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Culto e Música no Contexto Cristão

Autoria
Raul Blum possui graduação em Teologia pelo Seminário Concórdia (1973),
graduação em Regência pela Faculdade Santa Marcelina (1992) e mestrado em
Música Sacra (Master Of Church Music) pela Concordia University Wisconsin (2001).
Atualmente, é professor adjunto da Universidade Luterana do Brasil. Tem
experiência nas áreas de Teologia e Música, atuando principalmente nos seguintes
temas: Culto, Louvor, Liturgia, Música Sacra e Música.

Revisão, Adaptação e Acréscimos


Paulo Gerhard Pietzsch é Graduado em Teologia pelo Seminário Concórdia (1987)
e pela Escola Superior de Teologia – EST (2012), Especialista em Educação Musical
pela Universidade de Passo Fundo (1999), Mestre e Doutor em Teologia pela EST
(2002 e 2008,). Professor Adjunto de Teologia na Universidade Luterana do Brasil,
com atuação nas áreas de Culto Cristão, Teologia Sistemática, Teologia e Prática da
Ação Social, Cultura Religiosa.

1
Introdução

Culto e Música no Contexto Cristão apresenta um panorama geral do culto na


história do povo de Deus e da música utilizada no contexto cristão desde os
primórdios até a Reforma Luterana.
No culto a Igreja se revela e expõe a sua doutrina e a sua fé. Para que se
conheça o que os cristãos creem, é preciso conhecer também o seu culto em suas
diversas manifestações. A música faz parte do culto na sua quase totalidade de
manifestações. É realmente uma exceção haver um culto em que a música não
esteja presente. Portanto, culto e música são assuntos que andam juntos. Além
disso, no canto da liturgia e dos hinos está um dos meios mais utilizados para fixar
os ensinamentos bíblicos na vida dos cristãos.
Culto e Música no Contexto Cristão expõe a fé, a teologia e o louvor da Igreja
cristã.

2
1 Que queremos dizer com “culto cristão”?

Todo cristão sabe o que é “culto cristão”. Mas para definir o que é o “culto
cristão” talvez não seja tão simples assim.
Em primeiro lugar, a própria palavra “culto” já é de difícil definição.1 Brunner2
nos lembra que não temos um termo apropriado para a reunião dos cristãos, visto
que a palavra “culto” (Gottesdienst, em alemão) não tem um paralelo exato no Novo
Testamento. Por exemplo, em Rm 9.4 o apóstolo Paulo chama de “culto” (latreía) os
ritos do Antigo Testamento, mas em Rm 12.1 o mesmo apóstolo chama de “culto” a
entrega física dos cristãos a Deus.
Em segundo lugar, saber o que distingue o culto cristão de outros cultos é
uma “ferramenta prática vital” para toda pessoa que tenha que lidar com o culto
cristão. Especialmente quando se é confrontado com muitas formas diferentes de
culto é preciso saber distinguir com clareza o que torna um culto “cristão”.3

1.1 O fenômeno do culto cristão

Uma das maneiras de se definir culto cristão é descrevendo as formas exteriores


e visíveis através das quais os cristãos praticam o culto.4 O fato de o culto cristão ter
usado formas estáveis e permanentes em diferentes culturas e épocas históricas
torna esta maneira fenomenológica mais fácil para se dizer o que é o culto cristão.
Estas formas podem ser designadas como:

• Estruturas – como o calendário litúrgico; ou


• Ofícios – como a ceia do Senhor.

Já no início do Novo Testamento vemos uma estrutura semanal de tempo. Esta


estrutura foi fixada em calendários anuais para que se comemorassem eventos a
serem lembrados na comunidade cristã:

1
WHITE, James. Introdução ao culto cristão, p. 11.
2
BRUNNER, Peter. Worship in the Name of Jesus, p. 11.
3
WHITE, James, op. cit., p. 11.
4
Idem, p. 12.

3
• Morte e ressurreição de Cristo;
• Mártires locais;
• Horários para oração pública e particular.

O espaço para o ofício do culto sempre mereceu atenção no decorrer da história


do culto cristão. Apesar de terem sido experimentadas formas diferentes para o
lugar do culto cristão, no decorrer da história há uma constância nas exigências de
espaço e mobiliário.
É muito antigo também o uso de tipos básicos de ofícios para a oração pública
diária. Oração e louvor fazem destes ofícios uma característica do culto cristão. A
Igreja Luterana tem em seus manuais de culto as Matinas e as Vésperas para a
oração pública diária, uma herança de tempos antigos.
A leitura e a pregação da Escritura são também designadas de “liturgia da
palavra”. É o culto protestante dominical e habitual de diversas denominações. É
também a primeira parte da eucaristia ou ceia do Senhor. É um tipo constante que
muitos cristãos diriam ser sua experiência primordial do que seria o culto cristão. A
ceia do Senhor é celebrada desde os tempos do Novo Testamento (1 Co 11.23-26).
Para muitos cristãos é o padrão do culto cristão. Em muitas igrejas é celebrada
semanalmente.
Para distinguir membros da Igreja e pessoas estranhas à ela os cristãos tem
usado cerimônias de iniciação cristã. O rito do batismo é o mais significativo. Mas a
catequese, confirmação, primeira comunhão e ritos semelhantes têm sido usados
como afirmação ou reafirmação do compromisso batismal.
Respondendo parte de nossa indagação sobre “que é o culto cristão?”, podemos
simplesmente relacionar e descrever as formas básicas que o culto tem assumido e
dizer que estas formas o definem.

1.2 Definições de culto cristão

As várias maneiras como pensadores cristãos definem o culto cristão servem


para nos estimular a reflexão.5

5
WHITE, James. Introdução ao culto cristão, p. 14-19.

4
• Paul Hoon, metodista, enfatiza o centro cristológico do culto e está vinculado
diretamente com a história da salvação. O núcleo do culto cristão é “Deus
agindo para dar sua vida ao ser humano e para levar o ser humano a
participar dessa vida”.
• Peter Brunner, luterano, usa o termo Gottesdienst, que tanto significa serviço
de Deus aos seres humanos quanto serviço dos seres humanos a Deus. É a
“dualidade” do culto; no entanto, Deus atua em ambas as partes. É Deus
sozinho que torna o culto possível. Os seres humanos respondem aos atos
divinos com oração e hinos “como atos da nova obediência conferida pelo
Espírito Santo”.
• Jean-Jacques von Allmen, reformado, o culto deve ser compreendido dentro
daquilo que Deus já fez por nós. O culto “resume e confirma sempre de novo
a história da salvação cujo ponto culminante se encontra na intervenção
encarnada do Cristo. Nesse resumo e confirmação reiterados, o Cristo
continua sua obra salvadora por meio do Espírito Santo”. O culto é a
recapitulação da história da salvação. O culto tem três dimensões-chave:
recapitulação, epifania e juízo.
• Evelyn Underhill, anglocatólica, “o culto, em todos os seus graus e tipos, é a
resposta da criatura ao Eterno”. Mas somente por meio do “movimento do
Deus permanente em direção a sua criatura é dado o incentivo para o mais
profundo culto do ser humano e é feito o apelo para seu amor sacrifical (...).
• Georg Florowski, ortodoxo. “O culto cristão é a resposta dos seres humanos
ao chamado divino, aos ‘prodígios’ de Deus, culminando no ato redentor de
Cristo.” Enfatiza a natureza comunitária desta resposta ao chamado de Deus.
• Nikos A. Nissiotis, ortodoxo. “O culto não é primordialmente iniciativa do ser
humano, mas ato redentor de Deus em Cristo por meio do seu Espírito”.
• Papa Pio X. Descreve o culto como “a glorificação de Deus e a santificação
da humanidade”. O culto é para “a glória de Deus e a santificação e
edificação dos fiéis”.
• Constituição sobre a Sagrada Liturgia do Vaticano II. Fala primeiro da
santificação do ser humano e então da glorificação de Deus, invertendo a
descrição de Pio X.

5
• Odo Casel, monge beneditino, popularizou a descrição de culto como o
mistério pascal. O mistério pascal é o Cristo ressurreto presente e ativo em
nosso culto.

1.3 O linguajar cristão sobre o culto

[sub 2] a. Os termos para “culto” em alguns idiomas


O linguajar que os cristãos usam sobre o culto cristão pode nos ajudar a
esclarecer o que queremos dizer com este culto. Cada palavra e cada idioma podem
mostrar o que está sendo expresso.
Gottesdienst (em alemão) é uma palavra importante para expressar o que é o
culto cristão. Significa tanto o serviço de Deus como o nosso serviço para Deus.
“Serviço” é algo que se faz para outros. Vem do termo latino servus, que identifica
um escravo que era obrigado a servir outras pessoas. O termo “ofício”, do latim
officium, serviço ou tarefa, também é usado para designar um serviço de culto.
Gottesdienst reflete um Deus que “esvaziou-se a si mesmo e assumiu a condição de
servo” (Fp 2.7), bem como nosso serviço para tal Deus.
O termo “culto” vem do latim colere e significa “cultivar”; é um termo agrícola.
Capta o caráter mútuo da responsabilidade entre o agricultor e sua terra ou animais.
É preciso tratar as galinhas para obter ovos; tirar a erva daninha para colher verdura.
É uma dependência mútua de dar e receber.
O termo inglês worship também tem raízes seculares. Vem do inglês antigo
weorthscipe. Weorth = worthy (digno) e-scipe = ship (-dade), significando a
atribuição de valor ou respeito a alguém. O inglês também usa o termo service, que
significa “serviço”. Deus nos serve no culto com sua palavra e os sacramentos do
Batismo e da Santa Ceia, concedendo-nos perdão dos pecados e salvação. Por
outro lado, somos conduzidos por Deus a servir a ele com nosso louvor e
agradecimento e em amor ao nosso próximo.
As devoções pessoais geralmente ocorrem em separado do restante do corpo
de Cristo. Isso não quer dizer que estejam desligadas do culto de outros cristãos.
Mas obedecem a um ritmo mais particular em que o indivíduo mesmo estabelece a
disciplina. (“Devoção” vem de um termo latino que designa “voto”).
Celebração é um termo bastante usado atualmente, tanto em contextos
seculares quanto eclesiásticos. É um termo um tanto vago, a não ser que seja

6
especificado seu objetivo. Quando for utilizado para o culto, é conveniente que seja
especificado (celebração do Natal, da Santa Ceia). Vago seria, por exemplo,
celebração da vida, da alegria, de um novo dia.
Um termo básico para descrever o culto cristão é ritual. Mas também é
preciso cuidar do termo. Ritos são as palavras que se cantam ou pronunciam num
culto, mas pode ser usado também para designar todos os aspectos de um ofício.
Rito também é usado para definir um grupo religioso; os católicos do rito oriental têm
um padrão distinto dos católicos do rito romano, por exemplo.
Normalmente, o cerimonial está explicitado no culto através das rubricas; são
as ações executadas no culto. Rubricas são instruções para execução do culto.
Como indica o nome, as rubricas são escritas em vermelho, embora nem sempre
isso aconteça efetivamente.
Ordo ou ordem é a estrutura de cada ofício. Ordem, rito e rubricas, ou seja, a
estrutura, as palavras e as instruções são os componentes básicos da maioria dos
manuais de culto.

[sub 2] b. O linguajar no Novo Testamento


Em Rm 9.4 e Hb 9.6 o termo latreía (culto, serviço) refere-se ao culto judeu no
templo. Os judeus também queriam obter as promessas messiânicas “servindo a
Deus noite e dia” (At 26.7; Lc 2.37). A latreía dos cristãos implica que eles já foram
transportados para uma nova realidade: a salvação já está cumprida. Eles são
purificados pelo sacrifício de Cristo já cumprido e por isso libertados para fazer boas
obras (Hb 9.14; 12.28; Rm 12.1-2).
Proskyneîn significa prostrar-se em reverência ou submissão. Na tentação de
Jesus, este diz a Satã: “Está escrito: Ao Senhor teu Deus adorarás (proskynéseis) e
só a ele darás culto” (latreúseis – Mt 4.10). Jesus diz à mulher samaritana que
chegou o tempo em que os verdadeiros “adoradores adorarão (proskynetaì) o Pai
em espírito e em verdade” (Jo 4.23). Em Ap 4.10 “os vinte e quatro anciãos prostrar-
se-ão (proskynésousin) diante daquele que se encontra sentado no trono”.
Thysía e prosphorá são ambos traduzidos por “sacrifício” ou “oferenda”.
Thysía é usado para designar o culto pagão (“sacrifícios de demônios” em 1 Co
10.20), o culto cristão (“sacrifício vivo” em Rm 12.1), e “sacrifício de louvor” (Hb
13.15). Paulo também usa o termo thysía para designar as ofertas que os filipenses
lhe enviaram dizendo que era “aroma suave como um sacrifício aceitável e aprazível

7
a Deus” (Fp 4.18). Prosphorá significa o ato de oferecer oferta, sacrifício, como
acontece em Hb 10.10, que diz da “oferta do corpo de Jesus Cristo, uma vez por
todas”.
Threskeía significa “culto”, “ofício religioso”, “religião”. Paulo designa a religião
judaica de threskeía (At 26.5). Mas o apóstolo também usa o mesmo termo para a
prática herética de culto aos anjos em Cl 2.18. E em Tg 1.26-27 usa-se o mesmo
termo para designar a prática da religião cristã pura em visitar os órfãos e as viúvas
e não se contaminar pelo mundo.
Sébein significa “prestar culto”, “adorar”. Jesus usa o termo para dizer que
não adianta adorá-lo com doutrinas humanas: Mt 15.9; Mc 7.7. Mas Paulo também
usa o termo para qualificar os piedosos ou tementes a Deus (13.50; 16.14; 17.4,17;
18.7).
O termo liturgia também é de origem secular. Vem do grego leitourgía
composto de érgon (trabalho) mais laós (povo). Liturgia era um trabalho público
executado em prol da cidade ou do Estado, na Grécia antiga. Podia ser serviço
doado ou pagamento de impostos. Assim Paulo fala de autoridades romanas como
leitourgoì (“ministros” de Deus – Rm 13.6) e chama a si mesmo de leitourgòn
(“ministro de Cristo Jesus entre os gentios” – Rm 15.16). Portanto, liturgia é um
trabalho executado pelas pessoas em favor de outras.
Portanto, se quisermos designar um ofício como “litúrgico” estamos indicando
que este ofício é para ter a participação de todos de maneira ativa e conjunta. Não
pode ser um culto em que a assembleia seja meramente passiva.
Os anjos são enviados para ministrar aos que são salvos por Cristo. Por isso
também são “litúrgicos” ou “ministradores” (leitourgiká – Hb 1.14). Também pessoas
que exercem poderes governamentais e que fazem valer seus direitos para louvor
do bem e castigo do mal, em virtude de sua atividade são chamadas “ministros de
Deus”, ou seja, “liturgistas” (leitourgoì) de Deus (Rm 13.6). Até o serviço da
assistência aos necessitados de Jerusalém que as congregações da Macedônia e
Grécia prestaram é chamado de leitourgías, e Epafrodito foi chamado por Paulo de
auxiliar (leitourgóv – “liturgista”) de suas necessidades (Fp 2.25).
É interessante notar que na Septuaginta6 o substantivo leitourgía e o verbo
leitourgéo nunca se referem a um serviço às pessoas, mas é usado somente para
funções de culto. E quando o Novo Testamento cita o Antigo Testamento é
6
“A tradução grega mais antiga do AT, feita do hebraico, nos séculos III e II a.C., no Egito, para os
judeus da Diáspora.” Dicionário Enciclopédico de Teologia.

8
constante o uso linguístico da Septuaginta. Leitourgía é o serviço sagrado que era
realizado no tabernáculo (Hb 9.21) ou o serviço sacerdotal regular como o realizado
por Zacarias no templo (Lc 1.23). Mas a perfeita leitourgía tem lugar no céu. Aí é o
“ministro do santuário e verdadeiro tabernáculo” e “o ministério mais excelente”
realizado pelo Crucificado, exaltado à direita de Deus como o Liturgista do
verdadeiro santuário celeste (Hb 8.2,6).

[sub 2] c. O termo adequado para a reunião dos cristãos


Somos confrontados com o fato de que nenhum dos termos usados pelos
gregos ou pelo Antigo Testamento é capaz de expressar a experiência dos cristãos
reunidos para o culto. O que acontece neste culto dos cristãos é algo novo. É
radicalmente diferente dos cultos pagãos e também do culto de Israel. Os termos
descritivos do culto do Antigo Testamento são em parte adotados para significar a
obra redentora de Jesus e, despidos de seu sentido ritualístico, são também
aplicados à conduta cristã em geral ou a serviços especiais dentro da Igreja. Mas
eles não são usados para designar o culto particular no qual a congregação canta,
ora, escuta a palavra e celebra a Santa Comunhão.
O Novo Testamento nos mostra que esses encontros para o culto eram o
ponto focal para cada pensamento e ato dos cristãos, como podemos ver nos
capítulos 10 a 14 de 1 Co. Se a conduta dos cristãos como um todo é culto, isso
está intimamente ligado ao fato de que sua vida temporal encontrou um ponto focal
concreto, um posto poderoso, por assim dizer, que controla e direciona toda sua
existência. Este ponto focal é a ekklesía, a Igreja na qual foram implantados por
Deus e dentro da qual um se interessa em amparar o outro, segundo seus dons.
Ekklesía tem o significado de reunião, assembleia, congregação, igreja (At 5.11;
7.38; 9.31; 19.32, 40; Mt 16.18). No Novo Testamento é usado para designar a
Igreja local ou universal.
Portanto, “reunir-se” está implícito no sentido de nossa palavra “culto”. Em
todos os eventos, “culto” é o evento essencial nas reuniões dos cristãos. Por isso o
culto é ekklesía, assembleia, reunião. Sendo assim, culto no sentido de assembleia
da congregação cristã em nome de Jesus é a manifestação da Igreja na terra. Em tal
assembleia acontece a epifania da Igreja e tal assembleia em nome de Jesus é
Igreja. A expressão “hoje tem igreja” (em alemão es ist kirche heute), e não “hoje
tem culto” (em alemão es ist Gottesdienst heute) está perfeitamente correta.

