunidade.
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discurso e, também, pela imagem que ele mesmo tem de si, que ele imagina que seu
interlocutor tem de si mesmo e do objeto do discurso. Orlandi (2006) afirma que essas
imagens são fundamentadas na posição social do sujeito. Assim, ao falarmos com uma
pessoa de terceira idade, a imagem que fazemos dela é, devido à nossa constituição pelo
discurso, e devido aos limites de nossa formação discursiva, possivelmente, a mesma
imagem que todos os sujeitos que ocupam a mesma posição-sujeito fazem.
Em nosso trabalho, percebemos dois aspectos de construção de sentidos no e pelo
discurso. O primeiro deles é a constituição das identidades sociais dos sujeitos através do
discurso. E o segundo, que nos mostra que o discurso contribui para a construção de
conhecimentos e crenças, sendo considerado, assim, um discurso fundador.
Percebendo a mídia como uma instituição social, escolhemos como nossos fatos de
linguagem a serem analisados algumas propagandas voltadas às pessoas de terceira idade.
Essas propagandas são consideradas, aqui como discursos fundadores institucionalmente
determinados (Orlandi 2001), que estabilizam sentidos. O discurso publicitário sobre a
terceira idade é visto, neste trabalho, como ferramenta de uma prática discursiva da
propaganda, constituindo-se, portanto como uma prática social.
A mídia e o jornalismo possuem um papel central na legitimação de discursos ao
veicular representações de idosos exercendo a função de ponto de referência, ou seja, a
constituição de um imaginário a respeito da velhice é resultante de uma atribuição de
sentidos feitas às suas imagens veiculadas socialmente. Assim, podemos afirmar que não há
construção de sentidos alheia ao discurso. O discurso midiático e jornalístico funciona
retirando partes da história, encenando-as e introduzindo-as no discurso pré-construído,
estabelecendo uma coerência e instituindo uma realidade a respeito da velhice a partir desta
construção, tornando-se assim um discurso fundador do espaço social e construtor de
imagem(ns) da velhice.
Nosso interesse em melhor compreender o funcionamento da linguagem jornalística
advém do fato de que, ao enunciar a terceira idade em uma sociedade marcada pelos
valores da cultura exclusiva capitalista, que visa resultados, produzem-se efeitos de sentidos
que, de um lado, possibilitam-nos compreender a construção de alguns discursos
fundadores dos discursos (re)produzidos na atualidade; de outro, oferecem importantes
elementos linguísticos e discursivos que nos permitem analisar os vestígios que atravessam
e constituem os movimentos identitários da terceira idade.
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Neste trabalho, com base nas propostas teóricas de Bakhtin (1993, 1997, 1999), de
Vygotsky (1984, 2003), do interacionismo sociodiscursivo – proposto por Bronckart (2007) e
seguidores, como Schneuwly & Dolz (2004) – e na didática de línguas (TARDIF, 2002;
CHEVALLARD, 1985; DEVELAY, 1992; DABÈNE, 1995), pretendemos tanto verificar de
que modo o professor usa o livro didático (doravante LD), como desenvolver um modelo
didático e uma sequência didática deste gênero, com o objetivo de favorecer a apropriação de
saberes a ele relacionados pelos professores participantes da pesquisa. Para tanto, propomos
uma situação de pesquisa, que suponha, além de pesquisa qualitativa e de cunho etnográfico,
intervenções nas práticas de sala de aula que favoreçam a mudança e a promoção dos
professores a um melhor domínio do LD.
No que concerne ao andamento da pesquisa, estudos preliminares apontam que o LD
possui relevância social, na medida em que o uso que se faz desse mega-instrumento pode
influenciar na qualidade do ensino de língua portuguesa e, por conseguinte, no
desenvolvimento da competência comunicativa dos alunos. Além disso, percebemos que são
poucas as pesquisas sobre o uso dele em sala de aula; sendo a maioria delas de cunho descritivo,
isto é, busca explicitar os tipos de propostas para o trabalho com os conhecimentos linguísticos
e com a compreensão e produção oral e escrita, como verificamos nas obras de Dionísio e
Bezerra (2002) e Rojo e Batista (2003), entre outros. Rojo e Batista (2007), por exemplo,
através de uma pesquisa survey a respeito dos estudos realizados no Brasil sobre o LD da
Educação Básica, ressaltam que estes se inserem em diversas áreas do conhecimento,
principalmente, na das Ciências de Linguagem. De acordo com os autores, em torno do LD, há
dois tipos principais de pesquisa: a pesquisa diacrônica e a pesquisa sincrônica, a qual constitui
a maior parte dos estudos feitos. Afirmam ainda que 46,80% dos trabalhos dedicam-se à análise
de conteúdos e da metodologia, e 7% focalizam no uso do livro em sala de aula ou na escola.
Em relação a este último dado, os autores destacam que as pesquisas sobre o uso do LD
emergiram entre 1996 e 2003 e que o percentual refere-se ao uso pelo aluno e pelo professor, e
a diferentes campos de conhecimento.
Por meio de um levantamento sobre pesquisas em torno do uso do LD, verificamos
também que há uma carência quanto à formação do professor no que concerne ao
conhecimento sobre o LD, como a pesquisa de Oliveira (2007) demonstrou. Segundo a autora,
as questões ortográficas direcionam a forma de apropriação dessa ferramenta semiótica pelos
professores de 4ª série (envolvidos no estudo), uma vez que as atividades construídas a partir do
texto focalizavam nas relações grafofonêmicas. Sua pesquisa revelou que os docentes
raramente usavam o LD e, quando o faziam, privilegiavam a seção do texto para tratar de
questões gramaticais e que aquele adotado nas turmas observadas não funcionava como o
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regulador dos conteúdos nem como o protagonista em sala de aula. A autora afirma ainda que
parece haver certo desconhecimento dos professores participantes da pesquisa em relação ao
material com qual trabalham, o abandono dos livros atuais adotados pelas escolas, e um
trabalho centrado na atividade de cópia do quadro e no ensino de metalinguagem. Os resultados
da pesquisa, desenvolvida por Oliveira (2007), apontam ainda que o livro, nas turmas
observadas, exerce a função de apêndice: é usado em função do conteúdo previamente definido
pelos professores. Além disso, a autora menciona que eles frequentemente tomavam outros LD
para preparar suas aulas (quando faziam!), assim estas ganhavam um formato semelhante ao do
livro usado como referência: tópico gramatical, texto (geralmente poema) e perguntas de
identificação de itens gramaticais. Refletindo sobre isso, podemos dizer que o professor já
“internalizou” (CORACINI, 1999) um modelo de ensino, aquele presente nos livros,
publicados principalmente nas décadas de 80 e 90 – que se diferem, em organização e
abordagem teórico-metodológica, daqueles distribuídos atualmente pelo Programa Nacional do
Livro Didático –, e o reproduz nas aulas.
Nossa pesquisa tem demonstrado ainda que o LD ocupa um lugar privilegiado nas
práticas educativas escolares. Sabemos que ele, em algumas escolas, é o único instrumento
presente, podendo contribuir para um melhor ensino, se consideradas as suas especificidades.
Ademais, o livro, muitas vezes, serve como fonte de informação para o aluno, pois, ainda que o
professor não o trabalhe em sala, ele funciona como uma fonte de pesquisa, como apontam os
dados de Oliveira (2007). Por meio das entrevistas com dois alunos de cada turma observada
(totalizando 12) e das visitas às bibliotecas das escolas, a autora percebeu que o aluno
frequentemente consultava outros LD presentes na biblioteca da escola para fazer tarefas
escolares e que gostava de ler, em casa, as histórias lá presentes. Isso mostra que o livro não só
tem função de acervo na biblioteca, como também atravessa as fronteiras da sala de aula,
exercendo a função de um “livro-texto”.
Além disso, verificamos que, embora o LD apresente deficiências (por exemplo, quanto
às atividades voltados para o trabalho com o oral), é possível aproveitá-lo em sala –
principalmente quando a produção de outros materiais é inviabilizada por questões econômicas,
de formação etc. – de forma que as aulas de língua portuguesa não sejam centradas na
metalinguagem.
Neste estudo, procuramos ainda aprofundar nossos saberes a respeito da formação do
professor. Consultamos, por exemplo, Tardif (2002) que, ao refletir sobre a formação de
professores, argumenta ser necessário levar em consideração os saberes oriundos do trabalho
docente e de sua prática cotidiana. Para o autor, o saber docente é um saber plural, advindo da
formação inicial e continuada, dos saberes disciplinares, curriculares e das experiências, o que
requer a capacidade de dominar, integrar e mobilizar estes saberes, enquanto condição para sua
prática. Defende que o saber está tanto do lado da teoria quanto da prática e que os
conhecimentos só existem em um sistema de práticas. Segundo ele, o projeto pedagógico do
professor traz marcas de sua individualidade e de diversidade de olhares, oriunda das interações
das quais participou no âmbito da escola, da família, da universidade etc.
Os estudos feitos até o presente momento permitem-nos afirmar que a
apropriação/internalização do LD pelo professor faz-se necessária, pois ele medeia as
estratégias de ensino, materializa as práticas de linguagem e prefigura ações de linguagem.
Ações essas que implicam diferentes capacidades: “adaptar-se às características do contexto e
do referente (capacidade de ação), mobilizar modelos discursivos (capacidades discursivas) e
dominar as operações psicolinguísticas e as unidades linguísticas (capacidades linguístico-
discursivas)” (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004, p. 52).
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desencadeou e ainda vem desencadeando o que Orlandi (2007, p. 59) denominou “um
processo de produção de sentidos” a respeito do qual levantamos alguns questionamentos:
Que sentidos sobre educação vêm circulando no país nestes últimos anos? Ou ainda, como
vem se dando a “legitimação do processo histórico da leitura” destes textos (Orlandi,
2006b, p.214)? Como estes textos sobre educação vêm sendo compreendidos? Partindo do
pressuposto de que a unidade de sentido da enunciação, enquanto “um acontecimento de
linguagem perpassado pelo interdiscurso” é um efeito do modo de presença das posições de
sujeito no acontecimento enunciativo (Guimarães, 1995, p. 67-70), o principal aspecto de
nossa investigação são as possíveis posições de sujeito-autor nos recortes de discurso
selecionados para compor nosso corpus. O ponto de partida para a nossa análise são
recortes do livro Pais brilhantes, professores fascinantes de Augusto Cury, escritor
brasileiro que mais livros vendeu no país em 2005. Pais brilhantes, professores fascinantes
(doravante Pb, pf), teve 800.000 cópias vendidas até meados de 2007, sendo até então, o
segundo maior sucesso de vendas do autor, segundo o site
www.terra.com.br/istoegente/edições. Trata-se, portanto de uma obra de ampla penetração
e circulação em nossa sociedade, direcionada principalmente a pais e professores. Embora
os livros de Augusto Cury apareçam na sessão Esoterismo e Auto-ajuda na listagem dos
mais vendidos, o livro Pb, pf da Editora Sextante, é por ela classificado como um livro de
Educação. Este aspecto será considerado em nossa análise, para a qual traremos como
contraponto, por suas diferentes condições de produção, textos sobre educação
estadunidenses, finlandeses e brasileiros veiculados em sites oficiais dos respectivos países,
pois estes nos permitirão um deslocamento em direção a outras formações discursivas, e
conseqüentemente a outras posições-sujeito.
Nosso posicionamento teórico nos possibilita problematizar os sentidos estabilizados
que circulam em nossa sociedade, com suas instituições, entre elas a família e a escola,
afetando não só os dizeres, mas também os processos de identificação dos sujeitos
contribuindo para que sentidos já estabilizados sejam mantidos (Bolognini, 2007), quando a
questão educação está em pauta. A partir da problematização da “tendência à
homogeneização de tudo e de todos”, poderemos viabilizar rupturas e deslocamentos
(Coracini, 1999), que poderão, por sua vez, propiciar, principalmente a sujeitos-leitores-
professores a produção de outros sentidos para os discursos circulantes sobre educação.
Partimos de duas perguntas de pesquisa principais e uma secundária: 1. Qual o modo de
presença (Guimarães,1995) das posições do sujeito-autor no(s) discurso(s)? 2. Como este
modo de presença das posições está relacionado com as instituições? 2a. Como os efeitos
de sentidos produzidos por este(s) discurso(s) se relacionam ao processo de identificação
dos sujeitos-professores? Assim, analisamos a posição discursiva do sujeito-autor, enquanto
ideologicamente orientada, em suas relações com as instituições família, escola e Igreja.
Nosso interesse por um projeto que envolvesse a análise de discursos sobre
educação da perspectiva da AD surgiu por acreditarmos que a análise de como os discursos
sobre educação funcionam pode levar professores a questionamentos sobre o que parece
óbvio e imutável em nossa sociedade (Coracini, 1999). O óbvio e o imutável permeiam as
práticas discursivas na educação, através de modelos do que seria aprender ou ensinar
corretamente, do que seria ser um bom professor ou um bom aluno do que seria um
aprendizado eficiente que convenha a todo o sistema (cf. Andrade, 2008).
Entendemos que um aprendizado que convenha ao sistema implica num processo de
ensino–aprendizagem que favoreça a estabilidade das relações de poder. Para Althusser
(2003), é a escola que garante a estabilidade das relações de poder em uma sociedade,
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representações que possuem, como matriz especular, o paradigma dominante da/na ciência
moderna.
A fim de desdobrarmos tal hipótese, levantamos os seguintes questionamentos: 1)
qual é a imagem que os referidos estudantes de pós-graduação fazem do processo de
formação e preparação para a pesquisa científica, a partir de seu fazer enquanto
pesquisadores, filiados a determinados domínios de saber? 2) que efeitos o fato de estar em
formação produz na construção imaginária que esses estudantes fazem de si ou do que seja
ser cientista/pesquisador? 3) que traços de uma memória discursiva acerca da cientificidade
são atualizados no dizer dos participantes? 4) é possível depreender indícios de
singularização na materialidade linguístico-discursiva, por meio da qual os participantes
constroem essa representação/ficção de si?
Ancorado em tais questionamentos, nosso trabalho visa a contribuir para as
reflexões que discutem as políticas de formação e de preparação para a pesquisa, no Brasil,
trazendo subsídios que permitam compreender os efeitos do atravessamento do processo de
formação na constituição identitária do pesquisador.
Temos como objetivos específicos: a) questionar como se dá a constituição da
identidade do pesquisador-em-formação, na relação com a discursividade em que este se
insere; b) problematizar a influência de fatores constitutivos do processo formador na
representação de si e do fazer científico, a partir do dizer desses interlocutores; c) articular
o modo de formulação desse discurso a diferentes representações de cientificidade que o
sustentariam; e d) indagar a respeito das (possíveis) formas de emergência da subjetividade
no falar de si e sobre o processo de formação.
No que concerne à metodologia do estudo, o corpus a ser analisado será composto
por entrevistas realizadas com estudantes de pós-graduação, conforme mencionamos.
Estipulamos um número inicial de quinze entrevistados, que poderá ser redefinido no
decorrer da pesquisa. As entrevistas serão ancoradas na questão-chave: Eu sei que você
desenvolve um trabalho de pesquisa, vinculado a um curso de doutorado. Como você vê e
como você se vê nesse processo? Entendemos que a formulação dessa questão norteadora
permite tangenciar, no dizer do sujeito, múltiplas possibilidades de identificação e,
consequentemente, de significação de si, por meio de, também múltiplas, posições
assumidas no discurso.
Em um primeiro momento (fase em que estamos), realizaremos contatos com os
interlocutores a serem entrevistados, solicitando sua colaboração para o andamento deste
trabalho, bem como procederemos à realização das entrevistas, interpelando-os a falar
sobre o processo de formação em que se encontram. As referidas entrevistas serão gravadas
em áudio e, posteriormente, transcritas.
Em um segundo momento, após transcritas, as entrevistas realizadas serão
submetidas à apreciação dos entrevistados, para, então, construirmos nosso objeto de
análise. Este será composto por recortes a serem destacados das entrevistas, bem como por
apontamentos, também gravados em áudio e devidamente transcritos, decorrentes das
impressões de leitura que o entrevistado será interpelado a fazer, a respeito de seu próprio
dizer. Procederemos no gesto de recortar, dando ênfase ao modo pelo qual, ao falar de seu
processo de formação e de seu fazer, enquanto pesquisador, o sujeito (se) diz e (se)
significa. Esse gesto primará, portanto, pela escuta, ou seja, tomará o discurso não apenas
pelo que o sujeito diz, mas, sobretudo no que ele diz, conforme destaca Tavares (2007).
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com uma tradução que não se arrisca a dar um passo além nem avança sobre o território
estrangeiro. O limite da potência do limite seria ultrapassar o ponto em a experiência da
tradução se extravia, a tradução se torna errada/errante, a tradutora perde seu rumo e
desorienta seus leitores.
É importante considerar, entretanto, que, quando se fala em ultrapassar os limites do
original, não se trata de um “jogo” sem regras em que qualquer tradução/interpretação seria
possível, mas essas regras não podem ser estabelecidas formalmente, já que são flexíveis e
dependem, no limite, de uma relação de força que dá ou não o aval para que algo de “fora”
contamine o que está sendo cuidadosamente guardado “dentro” de limites necessários.
A passagem entre fronteiras é sempre problemática, ela se anuncia por um “passo”,
uma oscilação entre a possibilidade de passagem e sua negação, como dá a ler o termo “pas”,
em francês, muito utilizado pelo filósofo (e dá a ver também a tentativa, por parte da
tradutora, de destacar o que o verbo “passar”, em português, pode ter de negativo). A linha
que delimita uma língua da outra, a alfândega, a polícia, o visto, o passaporte, a identidade do
autor e da tradutora, tudo isso é feito por uma fronteira inefável, problemática. O transpor
dessa fronteira, pela tradutora, não é uma escolha, algo que se pode ou não fazer, já que o
limite não se deixa produzir como um conceito, com determinações bem enquadradas,
emolduradas, nem mesmo como uma tese que vise a conclusões definitivas e demonstráveis.
É mais próximo de um sentimento de abismo, de um vácuo que se anuncia a cada “passo”.
Podemos levantar questões sobre a ultrapassagem dos limites entre original e tradução
a partir da metáfora biológica da autoimunidade, como foi criada por Derrida em seus últimos
livros: Voyous, na entrevista “Auto-imunidade: suicídios reais e simbólicos” e em Foi et
Savoir, em que o filósofo francês examina questões políticas, teológicas e filosóficas com
ênfase nos conceitos de soberania, identidade, democracia, em como os herdamos e como os
transformamos. Derrida argumenta em torno das aporias inerentes a esses conceitos
tradicionais, ressaltando um processo de “autoimunidade” que os ameaça, mas que, ao
mesmo tempo, permite a sobrevida desses mesmos conceitos.
Para tanto, o filósofo recorre a noções que se encontram fora dos limites da filosofia,
importando um conceito da Biologia: nosso corpo possui um sistema imunológico que evita
que algo de “fora” - que o estranho ou o estrangeiro (um vírus ou uma bactéria, por exemplo)
- entre “dentro” dos limites do corpo e o destrua. Entretanto, em algumas ocasiões, entra em
funcionamento um outro sistema autoimunológico, que ataca ou enfraquece esse mesmo
sistema imunológico, permitindo que o de “fora” invada os limites do “dentro”. Mas essa
invasão não é sempre ou não é somente uma ameaça, um perigo. É também o que permite,
por exemplo, a aceitação de um enxerto ou de um órgão retirado de outra pessoa. Permite que
algo de “fora” salve o paciente. Possibilita, portanto, uma sobrevida. Sobrevida do corpo e,
utilizando o conceito de autoimunidade de forma mais ampla ou como uma metáfora para o
que acontece no embate entre autor e tradutor, sobrevida do texto original.
Neste trabalho, a metáfora biológica da autoimunidade, utilizada por Derrida em seus
últimos textos, vai ser o ponto de partida para comentar a tradução de La vérité en peinture,
procurando articular os quatros capítulos do livro com quatro questões tradutórias: 1. a
fronteira entre original e tradução; 2. o ponto limite; 3. o paradigma e seus desdobramentos e
4. a restituição do texto “a quem de direito”, ao autor. Não se trata, entretanto, de apagar as
diferenças entre original e tradução, mas de problematizar essa diferenciação, ou, para ficar
“dentro” da metáfora política/biológica de Derrida, de examinar suas fronteiras.
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O trabalho tem como objetivo apresentar uma parte da análise de dados de minha
pesquisa de mestrado, em fase de conclusão, sobre a construção de identidades
profissionais de professores em uma experiência de formação continuada. A pesquisa tem
como objetivo geral investigar o processo de construção de identidades profissionais de
professores em um curso de formação continuada, realizado dentro do programa Teia do
Saber. Consideramos as identidades como construídas e reconstruídas nas práticas
discursivas e, portanto, múltiplas (HALL, 1998). A pesquisa assume que o processo de
formação profissional é identitário (KLEIMAN, 2005; MERTZ, 1992) e pretende entender
como vão se co-construindo as identificações dos professores e formadores com práticas,
conceitos, teorias, já que a construção identitária se dá na relação e no embate entre os co-
enunciadores – formadores e professores. A pesquisa, de caráter qualitativo-interpretativista
(MOITA LOPES, 1994; DENZIN e LINCOLN, 2006), parte da perspectiva sociocultural
dos Estudos de Letramento (STREET, 1984; KLEIMAN, 1995; COLLINS; BLOT, 2003) e
da concepção de linguagem dialógica do Círculo de Bakhtin (BAKTHIN, 1988, 2003;
VOLOSHINOV, 1995). A perspectiva sociocultural dos Estudos de Letramento,
caracterizada como socioantropológica e etnográfica, implica olhar e interpretar as práticas
sociais que envolvem a escrita, como o caso de um curso de formação, a partir da situação
em que tais práticas ocorrem, pois considera que as práticas de letramento em que os
sujeitos se engajam são situadas, dependentes dos contextos e mudam conforme a situação
de comunicação. Essa perspectiva procura “flagrar e compreender as atividades de leitura e
escrita no âmbito das práticas sociais em que ocorrem” (MATENCIO, 2009, p. 5), o que
permite a investigação dos usos efetivos da linguagem, em diferentes grupos e por
diferentes sujeitos. Tal compreensão dos usos da língua coaduna-se com a compreensão de
que a linguagem nunca se dá no vazio, mas sempre numa situação histórica e social
concreta, através da interação (VOLOSHINOV, 1995), concepção esta advinda dos estudos
do Círculo de Bakhtin.
O curso observado, oferecido pelo Grupo Letramento do Professor do
IEL/UNICAMP entre junho e novembro de 2006, teve como foco noções e conceitos dos
estudos da linguagem para professores alfabetizadores e se baseou em três principais
frentes teóricas: a concepção de linguagem do Círculo de Bakhtin, a abordagem sócio-
cultural dos Estudos de Letramento e a os estudos sobre os aspectos sócio-cognitivos da
leitura (VALSECHI, 2009). Nesse contexto, diferentes vozes relacionadas a conceitos,
teorias e práticas concernentes à profissão docente emergiam no discurso de professores e
formadores engajados no processo de ensino/aprendizagem. As construções identitárias no
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formas de expressão que sempre têm algo a ser dito sobre algum aspecto do ambiente social
no qual se inserem. Essa abordagem promove a etnografia de descrição densa, a qual leva
em conta as diversas estruturas conceituais e significativas que moldam as ações humanas.
A descrição densa consegue diferenciar ações, as quais parecem ser iguais, mas têm
significados diferentes.
Adota-se, portanto, uma abordagem discursiva de sentido e de sujeito, a qual postula
que os sentidos de todo e qualquer discurso são constituídos no interdiscurso, entendido
como o conjunto do dizível, o exterior de um discurso que determina o que é
ideologicamente formulável em um discurso determinado.
Quanto à questão do sujeito inserido e interagindo com a sociedade, aproximei-me
da teoria não-subjetivista da subjetividade de Pêcheux e da teoria dos Aparelhos
Ideológicos de Estado de Louis Althusser. Com base nessas teorias é possível ver as
interações do sujeito, como indivíduo guiado por intenções, com a família, a escola e a
mídia, que funcionam pela ideologia.
No âmbito da teoria do discurso, sua constituição, sua interação com as memórias
discursivas e sobre os interdiscursos provenientes das interações entre professor e aluno,
me voltarei ao pensamento de Michel Foucault sobre o discurso, como uma reverberação da
verdade e sobre como tudo pode tomar a forma do discurso. Importante, também, para essa
pesquisa é a Noção de Interdiscursividade, falando sobre a heterogeneidade da identidade
do discurso. Sobre a interação entre o sujeito e a situação e sobre como a memória aciona
as condições de produção, me basearei nas noções de Condições de Produção, Formação
Discursiva e Interdiscurso trabalhadas por Norman Fairclough.
Em relação à globalização, partirei do princípio de que esse fenômeno não é recente
e que as identidades culturais estão sofrendo mudanças em conseqüência desse
acontecimento global, e que a globalização tem um impacto sobre as identidades nacionais.
Também, para analisar meus dados, me voltarei à importância da aprendizagem da LE e ao
fenômeno de internacionalização da língua inglesa em nosso mundo.
Elementos da Análise de Discurso Crítica e dos Estudos Culturais foram utilizados
como base teórica para o delineamento da pesquisa e do primeiro questionário respondido
pelos participantes. Na primeira parte da pesquisa, que envolve a seleção dos participantes,
foram utilizados questionários com perguntas abertas; na 2ª parte da pesquisa, que está em
vias de se realizar, será utilizada a observação das aulas de inglês dos participantes
envolvidos com o início da pesquisa, através de gravação em áudio e notas de campo.
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A proposta deste trabalho é apresentar o projeto que traz as diretrizes básicas para o
desenvolvimento da investigação de mestrado intitulada Como os professores de E/LE
interagem com o não-verbal em ambiente virtual: Um estudo exploratório sobre
processamento leitor e TICs. Essa investigação esta inserida no “Projeto Interleituras:
interação e compreensão leitora em língua estrangeira mediadas por computador”, sob
a coordenação da professora doutora Cristina Vergnano Junger, desenvolvido na
Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. O fato que motivou a investigação que
será apresentada parte de uma observação prática do processo de busca de materiais
didáticos na Internet executada por professores de espanhol num centro de recursos
didáticos de espanhol.
Os objetivos gerais são acompanhar e analisar o processamento leitor de professores
de espanhol como língua estrangeira (E/LE) em ambiente virtual, enfocando a leitura ou
não leitura do não-verbal na Internet. Os objetivos mencionados têm a função de nortear a
resolução dos problemas de pesquisa, a saber: (a) como se dá a leitura do não-verbal nos
textos de Internet; (b) em que medida essa leitura (ou não leitura) contribui para (ou
compromete) a construção do sentido e o alcance dos objetivos estabelecidos para a leitura
pelo leitor.
Esta pesquisa de mestrado é exploratória, com dados observados. O enfoque de
análise será qualitativo. Terá como corpus os dados observados, ou seja, o resultado do
acompanhamento do processamento leitor de textos não-verbais, realizado pelos docentes
de E/LE convidados a participar como informantes, em ambiente virtual da Internet. O
acompanhamento das leituras será realizado de duas formas: por um lado, tendo a presença
da pesquisadora, que registrará a atividade num diário e, por outro, através do auto-registro,
em protocolo escrito de leitura, preenchido pelo próprio informante durante seu trabalho.
Para coletar os dados, teremos como ferramenta os protocolos de leitura (Cavalcanti,
1989) e uma entrevista inicial. A seleção dos informantes leva em consideração: (a)
viabilidade de contato entre eles e o pesquisador, já que este trabalha no projeto de extensão
que tem como público alvo professores de E/LE já formados ou em formação; (b)
pertinência e caracterização (para a pesquisa, é relevante que os docentes atuem em
diferentes níveis de ensino e tenham níveis distintos de faixa etária e de formação
acadêmica).
Uma pesquisa preliminar na literatura especializada em Tecnologias da Informação
e Comunicação (TICs) na educação permitiu perceber que, no que tange ao ensino de
línguas estrangeiras, os trabalhos divulgados estão à margem do que se pretende discutir
nesse projeto de mestrado. Grande parte dos trabalhos está voltada para aplicações ao
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novas palavras... Não se pode negar que as mudanças sociais estão profundamente
associadas à criação lexical, o que, logicamente, motiva relações interdisciplinares. A
palavra é um instrumento de manipulação e nenhuma escolha lexical é gratuita.
Em época de eleição de Barack Obama, nada melhor para ilustrar essa
produtividade linguística do que o verbo obamar, criado pela cantora Mart’nália “para
definir a ‘babação’ em torno do novo presidente americano” (Manchete “Todo mundo
‘obamando’”, O Globo, 14 de novembro de 2008, Coluna “Gente Boa”, por Joaquim
Ferreira dos Santos). Ou, ainda, uma referência à boa forma física do novo presidente
americano – um bom exemplo de produtividade lexical na língua inglesa –, pec-tacular
(trocadilho que, em nossa língua, poderia ser traduzido por “espeitacular”) (Época, 29 de
dezembro de 2008, p. 33). Que tal obamaniana? Trata-se de uma referência à era pós-Bush,
ou seja, a era obamaniana (O Globo, 22 de fevereiro de 2009). Os candidatos-repolho
também chamam a atenção em época de eleição presidencial norte-americana (O Globo, 28
de outubro de 2008), com explicação no corpus apresentado ao final deste artigo. E,
voltando ao Brasil, que tal discursômetro? Sim, um estudo para avaliar quais são as
palavras mais usadas no discurso de nosso atual presidente (Época, 29 de dezembro de
2008). Ou, em época de eleições municipais, com o estreito relacionamento entre
governadores e prefeitos eleitos, o termo govereito – mistura de governador com prefeito?
(O Globo, 29 de outubro de 2008), também com explicação no corpus apresentado.
Estadolatria, uma alusão a um discurso do presidente Lula, no qual estava presente a
crença de que todo progresso só existe se for gerido e controlado pelo governo (Época, 7 de
setembro de 2009).
Em um país como o nosso, em que as crises políticas são constantes e o cenário
político é frequentemente alterado pelos escândalos, nada melhor para entendê-lo do que
voltar nosso olhar para a linguagem. Mas não basta um simples olhar para as palavras em si.
É necessário examiná-las no contexto em que são produzidas, quem é seu enunciador,
quem é seu enunciatário, qual é o veículo em que circula, ou seja, quais são as
circunstâncias que cercam sua produção e sua recepção. Assim, deve-se analisar essa
produção neológica como formações discursivas, ou seja, é necessário que nos
aproximemos dessas palavras levando sempre em conta quem as produz, em que momento
histórico e de que forma dialogam com as imagens de nação no período estabelecido, tendo
em vista que os sentidos dos quais elas se revestem só se concretizam por meio do sujeito
que as toma.
A escolha de um corpus midiático para a abordagem deste tema se justifica porque é
no cotidiano que se torna possível a observação do processo contínuo de mudança social, às
vezes lento, outras vezes célere. E em Bakhtin e em seu entendimento acerca da ideologia
do cotidiano é que vamos buscar subsídios para o exame e a compreensão da dinâmica
proposta, dentro de uma perspectiva interdiscursiva, que vai imprimindo às palavras – tanto
às já existentes quanto àquelas que estão sendo criadas – os novos sentidos, tendo em vista
que cada discurso em si abarca vários discursos sociais, de várias áreas, dependendo do
momento histórico focalizado.
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TEORIA E HISTÓRIA
LITERÁRIA
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Referências citadas:
CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira: Momentos decisivos. 11ª ed.
Rio de Janeiro: Ouro sobre azul, 2007.
DIAS, Antonio Gonçalves. Primeiros Cantos. Rio de Janeiro: E. e H. Laemmert,
1846.
____________. Meditação. In: Obras posthumas de A. Gonçalves Dias. Rio de
Janeiro: Garnier, 1909.
SODRÉ, Nelson Werneck. História da literatura brasileira: seus fundamentos
econômicos. 5ª Ed. Civilização Brasileira: RJ, 1969.
SOUSÂNDRADE, Joaquim de. O Guesa. São Paulo: Annablume (selo demônio negro),
2009.
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e o gordo repugnante. Fischler aponta para o fato de que aquilo que um indivíduo toma para
si numa sociedade dotada de recursos finitos – no contexto do conto “The Fat Man in
History”, penso que seja a comida – acumula-se e compõe o corpo deste indivíduo, de certa
forma denunciando-o por tornar visível essa apropriação da parte que cabe a cada um. Ou
seja, à figura duplamente estereotipada do gordo é atribuída uma suspeita de que aquele
corpo maior do que a maioria dos outros corpos tomou para si mais do que a parte que lhe
era cabida. Tomou o que era de outrem. Roubou.
O gordo, portanto, é visto na sociedade, segundo Fischler, como um transgressor de leis
não escritas. Além de tomar para si mais do que lhe cabe como parte sua, transgride as
regras do comer e beber, do prazer, do auto-controle, entre outras regras implícitas do
comportamento social e coletivo. Ao obeso cabe a responsabilidade, se não o dever, de
devolver à sociedade o que lhe tirou. Daí surgem os bons gordos, aqueles seres que
inspiram lealdade, diversão, bondade.
No final do conto, os personagens lançam um “raciocínio”, que explica como verdadeiro
ato revolucionário o ato de comer o outro. Não qualquer outro, como aponta Sueli Rolnik,
pois isso seria canibalismo, mas comer algum ex-participante da revolução, deixando que o
corpo aproveite tudo aquilo que é bom do alimento e excretando tudo o que for ruim, não
prestar.
No conto, temos o consumo literal da carne humana; e, fora dele, como aponta Sueli Rolnik,
o consumo cultural do outro que possibilita a hibridização do antropófago, a contestação da
idéia identitária como algo imutável e essencial ao indivíduo. No lugar, entra uma
subjetivação constantemente reconfigurada através de agenciamentos, criações e recriações
num processo cartográfico de desterritorializações e reterritorializações.
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O trabalho que apresento aqui é parte da minha tese de doutorado, orientada pelo
prof. Carlos E. O. Berriel, cujo objeto é a tradução para o português e o estudo da utopia
francesa A Terra Austral conhecida, de Gabriel de Foigny, publicada em 1676. Nesta
utopia é descrita a sociedade que habita a Terra Austral, localizada, como seu nome indica,
no único continente que, à época em que esta obra foi escrita, ainda não havia sido
explorado pelos europeus, chamado nos mapas da época de terra australis incognita,
representado por uma enorme massa de terra. Em uma época em que os relatos de viagem
conheciam certa voga editorial, pode-se imaginar a curiosidade que tal obra teria
despertado em seus leitores, curiosidade aumentada pelo fato de o autor descrever estas
terras como uma espécie de paraíso habitado por seres perfeitos, dotados de completude
não apenas espiritual, mas também física, ou seja, seres andróginos, que Foigny chama de
“hermafroditas”.
A figura do hermafrodita é recorrente na literatura do século XVII. Alguns
exemplos, restringindo-nos à França e à literatura utópica e panfletária, são, além da utopia
de Foigny, A Ilha dos Hermafroditas, texto de inspiração utópica atribuído a Artus Thomas
e publicado em 1605, em O outro mundo, de Cyrano de Bergerac, publicado em meados no
século XVII, e também os panfletos políticos L’Anti-hermafrodite (1606) e
L’hermaphrodite de ce temps (1611). Parto da hipótese de que a recorrência da figura do
hermafrodita como tema literário na literatura utópica do século XVII francês – de 1605 a
1676 – indica a recorrência de uma dada situação política. Mais precisamente, trata-se de
responder à seguinte pergunta: Que realidades persistentes o hermafrodita metaforiza?
Antes de respondê-la, é preciso esclarecer que um dos usos do termo hermafrodita
que se encontra no século XVII francês era o uso pejorativo, que tem seu sentido
explicitado no mito do hermafrodita contado por Ovídio, nas Metamorfoses: a ninfa
Salmacis se apaixona pelo jovem Hermafrodita, filho de Hermes e de Afrodite, quando ele
vem banhar-se nas águas de seu lago; não obtendo reciprocidade, ela pede aos deuses que
juntem seu corpo ao dele, numa operação de hibridização sexual. O ser híbrido que resulta
desta união, chamado de hermafrodita, é, portanto, o produto da junção forçada de dois
sexos. Diferente da figura do andrógino, símbolo da harmonia dos opostos em um ser uno,
o hermafrodita simboliza a reunião artificial de partes em conflito permanente,
representando uma união estéril, indicada pelo efeito desvirilizante das águas onde se deu a
hibridização.
O simbolismo do hermafrodita como expressão da oposição de forças aplica-se,
como lembra Claude-Gilbert Dubois, a uma vasta gama de representações no campo do
imaginário. Interessa-nos, no âmbito desta tese de doutorado, afirmar que este símbolo se
presta para metaforizar três realidades essenciais do Antigo Regime, que trataremos aqui.
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em função das circunstâncias. René Pintard cita o uso do termo “homo duplex” na literatura
do século XVII, aplicado aos que eram obrigados a manter a aparência de conformistas
para preservar sua liberdade de pensamento e de investigação intelectual. O tema do deísmo
e do cristianismo (seja ele católico ou huguenote) aparece de modo explícito na Terra
Austral conhecida, de Gabriel de Foigny. O deísmo é amplamente discutido em um diálogo
entre dois personagens, Nicolas Sadeur, o protagonista e Suains, um velho austral, seu guia
e protetor.
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A pesquisa versa sobre a obra do escritor mineiro Autran Dourado (1926). Desde o
início optei por me fixar na ficção longa, embora a produção do autor se estenda também
pelo conto. Tendo estreado em 1947, com a novela Teia, Autran segue em atividade até os
dias de hoje, mas, a meu ver, a porção mais significativa de sua obra se concentra nos anos
60, com A barca dos homens (1961), Uma vida em segredo (1964), Ópera dos mortos
(1967) e O risco do bordado (1970). O “ensaio-fantasia” Uma poética de romance, de 1973,
tentativa na linha dos escritores-críticos, próxima do trabalho desenvolvido
contemporaneamente por Osman Lins, é como que uma súmula do percurso. Em 1975
Autran oferece aos alunos de Letras da PUC do Rio de Janeiro um curso em que expõe seus
próprios processos de criação, mostrando o modo como foram elaborados seus principais
romances. Tanto Uma poética de romance quanto Matéria de carpintaria, reunião de
anotações para o curso, junto com a qual o ensaio-fantasia ganharia nova edição,
testemunham que o ápice do prestígio de Autran coincidiu com a voga dos estudos
estruturalistas nos cursos de Letras brasileiros, de modo que a impressão que se tem,
passadas duas décadas, é que livros como A barca dos homens e Ópera dos mortos se
adequavam aos anseios dos professores mergulhados nas teorias. Esse dado me parece
muitíssimo importante para uma reavaliação do lugar de Autran Dourado em nossa ficção.