9
Assim chegamos aos termos que no Novo Testamento expressam o que hoje
chamamos de “serviço” ou “culto” (em inglês service ou worship; em alemão
Gottesdienst). Entre os termos do Novo Testamento para expressar “estar reunido
em nome de Jesus” temos synágo (“reunir”, “juntar”) como verificamos em Mt 18.20
e At 20.7. Para expressar o sentido de “reunir-se na ekklesía ou como ekklesía”
temos o termo synérxomai (“reunir-se”, “fazer assembleia”), como podemos verificar
em 1 Co 11.18 e 14.23.
Em dois lugares o Novo Testamento apresenta o sentido de “assembleia”
para o culto: Em Tg 2.2 a reunião dos cristãos é chamada de synagogé, que
significa “lugar de assembleia”, e em Hb 10.25 é designada de episynagogé, que
significa “encontro”. O termo synagogé era usado na era cristã antiga antes do
terceiro século. Mas como esta palavra também era usada para designar a
comunhão de fé dos judeus (Ap 2.9, 3.9), pode se justificar o fato desta palavra não
ter sobrevivido.
A palavra sýnaxis (“comunhão, reunião, união, eucaristia”) foi usada a partir
do quarto século e por algum tempo servia para designar a eucaristia. A Apologia da
Confissão de Augsburgo7 faz menção desta palavra, mostrando que ela antigamente
designava a eucaristia. Este termo é ideal para designar a reunião dos cristãos, visto
que seu significado realça especificamente a assembleia do povo.
É preciso também mencionar que “o partir do pão” mencionado no Novo
Testamento é designação do que entendemos por culto público. É um termo
palestino que originalmente não está relacionado ao culto propriamente. Refere-se
ao partir do pão costumeiro pelos pais de famílias judaicas no início de cada
refeição. A antiga congregação palestina valeu-se deste termo para designar suas
refeições de amizade (At 2.42,46), quando também a ceia era celebrada. Dentro dos
limites das missões paulinas, “o partir do pão” é o termo para a eucaristia. Isto é
evidente nas comparações entre At 20.7 e 1 Co 10.16. As assembleias cristãs para
o culto (com exceção dos encontros nos quais o Sacramento de Iniciação era
administrado) eram, desde seu início, assembleias de Santa Comunhão que
incluíam proclamação e instrução. O termo “partir o pão” usado em At 20.7 tornou-se
a designação mais antiga para o ofício cristão.
Mas a expressão “partir o pão” e o termo sýnaxis não se firmaram. A palavra
que definitivamente se estabeleceu no ocidente é leitourgía. Da história dos termos

7
Apologia da Confissão de Augsburgo, XXIV, 79, in Livro de Concórdia.

10
usados para “culto” na Igreja latina não se estabeleceu nenhum termo que tivesse o
sentido completo de synagogé ou sýnaxis. A Vulgata, no Novo Testamento, usa o
verbo colere para expressar o culto a ídolos pagãos (Cf. At 17.23,25; 19.27; Rm
1.25), e o substantivo cultus nunca é mencionado. O sentido básico da palavra
“culto” é realmente inadequado para expressar a essência do culto da Igreja cristã.
Cultus pode ser a atenção e o cuidado que se dá à terra (lavrando-a e cultivando-a),
ao corpo (alimentando-o e atendendo às suas necessidades), ao modo de vida
externo (como suprimentos e conforto), à mente (educando-a através de instrução e
artes), mas também aos deuses (apresentando-lhes sacrifícios e orações,
observando ritos e festas).
Lutero e os escritos confessionais luteranos usam a palavra cultus como
sinônimo de Gottesdienst. Na explanação do Primeiro Mandamento no Catecismo
Maior Lutero aplica a palavra Gottesdienst em sentido lato: “Eis que aqui tens o que
é a verdadeira honra e culto divino (Gottesdienst) agradável a Deus e por ele
ordenado sob pena de ira eterna, a saber, que o coração não conheça outro consolo
e confiança senão a ele”. Mas Lutero também usa Gottesdienst no sentido restrito
de uma assembleia para o culto divino: “Acima de tudo, o fazemos para que em tal
dia de descanso ... se tome lugar e tempo a fim de participar do culto divino, isto é,
reúnam-se as pessoas com o objetivo de ouvir e tratar a Palavra de Deus e depois
louvar a Deus, cantar e rezar”. Nos seus escritos A ordem de culto na comunidade
(1523) e Missa alemã e ordem do culto (1526) Lutero usa a palavra Gottesdienst (Na
tradução portuguesa usa-se a palavra culto) no sentido de assembleias para o culto
diário e dominical. No seu escrito Formulário da missa e comunhão para a igreja de
Wittenberg (1523), Lutero usa o termo cultus dei no mesmo sentido de Gottesdienst.
A língua francesa e especialmente a inglesa adaptaram-se a servitium (“service”).
As reflexões terminológicas nos mostram que não temos um termo inerrante e
conciso para a reunião dos cristãos. Pessoas se reúnem em certos dias num
determinado tempo para um encontro com a Palavra de Deus. Portanto, este
encontro é distinto de todos os outros para os quais as pessoas se reúnem. A
característica deste encontro está no fato de que é um estar junto em nome de
Jesus. E Jesus promete estar junto neste encontro. É por isso que também se
invoca o nome de Deus o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

11
Questões
1- (Questão objetiva - média) Que queremos dizer com “Culto Cristão”? White
escreve que a abordagem fenomenológica é a mais adequada para se esclarecer o
que queremos dizer com “Culto Cristão”. Para tanto, o referido autor relata o que os
cristãos fazem ao se reunirem para culto. Portanto, pela abordagem
fenomenológica, podemos dizer que Culto Cristão é:

a- ( ) Estar alegre com a vida que Deus, por sua graça, nos dá.
b- ( ) Receber palavra e sacramento na reunião conjunta com os irmãos da mesma
fé.
c- ( ) Receber com emoção a notícia de que somente Deus é capaz de melhorar a
ética no mundo.
d- ( ) Receber alívio das ofensas que outros praticaram contra nós.
e- ( ) Estar alegre, pois só com pessoas da mesma fé é possível perceber a
presença de Deus em nossa vida.

2- (Questão objetiva - fácil) O termo “liturgia” tem origem secular. Na Grécia antiga
era um serviço público que se fazia pelo estado ou cidade e podia ser um serviço
voluntário ou profissional. O termo “liturgia” vem do grego:

a- ( ) lithos (pedra) e ergéo (fundamento) e significa “fundamento sólido”.


b- ( ) E quer dizer “reunião em nome de Deus”.
c- ( ) E propõe que tudo seja feito “com ordem e decência”.
d- ( ) Laós (povo) e érgon (trabalho) e significa originalmente “trabalho do povo”
e- ( ) E significa “todo louvor a Deus”.

3- (Questão de múltipla escolha - média) Ao procurar definir o que é Culto Cristão,


Jean-Jacques von Allmen afirma que este deve ser compreendido dentro daquilo
que Deus já fez por nós. A partir desta informação, assinale as alternativas que
correspondem ao pensamento de von Allmen:
a-( ) O culto resume e confirma sempre de novo a história da salvação cujo ponto
culminante se encontra na intervenção encarnada do Cristo.
b-( ) O culto é entendido como a celebração da vida, santificação do ser humano e
glorificação do nome de Deus.
c-( ) No culto, Cristo continua sua obra salvadora por meio do Espírito Santo. O
culto é a recapitulação da história da salvação.
d-( ) O culto, de acordo com Von Allmen, tem três dimensões-chave: recapitulação
e-( ) O culto manifesta a justiça, o julgamento e a ira de Deus contra o pecado e a
maldade.

4- Descreva o significado do termo alemão para o culto: Gottesdienst.


5- Diferencie as palavras rito, cerimonial e rubricas. De que maneira estas três
palavras são utilizadas no contexto do culto cristão.
12
Referências

BRUNNER, Peter. Worship in the name of Jesus. Tradução do alemão para o inglês
por M. H. Bertram. Saint Louis/Londres: Concordia Publishing House, 1968.
LUTERO, Martinho. Catecismo Maior. In: Livro de Concórdia, p. 385-496. São
Leopoldo/Porto Alegre: Editora Sinodal/Editora Concórdia, 1980.
LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas, São Leopoldo/Porto Alegre: Editora
Sinodal/Editora Concórdia vol. 7, p. 65-69.
MELANCHTON, Filipe. Apologia da Confissão de Augsburgo. In: Livro de Concórdia,
p. 97-304.
SCHÜLER, Arnaldo. Dicionário Enciclopédico de Teologia. Porto Alegre/Canoas:
Concórdia Editora/Editora da ULBRA, 2002.
WEIGÄRTNER, Lindolfo. Termos teológicos. São Leopoldo: Faculdade de Teologia
da Igreja de Confissão Luterana no Brasil, 1967.
WHITE, James F. Introdução ao culto cristão. Tradução de Walter Schlupp. São
Leopoldo: Sinodal, 1997.

Chave de respostas:

1- b

2- d

3- a, c, d

13
2 O culto no Antigo Testamento

2.1 No princípio manifestações esporádicas

“Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom. Houve tarde e manhã,
o sexto dia” (Gn 1.31). A perfeição da obra de Deus não conhecia pecado e,
portanto, não havia também a necessidade de remissão. A comunhão com Deus era
perfeita. Mas, com a queda em pecado, aparece também a necessidade de se
restabelecer a comunhão com Deus por causa do pecado que separa as pessoas de
Deus. É interessante notar que, mesmo ainda não tendo sido estabelecida a
maneira de prestar culto a Deus, em manifestações esporádicas de culto que
aparecem no início da Bíblia, a oferta de produtos da terra e o sacrifício de animais e
o louvor e agradecimento a Deus estão presentes.
O primeiro relato de oferta a Deus inclui também o primeiro homicídio
registrado na Bíblia. Caim e Abel trazem ofertas do seu trabalho ao Senhor. Por
Deus não ter se agradado da oferta de Caim este mata o seu irmão Abel. Para
entendermos a diferença que Deus fez entre as duas ofertas precisamos ver Hb
11.4. Aí nos é revelado que foi pela fé que Abel ofereceu um sacrifício melhor do
que Caim.
Outro relato de oferta a Deus está ao final da história do dilúvio. Noé edifica
um altar e queima animais em holocausto a Deus (Gn 8.20-22). É interessante ver a
reação de Deus a esta oferta: “O Senhor aspirou o suave cheiro”, ou seja, Deus se
agradou da oferta de Noé. Esta reação de Deus também vai aparecer mais tarde no
culto que ele mesmo vai instituir.
O sacrifício que Deus pede a Abraão é inusitado. Deus lhe pede: “Toma teu
filho, teu único filho, Isaque, a quem amas, e vai-te à terra de Moriá; oferece-o ali em
holocausto, sobre um dos montes, que eu te mostrarei” (Gn 22.2). Certamente,
Abraão jamais poderia esperar tal atitude de Deus: um sacrifício humano! Mas o final
da história coloca um alívio nisso tudo. Deus não quer sacrifício humano. Na
verdade Deus testou a fé que Abraão tinha (Hb 11.17-19). Isaque se tornou um tipo
de Cristo, este sim, que deu sua vida em favor de toda a humanidade.
A maneira como Jacó prestou culto a Deus é bem singular: toma uma pedra, erige
esta pedra em coluna, entorna azeite sobre ela e lhe dá o nome de Betel, que

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significa Casa de Deus. Além disso, faz voto a Deus de lhe dar o dízimo, se tudo lhe
correr bem (Gn 28.18-22).
Mais um exemplo de culto antes da instituição do culto pelo próprio Deus é a vida de
José. Ele serve de exemplo de vida temente dedicada a Deus (Gn 39).
Mesmo antes de haver instituído o culto, nos exemplos acima podemos ver
claramente a iniciativa de Deus na maioria dos casos: Para Noé, o seu sacrifício é
motivado pelo fato de Deus ter salvado a ele e sua família do dilúvio; para Abraão,
Deus prometera que dele faria uma grande nação, e é Deus que o move para o
sacrifício e até providencia o carneiro; para José, seu culto de vida é motivado pela
proteção que Deus lhe dá, apesar de estar numa terra estranha, sendo reconhecido
como administrador de todos os bens de seu senhor.

2.2 A intervenção de Deus

“Ora, disse o SENHOR a Abrão: Sai da tua terra...” (Gn 12.1). Com estas palavras
há uma intervenção nova na história da humanidade: elas iniciam a segregação e
eleição de Israel. Isso não quer dizer que Deus não tinha suas testemunhas antes
deste chamado a Abrão (Cf. Gn 4.26; 5.24; 6.8-9). Mas com a eleição de Israel
temos um caráter messiânico na história de Deus com a humanidade. Deus inicia a
sua obra da salvação eterna, livrando a humanidade da queda no pecado e suas
terríveis consequências. O caminho do sacrifício de Jesus inicia com o chamado de
Abrão. De Abrão Deus constituiria uma grande nação e ele deveria ser uma bênção
(Gn 12.2).
Agora, com o chamado de Abrão, Deus intensifica mais uma vez a sua presença. No
entanto, sua presença, agora, é muito pessoal e graciosa. Deus chama um povo e
dá-lhes sua palavra na qual se faz ativamente presente. Nesta palavra Deus ensina
como quer ser servido e como deve ser cultuado. Eis um mistério: Deus escolhe a
fala humana para a sua própria comunicação e ação entre a humanidade.
De tempos em tempos Deus se revela e transmite a sua palavra. Em certas ocasiões
ele também se manifesta de alguma forma visível. Chamamos isto de teofania ou
epifania. Mas a presença de Deus nunca ficou restrita a estas aparições nem esteve
amarrada aos locais onde apareceu.
Nos dias dos patriarcas houve muitas teofanias (Cf. Gn 16. 7-14: Deus
aparece a Agar e lhe promete multiplicar a sua descendência; Gn 21.17: Deus

15
socorre Agar e seu filho no deserto; Gn 24.7, 40: Deus providencia para Isaque sua
esposa Rebeca. Deus se manifesta como um anjo, semelhante a uma pessoa.
No tempo em que Israel peregrinou no deserto, vemos uma intensificação das
manifestações de Deus tanto em número quanto em duração. Antes mesmo da
peregrinação, Deus aparece a Moisés numa sarça ardente (Êx 3), durante os dias
no deserto na coluna de fogo, na coluna de nuvem, o Anjo do Senhor, a Arca da
Aliança e outras formas foram manifestações de Deus.

2.3 Instituição do culto

Por ocasião da saída iminente do povo de Israel da terra do Egito, institui-se a


Páscoa (Êx cap.12. Veja especialmente os versículos 2-3, 7, 13-14, 25-27). A época
no nosso calendário é março/abril, e naquela ocasião serviu para marcar o início de
um novo ano religioso (v. 2).

O cordeiro ou cabrito da Páscoa, assado sobre o fogo, representa a proteção


e a provisão de Deus por seu povo: Israel é o primogênito de Deus. As ervas
amargas representam todo o sofrimento que suportaram no Egito. Os pães
sem fermento evocam a rapidez da sua partida (não havia tempo para usar
fermento e deixar o pão crescer).8

Após a ocupação da terra prometida, Deus continuou a se manifestar através


da arca da aliança. Com a construção do templo, as manifestações de Deus
aconteceram no templo. O dia da dedicação do templo foi um acontecimento notável
(2 Cr 5.13-14; 7.1-3).
A presença de Deus no templo se dava através dos sacerdotes que oficiavam
os sacrifícios. Além dessa presença, Deus também se revelou na palavra levada ao
povo pelos profetas. Portanto, o povo era dependente da presença de Deus
mediante um sacerdote ou profeta e tal presença não estava circunscrita ao templo
(Jr 7.1-15; Mq 3.11-12). Estava também na palavra dos profetas, que
constantemente chamavam o povo ao arrependimento.
Com a divisão do reino em dois, após Salomão, o reino do norte acabou se
dissolvendo gradativamente e dominado pelos assírios. O reino do sul (reino de
8
MANUAL BÍBLICO SBB, p. 164.

16
Judá) acabou indo para o cativeiro babilônico como castigo de Deus pela
infidelidade de seu povo.
O culto do povo judeu continuou nas sinagogas erguidas no exílio. Lá havia
encontro de oração, leitura da Torah e sua exposição, canto dos Salmos, comentário
dos escritos dos profetas e a confissão de fé ou Shema.
Depois do exílio o templo foi reconstituído sob Esdras, o sacerdote, guardião
zeloso da Lei, e Neemias, um leigo encarregado de reconstruir a cidade e os muros
de Jerusalém.
Com o tempo cessaram-se as revelações de Deus e não houve mais palavra
profética. Parecia que Deus havia abandonado a história de seu povo.
Mas, “na plenitude do tempo” (Gl 4.4), Deus aparece em carne. A própria
palavra eterna tornou-se carne. O Messias prometido é revelado na pessoa de
Jesus Cristo. Após realizar a sua obra, Cristo é assentado à direita de Deus Pai (Ef
1.20), mas continua presente através do Espírito Santo (Jo 14.16-17) e na Igreja
(ekklesía), que é o seu corpo (Cl 1.18). O culto no Antigo Testamento era
basicamente de natureza sacrifical. Aparentemente, o culto de Israel parece
semelhante aos cultos dos seus povos vizinhos. No entanto, apesar desta
semelhança formal, o culto de Israel era, em sua essência, muito diferente dos
cultos de sacrifício pagãos. Isso porque o culto do Antigo Testamento se revela no
evangelho. É uma instituição do próprio Deus e encontra seu cumprimento em Jesus
Cristo. Cada sacrifício de Israel é cumprido no próprio sacrifício de Jesus Cristo. E é
por causa do sacrifício único de Jesus Cristo que o culto de Israel teve expiação,
reconciliação e apaziguamento da ira de Deus, mesmo que ainda tudo estivesse na
promessa. É por isso que as ofertas queimadas exalavam um “aroma agradável ao
Senhor” (Lv 1.9).
A oferta contínua no templo mostra que Deus está irado com o homem não
somente por causa deste ou daquele pecado, mas que há alguma coisa inerente no
homem que precisa ser removida para que Deus não o destrua com sua ira (Êx
29.38-46). O sangue passa a ter importância primordial no culto do Antigo
Testamento.
Há um relacionamento estreito entre o animal sacrificado e o povo de Israel.
Isso se nota de maneira bem característica no Dia da Expiação. Aí os pecados eram
colocados sob um bode expiatório que era conduzido para o deserto a fim de levar

17
para longe as transgressões do povo. O outro bode paga com seu sangue pelos
pecados do povo (Lv 16.7-10).
Notemos bem que a atividade de culto, que expiava o pecado e o eliminava,
não era uma iniciativa humana, mas divina. É o contrário dos cultos pagãos, em que
os homens tomavam as iniciativas de aplacar a ira dos deuses. O ato, sim, tinha que
ser realizado pelo homem, mas por intermédio do sacerdote, o elo entre Deus e o
homem.
A instituição sacerdotal mostra que a obra da reconciliação não dependia da
iniciativa do indivíduo. A apresentação diária do sacrifício no templo era um ato
separado da congregação como tal. O povo de Deus não efetuava a reconciliação,
mas vivia da reconciliação. A concentração do culto sacrifical na instituição
sacerdotal significava que o apaziguamento da ira de Deus era realmente efetuado
exclusivamente por uma instituição de Deus, por um ato iniciado por Deus para o
povo e não iniciado pelo povo. Portanto, o culto sacrifical dos sacerdotes vinha para
a congregação e para o indivíduo como um dom obtido para eles. No que diz
respeito à reconciliação, a congregação e o indivíduo somente podiam deixar que
isso acontecesse a eles e aceitá-la como um dom ou dádiva ou bênção.
Outro aspecto significativo do culto sacrifical do Antigo Testamento era a
comunhão. Esta comunhão é distinta do sacrifício prestado para a reconciliação ou
expiação. Enquanto que o sacrifício de expiação era intencionado somente para
Deus, no sacrifício de comunhão apenas uma pequena parte era destinada a Deus,
pois era essencialmente para uma refeição de comunhão. Os participantes desta
refeição estavam unidos através desta refeição numa comunhão sagrada com Deus.
Todo o culto sacrifical do Antigo Testamento tem que ser concebido como um
dom de Deus às pessoas. Deus é quem capacita a pessoa a servi-lo
verdadeiramente. Por isso, quando Israel achava que Deus poderia ser manipulado
conforme seus desejos através de sacrifícios, Deus considerava isso uma quebra de
sua aliança (Is 1.10-17). Os profetas constantemente atacavam esta perversão do
culto de Israel. Mostravam que o culto não salvava pela realização em si dos
sacrifícios. Os sacrifícios precisavam ser acompanhados pela aceitação do dom da
salvação, ou seja, pela confiança na promessa do Messias, e esta confiança era
expressa no ato de obediência à vontade de Deus.

18
O culto do Antigo Testamento apontava para a revelação do grande plano de
salvação de Deus que ainda não chegara. Por apontar para este plano, mostrava
que esta salvação ainda não havia chegado.

2.4 Os sacrifícios no Livro de Levítico

Sacrifícios – centro do culto no tabernáculo. Elemento mais importante: sangue.

[sub 3] Holocausto (Capítulo 1)


O sacrifício é queimado sobre o altar e faz subir (‘olah – hebraico) a fumaça para
Deus. A palavra “holocausto” vem da tradução para o grego olokaútoma, e significa
que a vítima é queimada totalmente, nada sobrando para o ofertante nem para o
sacerdote, com exceção da pele que ficava para o sacerdote.

• Sequência do ritual do Holocausto de gado:


1º – Apresentação da vítima (v. 3); 2º – Imposição da mão do ofertante sobre a
vítima (v. 4); 3º – Morte da vítima (v. 5); 4º – Aspersão do sangue (v. 5); 5º – Ato de
esfolar o animal (v. 6); 6º – Ato de partir o animal em seus pedaços (v. 6); 7º –
Preparo do altar (v. 7); 8º – Ato de queimar o holocausto (vv. 8-9).

Os holocaustos particulares podiam ser de gado, de gado miúdo (carneiros ou


cabritos) ou de aves. De acordo com a possibilidade financeira do ofertante se fazia
a oferta. Quando a oferta era de gado, o próprio ofertante degolava o animal,
esquartejava-o. A função do sacerdote somente iniciava quando a vítima entrava em
contato com o altar, espalhando o sangue ao redor do altar. O sangue contém vida e
o sangue pertence somente a Deus (Lv 7.26-27; 17.14; Gn 9.4; Dt 12.23). Quando a
oferta era de ave, o próprio sacerdote degolava a vítima. Os holocaustos públicos,
pela nação como um todo, eram feitos totalmente pelos sacerdotes (2 Cr 29.22, 24,
34; Ez 44.11).

• Significado do holocausto: a própria vida do ofertante é inteiramente consagrada


a Deus.
• Como Deus recebia o holocausto: vv. 9, 13, 17.

19
[sub 3] Oferta de manjares (Capítulo 2)
Uma oferta de vegetais com azeite e vinho como libação acompanhavam os
sacrifícios. Esta oferta vegetal é chamada de minhah, que significa “dom”.

• Única oferta sem derramamento de sangue.


• Variedades:
a) Oferta de manjares de farinha. É uma oferta não cozida embebida em óleo e
acompanhada de incenso; o incenso e um pouco da farinha são queimados
sobre o altar e o restante vai para os sacerdotes (v. 1-3).
b) Oferta de manjares de bolos. São os mesmo ingredientes, mas cozidos.
Também uma parte é dos sacerdotes (v. 4, 5, 7).
c) Oferta de manjares de espigas verdes. Quando esta oferta é de espigas
verdes, está associada às primícias (v. 14).
• Elementos a acrescentar à oferta de manjares: azeite, incenso e sal (vv. 1 e 13).
• Elementos proibidos: fermento e mel (v. 11).
• Vinho como libação (Êx 29.40; Nm 15.5-10).
• Alimento para os sacerdotes (vv. 3, 10).

[sub 3] Sacrifícios pacíficos (Capítulo 3; 7.11-18)


Como o próprio nome sugere, o “sacrifício pacífico” (hebraico shelamim – “pacífico”)
não envolve o cometimento de pecado específico que deva ser perdoado. É um
sacrifício de comunhão em que se rende graças a Deus.

• Três motivos para a oferta:


a) Ações de graça (7.12);
b) Voto (7.16);
c) Oferta voluntária (7.16).
• Ocasiões para a oferta:
a) Qualquer tempo (19.5);
b) Prescrito para a festa das primícias (23.19).
• Significado da oferta pacífica:
a) Ação de graças (7.12; 22.29);
b) Comunhão com Deus e com o próximo (7.14-16; 7.31-36).

20
Na “oferta pacífica” a vítima é repartida entre Deus, o sacerdote e o ofertante.
Neste caso, obviamente, não entram aves e o animal pode ser macho ou fêmea. A
parte do SENHOR é queimada sobre o altar: gordura, entranhas (Lv 3.14-17; 7.22-
25). Ao sacerdote cabe o peito e a coxa direita (Lv 7.16-17; 10.14-15). Ao ofertante
fica o restante da carne.

[sub 3] Sacrifícios pelos pecados


São ofertas obrigatórias por causa do pecado. Nestes sacrifícios o sangue
exerce a função mais importante. O indivíduo é culpado – deve trazer sua oferta.

• Significado da oferta pelo pecado:


a) Exigência de vida limpa e reta (5.1-5; 6.4-7);
b) Necessidade de expiação (4. 35);
c) Mal cometido contra o próximo é ofensa ao Senhor (6. 2).

[sub 2] O culto diário


Deus prometera habitar o tabernáculo (Êx 25.8; 29.45,46) – Sua presença,
então, é ali celebrada continuamente.

O holocausto diário
• A cada manhã e a cada tarde era oferecido um cordeiro no altar de bronze (Êx
29.38,39; Nm 28.3,4). Era o holocausto pela nação toda – expressão da
consagração e celebração contínua do povo de Deus;
• O sangue derramado antes do holocausto era a expiação dos pecados da nação.

As ofertas de manjares diários


• Era a gratidão a Deus pelo sustento dado ao povo (Nm 28.2,5).

As libações diárias
• Acompanhavam o cordeiro e a oferta de manjares (Êx 29.40; Nm 28.7-8).

O incenso diário
• Oferecido no altar que ficava no lugar santo (Êx 30.7-8);
• Incenso é símbolo de oração (Sl 141.2).

A lâmpada acesa continuamente


• Lembrança da presença contínua do Senhor (Lv 24.2).

[sub 2] O culto semanal

21
Sábado era o dia de descanso do povo judeu. Deveriam cessar as atividades
rotineiras.

Ofertas diárias duplicadas


• Dois cordeiros pela manhã e dois pela tarde;
• A oferta de manjares e sua libação também eram duplicadas (Nm 28.9,10).

Os pães da proposição
• Eram colocados na mesa à direita de quem entrasse no tabernáculo, junto com o
incenso;
• Arão e seus filhos os comiam a cada sábado, repunham os pães e queimavam o
incenso no altar (Êx 25.30; Lv 24.5-9).

[sub 2] O calendário litúrgico anual

As festas de lua nova


• Realizadas nos princípios dos meses;
• Sacrifícios especiais e o toque de trombetas (Nm 28.11-15; 10.10).

As festividades anuais

A PÁSCOA – 1º MÊS
• Estabelecida por Deus ainda no Egito (Êx 12.1-2,7,23-27; Lv 23.5);
• Os pães asmos: seguia-se imediatamente à Páscoa, com sete dias de duração
(Lv 23.6-8).

A FESTA DAS SEMANAS


• Também chamada de “primícias” e posteriormente pentecostes (Êx 34.22; Nm
28.26; At 2.1);
• Ofertas especiais eram feitas (Lv 23.15-21). Era uma oportunidade de
agradecimento pelas primícias com ofertas especiais.

A FESTA DOS TABERNÁCULOS – 7º MÊS


• Toque das trombetas: Nm 29.1ss – 1º dia;
• Dia da expiação: Lv 23.26-32 – 10º dia;
• A Festa dos Tabernáculos: Lv 23.33-36 – 15º dia. Habitavam em tendas por sete
dias para lembrar os dias no deserto: Lv 23.42-43.

[sub 2] Os atos individuais de culto

22
Expiação individual
• Pecado contra a Lei precisaria purificação: Lv 4.2-4; 4.22-26; 4.27-35; 5.1-13 etc.
Purificações cerimoniais
• Contato com algo impuro. Ex.:
A mulher após o parto (Lv 12);
Cura da lepra (Lv 14).
Holocaustos individuais
• Ação de graças e consagração pessoal: Nm 29.39;
• Purificações individuais: Lv 12.6; Nm 6.11-14; Lv 14.13,19;
• Consagração dos levitas e dos sacerdotes: Nm 8.12; Lv 9.2,12,14.
Oferta de manjares
• Acompanhava normalmente os sacrifícios.
Sacrifícios pacíficos
• Solenidades de louvor ao Senhor; comunhão entre o ofertante e Deus;
• Parte era queimada e parte era comida pela família do ofertante e pelos
sacerdotes: Lv 7.11-18, 31-34.
Os dízimos
• Faziam parte das ofertas ao Senhor: Lv 27.30-33.
Os votos
• Demonstração de seu desejo de consagração total a Deus: Lv 27.

2.5 Tipologia

Evento, lugar, pessoa ou rito que tem um significado maior do que o aparente,
apontando para algo maior e perfeito que ainda irá ocorrer. A Tipologia é
estabelecida pela própria Escritura, não é o homem quem a estabelece. Os
princípios são mostrados pela própria Escritura. Não há tipologia sem um fato
histórico; não uma história qualquer, mas onde o Espírito de Deus age. O Tipo
sempre é menor que o seu Antítipo, assim como o Cumprimento assume caráter
maior do que a Promessa.

2.5.1 Eventos: Fatos históricos com um aspecto que vai além da história e que
possuem um aspecto transcendental. Ex.: O Êxodo no Antigo Testamento, com a

23
ação direta de Deus na libertação de seu povo, não tem importância apenas pelo
fato em si, mas porque está apontando para um ato salvífico maior, a cumprir-se no
Novo Testamento, quando Cristo liberta definitivamente o homem das garras de
quem o escravizava. Outro exemplo: Criação e nova criação (redenção).

2.5.2 Lugares: Há diversas situações no Antigo Testamento em que lugares


assumem um caráter transcendental, representando não apenas um ponto
geográfico,mas apontam para uma realidade futura infinitamente melhor e mais
perfeita. Ex.: Quando se fala em Jerusalém no AT não se trata apenas da cidade, da
capital de Israel, mas da Nova Jerusalém; quando se fala em terra prometida,
aponta não só para Canaã, mas para o céu.

2.5.3 Pessoas: Há situações em que personagens assumem uma função


tipológica, sendo grande instrumento nas mãos de Deus.
Ex.:Dt 18.15 – Moisés => CRISTO
Gn 14.18-20;Hb 5.6,10 – Melquisedeque => CRISTO
Ex 17.17 - Josué => CRISTO
Melquisedeque é um personagem histórico, e sua função e obra tipificam o
próprio Cristo, ou seja , Profeta - Sumosacerdote - Rei > No Novo Testamento
estes três se unem em uma só pessoa, Cristo ( Hb 5.6; Sl 110.4; Gn 14.18 ).

2.5.4 Ritos: Atos religiosos que tipificavam realidades espirituais futuras. O Sábado
tipifica o descanso no Senhor; os sacrifícios simbolizam a própria paixão e morte de
Jesus; o culto no templo tipifica a adoração nos céus; a Lei Cerimonial era sombra
do Próprio Cristo (Cl 2.16). Adorar de alguma forma: O Novo Testamento dá ênfase
ao aspecto de descontinuidade, sendo o Antigo Testamento sombras de Cristo; há,
contudo, também, o aspecto de continuidade, pois não há mera abolição de ritos,
mas o cumprimento.

2.5.5 Cristo, o cumprimento do culto do Antigo Testamento


• No AT, sacrifício constante de animais – Em Cristo temos o sacrifício perfeito que
cumpriu a necessidade da continuação dos sacrifícios do Antigo Testamento (Hb
9.13-14; 10.11-12; 13.10-15).

24
• No AT celebrava-se a Páscoa como libertação de Israel dos egípcios – Em Cristo
temos a libertação da escravidão do pecado para uma nova vida (2 Co 5.14-17).
• No AT o Pentecostes celebrava a colheita – No NT o Pentecostes celebra a
colheita para a Igreja do Senhor (At 2).
• No AT o incenso era símbolo de oração (Sl 141.2) – Cristo é aquele que
intercede continuamente a Deus por nós.

2.6 Conclusões sobre o culto do Antigo Testamento

1. No culto do Antigo Testamento o indivíduo lida com o único, verdadeiro e vivo


Deus. O próprio Deus institui o culto revelando-o em sua palavra.
2. O centro do culto é a remoção do pecado que oprimia o indivíduo e provocava a
ira de Deus. Deus mesmo estabeleceu as providências pelas quais sua ira seria
apaziguada e os pecados removidos. Para isto instituiu o culto sacrifical e o
sacerdócio, meios pelos quais garantiu perdão e comunhão.
3. O pecado foi reconhecido como a realidade oposta a Deus que teria que ser
removido de uma maneira real e concreta. O ritual cúltico levava o pecador de
volta à reconciliação com Deus.
4. Havia uma unidade entre o sacrificante, o sacrifício e a apresentação sacerdotal
do sacrifício; no entanto, a execução do sacrifício só poderia ser feita pelo
sacerdote, separado por Deus para este ofício.
5. Havia uma misteriosa associação entre o doador e a oferta no sacrifício; o
sangue derramado do sacrifício significava expiação. Mas o sacrifício expiatório
em si não era consumado, uma vez que ele apenas apontava para o grande
sacrifício do Messias prometido.
6. O sacrifício do Antigo Testamento era consumido na sua realização. Sua
impotência escondia-se na sua constante repetição.
7. Havia dois tipos distintos de sacrifício: o sacrifício de doação para o holocausto,
em que o objetivo era o perdão do pecado e o apaziguamento da ira de Deus; e
o sacrifício pacífico, em que a oferta era para uma refeição de comunhão e só
parte era oferecida em holocausto.
8. Havia necessidade do serviço sacerdotal, pois a pessoa comum não podia estar
na presença imediata de Deus. Mesmo assim o sacerdote também precisava
fazer sacrifício para si mesmo pelos seus próprios pecados.

25
9. Fazia parte da aliança com Deus o culto de vida obediente aos mandamentos de
Deus e de gratidão a Deus pelo dom da salvação.
10. O culto instituído por Deus no Antigo Testamento concedia salvação. No entanto,
era preciso ter fé na concretização futura da salvação que apontava para o
Messias prometido.
11. O povo de Israel foi escolhido entre as nações do mundo. Seu culto era realizado
vicariamente pelo mundo. Mas este culto estava ainda atado a um lugar definido,
a estações definidas, a um povo definido, a ritos definidos e detalhados. Mas
tudo isso estava previsto para ser passageiro. Israel em si deveria passar quando
surgisse a nova era nos tempos finais e entrasse em vigor o culto da ekklesía,
que abrangeria judeus e gentios (Ef 2.11-22).

Questões
1- (Questão de múltipla escolha - fácil) O assunto desta questão trata a respeito
do Culto no Antigo Testamento. Mesmo antes da instituição do culto no Antigo
Testamento temos relatos de atividades cultuais prestadas por pessoas que
agradeceram a Deus por algo recebido. Citam-se como exemplos Abel, Noé e
Abraão. Seu culto é motivado:

a- ( ) Motivado pela gratidão por todas as dádivas recebidas.


b- ( ) Pela sua determinação em seguir as leis de Deus e por medo do seu castigo.
c- ( ) Pela iniciativa de Deus em lhes conceder muitas bênçãos e bem-estar.
d- ( ) Motivado pela certeza de que Deus é o autor, criador e sustentador de todas
as coisas.
e- ( ) Pela esperança de ser recompensado pela boa obra realizada.

2- (Questão objetiva - média) O assunto desta questão também trata a respeito do


Culto no Antigo Testamento.Deus, em alguns momentos da história, manifestou-se
na forma que denominamos de Teofania ou Epifania. Qual a alternativa em que
aconteceu uma Teofania?

a- ( ) A pregação de Jesus na sinagoga.


b- ( ) A ressurreição de Lázaro.
c- ( ) A Instituição da Santa Ceia.
d- ( ) A Criação do Universo.
e- ( ) A coluna de fogo sobre o tabernáculo durante a peregrinação no deserto.

3- (Questão objetiva - difícil) O assunto desta questão também trata a respeito do


Culto no Antigo Testamento. Nos sacrifícios do culto do Antigo Testamento havia
diversos elementos que deveriam ser observados tanto pelos sacerdotes quanto
pelo povo de Deus em geral. Que elementos pertenciam a este culto?
26
a- ( ) Ofertas em dinheiro e animais.
b- ( ) Sangue de animais e a promessa de não mais cometer pecado.
c- ( ) Vinho como libação, sangue de animais e ofertas de manjares.
d- ( ) Vinho como libação e o desejo de querer ajudar o próximo.
e- ( ) Cantos de louvor e cumprimento de promessas

4- Como deveria ser o cordeiro escolhido para a celebração da Páscoa?


5- O que se entende por tipologia? Cite os diversos tipos e exemplifique.

Referências

BRUNNER, Peter. Worship in the name of Jesus. Traduzido do alemão para o inglês
por M. H. Bertram. Saint Louis: Concordia Publishing House, 1968.
LUTHERAN SERVICE BOOK. The commission on Worship of The Lutheran Church
– Missouri Synod. Saint Louis: Concordia Publishing House, 2006.
MANUAL BÍBLICO SBB. Tradução de Lailah de Noronha. Barueri: Sociedade Bíblica
do Brasil, 2008.
SANTOS, Jonathan F. dos. O culto no Antigo Testamento: sua relevância para os
cristãos. São Paulo: Vida Nova, 1986.
VAUX, R. DE. Instituições de Israel no Antigo Testamento. Traduzido por Daniel de
Oliveira. São Paulo: Editora Teológica, 2003.

Chave de respostas:
1- a,c,d
2- e
3- c

27
3 O culto no Novo Testamento

Há uma mudança radical do culto do Antigo Testamento para o Novo


Testamento: Em Cristo acabam-se os sacrifícios do AT e abre-se um novo tempo
centralizado no sacrifício de Cristo – Cl 2.16-17; Jo 4.19-24; Mt 18.20; Lc 22.19; Hb
10.19-25. Assim como no Antigo Testamento, o culto do Novo Testamento surge a
partir da iniciativa de Deus: no Antigo Testamento a partir dos sacrifícios que
apontam para Cristo e no Novo Testamento a partir do sacrifício de Cristo já
realizado. Mas é sempre Deus que toma a iniciativa.
Para expressar a novidade do culto, os cristãos passam a celebrar seus cultos
no domingo, o primeiro dia da semana, o dia do Senhor, devido às aparições do
Senhor Ressuscitado nos domingos. Assim, cada domingo passou a ser uma
pequena Páscoa.
Não há liturgia definida no início: 1 Co 14.26. No entanto, podemos agrupar as
citações de culto no Novo Testamento para ver os elementos que havia:

Ofício da Palavra
• Leituras da escritura: 1 Tm 4.13; Cl 4.16.
• Homilia: At 20.7.
• Cânticos: Cl 3.16.
• Orações: At 1.14; 2.42; 4.31.
• Amém congregacional: 1 Co 14.16.