Partindo do período de elaboração de A barca dos homens, boa parte dos anos 50,
considero que é cabível dizer que a porção que me interessa da obra de Autran Dourado
descreve um arco que vai das manifestações críticas do grupo concretista ao ápice das
análises estruturalistas. É patente que Autran não permaneceu indiferente às tomadas de
posição dos concretos, tendo ensaiado uma resposta pessoal, ainda que modesta. Do mesmo
modo, Uma poética de romance pode ser lido como uma tentativa de responder à maneira
estruturalista de ler o texto literário.
Uma discussão sobre a novela Uma vida em segredo foi o meu primeiro passo na
aproximação mais direta da obra de Autran. Meu foco, então, era tentar esclarecer a
natureza do diálogo estabelecido com Un coeur simple. É de notar que a familiaridade entre
os dois textos parece ter sido algo posto à baila pela crítica, à qual o escritor respondeu
ironicamente, assumindo o “plágio involuntário”. Esse nível de discussão, que implica uma
ênfase sobre o texto literário como testemunho da leitura de outros textos, conviveu, na
minha discussão, com um primeiro esforço de situar o contexto histórico-social a que alude
a matéria da novela. Essa convivência de níveis de análise constitui um ponto ainda a ser
equacionado no trabalho.
Em seguida recuei até um livro anterior, Tempo de amar, de 1954. Publicado depois
das “novelas de aprendizado” (como Autran veio depois a denominar Teia e Sombra e
exílio), o romance me chamou a atenção pelos ecos do “coração selvagem” de Clarice.
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XV Seminário de Teses em Andamento – 2009
Tratava-se de uma ficção em que eram visíveis as marcas do abalo provocado, na época,
por Perto do coração selvagem (1944) e O lustre (1946). Cheguei à conclusão de que, em
que pese o impacto de Clarice, Tempo de amar empresta suas linhas-mestras do modelo do
Ciclo da cana de açúcar. O destino do neto de fazendeiro das Minas Gerais se submete com
docilidade à aproximação com o universo de José Lins do Rego, o que reafirma o dado, que
não é surpreendente, de uma forte linha de continuidade com o romance de 30. Com efeito,
penso que a nossa ficção contemporânea se liga às diversas vertentes que nos vêm dos anos
30 e que é útil deixar de lado subdivisões e considerar “contemporânea” toda a prosa de 30
para cá.
Ao empreender a análise de A barca dos homens eu me preparava para enfrentar um
ponto que considero decisivo: Autran Dourado quer ser, em sua ficção, um leitor da grande
ficção modernista, aí compreendidos Joyce, Faulkner, Virginia Woolf. Seu empenho no
domínio da técnica do fluxo de consciência é enorme, saltando aos olhos de quem lê Uma
poética de romance. Assim, diante da Barca dos homens, o meu olhar se dirigiu para os
resultados alcançados no manuseio desta e de outras técnicas associadas ao romance
moderno. É sabido que as experiências com o contraponto, a técnica cinematográfica etc.
vêm de Oswald de Andrade (como já testemunha a Brigada ligeira de Antonio Candido,
preciosa reunião de críticas de rodapé publicada em 1945) e se ramificam por Érico
Veríssimo, Lúcio Cardoso, Jorge Amado e vários outros, ficando fora de dúvida para mim
que a leitura da obra de cada um desses escritores só tem a ganhar em interesse quando os
livros são vistos como imersos nessa grande corrente. Essa é a minha ambição com Autran
Dourado, o que impõe dificuldades para o desenvolvimento do trabalho, visto que o olhar
para esse conjunto de textos não pode tomar o espaço da atenção devida à obra particular
que é, de fato, o meu objeto. A análise de A barca dos homens ainda está em andamento.
Gastei um bom tempo experimentando pequenas análises comparativas com Mar morto
(1936), de Jorge Amado, e O resto é silêncio (1943), de Érico Veríssimo, de modo que o
exame da organização interna do livro ainda está por ser completado.
Desde o princípio eu considero O risco do bordado como o livro mais bem
realizado de Autran Dourado. Como eu já havia passado, mesmo que um tanto
superficialmente, por A barca dos homens e Uma vida em segredo, percebi que devia
passar por Ópera dos mortos, para entender o lugar desse livro no percurso até O risco. É o
que estou fazendo no momento. Novamente, deparo com o interesse de Autran pela técnica
do fluxo de consciência e mais uma vez vejo que o problema é situar os limites dos
resultados obtidos. A minha estratégia de análise é, primeiro, abstraindo um pouco as
questões de forma, explorar brevemente a proximidade da organização social recriada no
romance com a visão cristalizada na obra de Gilberto Freyre, sobretudo em Sobrados e
mucambos (1ª. ed.: 1936). Em seguida, postos os dados da história social, parto para uma
avaliação de como estes são rearranjados pela organização interna da narrativa.
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A comunicação aqui proposta visa apresentar, em linhas gerais, parte dos resultados
obtidos com o desenvolvimento do projeto de Doutorado “O percurso de um projeto de
Oswald de Andrade: memória da criação de Marco Zero”. Nossa pesquisa se centrou no
estudo do referido romance a partir dos manuscritos que hoje constituem o Fundo Oswald
de Andrade, do CEDAE/ IEL-UNICAMP, com o objetivo de perceber a criação literária em
movimento, ou seja, os caminhos que o texto e o próprio projeto da obra percorreram ao
longo das duas décadas em que Oswald se ocupou de Marco Zero, de 1933 a 1953.
Por trabalharmos com um conjunto documental que, apesar de bastante rico, está
muito aquém de abarcar tudo o que o escritor produziu neste período e também por
abordarmos a obra em estado de construção, sem contornos definidos, não poderíamos
aderir a uma teoria da narrativa para chegar a uma interpretação fechada do texto dos
rascunhos, das notas, das versões e dos outros tipos de documento. É evidente que a análise
do conteúdo destes nos leva obrigatoriamente a acionar conceitos usados quando se
analisam narrativas dadas como terminadas, produtos difundidos por edições, afinal, é
nessa direção que caminhou o esforço do escritor; porém, como a perspectiva adotada é a
do processo de criação (e não a do produto), a interpretação de cada registro se faz em
função do lugar que ocupou ou que possa ter ocupado na trajetória da escrita. Este modo de
proceder bem como outros aspectos metodológicos se embasaram nas recomendações e nos
estudos de crítica genética, sobretudo os da França e do Brasil.
Inicialmente, para que o percurso da criação pudesse ficar mais claro, procuramos, o
quanto possível, organizar cronologicamente os manuscritos e também os excertos do
romance que Oswald publicou em periódicos. Isto, juntamente com informações obtidas
pela leitura de depoimentos do escritor ou de pessoas próximas a ele, levou-nos a dividir o
tempo da escritura em três grandes períodos: um primeiro, nos anos 30, em que, segundo
testemunhos, ele escreve profusamente em dezenas de cadernos, dos quais infelizmente
uma parte ínfima de folhas esparsas se encontra no CEDAE; um segundo momento, em que
Oswald se concentra na preparação para publicação dos dois primeiros volumes, A
Revolução Melancólica (1943) e Chão (1945), e ainda um outro, em que ele inicia a
redação do terceiro volume, Beco do Escarro, empenho este que vemos esmorecer
conforme acompanhamos os registros manuscritos.
Desses três períodos, escolhemos destacar o intermediário, seja pela quantidade de
material disponível, seja porque a escrita resultou na edição dos textos; porém, vale
ressaltar o interesse dos outros momentos para a reconstituição da memória da criação. O
material dos anos 30, impresso na sua maioria, revela o entusiasmo de Oswald com a obra e
seu esforço em divulgá-la antecipadamente. Adepto ao comunismo desde 1931, ele quer
mostrar sua visão da sociedade traçando um panorama desta, especialmente em terras
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XV Seminário de Teses em Andamento – 2009
paulistas, após a crise de 1929, e para isso cria uma grande quantidade de personagens,
alguns dos quais posteriormente serão modificados ou descartados. Várias mudanças
também ocorrerão no plano geral da obra, pelo menos no que diz respeito ao número, à
ordem e aos títulos dos volumes. Pode-se dizer que foi uma fase de criação pulsante, com
grande afloramento de idéias, mas, ao que parece, sem uma organização ou uma disciplina
que direcionassem a escritura para um projeto claro de edição. Em relação ao terceiro
período, o grande caderno dedicado à redação de Beco do Escarro se inicia com texto
passado a limpo,sugerindo haver uma direção na escrita, mas a narrativa se interrompe após
17 páginas e a escrita passa a se fazer nas páginas finais, em textos com pouca ou nenhuma
conexão entre si e com personagens que antes não haviam aparecido no panorama de
Marco Zero. Parece, portanto, não haver aí também um programa claro de redação, o que
não impede Oswald de registrar, paradoxalmente, entre suas anotações, um plano da obra
em que revela a intenção de que a narrativa do quinto volume se estenda até 1950. A
intenção se limitou ao registro, já que os três últimos volumes não foram publicados, o que
certamente se deve a vários fatores, entre os quais podemos supor o desalento provocado
pela ruptura com o Partido Comunista.
Quanto à fase de redação de A Revolução Melancólica e Chão, os manuscritos
revelam uma série de ajustes no texto narrativo, que vão desde a simples alteração de
palavras ou a inversão de frases dentro de um segmento (nível microgenético) até o
deslocamento de grandes trechos de um capítulo para outro e o replanejamento da
sequência e dos títulos dos capítulos (nível macrogenético). No material referente ao
primeiro volume, vê-se sobretudo o primeiro tipo de alteração, já que o conjunto
documental se constitui essencialmente de folhas soltas, às vezes reunidas em pequenas
sequências. Já o material de Chão, reunido sobretudo em dois cadernos, um de mais de
seiscentas páginas e outro, menor, com uma versão de um dos capítulos, permite ver o quão
frequente foi o rearranjo das partes do texto, seja dentro de um mesmo fragmento narrativo,
seja no interior de um capítulo, seja de um capítulo para outro, tudo isso certamente com
consequências para a composição do enredo, dos personagens, do tempo, do espaço e do
foco narrativo. Tais alterações evidentemente não são exclusivas do processo de criação de
Marco Zero, mas acreditamos que elas se deram de modo intensificado na composição da
obra em grande parte pelo caráter cinematográfico da narrativa, que apresenta quadros
justapostos, revelando a preocupação de Oswald de Andrade com a montagem.
A abordagem dos manuscritos em nosso projeto de Doutorado quer ressaltar, com as
análises das alterações feitas pelo escritor, que o dossiê genético de Marco Zero, além do
seu valor documental, tem muito a contribuir para o estudo do autor, do contexto e da obra
editada.
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Esta pesquisa tem como objetivo fazer uma comparação entre Machado de Assis e
Dostoiévski quanto à questão da nacionalidade, tomando por base o ensaio de crítica
literária Instinto de Nacionalidade, do autor brasileiro, e o Discurso a Púchkin, do russo.
Analisar os dois textos dentro do contexto da obra de cada autor, bem como no debate da
época a qual pertencem para em seguida compará-los, são os passos desta pesquisa. Como
principais referências teóricas, Roberto Schwarz, Antônio Cândido, Joseph Frank e Isaiah
Berlin.
Instinto de Nacionalidade é um ensaio de crítica literária, escrito por Machado de
Assis a pedido de José Carlos Nunes, que editava em Nova Iorque a revista O Novo Mundo.
O ensaio foi publicado no número 24 da revista, que saiu em março de 1873. Neste ensaio,
Machado dá uma visão geral do que acontecia na literatura por aqui. A primeira parte trata
do “instinto de nacionalidade”, para em seguida se deter mais especificamente no romance
e no conto, na poesia, no teatro e na língua. Este ensaio foi uma espécie de divisor de águas
da crítica literária. Escrito ainda no horizonte romântico, que tomava a literatura como
instrumento de construção da nacionalidade e como critério literário à “cor local”, Machado
rompe com esse paradigma e abre a literatura para um mundo de possibilidades. Desde a
vinda da corte portuguesa para cá, em 1808, mas, sobretudo com a Independência, em 1822,
houve a necessidade de construção de uma nação independente de Portugal. Era preciso
justificar ideologicamente essa nação, criar uma tradição: este foi o projeto do romantismo
brasileiro. Machado participa deste projeto, ao mesmo tempo em que o desconstrói,
negando sua exclusividade (WEBER, 1997). No lugar dos índices de nacionalidade
românticos como a natureza, o índio, tradições e mistura de raças, é outra coisa o que se
deve exigir do escritor:
Não há dúvida que uma literatura, sobretudo uma literatura nascente, deve
principalmente alimentar-se dos assuntos que lhe oferece a sua região; mas
não estabeleçam doutrinas tão absolutas que a empobreçam. O que se deve
exigir do escritor, antes de tudo, é certo sentimento íntimo, que o torne
homem de seu tempo e de seu país, ainda quando trate de assuntos remotos
no tempo e no espaço. (ASSIS, 1944, p. 139)
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Referências
ASSIS, Machado de. “Crítica Literária” in: Obras completas Vol. 29. W. M. Jackson. Rio
de Janeiro. 1944
BERLIN, Isaiah. Pensadores Russos. São Paulo. Companhia das Letras. 1988
NOVIKOVA, Olga (org.). Rusia y Ocidente. Madri. Tecnos. 1997
SCHWARZ, Roberto. Que horas são? São Paulo. Companhia das Letras. 2002
_________________. Ao vencedor as batatas. São Paulo. Editora 34. 2000
WEBER, João Hernesto. A nação e o paraíso. Florianópolis. Editora da UFSC. 1997
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O principal objetivo deste trabalho é analisar três romances, cujos temas giram em
torno da AIDS, produzidos por escritores que já haviam iniciado suas carreiras como
ficcionistas quando da chegada do HIV ao Brasil. Também tentaremos compreender em
que medida a AIDS influenciou a produção dos autores das obras em questão: Onde andará
Dulce Veiga? (1990), de Caio Fernando Abreu, Alegres e irresponsáveis abacaxis
americanos (1987), de Herbert Daniel e Vista do Rio (2004), de Rodrigo Lacerda.
Os três autores elencados souberam como poucos em se tratando da relação entre
literatura e AIDS, fazer a conexão, nem sempre evidente, entre a doença física, causadora
dos males do corpo, e a doença psíquica, responsável por alterar a maneira das pessoas se
relacionarem. Isso sem falar na releitura, feita pelos romancistas, do espaço urbano e da
noção conhecida de tempo: ambas aparecem transfiguradas, em visível estado de
deterioração, o que nos permite afirmar que, no trato literário de Abreu, Daniel e Lacerda, a
AIDS pode aniquilar não apenas o ser humano, mas sim levar à morte coisas não tão
facilmente palpáveis, casos de espaço, tempo e emoções.
Justamente por esta razão optamos por deixar de lado obras de cunho mais
autobiográfico, mesmo porque não temos interesse em analisar textos de autores que jamais
haviam pensado na questão do HIV em seus atos criativos. Evidentemente, não podemos
negar que inúmeras narrativas sobre a AIDS começaram a surgir no mundo e no Brasil
pouco depois das primeiras notícias publicadas na imprensa a respeito da Síndrome da
Imunodeficiência Adquirida. No entanto, a maioria desses textos fazia pouco mais do que
relatar experiências pessoais dos autores a partir do momento em que estes se descobriram
infectados pelo HIV. Embora reconheçamos relevância de tais relatos, a tarefa de escrever
algo do tipo “minha vivência com o vírus da AIDS” é bastante diferente de tentar descobrir
qual o sentido de produzir literatura num tempo marcado por um vírus disseminador de
uma moléstia incurável e mortal, trabalho desenvolvido por Caio Fernando Abreu, Herbert
Daniel e Rodrigo Lacerda.
Isto nos coloca diante do contexto histórico de produção de cada um dos três
romances, ou seja, o Brasil do final da década de 1980 e início da de 1990. Depois vinte e
um anos de ditadura militar (1964 – 1985) o país atravessava um momento que, se não era
tão turbulento quanto o dos anos de totalitarismo, não podia, de forma alguma, ser
classificado como de bonança. Basta lembrar da recessão econômica, da inflação galopante
– em alguns momentos chegando a quase mil por cento ao ano -, da campanha pelas
Diretas Já (1984), reivindicando o direito ao voto direto para presidente da república e da
morte do presidente Tancredo Neves, em 1985. Tancredo, eleito, ainda de modo indireto,
pelo congresso nacional, em meio a grande otimismo, faleceu antes de assumir o cargo, e
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grande consternação tomou conta do povo brasileiro, ao lado, é claro, de uma boa dose de
negativismo. Negativismo, diga-se de passagem, agravado pela chegada da AIDS.
É claro que a AIDS não gerou, apenas, crises de negativismo; a doença, com todo o
estigma social a ela ligado, com sua capacidade de desencadear uma paranoia coletiva e
atingir os relacionamentos entre as pessoas, culminou na angústia representada pelo perigo
do contato sexual e amoroso. E de que forma a vida é possível numa época em que o amor
significa sentença de morte? E datada, ainda por cima?
As tentativas de resposta a estas indagações fazem parte dos enredos dos romances
que formam o corpus analítico deste trabalho. Todos apresentam algumas características
em comum, dentre elas, a reflexão do lugar do escritor num mundo caótico, amedrontado e
abalado em suas estruturas pela presença de um vírus letal; a tarefa nada cômoda do
produtor de literatura, marcado que é pela chaga da palavra escrita, de ter de dialogar com
as intempéries de seu tempo e procurar respostas sabidamente inexistentes; a destruição dos
relacionamentos afetivos por conta da AIDS; a morte social ocorrendo antes da morte física
do soropositivo e, vale lembrar, a destruição da noção de tempo e de espaço proporcionadas
pelo HIV.
Para esta 15ª edição do SETA, preparamos uma apresentação centrada nos
principais pontos acerca do estudo sobre Onde andará Dulce Veiga? (1990), de Caio
Fernando Abreu. Seu pioneirismo em termos de literatura de AIDS se dá por ter sido ele o
primeiro escritor brasileiro a perceber que algo tão grave quanto a morte de pessoas estava
acontecendo no período em que foram noticiados os primeiros casos de AIDS em nosso
país. Não é à toa, portanto, que as primeiras abordagens literárias no tocante à síndrome
tenham partido dele. Em sua visão a simples possibilidade de a liberdade sobre o corpo e as
relações afetivas e sexuais serem afetadas pelo vírus HIV seria responsável por transformar
os seres humanos em zumbis, privados, para sempre, do prazer do sexo, este, agora,
inexoravelmente ligado à morte.Em suma, Caio tinha plena consciência do que estava
acontecendo nas relações humanas naquele período sem tratamentos eficazes para a AIDS.
Porém, neste caso, a consciência da situação não oferece nenhum arremedo de cura. Restam,
então, a dor, a desilusão, o desespero e a ausência de qualquer forma de esperança.
Na tentativa de ilustrar como a AIDS é trabalhada na produção literária do autor,
optamos por fazer, num primeiro momento, uma breve releitura dos volumes de novelas
Triângulo das águas, de 1983, e de contos Os dragões não conhecem o paraíso, de 1988.
Em ambos os livros, discussões no tocante a perda da esperança e o lugar do humano na
nova realidade marcada pela epidemia de HIV/AIDS, são esboçadas com considerável
sucesso. Todavia, é no romance de 1990 que Caio Fernando Abreu colocará da maneira
mais bem acabada a angústia humana num mundo que parece ter sido abalado em todas as
suas estruturas pelo vírus HIV: a condução do fio narrativo, a construção do enredo, o
cenário em que se dão os acontecimentos, a relação dos personagens com seus anseios e
frustrações e uma quase insuportável sensação de que qualquer o amor sexual implica em
sentença antecipada de morte convivem com a inevitável busca por uma esperança que
qualquer ser humano empreenderia em semelhante contexto. Procuraremos demonstrar em
nossa apresentação como esses conceitos são trabalhados no referido romance.
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história da literatura nacional que recebe os mesmos comandos historiográficos. 2) nos três
capítulos subseqüentes, encontram-se as análises individualizadas das três narrativas.
Primeiro, o Curso Elementar é formulado no âmbito nacionalista do conservadorismo
monárquico e trabalham o passado colonial e seus vínculos com o passado político e
literário da Metrópole como realmente necessários ao estabelecimento da ordem, unidade e
engrandecimento cultural. Ele segue os parâmetros históricos e culturais instituídos e
aparece como instrumento funcional da política institucional, uma vez que é gerado no seio
do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, bem como nos ideais do pensamento
educacional do Colégio Pedro II. Já O Brasil Literário é uma história literária escrita pelas
mãos estrangeiras. Ele representa a formação das histórias literárias no Brasil a partir da
preocupação de legitimação da história cultural e literária que, na maioria das vezes,
precisou do forte condicionante “olhar estrangeiro”. E, nesse aspecto, propõe-se trabalhar o
“instinto de civilização”, pertencente à revelada “idéia de nação” do romantismo, e que
transparece nos discursos de intelectuais brasileiros. O Curso de Literatura Portuguesa e
Brasileira exemplifica a solução de história literária da província brasileira. Ele é fruto do
grupo maranhense “Atenas Brasileira” e da educação ludovicense que modelam uma
historiografia literária nacionalista, lusófila e vernácula. A obra apresenta aspectos de
conceito literário, de divisão historiográfica e constituição do cânone brasileiro que se
relacionam diretamente com a tendência de estudos clássicos de literatura; 3) no quinto
capítulo, fazemos uma reflexão geral a respeito das características dessas histórias literárias,
com objetivo de formar uma idéia de história literária oitocentista do Brasil. Com as
propostas desses três historiadores, a história literária brasileira começou a ter um corpo
mais definido. A partir de 1862, os interessados pela literatura brasileira poderiam consultar
tais obras que ofereciam propostas acabadas de uma narrativa contínua a respeito do
processo de formação da literatura nacional. Nesse sentido, por exemplo, as histórias de
Cônego Fernandes Pinheiro e, também, de Sotero dos Reis se aproximam enquanto
postulados didáticos gerais em prol de uma educação cívica, monárquica e nacional dos
estudantes brasileiros, mas se afastam ao passo que, em alguns momentos, apresentam
perspectivas metodológicas diferenciadas de compêndio didático ao que se refere
principalmente à aplicação da leitura e análise literária das obras, ou seja, da crítica literária.
Elas se aproximam ainda pelo espírito nacionalista-conservador que fazia crer na
necessidade do estudo compartilhado entre as literaturas de Portugal e do Brasil,
diferenciando-se, porém, na formação do cânone dessas mesmas literaturas. O estrangeiro
Ferdinand Wolf é um caso mais particular em comparação as essas outras duas anteriores.
Ele apresenta uma obra diferenciada, mais pelo aspecto conceitual do que metodológico. O
Brasil Literário é uma obra sem pretensões didáticas, mesmo que, como afirmamos acima,
venha servir de compêndio escolar nos colégios brasileiros do século XIX e a diferenciação
do que seja compêndio e história literária ainda estivesse se modelando. Ainda que
envolvido com o poder conservador, ela difunde uma historização apenas do patrimônio
literário dito brasileiro; 4) por fim, o último capítulo estuda a construção da idéia de história
literária ao longo do século XX e XXI e seus subseqüentes desdobramentos, configurados
nos discursos da maioria dos críticos literários como a crise historiográfica. Com isso, essa
Tese pretende contribuir para a reavaliação das histórias literárias, bem como da
historiografia literária no Brasil.
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dos palcos portugueses” (p. 188). O autor usa dos caracteres e passagens míticas para
compor seu teatro, que é chamado joco-sério “por lembrar os recursos híbridos da
tragicomédia, nessa mistura entre a elevação do trágico e o realismo do cômico”
(PEREIRA, 2007: 28). Ainda que utilizando os caracteres mitológicos, “retrata os tipos
populares, empregando em situações grotescas ou pícaras os seus modismos peculiares da
língua portuguesa” (BRAGA, 1909: 109).
Em todas as suas obras percebemos a influência exercida pelo criado para o
entendimento da peça. Responsáveis pelas maiores trapalhadas dentro do enredo, são eles
quem tiram o público do seu estado de passividade diante da representação e o faz se
envolver verdadeiramente com os temas tratados. Além disso, o texto trata da atualidade de
forma direta e a linguagem utilizada pelas personagens evoca “uma linguagem áulica,
recheada de conceitos e metáforas de linhagem barroca, mas os criados, os plebeus e as
mulherzinhas riem-se de tais afetações. A linguagem que usam é direta mas nunca
licenciosa” (PICCHIO, 1969: 193). Os textos de Antônio José dispõe de temas já
conhecidos e, para compreensão do mito tratado, as personagens principais não poderiam
ser descaracterizadas. Vemos, no entanto, que os seus criados possuem diversas
características que facilitam o acompanhamento do enredo pelo público.
Ressaltando os criados, nosso objeto de estudo no teatro do dramaturgo português,
observamos que “só aparentemente os nobres dirigem o desenvolvimento da ação, já que,
na verdade, ficam em posição de dependência ao pretenso subordinado, o criado, que é o
verdadeiro condutor do enredo” (PEREIRA, 2007: 42). O criado, chamado de gracioso,
pode ser considerado remanescente do teatro espanhol, que historicamente dominou
Portugal até o final do século XVII. Pereira pensa o criado como “eixo da tessitura do
discurso literário” e “fio condutor das ações” (1985: 30). Sendo assim, a linguagem das
peças se configura como a maior fonte de comicidade e também uma das chaves para o
entendimento do universo dramático do autor.
A fim de completar o quadro de análises sobre as obras de Antônio José,
pretendemos estudar a possibilidade que o caráter do criado exerça a função de condutor do
público através do enredo, mesmo não sendo o protagonista da peça. Embora seja
conhecido que “o criado gracioso é o condutor da sátira política ao Portugal de seu tempo”
(PEREIRA, 2007: 42), analisaremos este caráter pela sua função dentro da ação cênica da
obra, ação que confere comicidade à mesma e a carrega de verossimilhança e identificação
com o público a que era destinada.
Continuando uma vertente pouco estudada, pretendemos focar esta pesquisa em sua
obra, porque acreditamos que suas peças trazem contribuições para os estudos e produções
artísticos relacionadas a elas. Assim, este projeto tem por objetivo principal analisar o uso
da personagem do criado nos enredos mitológicos do Judeu, partindo da hipótese de que
esta personagem era o responsável pela aproximação entre o público e o enredo da peça.
A pesquisa até agora desenvolvida demonstra que poucos estudos consideram a
função do criado, quando este não ocupa o posto de protagonista dentro de um enredo.
Acreditamos que o criado desempenha, nas obras de Antônio José, a função de
personagem-narrador. A linguagem utilizada pelo criado e os jogos de cena que propicia
atrairiam não só a atenção e interesse do público, como também auxiliaria na compreensão
da história contada. A partir da comparação com outras personagens, perceberemos a
popularização do tema através do tipo estudado.
Baseados na compilação de Paulo Roberto Pereira (2007) para Anfitrião ou Júpiter
e Alcmena e na de José Roberto Tavares (1957) para os textos auxiliares Os Encantos de
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dos estrangeiros (holandeses e japoneses) e tenta recuperar seu filho, que fora raptado.
Quando está iminente a invasão dos japoneses em Díli, durante a Segunda Guerra Mundial,
Catarina encontra Alain Gerbault, autor do livro que trouxera de casa quando viajou para
Díli. Alain Gerbault, o navegador, entra na vida de Catarina como um príncipe encantado,
recebendo os cuidados da moça até o instante de sua morte. O Réquiem de Luís Cardoso, é
narrado em primeira pessoa pela protagonista Catarina, uma chinesa que recebeu educação
européia, vivia na Batávia com os pais e é obrigada a enfrentar perigos extremos, quando
vai à Dili encontrar seu príncipe encantado.
Ao longo de sua trajetória, as situações pelas quais é submetida, Catarina relata a situação
política instaurada após a Revolta de Manufahí, comandada por Dom Ventura e, ainda, o
limiar da invasão japonesa no Timor Leste, durante a Segunda Guerra Mundial. Há também
alusão aos japoneses, que laboravam na Sociedade Agrícola Pátria e Trabalho, pois
Catarina é insistentemente procurada por japoneses, que pretendiam plantar algodão nas
terras dela. As diversas guerras e rebeliões são um tema recorrente na obra de Luís Cardoso.
Como acontece no livro Requiem para o navegador solitário, as guerras e revoltas
também serviram como pano de fundo para os romances anteriores de Luís Cardoso, a fim
de retratar os fatos ocorridos com o povo timorense. Com a Segunda Grande Guerra e a
invasão japonesa ao Timor, os grupos internos acabam travando combate. Estes são a
Coluna Branca, comandada pelo Lavadinho, e a Coluna Negra, liderada pelo irmão de
Catarina, que chega da Batavia para vingar a morte de seu pai. A Coluna Branca realiza,
portanto, verdadeiros massacres. É durante um desses ataques que Catarina acaba perdendo
o seu filho Diogo. Esse episódio, ocorrido de 30 de setembro para 01 de outubro de 1942,
ficou conhecido como o Massacre de Aileu. O uso de tais elementos na narrativa, confere
um aspecto crítico ao texto de Luís Cardoso, pois o romance acaba denunciando os
acontecimentos à época, durante o período entre guerras.
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O objetivo deste projeto é verificar como, nos poemas de Lessa em que há o verso
decassílabo, dá-se tanto uma aproximação quanto um afastamento em relação à norma
neoclássica. Levar-se-á em conta, nesta pesquisa, que este afastamento no tocante ao padrão
neoclássico constituiria, por sua vez, uma aproximação em relação ao romantismo. Quanto ao
embasamento teórico desta pesquisa, já há bibliografia selecionada sobre romantismo e
neoclassicismo. No entanto, não se descarta a necessidade da leitura e fichamento de textos
sobre versificação das línguas românicas e sobre o decassílabo. Quanto à metodologia, esta
consistirá na análise dos poemas. Segue, abaixo, a exposição do projeto propriamente dito.
O poeta romântico Aureliano José Lessa foi amigo de Álvares de Azevedo e Bernardo
Guimarães no período em que esteve na Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Uma
análise temática de uma coletânea com cinquenta e cinco poemas do autor permite identificar
temas como o amor, o sofrimento em geral, a contemplação da natureza, reflexões sobre a
efemeridade da vida e algo de uma visão cômico-satírica.
Já uma análise formal dos textos do livro de Lessa revela o fato de o decassílabo, metro
privilegiado na poesia portuguesa e brasileira desde o classicismo, ser o metro mais frequente
em seu livro. Esta constatação será a base para outra análise, empreendida a seguir.
Levando-se em conta o discurso consolidado no romantismo de que a poesia era
expressão da vida interior do poeta, pode-se pensar que uma consequência lógica deste
postulado é a expressão poética ser independente do normativismo neoclássico – este, visto
como contexto em oposição ao qual o romantismo definiu-se como movimento. Mas tal
consequência não se verificaria irrestritamente nas realizações literárias concretas dos autores
românticos. Percebe-se, antes, em Lessa não só um afastamento, mas também uma
aproximação em relação à norma neoclássica.
A combinação de decassílabos e hexassílabos em uma mesma estrofe é bastante comum
em Lessa. Tais combinações eram usadas na composição de odes por um poeta importante do
neoclassicismo português como Filinto Elísio. A ode, por sua vez, é um gênero de
composição que, em sua proposta mais tradicional, seleciona tanto um assunto elevado
quanto um tratamento sério. Além disso, o verso decassílabo era considerado o mais
adequado para a ode no neoclassicismo.
Nos poemas em que Lessa combina decassílabos e hexassílabos, pode-se notar a escolha
de um assunto elevado e tratamento sério na contemplação do cosmo, por exemplo, em “O
sol”: “Olho do céu, insana consciência/ De toda a criação,/Quem és, brilhante enigma? Ó
Providência,/ Quanto é fraca a razão!”. Nesta passagem do poema fica clara a elevação do
estilo a partir de imagens para o sol que enaltecem seu lugar privilegiado no cosmo e uma
grandeza excelsa o bastante para não permitir o exame da reflexão humana.
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Por outro lado, a gravidade do tratamento atinge grande pessimismo – que seria um lugar-
comum romântico - em “Desesperança”: “Se deve evaporar-se em esperança/ A f’licidade
que ante nós avança/ Como a nuvem nos ares;/ Se ela em meu peito já não mais se aloja,/
Que te hei de dar? – aos pés da cruz te arroja,/ Pede-me só pesares!”. Poder-se-ia pensar em
um afastamento da norma neoclássica se se admitir que um tratamento que envolva grande
subjetivização não seja adequado à forma ode e ao verso decassílabo.
Quanto ao grupo de poemas de Lessa constituído pelos outros textos que contêm versos
decassílabos, identifica-se, por exemplo, uma ode como “À tarde”, na qual predomina uma
exaltação da natureza: “Mãe da melancolia, ó meiga tarde,/ Que mágico pintor bordou teu
manto/ Coas duvidosas sombras do mistério?...”. Nesta passagem, notam-se a gravidade da
sugestão da melancolia e o engrandecimento do objeto representado (a tarde) a partir da
sugestão de sua incomensurabilidade – como percebida pela voz do poema - na associação
com o aspecto do mistério. Estes elementos de gravidade de tratamento e engrandecimento,
no contexto do comentário acima, apontam para um padrão neoclássico.
Mas, em um poema como “Mensagem”, no lugar da seriedade preconizada pelo
neoclassicismo para o decassílabo, nota-se o que seria a participação deste metro em um
esquema extremamente melódico: “Conta-lhe quanto/És inconstante,/Sem um instante/Jamais
parar:/Que tal ingrata,/Ela me mata.../Coas asas liba o pólen da cheirosa/Rosa/Que no
jasmíneo seio a donzela/Zela,/Mostra-lhe esquivo perto o mais orlado/Lado”. Neste poema de
amor, que já não conta com o tratamento sério da ode, a estrofe com versos decassílabos vem
logo após uma estrofe constituída de tetrassílabos - cuja leitura, desta última estrofe referida,
sugere ritmo muito marcado. Na combinação destes decassílabos com monossílabos em uma
mesma estrofe, pode-se notar que as duas últimas sílabas (contando as átonas) dos
decassílabos coincidem foneticamente, em grande medida, com a palavra que constitui o
monossílabo. Percebe-se, nesta coincidência, uma espécie de eco, efeito sonoro muito
notável.
Até o presente estágio deste estudo, trabalha-se com a ideia de que o elemento da
musicalidade seria instrumento privilegiado para a estilização de temas não tão nobres
tradicionalmente; e que uma entoação mais próxima daquela da prosa seria mais verificável
no tratamento de temas ditos mais elevados. Neste caso, ter-se-ia que tomar cuidado com a
ideia da musicalidade como instrumento privilegiado da poesia romântica. Na história da
versificação em língua portuguesa poder-se-ia deduzir um contínuo desenvolvimento
melódico do verso. Tal progressão começa no Trovadorismo e já está bastante avançada
quando o romantismo define-se como movimento.
ABRAMS, M. H. The mirror and the lamp: romantic theory and the critical tradition.
London: Oxford University Press, 1953 [reimp. 1971], p. 21-22. ISBN: 978-0-19-5011471-6.
ELÍSIO, Filinto, pseud. Obras completas de Filinto Elísio. Braga: Edições APPACDM
Distrital de Braga, 1998-2001, tomos I, III, IV, V e XI (Obras Clássicas da Literatura
Portuguesa. Século XVIII).
LESSA, Aureliano José (1828-1861). Poesias. Edição, apresentação e notas por José
Américo Miranda. Belo Horizonte: Autêntica, 2000, 159p.
VERNEY, Luís António. Verdadeiro método de estudar. Edição organizada pelo professor
António
Salgado Júnior. Lisboa: Sá da Costa, 1949-1952, volume II, p. 298-299.
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“Já não podemos ser o povo de folhas, que vive no ar, carregado de flores,
estalando ou zumbindo, conforme a acaricia o capricho da luz, ou seja,
açoitado ou podado pelas tempestades; as árvores devem formar fileiras,
para que não passe o gigante das sete léguas! É a hora da avaliação e da
marcha unida, e devemos marchar bem unidos, como a prata nas raízes
dos Andes”. (MARTÍ, 1983, p.194)
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a seguir, cujo objetivo é descrever o estágio final de um ato de devastação intensa em terras
americanas, podemos observar a consideração feita acima:
Com base no exposto, procuraremos desenvolver uma pesquisa que não apenas
busque pensar as relações sócio-políticas presentes no contexto de afirmação de um projeto
pan-americano, mas que, sobretudo, investigue o discurso crítico dos autores acima
mencionados, levando em consideração o emprego de uma linguagem repleta de
intencionalidade expressiva.
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são encontradas ao longo de cada um dos Códices de Consulta Pública, às vezes até no
mesmo dia, o que aponta para a existência de mais de um funcionário responsável pelo
serviço.
Para a dissertação foram recolhidos todos os dados referentes a Belas Letras, já que
um dos objetivos deste trabalho é comparar os pedidos de romance a outros gêneros para
analisar se o número de consultas a romances era expressivo ou não na época. Além deste,
outros gêneros literários, como a poesia e o teatro, foram incluídos na classificação de
Belas Letras.
A variedade de informações possíveis de encontrar com relação às obras requeridas
é grande. Por vezes, as anotações são compostas não apenas dos títulos solicitados pelos
leitores, mas também trazem o nome do escritor. Outras, junto ao título, consta o nome do
tradutor, sem que o tenham identificado como tal (como alguns títulos vertidos por Bocage).
Tais dados não são uma constante na maioria dos registros, no entanto, é possível sugerir
que a escolha por determinada tradução tenha sido uma exigência do leitor, já que essas
informações constam apenas na nota de certos frequentadores, por outro lado, também se
pode pensar que alguns consulentes não davam importância à questão autoral ou mesmo o
bibliotecário que fez a anotação.
Devido ao fato de a nomenclatura do gênero romance, sua estrutura e o variável
número de páginas serem bastante irregulares no período, como notaram Abreu (2003) e
Souza (2007), inicialmente foi incorporada sob esta denominação prosas de ficção em geral,
seguindo a sistematização dessas pesquisadoras. Assim, para a coleta de dados foram
procuradas obras cujos títulos fossem compostos por nomes próprios (muitas vezes
femininos), “palavras relacionadas a casais apaixonados, à virtude ou à amizade” (SOUZA,
2007), títulos que contivessem as palavras “aventuras”, “cartas”, “contos”, “história”,
“novela” ou “romance” e ainda os que tivessem subtítulos precedidos pela conjunção “ou”,
uma vez que não era possível conhecer todos os títulos de romances publicados até então.
Em Belas Letras foram incorporadas obras como o relato de viagem com passagens
ficcionais Viajante Universal, que ficaram de fora da contagem dos títulos pertencentes ao
gênero romance.
Um número expressivo de pedidos em quantidade e frequência ocorreu em relação a
“Obras [completas] de (nome e/ou sobrenome do autor)” - o que impede de saber qual foi a
obra realmente requerida para leitura. Tais dados foram recolhidos e inseridos em Belas
Letras quando se tratavam de escritores que produziram Belas Letras, ainda que também
tivessem outro tipo de produção, como no caso de Chateaubriand, Rousseau e Voltaire.
Entre as obras escritas por Rousseau, há romances como a Nova Heloise (1761), assim
como Chateaubriand escreveu Atala (1801), René (1802), Les Natchez (1826), As aventuras
do último Abencérage (1826), Os mártires (1809). Voltaire também compôs os romances:
Alzire (1736), Cândido (1759), Mérope (1743), O filho pródigo (1736), Maomé (1741), O
mundano, O ingênuo (tradução portuguesa de 1834). Contudo, foram incluídos como
romance apenas as anotações destes escritores em que os títulos foram mencionados.
A análise aqui apresentada fará parte do segundo capítulo da dissertação (Entre as
paredes da Bibliotheca Nacional e Pública do Rio de Janeiro, romances... (1833-1856))
que está dividida em três períodos: 1833 a 1840 – com o início dos Códices, encerrando
com a explosão do romance-folhetim; 1841 a 1848 – encerrando com o início do interesse
dos consulentes por obras nacionais (a data da primeira consulta na Biblioteca a um
romance produzido no Brasil é em 12 de janeiro de 1848); 1849 a 1856 – em que obras aqui
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produzidas disputam a preferência do público com as estrangeiras, até o fim dos registros
nos Códices em 1856.
O que se pretende apresentar no XV SETA é uma primeira análise dos pedidos a
títulos de romance na Bibliotheca Nacional e Pública de 1833 a 1840. Assim, este trabalho
tem como finalidade identificar a preferência dos leitores de romance da instituição,
verificar se os títulos e/ou os escritores mais solicitados eram ou se tornaram canônicos,
notar se os requerimentos se direcionam para algum tema específico, perceber se as
consultas eram a produções recentes ou mais antigas, e ainda tentar observar se tais pedidos
eram de obras já comentadas (ou ignoradas) pela crítica (estrangeira ou nacional) que tais
consulentes poderiam ter acesso e se estes comentários tinham um ponto de vista favorável
ou contrário ao título em questão.
Agradeço o apoio financeiro a esta pesquisa à Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (FAPESP).
Fonte:
Códices de Consulta Pública da Bibliotheca Nacional e Pública do Rio de Janeiro. 1833-
1856. Ms./BN I- 4, 16, 7-20.
Referências Bibliográficas:
ABREU, Márcia Azevedo de. Os caminhos dos livros. Campinas: Mercado de Letras, 2003.
BOURDIER, Pierre. As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. (Trad.:
Maria Lucia Machado) São Paulo: Companhia das Letras, 1996. ________.
__________. O poder simbólico. (Trad.: Fernando Tomas) Rio de Janeiro; Lisboa, Portugal:
Bertrand Brasil: DIFEL, 1989.
CHARTIER, Roger. (Trad.: Maria Manuela Galhardo). A história cultural entre práticas e
representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, Lisboa: Difel.1999.
DARTON, Robert. “História da Leitura“. In: BURKE, Peter (org). A escrita da história:
novas perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 1992.
SCHWARCZ, Lilia Moritz; AZEVEDO, Paulo Cesar de; COSTA, Angela Marques da. A
longa viagem da biblioteca dos reis. Do terremoto de Lisboa à Independência do Brasil.
São Paulo: Companhia das Letras, 2002. 2a reimpressão.
SOUZA, Simone Cristina Mendonça de. Primeiras impressões: romances publicados pela
Impressão Régia do Rio de Janeiro (1808-1822). Tese apresentada ao Instituto de Estudos
da Linguagem, da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutor
em Teoria e História Literária. Orientadora: Profa. Dra. Márcia Azevedo de Abreu.
Campinas, 2007.
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coração. Assim, resolutos na irresolução, alguns versos deste Beijo na Boca amplificam
certas contradições constitutivas, coaguladas no binômio amor/dor. Escavando, no limite, a
ferida aberta entre o mundo e a linguagem, o poeta põe em crise o próprio signo. Ademais,
pondera sobre o alcance da palavra poética e de sua capacidade de mediação entre dois
universos: o real e o fictício. Ao desestabilizar a ancoragem segura dos conceitos, esse
sujeito dissemina dúvidas e incertezas em uma lírica que já nasce desconfiada. O signo em
crise vacila, em Beijo na Boca, entre a ambivalência semântica – poeticamente produtiva –
e a paralisação problemática dos sentidos – desafiadora para a análise. Portanto, a
articulação desse movimento fundamental, que sustenta tal lírica conflituosa, repercute na
constituição do sujeito lírico. Às voltas com problemas de identidade, esse sujeito
constituir-se-á precariamente e procurará se afirmar, amorosamente, no embate com a
alteridade. No entanto, a imagem alheia revelar-se-á espelho baço: os olhos da amada,
vazados pela falta de reflexo, se convertem em instrumento poderoso para a reflexão. A
identidade lírica sofre, portanto, os abalos da ausência da imagem do outro, sentido como
falta que não ama. Desse modo, a ruptura da imagem especular é ratificada pela forma
fragmentária dos versos. Se estes versos desenganam, prevenindo de qualquer ilusão,
também ensinam a desconfiar das palavras, produzindo incertezas que, no limite, levam a
uma sensação angustiante que pode ser pensada através do conceito de Unheimlich. Alheia
a qualquer idealização, essa lírica (des)amorosa funciona ao revés: nela há um desconstruir
permanente da concepção platônica de amor, entendida como fusão de duas metades. O
sujeito lírico fragmentado – “parte que se reparte” – desconfia de qualquer possibilidade de
totalização. Sob o pretexto do mote amoroso, dispõe-se a testemunhar - como testis e
superstes (mártir, sobrevivente) – impossibilidades interditas em poemas problemáticos.
Nesse sentido, Beijo na Boca é cheio de “segundas intenções”, aparentemente não-
formuladas. A impossibilidade fundante de “dar nome aos bois” gera “desencontros
marcados” que mobilizam questionamentos não só epistemológicos, mas também
hermenêuticos. Apoio: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
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enquanto vate, é que realiza essa epifania do ser, pela poesia. Quando Heidegger para a
reflexão ontológica que tem a linguagem como fundamento, é porque acredita que aí está a
“resposta” que permite a plena aletheia do ser. Na poesia, a linguagem passa a ser o próprio
ser e para encontrá-lo é preciso “habitar” nele. O poeta é o “pastor do ser” e como mantém
uma relação direta com ele, é guarda da verdade. O desvelar –aletheia- do ser ocorre dentro
do que Heidegger chama linguagem autêntica: a poesia, que é a casa do ser. A partir dessa
averiguação, o ser torna-se iluminador da existência, clareador da verdade.
O estudo de Solombra está estruturado em três capítulos principais. O primeiro em
que procuramos apresentar uma panorâmica da relação entre poesia e pensamento,
buscando mostrar o que há de pensamento em Cecília e o que há de investigação poética na
filosofia. O segundo e terceiro capítulos mesclam-se e referem-se ao título da obra, que
Cecília diz ser um arcaísmo que significa sombra, embora os estudiosos digam que a
origem do termo é controversa e pode representar um acoplamento entre sol e sombra. No
segundo capítulo, a leitura de Solombra será voltada ao caminho que leva da “sombra à
claridade”, em que salientaremos os temas mais relacionados ao existir, validados pela
conceituação heideggeriana do Dasein, da temporalidade e da morte. Buscaremos entender
os campos semânticos voltados mais à noite, ao escuro, à melancolia, evidenciando que
todas estas instâncias são consideradas como passos para a claridade e não um fim em si
mesmas, dissonando da crítica ceciliana quase geral que os amplia em detrimento da
esperança e transcendência. Trabalharemos com o dualismo de sombra, mostrando o fato de
que ela só existe por haver a luz, e que isso também é o que acontece em Solombra, onde o
Dasein (que podemos também chamar de sujeito lírico) busca a sua autenticidade e o seu
relacionamento, o mais próximo possível do ser. Alcançar a autenticidade e a relação com o
ser só é possível pela temporalidade e morte.
No terceiro capítulo a proposta é mostrar, na obra ceciliana, a claridade e o
desvelamento, ampliando o estudo sobre a poiesis, a aletheia e a possibilidade de
transcendência do ser. Este capítulo não deve ser entendido como oposição ao primeiro,
mas um acréscimo, salientando que, se no capítulo dois, como o próprio Heidegger sugere,
é o Dasein (eu-lírico) é que procura o ser, no último capítulo é o ser que se manifesta ao
Dasein, na figura do poeta, pela poesia.
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província de Minas Gerais no século XIX viveu anos de silêncio até um derradeiro ‘canto
do cisne’ artístico na década de 1890 (BROCA, 1991, p. 146).
Os procedimentos metodológicos deste trabalho abordam desde um viés descritivo
até um viés analítico. Em síntese procura-se: a) mapear a temática literária debatida e
publicada na imprensa do século XIX em Minas Gerais, principalmente, na imprensa
literária da capital Ouro Preto e de outras cidades; b) analisar a poética de Correia de
Almeida e seu papel dentro da configuração cultural da época – enfatizando os aspectos
condizentes ao diálogo estabelecido com as concepções estético-literárias de grupos
hegemônicos da literatura brasileira e da literatura lusitana. Por fim, pretende-se resgatar
os textos satíricos representativos para uma possível edição crítica.
Por ora, pode-se afirmar que essa vertente literária subjugada pela tradição
historiográfica pode ser lida hoje como uma poética fundamentalmente crítica que aponta
as contradições de um dos momentos ímpares da modernidade literária, a saber: a
possibilidade de coexistirem duas diferentes literaturas numa mesma língua escrita, o que
afastaria e desconstruiria a perspectiva de que a literatura, sobretudo, deveria servir como
um instrumento pedagógico de legitimação do Estado-nação.
Tal concepção contribuiu para equacionar as perspectivas historicistas e as visões
retórico-poéticas da literatura, uma vez que pretendeu estabelecer um vínculo com a
tradição clássica e objetivou desconstruir criticamente os protocolos e as diretrizes formais,
temáticas e conceituais dos vários discursos oitocentistas; majoritariamente, do discurso
literário, político e cultural.
Portanto, acredita-se que o esquecimento analítico relegado a esses textos são
devido a seu afastamento de qualquer totalitarismo de natureza estético-ideológica, –
antilusitanismo e aceitação acrítica do modelo francês – do que da ausência de uma
reflexão crítica mais apurada acerca dos pressupostos e dos modelos de composição da
matéria literária e dos problemas concernentes à representação textual.
Ressalte-se, ainda, que o embasamento inicial deste trabalho condiz com algumas
propostas de pesquisas atuais, quais sejam:
a) Quanto ao critério da modernidade da literatura brasileira e quanto à investigação
da vertente latinizante da poesia no Brasil: Abel Barros Baptista (2005) e Franchetti (2007).
b) Quanto ao mapeamento da influência da escolarização retórica na literatura
brasileira do século XIX: Acízelo (1999).
c) Quanto ao hiato analítico apontado por Antonio Candido no prefácio do livro
Arcádia: tradição e mudança. Nesse tópico merece destaque a assertiva que vai ao
encontro desta pesquisa: a necessidade de investigar a correlação entre a produção literária
brasileira à produção literária portuguesa. Em outras palavras, o investigador deve possuir
como pressuposto básico as ligações orgânicas entre as duas literaturas para, assim, obter
uma compreensão mais ampla de uma época literária, especialmente, do século XIX até o
início do século XX. Nas palavras de Antonio Candido: [...] “é possível imaginar uma
revisão da nossa historiografia literária segundo uma perspectiva de fusão, não de
separação, relativamente à portuguesa. Neste caso, veríamos, por exemplo, que é difícil
compreender direito a obra dos nossos poetas românticos sem recorrer à dos ultra-
românticos de lá; ou, quem sabe, avaliar devidamente o tom dos escritos polêmicos de
Oswald de Andrade sem pensar nos de Fialho de Almeida. Nesse sentido, alguns jovens
críticos já percebem que a fase inicial do Modernismo pode ter devido bastante a Cesário
Verde e até Antônio Nobre”. (CANDIDO, 1995, p. XV).
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A pesquisa de doutorado, que está agora em sua fase final, tem por objetivo
principal investigar a concepção do sentido trágico na obra dramática de Nelson Rodrigues.
Para tanto, foi preciso partir de conceitos filosóficos de trágico, vinculando-os a certa
estrutura de tragédia (clássica ou moderna) utilizada pelo dramaturgo, bem como à
recorrência ao senso comum atribuído à palavra “tragédia”. Aliás, a multiplicidade de
sentidos desta palavra na modernidade propicia inúmeros questionamentos a respeito da
produção dramática e teatral que lemos e vemos. Uma vez que não é mais possível definir
gêneros isoladamente após o marco tradicionalmente aceito do romantismo, temos de
pensar, sempre, na mistura. Assim, em se tratando do teatro brasileiro moderno, Nelson
Rodrigues torna-se um dos principais questionadores das marcas genéricas no texto
dramático ao caracterizar suas peças como “divina comédia” ou “farsa irresponsável”. Ou
seja, o dramaturgo “brinca” com gêneros dramáticos, invertendo funções e mesclando
elementos de um gênero em outro.
Essa “brincadeira” inspirou o questionamento principal desta tese: como o texto
dramático rodriguiano pressupõe a tragédia? Há realmente elementos trágicos, ou da
tragédia clássica, que poderiam auxiliar na sua construção dramática? Como se forma a
tragédia moderna no teatro de Nelson Rodrigues? As várias hipóteses foram surgindo aos
poucos, peça a peça. Com isso, aquele lugar-comum de que Nelson era obsessivo e repetia
inúmeras vezes uma “forma” não se sustenta: ao contrário, cada peça é um caso específico
de uso estrutural. Evidente que, tematicamente, o dramaturgo repete os mesmos motes:
sexo, traição, homossexualidade, pedofilia, casamento, família etc. No entanto, uma vez
ligados a formas diferenciadas, as peças não são repetitivas.
A hipótese principal, para a qual as análises convergem, é de que Nelson Rodrigues
funda seu texto trágico pela mescla com o gênero cômico. Não é simplesmente uma mistura
sem propósito. O uso de recursos tradicionais da comédia, aliado à tragicidade presente na
maioria das peças, provoca uma forte oposição interna e estrutural. No entanto, nesta
oposição, os elementos que se confrontam não se anulam, ao contrário, estabelecem um
jogo estético que permeia a obra e que se torna o grande eixo de desenvolvimento da ação
central. Trata-se de uma “ambivalência trágica”, de acordo com a interpretação
nietzschiana da tragédia, uma ambivalência estrutural que, por si só, é capaz de gerar um
conflito interno nas peças rodriguianas. No entanto, estabelecido esse ponto principal,
surgiram os problemas quando percebi que a estrutura não se repete, existindo um tipo de
ambivalência trágico-cômica para cada peça. Por isso, foi preciso selecionar alguns textos e
analisá-los para verificar quais são os principais recursos utilizados pelo autor.
O estudo genérico deste teatro se embasou na idéia central de que Nelson Rodrigues
possuía um projeto estético claro para sua dramaturgia: escrever tragédias. No entanto, este
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O projeto de pesquisa propõe um estudo comparativo das obras de Cyro dos Anjos
(1906 – 1994) e Lima Barreto (1881 – 1922) centrado no tema do funcionário público. Os
dois autores criaram personagens que trabalham na burocracia de Estado e relatam o
cotidiano desse mundo. A pesquisa pretende analisar as relações entre os personagens-
funcionários e deles com o mundo que os rodeia, paralelamente a um estudo do tipo ideal
burocrático weberiano, modelo perseguido já então pelo Estado brasileiro e caracterizado
pela impessoalidade, racionalidade e universalismo de procedimentos. Já no projeto,
entretanto, constata-se uma predominância de patrimonialismo e de relações de favor na
obtenção (e também no dia-a-dia) dos cargos públicos, tanto nos romances como no mundo
fora deles da época, hipótese que se queria averiguar durante a pesquisa. Além disso,
percebe-se também uma diferença significativa entre a forma de os personagens dos dois
autores lidarem com essa questão: enquanto Belmiro (de Cyro dos Anjos) é marcado pela
introspecção e pela ausência de reflexão a esse respeito, os personagens de Lima Barreto
comentam atitudes de burocratas e se posicionam, opinam sobre elas.
Cerca de um ano e meio depois, a pesquisa está sendo preparada para a qualificação,
com um primeiro capítulo já escrito sobre Cyro dos Anjos. Para o Seta 2009, são dois os
pontos principais que se deseja discutir, já conclusões parciais da pesquisa: primeiro, que
Silviano, o amigo de Belmiro com tendências fascistas, constitui uma espécie de consciência
do protagonista desse romance de Cyro dos Anjos, e está sempre a revelá-lo para si mesmo e
para o leitor. Essa afirmação, que decorre da leitura de autores como Roberto Schwarz, João
Luiz Lafetá e Luís Bueno de Camargo, implica alinhar Belmiro ao pensamento conservador
da época; o lirismo do personagem, entretanto, não permite que essa ideologia seja ostensiva,
e seus pensamentos se voltam sempre para sua interioridade, seus problemas privados, sua
busca de plenitude aliada à incapacidade de ação. São raros os momentos em que ele fala
sobre seu próprio tempo, mas, quando o faz, é sempre com um tom cordial, que se opõe aos
conflitos que vão pelo mundo e muitas vezes se recusa a enxergá-los. É nesse sentido que
Silviano muitas vezes formula explicitamente pensamentos que são também de Belmiro: essa
tendência surge já no primeiro capítulo do romance, que, segundo Lafetá, é crucial e revela
muito do andamento da narrativa que se seguirá, além de características do próprio Belmiro.
Entre outros temas, é Silviano quem fala claramente da busca pela plenitude e da opção por
não agir, renunciando à vida no que ela tem de excitante já que não é possível obter essa
plenitude; é Silviano também quem afirma, sendo depois citado por Belmiro, que revoluções
e guerras constituem reajustamentos, operações da economia da espécie, que servem para
destruir o excesso de indivíduos que perturba o equilíbrio social. Belmiro concorda com essa
idéia, mas ao mesmo tempo invoca uma “simpatia humana”, afirmando que os indivíduos se
sobrepõem à massa e que não podem ser encaixados em doutrinas, classes ou categorias, pois
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XV Seminário de Teses em Andamento – 2009
são mais do que isso. A realidade é que ele pouco se importa com o outro, a não ser que esse
outro seja um familiar, um amigo ou um conhecido. É a lógica do pessoal que domina nele e
graças a qual podemos declará-lo conservador; essa mesma lógica lhe dá vantagens e
privilégios no exercício e na obtenção de seu cargo de amanuense.
O segundo ponto que se deseja discutir no Seta é a afirmação de que o assunto do
funcionário público constitui uma chave para compreender tanto O Amanuense Belmiro
como a literatura de Lima Barreto – não por constituir temática principal ou mesmo
prioritária na obra dos dois autores, mas por ser um tema entre outros discutidos por eles que
nos ajuda a compreender a forma de eles fazerem literatura, um bem diferente do outro. No
caso de O Amanuense Belmiro, quando examinamos a relação de Belmiro com seu trabalho e
constatamos a distância entre ela e o tipo ideal burocrático weberiano, ao lado de uma
aproximação maior do tipo ideal patrimonial, marcado pelas relações pessoais, esclarecemos
também muito do caráter e da forma de agir de Belmiro nos outros aspectos de sua vida.
Além disso, perceber a lentidão com que se davam as transformações na administração do
Estado no sentido de se tornarem mais racionais, e o quanto de conciliação com o passado
houve na chamada “Revolução” de 30, ajuda a compreender a existência de um Belmiro
lírico: o mundo não é mais o mesmo, mas também não mudou o bastante para impedir sua
acomodação em um emprego público graças à indicação de conhecidos.
Na obra de Lima Barreto, por outro lado, de acordo com Nicolau Sevcenko,
percebem-se duas dimensões visíveis: uma que trata da temática do poder e de seu efeito de
separação, discriminação e distanciamento entre os homens, e outra que retrata a experiência
dolorosa dos humilhados e ofendidos por esse mesmo poder, realçando a dignidade e o
impulso fraternitário deles. Essas duas dimensões estão presentes na maioria dos temas
discutidos pelo autor, dos preconceitos contra negros e mulheres às reformas da cidade do
Rio e às revoltas populares, passando pela vida dos jornais e dos literatos e também pela dos
funcionários públicos. No caso deste último tema, percebe-se na obra de Lima por um lado
uma crítica da discriminação e dos privilégios que aconteciam no exercício e na obtenção dos
cargos públicos, indo contra preceitos de universalismo de procedimentos e meritocracia
claramente estabelecidos pelo governo, e por outro uma discussão da distância entre as
preocupações do governo e os problemas da sociedade da época para as classes mais baixas,
bem como os casos de burocratas indiferentes a problemas humanos ou preocupados com
questões pouco práticas. O tema do funcionário público, assim, além de ser exemplar dessas
duas dimensões na obra dele, é também expressão concreta do projeto literário de Lima
Barreto, para quem a literatura deveria ser militante, ou seja, tratar de questões da época,
além de ter como objetivo aproximar os homens, fazendo com que eles se entendessem e
comunicassem melhor e aumentando a solidariedade entre eles.
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XV Seminário de Teses em Andamento – 2009
Benjamin não pretende no seu trabalho recontar a história do século XIX, mas sim,
mostrá-la. Ele ainda esclarece que essa ex-posição (no sentido forte do termo Dar-
Stellung, que também significa representação teatral: montagem) não visa nem à
descoberta de eventuais verdades (‘Ich werde nichts Wertvolles entwenden’, ele
afirma), nem tampouco a atingir alguma formulação universalizante – o fim que
normalmente se espera de qualquer análise científica. Uma história que é exposta
via imagens permanece aberta, não resolvida, passível de infinitas atualizações.
Benjamin não pretendia mostrar os ‘grandes feitos’ do período enfocado, mas sim
os seus ‘trapos e lixos’. (SELIGMANN-SILVA, 2007, pp. 39-40)
É justamente essas infinitas atualizações que tornam tão rica a obra abordada. Uma
escrita documental pode se tornar ultrapassada diante de novas descobertas; algo que não
ocorre em uma obra que realiza uma reflexão sobre a situação apresentada, sobre si mesma
e sobre o homem, de modo que não há possibilidade de uma atualização que a substitua, já
que as atualizações estão previstas nas diversas leituras potencialmente presentes.
Em "Autor - Memória e ficção", consideramos que, devido a temática dessa
dissertação - em linhas gerais: o discurso autobiográfico em Memórias do Cárcere -, é
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XV Seminário de Teses em Andamento – 2009
essencial observarmos o papel da memória nas tramas dos romances ficcionais desse autor,
especialmente naqueles escritos em primeira pessoa - Caetés, São Bernardo e Angústia -,
pois neles podemos identificar um discurso do "eu" a ser confrontado com a escrita de si na
obra estudada nessa pesquisa. Infância será também evocada, atentando para seu caráter
híbrido, semelhante ao das Memórias.
É importante mencionar que a exclusão de Vidas Secas nessa análise não deve ser
entendida como a negação de que haja nela uma discussão sobre memória. Pelo contrário,
essa discussão se evidencia quando é enfocada a limitação que há, do ponto de vista da
linguagem, nos personagens vivendo a situação-limite da seca. O empobrecimento do uso
da linguagem causa a restrição da recordação e a ênfase no presente, o que intensifica o
processo de desumanização dos personagens.
Nos interessamos especialmente pelos romances narrados em primeira pessoa, pois
consideramos que a memória tem papel na definição de identidade de seus protagonistas. O
que não se aplica a Vidas Secas, obra cujos personagens não possuem consciência da
própria história, onde há, portanto, a narração do sujeito sem história, sem discurso e sem
memória.
Observamos que as diversas ocorrências do narrador-personagem no conjunto de sua
obra pode ser entendido como um princípio de sua compreensão da literatura. Ramos é
defensor de uma literatura que lide com uma verdade. Não a verdade factual,
evidentemente, mas alguma verdade sobre o ser humano e as suas inquietações.
No capítulo "Narrador - Escrita autobiográfica", notamos que Ramos, ao
desenvolver essa obra inacabada, prioriza a narrativa de uma experiência, ou seja, ele não
busca respostas nem justiça. Portanto, o "eu" que se apresenta é mais importante do que a
matéria apresentada e dele depende todo o desenrolar da memória, pois ele é o sujeito
pesquisado e aquele que elabora esse sujeito. Assim, tentaremos desvendar, através do
modo de narrar as experiências, o "eu" que fala nessa narrativa.
Do mesmo modo que Benjamin considera o narrador a chave para a leitura de um
romance (1980), procuramos perseguir a construção do narrador de Memórias do Cárcere,
pois percebemos que essa obra não sendo um romance - nos termos tradicionais - é, no
entanto, um texto escrito por um grande romancista, que não poderia deixar de utilizar em
sua escrita da memória as estratégias da ficção que ele domina.
É primordial perceber como esse narrador se projeta como herói; assume a voz do
respeitável autor e conta as experiências verídicas do escritor. Vozes não estanques, que
aparecem unidas na constituição de um "eu" bastante complexo.
Faremos, então, um percurso pela experiência narrada, sem perder de vista o foco no modo
de narrar a si mesmo enquanto presidiário, pois é esse o propósito central da obra,
conforme o próprio título "Memórias do Cárcere" sugere. Para isso, serão solicitados
teóricos que abordam a questão do tempo, como Henri Bergson e Santo Agostinho;
estudiosos da autobiografia, como Jean Starobinski e Philippe Lejeune; filósofos que
refletem sobre a memória, como Paul Ricoeur e Walter Benjamin; e pensadores da
literatura de testemunho, como Márcio Seligmann-Silva; para citar os já visitados.
Em "Herói - Narrativa de uma prisão", seguiremos como pauta alguns
importantes acontecimentos narrados para, a partir disso, propormos uma reflexão a
respeito da definição do "eu".
Dentre esses acontecimentos, podemos citar: o momento da prisão, as razões
apontadas para a causa de seu encarceramento, que gera uma reflexão sobre o seu próprio
passado; os deslocamentos de cadeias e as angustias geradas pelo desconhecido; episódios
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que provam a generosidade de pessoas até pouco tempo desconhecidas, que levam
Graciliano a se perguntar qual seria o seu procedimento em situação semelhante; a
proximidade da morte, devido a fragilidade de sua saúde, num ambiente sem perspectivas
de tratamento médico; entre outros.
Além de episódios, como os citados, esse capítulo abordará também a questão da
obra inacabada. Nas primeiras páginas de Memórias encontramos a seguinte citação:
“ Estou a descer para a cova, este novelo de casos em muitos pontos vai emaranhar-se, escrevo com
lentidão – e provàvelmente isto será publicação póstuma, como convém a um livro de memórias.”
(vol 1, p. 8).
Comentário intrigante, pois a publicação póstuma aconteceu e com a anterior
autorização do autor. Foi publicada, com um único capítulo faltante, que, segundo relato de
seu filho Ricardo Ramos, traria as “sensações de liberdade”.
Essa forma de publicação gerou muita polêmica, especialmente quanto ao
questionamento de sua originalidade, mas pouco se disse a respeito dos sentidos produzidos
pela situação - conscientemente ou não - no contexto exclusivo de um livro de memórias.
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essa última parte do trabalho comporá os apêndices da tese. Como princípio metodológico da
tradução, demonstraremos como as gravuras que acompanham o texto de Blake modificam
nossa compreensão do texto fonte e de que modo alteram a versão final desses livros.
Sobre os dois conceitos que perpassam nossa hipótese inicial, podemos afirmar que
intertextualmente, Blake propõe um diálogo com a poesia judaica e com a arte Greco-latina,
com os sistemas cristãos e com os conceitos filosóficos de seu tempo, além de convergirem
nele uma série de personagens, mitos e estórias literárias que formaram a consciência artística
da cultura ocidental. Por outro lado, quando visto sob a ótica da intermidialidade, encontra-se
no artista inglês um poeta pintor ou um pintor poeta e em seus livros iluminadas, uma obra
híbrida que é tanto livro ilustrado quanto pintura textual, uma mescla de gravação manual,
impressão mecânica e pintura tradicional. O desafio é convergir essas múltiplas relações inter-
textos e inter-mídias numa tradução também múltipla de sentidos. Como objetivo posterior,
almeja-se a publicação da tradução com a reprodução das lâminas originais, nos modelos de
edição americano e inglês.
Conhecer a obra de Blake, seja em forma impressa nas edições da Thames & Hudson
ou em formato digital ao acessar o Blake Archieve na internet, ainda é, passados duzentos anos
de sua produção, uma experiência de apreensão artística inusitada e enriquecedora.
Acreditamos que a pertinência de nosso trabalho esteja tanto em aprofundar os estudos de
Blake no Brasil quanto em ofertar ao público de nosso país o acesso à arte original de Blake,
como já está acontecendo em outros países, como Portugal, por exemplo, em que as traduções
de Blake feitas por Manuel Portela são acompanhadas das imagens originais do artista.
Para a nossa comunicação no XV Seminário de Teses em Andamento da Unicamp,
pretendemos apresentar um exemplo dessa relação entre texto e imagem e como tal leitura
modifica o exercício tradutório. Para tanto, usaremos as lâminas seis, oito e dez de America
uma profecia, livro que Blake compôs em 1794.
Referências Bibliográficas
ALVES, Andrea Lima. “Oposição é verdadeira amizade”: Imagem poética e pictórica no livro O
Matrimônio do Céu e do Inferno de William Blake. Dissertação de Mestrado, Instituto de Estudo da
Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, 2001.
___. A interação entre texto e ilustrações no Illuminated books de William Blake pelo prisma da obra
America, a Prophecy. Tese de Doutorado, Instituto de Estudo da Linguagem, Universidade Estadual de
Campinas, 2007.
BINDMAN, David. Blake as a painter. In: EAVES, Morris (ed) The Cambridge companion to William
Blake. Cambridge: Cambridge University Press, 2003.
BLAKE, William. The complete Illuminated Books. London: Thames & Hudson, 2000.
BLAKE, William. The poetry and prose of William Blake. David V. Erdman (editor) e Harold Bloom
(commentary). New York: Doubleday & Company, 1965.
DAMON, Foster. A Blake Dictionary. London: University Press of New England, 1988.
ERDMAN, David. (org.) The Illuminates Blake: William Blake’s Complete Illuminated Works with a
Plate-by-Plate Commentary. Nova Iorque: Dover Publications, 1991.
KRISTEVA, Julia. Introdução à semanálise. São Paulo: Perspectiva, 1974.
MAKDISI, Saree. The political aesthetic of Blake’s images. In: EAVES, Morris (ed) The Cambridge
companion to William Blake. Cambridge: Cambridge University Press, 2003.
SANTOS, Alcides Cardoso dos. Visões de William Blake. Campinas: Editora da Unicamp, 2009.
Referência Digital
The William Blake Archive (www.blakearchive.org)
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Azevedo reconhecia sua preferência por assuntos relacionados ao teatro. Segundo ele, essa
predileção acontecia porque o Rio de Janeiro atravessava um período de efervescência
teatral. Partindo da idéia de que o teatro é o espelho da civilização, criticá-lo, analisá-lo e
animá-lo, seria a obrigação de todos aqueles que desejassem vê-lo erguido à devida altura,
assim pensava o autor de A Capital Federal. A referência à necessidade de ereção acontecia
em virtude da concepção que se tinha de que a arte nacional estaria esfacelada. O tal
esfacelamento seria em conseqüência do gosto da população pelos gêneros alegres – a
opereta, a mágica e a revista de ano – e também pelo excesso de traduções de textos do
repertório europeu. Esse repertório chegava aos palcos nacionais através das grandes
companhias portuguesas, italianas e francesas que aqui aportavam todos os anos, mas
também através das próprias empresas ‘indígenas’. Esse período que escolhemos para
estudo foi especialmente importante para os espectadores de teatro porque tiveram a
oportunidade de assistir as atrizes Eleonora Duse e Sarah Bernhardt representando pela
primeira vez em palcos brasileiros. Aquela, atriz italiana, visitou o Brasil duas vezes, em
1885 e 1907. Essa última, de origem francesa, aqui esteve em 1886, 1893 e 1906, como
lembra João Roberto Faria (2001). Além dessas duas estrelas, os fluminenses tiveram
ensejo de aplaudir a portuguesa Lucinda Simões, que vinha à capital do Império com mais
regularidade que outras atrizes de igual mérito. Levando-se em consideração a existência de
um repertório mais ou menos comum – Alexandre Dumas Filho, Victorien Sardou, Emilio
Augier, Otavio Feuillet, Georges Ohnet, Henri Meilhac, Ludovic Halevy – às empresas
que nos visitavam, os espectadores tinham a chance de apreciar vários modos de
interpretação de uma mesma peça, por diferentes artistas. Há que se considerar também que
essas várias performances de um mesmo personagem serviam como modelo de
interpretação para os atores de um país que, como se sabe, não tinha sequer uma escola
dramática. É sobre a dinâmica teatral envolvendo as empresas do Velho Mundo que
falaremos na comunicação, cuja proposta ora apresentamos.
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arbitrariedade do desejo alheio, ou seja, dos que representam o latifúndio, dos que
representam o poder estatal.
O que é interessante em Portinari é que, com o tempo, ele vive a aventura de
dissolver a paisagem e/ ou o homem nela exposto, nunca o fazendo completamente. Quer
dizer, há instantes em que o ambiente se dissolve e parece aplacar também as figuras
humanas. Estas persistem, porém. Para termos uma ideia mais precisa do apego deste pintor
paulista à figura: analisando bem algumas suas telas abstratas, podemos perceber um ou
outro traço delatando a presença, ainda que mínima, de um figurativo. O que a bem dizer
lembra Graciliano Ramos, que, buscando um antípoda à caracterização do homem (a
animalização ou a coisificação), consegue na verdade indicar mais precisamente o ser
humano, uma vez que expõe os percalços de essência social que rodeiam a figura
animalizada ou coisificada.
Em Cândido Portinari, pois, há muitas ocasiões nas quais a ação pictórica e plástica
estabelece um exercício entre o figurativo e o abstrato. Tal embate já presente na série de
inspiração picassiana, diríamos que reconhece também outras configurações, que fazem
desse traço de pintura mais do que desejo de não se apropriar inteiramente duma influência
alheia. Tanto é assim que na Série Bíblica, esse detalhe, embora evidente, é passível de
desapercebimento, dada a confusão de linhas, a compenetração cubista das formas e a
expressividade dos tons. Um conjunto que, pela força deformadora do todo, tende a chamar
a ver o cuidado pelos horrores propositais. Na fase cristalina, a limpidez da tela dá a
entender, obviamente, a malha cubista que se insinua, porém ela mesma não é suficiente
para ofuscar a contradição mais nítida entre o figurativo do primeiro plano e a abstração
geometrizante do fundo disperso. Essa característica é perceptível ainda nas telas onde não
há somente placas geométricas, mas também, em paralelo ao “expressionismo” anterior,
uma distorção de formas que garante, pela segurança na dispersão dos corpos pelo espaço, a
evidência de que aí o não-figurativo também se faz presente.
O otimismo aparentemente nítido em virtude do clareamento dos tons (presente na última
fase de Portinari), ao mesmo tempo em que desafoga um pouco dos nós no que se refere à
tenebrosidade anterior, garante uma preocupação temática que direta ou indiretamente
aparecerá por escolha própria. Em muitas dessas telas de derradeira fase, o conjunto às
vezes resulta em trabalhos que parecem não ser tão bem satisfatórios esteticamente se
temos por vista os resultados anteriores. Não obstante, não negamos o caso de essas telas
representarem, ainda assim, um esforço de preservação do humano, que é o esforço mesmo
de preservação do figurativo. O ambiente se dissolve ou se demuda, segue rumo ao
desaparecimento, porém o homem está lá; se não inteiro, preservado. Algo semelhante às
animalizações e coisificações em Graciliano. É bem verdade que diversos na aparência,
mas iguais em sua base. Dessa forma, desenha-se no espaço da obra de ambos um mundo
opacado e de ofuscamento, caracterizado pela ausência de contornos políticos. O que se dá
a ver na impotência mesma das figuras portinarianas diante de sua diluição no espaço
(muito embora elas se preservem) e na impotência mesma da família de Fabiano, de quem
sequer os pensamentos se firmam com precisão, dado o travamento não-raro constante.
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O presente texto é parte integrante de um estudo que se realiza no romance A ostra e o vento
de Moacir C. Lopes. O objetivo geral do trabalho é analisar esse romance tomando por fio
condutor a metáfora do mar procurando, desse modo, descrever o tratamento da temática
marítima na obra. Neste estágio da pesquisa, busca-se realizar uma comparação entre o romance
A ostra e o vento e o filme homônimo dirigido pelo cineasta Walter Lima Jr na tentativa de
melhor compreender a principal diferença entre as duas obras que é a mudança promovida pelo
cineasta no ponto de vista adotado pelo autor do romance. Indiretamente este estudo também
serve para se entender até que ponto o filme serviu para livrar a narrativa de Lopes do
esquecimento.
Não está, esta etapa da pesquisa relacionada diretamente à problemática da metáfora do mar,
contudo serve ele a um melhor entendimento do curso dessa narrativa de Lopes dentro da
historiografia literária brasileira e também permite uma compreensão melhor da estrutura do
romance A ostra e o vento, sobretudo da categoria narrador/ponto de vista. Para a realização de tal
estudo serão utilizadas, principalmente, as seguintes obras: Criação e técnica no romance de
Moacir C. Lopes de Michael Fody III, A retórica da ficção de Wayne C. Booth, Discurso da
narrativa de Gérard Genette, Introdução à Literatura Fantástica de Tzvetan Todorv e outras
obras que servirão também à análise do ponto de vista no romance A ostra e o vento e no filme de
Walter Lima Jr.
Lopes escreveu vários romances, no entanto, mesmo tendo sido considerado por alguns como
bom romancista, apenas uma única narrativa conseguiu de fato certo êxito editorial, trata-se de A
ostra e o vento (1964). Essa obra foi a mais importante, sem dúvida, da carreira literária de
Moacir, uma vez que é a narrativa mais conhecida dentre todas as que, até esse momento, ele
escreveu.
Todavia, é importante esclarecer que apesar de A ostra ter se tornado um romance de certa
forma conhecido tal não se deve à crítica literária aplicada à narrativa, pois poucos críticos se
debruçaram sobre a obra de Moacir. Dentre estes, podem-se destacar os brasileiros Fernando Py e
M. Proença que chegaram a escrever sobre o autor, ainda que pouco. E merece destaque também
alguns norte-americanos, como por exemplo Michael Fody, que tomaram conhecimento dos
romances de Lopes na década de 70 e passaram a estudá-los em suas universidades, sobretudo o
romance A ostra considerado o mais bem construído.