Ofício da Santa Ceia


• Ofertório: 1 Co 16.1,2.
• Ação de graças (eucharistía): Lc 22.19; 1 Co 11.24.
• Memória (anámnesis): Lc 22.19; 1 Co 11.24,25.
• Volta de Cristo: 1 Co 11.26.
• Ósculo da paz: Rm 16.16.

3.1 Surgimento do Ofício da Palavra

A sinagoga deve ter surgido no século VI a.C., quando os judeus estavam no exílio
babilônico. Foi a maneira que os cativos tiveram de sobreviver em sua religião

28
estando longe de seu templo. Na sinagoga os israelitas recordavam do que Deus
havia feito, de como Deus os havia transformado num povo distinto dos demais (Sl
137). E a maneira de recordar isso era através da instrução e da oração em
conjunto. Ao reunir-se para ler e ouvir a palavra, refletir e alegrar-se pelo que Deus
fizera, o povo reafirmava sua identidade.
Não havia necessidade de um sacerdote para conduzir o ofício na sinagoga: onde
um grupo pudesse se reunir bastava um livro e pessoas. Cantos, orações e
reflexões poderiam ser até dirigidos por leigos. Este culto transformou-se numa
forma de ensino e transmissão de memórias comunitárias de um povo com o qual o
próprio Deus havia se comprometido.
Naturalmente a Igreja cristã recebeu muito da sinagoga. A maioria dos primeiros
cristãos era judeu, familiarizados com a sinagoga. Podemos verificar em Lucas que
Jesus participava da sinagoga e que lá também pregava (Lc 4.16-28). Tratava-se,
pois, de um estilo de culto conhecido dos primeiros cristãos. Assim, naturalmente, a
Igreja cristã recebeu muito da sinagoga, pois Jesus e os apóstolos a utilizaram
sobremaneira. Podemos dizer que o Ofício da Palavra (no culto cristão) surge a
partir da sinagoga.
Provavelmente, os primeiros cristãos celebravam o culto na sinagoga ao mesmo
tempo em que celebravam a Santa Ceia em casas particulares (At 2.46). Mas, em
pouco tempo, os cristãos foram expulsos das sinagogas e os dois cultos (da Palavra
e da Santa Ceia) foram juntados. Justino Mártir, em sua primeira Apologia (c.150),
dá-nos testemunho dos cultos da época:

Ao terminar as orações, mutuamente nos saudamos com o ósculo da paz e,


logo, traz-se ao presidente o pão e um cálice de vinho com água. Ele os
recebe, oferecendo-os ao Pai de todas as coisas num tributo de louvores e
glorificações, em nome do Filho e do Espírito Santo, dando graças por sermos
considerados dignos de tamanhos favores de sua clemência. Terminadas as
orações e ações de graças, os presentes as ratificam com o “Amém”, palavra
hebraica que significa “assim seja”. Terminada a ação de graças do
presidente e retificada pelo povo, os chamados “diáconos” distribuem entre os
presentes o pão eucarístico e o vinho com água, que levam depois também
aos ausentes.9

9
BENTENSON, Henry. Documentos da Igreja Cristã, p. 103-104.

29
Justino também nos informa para quem era administrada a Santa Ceia,
deixando claro que havia restrições na participação:

Chamamos este alimento de eucaristia: ninguém pode participar dele a não


ser aquele que, crendo que nossas doutrinas são verdadeiras, tem sido
lavado com a lavagem para remissão dos pecados e para o novo nascimento,
e que vive segundo os ensinos de Cristo. Pois, para nós, não é alimento
ordinário nem bebida comum... este alimento é a carne e o sangue de Jesus
que se fez carne.

Após registrar em sua apologia que os que tinham posses costumavam ajudar
os necessitados, Justino descreve mais um pouco do culto que realizavam:

No dia denominado de dia de sol há uma reunião de todos aqueles que vivem
tanto nas cidades como no campo. Ali se dá a leitura das Memórias dos
apóstolos ou das Escrituras dos profetas até onde o tempo permite.
Terminada a leitura, o presidente faz uso da palavra para nos admoestar e
nos exortar à imitação e prática dessas coisas admiráveis. Logo nos
levantamos e oramos juntos. Terminada a oração, do modo como já foi dito,
traz-se pão e vinho com água. O presidente dirige a Deus orações e ações de
graça, o povo aquiesce com a aclamação: Amém. E se procede à distribuição
dos elementos eucarísticos entre todos, enviando-se também, mediante os
diáconos, aos que estão ausentes. Os irmãos que estão na abundância e
querem dar, dão cada qual conforme lhes aprouver. O dinheiro recolhido é
entregue ao presidente, que o reparte entre os órfãos, viúvas, doentes,
indigentes, presos e transeuntes; de todos aqueles que necessitam de ajuda
ele é um protetor.

Podemos concluir destes relatos, que, no culto da Igreja Antiga, havia leituras do
Antigo Testamento e do Novo Testamento, aplicação da palavra (sermão), orações,
Santa Ceia, ofertas para o socorro dos necessitados. Portanto, havia uma comunhão
vertical (Deus e o fiel) e a comunhão horizontal (ajuda mútua aos irmãos – diaconia).

30
Com o tempo algumas modificações e acréscimos apareceram no culto. As leituras
do Antigo Testamento começaram a ficar de fora no século IV. No início, os
catecúmenos participavam apenas do ofício da palavra, sendo despedidos antes da
Santa Ceia, não participando também da oração dos fiéis e do ósculo da paz. Pelo
final do século VI, esta distinção não se fazia mais para com os catecúmenos. No
século VII, desaparecem do rito romano também as intercessões ou a oração dos
fiéis. Com o passar do tempo, durante a Idade Média, o esqueleto da liturgia
histórica, que temos ainda hoje, foi surgindo.

3.2 Surgimento do Ofício da Santa Ceia

A Santa Ceia surge a partir da instituição de Cristo “na noite em que foi traído”
(1 Co 11.23). Naquela noite, Jesus deu a ordem expressa “Fazei isto em memória
de mim” (Lc 22.19). Portanto, a Santa Ceia deveria ser realizada em memória
(grego: anámnesis) de Jesus. Seria uma maneira de recordar Jesus e de ter algo
visível, palpável, da presença de Deus conosco.
No Antigo Testamento Deus se fez “visível” na coluna de fogo à noite e na coluna de
nuvem durante o dia (Êx 13.21). Deus também se fazia presente nos sacrifícios de
animais, meios pelos quais a nação recebia o perdão de seus pecados. Agora,
Cristo, o Messias prometido que se fez sacrifício por nós, oferece-nos seu corpo e
sangue “para remissão de pecados” (Mt 26.28).
A Igreja cristã observou fielmente a ordem de Cristo, mesmo antes dos livros
do Novo Testamento terem sido escritos. Primeiro, nas refeições em comum,
distribuíam a Santa Ceia, mais tarde, após o Ofício da Palavra. É importante notar,
que, apesar de Cristo ter dito “fazei isto”, esta ordem não é uma imposição que
precisa ser obedecida por medo de punição, mas é um novo ato de amor de Deus
ao fazer a nova aliança conosco e assim vir novamente ao nosso encontro, como já
fizera por ocasião da antiga aliança. Só que agora a nova aliança tem algo especial:
não é mais o sangue de animais que garante a remissão, mas é o sangue do próprio
Cristo (Hb 9.11-14). Por isso, os cristãos logo seguiram a ordem de Cristo e “partiam
o pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de
coração” (At 2.46).

31
3.3 Comparação da Adoração no Antigo Testamento com a do Novo
Testamento

Verifica-se uma semelhança na terminologia, apesar do novo momento


inaugurado por Cristo também no culto, não há mudança substancial nos termos
empregados pelo Novo Testamento para indicar a adoração do povo de Deus. No
Novo Testamento percebe-se uma continuidade terminológica em relação ao Antigo
Testamento. Evidentemente a leitura do Novo Testamento tendo o Antigo
Testamento diante de si trará maior profundidade à compreensão da adoração no
NT.

a- A centralidade cristológica é evidente em ambos os testamentos. No AT, Cristo se


encontra na tipologia, na pregação profética, na antecipação messiânica, nas
diversas figuras e símbolos ali usados ( cordeiro, sacerdote, tabernáculo,
derramamento do sangue, etc). Sem Cristo, o culto do AT perde o seu cerne, a sua
substância básica, passando a ser vazio de conteúdo cristão. Porém em Cristo, a
adoração do AT recebe seu verdadeiro sentido eterno. Por detrás da pregação dos
diversos autores dos documentos do AT está a proclamação do único autor do AT e
de toda a Bíblia: o próprio Deus que quer ser adorado somente em Cristo. No NT,
Cristo está explicitamente exposto. Como não poderia deixar de ser, a adoração do
NT centralizava-se no Cristo Ressurreto e vitorioso. Portanto, para a Escritura, a
única adoração legítima é cristológica: tem sua origem em Cristo, acontece via
Cristo, e dirige-se a Cristo.

b- Faz-se necessário reconhecer o importante papel que os sacramentos


desempenham na estrutura de adoração de ambos os testamentos. Este aspecto é
muito evidente no NT. O Batismo foi algo muito precioso para os primeiros cristãos.
Nas reuniões dos cristãos os fiéis congregavam-se ao redor da eucaristia. No AT
algo parecido acontece. Não que a igreja do AT já tivesse os sacramentos do NT.
Mas o aspecto sacramental de todo o culto do AT precisa ser enfatizado. E isto é
algo visível e palpável em Cristo. Era "quase um sacramento", "quase uma
encarnação" antecipada de Jesus. No elemento visível ( cordeiro ) se encontrava o
"elemento divino" (Cristo). O Tabernáculo apontava para Deus e Cristo habitando
com e no meio do seu povo de forma absolutamente perceptível. Teologicamente
era uma "antecipação materializada" de Cristo habitando com Israel. E há muitos
outros exemplos. Este é o elemento sacramental do culto no AT. Se observarmos

32
bem, veremos que nestas "manifestações sacramentais" se acha o cerne do
Evangelho no AT ( como por exemplo, o cordeiro que é oferecido no sacrifício).
Vemos assim que o sacramento é elemento fundamental tanto no culto do NT
quanto do AT.

c- Na comparação dos dois testamentos, cai em vista as diferenças quanto às


formas de culto. O culto do AT é suntuoso, tem preceitos detalhados, tem hierarquia,
tem forma prescrita, tem cores vistosas, tem grande cerimonial externo. O culto do
NT é simples e não tem rituais elaborados. Vê-se nisto a liberdade do Espírito na
diversidade da forma. Ambos os cultos eram legítimos. Ambos agradavam a Deus e
edificavam os adoradores. Ambos tiveram sua origem no próprio Deus. Por outro, no
conteúdo essencial há unidade. O conteúdo da proclamação é o mesmo. Apesar da
distância no tempo e na ocasião de cada um, profetas e apóstolos pregaram o
mesmo conteúdo devidamente adequados à situação específica de cada. A
centralidade cristológica está presente em ambos os testamentos. Os aspectos de
Lei e Evangelho, são verificáveis tanto no AT como no NT. Concluímos que, quanto
à forma do culto, há diversidade nos dois testamentos; quanto ao conteúdo, há
unidade. Porém em ambos existe uma continuidade cúltica. Para pregar o mesmo
evangelho (Cristo), Deus utilizou tanto a adoração ritual elaborada do AT como o
culto simples do NT.

d- Em ambos os testamentos evidencia-se a vinculação do culto à ética. Adoração e


vida andam juntos. O culto prestado no templo continua na vida em atos de amor ao
semelhante. E os atos concretos praticados na vida tornam-se adoração a Cristo.
Culto e ética convivem coerentemente.

e- Nos dois testamentos a adoração move-se em sentido retrojetivo e projetivo ao


mesmo tempo. A visão retrojetiva do culto no AT vincula o fiel à aliança de Iahweh
com Abraão, ao ato libertador do Êxodo, à aliança no Sinai. Só os que estavam sob
a aliança podiam adorar legitimamente a Deus e receber seus benefícios. A visão
projetiva está em lançar o olhar para o futuro, para o Messias, para a Nova
Jerusalém, para os novos céus e a nova terra. No Culto do NT acontece algo
semelhante: olhamos para o Cristo que morreu e ressuscitou, o qual relembramos
ou reatualizamos na eucaristia, e olhamos para o futuro, para a Segunda vinda de
Jesus em glória. Em Cristo portanto, o culto é o ponto de encontro entre o céu e a
terra, entre o passado, presente e futuro. Este encontro continua na rotina do adorar
33
dando sentido a todos os seus atos concretos nesta vida enquanto ele não entre
eternidade a dentro.

Questões
1- (Questão de múltipla escolha - média) A presente questão trata do Culto no
Novo Testamento. Assinale as alternativas corretas. Um novo tempo se inicia na
história do culto com Jesus Cristo. Em Cristo se cumprem as profecias que estavam
inseridas no culto do Antigo Testamento. Podemos afirmar que em Cristo:

a- ( ) Cumprem-se as profecias porque ele é poderoso para mudar o culto do


sábado para o domingo.
b- ( ) Chega ao fim a matança de animais que eram sacrificados em favor do povo
e o seu sacrifício não é mais necessário a partir da morte e ressurreição de Cristo
c- ( ) Cumprem-se as profecias sobre a libertação do povo de Deus do jugo
romano.
d- ( ) Cumprem-se as profecias da vinda do Messias.
e- ( ) Deus garante perdão, vida e salvação a todos que nele crêem.

2- (Questão objetiva - média) A presente questão também trata do Culto no Novo


Testamento. Assinale a alternativa correta. No Antigo Testamento o culto era
celebrado aos sábados, por ordem divina. A Igreja Antiga passa a celebrar cultos
aos domingos porque:

a- ( ) Jesus exigiu que se mudasse o culto do sábado para o domingo porque ele
ressuscitou num domingo.
b- ( ) Os cristãos tinham mais tempo no domingo, pois era o dia do descanso.
c- ( ) Domingo significa Dominus em latim, que quer dizer “Senhor”.
d- ( ) Jesus ressuscitou num domingo e cristãos queriam enfatizar e celebrar a
ressurreição de Jesus, ocorrida num domingo, o primeiro dia da semana.
e- ( ) Nos outros dias o culto não seria tão eficiente, pois não lembram a
ressurreição de Jesus.

3- No Antigo Testamento o culto era celebrado aos sábados, por ordem divina. A
Igreja Antiga passa a celebrar cultos aos domingos porque
a-( ) Jesus exigiu que se mudasse o culto do sábado para o domingo porque ele
ressuscitou num domingo.
b-( ) Os cristãos tinham mais tempo no domingo, pois era o dia do descanso.
c-( ) Domingo significa Dominus em latim, que quer dizer “Senhor”.
d-( ) Jesus ressuscitou num domingo e eles queriam enfatizar a ressurreição de
Jesus.
e-( ) Nos outros dias o culto não seria tão eficiente, pois não lembra a ressurreição
de Jesus.

34
4- Destaque as principais diferenças entre o culto do Antigo Testamento e o culto do
Novo Testamento.
5- Procure identificar a estrutura do Culto Cristão do tempo dos apóstolos, registrada
em At 2.42. Comente.

Referências

BRUNNER, Peter. Worship in the name of Jesus. Traduzido do alemão para o inglês
por M. H. Bertram. Saint Louis: Concordia Publishing House, 1968.
LUTHERAN SERVICE BOOK. The commission on Worship of The Lutheran Church
– Missouri Synod. Saint Louis: Concordia Publishing House, 2006.
MANUAL BÍBLICO SBB. Tradução de Lailah de Noronha. Barueri: Sociedade Bíblica
do Brasil, 2008.
PIETZSCH, Paulo G. Culto e Música no contexto cristão. Canoas: Ed. ULBRA, 2003
(Caderno Universitário).

Chave de Respostas
1- b,d,e
2- d
3- d

35
4 Desenvolvimento da Adoração Cristã do Séc. II até a Reforma do Séc. XVI

Na noite em que foi traído, Jesus instituiu a Santa Ceia, durante a celebração
da Páscoa do Antigo Testamento. Vejamos o relato no evangelho de Lucas: “Isto é o
meu corpo oferecido por vós; fazei isto em memória de mim”. Semelhantemente,
depois de cear, tomou o cálice, dizendo: “Este é o cálice da nova aliança no meu
sangue derramado em favor de vós” (Lc 22.1-20). Estava iniciada a nova aliança de
Deus conosco com a instituição da Santa Ceia. E este ato, ou este cerimonial,
deveria ser repetido pela Igreja em memória (anámnesis, em grego) de Jesus até o
fim dos tempos. “Porque todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este
cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha” (1 Co 11.16).
Na Didaqué, vamos encontrar, na ação de graças depois da ceia, o desejo da
vinda (maranata, em grego) do Senhor: “Venha tua graça e passe este mundo!
Amém. Hosana à casa de Davi. Venha aquele que é santo! Aquele que não é
(santo) faça penitência: Maranatá! Amém”.10 Desde o momento da ordem de Jesus
“Fazei isto em memória de mim” e o desejo que ele venha novamente, a Igreja
começou a desenvolver uma liturgia que vem até os nossos dias.

4.1 O século II

Plínio, o Jovem, governador romano da Bitínia e Ponto, dá-nos informações


sobre o culto dos cristãos numa de suas cartas ao imperador Trajano (c. 111-112).
Seu objetivo era intimidar os cristãos a não continuarem a praticar seus cultos.
Sobre o culto dos cristãos, Plínio escreveu a Trajano:

Foram unânimes em reconhecer que sua culpa se reduzia a apenas isso: em


determinados dias costumavam comer antes da alvorada e rezar
responsivamente hinos a Cristo, como a um deus; obrigavam-se, por
juramento, não a algum crime, mas à abstenção de roubos, rapinas,
adultérios, perjúrios e sonegação de depósitos reclamados pelos donos.
Concluído este rito, costumavam distribuir e comer seu alimento: este, aliás,
era um alimento comum e inofensivo. Práticas essas que deixaram depois do

10
Didaqué, 10.6. “Hoje, geralmente, se admite que foi compilada entre os anos 90-100 d.C., na Síria,
na Palestina ou em Antioquia” (Urbano Zilles, in: Didaqué ou Doutrina dos Apóstolos, p. 17).