Após essas pesquisas norte-americanas da obra de Moacir Lopes, centradas, sobretudo, em A
ostra e o vento, o autor cearense, apesar de continuar escrevendo e produzindo, não mais foi
estudado de forma profunda e inclusive o romance A ostra acabou esquecido pela crítica. Porém,
em 1998, o cineasta Walter Lima Jr. adaptou essa narrativa para o cinema obtendo grande
sucesso de bilheteria e recebendo vários prêmios.
Junto com o êxito do filme houve, evidentemente, uma divulgação, ainda que indireta, do
nome de Moacir C. Lopes e mesmo de suas outras obras. Ainda é cedo talvez para apontar o real
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alcance dessa divulgação e qual seu impacto no estudo crítico acerca de Lopes e de sua produção
literária. Mas certamente o filme contribuiu e contribuirá para tais análises, apesar de não ter
sequer motivado a produção de uma nova edição de A ostra.
Contudo, o objetivo maior do presente estudo não é sondar esse impulso que o longa-
metragem de W. Lima deu às pesquisas acerca das narrativas de Lopes. O que mais se pretende
aqui é fazer certa comparação entre o longa-metragem e a narrativa e verificar na leitura feita de
A ostra e o vento pelo cineasta certo equívoco na associação da história de Marcela, a
protagonista, com a loucura. Mais precisamente, busca-se aqui mostrar como a maneira
encontrada por Walter Lima Jr. de contar a história está fundamentada em uma interpretação
peculiar da categoria narrador/ponto de vista, a mais complexa, sem dúvida, do romance.
O que faz o cineasta é excluir um dos narradores da história. Em A ostra há dois narradores
sendo que um, o principal, é onisciente e dono do relato, ou seja, organizador daquilo que é
contado. O outro, de nome Saulo, é um ser fantástico, personagem da história e muito próximo da
protagonista. O que é possível entender por meio da leitura do romance é que Saulo sobreviveu
aos acontecimentos que levaram Marcela à morte e depois contou parte dessa história que,
posteriormente, foi aproveitada por outro narrador.
Na leitura de Walter Lima, Saulo é apenas uma criação mental de Marcela que, abalada pelo
isolamento na ilha, acabou criando certo ser imaginário para se relacionar. Porém, no discurso do
romance não é isso que se tem. Lá Saulo tem voz e poder de narrar. Mesclando sua voz com a do
narrador onisciente. Ele é um eu independente que vive dentro e fora do corpo da protagonista. A
força fantástica dessa narrativa, portanto, vem desse narrador fantástico que, no filme, é apenas
fruto de uma patologia psicológica.
Não se trata, contudo, de estudo que desmereça o filme ou que o coloque abaixo da narrativa.
A obra de Lopes é muito aberta no que diz respeito ao seu desenlace e pode mesmo permitir
várias leituras. E o próprio cineasta admite ter se afastado um pouco da obra de Lopes para criar
outra, processo, aliás, natural quando se adapta qualquer narrativa ao cinema, pois todo filme
originado a partir de uma obra literária acaba sempre revelando, em maior ou menor intensidade,
a leitura feita pelo cineasta.
Contudo, pautando-se pelo discurso da narrativa não é possível excluir todo o maravilhoso de
A ostra e o vento e simplesmente aceitar a loucura de Marcela. O filme narra de modo diferente
sua história, sendo que esta diferença centra-se, sobretudo, na questão do narrador/ponto de vista.
O longa explica de modo racional os acontecimentos da Ilha dos afogados enquanto que no
romance a história termina no maravilhoso ou mesmo permanece no fantástico.
O porquê de Walter Lima ter assim entendido a história é algo que não compete a esta
pesquisa. Mas é interessante notar que essa maneira de se ler A ostra concede ao filme certa
originalidade e demonstra que este longa-metragem não se prendeu ao objetivo, talvez impossível,
de se adaptar a narrativa literária tal como ela é. Todavia, Walter Lima Jr, é importante ressaltar,
direcionou sua narrativa da história de Marcela para a loucura, fazendo adaptações para tal. A
maior delas é sem dúvida a exclusão do segundo narrador. O mesmo não aconteceu com os
estudiosos americanos que, ao contrário do cineasta, excluiu em suas interpretações de A ostra o
narrador onisciente e deixou apenas Saulo tornando a história extremamente confusa.
O que se quer dizer com isso é que o filme A ostra e o vento pode ser diferente do romance ao
equiparar Saulo apenas como uma projeção de Marcela, mas ele é uma leitura coesa e bem
estruturada do romance de Lopes. Tem-se, portanto, duas obras denominadas A ostra e o vento
ambas contando a história de Marcela em sua Ilha dos Afogados, mas cada uma com seu ponto
de vista.
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será necessário um esforço para tentar recuperar as diferenças de tom entre as passagens
líricas e cômicas que dividem o texto, não somente na voz do narrador, mas nos poemas,
slogans e músicas relacionados ao capribúfalo, além da dinâmica apresentada pela narrativa
ramificada.
Para atingir tais metas é por vezes necessário exceder os limites da língua na
tentativa de melhor captar o que o texto original propõe. Nesse sentido, Paulo Bezerra, no
ensaio “Nos labirintos da tradução”, fala sobre a importância de, em alguns casos, não
seguir rigorosamente as regras da língua portuguesa, na tentativa de resgatar o estado
psicológico do narrador (2005, 44). Com base nesses critérios, na tradução de A
constelação do capribúfalo não serão feitos “polimentos” em relação à linguagem e à
estrutura do texto.
No âmbito teórico, esta pesquisa se alicerça na leitura de trabalhos sobre a teoria da
sátira, do cômico, da paródia, do grotesco e do fantástico visando uma melhor compreensão
e definição desses conceitos e o quanto eles são aplicáveis ou não ao escritor e, nesse
sentido, quais as inovações existentes em A constelação do capribúfalo. Os principais
teóricos utilizados serão Vladímir Propp, com Comicidade e riso (1992); Leonid Erchov,
Satira i sovremennost’ [A sátira e a contemporaneidade](1978); Wolfgang Kayser, O
grotesco (1986); Tsvetan Todorov com Introdução à literatura fantástica (1992); e Mikhail
Bakhtin com trabalhos relacionados ao cômico popular e a carnavalização como, por
exemplo A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François
Rabelais (1987) e Problemas da poética de Dostoievski (2008). Como bibliografia mais
atualizada, o livro de Linda Hutcheon Uma teoria da paródia (1985). Além disso, também
serão utilizados pesquisadores e teóricos brasileiros que estudam esses temas e que se
voltaram diretamente para a literatura russa: é o caso de Paulo Bezerra com a tese de Livre-
Docência Dostoiévski: “Bobók”; Arlete Cavaliere com os trabalhos relacionados a Gógol e
mais recentemente com a também tese de Livre-Docência Teatro russo: percurso para um
estudo da paródia e do grotesco; e a produção de Homero F. de Andrade a respeito da
sátira de Mikhail Bulgákov.
E, finalmente, materiais específicos sobre A constelação do capribúfalo e o autor
de um modo geral. Para tal serão utilizados como trabalhos-chave o livro da importante
pesquisadora russa Natalia Ivanova, Smiekh protiv strakha, ili, Fazil Iskander [O riso
contra o medo ou Fazil Iskander] (1990) que promove uma leitura do escritor como uma
sátira ao poder governamental fazendo relações diretas entre a obra e a política da época; o
livro de Erica Harber, The Myth of the Non-Russian – Iskander and Aitmatov’s Magical
Universe (2003) que prioriza elementos ignorados por Ivanova, como o fantástico, por
exemplo; e as teorias sobre a especificidade do discurso e da linguagem de Iskander feitas
pela professora e pesquisadora de literatura russa, emigrada da URSS para os EUA, Marina
Kanevskaya.
A constelação do capribúfalo é uma novela (de aproximadamente cem páginas) em
que o escritor narra a criação de um novo animal que estaria destinado a promover uma
revolução econômica no país. O livro começa com o narrador, um jovem repórter, contando
como foi demitido da redação de um pequeno jornal, no interior da Rússia. Toda a narrativa
transcorre num tom irônico, a personagem-narrador, tecendo entre um acontecimento e
outro, introduz o primeiro contato com a história do capribúfalo, encontrada numa pequena
notícia de jornal. O animal é criado a partir de experiências genéticas envolvendo o
cruzamento de uma cabra com um búfalo selvagem. Essa iniciativa financiada pelo governo
prometia enormes benefícios, pois o capribúfalo poderia proporcionar mais carne, mais
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leite e mais lã do que outros animais, além de possuir maior capacidade reprodutiva. Desse
modo, estariam resolvidos os problemas de escassez alimentar, introduzindo o país numa
nova realidade de prosperidade.
A recepção do híbrido é inusitada, não provoca revolta ou estranhamento, mas, ao
contrário, o animal é aclamado pelos órgãos governamentais, pela imprensa e, enfim, pela
população. A febre gerada pela utopia de um futuro bem-sucedido faz com que comecem a
surgir slogans, poemas em ditirambos, músicas e hinos em homenagem ao capribúfalo,
criando um verdadeiro culto ao animal.
Iskander utiliza-se da sátira para “destronar” o poder governamental, o riso adquire
um papel desafiador, põem em questão as ambições da ciência, o deslumbramento da
imprensa e dos artistas, além da credulidade da população. É um riso que pretende
questionar uma ordem estabelecida, um modo de dessacralizar certezas para se opor a elas e,
quem sabe, buscar uma nova verdade.
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A presente pesquisa teve início com o romance Dom Quixote como seu objeto,
especificamente um episódio do segundo livro em que o escudeiro Sancho Pança se torna
governador de uma ilha chamada Baratária. A hipótese era que esse episódio poderia ser
considerado uma utopia.
Para testar essa hipótese comecei a percorrer autores que tentavam definir ou
delimitar a utopia, especialmente enquanto gênero literário. O significado da palavra utopia
havia mudado radicalmente desde que fora cunhado por Morus. Eram vários os pontos de
inflexão, no entanto as críticas à utopia feitas por Marx e Engels no século XIX pareceram
determinantes para a mudança radical de sentido. Tornou-se imperioso, assim, passar a uma
leitura dos textos desses dois autores que criticassem a utopia. Assim, o trabalho se tornou
algo bastante diferente do início: passou a ser uma busca teórica de delimitação do
significado da utopia, mas sem abandonar o objeto de estudo, o episódio da ilha Baratária.
A palavra utopia hoje é sinônimo de impossível, de devaneio, algo com que nenhuma
mente séria perderia seu tempo. É usada para desqualificar o discurso de um oponente, como
se fosse o avesso do realizável. Diversos autores já se ocuparam de traçar a evolução do
termo e é inegável que o primeiro sentido percebido hoje é bem diferente da ilha “não-lugar”
descrita no pequeno livro do século XVI. A origem do desprezo que se passou a ter pela
utopia está na interpretação que os marxistas fizeram sobre as críticas de Marx e Engels. E
aqui chegamos num ponto crucial.
Para escrever sobre Marx e Engels é importante, antes de mais nada, fazer algumas
ressalvas. Primeiro há que se diferenciar os escritos de Marx, os escritos de Engels e seus
escritos conjuntos. É um erro comum considerar que os dois pensadores sempre sustentavam
exatamente as mesmas posições, ou que depois da morte de Marx, Engels não se diferencia
dele. Assim são três tipos de escritos: os de Marx, os de Engels e os de Marx e Engels. Não
é que as obras estejam totalmente dissociadas, isso seria um exagero e também um erro, mas
é preciso fazer essa distinção para evitar erros de interpretação, como tratar palavras de
Engels como se tivessem sido proferidas por Marx – esse é, talvez, o equívoco mais comum.
Outra ressalva necessária é a de distinguir os marxistas de Marx. Nem sempre o que os
marxistas dizem segue a trilha de Marx. Muitas vezes acontece inclusive o contrário,
chegando ao ponto de alguns marxistas sustentarem posições explicitamente condenadas pelo
próprio Marx. Neste trabalho as obras de Marx são chamadas marxianas. As de outros
autores que tratam de Marx e sua obra ou que dizem seguir sua teoria são marxistas.
Pois bem, lendo os escritos de ambos sobre a utopia e percebi que a unanimidade do
marxismo ortodoxo não encontrava fundamento no que Marx escrevera. Longe de desprezar
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as utopias e os utopistas, Marx os cobria de elogios. Ele foi educado pelo pensamento utópico,
o tomou como base e tentou ir além. Percebi também que havia uma diferença entre os textos
escritos por Marx, os escritos por Engels e os assinados por ambos. Engels menciona
constantemente a ciência e quer construir um pensamento social baseado nela, ou seja, está
perfeitamente afinado com o darwinismo social surgido no século XIX. Quando escrevem
juntos, a ciência também ocupa lugar proeminente, como no Manifesto Comunista. Porém,
quando Marx escreve sozinho, a ciência perde lugar para a história.
Marx se preocupa sobretudo com o movimento da história, com a observação dela
para estabelecer um método revolucionário. Suas teorias partem dessa observação, com a
consciência de que ele mesmo era parte da história. É verdade que ele e Engels têm muitas
coisas em comum, e que criticaram a utopia – essencialmente os utopistas de seu tempo, com
destaque para a tríade Saint-Simon, Fourier e Owen – por sua falta de método. Mas enquanto
Engels pensa que o problema está no fato de a utopia não ser científica, Marx critica a
ausência de movimento. É importante ressaltar que estão criticando a utopia como projeto
político. É depois da morte de Marx que Engels publica seu opúsculo Do socialismo utópico
ao socialismo científico, em que expõe suas posições e relega a utopia ao desprezo. O
marxismo ortodoxo parece ter absorvido acriticamente essa ideia como se fosse de Marx. O
problema é que essa posição está muito mais relacionada a disputas políticas dentro do
movimento socialista do que a uma análise detida dos textos e uma reflexão sobre o tema. De
qualquer forma uma breve leitura dos textos de Marx que criticam a utopia deixa claro que
ele está muito longe de desprezar o pensamento utópico e não ver nele nenhum valor. E, indo
além, se Marx se baseava nas utopias e o marxismo ortodoxo as despreza, então é possível
enxergar aqui uma associação: ao criticar as utopias e taxá-las de conservadoras, coisa que o
próprio Marx não fez, esse marxismo ortodoxo está sendo ele próprio conservador.
A partir disso pude voltar a discutir o significado da utopia com mais propriedade,
repassando textos que buscavam uma resposta teórica para a pergunta “o que é utopia?”. Já
que seu aspecto crítico com relação à sociedade de seu tempo é indiscutível, o eixo central da
discussão é ver a utopia apenas como gênero literário ou como projeto. É verossímil supor
que tenha elementos de ambos, mas as fronteiras exatas permanecem em questão. A utopia,
no entanto, não é uma panaceia para todos os problemas da humanidade, que fique claro.
Esse mesmo debate nos leva de volta ao Quixote, pois ali questões semelhantes são
feitas: o engenhoso fidalgo é só um louco que sai pelo mundo cometendo disparates ou há
algo de questionador em suas atitudes? Tanto em dom Quixote como nos primeiros escritores
de utopias se mostra com força a individualidade criadora do renascimento italiano,
remetendo diretamente à dignidade do homem de Pico Della Mirandola. A loucura tem papel
fundamental no Quixote e também na Utopia, o que nos leva a Erasmo, amigo de Morus e
grande influência na Espanha de Cervantes, como ensina Marcel Bataillon. Com isso
finalizamos nosso grande caldo de autores.
A questão que fica posta é a seguinte: quais são as possibilidades humanas? O que é
possível fazer como indivíduo e como sociedade? São questões essenciais, postas no
Renascimento e que continuam ecoando em nossa época. Somos conduzidos à história para
respondê-las, mas a literatura tem aí papel fundamental, e nesse encontro trilhamos nosso
caminho.
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Benasso (1961), Marinis (1999), Aníbal Ford (1984), a obra de René Girard (1961),
Mensonge romantique et verité romanesque. Alguns trabalhos que se propõem a analisar a
obra contiana buscam, muitas vezes, os acontecimentos históricos que foram “convertidos”
por Conti em matéria literária. Um exemplo claro é o conto “La causa”, analisado por
Marinis (1999) em sua tese de doutorado. A perspectiva do contista dá visibilidade a
personagens oriundas de setores sociais de menos prestígio e aos espaços periféricos onde
vivem. São apresentadas nas narrativas as estratégias de sobrevivência de personagens que,
ligadas ou não a uma forma de trabalho, precisam vencer uma violência com a qual
constantemente se deparam. Estas características, muito perceptíveis na obra de Conti, são as
mais frequentemente estudadas, o que faz com que os trabalhos desenvolvidos atenham-se
aos aspectos sociais que a obra alude. Não negando as análises que têm como fundamentação
teórica a história social, política, antropológica e filosófica, o objetivo do trabalho é investigar
como a constituição do narrador enquanto sujeito é realizada segundo os desejos que provêm
das personagens que lhes são mais caras. Tomamos como referencial, portanto, não os fatos
históricos e sociais com os quais evidentemente a obra de Conti dialoga, mas, sim, uma
perspectiva intimista. Nossa sustentação teórica provém da própria literatura, cujos contos
servem de subsídio para que averiguemos de que forma é construído este retrato humano em
meio aos desejos e vicissitudes que cercam as personagens. Propomos apresentar no
Seminário de Teses em Andamento o segundo eixo que analisamos, que é composto pelos
contos “Todos los veranos” e “A terceira margem do rio”. Nosso intuito é compreender de
que forma os narradores constituem-se como sujeitos, tendo o pai como modelo, ou seja, um
exemplo a ser seguido ou, pelo menos, entendido. Para tanto, os narradores precisam lidar
com um aspecto negativo que é vislumbrado pelas outras personagens dos contos: a loucura.
O pai de “Todos los veranos” realiza com frequência uma viagem sem rumo. Apesar disso,
tanto suas tentativas quanto suas palavras estão distantes, na visão do narrador-protagonista,
do descompromisso, da vadiagem, ou da loucura. No conto de Rosa, o constante bordejar
também ganha qualificativo de “desvario”, o que faz com que o filho vitupere com
veemência: “Sou doido? Não. Na nossa casa, a palavra doido não se falava, nunca mais se
falou, os anos todos, não se condenava ninguém de doido. Ninguém é doido. Ou, então,
todos” (ROSA, 2005, p.81). No primeiro eixo analisado, os narradores de “Las doce a
Bragado” e “As voltas do filho pródigo” também não veem algum grau de loucura ou alguma
patologia que determine os gestos de seus tios, gestos estes que, aos olhos das outras
personagens, são justificados por certo desvario ou ausência de uma percepção centrada da
realidade. Ao contrário, as viagens ou corridas sem rumo realizadas por Zózimo e Agustín,
respectivamente, despertam nos sobrinhos-narradores o fascínio. Eles não apenas querem ser
como seus tios: querem tocá-los, entendê-los intimamente e compartilhar seus segredos. Em
todos estes contos, os narradores subvertem a normalidade e a mesmice com que as
personagens-modelares são vistas e julgadas pelos outros. Observamos ainda que tanto em
“Todos los veranos”, no qual o pai escolhe caminhos que assinalam o afastamento do sujeito
para pontos indeterminados, destituídos, inclusive, de uma dimensão temporal, quanto em “A
terceira margem do rio”, a vida desenvolve-se em um ponto destituído de localização. No
conto de Rosa, A “suspensão da existência” abarca pai e filho: eles se despojam da vida no
interior da costa e passam a viver em outra dimensão de espaço. O filho começa a
acompanhar o pai de longe, na busca do indecifrável. Já em “Todos los veranos”, o filho ora
entende o pai perfeitamente, ora é surpreendido pelo seu silêncio e distância. Ele se depara,
ao final do conto, com a total suspensão da existência de seu pai que, fechado em si mesmo,
parece esperar todos os acontecimentos que fatalmente se concretizarão.
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Falar sobre as relações entre literatura, política e história, não significa a defesa
intransigente de uma forma redutiva de ver a literatura, mas, apenas a afirmação de que elas
acontecem, inevitavelmente. Não é necessário, portanto, a abordagem de eventos históricos
ou assunção explícita dessa ou daquela ideologia para que a obra se configure como um
espaço político. A produção escrita, e aqui nos referimos, evidentemente, ao trabalho de
produção literária, certamente exige competência, habilidade e, por que não dizer, aptidão;
entretanto, nenhum produto literário pode ser encarado como o mero fruto de uma
inspiração, ou, o resultado natural de um grande talento. Escrever requer intenção,
objetivos, projeto, planejamento, compromisso. É nessa gama de implicações que o texto
literário se configura como uma iniciativa fundamentalmente política, sob a égide dos
interesses daquele que a empreende. É, portanto, bastante enriquecedor para o diálogo
crítico com a obra literária, seja qual for a sua origem, o conhecimento das nuanças da
relação que a mesma estabelece com a política do seu tempo. Ler um texto literário implica
uma séria relação com o contexto histórico-político-social, sem o qual a sua realização não
seria possível.
Desse modo, é preciso ter sempre presente que qualquer análise apenas interna do
texto, sem as relações com as formações ideológicas, com as condições de produção
do discurso levará a cortar a relação deles com o processo histórico daquela
sociedade e com a sua apropriação por parte do sujeito. Assim fazendo, estaríamos
impedindo a possibilidade de inter-relacionar as várias formações
discursivas/formações ideológicas e, portanto, estaríamos impedindo uma reflexão
crítica sobre a práxis, ela própria – reflexão crítica – parte dessa práxis. Baccega
(1998, p. 48)
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fazer literário apresenta, assim, uma forte capacidade de intervenção política, sendo um
espaço onde o acontecimento histórico é refratado. “Mais do que o poder persuasório da
literatura sobre seus leitores, o que está em jogo na parceria sociedade/literatura é o poder
performativo da literatura”. Lajolo (1997, p. 80). O literato apresenta a sua visão dos fatos,
rediscute ou reafirma o que já foi dito e propõe ao interlocutor um novo encontro com a
história. “O discurso literário é, portanto, a realidade refratada ideologicamente e submetida
a uma conformação artística”. Baccega (1998, p. 44).
Afirmar que a obra literária emerge de um contexto específico é também considerar
a sua construção como um projeto peculiar, filiado à leitura e à posição que o autor assume
na conjuntura histórica em que está inserido. Concebemos, assim, o produtor literário como
um ser ideológico, que pode diferenciar-se no meio artístico-social não apenas por aspectos
formais, mas, também pela postura que assume e pelos compromissos que carrega.
Entretanto, esses compromissos estabelecidos pelo literato, que podem ser de classe,
gênero, etnia, ou tantos outros, devem ser precedidos e subsidiados por um compromisso
maior, o compromisso com a literatura. Quando falamos em compromisso social, em
ideologias, falamos da força política da literatura, que permeia a história e se faz
contaminar por ela; no entanto, para se configurar como tal, a literatura carece, além dessa
força política, de pressupostos estéticos, que vão diferenciá-la do discurso unicamente
histórico, psicanalítico, religioso, etc. Conforme Baccega (2003, p. 74) “fazer literatura,
diferentemente de fazer história, supõe uma consciência estética que permite ao artista se
colocar certos problemas sobre a realidade que ele vive ou que lhe é relatada e responder
artisticamente a estes problemas”. É a chamada literariedade do texto para a qual o atributo
estético apresenta-se como elemento indispensável. O compromisso com a literatura
consiste em fazer com que ela tenha razão de ser, dialogando com a vida, numa relação
para a qual a obra deve lançar-se de uma posição clara e bem definida, a de partícipe do
mundo das artes, onde a forma constitui-se em uma primeira exigência. “Se não se levar em
consideração essa consciência estética, o indivíduo/sujeito estará fazendo história e não
literatura” (BACCEGA, 2003, p. 73), fator que não deve ser relegado a segundo plano, uma
vez que “querer reduzi-la – a literatura – ao estudo de uma destas componentes, ou
qualquer outra, é erro que compromete a sua autonomia e tende, no limite, a destruí-la em
benefício de disciplinas afins” (CANDIDO, 1975, p. 33).
Elucidar as relações entre Literatura e História no romance Nocturno de Chile,
buscando, a partir daí, compreender o modo como Roberto Bolaño re-significa a imagem
política e pessoal do ditador Augusto Pinochet e os anos 1970/80 no Chile, refletindo,
assim, sobre a relevância da obra literária para a discussão de valores sócio-culturais, o que
apenas se torna possível no encontro entre obra e leitor.
Realização de ampla pesquisa bibliográfica, a fim de selecionar títulos relevantes
acerca de nosso objeto, definindo aqueles que serão utilizados, direta ou indiretamente, na
construção do trabalho.
Leitura minuciosa do material selecionado, com a realização de fichamentos e, num
segundo momento, produção de um resumo crítico para cada texto lido, intentando refletir e
desenvolver um conceito sobre o tema em questão, considerando, também, a contribuição
de cada um desses autores para o nosso trabalho.
O presente trabalho será estruturado em quatro partes: a primeira parte compreende
o fazer literário e o ofício do escritor, buscando fornecer uma idéia clara do modo como os
concebemos, o que, por sua vez, orientará nosso encontro com o texto de Roberto Bolaño.
A segunda etapa dará conta de uma reflexão acerca da História, desenvolvida a propósito
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de estabelecimento de um norte, uma vez que ao longo do trabalho estaremos não apenas
apontando para a disciplina, mas, mantendo uma relação muito próxima com a mesma.
Num terceiro momento, apoiados nos conceitos desenvolvidos anteriormente e nas
pesquisas realizadas, empreenderemos uma reflexão teórica sobre o enlace entre Literatura
e História, reflexão que subsidiará posteriormente nossa análise do trabalho de Bolaño.
A quarta parte do trabalho, que constitui-se em seu cerne, realizará um exercício
analítico da construção literária de Roberto Bolaño, buscando esclarecer o modo como o
autor empreende em Nocturno de Chile, a partir da utilização de cenários, período e
personagens históricos, uma atividade política de questionamento de uma época e de seus
protagonistas, sobretudo o gal. Augusto Pinochet.
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O trabalho aqui proposto é apenas uma parte da pesquisa, que está em andamento, e
propõe a discussão entre A Hora da Estrela (1998), de Clarice Lispector e seu filme
homônimo, de Suzana Amaral (1985). É fato que as relações entre cinema e literatura não
se reduzem apenas a aspectos estruturais, mas também a tópicos históricos e culturais.
Assim, é de suma importância a compreensão das condições de produção, neste caso,
ligadas à produção artística de cada autor: Clarice Lispector e Suzana Amaral. Assim, nesta
breve apresentação proponho a discussão de algumas características da obra clariciana. A
crítica trouxe à tona muitos aspectos intimistas de suas obras, contudo pretendo trabalhar
aspectos sociais, ainda que por vezes apareçam de forma sutil, presentes em alguns contos:
“A menor mulher do mundo”, conto de Laços de Família (1998); “Viagem a Petrópolis”,
texto presente em A Legião Estrangeira (1999 a); “A procura de uma dignidade” e “A
partida do trem”, ambos contidos no livro Onde Estivestes de Noite (1999 b). Assim, como
referencial teórico, proponho a leitura de duas obras de Berta Waldman: Entre passos e
rastros: presença judaica na literatura brasileira contemporânea (2003) e A paixão
segundo C. L. (1993). Além destes, será fundamental um artigo de Suzi Frankl Sperber
“ Jovem com ferrugem”(1983). De Neiva Pitta Kadota usaremos: A tessitura dissimulada:
o social em Clarice Lispector (1997). Também um livro crítico de Olga de Sá: Clarice
Lispector: A travessia do oposto (2004).
Escrever é sempre trabalhar com a linguagem. Escrever textos bons, com alcance de
público e benquisto por estudiosos, vai além do simples trabalho com as palavras: o autor
deve tocar em temas polêmicos sem necessariamente falar deles explicitamente. Exceto A
Hora da Estrela (1999), parece-me que as demais obras de Lispector nunca receberam
grande destaque como obras sociais, sendo que o romance de 1977 seria o único a abordar a
problemática social, através da personagem Macabéa. Sim, até certo ponto isto é fato, visto
que tal obra é uma crítica social explícita, latente, urgente. Mas há mais o que se falar sobre
a obra de Lispector, além de apenas enquadrá-la dentro da literatura intimista: é preciso
mostrar como ela transforma a linguagem em porta para a leitura das entrelinhas.
Há alguns desses textos em que a problemática social fica mais evidente que em
outros. Um deles, “A menor mulher do mundo”, conto de Laços de Família (1998),
exemplifica bem o social em Clarice Lispector. Seu enredo conta com dois personagens
centrais: o explorador francês Marcel Petre e sua “mais nova descoberta”, a menor mulher
do mundo “uma mulher de quarenta e cinco centímetros, madura, negra, calada.”
(LISPECTOR, 1998 , p. 68), que passou a ser chamada por ele de Pequena Flor. Tendo sua
foto publicada “ no suplemento colorido dos jornais de domingo, onde coube em tamanho
natural.” (LISPECTOR, 1998 , p.70) Pequena Flor passou a ser alvo de comentários, todos
eles carregados de um tom irônico e, por vezes, hipócrita e preconceituoso. É por
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intermédio de tais apontamentos que conseguimos notar a visão que se tem daquele que é
diferente: “(...) a gente brincava tanto com ela! A gente fazia ela o brinquedo da gente,
heim!” (LISPECTOR, 1998 , p. 71) .
Outras personagens e situações abarcam temas sociais, como em contos nos quais os
protagonistas são idosos. Para tanto escolhemos três textos: “Viagem a Petrópolis”, texto
presente em A Legião Estrangeira (1999 a), traz uma mulher idosa, pobre, que sem família
nem dinheiro, vive de favores “(...) achava sempre lugares para dormir, casa de um, casa
de outro.” (LISPECTOR, 1999 a, p. 57). Aqui, temos uma personagem, Mocinha
(Margarida) que “era pequena e realmente não precisava comer muito” (LISPECTOR,
1999 a , p. 57) sendo vista como um peso para a família de Botafogo, com a qual vivera nos
últimos tempos, é mandada para a casa da “cunhada alemã”, onde ela não é aceita.
Passeando pela estrada de Petrópolis, desfrutando de sensações diversas, Mocinha tem
como desfecho a morte “a velha encostou a cabeça no tronco da árvore e morreu.”
(LISPECTOR, 1999 a, p. 64). Neste conto dois pontos são evidentes: a problemática dos
idosos, representados por Mocinha, muito velha, sem trabalho, sem família, sem bens; e a
pobreza, como causa primária da necessidade para ela viver de favores, já que não tinha
outra maneira de sobreviver. Neste caso específico, da marginalização, ainda há o aspecto
da escassez financeira, que submete Margarida às caridades. Portanto, além de marginal e
pobre, a protagonista do conto é idosa, características reunidas em uma personagem
completamente desprezível aos olhos da sociedade.
Outros dois contos, “A procura de uma dignidade” e “A partida do trem”, ambos do
livro Onde Estivestes de Noite (1999 b), também discutem a problemática do idoso. Neles
temos pontos em comum: os “outros”, ou seja, os “não idosos”, não os notam ou
incomodam-se com a presença deles “Dona Maria Rita pensava: depois de velha
começara a desaparecer para os outros, só a viam de relance.” (LISPECTOR, 1999 b, p.
24). Além disso, suas personagens principais são mulheres, com família, mas que têm
consciência da posição e da condição que ocupam na sociedade. Em “A procura de uma
dignidade”, por exemplo, temos uma mulher de quase setenta anos, que, após ter ficado
perdida no “Estádio Maracanã” tem sua angústia relatada frente ao labirinto que parece ser
sua vida, através de reflexões do narrador acerca de sua situação enquanto mulher, velha,
apaixonada por Roberto Carlos “Nos homens velhos bem vira olhares lúbricos. Mas nas
velhas não. Fora de estação. E ela viva como se ainda fosse alguém, ela não era ninguém.
A Sra. Jorge B. Xavier era ninguém”. (LISPECTOR, 1999 b, p.17)
Nos quatro contos citados brevemente acima, percebemos uma construção
interessante quando pensamos na exclusão daquele que é diferente. Além de tal exclusão
estar carregada de um aspecto social, voltado para a não inclusão dessas pessoas no
mercado de trabalho e/ou na vida social, percebemos a visão que o outro, pressionando o
marginal, tem daquele que não se encaixa nos padrões do mercado e da “possível” vida
social. Nestes contos de Clarice há uma reflexão sobre como tais mulheres se sentem em
relação a essa sociedade que as pressiona de forma mascarada.
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Graciliano Ramos tem a imagem de um escritor “engajado” e social, por fazer parte
do grupo de romancistas regionalistas nordestinos da década de 30. Graciliano é “engajado”
e é social, mas é mais que isso. É um escritor reconhecido pela grande qualidade estética de
suas obras, e muito especialmente pela qualidade do seu texto. Seu estilo tem características
inovadoras demonstradas por inúmeros estudiosos e é o primeiro escritor brasileiro a
transformar o menos em mais, através de um estilo sintético, seco, depurado, com frases
curtas e sem enfeites, que levaram alguns críticos a associarem a “secura” do mesmo à
“secura” da paisagem nordestina e à “secura” de personagens como Paulo Honório ou
Fabiano. Entre os poetas, primeiro Murilo Mendes diz: “Funda o estilo à sua imagem:/ Na
tábua seca do livro/ Nenhuma voluta inútil./ Rejeita qualquer lirismo./ Tachando a flor de
feroz.”. E João Cabral complementa: “Falo somente com o que falo/ Com as mesmas vinte
palavras/ girando ao redor do sol/ que as limpa do que não é faca.”.
Fora esses atributos, e inserido no contexto deles, Graciliano é um escritor cujas
narrativas contêm uma dimensão psicológica ainda insuficientemente estudada, mas
reconhecida, de que se destaca especialmente o romance Angústia, narrativa de atmosfera
dostoievskiana, em que os acontecimentos se passam quase totalmente na mente do
personagem narrador, num clima noturno de pesadelo. A qualidade “psicológica” deste
romance, todavia, não é o único exemplo. Todas as narrativas de Graciliano podem ser
abordadas do ângulo psicológico. É inovador um personagem como Fabiano, ou Sinhá
Vitória, ou os meninos, personagens que em Jorge Amado, José Lins do Rego ou Raquel de
Queiroz teriam apenas uma dimensão social. Em Graciliano são psicologicamente ricos.
São como algumas empregadas domésticas de origem nordestina de Clarice, especialmente
Macabea. Há um parentesco entre Fabiano e Macabea. Fabiano e família estão próximos
demais da natureza, numa interação que os aproxima dos animais, mas nos quais Graciliano
vê a dimensão humana, transferindo-a ao animal, num movimento contrário ao dos
escritores naturalistas e dos escritores regionalistas nordestinos, que aproximam os
humanos dos animais. Essa qualidade, digamos, “psicológica”, da obra de Graciliano pode
ser observada em todas as suas narrativas, contos, romances e livros de memórias, como
Infância e Memórias do Cárcere.
Nossa intenção é analisar a noção de sujeito em uma perspectiva psicanalítica.
Analisar o aspecto específico da presença do “estranho” no outro, em algumas passagens
das Memórias, e que identificaria a presença do sujeito atravessado pelo inconsciente.
Memórias do Cárcere é um livro escrito por um ficcionista. Nele se percebem os
fatos “reais”, o “documento”, apresentado quase sempre na forma de uma narrativa que
assume um caráter “ficcional”. No seu primeiro livro de memórias, Infância, a ambiguidade
é tanta que o livro pode ser lido tanto como documento como pode ser lido como um livro
de ficção. Nas Memórias prevalece o caráter documental, mas o narrador é um sujeito
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atravessado pelo inconsciente. Todavia, este é um livro que se pretendia como uma
“denúncia” ou um “documento histórico”, de um momento histórico, em que milhares de
pessoas foram encarceradas como repressão ao levante comunista de novembro de 1935.
Muitos intelectuais que não tinham relação direta com os fatos foram presos sem mandado
judicial entre os quais Caio Prado Jr, Paulo Emílio Salles Gomes, Dionélio Machado,
Aparício Apporelly, Eneida, Eny da Silveira, punidos pelas “obras” intelectuais que
produziram, e não pela ação política efetiva.
Ter sido preso sem razão já cria uma situação literalmente kafkiana pela semelhança
com o romance O Processo, como apontou Antonio Candido no seu ensaio “Da ficção à
confissão”. Muitos críticos vêem este romance como prenúncio do que aconteceria na
Alemanha nazista, com a qual o governo de Getúlio flertou. Graciliano vive algumas
situações ao longo dos dez meses de encarceramento que contêm um clima de ficção, de
fantasia, de absurdo, próprios mais da literatura ficcional do que de um livro de memórias,
que pressupõe um pacto de narração da “verdade” com o leitor.
O trabalho propõe-se a abordar a descrição de três personagens, o capitão Lobo e os
ladrões Gaúcho e Cubano. Simultaneamente à percepção desses personagens pelo sujeito da
narração memorialística, faremos uma abordagem de como Graciliano fala do
homossexualismo na prisão, fenômeno visto de início de uma perspectiva de rejeição. A
rejeição do militar, dos ladrões e do homossexualismo, expressa de maneira enfática e
preconceituosa, evolui para uma aproximação curiosa, surpreendida, num processo de
narração detalhada das idas e vindas, das hesitações, das descobertas, em que o retrato dos
personagens passa do borrado sem nitidez para uma complexidade marcada por aporias.
O capitão Lobo aparece no início das memórias como um militar gentil, atencioso,
que contrasta com o dos outros militares com os quais o narrador se depara ao longo dos
relatos. O militar afirma que discorda totalmente das ideias de Graciliano, mas que as
respeita e tenta entabular um diálogo com o escritor, que resiste. Ao ser transferido do
quartel do Recife para o porão do Manaus, o militar lhe oferece dinheiro como empréstimo,
prevendo que Graciliano iria passar por dificuldades ao longo da prisão. O narrador
Graciliano não consegue conciliar esse comportamento solidário com a identificação do
militar com o regime repressor que o encarcerara ilegalmente.
No final das memórias, Graciliano fica indignado com a possibilidade de ser
transferido para a prisão da ilha Grande, onde ficavam os presos comuns. Achava indigna a
convivência dos presos políticos com os bandidos. Considerava um processo de degradação,
que recusava conscientemente, numa manifestação que continha medo e preconceito ao
mesmo tempo. As vicissitudes do quotidiano da Ilha Grande tornam-no amigo de dois
bandidos, Gaúcho e Cubano, que lhe relatam suas vidas e se mostram solidários com suas
dificuldades, agindo de tal maneira que se pode dizer que a vida de Graciliano foi salva por
eles. Essa recusa transformada em aceitação é um processo claro de passagem de uma
postura de estranhamento a uma postura de aproximação e familiarização que faz
Graciliano tornar-se amigo deles, após a libertação, segundo relato de seu filho, o também
escritor Ricardo Ramos. Amigo deles e do capitão Lobo.