36
edito que promulguei, de conformidade com vossas instruções proibindo as
sociedades secretas.11

Podemos ver por este relato, que estes cristãos do início do século II,
cantavam, oravam e realizavam uma refeição comum na qual se costumava também
administrar a Santa Ceia. Mas como Trajano havia proibido as “sociedades
secretas”, acabaram abandonando esta refeição comum.
A primeira ordem definida de adoração, onde estão num mesmo encontro o ofício da
palavra e o ofício da Santa Ceia, encontra-se na Apologia de Justino Mártir
destinada ao Imperador Antonius Pius (c. 150). Já há uma forma de liturgia na
Apologia de Justino cujo esboço é o seguinte:

Ofício da Palavra
“Leitura das Memórias dos apóstolos ou das Escrituras dos profetas até onde o
tempo permite.”12
Um Sermão (instrução e admoestação)
Oração (a congregação de pé, todos participando)

Ofício da Ceia do Senhor


Ósculo da paz
Ofertório (esmolas, apresentação do pão e do vinho)
Oração de Ação de Graças (“bastante extensa” e improvisada “de acordo com a
capacidade da pessoa” e seguida por um “Amém” comum)
Comunhão – distribuição dos elementos da Santa Ceia
Distribuição estendida aos ausentes

4.2 O século III

Do século III temos uma liturgia registrada por Hipólito (falecido c. 236) num
documento conhecido como Tradição Apostólica (c. 215). O texto é o seguinte:

Bispo: O Senhor seja convosco!

11
BETTENSON, Henry. Documentos da Igreja Cristã, p. 29.
12
BETTENSON, Henry. Documentos da Igreja Cristã, p. 104.

37
Povo: E com o teu espírito!
Bispo: Levantai ao alto os corações.
Povo: Assim os levantamos para o Senhor.
Bispo: Demos graças ao Senhor, nosso Deus.
Povo: É digno e justo.
Bispo: Damos-te graças, ó Deus, por teu amado [servo?] Filho Jesus Cristo, que nos
enviaste nos derradeiros tempos para ser nosso Salvador e Redentor e o
mensageiro de tua vontade; o qual é o Verbo inseparável pelo qual fizeste todas as
coisas e no qual puseste tuas complacências. Tu o enviaste dos céus ao seio da
Virgem, e ele foi concebido e se encarnou, foi reconhecido como teu Filho, nascido
do Espírito Santo e da Virgem. E ele, cumprindo tua vontade e preparando para ti
um povo santo, estendeu suas mãos ao sofrimento para libertar do sofrimento os
que em ti creram. O qual, ao ser entregue voluntariamente à sua paixão, para que
pudesse destruir a morte, romper as cadeias do maligno, pisar o inferno, libertar [daí]
os justos, marcar as [suas] fronteiras, e para que pudesse manifestar sua própria
Ressurreição, tomou o pão, e deu graças, dizendo: “TOMAI E COMEI: ESTE É MEU
CORPO QUE É QUEBRADO POR VÓS”. Semelhantemente, tomou o cálice,
dizendo: “É MEU SANGUE QUE É DERRAMADO POR VÓS. CADA VEZ QUE
FIZERDES ISTO, FAZEI-O EM MEMÓRIA DE MIM”.
Por esta razão, nós, em memória da sua morte e da sua ressurreição,
oferecemos-te este pão e este cálice, dando graças a ti porque nos fizeste digno de
apresentar-nos a ti e de servir como teu sacerdote. E te imploramos te dignes enviar
teu santo Espírito sobre a oblação de tua santa Igreja, concedendo que todos os
teus santos que dela participem sejam feitos um para a plenitude do Espírito Santo e
a confirmação de sua fé na verdade. Assim possamos louvar-te e glorificar-te por
Jesus Cristo teu Filho [servo] através de quem seja glória e honra a ti, ao Pai e ao
Filho com o Espírito Santo em tua santa Igreja, hoje e eternamente. Amém.13

Note-se, nesta introdução ao Ofício da Santa Ceia, a semelhança com as liturgias


históricas atuais que preservam o esquema desta liturgia de Hipólito. Vejamos o
esquema completo da liturgia que Hipólito registra na Tradição Apostólica:

Ofício da Palavra

13
Idem, p. 113-114.

38
Lições
Sermão
Salmos (?)
Orações Intercessórias
Ósculo de Paz

Culto da Ceia do Senhor


Ofertório – os elementos são levados à mesa
Oração Eucarística
Saudação (responsório entre líder e povo)
O Senhor seja convosco; e com o vosso espírito.
(Sursum corda) Levantai os vossos corações; nós os levantamos para o Senhor.
Demos graças ao Senhor; é bom e reto fazê-lo.
Ação de Graças (Agradecimento)
História da Salvação (encarnação,; vida, morte e ressurreição de Jesus)
Palavras da Instituição (“Ele tomou o pão, e tendo dado graças etc.”)
Memória (Anamnese) “Lembrando, portanto, a Sua morte e ressurreição etc.”
Oblação (“Oferecemos a Ti o pão e o cálice etc.”)
Invocação do Espírito Santo (Epiclese) “Te rogamos que envies o Teu Espírito Santo
etc.”
Doxologia à Trindade, com Amém da congregação.
A Comunhão
Oração de pós-comunhão pelo presbítero; Amém do povo.
Bênção do bispo e despedida.
Note-se que a ceia é uma oferta, mas não é sugerida a ideia de transubstanciação.

4.3 O século IV

Do século IV temos uma liturgia registrada nas Constituições Apostólicas (c. 380). A
esta altura a liturgia já estava bastante desenvolvida.

Ofício da Palavra
Leituras Bíblicas (várias, do AT e do NT, especialmente Epístolas e Evangelhos)
Salmos, entremeando-se com as leituras acima (alguns cantados por cantores,
alguns com responsos pela congregação)

39
Sermões (por vários “presbíteros”)
Dispensa dos não comungantes (os que ainda não eram batizados) com uma litania
e responso do povo (“Senhor, tem misericórdia”)

Ofício da Ceia do Senhor


Orações dos Fiéis
Saudação e Responso (uma bênção trinitária, ou “O Senhor seja convosco” etc.)
Ósculo de Paz
Ofertório
Lavagem das mãos do bispo e dos presbíteros
Oferta dos elementos e de esmolas
A mesa é “cercada” (para impedir a participação de pessoas indignas)
O bispo é vestido com “uma vestimenta esplêndida”; depois, ele faz o “sinal da cruz”
na testa.
Oração Eucarística
Sursum corda (“Levantai os vossos corações” etc.)
Prefácio: Agradecimento por toda a providência de Deus, começando com a criação.
Sanctus (“Santo, santo, santo, Senhor Deus dos exércitos” etc.)
Palavras da Instituição (Anámnesis e Oblação) “Que o Senhor Jesus, na noite em
que foi traído, tomou o pão” etc. Inclui uma referência à volta de Jesus.
Epiclesis (“...envia sobre este sacrifício o teu Espírito Santo... para que ele possa
revelar este pão como o corpo de Cristo e este cálice como o sangue de Cristo e
que todos os que dele participamos possamos ser fortalecidos em piedade.”)
Oração de Intercessão (dez seções)
Oração Dominical (?) (Ela era comumente usada, tanto antes como depois dessa
época.)
Doxologia e “Amém” do povo
“Pedidos de oração” dirigidos pelo diácono, e Oração do Bispo
Conclamação à Comunhão (“Coisas santas para um povo santo”, com um responso)
Gloria in excelsis (Lc 2.14, e não a forma posterior, aumentada)
Hosana e Benedictus (qui venit, Mt 21.9)
Comunhão, com o cântico do Sl 34
(“Oh, provai e vede que o Senhor é bom.”)

40
Ação de graças e intercessão do Bispo “depois da comunhão, seguidas de oração e
bênção.
Despedida.
A liturgia, agora, apesar de bastante desenvolvida é ainda fortemente
congregacional. Os fiéis participam nos hinos, nas orações e nos “améns”. Mas já
inicia uma hierarquia profissional com atividades específicas a serem realizadas
pelos clérigos. Desde o edito do imperador Constantino (313 d.C.) a Igreja cristã foi
tolerada e podia crescer livremente. Edifícios cada vez maiores foram surgindo para
abrigar os fiéis e o culto foi adaptado para esta situação. Gradativamente, a liturgia,
inclusive os cânticos, passou a ser executada pelo clero, até como necessidade de
impedir o surgimento de heresias. Os bispos passaram a fazer parte da nobreza do
império e passaram a ter muitos bens e propriedades.
Com o poder dos bispos houve um retorno à teologia do Antigo Testamento.
Donald Hustad descreve a mudança que isso implicou para com a Santa Ceia: O
dirigente da adoração agora se tornou o sacerdote que oferecia repetidamente o
sacrifício do corpo e do sangue de Cristo (transubstanciação) para o perdão dos
pecados e identificação do crente com Cristo na salvação. Em vez de
compartilharem de uma refeição de ação de graças, como se fazia nos primeiros
anos, os crentes vinham para testemunhar o oferecimento de um sacrifício e para
adorar o próprio pão da comunhão. Um espírito de veneração e de temor ligado a
esta adoração desencorajava os adoradores de realmente receberem a comunhão.
Mais tarde, muitas pessoas passaram a participar apenas uma vez por ano, pois
eram obrigados a fazê-lo.14

4.4 O século XVI

Nos primeiros anos após o reconhecimento do cristianismo desenvolveram-se


liturgias em diversas regiões, com melodias e tradições locais. Até o século IV, a
língua grega era utilizada nestas liturgias. Somente a partir do século IV o latim
começou a substituir o grego nas ações litúrgicas.
A partir do século V o império romano passa a ser dividido entre Oriente e Ocidente.
No Oriente são estabelecidas as liturgias ortodoxas de São Basílio e de São
Crisóstomo, sendo que esta última é mais utilizada. As liturgias ortodoxas são

14
HUSTAD, Donald P. Jubilate! A música na igreja, p.105.

41
sempre cantadas em cantochão, mas também há intervenções mais
contemporâneas.
As liturgias das igrejas evangélicas não têm muita herança das liturgias
ortodoxas. No Ocidente, Roma tornou-se o centro da Igreja e o rito romano é que vai
influenciar as igrejas evangélicas, especialmente a luterana. Vejamos o esboço da
missa latina, celebrada por volta de 1500. O esboço é da missa alta.

Nota: partes cantadas pelo coro assinaladas com asterisco (*).

Ofício da Palavra
* Intróito
* Kyrie eleison (nove vezes)
Entrada dos ministros
Preparação particular dos ministros (secretamente)
Invocação
Sl 43, com Gloria Patri
Sl 124.8
Confiteor e Miserator (entre ministros e celebrante)
Versículos e responsos dos salmos
Coletas (orações)
Bênção do incenso e incensamento do altar etc.
* Gloria in excelsis Deo
Saudação e coletas (orações) do dia
Epístola, cantada por subdiácono, com responso
* Gradual
* Espaço ou Sequência, durante o qual são feitas:
Orações e Preparação para a Saudação do Evangelho, anúncio do Evangelho, com
responso
Evangelho recitado (tom baixo) com responso
Evangelho (com luzes e incenso, cantado por diácono com responso)
Pregador dirige-se ao púlpito
Intimações
Pedido de orações
Epístola e Evangelho são lidos (vernáculo)

42
Sermão (vernáculo)
* Credo (Credo de Niceia)
Saudação e convite à oração

Ofício da Ceia
* Ofertório: Versículos dos salmos cantados enquanto o celebrante prossegue
Secretamente.
Oferta do pão, com coleta
Água misturada com vinho, com coleta
Oferta do vinho, com coleta
Orações
Bênção do incenso e incensamento dos elementos, do altar, dos ministros
O celebrante lava as mãos, enquanto recita o Lavabo, Salmo 25.6-12, com Gloria
Patri
Oblação, com ofertas
Coleta (secreta)
Saudação e Sursum Corda (“Elevai os Corações” ou “Corações ao Alto”)
Oração de Consagração (O Cânone Romano)
* Sanctus (enquanto os celebrantes continuam com a oração, em secreto)
Pedido de aceitação da oferta
Começo de intercessões pela Igreja
A memória dos vivos
A memória e intercessão através dos santos
Segundo pedido de aceitação
Terceiro pedido de aceitação
Palavras da Instituição, com elevação e Benedictus*
Anamnesis e Oblação (Memória e oferta)
Outros pedidos de aceitação
Memória dos mortos
A comunhão dos santos
Doxologia
Oração Dominical
A Paz (partição e mistura dos elementos)
* Agnus Dei

43
Comunhão do celebrante, com coletas etc.
Comunhão do povo
* Hino de Comunhão (salmo)
Saudação e orações pós-comunhão
Saudação e despedida
Bênção da Congregação
Último Evangelho (Jo 1.1-14) e responso.

Na Missa do século XVI a congregação praticamente não tinha participação


ativa. A partir já do século IV o canto passou a ser confiado gradativamente a um
coral litúrgico. As missas cantadas em geral usavam o canto gregoriano, a uma voz,
mesmo as partes executadas por coro. O povo assistia passivamente à missa. Além
disso, desenvolveram-se missas com composições de grandes mestres, que usaram
as cinco partes principais da missa: Kyrie, Gloria, Credo Sanctus e Agnus Dei.

Não há dúvida, que belas obras se ouviam durante a missa durante toda a
Idade Média. No entanto, esquece-se a participação congregacional. Isso só mudou
com a Reforma.

4.5 Formas de adoração sem Santa Ceia durante o período medieval

[sub 2] Horas de Oração


No Antigo Testamento Deus havia ordenado os sacrifícios diários de
cordeiros: Êx 29.38-39. No Sl 55.17 sugere-se oração “à tarde, pela manhã e ao
meio-dia. Daniel orava três vezes ao dia (Dn 6.13). No Sl 119.164, lemos: “Sete
vezes ao dia, eu te louvo pela justiça dos teus juízos”; no vers. 62 está registrado
“levanto-me à meia-noite para te dar graças”. No serviço do templo havia horas de
oração programadas; quem não podia estar no templo numa das horas de oração
poderia orar noutro local apropriado (At 3.1; 10.9; Mt 6.5-6).
Os cristãos continuaram a utilizar as Horas de Oração. No entanto, aos
poucos foram esquecidas pelo povo e passaram a fazer parte dos ofícios
monásticos apenas. São Bento fixou as horas de oração por volta de 530 d.C. para
serem observadas nos mosteiros, catedrais e igrejas universitárias. O ciclo completo
destas “Horas de Oração” consistia de oito ofícios diários, nos quais se cantavam
salmos, liam-se trechos bíblicos e faziam-se orações. Nestes ofícios não se

44
celebrava a Santa Ceia. As Horas de Oração estabelecidas por São Bento são as
seguintes:

Matinas
Laudes
Prima (6h)
Horas de Oração Tertia (9h)
Sexta (12h)
Noa (15h)
Vesperas
Completas (ao recolher)

As Horas de Oração também eram denominadas de Ofício Divino, Ofício das Horas
ou Horas Canônicas

[sub 2] Cultos de Pregação


Podemos observar em igrejas históricas um púlpito no meio da nave, longe do
altar. Deste local costumava-se pregar no vernáculo um sermão. Deste costume
desenvolveu-se uma forma de adoração, basicamente no vernáculo, a princípio
inserido na missa, e, depois, realizado como cerimônia separada. É conhecida como
Prone e se assemelha à forma de adoração adotada por João Calvino, no século
XVI. Eis o esboço da Prone.
Prone
Conclamação à Adoração (“In nomine Patri etc.”)
Passagem do sermão em latim (para os intelectuais)
Votum alemão com “Amém” congregacional
Texto do sermão em alemão
Invocação do Espírito Santo
Sermão
Anúncios da paróquia
Oração da igreja
Oração Dominical e “Ave-Maria”
Credo dos Apóstolos
Os Dez Mandamentos
Confissão Pública
Votum final

45
4.6 O culto na Reforma

[sub 2] As missas de Lutero


Lutero elaborou duas missas: a Missa Latina e a Missa alemã. A Missa Latina
é uma reforma da Missa Medieval tradicional. A Missa Alemã tem mudanças maiores
e é mais simples. No próximo capítulo estas duas missas serão tratadas
detalhadamente.

[sub 2] A Santa Eucaristia no Livro de Oração Comum de 1562


Na Inglaterra continuou-se a utilizar a missa romana por um tempo no governo de
Henrique VIII. Depois da morte do governante, o arcebispo Cramner (1489-1556)
elaborou uma liturgia reformada. Surge o Livro de Oração Comum em 1549, que
preconiza uma adoração congregacional e não mais sacerdotal. Conserva-se muito
da missa romana, mas formam feitas revisões no conceito da transubstanciação e
no cânone da missa. Outras revisões se seguiram no Livro de Oração Comum.
O esboço a seguir é do Livro de Oração Comum de 1562:

Ofício da Palavra
Oração Dominical (ministro sozinho)
Oração (coleta) pedindo pureza
Dez Mandamentos, e Kyries (em inglês)
Coletas (Orações)
Epístola
Evangelho
Credo (Niceia)
Sermão

Ofício da Ceia
Ofertório (Sentenças da Escritura; coletas; elementos preparados)
Intercessões
Exortação e Convite
Confissão e Absolvição Gerais: “Palavras Consoladoras”
Sursum corda (“Levantai os vossos corações” etc.)
Oração de Consagração

46
Prefácio e Pontos: Sanctus; “Oração de Humilde Acesso”;
Comemoração;
Palavras da Instituição
Comunhão
Oração Dominical
Oração de agradecimento pós-comunhão
Gloria in excelsis Deo
Paz e Bênção

[sub 2] Oração Matutina ou Vespertina (Livro de Orações de 1662)


Tal como Lutero, o arcebispo Cramner também se empenhou pela continuidade das
Matinas e das Vésperas dentre as Horas de Oração. A leitura e o cântico das
Escrituras deveria ser enfatizado. Um sermão também estava previsto para estes
ofícios.
O esboço a seguir é do Livro de Oração Comum de 1662.

(Hino)
Sentenças da Escritura: Exortação
Confissão de pecados e Absolvição: Oração Dominical
Salmos do Dia, cada um deles seguido por Gloria Patri
Leitura do Antigo Testamento
Cântico (por ex., Te Deum para as Matinas, Magnificat para as Vésperas)
Leitura do Novo Testamento
Cântico (por ex., Benedictus para as Matinas, Nunc Dimitis para as Vésperas)
Kyries; Oração Dominical; Sufrágios; Coletas
Antema
Oração de Agradecimento; Oração pedindo graça
(Hino)
(Sermão, seguido por Atribuição de louvor)
(Coleta)
(Hino)
(Bênção)

[sub 2] O culto calvinista

47
Os calvinistas fizeram sua Reforma na intenção de se desviarem mais
radicalmente da tradição de culto romana. Ulrico Zwínglio (1484-1531) tinha uma
liturgia semelhante à Prone com leitura da Epístola e do Evangelho, pregação,
oração e recitação de salmos e cânticos. Não usava música para seus cultos. João
Calvino (1509-1564) queria seguir os costumes da Igreja Antiga. Não usava as
vestes clericais da Idade Média e também deixou de lado o ano litúrgico e o
lecionário. Não tinha coro na igreja e era corriqueiro que os calvinistas removessem
os órgãos das igrejas em que passaram a atuar. Mas, impressionado com as
versões alemãs de salmos, passou a metrificar salmos em francês para serem
cantados, em uníssono e sem instrumentos, em seus cultos. Esta era a única forma
de música que Calvino permitia: somente salmos metrificados, em uníssono e sem
acompanhamento instrumental. O poeta Clement Marot e o músico Louis Bourgeois
foram encarregados de metrificar e providenciar música para todos os salmos.
Eis o esboço da Liturgia de Calvino em Genebra (1542):

Ofício da Palavra
Sentença da Escritura: Sl 124.8
Confissão de Pecados: Oração pedindo perdão
Salmo metrificado
Oração pedindo iluminação
Sermão

Ofício da Ceia
Coleta
Intercessões
Oração Dominical, em longa paráfrase
Credo Apostólico (os elementos são preparados)
Palavras da Instituição
Exortação
Oração de Consagração
Comunhão (canta-se um salmo ou leem-se passagens bíblicas)
Oração pós-comunhão
Bênção (Araônica)

48
[sub 2] Culto dos anabatistas
No fim do século XVI, surgiram grupos separatistas que rejeitaram quaisquer
formas litúrgicas e também exigiam o batismo somente aos adultos, mesmo que já
tivessem sido batizados quando crianças. Tinham um culto simplificado. Conforme
registro de um de seus grupos na Holanda em 1608, seus cultos seguiam o seguinte
padrão:

Oração
Leitura da Escritura (um ou dois capítulos, com um comentário consecutivo a
respeito do seu significado)
Oração
Sermão (uma hora, baseado em um texto)
Contribuições orais de outras pessoas presentes (tantas quantas desejassem)
Oração (feita pelo líder principal)
Oferta

Questões
1- (Questão associativa - difícil) Resumo Histórico da Adoração Cristã do Século
II até a Reforma. Faça as associações dos termos litúrgicos com os seus devidos
significados. Já nas liturgias da Igreja Antiga aparecem partes na liturgia que ainda
hoje estão presentes na liturgia histórica. São partes como:

1- Sursum Corda
2- Epíclesis
3- Anámnesis
4- Kyrie eleison
5- Agnus Dei

a- ( ) Senhor, tem misericórdia


b- ( ) Cordeiro de Deus
c- ( ) Invocação (ao Espírito Santo)
d- ( ) Levantai os vossos corações
e- ( ) Memória

2- (Questão objetiva) São Bento fixou as Horas de Oração que consistiam em oito
momentos diários que ficaram assim constituídos:
a-( ) Matinas / Laudes / Prima / Tertia / Sexta / Noa / Vesperas / Completas
b-( ) Matinal / Laudavit / Primavera / Tercina / Sexta / Nevoa / Vespertino /
Complemento
c-( ) Matinal / Louvações / Primeira / Tercia / Sexta / Novena / Vespertina / Final
d-( ) Matinas / Laudes / Prima / Termina / Sexta / Nostra / Vesperas / Oração final
e-( ) s / Laudes / Precípua / Tércia / Sextina / Noa / Vésperas / Completas
49
3- (Questão de escolha simples) O Livro de Oração Comum foi elaborado em 1549
pelo arcebispo Cramner e serviu para organizar o culto
a-( ) À Virgem Maria
b-( ) Na Alemanha
c-( ) Na Inglaterra
d-( ) Na Suíça
e-( ) No Brasil

4- Por que, no século II, os cristãos acabaram abolindo suas refeições em conjunto,
nas quais também celebravam a Santa Ceia?
5- Que critério os cristãos do século II tinham para fazer as leituras bíblicas no culto,
conforme registrado na Apologia de Justino?

Referências

BETTENSON, Henry. Documentos da Igreja Cristã. Tradução de Helmuth Alfredo


Simon. São Paulo, ASTE, 1967.
BÍBLIA DE ESTUDO ALMEIDA. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.
HUSTAD, Donald P. Jubilate! A música na igreja. São Paulo: Vida Nova, 1986.
PIETZSCH, Paulo G. Culto e Música no contexto Cristão. Canoas: Ed. Da ULBRA,
2003. (Caderno Universitário).
SENN, Frank C. Christian Liturgy: catholic and Evangelical.
WHITE, James F. Introdução ao culto cristão. São Leopoldo, Sinodal, 1997.

Chave de respostas:
1- a (4); b (5); c (2); d (1); e (3)
2- a
3- c

50
5 Lutero e o culto

Lutero revisou a liturgia histórica e preparou duas liturgias. Fez este trabalho
com muito cuidado, sem introduzir novidades desnecessárias. Manteve o esquema
tradicional da ordem do culto em ambas as missas que organizou. Eliminou tudo o
que julgou ser contrário à Palavra de Deus, especialmente as partes que
evidenciavam ser a missa um sacrifício a Deus.
Veja o conteúdo da Missa Latina e da Missa Alemã de Lutero, conforme os
resumos abaixo.

[sub 1] Uma ordem de missa e comunhão para a igreja em Wittenberg


(Formula Missae – Lutero, 1523)

[sub 2] Introdução
Em 1523, Lutero passou a se ocupar com as modificações na liturgia da missa. No
início daquele ano, a Santa Ceia ainda era distribuída sob uma espécie apenas, mas
Lutero estava preparando o povo para receber ambas as espécies. Isso passou a
acontecer definitivamente a partir de setembro de 1523. Em fins de abril ou começo
de maio escreveu o panfleto “Ordem do Culto na Comunidade”, dando sugestões a
pastores, estudantes e membros da comunidade que pudessem estar presentes a
se reunirem diariamente para leitura e exposição da Bíblia além de cânticos e
orações. A pregação passaria a ser o elemento principal do culto. Aos domingos
toda a comunidade deveria se reunir para receber o sacramento da Santa Ceia. Mas
da comunhão deveriam participar somente pessoas que estivessem em condições
de prestar contas de sua fé. As missas diárias deveriam ser abolidas. Não se
deveria mais guardar as hóstias consagradas para a comunhão dos enfermos. Elas
deveriam ser consagradas na medida da necessidade. Pastores e estudantes
deveriam se reunir para leitura e exposição da Bíblia.
A nova ordem de culto seria conservadora. A 4 de dezembro o pastor Nicolau
Haussmann de Zwickau, que lhe havia solicitado a revisão litúrgica, recebeu a
Formula missae.

51
[sub 2] Uma ordem de missa e comunhão para a igreja em Wittenberg
“Graça e paz em Jesus Cristo”, escreve Lutero, “ao venerável doutor Nicholas
Hausmann, bispo da igreja de Zwickau.”
Lutero explica que até então não havia ainda inovações para não escandalizar os
fracos com uma nova liturgia e, principalmente, por causa daqueles que são ávidos
por mudanças e se comprazem somente em novidades.
Mas Lutero também tinha esperança de que já houvesse muitas pessoas
fortalecidas pela graça de Deus para poderem aceitar uma missa evangélica com
administração da comunhão. No entanto, ninguém estaria forçado a aceitar esta
ordem.
Lutero não tinha intenção de abolir a missa existente, mas apenas purificar tudo
aquilo que havia sido deturpado e mostrar o uso evangélico. Embora Cristo e os
apóstolos não tenham usado a liturgia que surgiu na Igreja, Lutero não via no seu
esquema nada de abominável, com exceção do cânone da missa. Por isso queria
conservar o Kyrie eleison, a Leitura da Epístola e do Evangelho, o Salmo ou Intróito,
o Glória nas alturas, os Graduais, as aleluias, o Credo Niceno, o Sanctus, o Agnus
Dei e o Communio (hino cantado pelo coro durante a distribuição da Santa Ceia).
Mas Lutero rejeitou aquilo que é designado como cânone da missa. “Aí a
missa começou a se tornar um sacrifício, acrescentaram-se os ofertórios e as
coletas mercenárias” (p. 158). Em consequência disso, a missa começou a ser
monopólio sacerdotal, devorando a riqueza de todo mundo. “Daí surgiram as missas
em favor dos defuntos, de viajantes, por prosperidade – quem seria capaz de
enumerar os motivos pelos quais a missa foi transformada em sacrifício?”
Compreendemos a missa “como sacramento, testamento, ação de graças, como se
diz em latim, ou eucaristia em grego, mesa do Senhor, Ceia do Senhor, memória do
Senhor, comunhão, ou qualquer nome evangélico que agrade, desde que a
designação não esteja poluída pela ideia de sacrifício ou obra”. O objetivo de Lutero
era oferecer um rito segundo o qual a missa deveria ser usada.
“Em primeiro lugar, aprovamos e preservamos os intróitos dominicais e os das festas
de Cristo, quais sejam: Páscoa, Pentecostes, Natal. Também damos preferência aos
salmos dos quais são tomados, como antigamente. Mas por enquanto concordamos
com o uso aceito. Se, todavia, alguém quiser usar os intróitos para os dias
dedicados aos apóstolos, à virgem e outros santos (quando tirados dos salmos ou

52
outras passagens das escrituras), não o condenamos. Nós em Wittenberg, porém,
pretendemos observar somente os domingos e as festas do Senhor. Somos da
opinião de que todas as festas dos santos devem ser ab-rogadas por completo, ou,
se há algo digno nelas, isso deve ser incluído nas prédicas dominicais. As festas da
Purificação e da Anunciação consideramos como festas de Cristo, como a Epifania e
a Circuncisão. Em lugar da festa de Sto. Estevão e João Evangelista preferimos usar
o ofício do Natal. As festas da Santa Cruz sejam anátemas. Outros procedam de
acordo com sua consciência ou em consideração à fraqueza de outros, conforme o
Espírito o inspirar”.
Segundo, aceitação do Kyrie eleison e do Gloria in excelsis, podendo-se omitir o
último.
Terceiro, aceitação das orações chamadas coletas, se forem evangélicas (as dos
domingos normalmente o são). Depois, a leitura da Epístola. Lutero achava que
ainda não chegara o tempo para a revisão das perícopes, mas já critica os poucos
trechos escolhidos das epístolas de Paulo sobre a fé, enquanto que as exortações à
moralidade são mais frequentes. Mas o sermão no vernáculo poderia suprir esta
deficiência.
Quarto, a aceitação do Gradual de dois versos apenas. Lutero achava que não se
deveria entediar o povo com muitos versos no Gradual, como eram os Graduas do
período da Quaresma. Também não queria fazer diferença na Quaresma, Semana
Santa e Sexta-feira Santa de outros dias, omitindo-se algumas partes do ofício e o
canto da Aleluia. “Pois a aleluia é o eterno canto da Igreja, assim como é eterna a
memória de sua paixão e vitória”.
Quinto: não admitimos sequências ou prosas a não ser que o pastor queira usar
aquela breve do Natal de Cristo: Grates nunc omnes. Também não há muito mais do
que esta que respira o Espírito, exceto as que falam do Espírito Santo: Sancti
Spiritus e Veni Sancte Spiritus, que podem ser cantadas após o almoço, na
vésperas ou (se o pastor quiser) durante a missa.
“Sexto, siga a leitura do Evangelho, sendo que nem ordenamos, nem proibimos
velas ou incenso. Estas coisas devem ficar livres.”
Sétimo: Lutero deixava livre se o Credo fosse cantado ou não. Quanto ao lugar do
sermão, se após o Credo, ou antes do intróito, também era livre; embora
argumentando-se que o evangelho é a voz que clama no deserto e chama os
descrentes à fé seria particularmente apropriado pregar antes da missa. Pois a

53
missa pertence aos crentes e deveria ser observada a parte (dos descrentes). Mas
somos livres, ainda mais que na missa até o Credo tudo é nosso e nada prescrito
por Deus.
“Oitavo: Depois segue toda aquela abominação a que está obrigado a servir tudo
que precedeu à missa, razão por que é chamado de ofertório. E a partir daí quase
tudo soa e cheira a sacrifício, e as palavras da vida e da salvação são inseridas em
tudo isso como, certa vez, a arca do Senhor foi colocada no templo dos ídolos, ao
lado de Dagon. E não há israelita que pode aproximar-se da arca ou trazê-la de
volta, até que ‘ela mesma feriu seus inimigos pelas costas e os notabilizou com
eterno opróbrio’, obrigando-os a entregá-la – o que é uma parábola do tempo
presente. Por isso, tendo repudiado tudo que soa a sacrifício, juntamente com todo o
cânone [da missa], retenhamos as coisas puras e comecemos a nossa missa da
seguinte forma:
1º – Após o Credo ou o sermão, o pão e o vinho estejam prontos para a bênção
costumeira. Lutero preferia que o vinho fosse puro, não misturado com água, para
representar a pureza do evangelho. Além disso, o sangue de Cristo foi derramado
sem mistura do nosso. Mas Lutero não pretendia polemizar com esta questão.
2º – Tendo sido preparados o pão e o vinho, proceda-se da seguinte maneira:
“O Senhor seja convosco.
Responso: E com o teu espírito.
Os corações ao alto.
Responso: Elevemo-los a Deus.
Rendamos graças ao Senhor nosso Deus.
Responso: Isto é digno e justo.”
“Verdadeiramente é digno e justo, conveniente e salutar que sempre e
em todo lugar te rendamos graças, Senhor santo, Pai onipotente, Deus
eterno, por meio de Jesus Cristo, nosso Senhor...”
3º – Depois:
“...que no dia antes de sofrer, tomou o pão, deu graças e o partiu, e o deu a
seus discípulos, dizendo: Tomai, comei; isto é meu corpo que é dado por vós.
“De modo semelhante, [tomou] também o cálice, depois de haver ceado,
dizendo: este cálice é o novo testamento em meu sangue, derramado por vós
e por muitos, para a remissão dos pecados. Fazei isso sempre que o fizerdes,
em memória de mim.”

54
Lutero prefere que estas palavras sejam entoadas no mesmo tom do Pai-Nosso para
que todos possam ouvi-las e não ditas em silêncio.
4º – Canto do Sanctus pelo coro. Durante o Benedictus, elevação do pão e do cálice
por causa dos fracos que não poderiam aceitar aqui uma mudança repentina.
5º – Leitura do Pai-Nosso do seguinte modo: “Oremos: admoestados por salutares
preceitos...” Omissão da oração que segue, cujo início é “Livra-nos, pedimos-te..., e
omissão de todos os sinais sobre o pão e o vinho. A hóstia não deveria ser quebrada
nem misturada no cálice. Após o Pai-Nosso seguir logo com “A Paz do Senhor.”
Lutero justifica que esta paz é, “por assim dizer, a absolvição pública dos
comungantes de seus pecados, a clara voz do Evangelho, anunciando a remissão
dos pecados, a única e mais digna preparação para a mesa do Senhor, se [essas
palavras] forem recebidas na fé como proferidas pelo próprio Cristo”.
6º – Durante o canto do Agnus Dei, o liturgista primeiro administra a si mesmo a
Santa Ceia e depois a todos.
7º – Lutero dá liberdade em cantar, ou não, o Communio. A coleta final, Complenda,
que soa bastante a sacrifício, deveria ser substituída por “O que recebemos com
nossos lábios, Senhor... Depois disso deveria ser dito “O Senhor seja convosco”
etc., e no lugar do Ite missa, deveria recitar-se o Benedicamus domino.
Em lugar do Ite missa15 diga-se o Benedicamus domino com uma Aleluia.
8º – Bênção em uso na Igreja Romana (Benedicat vos omnipotens Deus, Pater et
Filius et Spiritus Sanctus) ou a de Números 6[.24-27] ou o Salmo 67[.6-7].
O ministro tem liberdade na maneira de distribuir os elementos: abençoar pão e
vinho e distribuí-los ou abençoar o pão e distribuí-lo, depois abençoar o vinho e
distribuí-lo; esta última maneira parece ter sido a que Cristo usou.
Em todos os ritos não pode haver lei, pois somos livres nesta questão. O que
precisa haver é unidade de pensamento e fé mesmo que os atos sejam diferentes
nas igrejas. Não há na Escritura nenhuma alusão ao rito da Igreja Romana como
sendo este o caminho obrigatório para o culto. Não podemos desprezar um rito em
detrimento de outro. Apesar de não podermos desprezar ritos, eles não nos
recomendam a Deus. O que nos recomenda é a fé e o amor. As Palavras da
Instituição precisam permanecer intactas. O Reino de Deus não é comida ou bebida;
mas justiça, e paz e alegria no Espírito Santo (Rm 14.17). Assim, também, o Reino
de Deus não é nenhum rito, mas fé dentro de vós etc.

15
“Ide, a missa está terminada”, o versículo conclusivo do cânone romano.

55
Com respeito às vestes, Lutero tinha o mesmo princípio. Sejam usadas em liberdade
enquanto refreiam a ostentação e a pompa. Não se é mais ou menos aceitável por
se fazer consagração com vestimentas ou não.

[sub 2] Da comunhão do povo


A Santa Ceia foi instituída para o povo. Portanto, assim como é absurdo um ministro
pregar para uma sala vazia, assim também é absurdo realizar a Ceia entre ministros
apenas, sem a presença do povo. Nenhuma missa particular deve ser realizada
exceto como uma concessão temporária para os fracos na fé.
Quem participa da Ceia do Senhor deve informar previamente o pastor, “a fim de
saber seus nomes e conhecer suas vidas”. Além disso, os solicitantes devem saber
a razão de sua fé e saber para que serve a Santa Ceia. “Em outras palavras, se
sabem recitar de memória as palavras da instituição e explicar que vêm porque são
atormentados pela consciência do pecado, pelo medo da morte ou outro mal, como
tentação da carne, do mundo, do diabo, e que têm fome e sede de receber a Palavra
e o sinal da graça e da salvação do próprio Senhor através do ministério do pastor, a
fim de serem consolados e confortados, razão por que Cristo, em amor indizível, deu
e instituiu essa Ceia, ao dizer: ‘Tomai e comei’ etc.”
Uma vez ao ano Lutero pensava ser o suficiente para que os candidatos à
Ceia fossem examinados, para distinguir que são dignos ou indignos de participar.
Não como acontece na Igreja Romana, onde as pessoas nem sabem por que estão
participando e onde as palavras da instituição foram escondidas, pois são ditas em
voz baixa. Os que não soubessem o significado da Santa Ceia deveriam ser
excluídos da participação, pois estariam sem as vestes nupciais (Mt 22.11-12).
O bispo também deve verificar se os que compreenderam todas as coisas também
provam sua fé com sua vida e conduta. Os que não se importam com seus pecados
e não têm temor não devem ser admitidos. Os que caem de vez em quando e se
arrependem devem receber a Santa Ceia. Mas aos que “pecam de modo descarado
e sem temor, a Ceia deve ser negada”.
Os que recebem a comunhão devem reunir-se num lugar e num grupo. O
altar e o coro foram inventados para este propósito. Deus não se importa onde
estamos e isto não acrescenta nada à nossa fé. Mas os comungantes devem ser
vistos e conhecidos abertamente, tanto pelos comungantes quanto pelos não
comungantes, para que suas vidas possam ser vistas, comprovadas e reveladas.