Com relação aos homossexuais, Graciliano memorialista afirma seu “asco”, sua
recusa em aceitá-los, e passa por um longo processo de observação detalhada e de reflexão,
até começar a considerar a possibilidade de aceitá-los e entendê-los. Aqui, não se trata da
relação com um personagem “estranho”, mas de um comportamento “estranho”, que acaba
por se tornar familiar pela sua mera presença. O processo de reflexão leva-o do
estranhamento à familiaridade, pela análise e interpretação.
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O Graciliano Ramos das Memórias do Cárcere viaja por muitos territórios estranhos
além destes enumerados e meu trabalho de doutorado pretende estudar o caráter
atravessado desse sujeito que narra uma experiência concreta de uma perspectiva de
compreensão em que o sujeito se pretende sempre uno, coerente, consciente, íntegro e se
percebe sempre dividido, incoerente, esfacelado, atravessado pela dúvida e pelo
inconsciente.
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manifesto de Edgar Bayley em 1945 no caderno Invención, que prescrevia ser este último
movimento uma oposição à arte figurativa, houve um intercâmbio artístico.
Segundo Bella Jozef, o movimento invencionista não era de distanciamento do
surrealismo, mas de superação do “irracionalismo para alcançar nova revalorização da razão,
com uma poesia cerebral, libertando-se da retórica tradicional e mantendo a importância dos
elementos inventivos do poema”.
A dificuldade de situar esteticamente a produção de Pizarnik, talvez também se deva
a esse fluxo, pois a movimentação entre os grupos gerou enriquecimento de contato com as
vertentes poéticas de então: Alejandra, além de manter relações com o grupo de Poesía
Buenos Aires, como mostram seus diários, cartas, sua biografia, e sobretudo o lado exato,
cerebral de seus poemas mais breves, tem influências surrealistas quanto ao impacto de suas
imagens – também graças à oficina com Juan Battle Planas – e neo-românticas, cuja
melancolia seguiu ecoando depois dos anos 40.
Graças a essa multiplicidade de vertentes a que a poeta estava exposta e das quais
acabou apropriando-se em alguns elementos, os críticos têm certa hesitação em vinculá-la a
alguma escola literária ou grupo específico. Contudo, em inúmeras tentativas, esta obra tem
sido situada ora como poesia da geração 60 e neo-romântica, ora como surrealista (dado o
interesse de Alejandra Pizarnik pela arte surrealista) e, mais recentemente, como neobarroca.
Uma parte dos críticos também propõe a leitura biográfica dos textos pizarnikianos,
ou seja, articulam o universo poético do eu lírico diretamente ao universo real da vida da
poeta – o que tem contribuído para aumentar o interesse por sua vida (uma vez que em torno
dela criou–se um mito nas letras argentinas, pela sua condição de mulher, judia e filha de
imigrantes, a polêmica acerca da sua sexualidade e, sobretudo, o suicídio), em detrimento de
sua poesia em si.
No panorama mais recente, dos anos 50 em diante, encontramos, entre outras, as
obras de Juana Bignozzi e Susana Thénon, Diana Bellessi, María del Carmen Colombo,
Beatriz Guido, Maria Elena Walsh, Amélia Biaggioni, Elizabeth Azcona Cranwell e
Alejandra Pizarnik em reconhecidas antologias como Puentes Pontes, que destacam traços
distintos entre tais autoras. É válido reconhecer a singularidade pizanikiana neste contexto, e
saber que Alejandra se interessou pela poesia praticada por mulheres, sobretudo pela de Olza
Orozco e Elizabeth A. Cranwell, dentre as citadas, pois com ambas manteve amizade e
intensa troca de idéias.
Embora a poética pizarnikiana não tenha nenhum compromisso político com o
feminismo, Alejandra sentiu o impacto da recepção das idéias feministas em voga em meados
do século XX em sua vida cotidiana e as mesmas interferiram em seu comportamento, como
nos mostram alguns registros biográficos sobre sua forma de se vestir e sobre a adoção de
certos hábitos, então chocantes para a sociedade.
Em sua literatura, reconhecemos a representação de seu eu lírico através de figuras
femininas evocadas por pronomes pessoais femininos, substantivos comuns femininos, como
‘menina’, e pelos nomes próprios ‘Alejandra’ e ‘Alicia’.
Apesar disso e da ligação de Alejandra com as autoras que a precederam ou que lhe foram
contemporâneas, não podemos vincular essa escolha ao feminismo, no sentido do
engajamento político, visto que não notamos traços de embate social nos seus livros, uma vez
que o eu lírico pizarnikiano é solitário e configura-se sozinho em seu mundo particular.
Porém, podemos aproximar esta escolha a um âmbito mais filosófico de exaltação da
condição existencial e da finitude da vida, representada por uma figura feminina, e mesmo ao
caráter neo-romântico de isolamento do mundo, mas não à condição feminina em si mesma.
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Este trabalho que é parte da dissertação que escrevo sob orientação do Prof. Dr. Carlos
Berriel tem por objetivo final entender alguns aspectos da introdução da obra Anatomy of
Melancholy (1621) de Robert Burton (1577-1640), a saber, Democritus to the Reader, uma vez
que esta acompanha uma tradição estabelecida no período Tudor da Inglaterra de imitação do
período clássico. Para tanto, a metodologia utilizada é o diálogo entre os campos da literatura,
filosofia e história, com pesquisa de fontes primárias – como o próprio texto de Robert Burton
o é, e discussões com a crítica literária e filosofia já produzida referente aos temas estudados.
Democritus Junior, a máscara utilizada por Robert Burton para abrir seu tratado sobre a
melancolia, presta homenagem a Demócrito de Abdera – filósofo atomista que viveu entre os
séculos V e IV a.C, também conhecido como o filósofo do riso. A escolha de Democritus de
Abdera não é por acaso e nem novidade na escrita renascentista. Este mesmo filósofo fora
citado por Erasmo em seu Elogio da Loucura: “(...) Estas são tamanhas loucuras que um
Demócrito só não bastaria para delas zombar. (...) A vida inteira do herói não passa de um jogo
da Loucura.” (ERASMO, São Paulo: 1997). Segundo Puttenham, esta forma de alegoria na
escrita forma um construto lingüístico que na tentativa de obter uma multiplicidade de
sintagmas num mesmo texto abarcará elementos da metáfora, enigma, parêmia, ironia e
sarcasmo (PUTTENHAM, Cambridge: 1936). O riso de Democritus na obra de Burton
encontra a ambiguidade característica da ironia citada por Puttenham, já esta é enlaçada com
um lamento enrustido. O lamento de Burton reside exatamente no pesar por seus
contemporâneos não entenderem que de nada vale tantos tratados filosóficos para reformas
políticas sem se atentarem para o fato para sua condição miserável de homens amaldiçoados
pelo pecado original e que só encontrarão o total gozo e paz no reino celestial. Robert Burton
argumenta ser a melancolia inerente a quem tem o caráter da mortalidade – uma idéia associada
ao pesar cristão da queda do homem que doravante é separado de seu criador, sendo que o
único alento é reconhecer sua pequenez ante Deus para que não sofra a condenação – no caso
explanado por Burton com a figuração da loucura. Entretanto, esta melancolia seria um
disposição transitória, ou seja, enquanto se vive na Terra – o mundo do pecado, no qual não foi
ainda alcançado o Paraíso. É como se pudéssemos pensar a melancolia como um estado de
ânimo circunstancial, e embora ainda persistindo como uma ideia de enfermidade, pois liga-se
doravante à loucura, no Renascimento inglês ganha um conotação lírica. Il Penseroso (1645) de
John Milton (1608-1684), por exemplo, é uma celebração da melancolia e, ao mesmo tempo, o
retrato de um melancólico que é contemplativo e saturnino: Hail, divinest Melancholy!/... Thee
bright-haired Vesta long of yore/ To solitary Saturn bore. Em Hamlet, o personagem-título de
Shakespeare enreda-se como alguém que sofre de distúrbios mentais tais quais são
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conteúdos apenas existe em, com e por meio do outro.” (PFEIFFER, 1964, p. 32). Nessa
mesma esteira, os estudos de Candido (2006, p. 151) apontam que o “homem forma
imagens para dar vazão a necessidades profundas, e elas são carregadas de um valor
simbólico que escapa ao seu elaborador.”
Não obstante a importância do processo de formação das metáforas, é o seu
resultado que dá o valor poético. Nas palavras de Moisés (1997, p. 114), “a poesia é a
expressão do ‘eu’ por meio de metáforas”. O “que faz, portanto, que os vocábulos
organizados em texto sejam poéticos ou não? A resposta que vimos dando se resume numa
só palavra: a metáfora.” (MOISÉS, 1997, p. 116).
O caráter sintético e elíptico da poesia, que a torna ao mesmo tempo hermética e
fascinante, advêm também da metáfora, pois num “verso construído como enunciado direto
da idéia requer mais palavras para atingir o que pretende do que um verso construído por
metáforas – que podem em muito poucas palavras condensar uma alta carga expressiva.”
(CANDIDO, 2006, p. 154).
Segundo Moisés (1997), o fato característico de um poema ser um objeto estético
inenarrável sob outras formas se deve também à metáfora, pois “o sentido de uma metáfora
literária recusa qualquer tipo de paráfrase [...] a metáfora é o termo próprio que designa um
objeto novo concebido pela imaginação criadora.” (MOISÉS, 1997, p. 129).
Se a metáfora é característica básica da poesia, ela também pode ser o que separa o
joio do trigo dentre os poetas, pois, segundo Moisés (1997, p. 129), nos poetas maiores “a
metáfora cumpre uma função, é meio de um fim além de fim em si própria”.
Tendo-se feito uma mínima definição de metáfora e também demonstrado sua
importância na poesia, podemos dizer que a metáfora é a figura de linguagem básica para a
poesia, logo, é peça chave para a sua compreensão e, por extensão, para a compreensão da
poética de todo autor. Com Lobivar Matos não é diferente, destarte, faz-se necessário um
estudo sobre a metáfora em sua poesia.
A maneira como Lobivar manejou a metáfora em sua poesia pode, sobre a luz dos
teóricos do assunto, indicar-nos o processo pelo qual sua poesia se concebeu, seu valor
estético e perenidade. A poesia simples “realista” do poeta poderá ser revelada em suas
significações mais sutis, mostrando-se, deste modo, toda a potência da carga expressiva
contida em sua poética.
Bibliografia
ARISTÓTELES. Arte retórica e Arte poética. Tradução Antonio Pinto de Carvalho. São
Paulo: Difel, 1964.
CANDIDO, Antonio. O estudo analítico do poema. 5.ed. ão Paulo: Associação Editorial
Humanitas, 2006.
GRÁCIA-RODRIGUES, Kelcilene . De corixos e de veredas: A alegada similitude entre
as poéticas de Manoel de Barros e de Guimarães Rosa. 2006. 313 f. Doutorado
(Doutorado em Estudos Literários). Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho”, Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara.
GRÁCIA-RODRIGUES, Kelcilene; RAUER (Rauer Ribeiro Rodrigues). De Xaraés,
grande mar, eis o poeta Lobivar: do prefácio-profecia ao comício-poesia. In: I Seminário
internacional de Estudos Fronteiriços, 2008, Corumbá. (Apresentação de trabalho).
MATOS, Lobivar. Areôtorare. Rio de Janeiro: Pongetti, 1935.
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Os truques de Horacio Quiroga: uma releitura do texto “El manual del perfecto
cuentista”
Proponho uma releitura do texto “El manual del perfecto cuentista” (1925) de
Horacio Quiroga, tendo como referência o texto “Filosofia da Composição” de Edgar Allan
Poe. Para que isso seja possível, utilizo de base teórica o capítulo “Gênese dum poema”
contido no livro Para uma teoria da produção literária de Pierre Macherrey (1972).
Segundo Macherey, em sua analise do texto "Filosofia da Composição" de Edgar Allan Poe,
o que este autor faz é um conto, pois nele estão presentes elementos ficcionais que fazem
com que o texto “Filosofia da Composição” possa ser lido como uma ficção. Partindo dessa
idéia, pode-se dizer que os autores que se utilizam desse mecanismo em seus textos
possibilitam dois vieses de leitura: o viés ficcional – como o faz Macherey – como também
o viés normativo.
Normalmente, esses textos são lidos pela crítica somente pelo viés normativo,
elencando os textos de Edgar Allan Poe e de Horacio Quiroga sobre a produção do conto
como pertencentes à Teoria. No entanto, se fizermos o deslocamento de leitura dos textos
sobre o conto desses escritores do viés normativo para o viés ficcional podemos admitir a
possibilidade de que haja ambigüidade nos textos de ambos autores e, assim, fazer uma
releitura que abranja outras possibilidades de análise, a qual poderá explorar a riqueza da
produção destes em sua totalidade.
Tal deslocamento pode desfazer a idéia de que Horacio Quiroga seja um
“regionalista rígido”, como Angel Rama o classifica (cf. Rama, 1982). Esta ambigüidade é
extensível aos contos que a crítica considera fronteiriços, como Ponce de León e Lafforgue,
que ao recopilar os contos de Quiroga no livro Todos los cuentos (1996), criou uma seção
para os textos que a classificação é ambígua, denominando-a de “textos fronteiriços” e
afirmam que a criaram para “uma valorização literária e filosófica dos textos”. Os “textos
fronteiriços” pertenceriam, segundo eles, a um gênero híbrido, ou seja, os seus textos
apresentam características de conto e crônica e, desta forma, pode se dizer que esta
ambigüidade de classificação e a utilização do gênero híbrido já é uma característica de
Quiroga. Wilson Alves-Bezerra em seu livro Reverberações da fronteira em Horacio
Quiroga (2008) também relê Quiroga pela perspectiva da fronteira e, em seu trabalho, a
ambigüidade se apresenta como a marca fundamental de Quiroga.
Outro ponto que proponho de analise é o deslocamento semântico que Horacio
Quiroga fez das preposições de Edgar Allan Poe sobre a produção do conto, criando assim
suas receitas de como se tornar “um perfeito contista”. Horacio Quiroga se apropria dos
enunciados de Poe, toma características particulares da elaboração do poema-narrativo “O
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corvo”, e postula uma regra geral e básica para se elaborar contos. Essas características
presente no “Filosofia da Composição” são formuladas independentemente do tempo, do
lugar e de condição de produção. Já no “El manual Del perfecto cuentista”, Horacio
Quiroga coloca em cena as condições de produção, quando diz que os truques que postulou
facilitarão “na confecção caseira, rápida e sem falha dos melhores contos argentinos”.
Também Quiroga diz que a idéia de que existiam as regras, ao alcance de todos, para
escrever contos, não partiu só dele, mas de muitos contistas que o procuravam para contar
os seus dramas quando estavam escrevendo um texto.
O deslocamento que Quiroga faz em relação à proposta de Poe a destitui de um
âmbito lógico, científico (características atribuídas aos textos de Poe) para o âmbito popular,
já que, segundo Horacio Quiroga, todo escritor que sabe como irá começar e terminar o seu
conto terá êxito ao colocá-lo no papel. No entanto, ao colocar essa idéia no âmbito popular,
ela poderia ser rechaçada pelo seu público-leitor, mas o escritor uruguaio, sabiamente, dá
essa regra como uma autoridade no assunto, pois sempre foi contista e se coloca no papel
de mestre, o qual é o detentor do saber, e ensina, didaticamente, para o seu público-leitor
como escrever contos e ter êxito. Quiroga ao se apropriar das proposições de Poe para
elaborar as suas receitas não se coloca no mesmo papel que Poe. O narrador de Poe não
será um mestre como é narrador de Quiroga, mas um filósofo. A relação que Poe estabelece
com o seu leitor é hierárquica, distante. A relação entre Quiroga e seu leitor é dialógica,
pois o narrador irá manter um diálogo com o leitor e, assim, o trará para sua obra como
parte integrante dela.
Em resumo, pretendo traçar quais são as diferenças fundamentais dos escritos sobre
o conto de Edgar Allan Poe e de Horacio Quiroga. Verificar como Horacio Quiroga se
apropria e traz para sua realidade as proposições feitas por Poe. Como a estratégias de
elaboração dos textos “Filosofia da Composição” e “El manual del perfecto cuentista”
possuem elementos ficcionais, possibilitando uma análise além do âmbito normativo, o
ficcional e, assim, analisar como cada escritor elaborou o narrador de seus textos e qual é a
relação que desenvolve com o seu público-leitor.
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Ao travar contato com críticas literárias de meados do século XIX, percebemos que
a moral exercia um papel predominante – junto com a questão do nacionalismo e a atenção
aos manuais de retórica – na avaliação dos romances. As críticas lançadas nos periódicos
elogiavam as obras que “premiavam a virtude e condenavam o vício”, mote que serviu
também para justificar a existência desse gênero literário. Com a entrada em cena dos
romances naturalistas, os quais aparentemente tinham deixado em segundo plano as
preocupações com a moral, passaram a predominar, entre a crítica que se fortaleceu nesse
período e adentrou o século XX, aspectos formais e sociológicos de avaliação, ainda que a
moral não tenha sido deixada de lado completamente. Há, contudo, um período de transição
entre essas duas matrizes da crítica: esse momento, que se dá no último quarto do século
XIX, apresenta uma variação no uso do conceito de moral, tanto por parte da crítica quanto
nos próprios romances. É o uso da moral enquanto critério estético e conceito com um
sentido variável, a proposta investigativa deste projeto. Baseando-nos no quadro teórico da
História da Leitura, esperamos esclarecer os usos e os sentidos da moral nos romances
naturalistas, lançando mão, para tanto, de pesquisas que esclareçam o sentido atribuído à
moral tanto por críticos literários de finais do XIX, quanto por discursos de outro gênero
(filosóficos, sociológicos, medicinais etc), como se verá mais detalhadamente a seguir.
A priori, iremos nos deter em três romances: Livro de uma sogra, de Aluísio
Azevedo, A carne, de Júlio Ribeiro, e O missionário, de Inglês de Sousa. A seu modo, cada
uma dessas obras permite a constatação de que o conceito de moral é utilizado e
compreendido de um modo diverso do que predominou, grosso modo, em romances
tipicamente românticos, como Os dois amores, ou O moço loiro, de Joaquim Manuel de
Macedo. Não tendo sido meramente descartada, como poderia sugerir uma visão apressada
sobre o Naturalismo, a moral ainda é muito presente nesses romances. Não mais, contudo,
aquela ligada a conceitos religiosos ou intimamente associada às convenções sociais.
Percebe-se que a moral é compreendida como uma espécie de comportamento condizente
com a natureza humana, o que tornaria imoral os acordos artificiais da sociedade quando,
por exemplo, exigia a fidelidade conjugal, não obstante o desgaste de uma relação
matrimonial que já não mantém o fervor dos anos iniciais. Assim se expressa Palmira, no
romance de Aluísio Azevedo, quando pensa sobre as dificuldades que a filha enfrentará se
optar por um casamento convencional: “Ora, se tudo aquilo que for contra a natureza é
imoral e vicioso, o nosso casamento é, passada a crise do primeiro filho, nada menos do
que uma condenável imoralidade”. Perceba-se que imoral, aqui, é aquilo que, em nome das
aparências exigidas pela sociedade, reprime a natureza: “Se o casamento é imoral porque é
contra as leis da natureza, o celibato casto também o é pela mesma razão”. Casamento e
castidade tidos como imoral: estamos diante de uma concepção de moralidade que merece
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ser investigada, dado seu caráter polêmico em relação ao que vigia em muitos romances de
algumas décadas atrás.
O referencial teórico que propomos para abordar essa questão é aquele apontado por
Roger Chartier, quando mostra a necessidade de “inscrever as obras nos sistemas de
restrições que limitam, mas que também tornam possíveis sua produção e sua
compreensão” (À Beira da falésia: a história entre certezas e inquietude). Isso significa
“determinar os efeitos próprios aos diferentes modos de representação, de transmissão e de
recepção dos textos e, portanto, uma condição necessária para evitar todo anacronismo da
compreensão das obras”. A investigação a respeito da concepção de moral presente nos
romances naturalistas nesse final de século XIX no Brasil se daria em cotejo com campos
distintos do literário, tais como o filosófico, o estritamente moral, o médico. Gostaríamos
de ler os romances naturalistas inteirados das discussões e conceitos sobre a moral
presentes no momento de sua produção. Como disse Robert Darnton, “dessa forma, seria
possível comparar os leitores implícitos dos textos e os leitores efetivos do passado, e a
partir dessas comparações desenvolver uma história de uma teoria da reação do leitor” (O
beijo de Lamourette). Resguardaríamo-nos, assim, tanto de anacronismo, pois não
projetaríamos sobre os finais do XIX concepções atuais de moralidade, bem como de mera
hermenêutica. Fazemos referência aqui à distinção proposta por Jonathan Culler. Segundo
ele, a poética “considera os sentidos como aquilo que tem de ser explicado e tenta resolver
como eles são possíveis”, já a hermenêutica “começa com as formas e procura interpretá-
las, para nos dizer o que elas realmente significam”. As perguntas da poética, assim, são:
“O que faz com que esse trecho num romance pareça irônico? O que nos faz simpatizar
com esse personagem específico? Por que o final desse poema é ambíguo?” A
hermenêutica, por sua vez, “começa com os textos e indaga o que eles significam,
procurando descobrir interpretações novas e melhores”. Queremos investigar, acreditando
que assim fazemos jus ao sentido atribuído por Culler ao termo “poética”, os usos e
sentidos da moral na crítica e no romance naturalistas, à luz dos usos e sentidos da moral
em outros discursos presentes na sociedade.
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herança sombria que lhe foi legada por seus colonizadores. Macunaíma e os contos
fonsequianos representam diferentes registros literários dessa violência. Mário de Andrade
nos apresenta em sua obra, publicada em 1928, o herói sem nenhum caráter. Quase
cinqüenta anos depois, Rubem Fonseca nos apresenta, como protagonistas de seus contos, o
herói mau caráter.
A partir do estudo interdisciplinar que desenvolvi em minha dissertação, foi
possível constatar que a violência que caracteriza a obra de Rubem Fonseca também se
encontra em Macunaíma e que essa violência não é somente uma característica da
Modernidade ou da Pós-modernidade, mas está presente na sociedade brasileira desde o seu
nascimento, perpetuando-se entre nós como uma herança sombria que nos foi legada por
nossos colonizadores, fazendo parte de nosso inconsciente cultural.
Para ampliar a pesquisa sobre o inconsciente cultural brasileiro registrado através da
literatura, incluí, em meu projeto de tese, o estudo da Carta de Caminha, do romance
Iracema - de José de Alencar, e do livro Cidade de Deus, de Paulo Lins.
Através da Carta de Caminha, pesquiso as manifestações do inconsciente cultural do
“pai dominador” – o colonizador português.
Em Macunaíma, os episódios da eliminação de Jiguê - o irmão índio do “herói de
nossa gente”, e da eliminação de Maanape – o irmão negro, que se tornaram a “segunda
cabeça do urubu rei” remetem-nos ao romance Iracema, de José de Alencar.
Segundo Jung, assim como as pessoas, individualmente, as sociedades e as épocas
também têm suas tendências e atitudes características. E onde há tendência, afirma Jung, há
também a exclusão de um elemento em favor de outro, o que significa que muitos
elementos que poderiam participar da vida da coletividade são impedidos de fazê-lo por
serem incompatíveis com as atitudes gerais daquela sociedade e daquela época. Por serem
não-condizentes com a perspectiva consciente, esses elementos são reprimidos, “varridos”
para o “porão do inconsciente” daquela sociedade e se tornam suas sombras. Através das
artes, dentre as quais Jung destacou a literatura, é possível conhecer as sombras de uma
coletividade.
Para a Psicologia Analítica, a sombra é um arquétipo que representa os conteúdos
que uma pessoa ou uma sociedade rejeitam e reprimem e que, por essa razão, tornam-se
inconscientes. Ela é o lado não-reconhecido pela psique, mas não é menos real do aquele
que se manifesta. Os conteúdos reprimidos não deixam de existir e possuem grande
influência sobre os conteúdos conscientes, ou seja, sobre a vida da pessoa ou da
coletividade que os reprimiu.
Em Iracema, o índio também é eliminado. Em ambas as obras, a cultura indígena se
torna uma sombra da sociedade brasileira. No entanto, a figura do negro, que em
Macunaíma é representada por Maanape, em Iracema não é mencionada, sequer, para ser
eliminada. Essa questão pode nos proporcionar uma série de reflexões sobre o inconsciente
cultural brasileiro expresso pela literatura durante o período do Romantismo e as
transformações que ocorreram nesse inconsciente no intervalo de tempo que separa as obras
de José de Alencar e de Mário de Andrade.
Em Cidade de Deus, Paulo Lins narra as transformações sociais pelas quais passou
o conjunto habitacional Cidade de Deus: da “pequena” criminalidade dos anos 60 à
violência generalizada dos anos 90. Pretende demonstrar, através dessa obra, que as
sombras da sociedade brasileira, cujos registros literários são estudados através da Carta de
Caminha, de Iracema e de Macunaíma – irrompem através do relato desse livro, retomando
a violência original colonizadora com outras feições e matizes.
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Em cada obra estudada é dado destaque à trajetória que seu personagem central –
seu herói, ou heroína - percorre.
Para Jung, o inconsciente coletivo, como também o pessoal, é formado por
arquétipos: imagens latentes, que ganham conteúdo de acordo com as experiências de um
indivíduo ou de uma sociedade. Assim, o herói (ou o arquétipo do herói) de uma sociedade
terá as características por ela valorizadas.
A partir das contribuições da Psicologia Analítica, busco destacar a trajetória do
herói em cada obra, analisando a gradação da heroína valorosa, personificada em Iracema,
para o herói sem nenhum caráter, representado por Macunaíma, para o herói mau-caráter
delineado em Zé Pequeno.
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O trabalho a que nos propomos pesquisar nesta tese de mestrado é sobre o escritor
cuiabano Ricardo Guilherme Dicke. O objetivo deste é realizar, inicialmente, a
apresentação do mesmo mostrando o levantamento da fortuna crítica que aborde o autor e
suas obras. Também será realizado um estudo sobre a construção do fluxo de consciência
de suas personagens no decorrer da narrativa. A metodologia seguida será de coleta e
seleção da fortuna crítica, levantamento e análise de dados, leitura e fichamento de material
teórico-metodológico utilizado para elaboração da teses, análise do fluxo de consciência
das personagens do livro “Madona de Paramos”.
Dono de uma prosa cheia de personagens que resistem às turbulências de uma vida
rude e cheia de mazelas, Magalhães (2002, p. 54) afirma sobre que “[...] Os personagens
apresentados no romance são, na verdade, os sobreviventes do sonho, ou antes, um
pesadelo...”. Assim, as personagens dickeanas fazem parte de dois universos distintos
ocupando o mesmo espaço, mas se referem a um tempo em que presente/passado/futuro
fundem-se e se completam. Magalhães (2001, p. 208), afirma que as personagens criadas
por Dicke são “[...] sobreviventes do Sistema ou de si próprios, transitam entre o divino e o
selvagem, o real e o surreal, sufocados pelo peso da existência”. O “Sistema”, citado por
Hilda Magalhães, pode muito bem ser entendido como aquele imposto ao povo do sertão
pelo poder agrário, em que os latifundiários dominam os trabalhadores, subjugam as
mulheres aos seus desejos e coagem as crianças. No final, todos são oprimidos pela
violência.
Dicke foi e é considerado um dos maiores expoentes da literatura brasileira
produzida na atualidade. Sua vida e obra como escritor e artista plástico ainda são
desconhecidas pelo grande público. Recluso e contemplativo. É um escritor que deixou-nos
como legado uma produção instigante e peculiar. Em seus textos, fala de um outro povo
brasileiro, que vive no interior, afastado da turbulência dos grandes centros, mas que nem
por isso deixa de ter a beleza e a complexidade.Vivendo os conflitos e os dramas de uma
sociedade formada a partir da miscigenação de raças e da multiplicidade de culturas que se
fundem formando um só povo do sertão.
“Guimarães Rosa sabia quem era Ricardo Guilherme Dicke!” Esta afirmação,
publicada constantemente em notícias vinculadas sobre o escritor na internet, leva-nos a
refletir como somos adeptos a conhecer a cultura dos grandes centros e abandonar nossa
própria. Assim, lemos Graciliano Ramos com afinco; Machado de Assis faz-nos suspirar e
rir de suas histórias ambíguas e cheias de charme; Mário de Andrade possibilita-nos a
pensar em como somos frutos de uma mistura de raças que vai muito além da miscigenação
genética. Sabemos tanta coisa sobre os grandes escritores do eixo Rio - São Paulo e como
fica a literatura da nossa terra? Afinal, a região Centro-Oeste também faz parte do Brasil.
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XV Seminário de Teses em Andamento – 2009
José Mesquita, Lobivar Matos, Cavalcante Proença, Dom Aquino, João Nunes da Cunha e
Manoel de Barros, o mais famoso expoente da literatura sul-mato-grossense, são frutos
nascidos, crescidos e amadurecidos em nosso quintal literário. E, mesmo assim, a não ser
que sejam leituras obrigatórias de vestibular, como ocorre no caso de Manoel de Barros,
são poucos os que têm interesse em conhecer suas produções literárias.
Com Ricardo Guilherme Dicke não é diferente. Filho de João Henrique Dicke, de
nacionalidade alemã que fugira da Segunda Guerra para o Paraguai, com Carolina Ferreira
do Nascimento Dicke, Ricardo Dicke nasceu em uma vila chamada de Raizama, localizada
na Chapada dos Guimarães, no Estado de Mato Grosso, em 16 de outubro de 1936.
Em meados dos anos 70, viveu no Rio de Janeiro, ganhou prêmios literários, tornou-
se artista plástico, jornalista e, antes que os olhos atentos dos críticos e demais apreciadores
da literatura da época pudessem perceber, retirou-se do cenário literário carioca. Retornou
às raízes mato-grossenses, instalou-se em Cuiabá, tornou-se um porta-voz do povo do
sertão. Lá, foi professor, jornalista e pintor. Questionado sobre sua volta às origens, pelo
jornal eletrônico Diário Popular, em 12 de novembro de 2006, o escritor fez a seguinte
observação: “A época de Albert Camus e de Jean-Paul Sartre acabou. Creio que a filosofia
só serve mesmo é para filosofar... Lugar mais adequado para escrever, é o quartinho que
tenho nos fundos da minha casa”.
Depois de anos de obscuridade, em 2005, os romances: Rio abaixo dos vaqueiros
(2000) e O salário dos poetas (2001) obtiveram o reconhecimento junto ao público da
França e de Portugal. A obra O salário dos poetas foi adaptada e encenada pelo grupo
teatral, de resistência cultural e de linguagem experimental, O Bando, de Portugal,
comandado pelo diretor João Brites. Assim, Dicke retorna em grande estilo à mídia.
Homenagens, reportagens, prêmios, estas foram as notícias que tivemos de Dicke até seu
falecimento em 09 de julho de 2008, em Cuiabá/MT, devido a uma parada cardiovascular.
Infelizmente, não pôde ver sua obra ser reconhecida pela comunidade literária brasileira.
A linguagem utilizada nos livros de Dicke é densa, forte, quase agressiva. Impõe-se
ao leitor, fazendo com que não consiga se dispersar enquanto lê. Tomemos como exemplo
o fragmento de Toada do esquecido & Sinfonia Eqüestre: “[...] Os desertos cansam. E a
fadiga de viver nos desertos tem o valor das adorações sagradas a Deus, aos santos e aos
anjos e arcanjos.” (DICKE, 2006, p. 137)
Talvez seja pelos temas turbulentos que permeiam a obra de Ricardo Guilherme
Dicke, são poucos os que se aventuram a analisar seus livros. Percebemos, ao consultar o
banco de teses da CAPES, que a maioria das pesquisas acadêmicas que utiliza as produções
literárias de Dicke como objeto de estudo volta-se para os enfoques sociológicos presentes
nas narrativas do escritor, como, por exemplo, os trabalhos Gilvone Furtado de Miguel,
com O entre-lugar de oposições do sertão: um estudo do romance Madona de Páramos
(2001) e O imaginário mato-grossense nos romances de Ricardo Guilherme Dicke (2007),
Juliano Moreira Kersul de Carvalho, com Do sertão ao litoral: A trajetória do escritor
Ricardo Guilherme Dicke e a publicação do livro Deus de Caim na década de 60 (2005),
Wanda Cecília Correia de Mello, com De autores e autoria: um recorte acerca da
construção do campo literário em Mato Grosso (2006) e Everton Almeida Barbosa, com A
transculturação na narrativa de Ricardo Guilherme Dicke (2006).
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Simpatia pelo Diabo: um estudo sobre Satã em A Hora do Diabo, de Fernando Pessoa
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Diabo passou a inquietá-los com sua enigmática figura, inflamando-lhes o intelecto e, por
conseguinte, tornando-se o cerne de discussões travadas não somente em âmbito religioso,
mas também filosófico e artístico.
É notadamente nos domínios da literatura que se observa, desde sempre, uma
significativa recorrência do Príncipe das Trevas, seja ela fundamentada na tradição
teológica do cristianismo ou decorrente de uma perspectiva heterodoxa. Por essa razão,
partindo desse axioma, o projeto ora apresentado foi redigido com o intento de desenvolver
um trabalho de pesquisa pensado e desenvolvido a partir de uma proposta que se ocupa das
representações literárias da figura do Diabo em suas diversas manifestações, de modo a
compreendê-las como expressões decorrentes de determinadas conjunturas socioculturais
ou mesmo do próprio substrato intelectual e artístico que embasa a poética de um autor. Em
ambos os casos, o que se busca é compreender o Demônio enquanto um símbolo literário
que deixa atrás de si as fronteiras dos textos religiosos em que se originou para alçar vôo
rumo à infinitude das searas literárias.
Mas as artimanhas do Diabo se fazem em legião e, muito antes de desenvolver o
recorrente hábito de se apossar da pena de literatos como Fernando Pessoa, o Tentador se
fez insinuar, desde seu incerto nascimento, nas intricadas tramas que moldaram o tecido
social do mundo ocidental. Em verdade, a figura do Demônio, desde seu surgimento na
teologia judaico-cristã, atua, de modo enfático, em um contexto maior e muito mais
significativo no processo de desenvolvimento do modus cogitandi do Ocidente. De acordo
com os preceitos cristãos, o Diabo caracteriza-se como paradigma definitivo e origem
inconteste daquilo que se convencionou chamar de Mal na mundividência ocidental.
Todavia, Satã há muito transpôs os textos religiosos em que se originou, vindo a permear as
mais variadas manifestações culturais em épocas diversas e permitindo que se observassem,
nesse percurso histórico, determinados matizes que revelavam uma labilidade peculiar.
De modo explícito ou implícito, todas essas questões permeiam A Hora do Diabo.
Todavia, é sabido que o mistério não contempla a revelação plena e, da mesma forma, a
exegese da narrativa não traz respostas definitivas ao final de um sinuoso trajeto em que, no
plano ficcional, o pensamento esotérico e a literatura de Fernando Pessoa se coadunam sob
o signo do Diabo. Como em uma peça encenada na aurora do mundo, as ações de cada
personagem são entrevistas por uma neblina diáfana que se precipita sobre a luciférica
prosa do autor português. Porém, considerando a abrangência do misticismo e do
simbolismo pessoano, é possível imaginar que aquela neblina decerto se origina na mesma
estação das brumas que, em “Nevoeiro” – poema que sela a Mensagem –, precede e
anuncia o advento do Encoberto. Entretanto, a nebulosidade que paira neste conto que
Pessoa consagra a Satã prenuncia não um tempo de despertar, mas, antes, um tempo de
adentrar nos domínios do sonhar para lá vislumbrar, em um colóquio iniciático, a
fecundação do poeta-gênio.
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comentário sobre a obra, onde dizia-se que “a narrativa era cheia de interesse” para aqueles
que valorizam a vida do próximo. O Rezendense segue o artigo, tecendo mais elogios à atitude
da Gazeta de Notícias por apresentar sua contrariedade à pena capital através de seus artigos e
do desenvolvimento de um romance a partir do assunto.
Podemos verificar que o folhetim de José do Patrocínio foi visto como uma bandeira
contra a pena capital. Além disso, o assunto pena de morte foi muito discutido próximo à
publicação do folhetim.
Este foi um panorama geral de nosso estudo. Visto isto, temos como objetivo a
abordagem entre a imprensa e a literatura através do já citado romance, Motta Coqueiro ou A
Pena de Morte. Esta obra possui uma estreita relação com a imprensa, a partir do momento que
foi inspirada em fato verídico noticiado por vários periódicos. Após 22 anos da execução dos
supostos culpados, o crime tornou-se notícia novamente, pois muitos intelectuais defendiam em
1877, a abolição da pena de morte e usavam como exemplo Manoel da Motta Coqueiro que,
provavelmente, fora vítima de um erro judiciário. Este aspecto ficou mais evidente após a
publicação de um telegrama na Gazeta de Notícias, onde constava a confissão de um
moribundo que dizia ser o verdadeiro assassino da família de Francisco Benedito. Assim,
analisaremos os artigos publicados em alguns jornais da corte, entre os anos de 1852 a 1855 e
1877. Apresentaremos também alguns aspectos do processo-crime de Motta Coqueiro. A obra
de José do Patrocínio nos servirá como base, nela abordaremos a ocorrência do assassinato da
família e o patíbulo de Motta Coqueiro e as personagens que são peças fundamentais, pois
marcam o pensamento da sociedade daquele momento. As personagens foram criadas a partir
de nomes que constavam no processo-crime. Elas possuem características expostas a partir dos
ideais pré-abolicionistas, bem como as políticas racistas de embranquecimento social que
desembarcaram no Brasil com as teorias da evolução das espécies de Darwim e o determinismo
de Spencer.
A metodologia deste trabalho é a pesquisa em fonte primária, pois o fato que leva à
elaboração do romance de Patrocínio, vem da imprensa. O próprio romance teve sua primeira
edição em folhetim.
Os dados levantados na pesquisa, advêm dos periódicos: O Jornal do Comércio, Diário
do Rio de janeiro, A Gazeta de Notícias, Jornal da Tarde. A consulta foi feita em edições dos
anos de 1852 a 1855 e 1877. Alguns destes jornais transcreveram artigos sobre o crime ou
andamento jurídico, de periódicos locais, como do Aurora Macaense (1877, Cruzeiro (1852),
Gazeta Popular de Macaé (1877), Monitor Campista (1852), O Rezendense (1877). Os
primeiros jornais citados, foram consultados em forma de microfilmes, no acervo AEL-
Arquivo Edgar Leuenroth (UNICAMP), entre abril de 2008 a julho de 2009. Também foi feita
uma breve pesquisa na Biblioteca Nacional , onde foram encontrados dois artigos na Seção de
Periódicos: Gazeta de Notícias (1855) e Jornal do Comércio (1855). Ainda na cidade do Rio de
Janeiro, foi consultado no Arquivo Nacional, o processo-crime em que foram réus, Manuel da
Motta Coqueiro e outros, incluindo traslado do referido processo (1853-1854). Foram visitados
espaços na cidade de Macaé, como: Solar dos Melos, um memorial, e a Biblioteca Pública
Municipal Dr. Télio Machado, sede da Fundação Macaé de Cultura, onde consultou-se os
livros: Coisas e Gente da Velha Macaé e Histórias Curtas e Antigas de Macaé, ambas de
Antonio Alvarez Parada, Evocações-Crimes Célebres em Macaé, de Antão Vasconcellos e por
fim Roteiro Documental para a História de Macaé- coordenação de Paulo Knauss. Além das
obras citadas, foram utilizados livros sobre história da imprensa, literatura, entre outros, que
serão apresentados oportunamente na referência bibliográfica.
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com pessoas dos mais diferentes perfis, a entrada na prostituição etc. Nesse sentido, este projeto
visa também identificar as interseções que há nessas histórias, além de verificar suas
representações de si e da sociedade. Para tanto, serão selecionadas oito garotas de programa com
o apoio da Associação de Prostitutas da Bahia (APROSBA).
A referida dissertação dividi-se em três capítulos. No primeiro intitulado a mulher no
palco da prostituição será tracejado o percurso que os sujeitos dessa pesquisa atravessaram até
chegar ao mundo da prostituição observando, em especial, como elas se referem (vítima ou algoz
de sua situação, ou a nuance entre eles), analisando o entre-lugar que as garotas de programa
transitam, desfazendo-se de homogeinizações (identidades fixas) e (pré)conceitos. Serão
discutidas, através das narrativas biográficas, como elas se (de)mostram como mulher, para além
de uma dicotomia entre a mulher pura, “de família” e a prostituta. Sobre a narrativa e seus
elementos, serão especialmente utilizados, como base teórica, os estudos de Paul Ricoeur, Ecléa
Bosi e Eliane Lopes. Já para alicerçar a análise das representações das prostitutas, utilizar-se-ão,
em especial, os estudos de Simone Beauvoir, Nancy Qualls-Corbett e Margareth Rago. O
segundo capítulo, O jogo do prazer: a sociedade sobre o olhar da prostituta, observará, a partir das
narrativas biográficas dos sujeitos pesquisados, como elas se relacionam com clientes de todos os
tipos (diferentes sujeitos), estando à mercê de exploração, abusos e violência. Sendo assim, este
será um espaço para analisar a representação que as prostitutas têm da “sociedade”, referindo-se
aos clientes, os (possíveis) cafetões, policiais etc. Para basilar essas análises, serão considerados
também as pesquisas de Simone Beauvoir, além dos estudos organizados por Dalcastagné e
Amara Lúcia. No terceiro capítulo, Diálogo de narrativas do “real” à ficção, será estabelecido um
entrecruzamento entre as falas das prostitutas e a história de Maria - personagem de A prostituta.
Nesse capítulo, será observada, além dos pontos de confluência e divergência das vivências, a
relação entre o real e a ficcional que existe tanto no romance quanto nas histórias contadas pelas
garotas de programa. Para tanto, serão considerados aspectos como a memória, resignificação das
experiências etc. Um elemento interessante nessa interseção é que a obra conta uma história, que
mesmo não deixando explícito o ano que as personagens “viveram”, aconteceu no início do
século passado, visto que o comportamento das personagens e alguns lugares que ambientaram a
história remetem à década de 40 do século passado. Dessa forma, pretendemos investigar se as
práticas e as representações sociais são as mesmas ou se mudaram ao longo do tempo. Para tanto,
os estudos de Margareth Rago, que analisa a prostituição entre 1890 até 1930; e Muzart, que
trabalha com a mulher na literatura, serão base teórica. Já Antônio Candido, Terry Eangleton e
Forster alicerçarão a análise do livro no que se refere às questões teóricas do campo literário e do
romance, em especial.
Ao longo dos séculos, a mulher ocupou vários papeis: ora era vista como esposa, a dona-
de-casa, a procriadora; ora ocupava o papel de trabalhadora, “independente”, que lutava pela
“liberdade” feminina. Entretanto, hoje, muitas vezes, é ela uma das maiores “inquisidoras” das
prostitutas - não considerando a liberdade que estas têm sobre seu corpo. A necessidade de buscar
uma única forma de ser mulher, consequentemente, também de ser prostituta, generaliza a
múltiplas identidades que um sujeito assume a depender de seu local social e contexto, tentando
homogeneizar a diversidade, criando equívocos e preconceitos a quem não segue o papel pré-
estabelecido. Logo, todo o comportamento fora do esperado é tido como errado e depreciado
socialmente. Uma das formas de a sociedade hierarquizar a imagem da “mulher santa” em
detrimento da “pervertida” é criar mitos e agregar a imagem da segunda às doenças, ao
submundo, ao sujo, ao feio. Dar espaço para a fala das prostitutas é uma forma de observar as
representações sobre sua condição sócio-cultural, seus lugares, visando desfazer estereótipos,
reconfigurar conceitos, principalmente extinguir, ou, ao menos, minimizar, tais preconceitos.
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O presente projeto de pesquisa tem como objetivo dar continuidade aos estudos
relativos à obra acadêmica de Cláudio Manuel da Costa, poeta mineiro, conhecido por ser
um dos maiores representantes da expressão árcade brasileira. Em um primeiro momento
foram estudadas algumas correspondências assinadas pelo autor em questão endereçadas a
membros da Academia Brasílica dos Renascidos (1759), bem como um Juramento, os
Apontamentos para se unir ao catálogo dos acadêmicos supranumerários da Academia
Brasílica dos Renascidos e o drama O Parnaso Obsequioso, que, apesar de pertencer a
outra agremiação, a Arcádia Ultramarina, também mantinha as marcas do academicismo
vinculado aos mesmos referenciais retóricos de composição. Este projeto, por sua vez,
propõe analisar o poema Vila Rica, e seus textos complementares: o Prólogo, a Dedicatória
e o Fundamento Histórico, além de algumas notas explicativas que constam no texto. Nesse
sentido, os aspectos que deverão ser discutidos são a orientação formal que os compõe,
baseada nas retóricas e nas poéticas antigas, a transposição do histórico (Fundamento
Histórico) para o literário (poema Vila Rica) e a associação entre as pesquisas realizadas
para a composição da obra e as pesquisas realizadas por Cláudio Manuel da Costa enquanto
acadêmico. Tal documentação terá como fonte as obras de Inventário dos Manuscritos
avulsos relativos a Minas Gerais existentes no Arquivo Histórico Ultramarino de Caio
Boschi (1998); O movimento academicista no Brasil de José Aderaldo Castelo (1969-71);
A Academia Brazilica dos Renascidos: sua fundação e trabalhos inéditos de Alberto
Lamego (1923); Esquecidos e Renascidos de Íris Kantor (2004); Academia Brasílica dos
Acadêmicos Renascidos de Yêdda Dias Lima (1980); Fontes do Caramuru de Carlos de
Assis Pereira (1971); Poesia dos Inconfidentes de Domício Proença Filho (1996), entre
outros.
Cláudio Manuel da Costa, que ficou conhecido por sua produção poética árcade teve
seus primeiros estudos realizados no Colégio dos Jesuítas do Rio de Janeiro, e como era
costume da época, sendo de família abastada, mudou-se para Coimbra onde freqüentou o
curso de Cânones. A formação na Universidade de Coimbra lhe permitiu integrar-se às
normas de orientação de estudos vinculadas aos jesuítas, que compunham a essência da
Academia Real da História Portuguesa, de Lisboa, que deu origem às Academias
Brasílicas da Bahia - a Academia Brasílica dos Esquecidos (1724) e a Academia Brasílica
dos Renascidos (1759). Nelas, as práticas de escrita previam compromisso com a retórica
antiga, para composições em prosa, e com a poética antiga e contemporânea, para as
composições de caráter circunstancial, por meio das quais se desenvolveriam os torneios
literários previstos em estatutos ou nas rotinas das agremiações acadêmicas. O período na
Europa também foi responsável pelo seu contato com as idéias iluministas e com a prática
de uma nova corrente literária que havia se formado: o Arcadismo.
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Com essa formação, Cláudio Manuel da Costa pôde figurar entre os principais
pensadores da Academia Brasílica dos Renascidos, de 1759, na qual ocupou a função de
acadêmico supranumerário, participando como sócio correspondente e também,
posteriormente, pode fundar uma agremiação, a Arcádia Ultramarina, de 1768, originária
do período iluminista e responsável por instaurar o estilo árcade no Brasil-Colônia.
No corpus serão explorados tanto os elementos formais de composição baseados nas
retóricas e poéticas quanto os elementos históricos que aparecem descritos ao longo do
poema e do Fundamento Histórico, cuja construção pode estar atrelada às pesquisas
executadas no âmbito da Academia Brasílica dos Renascidos. Com a execução deste
trabalho, pretende-se apresentar a obra de Cláudio Manuel da Costa a partir de um viés
acadêmico, mostrando, com base em elementos presentes nos textos, características que
evidenciem um tipo de escrita baseada em fontes buscadas na época em que o poeta exercia
a função de sócio correspondente da Academia Brasílica dos Renascidos, além de marcas
que relacionam estes textos à Arcádia Ultramarina.
A essência da discussão girará em torno da determinação dos elementos históricos e
dos elementos artísticos que compõem a obra, fazendo provar que os elementos artísticos,
dos quais o autor lança mão dependem de uma carga igual ou superior de elementos
históricos, para que a consistência da composição, ainda que detenha intenções artísticas,
compreenda certo “decoro” nas informações veiculadas pela narrativa.
Para auxiliar no entendimento de questões políticas e econômicas de Vila Rica, será
utilizada a obra Erário Régio de 1768 que é um importante documento em que constam
alguns acontecimentos importantes que marcaram a história desta cidade. Além do recurso
a esta obra, documentos de diversas naturezas devem compor a busca das fontes que
orientaram a elaboração da obra, pois algumas citações de Cláudio Manuel da Costa
atestam a sua participação tanto na política local (Secretária do Governo), como em sua
carreira como poeta árcade.
A importância de se estudar os autores que viveram no Brasil no século XVIII
relaciona-se com a necessidade de compreendermos as nossas raízes históricas e literárias,
interligadas por diversas atividades, entre as quais a ação dos letrados desse tempo. Importa,
com o conhecimento dos modelos emulados e dos conteúdos apresentados discutir a efetiva
participação de Cláudio Manuel da Costa no âmbito da língua e das idéias, efetivando a sua
contribuição para a escrita do Brasil colonial.
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Através de uma análise dos quatorze livros publicados pelo poeta argentino Roberto
Juarroz (1925-1995), pretendo investigar a tese de que a imagem do vazio não é apenas
uma metáfora central em sua obra poética, mas funciona como um autêntico método de
investigação da realidade. Para tanto, analisarei de que maneira se configura essa imagem
ao longo de toda a obra, se há uma coerência na sua utilização, e em que medida é possível
rastrear os antecedentes literários de tal procedimento. A pesquisa se dividirá em duas
partes principais: a primeira investigará a forma como se configura a imagem do vazio na
obra de Roberto Juarroz, enfatizando o diálogo que se estabelece com alguns textos do
Budismo Zen e com a obra de Antonio Porchia; a segunda apresentará uma antologia
bilíngüe traduzida e anotada, não apenas de todos os poemas citados neste estudo, mas
também daqueles considerados pela crítica como os mais representativos do autor.
A partir de um rastreamento exaustivo de todos os momentos em que a imagem do
vazio aparece ao longo da obra de Juarroz, analisarei as diferentes acepções e sentidos que
ela adquire em cada poema, investigando se há uma passagem gradual do “vazio estéril”
para o “vazio pleno”, ou se os dois aspectos se alternam indiscriminadamente. A análise
comparativa com outras obras permitirá uma compreensão mais clara acerca dos
procedimentos estilísticos utilizados por Juarroz para configurar sua poesia como um
instrumento de interrogação e experimentação da realidade.
Numa obra vasta como a de Juarroz, que compreende quatorze livros publicados ao
longo de quase quarenta anos, é particularmente significativa a unidade de estilo e de
propósito que a define. Com uma poética caracterizada pelo despojamento, pela ausência de
“alardes expressivos” (e mesmo de artifícios formais mais corriqueiros, como a rima, a
aliteração e a métrica regular), seus textos rigorosamente construídos, quase sempre
fundamentados numa estrutura simétrica, suscitam uma leitura especialmente atenta para os
mínimos matizes de sentido. A clareza de sua expressão, aliada ao caráter reflexivo dos
poemas, que se apresentam como uma indagação constante acerca da realidade e dos seus
fundamentos, fez com que esta poesia fosse caracterizada como “filosófica”, “cerebral”,
“abstrata” e até “mística” por parte da crítica. Contudo, como mostraremos adiante,
nenhum desses adjetivos a define de maneira correta.
O caráter unitário da obra do poeta, manifesto no próprio título de seus livros
(Poesía vertical, em 1958; Segunda poesía vertical, em 1963; e assim sucessivamente, até
Décimocuarta poesía vertical, publicado postumamente em 1997), propiciou uma série de
estudos que apontam para alguns elementos recorrentes em sua poética: a reflexão acerca
da criação literária e dos limites da linguagem; a busca pela transcendência e a constatação
de sua impossibilidade; a presença de elementos da cultura oriental, especialmente do
Budismo Zen; a recorrência de algumas metáforas como o silêncio, a morte e o vazio. No
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entanto, não há, até agora, um estudo que estabeleça uma síntese entre esses diferentes
aspectos.
Considero particularmente elucidativo sobre o significado das metáforas espaciais
do vazio e da verticalidade um artigo escrito por Juarroz em que ele analisa a obra de outro
escritor, o ítalo-argentino Antonio Porchia (1886-1968), com quem o poeta conviveu por
vários anos. Nesse artigo, intitulado “Antonio Porchia o la profundidad recuperada”, ele
define a profundidade (que considera como característica essencial da obra de Porchia, mas
que está também na base do adjetivo “vertical”, que nomeia sua própria obra) como “vazio
afirmativo”: “A profundidade é risco. De quê? De não encontrar nada” (“Antonio Porchia o
la profundidad recuperada”, in: Poesía y creación. Diálogos con Guillermo Boido). Em
outro momento, Juarroz afirma que “a obra de Antonio Porchia veio me confirmar na busca
disso que chamei o vertical”.
Embora muitos críticos tenham assinalado a importância literária e biográfica da
convivência de Juarroz com Porchia, não há um estudo de fôlego sobre as principais
convergências e divergências entre as suas obras. A afirmação de Juarroz segundo a qual a
“correspondência espiritual” dos dois poetas não se manifestaria no aspecto formal parece
ter sido tomada pela crítica como fato, sem uma análise mais detida. Um dos objetivos
deste trabalho será justamente empreender essa análise, identificando como a obra de
Juarroz não apenas partilha uma série de convicções e de preocupações temáticas em
comum com a de Porchia, mas como ela também se apropria de uma série de
procedimentos formais presentes em Voces, único livro publicado pelo ítalo-argentino.
A própria recepção crítica de suas obras é outro elemento comum entre Juarroz e
Porchia: a linguagem poética despojada, o silêncio de ambos em relação às turbulências
políticas e sociais pelas quais a Argentina passava no momento em que eles escreviam,
acabaram convertendo-os em figuras estranhas no meio literário do país. No entanto, como
procuraremos demonstrar em nosso estudo, a imagem do vazio está estreitamente vinculada
a uma interpretação da sociedade contemporânea como local de alienação e desgarramento
do homem.
Em outras palavras, não se trata de uma fuga, mas de um aprofundamento do real.
Nos poemas de Juarroz (como nos aforismos de Porchia), o confronto com o vazio acaba
sendo uma forma de problematizar a realidade aparente, com o intuito de revelar seus
aspectos menos evidentes: “a poesia tem como objeto imediato produzir uma fratura e esta
consiste em quebrar a escala consuetudinária, a escala repetitiva, apequenada do real. É
abrir a realidade e projetá-la em escala maior”. No entanto, ao mesmo tempo em que se
busca um conhecimento da realidade, postula-se a dificuldade (e, em última instância, a
impossibilidade) desse conhecimento. A poesia é uma “harmonia que nunca se consuma”.
Assim, o vazio espreita não apenas o real, mas a própria palavra.
É nesse sentido que a poesia de Roberto Juarroz, embora não tenha como principal
objetivo a experimentação de novas técnicas poéticas, revela-se fundamentalmente
moderna, uma vez que se apresenta sempre consciente dos limites da linguagem. Como
observa Rodríguez Padrón, o que esta poesia revela “não é a solução do enigma, mas o
aparecimento de novas — e mais vertiginosas — interrogações”. Assim, embora esta obra
não proponha, a exemplo das vanguardas, uma nova linguagem poética, há nela uma busca
constante por um discurso mais flexível e sugestivo, com o intuito de promover a
“liberação do pensamento lógico”, considerado pelo poeta como inadequado para dar conta
da experiência da verticalidade. Deve-se notar, contudo, que não se trata simplesmente de
uma queixa da inadequação da linguagem diante da multiplicidade do mundo, segundo os
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capítulo, o objetivo é realizar uma leitura das canções de Adoniran que reflete um caráter
de resistência à ordem vigente e à ética do trabalho, mas ao mesmo tempo caminha em
rumo contrário ao discurso da malandragem tradicional dos sambas cariocas. É uma outra
forma de resistência, que assume caráter de denúncia ao universo suburbano do trabalho. O
segundo capítulo diz respeito essencialmente a uma postura crítica e contrária ao ideal de
progresso assumido pela elite paulistana, que entendia São Paulo como a locomotiva do
país desde o início do século. É possível entender nas canções de Adoniran um olhar
bastante ácido e pessimista no que diz respeito a esse ideal de progresso que se concretiza
no espaço urbano de São Paulo, em detrimento a uma saudosa tradição que cada vez mais
se perde. Já no último capítulo, pretendo desenvolver um debate político e estético bastante
importante no cenário da música brasileira desse período, anos 60 e 70, que retoma os
conceitos de nacional e popular desenvolvidos por Mário de Andrade, e bastante
assimilados pela ala nacionalista da MPB. Esse debate diz respeito à oposição entre o som
local, representado pela MPB renovada, e o som universal, que tem a “Jovem Guarda”
como seu principal representante até o evento da “Tropicália”. Várias composições de
Adoniran assumem uma postura bastante afinada à ala nacionalista da MPB, apresentando
uma visão depreciativa com relação ao som universal produzido pelos mentores da “Jovem
Guarda”.
Nessa comunicação, apresentarei os primeiros resultados do desenvolvimento do
primeiro capítulo da segunda parte, no qual pretendo analisar as letras das canções a partir
do debate entre trabalho e malandragem. Procurarei demonstrar que, apesar da postura
apolítica que o sambista assume, suas canções refletiam um caráter de resistência
extremamente relevante aos produtores culturais da esquerda nacionalista. Essa resistência,
no entanto, segue um rumo contrário àquela proposta tradicionalmente pela figura do
malandro no plano dos valores estereotípicos. Seus sambas se ocupam antes em retratar o
mundo suburbano do trabalho do que o mundo marginal da malandragem. Ao mesmo
tempo, seus temas também tomam rumos inversos à invenção da paulistaneidade. Assim, os
personagens de Adoniran, ao contrário do malandro, são sujeitos que estão inseridos no
universo da ética do trabalho e da ordem pré-estabelecida. Mas esse universo aparece
filtrado por um olhar crítico e de denúncia, invertendo o sentido da positividade do trabalho.
Aquilo que parece conformismo, ingenuidade e alienação, portanto, assumem caráter
denunciativo no que diz respeito à ideologia da dominação.
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XV Seminário de Teses em Andamento – 2009
Este trabalho de pesquisa tem como objetivo realizar estudo e análise sobre a obra
Texaco do escritor martinicano Patrick Chamoiseau. Publicada em 1992 e ganhadora do
Goncourt, maior prêmio francês de literatura, essa obra chama atenção e ganha destaque
porque conta a história da construção e formação de um bairro tradicional de Fort-de-
France, capital da Martinica. Esse bairro conhecido como Texaco é de fundamental
importância para a construção da identidade Martiniquense, uma vez que ele se torna
símbolo de resistência e guarda a memória de uma comunidade descendente de
quilombolas. Nesse sentido a análise dessa obra se torna interessante, pois é possível
perceber esses vários elementos que a constitui: a história, a memória e a ficção. Tudo
atrelado sob o viés da narrativa. Em Texaco a narrativa é fundamental, pois é ela, através
do relato da personagem central, que conta a história da construção do bairro. Questões
sobre identidade, cultura e oralidade também se fazem presente nessa obra e serão
analisadas no decorrer do trabalho. Devido a riqueza de temas encontrados se faz
necessário a delimitação dos temas a serem discutidos. Este trabalho pretende assim
analisar a obra sob a perspectiva de sua composição: romance histórico ou narrativa
mítica? ; sob a ótica da sua construção narrativa, analisando o papel da mesma para a
coesão da obra e como referência para tradições orais; e por fim as questões ligadas à
formação da identidade cultural e a luta pela sobrevivência da comunidade apresentada. O
primeiro momento desse estudo terá como objetivo trazer uma discussão acerca do romance
histórico e da narrativa mítica. Para tal será apresentado o conceito de romance e o que
caracteriza uma determinada obra como romance histórico ao mesmo tempo em que será
apresentado o conceito de narrativa e o que caracteriza uma narrativa como mítica. A
apresentação de tais conceitos é essencial para a análise à que esse capítulo se propõe, pois
a obra que será utilizará como corpus deste projeto, Texaco, é compreendida como
fronteiriça entre o real e o ficcional. Portanto para a compreensão do romance é preciso a
fundamentação teórica acerca dos conceitos acima mencionados. Para ajudar na busca de
respostas às essas questões sobre a narrativa de Texaco, será tomado como referencial
teórico autores como Roger Chartier, Peter Burke, Eric Hobsbawm e Paul Veyne, que
discutem as relações entre a história e ficção no romance, além de teóricos como Mircea
Eliede e Jean-Claude Carrière que falam sobre o mito, a realidade e sua presença na
contemporaneidade. Em um segundo momento surge discussão acerca da narração, mais
especificamente as narrativa oral, essa que é uma das formas mais primitivas de
comunicação, onde o contato entre narrador e ouvinte é o mais importante. Se fazer
verossímil e credível é objetivo de quem narra. A conquista da credibilidade do ouvinte é o
que realmente importa. É por esta razão que no segundo capítulo o tema a ser tratado será a
narrativa oral e o seu papel na manutenção da memória coletiva nas comunidades.
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XV Seminário de Teses em Andamento – 2009
Discutiremos sobre como essas narrativas possuem valores e servem de referência para o
seu grupo e como isso reflete na postura e no comportamento desses participantes. Narrar é
de certa forma guardar, é criar elos e manter a tradição cultural. Texaco através da sua
narrativa nos apresenta como é importante o papel do narrador, do guardado da história de
um determinado local. Autores como Walter Benjamin, Robert Sholes e Zilá Bernd serão
utilizados como referências para melhor compreensão do papel da narrativa e sua
configuração na oralidade. Por fim no terceiro momento pretende-se tratar as questões
ligadas a formação da identidade cultural de um grupo social partindo da idéia de memória
para essa construção coletiva. Autores como Stuart Hall, Cancline, Home Bhabha e
Barbero serão utilizados como auxílio na compreensão da discussão acerca de cultura e a
sua relação na formação da identidade local. Percebe-se em na obra a necessidade do autor
de reavaliar os valores culturais que lhes foram impostos pelo colonizador e de valorizar os
costumes que lhes são naturais e presentes através da tradição popular. Durante muitas
décadas as formas consideradas impuras eram afastadas do rol da Tradição Literária
Brasileira, a preocupação com o estético e o formal fazia com que as produções menores e
independentes não encontrassem o seu espaço na Academia. É apenas a partir da década de
50 que essa realidade dá seus primeiros passos em direção a mudança. O diferente, o menor,
a tradição oral e popular que até então era desprezada encontra o seu lugar dentro da
produção literária, começa então uma abertura para essas formas que por um período da
história da literatura foram desprezadas e pouco valorizadas. O papel que Patrick
Chamoiseau atribui a Texaco é justamente esse, o de construção da identidade cultural do
povo martiniquense. Como isso é apresentado e desenvolvido no decorrer do romance é o
que se pretende discutir neste capítulo final.
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XV Seminário de Teses em Andamento – 2009
Este meu projeto tem como objetivo o preparo de uma edição comentada de alguns
Sermões do Pe. Antônio Vieira (1608-1697), escolhidos para este fim. Tal seleção deverá
ser comentada através de uma série de notas e introduzida por um estudo sobre a tópica do
ut pictura poesis no sermonário do autor, em sua relação com algumas preceptivas retórico-
poéticas e pictóricas que circularam no XVII. Interessam-me sobretudo os chamados
“Sermões panegíricos ou em honra de Santos”, entretanto, estão concorrendo ao cotejo os
Sermões em que a tópica em questão demonstrar-se fundamental para a estrutura da
argumentação. No estágio atual, ainda iniciante, trabalho com as seguintes peças: Epifania
(1633), Sermão de São Sebastião (1634), Sermão de São José (1642), Sermão das Chagas
de São Francisco (1646), Sermão do Santíssimo Sacramento (1645), Sermão de Santo
Antônio aos Peixes (1654), Sermão da Sexagésima (1655), Sermão do Bom Ladrão (1655),
Sermão do Espírito Santo (1657), Sermão de Santo Inácio (1669), Sermão de Santo
Antônio (1670), Sermão de S. Francisco Xavier (Acordado)(12, Sua Proteção) (1691). Os
Sermões encomiásticos de Santos católicos são espaço privilegiado de significação no
conjunto da oratória sacra do autor, tendo em vista a problemática que me interessa. Seja
pelo que tais Sermões dissimulam engenhosamente apresentar de teor político, seja pelo
que a persona do Santo significa nesse mesmo conjunto e na política cristã que se deseja
eficaz. Pécora (1994:94) afirma que a obediência exemplar do religioso o torna modelo
para “a identificação das possibilidades concretas de efetivação do vínculo humano-divino”.
Ao considerar que um dos deslocamentos teológico-políticos promovidos por Antônio
Vieira seja a alteração do aspecto contemplativo da ação da Igreja no mundo para uma
militância desta na história dos homens, a persona do Santo torna-se uma das figuras-
chaves na incorporação dessa ação política. Ao mesmo tempo, penso que a montagem do
corpus a partir da escolha de Sermões proferidos em tempos e lugares diversos – por sua
vez pressupondo e constituindo espectadores e destinatários variados – pode trazer à tona
uma discussão interessante diante de um conjunto tão extenso e longevo de textos, como é
o caso da sermonística de Vieira. O estudo que faço está em estreita relação com o que
concebeu Pécora (op. cit), essencialmente no sentido das três premissas que estabelecem o
padrão de legibilidade dos textos de Vieira: a) a unidade teológico-retórico-política dos
Sermões; b) nestes, a encenação do sacramento católico que compõe a teatralização da fé; c)
a noção de presentificação da ação do divino em meio ao universo do humano nessas peças.
Esse padrão concebe que os Sermões são construídos a partir de um eixo de unidade em
que especularmente se tabulam o aspecto teológico e escolástico da Igreja da Contra-
Reforma. Assim, em sentido amplo busco compreender o lugar ocupado pelo autor na
catolicização da tópica, de tão grande fortuna em sua época. Em âmbito mais localizado,
investigo 1) como Vieira mimetiza e emula os procedimentos da pintura em sua prática
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discursiva, ou seja, como ele compõe o quadro, a cena discursiva, e/ou o que tecnicamente
entra em jogo na composição da persona que elogia. Interessa-me aqui perceber o engenho
dos padrões retóricos da ekfrasis e do discurso epidítico. E 2) em conseqüência, busco
compreender como, ao fazê-lo, o autor estabelece diálogo com algumas preceptivas que
regulavam as práticas sociais de representação de seu tempo, quero dizer, investigo como o
artifício fala de si na representação e a posição retórica vai instituindo uma ética e um
padrão político. Do meu conhecimento, o diálogo com essas fontes não foi ainda
constituído mais profundamente no estudo da oratória sacra de Vieira, apesar de algumas
vezes referido. Hansen (1994:33) aponta para essa necessidade quando expõe que Antônio
Vieira, por exemplo, no Sermão da Sexagésima (1655), cita a Arte dello Stile Insegnativo,
de 1647, da autoria de Sforza Pallavicino. A mesma necessidade é apontada por Vieira
Mendes (1991:21). A partir de uma leitura ainda iniciante, penso que a inserção da
produção do sermão sacro de Vieira no debate em torno do ut pictura poesis aponta para a
revisão de questões importantes relativas às práticas de representação luso-brasileiras, na
construção de um verossímil que leve em conta os condicionamentos materiais e
institucionais dessas práticas, “seus códigos bibliográficos” e as preceptivas que
sistematizam a sua invenção, levando a sério as formulações de base que articulavam as
significações discursivas da época. A instituição retórica é, assim, considerada em sua
dimensão mimética e prescritiva, o que é fundamental para seu estudo no XVII. Além disso,
também de maneira apenas introdutória, posso dizer que essa tópica no Seiscentos sustenta
as bases da representação, e em sendo assim, materializa em alguns aspectos a estrutura e
funcionamento da moderna racionalidade de Corte dos Estados absolutistas. O ut pictura
poesis regula o ponto fixo do Juízo necessário ao engenho do orador e especularmente
necessário à prudência do cortesão, efeito de destinatário (ouvinte/leitor) constituído pelo
gênero. Acredito assim que, ao construir a imago do Santo, Vieira engenhosamente está
construindo a imagem do homem virtuoso do seu tempo.
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Esse trabalho aborda os relatos de aprendizagem da escritora Cora Coralina. Em seu livro
de poemas Vintém de cobre: meias confissões de Aninha-(1985), ela confessa: “A maior
dificuldade pra mim sempre foi escrever bem./A minha maior angustia foi superar a minha
ignorância.” Nesse mesmo livro Cora também exalta a memória da sua grande e única
mestra e oferece as páginas desse livro à sua escola primária. Nesse sentido, perguntamos:
Como pessoas, no passado, constituíram-se leitores? Como se constitui o gosto pela leitura?
Qual é o lugar do ensino na escolha das leituras? Quais as lembranças das leituras escolares?
Diante dessas questões que suscitam um problema de pesquisa, este estudo intitulado “Rastros
de leitores: traçando a história da leitura em Cora Coralina” pretende retomar a obra
autobiográfica de Cora Coralina, Vintém de cobre: meias confissões de Aninha-(1985),
buscar no conteúdo dessa produção relatos de aprendizado, registros de imagens de leitura e
representações do ato de ler na infância que se articulem com trajetórias retrospectivas do
acesso ao saber ler, desvelar as condições pelas quais essa escritora produziu diferentes modos
de ler, identificando seus efeitos e por que motivos lia isto ou aquilo. Desta forma, através da
historiografia literária voltada para as memórias de leitura, torna-se objetivo deste trabalho
investigar de que maneira esse sujeito que, apesar de ter tido uma infância longe dos bancos
escolares, mais tarde virá a se destacar no mundo das Letras, constitui-se leitor. E, nessa
trajetória, tentar construir uma análise que permita conhecer traços do processo de sua
formação leitora. No lirismo contido em Vintém de cobre: meias confissões de Aninha, obra
declaradamente autobiográfica de Cora Coralina, a autora traz passagens da infância que
retratam cenas dos seus primeiros contatos com a leitura e concede ao leitor detalhes da sua
infância e adolescência que representam uma riqueza de informações sobre o cotidiano
onde se desenrola o itinerário escolar da personagem. Ela relata acontecimentos que, na
hipótese de uma base autobiográfica do texto, devem ter ocorrido no período que vai do
final do século XIX a início do século XX. Para abordar todos os aspectos desse estudo,
optou-se por apresentar a escrita do projeto Rastros de leitores: traçando a história da leitura
em Cora Coralina , sistematizada em três capítulos. O capítulo inicial será dividido em duas
partes. A primeira parte discutirá as relações entre memória, leitura e literatura, destacando a
origem desta relação, como também as questões que envolvem os relatos autobiográficos da
infância. Como recurso de análise dos fundamentos, Maurice Halbwachs (2006), em A
memória coletiva, oferece significativo apoio, no qual ressalta que a memória individual
constitui-se em datas, eventos, marcos históricos e pessoas, que estruturam
simultaneamente a memória coletiva as quais são fundamentais na compreensão das
narrativas. Suporte precioso para este estudo também é oferecido em Fraisse, Pompougnac
e Poulain (1997), Representações e imagens de leitura, que avaliam como as
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teriam significado algum para o futuro. No máximo, o que sua crítica e sua literatura
tinham a fazer, como missão aceita, era acelerar esse processo de derrocada. Daí porque, de
maneira aparentemente paradoxal, havia a urgente necessidade de escrever, para comunicar
a todos a boa nova, e ao mesmo tempo o descaso com a própria obra para não torná-la algo
fixo (tenha-se em vista que Allyrio jamais publicou uma segunda edição de qualquer livro
seu). Todavia, o futuro que ele tanto esperava não vingou e sua produção, à revelia de
outras questões que também contribuíram para seu desaparecimento no quadro dos
escritores brasileiros, sobreviveu. E esta nos tem colocado diante de verdadeiros impasses.
O primeiro deles é, sem sombra de dúvida, o quê trabalhar nele – qual aspecto dela –, e o
segundo é como. Já expressamos que este resumo atesta muito mais um problema de
método que mesmo uma proposta em se trabalhar autores desconhecidos. Naturalmente,
pode-se objetar que, por se tratar de um, o mais normal é torná-lo conhecido mediante um
esforço por recuperar seus ensaios, romances, críticas e também aquilo que se disse sobre
ele, enquanto vivo ou postumamente. Mas a questão toda não se resume assim. Em geral, o
que se busca, depois que se reúne todo esse material de pesquisa, é colher e salvar dele
somente aquilo que, aos olhos do que a recente historiografia literária considera como
válido, confirma o que já se estabeleceu como salutar para a compreensão da literatura
brasileira. O intuito quase sempre é comparar e dizer qual a validade, a contribuição das
idéias daquele escritor esquecido para o que terminou resultando no que hoje conhecemos
como literatura brasileira. De fato, não há como fugir às comparações. É preciso ter um
parâmetro. Só que ele comumente serve como escala para medir o quanto tal autor estava
ou não correto. É preciso, no entanto, comparar mas resguardar a particularidade das suas
idéias. Nas instituições acadêmicas, a ênfase dada não apenas em reforçar o cânone
construído, mas em fortalecer a idéia de que algo só ganha relevância se passar pelo seu
crivo (já que algumas delas se imbuíram de compreender o Brasil) muitas vezes engessa a
possibilidade do surgimento de outros discursos e outras propostas de crítica e compreensão
da literatura nacional. Pelas lentes dessas academias, na melhor das hipóteses, o que se
pode afirmar é a existência de um “cânone de exceção”, ou seja, de um conjunto de
escritores ou obras que, quando equiparados ao discurso destas instituições que comprovam
determinado projeto da literatura nacional, confirmado nos seus estudos sobre determinados
autores ou críticos, se colocam como minoria que não possui condições nem recorrência
suficientes para relativizar a existência deste projeto. É desse modo que uma obra como a
de Allyrio Meira Wanderley, acentuadamente marcada pela inexistência de uma idéia de
brasilidade e contra a qual se lança com todos os recursos – tomemos o exemplo do seu
ensaio As Bases do Separatismo (1935), um ensaio onde defende a autonomia das cinco
regiões do país como países independentes – apresenta problemas de método para ser
pesquisada. É possível afirmar que sua proposta estava incorreta somente se tomarmos
como certo o discurso majoritário que, através de grandes lutas ideológicas e políticas,
firmou a unidade nacional (Allyrio teve seu livro cassado pelo governo Vargas o qual,
como a revisão historiográfica recente tem demonstrado, foi um dos maiores
impulsionadores dessa anti-dispersão do país). Pelo mesmo período, no plano intelectual da
defesa da brasilidade, temos a fundação da USP, a publicação de textos como Casa Grande
& Senzala e Raízes do Brasil, além da busca dos modernistas de São Paulo em sistematizar
o “abrasileiramento do Brasil”. Convém dizer que não visamos apresentar Allyrio como
aquele que põe em xeque estas propostas, mesmo porque seu livro citado não possui uma
pesquisa tão larga quanto seus contemporâneos Sérgio Buarque de Hollanda e Gilberto
Freyre. Mas sua importância é dada pela dissonância que afirmou; expõe que tanto a
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literatura nacional quanto a idéia de nação não se construíram tão lineares como
costumamos ver hoje. Diante destas questões, pensamos ter explorado neste resumo um
pouco dos problemas gerais e específicos de nossa pesquisa, demonstrando possibilidades e
entraves para ela, ou pelo menos tentamos despertar a curiosidade para a obra deste
prosador e crítico literário paraibano.
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uma das lições que o romancista aprende nas gazetas e aplica no romance, que, como se
sabe, reclama para si uma linguagem múltipla, esteada numa acentuada multiplicidade de
gêneros discursivos. Outro aspecto que caracteriza a imprensa é modo como ela apresenta a
realidade: quotidiana, fluída, às vezes, reinventada, muito similar ao que a construção
romanesca exige. Possivelmente, é através dessa característica que a pena camiliana
aprendeu a representar a vida portuguesa sob um viés trivial, algo que não tinha sido feito
antes do autor de A Queda dum Anjo. Um terceiro aspecto do discurso jornalístico diz
respeito à sua capacidade de criar novos subgêneros, tais como o folhetim, a crônica, o
artigo, a nota, o registro necrológico, entre outros. Ora, o romance se funda, em certo
sentido, na incorporação de diversos gêneros narrativos, traço não negligenciado por
Camilo.
Embora tenha ascendido no século XVIII na Inglaterra e na França e no século XIX
em Portugal, o romance inscreve-se numa vigorosa tradição que estende raízes desde a
Antiguidade , até chegar à Idade Moderna, pós-revolucionária. Tentar refazer integral e
detalhadamente esse longo percurso seria tarefa certamente fadada ao insucesso, não
obstante, é possível fazer um recorte temporal menor, tendo em vista a melhor
compreensão desse fenômeno que revolucionou a ordem discursiva. No caso de Portugal,
cuja ascensão do romance se deu em meados do século XIX, em estreita articulação com a
prática romanesca franco-inglesa do século XVIII, parece ser de grande proveito
estabelecer um diálogo com este século.