56
Pois a participação na Ceia é parte da confissão pela qual confessam perante Deus,
homens e anjos a sua cristandade. Cuidado deve ser tomado em receber a Ceia às
escondidas e desaparecer na multidão de maneira que não se possa saber se suas
vidas são boas ou más. Por outro lado, mesmo nesta questão Lutero quer
demonstrar a liberdade cristã e apenas sugerir uma ordem decente e apropriada.
Quanto à confissão particular antes da comunhão, Lutero a deixou livre, uma vez
que não há ordenança de Deus para tanto e mesmo Deus não requereu
necessariamente sempre a participação no sacramento, pois disse “todas as vezes
que comerdes” etc. (1 Co 11.25-26). Também a oração e o jejum como preparo para
a Santa Ceia é questão de liberdade. A melhor preparação é uma alma atribulada
pelos pecados, morte e tentação e fome e sede por cura e fortalecimento. E o bispo
tem o dever de ensinar estas coisas.
Na questão de ambas as formas (pão e vinho) ou só uma, Lutero disse que já
houve instrução suficiente para que o povo compreenda que, conforme a instituição
de Cristo, devem ser dadas as duas formas. E que não se espere concílio para esta
resolução. Dar só uma forma é invenção de homens. E a quem vamos obedecer, à
Palavra de Deus ou à dos homens?
Lutero também expressa o desejo de cantos congregacionais durante a missa
após o gradual e após o Sanctus e Agnus Dei. Que fossem cantados no vernáculo e
que se encorajassem poetas alemães para comporem hinos evangélicos. Lutero
lamenta que faltavam poetas que compusessem canções evangélicas e espirituais.
As horas canônicas não foram abolidas por Lutero, pois ele as achava necessárias
especialmente para que os meninos aprendessem os salmos e as lições das
Sagradas Escrituras. Estimular o uso diário especialmente das Matinas e Vésperas,
no entanto, encurtadas. O Saltério completo, Salmo por Salmo, bem como a Bíblia
completa, lição por lição, deveriam continuar em uso. Só deveriam ser abolidas as
missas diárias.

Era isso que Lutero tinha a escrever para Nicholau, sobre cerimônias e ritos
que ele já introduzira ou ainda almejava introduzir em Wittenberg. Quem quisesse
utilizar esta ordem estaria livre para fazê-lo.

57
[sub 1] Missa Alemã e ordem do culto (Deutsche Messe – Lutero, 1525)

[sub 2] Introdução16
Já havia missas em alemão desde 1522, celebradas em diversas cidades da
Alemanha. Mas havia muita variedade e confusão. Por isso Lutero foi solicitado por
vários líderes e pelo próprio duque eleitor para se pronunciar sobre o assunto, mas
foi deixando de lado a tarefa. Em 1524, Nicholau Hausmann, pastor da comunidade
de Zwockau, fez mais uma vez o pedido, mas Lutero achava-se incapaz. Dizia que
era necessário ter bons conhecimentos musicais para a tarefa e que texto e música
deveriam formar uma unidade.
No entanto, Lutero começou a se lançar na tarefa da Missa Alemã. Fez um
esboço e pediu ao duque que os músicos Konrad Rupf e Johann Walter viessem a
Wittenberg para auxiliá-lo na música para a Missa Alemã. Mas, em relato deixado
pelo próprio Johann Walter, somos informados de que Lutero fez muito bem a tarefa
de musicar a Missa Alemã e que ele tinha bom conhecimento para unir sentido,
acento e ritmo com texto alemão e música.
No dia 29 de outubro de 1525, a Missa Alemã foi experimentada pela primeira
vez em Wittenberg. O diácono Jorge Rörer foi incumbido de cantá-la. No Natal de
1525, a Missa alemã foi implantada definitivamente em Wittenberg. Lutero desejava
que esta ordem fosse usada dentro da liberdade cristã. Os melhoramentos feitos na
missa não deveriam escandalizar os outros. Tudo deveria ser feito em amor ao
próximo. Não defende a ideia de que toda a Alemanha teria que ter a mesma liturgia.
Não se deveria usá-la para conseguir mérito perante Deus.

[sub 2] Prefácio de Martinho Lutero


Lutero esclarece no prefácio que quem quisesse seguir esta ordem “de modo algum
façam dela uma lei compulsória, nem comprometam ou prendam a consciência de
ninguém, mas façam uso da liberdade cristã segundo o seu agrado, onde, quando e
por quanto tempo as circunstâncias o reclamem e exijam”. Explica ainda que tem a
intenção de impor a ninguém esta ordem, mas a está publicando devido à confusão
reinante em virtude das inúmeras missas e cultos alemães em uso, muitas delas
feitas com intenções de querer brilhar perante os outros. E sempre que houver

16
DREHER, Martin. Introdução. In: Martinho Lutero: Obras Selecionadas, vol. 7, p. 173-177.

58
pessoas ofendidas ou confusas por causa das inúmeras ordens é preciso que se
procure usar os mesmos ritos e cerimônias para expressar o nosso único batismo e
sacramento do altar e a mesma disposição mental. Lutero critica os que não sabem
fazer uso da liberdade cristã. Esta precisa ser usada para a glória de Deus e
proveito do próximo. A liberdade deve ser serva do amor e do próximo. E, com amor,
deve-se procurar a unanimidade.
Os lugares que já tivessem uma boa ordem não precisariam adotar a de
Lutero. “Pois não é minha intenção que toda a Alemanha também adote nossa
ordem wittenberguense... “Mas seria muito recomendável que em cada região o
culto fosse celebrado de modo uniforme, e que os lugarejos e as aldeias
circunvizinhos procedessem da mesma forma como a cidade mais próxima”. Lutero
tem também preocupação missionária com esta forma de culto “por causa daqueles
que ainda devem tornar-se cristãos ou ser fortalecidos”. Esta ordem de culto
também é feita “por causa da gente simples e da juventude, que deve e precisa ser
treinada e educada diariamente na Escritura e na Palavra de Deus, para que se
habituem com a Escritura, saibam manuseá-la, sejam versados e instruídos nela,
para que saibam defender sua fé e, com o tempo, possam ensinar os outros e
contribuir para o avanço do Reino de Cristo”. Condena os cultos papais porque
“transformaram-nos em leis, obras e mérito, reprimindo a fé, e não os aproveitaram
para instruir a juventude e a gente simples, para assim exercitá-los na Escritura e
Palavra de Deus”.
Para Lutero existem três formas de culto que ele idealizou.
1ª – Formula Missae. Em 1523, Lutero organizou uma ordem latina de culto e pediu
que esta não fosse abandonada. “Pois de forma alguma pretendo deixar que a
língua latina desapareça totalmente do culto; afinal, o que me importa sobretudo é a
juventude. E, se estivesse ao meu alcance e as línguas grega e hebraica nos
fossem tão familiares quanto a latina, e se nessas línguas existissem tantas boas
melodias e cantos quanto no latim, então se deveria celebrar, cantar e ler missa em
todas as quatro línguas – alemão, latim, grego e hebraico – em domingos
sucessivos.” Lutero defende o aprendizado de muitas línguas com espírito
missionário, a exemplo do que fez o Espírito Santo no Pentecostes.
2ª – Missa e Ordem de Culto Alemã. Esta visa os leigos simples e sem instrução. “É
preciso que estas duas formas sejam reconhecidas e praticadas, para que sejam

59
celebradas publicamente nas igrejas perante o povo todo, no meio do qual há muitos
que ainda não creem ou não são cristãos.”
3ª – A autêntica ordem evangélica. Aqui Lutero imagina uma reunião dos que
“querem ser cristãos sinceramente e confessam o Evangelho em palavra e ações”.
Estes “deveriam inscrever-se nominalmente e reunir-se em separado numa casa
qualquer para orar, ler, batizar, receber o sacramento e praticar outras obras cristãs.
Dentro dessa ordem, poder-se-ia reconhecer os que não se comportam de modo
cristão, repreender, corrigir, expulsar ou excomungá-los segundo a regra de Cristo
em Mt 18[.15-17]. Ali também se poderia exigir dos cristãos uma esmola comum,
ofertada voluntariamente e distribuída entre os pobres, segundo o exemplo de S.
Paulo em 2 Co 9[.1]. No entanto, diz também que ainda não existem pessoas para
tais congregações. Alerta também para o perigo de se organizar uma seita caso
começasse então uma congregação dessas. Por enquanto Lutero continuaria só
com as duas formas de culto mencionadas.

[sub 2] O culto
Lutero considerava a pregação e o ensino da Palavra de Deus a parte maior e mais
importante do culto. Por isso, havia três sermões no domingo:

• Às 5 ou 6 horas oficiavam-se as Matinas: sermão sobre a epístola do dia.


Pensava-se especialmente nos empregados que não pudessem estar presentes
em outras ocasiões para que esses fossem também atendidos e ouvissem a
palavra.
• Às 8 ou 9 horas oficiava-se a missa: sermão sobre o evangelho do dia.
• À tarde oficiavam-se as Vésperas: sermão sobre uma sequência do Antigo
Testamento.

As leituras das Epístolas e dos Evangelhos seguiam as perícopes


tradicionais.
“Para exercitar os meninos e alunos na Bíblia, procedemos da seguinte maneira: ao
longo da semana cantam-se diariamente, antes da lição, alguns salmos em latim,
conforme o hábito vigente nas matinas ... pois queremos manter e exercitar a
juventude na Bíblia em latim.” Depois os meninos deveriam ler alguns capítulos do
Novo Testamento em latim e, em seguida, um menino lê os mesmos capítulos em

60
alemão. Depois ainda o canto de uma antífona, uma lição em alemão sobre a leitura
realizada, Pai-Nosso, coleta e Benedicamus Domino.
Nas vésperas, canto de salmos em latim, uma antífona, hino, leitura em latim
de alguns capítulos pelos meninos, um ou meio capítulo do Antigo Testamento,
depois a mesma leitura em alemão. Canta-se, então, o Magnificat em latim com uma
antífona ou hino. Depois do Pai-Nosso, a coleta com o Benedicamus. Este era o
culto diário durante a semana nas cidades onde havia escolas.

[sub 2] Aos domingos para os leigos


Lutero conservou as vestes litúrgicas, o altar e as velas e sugeriu que, em tempo
oportuno no futuro, fosse oficiado o culto atrás do altar.

[sub 3] Esboço da Missa Alemã


• Hino ou salmo em alemão
• Kyrie eleison (em grego)
• Coleta (lida em um único tom)
• Epístola (lida no oitavo tom)
• Hino alemão (pelo coro: “Agora pedimos ao Espírito Santo” ou algum outro)
• Evangelho (lido no quinto tom)
• Credo (cantado por toda a congregação: “Nós cremos todos num só Deus.”)
• Sermão (sobre o evangelho do dia)
• Pai-Nosso (nas palavras da paráfrase de Lutero)
• Exortação aos comungantes
• Consagração do pão, seguido de distribuição (entrementes canta-se o Sanctus –
“No templo a Isaías sucedeu” ou o hino “A Deus louvemos” ou o hino de João
Huss “Jesus Cristo que nos salva”)
• Consagração do vinho, seguido de distribuição (canto do restante dos hinos ou do
Agnus Dei alemão)
• Coleta
• Bênção (Nm 6.24-26)

Lutero acrescenta notas musicais às partes cantadas e dá exemplos de como


devem ser feitas as leituras bíblicas, que também eram cantadas.

61
Para o sermão Lutero tem recomendações. Deveria ser sobre o Evangelho do
domingo ou dia de festa. Pregador que tivesse dificuldade para elaborar uma
pregação deveria ler a apostila alemã do dia que Lutero havia preparado. Além
disso, com a leitura da apostila serviria de precaução contra os entusiastas ou
seitas, a fim de que cada um não pregasse o que quisesse em vez de pregar o
Evangelho.
Mais uma vez Lutero sugere (como já havia feito na Missa Latina) que se
abençoe o pão e o distribua e, depois, que se abençoe o vinho e o distribua.17 Na
Missa Alemã Lutero ainda continua com a elevação dos elementos.18
Para que haja ordem no culto, Lutero recomenda: “E que se proceda de forma bem
ordeira e decente, não homens com mulheres [ao mesmo tempo], mas as mulheres
depois dos homens, razão pela qual também devem ficar em locais separados uns
dos outros”.
No final Lutero adverte: “Em suma, esta e todas as normas devem ser usadas
de tal maneira que, quando se transformarem em abuso, sejam imediatamente
abolidas, e se façam outras, assim como o rei Ezequias destroçou e aboliu a
serpente de bronze que o próprio Deus havia mandado fazer, porque os filhos de
Israel dela abusaram; pois as normas devem servir para a promoção da fé e do
amor, não em detrimento da fé”. Lutero lembra que a ordem é algo exterior e pode
ser transformada em abuso. Uma ordem não vale por si mesma como até então
foram as normas papais. Uma ordem precisa ser usada adequadamente, caso
contrário não presta para nada.

Questões
1- (Questão de escolha simples) Lutero era defensor da idéia de que para a
variedade de situações da vida da igreja também houvesse uma variedade de
formas litúrgicas para tais. Para os cultos mais domésticos, nas casas, Lutero tinha
em mente um culto mais informal. Ele queria este culto porque:
a-( ) Ali se poderia cantar o que era proibido na missa, sem a interferência do clero.
b-( ) Ali se poderia ter estudo mais aprofundado do texto bíblico, a partir das
línguas originais.
c-( ) Ali se poderia conhecer melhor a congregação pois ela se reuniria em células,
conhecidas como eclesíolas.

17
Esta prática não se firmou.
18
A elevação dos elementos foi abolida definitivamente apenas em 1542, em Wittenberg.

62
d-( ) Ali se poderia observar melhor se os membros estavam realmente levando a
palavra e a vida com seriedade.
e-( ) Ali se poderia inscrever nominalmente as pessoas e orar, ler batizar, receber
o sacramento e praticar outras obras cristãs, além de corrigir os que não estivessem
se portanto de modo cristão.

2- (Questão de escolha simples) Lutero foi solicitado a fazer uma ordem de culto
latina, para aqueles cultos em que os fiéis situavam-se em um nível cultural mais
elevado, principalmente formado por estudantes universitários. Para tanto ele
reformou a missa latina existente, tomando a seguinte iniciativa:
a-( ) Permanecer com tudo o que é evangelicamente correto e reformar o que não
estivesse de acordo com a Palavra de Deus.
b-( ) Reformular tudo, pois toda a missa tinha apenas aspectos sacrificais e
meritórios.
c-( ) Deixar a missa como está, mas acrescentar cantos congregacionais em
alemão.
d-( ) Modificar a música da missa latina para ser mais adequada ao povo.
e-( ) Modificar o lecionário para que se tivesse mais leituras bíblicas com ênfase na
justificação pela fé.

3- (Questão de escolha simples) O canto congregacional fazia parte da Igreja Antiga.


No entanto, durante a Idade Média, o canto congregacional foi sendo reduzido e em
seu lugar entrou o canto litúrgico executado por cantores profissionais participantes
do clero. Na Reforma devolve-se ao povo o canto congregacional porque
a-( ) O povo fica mais alegre quando canta.
b-( ) Lutero queria acabar com o canto profissional.
c-( ) Calvino queria que os cristãos fossem contemplados com toda sorte de
instrumentos musicas e com a alegria do canto
d-( ) O canto faz parte do sacerdócio de todos os crentes e não é exclusividade do
clero
e-( ) O povo queria mostrar ao clero que eles também são capazes de cantar.

4- Lutero foi solicitado a fazer a reforma no culto. A primeira liturgia que ele revisou
foi a Missa Latina. Apesar de manter tudo o que julgava possível, Lutero teve sérias
críticas ao Ofertório e ao Cânone da Missa.
Que razões levaram Lutero a rejeitar estes dois itens da missa medieval? Utilize 7 a
10 linhas para a sua resposta.

5- Lutero também criou uma Missa Alemã, mais simples do que a latina, para
utilização do povo simples que não entendia o latim. No entanto, não quer fazer
desta ordem uma lei a ser cumprida. Com que critérios deveria ser usada a Missa
Alemã? Utilize 7 a 10 linhas para a sua resposta.

Referências
BETTENSON, Henry. Documentos da Igreja Cristã. Tradução de Helmuth Alfredo
Simon. São Paulo, ASTE, 1967.
BÍBLIA DE ESTUDO ALMEIDA. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.

63
HUSTAD, Donald P. Jubilate! A música na igreja. São Paulo: Vida Nova, 1986.
LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas – Vol. VII. Porto Alegre e São Leopoldo:
Concórdia e Sinodal, 2000.
PIETZSCH, Paulo G. Culto e Música no Contexto Cristão. Canoas: Ed. ULBRA,
2003. (Caderno Universitário).
SENN, Frank C. Christian Liturgy: catholic and Evangelical.
WHITE, James F. Introdução ao culto cristão. São Leopoldo, Sinodal, 1997.

Chave de respostas
1- e
2- a
3- d

64
6 O ano litúrgico

Introdução

O ano eclesiástico ou litúrgico, originalmente orientava-se a partir de três


ênfases:
• Divisão do tempo pela Igreja – determinado pelos acontecimentos principais da
vida e obra de Jesus;
• Divisão do tempo no AT – instituído por Deus: o 7º dia deveria ser santificado. As
Luas Novas marcavam o início do mês. Páscoa, Pentecostes e Tabernáculos
anualmente deveriam ser observados;
• Divisão do tempo no NT – surgiu dentro da liberdade cristã, inspirada no AT.

6.1 Origem e desenvolvimento

O ponto de partida para a origem do ano litúrgico foi o Domingo e a Páscoa.


Jesus ressuscitou num domingo e a criação de Deus também iniciou num domingo,
quando Deus disse, no primeiro dia “Haja Luz” (Gn 1.3).
No final do século I, o domingo também foi designado como “dia do Senhor”.
Inácio, bispo de Antioquia, por volta de 115 d.C. escreveu sobre aqueles que
deixaram de observar “o sábado [sétimo dia judaico], mas viviam segundo o dia do
Senhor, no qual nossa vida se levantou por Ele e Sua morte”.19 Mas no livro de
apocalipse João também já fizera referência ao domingo como “o dia do Senhor” (Ap
1.10). Na Didaqué (escrita em fins do século I ou início do século II), lemos: “Reuni-
vos no dia do Senhor para a fração do pão e agradecei (celebrai a eucaristia) depois
de haverdes confessado vossos pecados, para que vosso sacrifício seja puro”.20
Por volta do ano 155, Justino Mártir declarou a seus leitores pagãos: “Celebramos
essa reunião geral no dia do Sol, porque foi o primeiro dia, em que Deus,
transformando as trevas e a matéria, fez o mundo, e também o dia em que Jesus
Cristo, nosso Salvador, ressuscitou dos mortos”.21 O “dia do Sol” utilizado pela Igreja
Antiga passou para as línguas inglesa e alemã (Sunday e Sonntag) e o “domingo”,
em português, lembra “o Dia do Senhor” (Dominus, em latim é “Senhor”). A Carta de

19
RICHARDSON, apud WHITE, Introdução ao culto cristão, p. 40.
20
DIDAQUÉ, 14.1.
21
RICHARDSON, apud WHITE, op. cit., p. 40.