Particularmente, Camilo Castelo Branco aproveitou largamente o pecúlio oferecido
pela literatura setecentista nos seus romances. De antemão, convém notar que esse
procedimento o distanciou dos modismos da sua época e garantiu aos seus textos certa
independência em relação aos movimentos literários vigentes no século XIX, como também
das propostas regeneradoras desses movimentos. Indo mais adiante, é possível supor que
esse diálogo apresentou a Camilo subsídios para a implantação de um projeto romanesco
em Portugal, permitindo-lhe ainda preencher, mesmo com uma grande defasagem temporal,
o vácuo deixado pela quase total ausência de prosa ficcional no século XVIII português. Se
o autor de Coração, Cabeça e Estômago revolucionou a ordem discursiva do seu país, esse
feito se deu a partir de um duplo movimento. Primeiro: ele se volta para a
contemporaneidade, implantando definitivamente o romance, modalidade ficcional da qual
não se podia mais prescindir. Em seguida, se desloca em direção ao passado, para recuperar
e/ou estabelecer a produção em prosa que não vingara a seu tempo, reunindo condições que
favoreceram o cumprimento do seu projeto romanesco.
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Ana Cristina Lopes, Ives Reuter e Massaud Moisés. Para ter sentido, toda teoria deve ser
articulada ao texto literário, pois é ele o centro da manipulação artística. A teoria existe em
função da obra literária e não o inverso. Nessa perspectiva, articulando a teoria de Genette e
Poullion a esta obra, podemos categorizar um narrador autodiegético, situado no nível
intradiegético e cuja perspectiva passa pelo narrador-protagonista – visão com (focalização
interna fixa). Já segundo a classificação de Norman Friedman, temos claramente a narração
de um eu como protagonista, que se encontra limitado a seus próprios pensamentos,
sentimentos e percepções. Há que se considerar que, em qualquer narrativa, a focalização
escolhida diz muito de sua constituição e significado. Toda perspectiva é reveladora, pois a
partir da apresentação do narrador aparecem com relevância – ou não – as demais
personagens. O fato de a história ser contada por um narrador onisciente, por uma
personagem ou pelo protagonista traz à luz a estratégia de manipulação artística e
transforma o curso de apresentação da diegese. No livro escolhido, a escolha da perspectiva
passando pelo narrador é fundamental para dar ênfase à sua composição e significação.
Nesse relato, temos uma mulher estrangeira expondo suas memórias de prostituta, em uma
sociedade regida, sobretudo, pela moral cristã capitalista, onde a liberdade de expressão
feminina ainda não atingiu o auge da igualdade de sexos. A técnica do monólogo interior
revela-se imprescindível na composição do narrador em Mar paraguayo, pois todo o
discurso é organizado de forma a expressar os pensamentos, as sensações, as memórias e,
sobretudo, as confissões da narradora. Os relatos da marafona confundem-se com
lembranças e desejos, como se ela se dirigisse a si mesma na ordem caótica de seu
pensamento, principal característica do fluxo de consciência. Esse monólogo pode ser
considerado indireto, na medida em que apresenta certa sequência ou concatenação de
imagens, sensações e anseios. Por fim, após esses breves esclarecimentos, pode-se dar
ênfase à relevância deste trabalho, uma vez que possibilita a análise de uma obra
contemporânea, no sentido de explorar aspectos estruturais que facilitem a sua
compreensão e inseri-la em uma totalidade, em uma corrente crítica que revele sua
importância e peculiaridades. Nesse sentido, pretende-se ir além da análise formal do texto
adotando a pesquisa bibliográfica e a reflexão dialética como formas de se tecer um
trabalho atualizado, proveitoso e válido para o nosso tempo.
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O termo ‘monstro’, desde o dicionário até o senso comum, diz respeito a seres que
apresentam, basicamente, uma forma incomum. Segundo o Novo Dicionário Houaiss, o
vocábulo designa: “ser disforme, fantástico, ameaçador, geralmente descomunal, (...) que
remota à mitologia. Indivíduo muito ruim, cruel, desumano, atroz.” (Houaiss, 2001, 1955).
Para a Teratologia, é o feto, ou criança, que apresenta anomalia(s) de desenvolvimento tal,
que o torna(m) disforme e, geralmente, só lhe permite(m) vida breve; aberração; além
daquilo que é muito grande ou fora do comum. Para além da acepção do dicionário, a
literatura oferece um sem número de definições ou configurações de monstros. O corcunda
de Notre Dame, os vampiros, Dráculas e múmias são alguns dos monstros recorrentes na
literatura e no cinema.
Partindo desses exemplos, faz-se necessário expor que a pesquisa em questão tem
como foco analisar a construção dos personagens em Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar à
luz do conceito de “monstro”. Acredita-se que em tal romance é possível associar a noção
de monstruosidade a André e a seu pai. O primeiro, representando a liberdade, irrompe
como uma figura que foge à moral pregada pelo pai, por meio, por exemplo, do incesto e da
fuga à paciência preconizada; já o segundo, por sua vez, representando a tradição, aparece
como personagem opressor, disseminando uma “ideologia” pautada no equilíbrio e no
comedimento.
Tendo em vista esses conceitos e exemplos, é possível afirmar que a pesquisa
objetiva ir além dos estudos em que se analisa a definição do que seria um monstro. O
objetivo é trazer uma discussão, num âmbito em que dialogam literatura brasileira e teoria
da literatura, sobre a representação do monstro a partir da construção dos personagens no
livro Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar. Assim, tal pesquisa justificar-se-ia não só pelo
fato de discutir a intangibilidade do conceito de literatura (o que permite a concepção de
literatura como monstro, já que uma característica do ser monstruoso é dificuldade de
descrevê-lo, de apreendê-lo), mas também de analisar como se dão processos de exclusão
social, visto que o tema que percorre o romance em questão é a atemporal luta entre
tradição e liberdade. Isso porque o pai, personificando a tradição, pode aludir ao contexto
repressivo no Brasil em que o livro foi escrito – década de 70 – o que permite um diálogo
com História e Sociologia. Desse modo, a associação do conceito do termo “monstro”, a
partir do conjunto de ações, falas e idiossincrasias dos personagens pode apontar não só
para o abuso da força verbal e física (representada na figura paterna), como também para
questões de cunho moral, como no caso dos incestos feitos pelo protagonista, André.
Por outro lado, fulgurando como um belo discurso sobre o tempo e o tratamento que
os homens deveriam dar ao mesmo, a fala do pai corrobora para a difusão de preceitos
como, por exemplo, o comedimento, a prudência. Para tal, o uso de anáforas, assim como
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no texto bíblico, ajudam no desenvolvimento de um texto coeso que assim se faz sem ser
repetitivo. Leyla Perrone Moisés, no Cadernos de Literatura Brasileira, expõe tal
procedimento: “Num registro bem diverso, o tom profético das falas do pai é obtido pelo
recurso à anáfora, próprio dos textos sagrados.” (Moisés, 1996, 67). Destarte, os sermões
configuram-se como representação dos ditames da tradição, como elemento de
solidificação da gravidade paterna, como opressão para o “galho” esquerda da família. A
força do discurso, então, emerge como recurso fundamental na construção do personagem.
Diferentemente de André, os sermões do pai apontam para uma perspectiva de
manutenção da ordem. Exemplo disso é detalhado na parábola do faminto. História em que
um desfavorecido bate à porta de um suposto generoso governante, “o rei dos povos, o mais
poderoso do universo”. (Nassar, 1989, 77), acontece nesse episódio a descrição de um
comportamento tido como exemplar de subserviência como requisito indispensável ao gozo
e à sorte. O esfomeado, ao entrar no jogo do anfitrião, aparentemente, negando sua
pungente fome, faz, com a mímica da degustação, a encenação do teatro das castas sociais.
A confirmação do elogio à paciência, faz-se como camada inicial para a difusão do discurso
da ordem vigente: “O faminto, dobrando-se de dor, pensou com seus botões que os pobres
deviam muita paciência diante dos caprichos dos poderosos.” (Nassar, 1989, 81 – 2). A
relação doador-carente contribui para a manutenção da hierarquização social pautada no
nível econômico. Aquele que detém tal abastança pode se colocar na posição de fornecedor,
aquele que teria vencido os percalços do acaso, sendo supostamente melhor que o outro que
não teve boa sorte ou não soube aproveitar-se dela. Assim, com a recepção do faminto, o
“rei dos povos” endossa seu lugar de dominação. Para Ivete Walty, “o saber é uma forma
de poder (...) quase sempre repetindo a relação colonizador / colonizado. A relação entre
criança e seus pais (...) entre o discípulo e seu mestre envolve a submissão dos primeiros à
dominação dos segundos. (Walty, 1985, 77). É possível então dizer que não só a relação
entre o rei anfitrião e o faminto “apadrinhado” pressupõe a preservação de tal
hierarquização, mas a consistente expressão de tais ideias pelo pai, usando da autoridade
que lhe é atribuída, ajudam na instauração desse ideário. Ajudam ainda na instauração da
figura paterna como provedora, como elemento situado no lugar da ordenação. Desse modo,
a parábola do faminto e o sermão sobre o tempo servem como estratégias do enunciador
para colocar-se como aquele que, pela contenção, pelo suposto equilíbrio, não sucumbiu
aos apelos da ansiedade e, por tal, também, senta à cabeceira: chefia a casa.
Na comunicação em que se propõe apresentar, é intento expor uma análise acerca desses
personagens com base no que Antonio Candido discorre acerca de exemplaridade na
“sintetização de situações-limite”, ou seja, os episódios referentes a ambos parecem sugerir
uma intensificação das reações e emoções, sendo estas, estopim para uma possível
associação dos mesmos com seres dotados de monstruosidades. Seja esta pela violência
(assassinato), pela violação a leis morais (incesto).
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de obras se liga não apenas pela presença do viés irônico mais marcado, mas também por
um recurso de intertextualidade: todas apresentam, com maior ou menor insistência,
peripécias de uma mesma personagem: o corvo Vicente. Para a realização de nossas
análises, fundamentamo-nos principalmente nos livros A ironia e o irônico (1995), de
Muecke, Ironia em perspectiva polifônica (1996), de Brait, Uma teoria da paródia (1989) e
Teoria e política da ironia (2000), de Linda Hutcheon, para o entendimento da ironia nas
narrativas. Também nos basearemos nos estudos de Pirandello, O humorismo (1996), e
Minois, História do riso e do escárnio (2003), para relacionarmos a ironia ao humor, já que
tais recursos apresentam-se de forma quase indissociável em alguns textos. E por fim,
estudaremos os livros de Propp, Comicidade e riso (1992), de Bergson, O riso (2004), e de
Hodgard, La sátira (1969), para estabelecer o diálogo entre a ironia e a sátira, bem como
para refletir sobre a produção do efeito cômico, presente paralelamente a outros recursos.
Os estudos de Hutcheon auxiliarão também na abordagem da paródia, procedimento
constante em alguns textos. Como a tese está em andamento, apresentaremos, em nossa
fala, apenas a leitura de O anjo ancorado (1958). Nessa narrativa visualizam-se, de um
lado, as impressões de um casal de burgueses em visita a uma pequena cidade, chamada
São Romão; de outro, mostram-se as reações dos moradores com relação à chegada dessas
personagens. Ao longo da exploração dos diálogos do casal, vai se notando pouco a pouco
uma ironia dirigida a ele. Aqui o discurso irônico é utilizado pelo narrador como forma de
reflexão crítica a respeito dos papéis desempenhados pelo homem e pela mulher em relação
à realidade que os rodeia. Nesse sentido, percebem-se, no personagem masculino,
resquícios de um pensamento “marialva” ou machista, além de se notar que a personagem
feminina, tão aparentemente ciente de seu papel de mulher emancipada, é visivelmente
ignorante em relação aos problemas sociais de São Romão. Com relação aos moradores da
aldeia, dois personagens se destacam: o menino das rendas e o velho do perdigoto. Por
meio do embate entre o casal, o menino das rendas e o velho do perdigoto, mostram-se as
diferenças entre os recursos mobilizados pelas personagens para lidarem com suas
diferentes carências. Assim, enquanto o menino vende as rendas para sobreviver, o velho
manipula os turistas, obrigando-os a comprar o pássaro para impedir a morte do perdigoto.
Paralelamente, a mulher, em visita a aldeia, tenta constantemente estabelecer um diálogo
com o homem que, de forma mecânica, dirige sua energia a outras atividades. Na
observação dessas ações, percebe-se de que maneira as relações entre o casal e os
moradores são mediadas pelo dinheiro enquanto o contato entre o homem e a mulher se dá
por meio da simples aceitação ou completa refutação do discurso do outro. Em último grau,
a ironia na observação de tais acontecimentos, baseadas na compra e na renda, ou ainda, no
engajamento ou no alheamento, denuncia de modo incisivo a alienação das personagens
com relação a elas mesmas e ao seu papel na sociedade.
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XV Seminário de Teses em Andamento – 2009
Este trabalho pretende apontar para uma pesquisa que promova um conjunto de
análises do Manifesto da poesia pau-brasil (1924) e do livro de poemas Pau-brasil (1925),
de Oswald de Andrade. Buscaremos, também, estabelecer as homologias entre estes textos
e aqueles consagrados como a clássica interpretação do Brasil, especialmente, Casa-grande
& senzala (1933), de Gilberto Freyre, Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de
Holanda, e Formação do Brasil contemporâneo: colônia (1945), de Caio Prado Jr. O norte
de nossa investigação indica uma íntima conexão entre o modernismo e a prosa de
pensamento social. Em favor desta hipótese, temos a consideração mais geral de Antônio
Candido, em Literatura e sociedade, “A alegria turbulenta e iconoclástica dos modernistas
preparou, no Brasil, os caminhos para a arte interessada e a investigação histórico-
sociológica do decênio de 30” (CANDIDO, 1980, p. 125). Trata-se de conceber os ensaios
de interpretação do Brasil acima referidos como uma malha textual que aprofunda e alarga
os horizontes do projeto pau-brasil de Oswald. Precisamente, mais do que convergências
isoladas e tópicas, nossa pesquisa pretenderá considerar o Manifesto e Pau-brasil como um
tecido feito de palavras, o que significa compreender o aspecto aforístico de um e, o
mecanismo das pausas, da enumeração e do jogo das vozes dos poemas, de outro. A prosa
de pensamento social será, por sua vez, tomada como ensaio. Isto implica em interpretar
Casa-grande & senzala, por exemplo, no horizonte de uma negativa à teoria e à ciência
organizadas, Da mesma forma, Raízes do Brasil será considerado na sua recusa a uma
historiografia sistemática. Formação do Brasil contemporâneo: colônia, a despeito de todo
seu esforço pré-científico, parece pôr em relevo certo discurso descontínuo, além de seu
assunto abordar a recuperação de um da história da formação da nação. A análise da
estrutura profunda dos ensaios, assim concebidos, nos autoriza ao estudo comparado com o
projeto pau-brasil, marcado pela idéia de fragmentação, pelo levantamento de problemas de
modo livre e pela recusa ao fechamento da questão da formação do Brasil. O horizonte
proposto é o de se conceber o pensamento social clássico brasileiro como extensão e
alargamento do intento oswaldiano.
Parece haver, a nosso juízo, um grande número de possibilidades de investigação,
pelo menos a partir deste ponto, das relações intertextuais entre a poesia pau-brasil e a
prosa de Casa-grande & senzala; particularmente relacionando os sememas “mulato”,
“professor”, “aluno” “negro” e “branco”, em Oswald, e as categorias “senhor” e “escravo”
em Gilberto Freyre. Poderá ser investigado, inclusive, se há um equilíbrio ou um desajuste
entre os pólos antagônicos. Torna-se necessário identificar a possibilidade da viabilidade de
tal tese e o modo de posição dos pólos em Oswald. Inicialmente, podemos dizer que nossa
disposição procedimental na análise das categorias e dos sememas será diferente da que
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lança mão da análise sintática, tal como indicamos para uso no estudo do conjunto dos
poemas. Aqui, efetuaremos uma análise das unidades semânticas, uma vez que aquelas
noções apontam para uma relação entre sentido e contexto, ou seja, referem-se a posições
diante da história. A estreiteza das relações entre o pensamento de Sérgio Buarque de
Holanda e a poesia de Oswald de Andrade pode parecer mais evidente devido à ativa
militância literária de ambos os escritores na fase heróica do modernismo brasileiro.
Antônio Arnoni Prado, em “Raízes do Brasil e o modernismo” (1998), tenta mostrar aquilo
que Sérgio identifica como a atribuição da cultura brasileira ao “prestígio universal do
talento” que “não significa/.../propriamente amor ao pensamento especulativo, ‘mas amor à
frase sonora, ao verbo espontâneo, à erudição ostentosa.’” (PRADO, 1998, p. 213). Talvez
esse dado acerca da cultura brasileira seja, de modo contumaz, característico do
pensamento de Sérgio Buarque. Por seu turno, Oswald parece caminhar no mesmo sentido
da detecção da "erudição ostentosa" no interior de seu projeto pau-brasil.
Com efeito, este não é o único ponto para onde convergem Oswald e Sérgio. Muitos
outros deverão ser arrolados no percurso de nossa pesquisa, entre os quais, o tema da
aventura. A tentativa de definição do ethos do aventureiro em Raízes do Brasil abre um
campo de confluências que se estende pelo conjunto dos poemas pau-brasil. Oswald lança
mão, especialmente, da estilização e da paródia dos relatos dos conquistadores, do turismo
investigatório do eu-lírico no interior do “Roteiro das Minas” e da suposta reconstrução da
história em “Poemas da colonização” – artifícios potencialmente paralelos à ética da
aventura.
Finalmente, uma análise comparada entre a poesia oswaldiana e o ensaísmo de Caio
Prado Jr. em Formação do Brasil contemporâneo: colônia poderá revelar, à primeira vista,
posições diametralmente antagônicas. Preside o intento do ensaísta o gosto pela
sistematização de uma interpretação do Brasil. Valendo-se do materialismo histórico, Caio
Prado tenta oferecer uma visão fechada, coesa e logicamente suficiente da formação da
nação. Contrariamente, o projeto pau-brasil de Oswald está intimamente relacionado com a
negação do sistema, com o apreço pela linguagem aforística – especialmente a do
Manifesto da poesia pau-brasil – que, por sua vez, aponta todo o programa na direção de
uma escritura fragmentária. Por outro lado, não poderemos eliminar do nosso horizonte
possibilidades de convergências entre o livro de Caio Prado e o projeto modernista. Basta
ver que em ambos os esforços compreendem a formação do Brasil como um longo processo
desde a colônia. Além disso, deverá ser verificado o peso dos fatores externos que cada um
dá no movimento da formação, considerando as especificidades dos diferentes discursos.
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XV Seminário de Teses em Andamento – 2009
Muito já se estudou acerca da vida literária e dos costumes românticos, desde o que
os poetas liam, bebiam e vestiam até suas preferências gastronômicas e sexuais. No entanto
nenhum estudo mais acurado foi feito acerca do tabaco, enquanto elemento de construção
simbólica do corpus poético romântico. Neste tocante, encontrar bibliografia sobre o
assunto é tarefa tão árdua quanto desafiadora. A importância do charuto no cerne da poesia
da segunda geração romântica, embora tema rico e relevante, consiste em campo ainda
virgem e inexplorado pelos acadêmicos. Ciente dessa lacuna, o projeto propõe-se a
identificar, analisar e interpretar as poesias da geração byroniana, pautando-se nos
significado que o charuto adquire em seu no bojo. Para tanto, parte do princípio de que o
mesmo possui uma tradição, história, e glamour indissociáveis da produção literária
nacional e do processo de ‘re-europeização’ observado no Brasil, principalmente a partir de
sua Independência. Vício inquebrantável dos mais ilustres poetas, nos cafés, nos salões, nas
agremiações ou nas óperas, o charuto torna-se, no século XIX emblema de uma classe
boêmia, lírica e transgressora. Nesse período um cisma partidário divide os adeptos do
fumo no país em dois grupos distintos: os tabaquistas, defensores do rapé e os fumistas,
adeptos do charuto. Os mais renomados poetas e romancistas brasileiros compram a briga,
defendendo cada qual ou o rapé ou o charuto em inúmeras crônicas, poemas, peças e
folhetins. Mas seria na poesia que o enaltecimento ao charuto consolidar-se-ia de forma
mais consistente, rica e apaixonada, sobretudo na segunda geração romântica. Nela, o
charuto aparece de modo sistemático, recorrente e incisivo, ora como tema, ora como
metáfora, cantado menos em função de seu caráter político do que lírico. Ele ocupa papel
de destaque na poética byroniana, enquanto metáfora do amor e do ‘medo de amar’,
expressão da efemeridade, do místico e do onírico.
Na pauta da poesia romântica o charuto possui uma dimensão e simbolismo que
ultrapassam sua evocação meramente ilustrativa, decorativa ou aleatória. Neste contexto, a
brasa incandescente e seu formato fálico remetem ao fogo lúbrico das paixões, sua fumaça
etérea e efêmera traz à tona o rosto da mulher amada , seu aroma inebriante transporta o
apreciador a uma esfera divina e mística. Um ponto crucial a ser estudado é a relação
estabelecida entre o literato e o seu charuto. Como ela se reflete em seu processo criativo,
sua vida pessoal e amorosa? Em que medida é fonte de amparo, escapismo e sublimação de
seus desejos? Qual sua ligação com o mundo exterior e o ‘universo íntimo’ do poeta?
Imbuído de uma certa áurea divina, sacra e mística, teria o charuto o poder de inebriar o
vate, conduzindo-o para fora de si mesmo? Qual dos românticos teria empregado com
maior freqüência a imagem do charuto em seu escopo poético? De modo sistemático,
recorrente e incisivo, o charuto aparece - ora como tema, ora como metáfora – nas poesias
da segunda geração romântica. Nas obras de Álvares de Azevedo, Fagundes Varela,
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XV Seminário de Teses em Andamento – 2009
Junqueira Freire e Bernardo Guimarães, mais do que simples recurso estilístico, o charuto
legitima antes um estado de espírito, uma filosofia de vida. A escolha de seu formato, tipo
ou tamanho torna-se para os poetas algo tão íntimo e passional quanto a escolha da musa
inspiradora ou da mulher amada. Assim como o modo de preparo, as propriedades do solo,
o clima, a qualidade da semente e a seleção da matéria-prima influem na qualidade do
charuto; também a inspiração, os recursos estilísticos e as rimas influem na excelência da
poesia. Neste sentido, o blend e o bouquet de um havana equivalem à métrica e lirismo de
um soneto. Despindo-se de sua função decorativa e utilitária, o charuto incorpora-se, funde-
se e confunde-se com a proposta da segunda geração romântica, sendo indissociável dos
grandes temas de subjetividade que os perpassa.
Para viabilizar essa proposta o projeto baliza-se em três etapas distintas. A primeira
centra-se na leitura da produção poética romântica, mapeando e selecionando apenas os
poemas nos quais haja explícita referência ao charuto. Nesse tocante será analisada a obra
poética de autores da geração byroniana, a saber, Álvares de Azevedo, Fagundes Varela,
Casimiro de Abreu, Bernardo Guimarães, Junqueira Freire e Sousândrade entre outros.
Nessa etapa pretende-se identificar e interpretar o simbolismo e o imaginário romântico
acerca do charuto, destacando sua relação com os temas do desejo e da sexualidade nele
presentes. A segunda fase do trabalho consiste na contextualização do período literário
estudado e na qual floresceu e se desenvolveu a geração byroniana. Para tanto será feito uso
de bibliografia acerca da vida literária no período, com ênfase no estilo, temática,
peculiaridades, influências e origens do movimento romântico no Brasil. Tal etapa deverá
viabilizar uma maior acuidade histórica na interpretação do material poético reunido. Uma
pesquisa que pode lançar luz sobre os pontos centrais do trabalho é a análise das marcas,
tipos e modelos de charutos nacionais e importados, consumidos no país durante o século
XIX. Tal pesquisa faz-se necessária, uma vez que muitos poetas românticos, não raro,
citam em seus versos nomes e marcas de charuto da época. Já a última etapa engloba a
utilização de material iconográfico, como litografias, anilhas, rótulos, estampas e selos de
charutos comercializados no Brasil oitocentista, visando ilustrar a argumentação sobre o
imaginário romântico e sua esfera de representação do desejo e da sexualidade. Neste
particular, a análise do material constitui preciosa e relevante fonte de referência acerca do
objeto, no que tange a seus aspectos históricos e sociais.
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corrosivamente a história: “são obras que olham o passado com a descrença dos tempos
atuais” (FIGUEIREDO, 2003, p. 132).
É nesse sentido que podemos caracterizar O selvagem da ópera como um romance
histórico pós-moderno. Não há nele a intenção de engrandecer e glorificar, de denunciar ou
criticar a figura de Carlos Gomes. No entanto, Rubem Fonseca se vale dos artifícios da pós-
modernidade para propor uma nova versão do que foi a vida do compositor campineiro, o
que faz com que consiga revelar as muitas faces que compõem o homem e o artista; ao
mesmo tempo, fornece ingredientes questionadores para verificarmos de que maneira o
instinto de nacionalidade está presente na obra do compositor, e de que forma isto influi no
estilo do músico e na arte brasileira.
No que concerne aos aspectos biográficos, é sabido que, por muito tempo, este
gênero serviu como um veículo da história, uma vez que pretendia, como uma pesquisa
entomológica, observar e dissecar objetivamente o indivíduo. Foi usado também pela classe
dominante a fim de assegurar interesses políticos e/ou religiosos. No entanto, as últimas
décadas foram marcadas por um novo olhar tanto no que se refere ao modo de pensar a
história, quanto ao modo de fazer biografias.
No século XX, o gênero ressurge em nova roupagem, uma vez que proporciona
novidades nas escolhas dos biografados, nas utilizações das fontes e nas questões
analisadas, além de apresentar novas linhas de autores, nas quais os jornalistas ganham
grande relevo. Por este motivo, a finalidade deste gênero textual deixa de ser apenas um
acoplamento de acontecimentos da vida da personagem para vir a ser uma fonte de
reconstrução de sua vida passada.
Desta maneira, com o advento do romance moderno foi possível descortinar o
mundo biográfico e descobrir que o “real é descontínuo, formado de elementos justapostos
sem razão, todos eles únicos e tanto mais difíceis de serem apreendidos porque surgem de
modo incessantemente imprevisto, fora de propósito, aleatório” (Apud: FERREIRA, 1996,
p.185). A partir de então, é razoável afirmar que os textos biográficos mesclam aos dados
oficialmente documentados certo teor ficcional.
A linguagem cinematográfica, por sua vez, exerce um papel profundo na narrativa
desta obra, tendo em vista, sobretudo o fato de ter sido escrita explicitamente para dar
origem a um filme; porém, não é só o narrador que evidencia essa proposta, mas a própria
narrativa sugere o movimento da câmera, levando-nos facilmente às cenas desejadas; a
escolha dos verbos no presente também ajuda a sugerir a imagem do cinema que estará
presente em cada tomada. Cumpre dizer ainda que, neste caso específico, não é o cinema
que se apropriou do texto literário, mas, pelo contrário, é o escritor que traz para sua obra
um caráter fílmico.
Além dos elementos mais estruturais da obra, outro aspecto muito caro a nossa
pesquisa refere-se aos estudos sobre identidade nacional, pois como mesmo se anuncia no
título, Carlos Gomes será o “selvagem” de uma arte tipicamente erudita. O músico que é
um estrangeiro na Itália vai perdendo aos poucos sua nacionalidade para de certa maneira
agradar o novo público, no entanto, “acaba por não ser reconhecido por nenhuma das duas
pátrias”. (FIGUEIREDO, 2003, p.151).
Assim sendo, este trabalho pretende identificar e analisar os elementos do discurso
da pós-modernidade presentes em O selvagem da ópera, e ainda investigar o caráter de
identidade nacional estabelecido pela trajetória de vida de Carlos Gomes, com o intuito de
verificar sua importância no contexto da literatura latino-americana contemporânea.
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Literatura esta que, além do trabalho estritamente estético, assume uma função
desmistificadora.
Para que os objetivos dessa pesquisa possam ser concretizados, analisaremos o
romance fonsequiano em questão, considerando os seguintes aspectos: o conceito de Pós-
Modernidade e sua aplicabilidade no romance; o Hibridismo Genérico a fim de
pormenorizar cada gênero presente e, por fim, as questões de identidade nacional, já que no
interior da biografia de Carlos Gomes há pontos referentes aos resquícios da colonização,
às diferenças culturais entre América Latina e Europa e, conseqüentemente, às crises de
identidades vividas pelo músico ao longo de sua vida.
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A dissertação de mestrado proposta tem por objetivo determinar na obra Richard III, de
William Shakespeare (1564-1616), a influência da tragédia Troades, do filósofo e tragediógrafo
latino Lucius Anneu Sêneca (6 a.C. - 65 d.C). Com esta pesquisa espera-se um resultado
específico entre estas obras, e não entre os seus autores, proporcionando uma visão minuciosa
baseada na aceitação e também na negação de uma possível relação entre as semelhanças e
afastamentos dos personagens presentes nas duas obras. Troades trata do período pós-guerra de
Tróia. Os grandes heróis troianos estão mortos e são as mulheres que tomam parte de quase toda
a ação, lutando por suas vidas ou até desejando o seu fim. Os prêmios da guerra, entre eles as
próprias mulheres troianas, ficam para os gregos vencedores, que antes de partirem ainda fazem
imposições tirânicas aos derrotados para garantir que Tróia não trará mais problemas. Richard III
é uma das peças iniciais, pertencente à tetralogia que conta os eventos da Guerra das Rosas, o
combate entre York e Lancaster, e as disputas familiares incitadas por Ricardo na última peça. Ao
buscar o trono a todo custo, Ricardo eliminará as opções de sucessão real até finalmente reinar
sob a Inglaterra durante um breve período. Henrique Richmond, um descendente indireto de
Henrique V, futuro Rei Henrique VII da Inglaterra, surge como o unificador das casas de
Lancaster e York, derrotando o Rei Ricardo III e iniciando a dinastia Tudor, da qual fazem parte
Henrique VIII e Elizabeth I.
O início do debate sobre a influência entre o dramaturgo latino e elisabetano data do fim
do século XIX. Existem argumentos fortes tanto para a aceitação como para a negação da
presença de Sêneca, sendo a posição favorável costumeiramente aceita pela crítica por se
apresentar em volume muito maior. A partir dos paralelos encontrados primeiramente por John
Cunliffe em 1893, em The Influence of Senecan Elizabethan Tragedy, e sua assertiva conclusão
de abertura de que a influência de Sêneca não passaria despercebida por nenhum historiador
competente da literatura inglesa (p.1), uma tradição de estudos comparados foi inaugurada
levando consigo essa herança de se tratar de algo inquestionável. Como resultado ocorreu nos
anos seguintes a busca por paralelos entre as 38 peças do bardo e as 10 peças do filósofo estóico,
a predominância foi de aceitações, sem espaço para negação. Essas marcas deixadas por Cunliffe
levaram muitos anos para serem seriamente colocadas à prova. Em 1967 e respectivamente em
1974, o crítico G. K. Hunter atacou com força tudo aquilo que fora levantado, mostrando que ao
historiador da literatura inglesa bastava conhecer as obras anteriores para localizar nas suas
próprias origens os traços geralmente atribuídos a Sêneca, a saber, esticomítia, o verso branco, a
presença do sobrenatural, a peça de vingança, dramatização do herói frente à morte, horrores e
fantasmas. Hunter coloca em jogo a questão de justiça das peças de vingança que possuíam a
mesma estrutura, porém com sentidos de justiça diferenciados. No período que se segue, e até os
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dias atuais, ainda prevalece o caráter panorâmico das análises e a aceitação da influência de
Sêneca.
Como primeiro traço provável de Sêneca dentro dos dramas ingleses encontra-se a
primeira peça escrita em versos brancos, Gorboduc, de Thomas Norton e Thomas Sackville, uma
das primeiras tragédias inglesas, cujo tema da abdicação do monarca será visitado por
Shakespeare em o Rei Lear. O senequismo chega à Inglaterra dentro das cortes, universidades e
escolas de direito. Será neste espaço que a partir de 1559 - ano de posse de Elizabeth I - até 1581
que as 10 peças de Sêneca ganharam suas primeiras versões em língua inglesa. A peça que
inaugura sua presença em uma tradução é exatamente a peça que tem a rainha viúva Hécuba
como protagonista, uma das mais belas peças do tragediógrafo latino, As Troianas, traduzida por
Jasper Heywood, em 1559, como Troas, inicialmente como um exercício particular de latim que
viria a se tornar um presente para a recém coroada rainha da Inglaterra. Do cânone
shakespeariano geralmente se destacam quatro peças, entre outras, constantemente relacionadas a
Sêneca, Macbeth, Titus Andronicus, Hamlet e Ricardo III. Encontram-se relacionadas a elas, no
que diz respeito a Sêneca, as peças Troades, Agamemnom, Thyestes e Hercules Furens. Vale
destacar que entre as traduções e as primeiras peças de Shakespeare existe um período de tempo
de cerca de dez anos, no qual a atividade dramática teve suas manifestações, entre elas, Thomas
Kyd em sua the Spanish Tragedy, e a já referenciada Gorboduc, que já possui alguns elementos
possivelmente elencados como oriundos de Sêneca, o que poderia levar a uma influência por vias
indiretas, não descartando a possibilidade de um contato com as traduções e/ou originais.
A recepção e presença de Sêneca, seja em tradução ou por intermediários é um dado
sobre a presença dele nessa atmosfera, porém não é definitivo para determinar sua presença na
obra de Shakespeare, assim como já foi possível observar no desenvolvimento deste trabalho, que
ao aprofundar em um dos elementos, como as peças de vingança ou de ambição, existem muitas
diferenças e que a aproximação temática superficial não dá conta de sustentar os elos que a visita
panorâmica pareceu demonstrar, evidenciando que é necessário restringir os objetos de pesquisa
para que o aparato histórico das discussões forneça pistas para o desenvolvimento imparcial dessa
dissertação, situada em um campo de posições contrárias bem marcadas. A análise histórica dos
estudos comparados das fontes de Shakespeare, como é o caso, por exemplo, com Michel de
Montaigne, indica que a especialização e restrição dos objetos estudados a uma “obra” de cada
autor proporcionam uma apreciação muito mais rica entre uma possível relação entre os dois
dramaturgos estudados como é a premissa proposta para nossa dissertação.
Justifica-se este trabalho pelas opiniões divergentes dos estudos dessa natureza, a própria
evolução dos estudos comparados das prováveis fontes do dramaturgo inglês e a visão
panorâmica existente nas obras sobre essa discussão, onde por meio de análises de diversos
pontos distribuídos no legado shakespeariano, chega-se à conclusão de uma influência
indiscutível. Entre os instrumentos, será utilizada a tradução Elisabetana (Troas) e a atual
(Troades) da peça de Sêneca, além das edições mais respeitadas das obras de Shakespeare. Os
contextos históricos e o tratamento dado ao gênero da tragédia e do drama histórico
Shakespeariano serão utilizados para rastrear evidências e distorções históricas que apontam para
semelhanças e afastamentos presentes em uma history play. Além de evidenciar o que existe de
comum entre os personagens de ambas as peças, para um enriquecimento e imparcialidade de
posição em relação ao longo debate que existe sobre essa questão, serão tratados também os
pontos de distanciamento entre as obras. Espera-se um resultado especializado sobre o debate da
influência no diálogo entre as duas peças e que contribua para as investigações sobre Sêneca nos
estudos comparados e históricos do gênero trágico.
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A amizade literária entre Mário de Andrade e Sérgio Buarque de Holanda tem início
um ano antes da Semana de Arte Moderna. Maria Amélia Buarque de Holanda1 conta que,
poucos anos antes da família de Sérgio se mudar definitivamente para o Rio de Janeiro, ele
e os escritores jovens do “futurismo paulista” encontravam-se na Confeitaria Fazzoli, na
rua São Bento. Após a Semana de 1922, o futuro autor de Raízes do Brasil seria o
responsável pela veiculação, no Rio de Janeiro, da revista modernista Klaxon, incumbido,
de acordo com entrevista dada a Antonio Arnoni Prado2, de levar à frente a idéia “sem pé
nem cabeça” de vender a poesia feita em São Paulo “por um grupo de rapazes que ninguém
conhecia e que acabava de ser enxovalhado na barulheira do Municipal”.
Com residência fixa no Rio de Janeiro, Sérgio Buarque de Holanda, em 1924,
fundou, com Prudente de Moraes Neto, a revista Estética, cuja duração foi de apenas três
números, elaborada para ser igualmente um veículo de divulgação das idéias modernistas.
Para Antonio Arnoni Prado, Sérgio Buarque de Holanda, mesmo que em meados da década
de 1920 não concordasse com algumas dessas idéias e estranhasse a crença de Mário de
Andrade na capacidade de um conjunto de intelectuais estarem aptos a criar um projeto
para o Brasil, ainda mantinha o escritor de Paulicéia Desvairada como uma de suas
referências3.
A publicação de Macunaíma, em 1928, chama a atenção de Sérgio Buarque de
Holanda. Em 1935, publica um artigo no qual traduz duas lendas de Theodor Koch-
Grümberg que serviram de matéria-prima para as peripécias do “herói sem nenhum caráter”.
Um ano depois, Sérgio assume o posto de assistente do historiador Henri Hauser, na
Universidade do Distrito Federal e publica Raízes do Brasil.
Em 1938, Mário de Andrade, na fase de sua vida conhecida como “Exílio no Rio”4,
também passaria pela Universidade do Distrito Federal, como catedrático da disciplina
Filosofia e História da Arte. Além disso, torna-se responsável pela coluna “Vida Literária”
do Diário de Notícias. A análise dos artigos de crítica literária, publicados por ele nesse
período, mostra que suas preocupações estéticas estavam em muito relacionadas às
sistematizações feitas na ocasião do “Curso de Filosofia e História da Arte”5, do qual era
responsável.
Depois do retorno de Mário de Andrade a São Paulo, em 1940, Sérgio Buarque de
Holanda assume a coluna “Vida Literária”. Logo no artigo inicial, “Poesia e Crítica”6,
destaca o equilíbrio entre imaginação poética e teorização nas críticas do autor de
Macunaíma. Além da citação, a análise da coluna permite-nos perceber Mário de Andrade
e Sérgio Buarque em momentos muito próximos. Há coincidências externas como a relação
direta dos dois com a experiência acadêmica. Na coluna, ambos buscam uma realização
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, Mário de. O Empalhador de Passarinho. 2a. ed. São Paulo: Martins, 1955.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. O Espírito e a Letra. Org. Antonio Arnoni Prado. São
Paulo: Companhia das Letras, 1996. 2 volumes.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil – Edição Comemorativa 70 anos. Org.
Ricardo B. de Araújo e Lilia M. Schwarcz. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
MELLO E SOUZA, Gilda de. A idéia do figurado. São Paulo: Ed. 34/ Duas Cidades, 2005.
DUARTE, Paulo. Mário de Andrade por ele mesmo. São Paulo: HUCITEC, 1977.
PRADO, Antonio Arnoni. Trincheira Palco e Letras. São Paulo: Cosac & Naify, 2004.
NOTAS
1.
Cf. Maria Amélia Buarque de Holanda. “Apontamentos para a cronologia de Sérgio
Buarque de Holanda”, in: Raízes do Brasil, edição comemorativa 70 anos. p. 424.
2
Cf. Antonio Arnoni Prado. “Sérgio, Mário e Klaxon”, in: Trincheira, Palco e Letras, p.
258.
3
Cf. Antonio Arnoni Prado. “Sérgio, Mário e Klaxon”, in: Trincheira, Palco e Letras, p.
268.
4
Expressão de Paulo Duarte em “Departamento de Cultura, vida e morte de Mário de
Andrade”. Depoimento publicado pela primeira vez na Revista do Arquivo Municipal, Ano
XII, Vol. CVI. São Paulo, Departamento de Cultura, Janeiro – Fevereiro, 1946.
Posteriormente, no livro Mário de Andrade por ele mesmo.
5
Para Gilda de Mello e Souza, um dos momentos de maior sistematização da estética de
Mário de Andrade seria justamente o “Curso de Filosofia e História da Arte” (Cf. MELLO
E SOUZA, Gilda. “Sobre O Banquete” In: A Idéia do Figurado. p. 9.)
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Este trabalho parte da reunião das diversas traduções dos poemas do livro Les
Fleurs du mal, de 1857, do poeta francês Charles Baudelaire, publicadas no Brasil -
compreendida primeiro pela minha dissertação de mestrado, “Entre brumas e chuvas:
tradução e influência literária”, defendida no Instituto de Estudos da Linguagem da
Unicamp, em agosto de 2003 – e enfocando agora principalmente as realizadas a partir de
1957; nele procuro refletir sobre a relevância dessas traduções dentro da história da
literatura brasileira e sobre qual é o posicionamento por elas manifestado em relação à obra
francesa; obtive assim algo como uma baudelairiana brasileira, capaz de subsidiar tanto os
estudos sobre a recepção de tal obra fundamental, quanto revelar uma nova concepção
sobre a experiência da tradução.
Tendo em vista que a tradução é formadora e constitutiva do próprio pensamento
humano e que seu processo é elemento significativo da formação de qualquer cultura,
procuro discutir seu papel dentro da história da Literatura Brasileira à partir da reunião das
traduções dos poemas do livro francês Les Fleurs du mal, de Charles Baudelaire; depois,
questiono a gênese da tradução poética e procuro respostas junto a algumas teorias da
tradução em discussão, observando traduções de vários tradutores ao longo do tempo e
elaborando traduções próprias, sempre levando em conta aspectos lingüísticos, históricos e
culturais que poderiam se depreender de cada texto. (BARBOSA, 1974:24)
Além do resgate historiográfico promovido, recuperando algumas importantes e
significativas leituras dessa obra francesa, comparando suas traduções com outras
produzidas ao longo do tempo, vislumbro não uma evolução, mas uma diferenciação entre
as abordagens tradutórias, construídas sempre dentro de seu momento histórico e
ideológico. O livro escolhido, de 1857, verdadeiro marco da literatura ocidental, foi
traduzido por mais de sessenta poetas brasileiros - alguns traduzindo apenas um poema,
outros, o livro todo - sendo a tradução brasileira publicada mais antiga datada de 1872.
Neste trabalho, interessa-me especialmente a crítica que parte da atividade prática
da tradução. Tradução que, mais do que uma palavra é também uma atitude que faz parte
do conjunto dessa idéia de modernidade que o frisson nouveau de Baudelaire, ele mesmo
tradutor, faz despertar. É certo que a tradução tem um papel fundamental na formação de
qualquer cultura que se quer cosmopolita, visto que em geral o público não lê os autores
estrangeiros em sua língua original, tendo assim que confiar nas traduções. Acredita-se
então que através da tradução é possível verificar os principais resultados de uma influência
estrangeira e indicar os rumos tomados por nossa própria literatura.
Os objetivos deste estudo foram pelo menos três: em primeiro lugar, a apresentação
abrangente e representativa da recepção brasileira da obra fundamental para a literatura
ocidental que é o livro Les Fleurs du mal, de Charles Baudelaire, que, somada ao estudo
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anterior, apresentado em minha dissertação, trata não só dos principais tradutores, mas
principalmente das relações artísticas e estéticas e dos diversos diálogos poéticos
produzidos ao longo do tempo, relevantes dentro da própria literatura brasileira.
Em segundo lugar, sob o pretexto de observar tais traduções, a manifestação de
opiniões e reflexões sobre os poetas atuais e a poesia contemporânea, colaborando com a
crítica moderna, ainda carente de estudos contemporâneos sobre a poesia recente, e
verificando como e de que forma a tradução ainda se presta como instrumento de
manifestação de uma relação estética, tanto para sua produção original, quanto sua relação
com a arte estrangeira. É certo que para melhor compreender o processo tradutório de
alguns poetas, fez-se mais do que necessário, por vezes, mergulhar na sua própria poesia,
tendo em vista que o reconhecimento da influência literária estrangeira vai além do ato
tradutório e se manifesta na sua relevância dentro da própria literatura brasileira
contemporânea.
Por fim, e talvez o mais significativo dos objetivos, pode-se organizar e apresentar
ao público leitor uma nova edição do livro capital de Baudelaire, composta de diversas
traduções do maior número possível de tradutores, manifestando uma leitura peculiar e
significativa do livro francês, ao mesmo tempo em que percorre toda a história da literatura
brasileira. Esse livro, certamente, mais do que tornar visível a diversidade da recepção do
livro francês e tentar persegui-la, pode ser encarado de uma forma totalmente nova, pela
sua maneira de tratar o ato tradutório como nunca fora até então, em sua observância
fundamental da temática da modernidade.
Neste momento, em particular, observamos mais atentamente o poema
Correspondances: tornado emblemático do conjunto da obra de Baudelaire por certa leitura
swedenborguiana (BALAKIAN, 2000:45) - muito apreciada no romantismo francês - e que
se tornou referência poética para muitos poetas que vieram depois, servindo como epígrafe
do movimento simbolista, tanto na França quanto no Brasil, pode ser considerado uma
síntese do ideário desse movimento, sendo o conceito da correspondência entre os diversos
planos - entre as coisas humanas, as coisas da natureza - fundamental para o novo conceito
de arte que Baudelaire articulava naquela época.
Embora citado em diversos poemas e manifestos brasileiros, simbolistas e
parnasianos, o poema Correspondances só veio a ser traduzido, em português brasileiro,
em 1932, por Felix Pacheco, em seu célebre discurso de posse na Academia Brasileira de
Letras, intitulado “Baudelaire e os milagres do poder da imaginação”. Na mesma época, foi
ainda traduzido por Eduardo Guimaraens e Clodomiro Cardoso, publicados por Pacheco,
em 1933, dentro de uma relevante retomada da poesia de Baudelaire no Brasil, simultânea
àquela que acontecia na França, capitaneada por Paul Valery, publicando diversas
traduções de poemas de Les Fleurs du mal e textos críticos sobre ele. Depois deles, outros
poetas traduziram tal soneto, como Osório Dutra (1937), Mauro M. Villela (1964), Claudio
Veiga (1972), José Lino Grunewald (1994) e Juremir M. Silva (2003), além dos três poetas
que traduziram o livro todo.
Comparando essas onze traduções pode-se perceber uma grande diversidade de
soluções para traduzir os versos alexandrinos originais, mais ou menos satisfatórias,
certamente em nome da preservação imprescindível desse verso, salvo em algumas
consideráveis exceções. A busca pelo emprego da regra clássica do verso alexandrino
parece muitas vezes ser o objetivo principal de alguns tradutores brasileiros, ficando em
segundo plano todos os demais aspectos.
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Referências Bibliográficas
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Castro. Petrópolis, Vozes, 1974.
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FERRI, Mário e tradução de JARDIM JÙNIOR, Davi. Belo Horizonte: Itatiaia, 1977.
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EDUSP, 2004.
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Sendo esta uma pesquisa situada no âmbito da crítica literária que tem como objeto a
última obra publicada em vida pelo escritor alagoano Jorge de Lima, pretende-se investigar
como ela dialoga com a tradição de epopeias fundadoras do mito de nacionalidade e como esse
conceito é questionado e/ou reafirmado dentro da própria obra. Para isso, faz-se necessária uma
pesquisa bibliográfica que inclua tanto os textos literários que compõem a tradição já referida,
quanto textos teóricos que discutam as noções de epopeia e poesia na modernidade.
Invenção de Orfeu, publicada pela primeira vez em 1952, é uma obra que se caracteriza
pela pluralidade: de temas, de formas, de vozes, de intertextos. Autodenomina-se “poema
ilícito” (Canto III, poema VII), tão ébrio quanto o bateau ivre de Rimbaud (Canto VII, poema
III), “poema informe e sem balizas” (Canto VIII, estrofe 45) a que não se pode exigir nenhum
lema (Canto I, poema XXIII). Segundo o próprio Jorge de Lima (1997, p. 64), “a ideia geral
deste poema é a epopeia do poeta olhado como heroi diante das vicissitudes do tempo e do
espaço”. Tal afirmação corrobora um dos subtítulos da obra: “Biografia épica”. Trata-se da
aventura do poeta na modernidade: como fazer versos em um mundo que se revela cada vez
mais refratário à poesia? Essa refração se dá, como indica o próprio poema, porque em tempos
de agravamento das condições de vida, não há o que ser cantado, não existem feitos dignos de
glória: “nem tudo é épico e oitava-rima” (Canto V, poema II). No entanto, o poeta não pode
abandonar o seu ofício, pois a poesia é para ele uma designação divina. Sua função é
testemunhar a obra do criador e furtá-la da deterioração provocada pelo tempo: “Não foi para
ser belo que Ele o criou/ mas para testemunhar, testemunhar-se, / testemunhar Sua Obra.
Vocação. / Revelação do eterno. [...]” (Canto VIII, estrofe 193). A tensão entre a
impossibilidade e a necessidade da poesia estará presente em toda a obra. A maneira como é
apresentado Orfeu, o deus do canto, é emblemática dessa tensão: tendo perdido seu poder
encantatório, esse “deus sonoro e terrível, hoje vago, vago / tão vago como sua vaga destra”
(Canto II, poema XI), necessita ser reinventado. O Canto VII, “Audição de Orfeu”, por
exemplo, é curiosamente aquele em que mais se fala sobre o silêncio.
A obra compõe-se de dez cantos. Cada um deles, à exceção dos cantos VIII e IX,
apresenta um conjunto de poemas, metrificados das mais diversas maneiras, em que a rima
raramente tem lugar. Embora alguns dos poemas sejam narrativos, o tom geral é lírico. Assim,
tempo, espaço e personagens que figuram na obra vão sendo compostos não a partir de ações e
fatos, mas de um quadro imagético.
O lugar que serve de pátria ao poeta é a ilha. No canto I, denominado “Fundação da
Ilha”, vê-se que ela tem origem num sonho do poeta, em que se fundem memórias da infância
com a imagem de uma vaca mítica (poema XV). A infância da ilha é caracterizada como
momento edênico de integração dos homens com a natureza, que lhes inspirava poesia (Canto I,
poema VIII). Sobrevém a esse momento a Queda: o poeta assume a máscara de Adão que,
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juntamente com Eva, foi expulso do Paraíso devido à ganância (Canto I, poema XII). O tema
das viagens marítimas empreendidas nos séculos XV e XVI, sob a bandeira da religião cristã,
em busca de conquistas territoriais para exploração comercial, associa-se ao tema da Queda,
como pode ser observado especialmente no Canto V, “Poemas da vicissitude”. Tanto a Queda
quanto as descobertas marítimas assinalam o momento em que a integração com a natureza e o
Criador, para o homem edênico e para o habitante dessa ilha primordial, se rompe e dá lugar
aos sofrimentos de um universo dominado pela vontade humana: “Poema-Queda jamais finado
/ eu seu heroi matei um deus” (Canto I, poema XXIX). Esse tempo de sofrimentos é o que
caracteriza o presente vivido pelos habitantes da ilha. A temporalidade da obra insere-se, assim,
numa perspectiva cristã. Do Paraíso, à Queda; e desta ao Juízo Final, em que, ao término do
Canto VIII, todos se encontram na iminência de serem julgados, inclusive o próprio poeta. Os
personagens que figuram no poema, diante do cenário traçado, não podem ser heróis cujos
feitos sejam dignos de glória. Em contraposição à epopeia camoniana laudatória das
descobertas marítimas portuguesas, o poeta pergunta: “Será que há mar para um heroi / olhar o
céu à flor das águas?” (Canto V, poema II). O poeta deve falar sobre figuras anônimas, sobre
“coisas desabadas”, pois são elas o que constituem a sua biografia (Canto V, poema II).
Considerando as epopeias que tencionaram fundar um mito de nacionalidade, cuja
primeira representação é a Eneida de Virgílio, é possível dizer que Invenção de Orfeu apresenta
traços que a identificam com tal tradição. Sua extensão e estrutura procuram dar conta da
representação de um universo ficcional que espelha o passado de uma nação. A ilha pode ser
identificada com o Brasil, como nos apontam as referências explícitas à colonização e aos
demais períodos da história nacional. Seu heroi, o poeta, é aquele indivíduo que se subsume à
coletividade; por isso, em sua “biografia épica” não constam fatos individuais; o poeta fala por
todos os seres; sua identidade é coletiva e interessa à identidade da nação. Do épico não lhe
falta, inclusive, a invocação à musa que, neste caso, se espalha por todo o poema nas figuras
femininas constantemente evocadas: Lenora, Beatriz, Inês de Castro, Eva, Eurídice, Mira-Celi,
Eumétis.
Por outro lado, a obra problematiza a noção de epopeia de cuja tradição é tributária.
Pois ao poeta moderno não é possível se eximir da responsabilidade de arcar com um passado
histórico que demonstra estarem falidas as esperanças depositadas na noção de progresso da
humanidade. As guerras de conquista, necessárias à concretização e estabelecimento das
identidades nacionais, são vistas como comprovação de tal falência, e por isso recusadas pelo
poeta, que não as vê mais como dignas de serem enaltecidas. A ausência de narratividade nesta
“epopeia moderna” parece indicar que não há o que ser cantado. A vocação para a poesia é um
fardo para esse heroi, que o marca com a insígnia do decaído, louco, assaltado pela fala
dionisíaca e convulsa, contrária ao discurso épico apolíneo (Canto IV, “As aparições”).
Invenção de Orfeu resulta, assim, num “poema tão amargo que parece / ser apenas
palavras despenhadas / sobre cactos e espinhos semeadas / onde uma liana turva se entretece”
(Canto V, poema XVIII). Se a fundação do mito de nacionalidade se apóia na prosperidade
futura como continuação de um passado de glória, para o poeta moderno o futuro é apocalíptico
(Canto VI, “Canto da desaparição”) e suas palavras pouco ou nada podem contra tal previsão.
Referência bibliográfica:
LIMA, Jorge de. Jorge de Lima: poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997.
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utópico ao longo de todo o texto literário – o que, a princípio, parecia ser uma reformulação
da primeira questão suscitada pela recepção do livro, ou seja, seu caráter de crítica política.
Depois de três semestres de pesquisa bibliográfica, esse objetivo vem sendo
redimensionado para levar em consideração que a utopia feneloniana não é composta
apenas de idéias políticas, mas de concepções muito específicas de história, natureza e arte.
Juntamente com suas idéias políticas, essas concepções compõem uma cosmovisão que
permite situar de forma mais precisa Fénelon em seu tempo e reavaliar sua influência
posterior.
Nessa perspectiva, as três questões fundamentais para sua fortuna crítica não podem
ser estudadas separadamente. O que há de sátira n’As aventuras de Telêmaco diz muito
daquilo que seu autor idealiza como sociedade perfeita, uma aristocracia sustentada pelo
trabalho no campo; bem como sua concepção de educação, fundada na História, está a
serviço da formação do homem ideal que comporá essa sociedade; e, ainda, suas escolhas
estéticas, que valorizam uma natureza primitiva, manifestam, por meio da forma, seus
valores morais.
Tal imbricação entre literatura e política não era uma marca particular de Fénelon.
Na segunda metade do século XVII, a literatura tornou-se um problema político. A querela
entre Antigos e Modernos dividiu a República das Letras entre aqueles que acreditavam
viver um período de decadência (tendo como referência positiva a Idade de Outro da
antiguidade) e aqueles que defendiam a era do Rei Sol como o ápice da cultura européia.
Segundo Fumaroli, em prefácio a uma coletânea dos textos constitutivos da querela
(Gallimard, 2001), um dos principais problemas dessa divisão estava na interpretação do
Estado de Luís XIV. Para Boileau, por exemplo, a modernidade do Estado Absoluto tinha
um limite. A realeza era um ofício sagrado antigo. O rei não deveria, portanto, ser
entendido como um começo absoluto, mas como a continuação de uma tradição. O juízo de
um governo não poderia situar-se na sua contemporaneidade, mas no seio mesmo da
história.
Os Modernos, por sua vez, concebiam o Estado Absoluto como a superação
teológica e política da antiguidade. O reino de Luís XIV era considerado, portanto, a única
referência para si mesmo. Daí a metáfora elaborada por Swift: os Antigos eram abelhas que
retiravam os elementos de sua criação de outros autores; os Modernos eram aranhas que
tiravam os fios de sua criação de suas próprias entranhas.
Apesar de ter-se sempre pronunciado como partidário dos Antigos, Fénelon viu seu
Telêmaco ser recebido pelos Modernos com euforia; além disso, concorda com os
Modernos que a moral dos heróis da antiguidade é questionável por não ser cristã; por fim,
sua utopia, que pretendia revalorizar a nobreza, não abria mão da idéia dos direitos divinos
do rei. A imbricação apontada entre literatura, política e educação na obra feneloniana não
exclui, como podemos perceber, ambigüidades e talvez contradições.
Com o objetivo de entender melhor esses problemas, realizaremos uma nova leitura
de As aventuras de Telêmaco procurando responder as seguintes perguntas:
• Quais são as concepções de homem figurativizadas pelos personagens do texto?
• Que definições de glória e virtude podem ser abstraídas das lições dadas por Mentor a
Telêmaco?
• Qual deve ser o objetivo principal de um governante?
• Qual é a melhor forma de governo?
• Qual é a origem do poder de um príncipe para Fénelon?
• Quais são os direitos e os deveres do povo?
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Tatiana Sena dos Santos, Mestrado em Teoria e História Literária – Universidade Federal
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dramaturgia de Beckett, e é meu objetivo aqui investigar como esse mesmo recurso
formal se presta a desenvolvimentos radicalmente diversos (e talvez opostos). O papel
do silêncio na tragédia é visto aqui principalmente à luz das teorizações de Hölderlin
(2008) sobre as peças Édipo Rei e Antígona, que são parcialmente retomadas por
Benjamin em seu estudo sobre o drama barroco alemão, e nesse sentido o conceito de
cesura prefigura-se como ponto privilegiado de configuração do problema. Por sua
vez, parto da leitura que Adorno faz de Endgame para encarar a função do silêncio em
Beckett. O outro pólo das relações entre Endgame e tragédia é construído em torno
das relações da peça com a Poética aristotélica; no presente estágio de
desenvolvimento, considero que na peça de Beckett acontece uma espécie de negação
dos preceitos aristotélicos, mas essa negação é aqui encarada no sentido da
Verneinung freudiana, uma desautorização que possibilita a aceitação parcial e
distorcida desses preceitos. O segundo núcleo de desenvolvimento trata das relações
entre Endgame e drama trágico (Trauerspiel), sendo construído em torno da
importância dos objetos em ambos. Para Benjamin, os objetos de cena ocupam um
papel central nos dramas trágicos, sendo as cenas elaboradas em torno desses objetos
(quer seja um punhal, quer sejam os cetros dos reis), que são a presentificação do
destino que propulsiona a peça. Em Endgame, por sua vez, objetos são constantemente
referidos e desejados, mas sua escassez ou desfuncionalização traz contornos diversos
ao seu papel na peça. A partir de algumas implicações retiradas da leitura desses
objetos, parto para a problematização da idéia de alegoria na peça de Beckett: se os
objetos funcionavam alegoricamente nos dramas trágicos, a opacidade que eles
apresentam na cena beckettiana mina também a possibilidade de tomá-los desse modo.
Desenvolvo, nesse sentido, a resistência da peça à interpretação alegórica, que
aparentemente culmina na impossibilidade de qualquer interpretação totalizante de
seus elementos. O que se anuncia silenciosamente em Endgame é uma espécie de anti-
alegoria, ou de alegoria mutilada: os elementos para a leitura alegórica se encontram
em cena, mas resistem a serem tomados desse modo, e cada um deles apresenta essa
resistência de formas determinadas. Por sua vez, o terceiro núcleo de desenvolvimento
consiste em uma discussão mais propriamente teórica, que parte da seguinte idéia: o
luto do drama trágico pode ser lido como estando relacionado à perda da possibilidade
do tempo criador que é característico da tragédia. Extrapolando essa idéia, busco
propor o luto e a melancolia também como formas de se ler a tradição reconstruída no
contexto da pesquisa. Benjamin afirma que os dramaturgos do barroco alemão têm
uma “fidelidade distorcida” aos preceitos clássicos, e busco desenvolver essa idéia no
sentido de uma relação de identificação extremada, análoga à identificação
melancólica caracterizada por Freud. Essa identificação diz respeito principalmente à
forma como a tradição é lida pelos teóricos levantados no decorrer da pesquisa. O
ponto mais alto da dramaturgia ocidental já é perdido de antemão, e não nos é mais
possível alcançá-lo, ou mesmo apreciá-lo integralmente (levem-se em conta, por
exemplo, as afirmações de Nietzsche sobre a tragédia grega, um “espetáculo total”
que não conseguimos apreender), e acredito que essa forma de ler a tradição, por parte
de autores como Nietzsche, Hölderlin e, principalmente, Benjamin, merece ser
interpretada, trazendo consequências à minha leitura de Endgame. Se a perda da
possibilidade da tragédia deixa marcas insuperáveis na tradição levantada ao longo
desse trabalho, a posição-limite de Endgame ganha conotações absolutamente novas,
re-significando muito da leitura desenvolvida até esse ponto.
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Partindo de uma leitura das representações do campo artístico encontradas nas obras
de Roberto Bolaño e J.M. Coetzee, este trabalho estudará as mudanças sofridas no estatuto
de autonomia da literatura. Nessas narrativas, a literatura já não é concebida como um
domínio independente, sendo influenciada por esferas políticas, mercadológicas e
midiáticas. Essa situação se estende até a figura do autor/escritor que, inclusive, aparece
freqüentemente como agente legitimador de violência, tanto simbólica quanto física. O
objetivo desta pesquisa é explicar como o conceito de “literatura” pode ter se tornado uma
categoria indesejada ou mesmo repudiável. Assim, serão analisadas, a partir das obras
propostas, as relações entre diversos atores e instituições – escritores, a universidade, a
mídia, o mercado e o Estado – buscando entender quais os mecanismos que estão em jogo
na apropriação do literário por outros campos. Também será verificado se a possibilidade
da neutralização do conteúdo literário como ficção facilita a transformação da literatura em
um dispositivo que atua em favor de interesses alheios. Este projeto de pesquisa, que
pretende dialogar com as teorias de Pierre Bourdieu, Michel Foucault e Jacques Derrida,
espera, ao final, entender que novo tipo de investimento simbólico esses dois escritores
contemporâneos querem reivindicar, e como o discurso sobre a autonomia da literatura
deve ser entendido num período de fortes interferências sobre o campo cultural.
Os objetivos do trabalho são: 1) Apontar como os diversos atores e instituições –
escritores, a universidade, o mercado, o Estado e a mídia – se relacionam no interior dos
romances Elizabeth Costello e Slow Man de J. M. Coetzee e Los detectives salvajes e
Nocturno de Chile de Roberto Bolaño; 2) Analisar a dissolução da autonomia do campo
artístico (tal como conceituado por Pierre Bourdieu) a partir das representações da literatura
e do escritor encontradas no corpus deste projeto; 3) Identificar, nesses romances,
mecanismos (tais como a “ficcionalidade” e a “pluralidade”) que configuram o espaço
discursivo literário na contemporaneidade e apontar as formas pelas quais Bolaño e Coetzee
os expõem e os problematizam; 4) Desenvolver, baseando-se nessas análises, uma teoria
sobre o papel da neutralização do conteúdo crítico como ficção na definição da literatura
como dispositivo a cumprir interesses de esferas alheias; 5) Buscar as novas formas de
investimento simbólico que esses autores querem reivindicar ao se contraporem a um certo
conceito de literatura desde o interior mesmo do discurso literário, tendo-se em vista a
perda de sua autonomia e sua neutralização.
Durante as últimas décadas do século XX, houve uma reconfiguração radical dentro
do âmbito literário, causada por uma crítica aos valores (até então tidos como) adjacentes
que determinavam e limitavam aquilo que se entendia por cultura, buscando suprir os seus
silêncios, seus silenciamentos. Entraram em jogo novas formas de politização do campo
literário, novos valores defendidos desde o interior deste campo, transformando os papéis
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pessoal, às entrevistas concedidas em tais ocasiões, etc., ainda que nem sempre tenhamos
acesso às palestras em si. Ficam ressaltadas as condições de enunciação e as reações que
sua fala provoca, reações que Costello encara constantemente como derrotas. Ainda assim,
e significativamente, as palestras são organizadas como “lições” ao invés de “capítulos”,
talvez mais para descrever uma certa expectativa pedagógica de seus ouvintes e leitores do
que para indicar alguma espécie de ensinamento que de fato o texto traria.
No entanto, para entendermos o sentido dessas derrotas, será preciso esboçar uma
história da literatura envolvendo a idéia de liberdade de expressão e sua relação com a
figura do intelectual. Desse modo, poderemos contextualizar o modo pelo qual Coetzee (e
Costello) decide (ou é obrigada a) agir “publicamente” e para que limites o seu texto
aponta.
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Dentre os diversos propósitos assumidos por Alencar na sua atuação literária, está a
formação e a elevação do público leitor. Este desempenha uma importante função na sua
obra, a julgar pelos primeiros romances, que ficcionalizam o seu receptor através de uma
prima, suposta leitora de Cinco Minutos, O Guarani e A Viuvinha. Além dos romances,
pode-se identificar esse recurso também nas cartas que motivariam a famosa polêmica
sobre o poema de Magalhães, A Confederação dos Tamoios; Alencar poderia ter
expressado sua opinião a respeito do poema em simples artigos, mesmo que anônimos, mas
preferiu o gênero carta. Esse gênero lhe permitiu ficcionalizar o emissor, como sendo “o
verdadeiro anacoreta do século dezenove, que lê o jornal pela manhã, e à noite joga o seu
voltarete” (Alencar, 1953: 8), e criar um interlocutor, o suposto editor do jornal e amigo.
Essa estratégia o isenta de um embate direto com os contendores.
A crítica considera que a estréia literária de Alencar se dá nas colunas da seção “Ao
correr da pena”, folhetim em que publicava regularmente crônicas que abordavam assuntos
do cotidiano - como política, teatro, moda, utilidade pública - através do tom de conversa,
satisfazendo o interesse de um público variado. Alencar, nessa primeira experiência,
estabeleceu contato com o público e deu indícios da sua figuração de leitor. A leitura das
crônicas revela uma recorrência de interlocução ao leitor, seja de forma lisonjeira, seja pela
demonstração de intolerância e impaciência. As inúmeras referências a seu receptor
permitem identificar que imagem Alencar constrói de seu público. Este estudo fará uma
análise das crônicas de José de Alencar para reconhecer que características o escritor
atribuía ao seu leitor.
Os pesquisadores detectaram a publicação de 61 crônicas de autoria de Alencar: 31
na primeira série de “Ao correr da pena”, publicadas no Correio Mercantil entre 3 de
setembro de 1854 a 8 de julho de 1855; 3 publicadas no Jornal do Comércio no ano de
1855; 7 na segunda série de “Ao correr da pena”, publicadas no Diário do Rio de Janeiro
entre 7 de outubro e 25 de novembro de 1855 e 14 sob os títulos de “Folhas soltas”, “A
revista” ou “Folhetim”, publicadas também no Diário do Rio de Janeiro de 18 de fevereiro
de 1856 a 18 de dezembro de 1856.
Alencar estreou no Correio Mercantil a convite de Francisco Otaviano, que tinha
certo prestígio no círculo letrado pela sua atuação no folhetim do Jornal do Comércio, para
o qual colaborou com crônicas entre os anos de 1852 e 1854, antes de assumir a direção do
Correio Mercantil e a seção de política desse periódico. Alencar era ainda um nome
desconhecido na imprensa e, para evitar comparações e hostilidade por parte do público
habituado à escrita de Otaviano, no seu primeiro folhetim, ficcionaliza a substituição
através de uma metáfora:
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Um belo dia, não sei de que ano, uma linda fada, que chamareis como quiserdes, a
poesia ou a imaginação, tomou-se de amores por um moço de talento, um tanto
volúvel como ordinário o são as fantasias ricas e brilhantes que se deleitam
admirando o belo em todas as suas formas. [...] Assim se passou muito tempo; mas
já não há amores que durem sempre, principalmente em dias como os nossos, nos
quais o símbolo da constância é uma borboleta. Acabou o poema fantástico no fim
de dois anos; e um dia o herói do meu conto, chamado a estudos mais graves,
lembrou-se de um amigo obscuro, e deu-lhe a sua pena de ouro (Alencar, 2003: 18-
19).
Alencar explica que essa pena, nas mãos do “moço de talento”, era dada às “formas
elegantes” e a “meneios feiticeiros”; já nas mãos do folhetinista estreante “só fazia correr”.
Dessa forma determina um tipo de leitura para as suas crônicas: como são escritas “ao
correr da pena”, devem ser lidas ao correr dos olhos. Essa primeira postura revela sua
preocupação com o leitor e a recepção de seus textos, temas caros na sua produção
folhetinesca.
No segundo folhetim, Alencar se queixa da dificuldade que é abordar tão diferentes
assuntos no mesmo espaço:
Essa variedade não é simples exigência do gênero, mas uma estratégia para atender
a uma diversidade de públicos e preferências:
Se se trata de coisa séria, a amável leitora amarrota o jornal, e atira-o de lado com
um momozinho displicente a que é impossível resistir. – Quando se fala de bailes,
de uma mocinha bonita, de uns olhos brejeiros, o velho tira os óculos e diz entre
dentes: ‘Ah! O sujeitinho está namorando à minha custa! Não fala contra sãs
reformas! Hei de suspender a assinatura’. O namorado acha que o folhetim não
presta porque não descreveu certo toilette, o caixeiro porque não defendeu o
fechamento das lojas aos domingos, as velhas porque não falou na decência das
novenas, as moças porque não disse claramente qual era a mais bonita, o negociante
porque não tratou das cotações da praça, e finalmente o literato porque o homem
não achou a mesma idéia brilhante que ele ruminava no seu alto bestunto (Alencar,
2003: 29).
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literários, estabelecendo regras ou convenções para a busca por semelhanças entre sons, letras,
rimas, aforismos e sentidos.
Tendo como referência esse contexto, Mario Barenghi, organizador dos dois volumes
Saggi 1945-1985 que recolhem milhares de textos ensaísticos de Calvino, percebeu que a
trajetória do escritor se manteve linearmente orientada por sua participação engajada no
cenário político italiano até a metade dos anos 60. Desse momento em diante, a partir
especificamente da conferência “Cibernetica e fantasmi” (1967), o ensaísmo do escritor teria
se direcionado à formulação de paradigmas não mais subjacentes aos processos históricos, e
sim estritamente vinculados a questões intrínsecas à literatura. Confirmando essa delimitação
temporal, Gian Carlo Ferretti, outro crítico italiano que percorreu a produção ensaística de
Calvino, preferiu apenas situar o início dessa nova fase dentro da obra ficcional do escritor,
com As Cosmicômicas (1965), destacando as mesmas diretrizes que Barenghi.
A literatura entre teorias e imagens. Esse núcleo de consonâncias e dissonâncias nos
parece realmente norteador do pensamento de Calvino entre os anos de 1965 e 1985, porque
As Cosmicômicas, ‘Cibernética e fantasmas’ e muitos outros textos seguintes expressam a
preocupação e a dificuldade cada vez mais intensa de entender se e como a literatura deve
continuar narrando histórias, em razão dos espaços assumidos por outros saberes e discursos.
Afinal, a literatura não está isolada nem ilesa. Calvino nunca a encerrou dentro de seus
próprios limites unicamente estéticos. Ainda mais nas duas últimas décadas, em que ele
parece intensificar sua disposição para experimentar a narrativa rodeando outros domínios de
conhecimento, trazendo para suas narrativas novas impostações questionadoras de si mesmas
e tornando-as menos narrativas e mais, poderíamos dizer, ensaísticas.
Enfim, tentaremos acompanhar as transformações pelas quais a narrativa pós-
cosmicômica de Calvino teve de passar ao se ver circundada por leituras assíduas de
antropologia e etnologia, Lévi-Strauss, Marvin Harris e Van Gennep, de ciências e histórias
da ciência, Galileu, Newton, Freeman Dyson, Giovanni Godoli, e por produções
cinematográficas, notadamente adaptações literárias, julgadas oficialmente pelo escritor nos
festivais, como o de Veneza, ou informalmente por ele criticadas com base nas diferenças e
semelhanças entre linguagem escrita e linguagem áudio-visual.
A fim de abranger todas essas discussões, seguiremos uma metodologia de leitura
igualmente abrangente, pois o percurso por todos os ensaios, resenhas, prefácios e também
cartas, compilados principalmente em Saggi 1945-1985 e Lettere 1940-1985, não será
desnecessariamente minucioso tampouco desproporcionalmente exaustivo para o âmbito da
pesquisa. Nosso foco primeiro estará na seção dos Saggi intitulada “Immagini e Teorie” –
subdividida em “Sul cinema”, “Intorno alle arti figurative” e “Letture di scienza e
antropologia”, títulos que claramente despertam nosso interesse. Essa seção de textos será
necessariamente vinculada a outras, para que tentemos reverter a dissociação entre esses
temas e aqueles relativos predominantemente à literatura, uma vez que tal separação realizada
na organização da coletânea de ensaios só responde a fins meramente classificatórios.
Vislumbradas em conjunto, as reflexões sobre teorias antropológicas e científicas
acerca do homem no universo, sobre pressupostos verbais e visuais das narrativas na página e
na tela, bem como sobre os autores clássicos e contemporâneos que cruzaram zonas de
intersecção entre romance, fábula, realismo, fantasia, incluindo as ficções do próprio ensaísta,
possibilitarão adentrar as restrições e inovações impostas à narratividade literária na segunda
metade do século XX, de acordo com essa perspectiva central de Italo Calvino.
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A Fome: ânsia ou carência? Uma leitura das obras de Rodolfo Teófilo e Knut Hansum
O trabalho tem como objeto dois livros homônimos, de dois autores separados por
oceanos (tanto no sentido literal, quanto no simbólico) e unidos por uma coincidência
intrigante. Em 1890, Rodolfo Teófilo (1853 – 1932), nascido na Bahia e radicado no Ceará,
farmacêutico, cientista e escritor, publica A fome: cenas da seca do ceará. A obra, de estilo
naturalista e linguagem crua, narra a saga de uma família de retirantes fugindo da morte
certa no interior do Ceará, durante a grande seca de 1878, e é recebida com um misto de
desdém e má-vontade pela intelligentsia da época. Na Noruega, Knut Hansum (1859 –
1952), escritor que ganharia o Nobel de Literatura de 1920, publica, no mesmo ano, A
fome, obra que narra as desventuras de um jovem desconectado da realidade, misto de
escritor e vagabundo, lutando para sobreviver ao rigor do inverno e à indiferença das
pessoas ao seu drama pessoal.
O objetivo do trabalho é colocar em contato duas obras, aparentemente díspares,
unidas, em princípio, apenas por um título e por um tema, investigando a maneira pela qual
elas tratam da situação humana, nomeada ou mediada pela "fome". Por meio de reflexões
acerca da construção e inserção das personagens, a leitura comparativa dos textos dará
destaque ao modo como essas obras levantam problemas que as contextualizam em suas
respectivas tradições literárias, mas também as aproximam graças a uma visão mais
abrangente do tema. A hipótese inicial é a de que a percepção do conceito de fome
extrapola a idéia da ausência, como geralmente é definido, e aponta para uma experiência
da "ânsia", que modaliza inclusive a própria concepção de obra literária.
A leitura comparativa das obras dará destaque, principalmente à construção dos
protagonistas (Manoel de Freitas na obra do brasileiro e um narrador inominado, na obra do
norueguês) e às suas reações diante da condição em que se encontram. De um lado o que se
tem é a privação do alimento por uma contingência climática e social. A luta pela
sobrevivência que Freitas empreende é de caráter épico e suas estratégias o colocam na
condição de herói de moldes clássicos. Seu caráter é irretocável, sua vontade é inabalável e
seus objetivos muito claros: salvar a si e aos seus. A privação do protagonista de Hansum é
voluntária. Ele se priva do alimento em uma busca frenética pela possibilidade de produzir
uma obra grandiosa. Priva a si mesmo da sensação do gosto, do paladar, para aguçar os
sentidos e alcançar uma consagração cada vez mais improvável. Aproxima-se do patético,
enquanto Freitas, na obra de Teófilo, alcança sagração.
A análise do caminho percorrido pelas personagens, bem como da percepção da
fome na trajetória de cada um serão os fios condutores da leitura. De um lado, no sertão
nordestino, um ser idealizado, moldado para as dificuldades e obstinado por sobreviver; de
outro, um anti-herói marcado por certo derrotismo e por uma visão de si mesmo que o
coloca como um ser superior, uma espécie de gênio incompreendido e injustiçado. Nesse
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Yvone Soares dos Santos Greis, Doutorado em Teoria e História Literária – Universidade
Estadual de Campinas
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Procedimentos da pesquisa
A condução da pesquisa deverá pautar-se:
- no levantamento bio-bibliográfico de Barthélemy Aneau para posteriores relações com
algumas obras do repertório de utopias literárias francesas do Renascimento, cujas análises
se encontram em andamento no grupo de pesquisa do professor Carlos Eduardo O. Berriel;
- no levantamento e análise de estudos críticos sobre a obra a ser traduzida, que permitam
oferecer, com a tradução, elementos que possam ajudar na compreensão da obra como
utopia literária;
- na consulta a documentos (manuscritos, fac-símiles etc.) que auxiliem na precisão de
dados históricos referentes à pesquisa, notadamente em relação às cidades de Bourges e
Lyon.
- na realização de parte dos estudos doutorais no Centre d'Études Supérieurs de la
Renaissance, Université François Rabelais, na cidade de Tours, França.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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