65
Barnabé designa o domingo como “oitavo dia, isto é, o começo de outro mundo. Eis
por que celebramos como festa alegre o oitavo dia, no qual Jesus ressuscitou dos
mortos e, depois de se manifestar, subiu aos céus”.22
O domingo era o dia de culto da Igreja Antiga, mas como dia de descanso só
veio a ser a partir de 321, com o reconhecimento dado pelo imperador Constantino.
“Todos os juízes, cidadãos e artesãos descansarão no venerando dia do Sol. Os
camponeses poderão, porém, atender à agricultura, (...) pois não se deve
desperdiçar a oportunidade concedida pela divina Providência”.23
A comemoração anual da Páscoa iniciou bem cedo na história cristã. Paulo já dá
indícios da comemoração Pascal em Cristo: (1 Co 5.7-8)

Vemos que a Igreja do Novo Testamento é instigada a festejar Cristo como


“Cordeiro pascal”. A festa judaica deveria ser celebrada, agora, “com os asmos da
sinceridade e da verdade”. Mas não houve unanimidade para o dia da festa da
Páscoa cristã nos primeiros séculos. Deveria ser no dia 14 do mês de Nisã? Deveria
ser sempre num domingo, o “dia do Senhor”? Só no Concílio de Niceia, em 325, foi
estabelecido definitivamente que a Páscoa cristã seria no domingo depois da
primeira lua cheia da primavera. No nosso caso no Brasil, é, portanto, no domingo
depois da primeira Lua Cheia no outono. Por isso que a Páscoa oscila em sua data
a cada ano.
Tendo-se a comemoração anual da Páscoa, uma preparação para a Páscoa
(o período da Quaresma) e uma extensão do tempo pascal, com a celebração da
Ascensão e do Pentecostes, foram passos que aconteceram normalmente. Até o
século IV parece que era só este o Ano da Igreja acrescido ainda de alguns dias de
mártires.

QUARESMA SEMANA SANTA PÁSCOA ASCENSÃO PENTECOSTES

Pode parecer-nos estranho que a Igreja cristã não tivesse uma data fixa para
a celebração do Natal senão a partir da segunda metade do século IV. Em nossos
dias vemos muito mais celebrações em torno do Natal do que da Páscoa. Mas não
podemos esquecer que é a Páscoa o ponto focal de toda a obra de Jesus. Como diz
22
Padres Apostólicos, p. 310.
23
BETTENSON, Henry. Documentos da Igreja Cristã, p. 48.

66
Paulo: “Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã, a vossa fé” (1 Co
15.14). Crisóstomo disse para uma comunidade de Antioquia, no Dia do Natal do
ano de 386: “Este dia (...) [o qual] nos foi trazido agora, não muitos anos atas,
desenvolveu-se tão rapidamente e trouxe tanto fruto”24 É interessante notar ainda
que o dia 25 de dezembro era uma festa pagã do Sol Invicto, quando o sol recomeça
a se tornar mais forte no solstício de inverno.
Assim como aconteceu com o tempo da Páscoa, o tempo de Natal começou a
ser precedido de um período preparatório, que é o Advento, e um período de júbilo
de prolongamento, que é a Epifania.

ADVENTO NATAL EPIFANIA

A complementação do Ano Litúrgico foi questão de detalhes; o principal já


estava organizado. É interessante notar que as festas de origem judaica são festas
móveis (Páscoa e Pentecostes) e as festas de origem cristã são festas fixas (Natal e
Epifania).
No período medieval houve uma saturação do calendário com comemorações
de santos e festas como o Corpus Christi. Na Reforma o esquema geral do Ano
Litúrgico foi mantido com eliminação dos dias de santos posteriores à Igreja Antiga.
Permanecem apenas os dias baseados num fato evangélico. Lutero explica o seu
procedimento quanto ao Ano Litúrgico: “Somos da opinião de que todas as festas
dos santos devem ser ab-rogadas por completo, ou, se há algo digno nelas, isso
deve ser incluído nas prédicas dominicais. As festas da Purificação e da Anunciação
consideramos como festas de Cristo, como Epifania e Circuncisão”.25

6.2 Estrutura do Ano Litúrgico

[sub 2] a. Domingos e períodos


É a celebração do Ano da Igreja através dos domingos e das grandes festas:
Natal, Páscoa e Pentecostes.

24
In: WHITE, Introdução ao culto cristão, p. 48.
25
LUTERO, Martinho. Formulário da Missa. In: Martinho Lutero: Obras Selecionadas, vol. 7, p. 159-
160.

67
1º) O tempo do Natal: Engloba os períodos de Advento, Natal e Epifania. No
Período de Avento abrange as quatro semanas antes do Natal, quando se celebram
os eventos em torno da vinda de Cristo as profecias sobre seu nascimento e sobre
sua vinda final para julgar os vivos e os mortos. O período do Natal é a celebração
do seu nascimento, e o cumprimento das profecias sobre a vinda do Messias. A
Epifania celebra a manifestação de Cristo para todas as nações e realça seu
Batismo e sua Transfiguração.
2º) O tempo da Páscoa: Engloba os períodos da Quaresma, Semana Santa
e Páscoa. A Quaresma serve como um período no qual nos preparamos para
receber o Rei Vitorioso sobre a morte. Por isso, a ênfase está no reconhecimento
dos pecados pelos quais o Rei vai morrer e ressuscitar. A Semana Santa
acompanha os passos da Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus. E, na Páscoa,
centro de todo Ano Litúrgico o Rei Jesus se mostra vitoriosos sobre a morte, e com
isso também proclama a vitória sobre o pecado e sobre Satanás. O Período de
Páscoa se estende até o Pentecostes. A vitória da Páscoa é comemorada por 50
dias, nos quais se incluem a Ascensão de Cristo ao céu e o dia de Pentecostes,
quando nasce a Igreja cristã que, agora deve ir até os confins da terra.
3º) O tempo da Igreja: É o período após Pentecostes e engloba o Dia da
Santíssima Trindade e vai até o último domingo do Ano da Igreja. Celebra o
ministério e os ensinos de Cristo.

[sub 2] b. Dias festivos


Além dos domingos e períodos no calendário litúrgico, temos outras
celebrações na vida de Cristo, na vida dos apóstolos ou evangelistas, na vida de
Maria, mãe de Jesus, de José, tutor de Jesus, de Maria Madalena. João Batista, o
precursor de Jesus, entra nestes dias festivos, bem como São Miguel e Todos os
Anjos, o Dia da Reforma, o Dia de Todos os Santos e o Dia de Finados. São dias
festivos especiais que enfatizam a obra de Cristo realizada através de pessoas que
serviram de instrumento de Deus.

[sub 2] c. Ocasiões especiais


As ocasiões especiais são as celebrações de dias especiais na vida particular
da congregação. O dia do aniversário da congregação é uma ocasião especial.

68
Outras ocasiões especiais são eventos como Festas Missionárias, Festas de
Colheita, Dia de Súplica e Oração, Ação de Graças, Culto Cantate.

[sub 2] d. Comemorações
Outros personagens bíblicos e pessoas de destaque na história da Igreja
complementam este quadro do Ano Litúrgico. Na Confissão de Augsburgo lemos:
“[Nossas igrejas] ensinam que devemos lembrar-nos dos santos para fortalecer a
nossa fé ao vermos como receberam graça e foram ajudados pela fé, a fim de que
tomemos exemplo de suas obras, cada qual de acordo com a sua vocação”.26 Estas
pessoas que são lembradas nestas comemorações são parte da “grande nuvem de
testemunhas” (Hb 12.1) que temos como exemplos de vida a serem seguidos. Por
isso, nessa lista entram pessoas como Eliseu do Antigo Testamento, Áquila e
Priscila do Novo Testamento, Lutero e Melanchton da história da Reforma, Johann
Walter e Johann Sebastian Bach da história da música sacra e artistas plásticos
sacros como Lucas Cranach e Albrecht Dürer.

6.3 Finalidade do ano litúrgico

1º) Ajudar-nos a ouvir “todo o desígnio de Deus” (At 20.27) e “o ensino de


todas as coisas que Jesus ordenou” (Mt 28.20).
• Anualmente, uma “visão completa” da Bíblia nos é oferecida com a observância
do Ano da Igreja.
2º) Ajudar-nos a consagrar o nosso tempo a Deus.
• Assuntos sociais e seculares submetem-se ao assunto bíblico do dia em
questão.
3º) Tornar atuais os atos poderosos de Deus em nossa própria vida.
• Deus está conosco hoje assim como esteve com o mundo nos tempos bíblicos –
isto o Ano da Igreja nos ajuda a entender cada ano.

6.4 As cores litúrgicas

[sub 2] Branco
• Significação: Pureza, santidade, perfeição, glória, alegria, paz, luz;
• Simbolismo: Deus, eternidade, Cristo glorificado, anjos, luz de Deus;

26
CA XXI, 1.

69
• Uso: - Festas do Senhor – Natal, Epifania, Páscoa, Ascensão;
- Festa da Santíssima Trindade;
- Festas da Mãe do Senhor;
- Dias de Confessores e Santos não mártires;
- Dia de São Miguel e todos os anjos;
- Quinta-feira Santa;
- Dia de Todos os Santos;
- Dias de Finados;
- Dia de Ação de Graças.

[sub 2] Vermelho
• Significação: Fogo, sangue, martírio, amor, fervor, vitória.
• Simbolismo: Fogo do Espírito Santo, sangue de Cristo e dos mártires, a vitória
do ensino cristão.
• Uso: - Pentecostes;
- Dias de mártires;
- Dia da Santa Cruz;
- Festa da Reforma;
- Dedicações e aniversários de uma igreja ou congregação;
- Nas instalações e ordenações de pastores;
- Nos concílios e convenções da Igreja.

[sub 2] Verde
• Significação: Crescimento, nutrimento (cor predominante da natureza).
• Simbolismo: Crescimento e expansão da Igreja (quantitativa e qualitativamente).
• Uso: - Época após Epifania (exceto 1º e último domingos);
- Época após Pentecostes (exceto 1º domingo).

[sub 2] Roxo ou violeta


• Significação: Preparação, reverência, realeza.
• Simbolismo: Penitência, reverência diante de Cristo.
• Uso: - Quaresma;
- Alternativa para o Advento;
- Dia de súplica e oração.

70
[sub 2] Preto
• Significação: Luto, cinzas, humilhação.
• Simbolismo: Pesar pela morte de Cristo, pesar pelos pecados.
• Uso: - Sexta-feira Santa;
- Alternativa para Quarta-feira de Cinzas.

[sub 2] Azul
• Significação: Esperança.
• Simbolismo: Céu e esperança cristã.
• Uso: Advento (cor preferencial para este período).

[sub 2] Dourado
• Significação: Coroação.
• Simbolismo: Coroação de Cristo, vitória de Cristo sobre os poderes do mal e da
morte.
• Uso: Alternativa para o dia de Páscoa.

[sub 2] Escarlate
• Significação: Sangue.
• Simbolismo: Sangue de Cristo (antigamente associado à Paixão de Cristo).
• Uso: Alternativa para a Semana Santa.

Propósito das cores litúrgicas: “Ensinar-nos pelos olhos”.

Questões

1- (Escolha simples) O Ano Litúrgico ou Ano da Igreja é uma prática muito antiga
da Igreja Cristã. Ele se desenvolveu com o propósito de que:
a-( ) Não se fizessem mais leituras livres nos cultos
b-( ) Se tivesse uma visão “completa” da Bíblia anualmente.
c-( ) Se lesse a Bíblia toda cada ano.
d-( ) Não se deixasse liberdade para o pregador escolher seus textos para a
pregação.
e-( ) Se tivesse os dias certos para as comemorações cristãs.

71
2- (Escolha simples) O Ano Litúrgico se estabeleceu em torno de um acontecimento
central para a fé cristã. A partir deste acontecimento e durante os primeiros quatro
séculos do cristianismo, já se fixou a estrutura deste ano como nós o temos hoje.
Este acontecimento é:
a-( ) O Natal, pois com o nascimento de Jesus cumpriram-se as promessas do
Antigo Testamento da vinda do Messias.
b-( ) A Epifania, pois esta significa a manifestação de Jesus aos gentios.
c-( ) O Pentecostes, pois com este acontecimento inicia a igreja Cristã.
d-( ) A Páscoa, pois é na ressurreição de Jesus que está todo o fundamento da fé
cristã.
e-( ) O Corpus Christi pois é no corpo e sangue de Jesus que está toda a nossa
salvação.

3- (Escolha simples) As cores litúrgicas, utilizadas nas igrejas históricas, e que têm
como propósito Ensinar-nos pelos olhos , são as seguintes:
a-( ) Amarelo, Marrom, Laranja, Rosa e verde limão .
b-( ) Areia, Creme, Bege, Salmão, Camurça, Lilaz.
c-( ) Branco, Vermelho, Verde, Roxo ou violeta, Preto, Azul, Dourado e Escarlate
d-( ) Todas as alternativas anteriores são verdadeiras.
e-( ) Nenhuma das alternativas anteriores é verdadeira.

4- Antes do século IV, que “Ano Litúrgico” tinha a Igreja?


5- Que parte do ano litúrgico se desenvolveu a partir da segunda metade do século
IV?

Referências

ADAM, Adolf. O ano litúrgico: sua história e seu significado segundo a renovação
litúrgica. São Paulo: Edições Paulinas, 1982.
ALLMEN, J. J. Von. O culto cristão: teologia e prática. São Paulo: ASTE, 1968.
BLUM, Raul. O culto cristão. Apostila da diaconia em Educação Cristã do Programa
de Educação Teológica da IELB. São Paulo: folhas xerografadas, 1988.
______. Paramentos e ornamentação do altar. In: XX Congresso Nacional da Liga
de Servas do Brasil. Porto Alegre: Concórdia Editora, 2000.
BRAUER, James L. The Church Year. In: Lutheran Worship: History and Practice.
Saint Louis: CPH, 1993.
CULTO LUTERANO: lecionários. Comissão de culto da Igreja Evangélica Luterana
do Brasil. Porto Alegre: Editora Concórdia, 2009.
DIDAQUÉ: ou Doutrina dos Apóstolos. Introdução, tradução do original grego e
comentário de Urbano Zilles. Petrópolis: Vozes, 1983.

72
LUTERO, Martinho. Formulário da Missa e da Comunhão para a Igreja de
Wittenberg. In: Martinho Lutero: Obras Selecionadas, vol. 7. São
Lepoldo/PortoAlegre: Sinodal/Concórdia, 2000.
PADRES APOSTÓLICOS: Clemente Romano, Inácio de Antioquia, Policarpo de
Esmirna, O pastor de Hermas, Carta de Barnabé, Pápias. Tradução de Ivo Storniolo
e Euclides M. Balancin. São Paulo: Paulus, 1995.
SENN, Frank C. Christian Liturgy: Catholic and Evangelical. Minneapolis: Fortress
Press, 1997.
WHITE, James. Introdução ao culto cristão. São Leopoldo, Sinodal: 1997.

Chave de respostas

1- b
2- d
3- c

73
7 O espaço litúrgico

Introdução

Deus não está restrito a um espaço de templo ou de qualquer lugar que um


ser humano venha a designar como local de encontro com Deus. No entanto, o
próprio Deus se tornou carne e ocupou espaços entre as pessoas. Jesus disse:
“Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles” (Mt
18.20). No Novo Testamento não há a indicação da necessidade de uma construção
especial para o encontro com Deus tal qual Deus mesmo ordenara no Antigo
Testamento. No entanto, por praticidade e testemunho, precisamos de locais para
nos reunir. Por isso, os cristãos costumam construir locais de culto, que são também
um testemunho do que se faz nestes locais.

7.1 - Fundamentos teológicos e antropológicos para a construção do lugar de


culto

O culto cristão, como lugar do encontro de Deus com sua comunidade, “resume
e confirma sempre de novo a história da salvação cujo ponto culminante se encontra
na intervenção encarnada do Cristo” (WHITE, p. 16).
A Escritura revela que Deus, desde as eras mais remotas, tem-se manifestado
ao ser humano, tanto em tempos definidos cronologicamente quanto em espaços
concretos. A máxima desta relação de Deus com as pessoas deu-se "na plenitude
do tempo" (Gl 4.4), quando "o Verbo se fez carne e habitou entre nós" (Jo 1.14).
A encarnação de Cristo, portanto, como manifestação plena do encontro de
Deus com seu povo, é a principal razão para que se criem lugares "para o culto do
Encarnado" (WHITE, p.67).
Por ser lugar da presença de Deus e lugar de encontro do seu povo, o culto
cristão assume uma dimensão vertical (Deus comunidade) e uma dimensão
horizontal (WHITE, p. 69) (eu comunidade), dimensão esta que poderíamos
denominar de "vértico-horizontal" (Deus eu comunidade Deus), ou seja,
uma estrada de duas vias (ou mais), em que, por um lado Deus serve ao ser
humano pela sua Palavra vivificadora, pelos sacramentos e "pela mútua consolação
dos irmãos" (LIVRO DE CONCÓRDIA, Artigos de Esmalcalde, p. 332), enquanto que

74
o ser humano o serve com louvor, adoração e serviço (tanto no plano vertical [fé]
quanto no horizontal [manifestação de amor ao próximo]).
A Igreja é o lugar sagrado, é espaço santificado, não por causa do lugar em si,
mas por causa do que nele acontece (WHITE, p. 66). Nela acontece a presença do
Invisível (PASTRO, p. 22) e, ao mesmo tempo, "é uma reunião de gente" (KIRST,
TEAR, n.1, p. 15).
O lugar litúrgico é, ao mesmo tempo, o espaço para Deus (PASTRO, p. 31), a
casa de Deus (MARASCHIN, p. 79), e o espaço para o ser humano (PASTRO, p.
31), a "nossa casa" (MARASCHIN, p. 79). É o lugar de um Deus que chama,
convoca, fala e celebra a aliança; é o lugar da Palavra, do grande encontro, da
Eucaristia, é o lugar do memorial.
O que existe e o que acontece no espaço litúrgico é resultado de uma teologia
(ou da ausência de uma teologia sadia). Existe, pois, uma relação complicada entre
espaço e teologia de culto. Conforme Regina Céli Machado, o lugar de culto deve
representar a devoção de toda a comunidade, jamais deve ser o princípio de um
homem só (MACHADO, p. 17). Por isso, também a forma deve facilitar a
comunicação de Deus com seu povo (e vice-versa), e não atrapalhar esta
comunicação. Desde a porta, que pode ser um símbolo do próprio Cristo
(MARASCHIN, p. 77-78), até a localização da fonte batismal, da mesa da eucaristia
e do púlpito, é importante que tudo esteja no seu devido lugar, pois tem significados
e funções especiais.
Em resumo, o lugar de culto conjuga ao mesmo tempo o passado (quando
rememora o que Deus já fez), o presente (quando celebra a presença viva de Deus
em Cristo no meio e através da comunidade) e o futuro (ao experimentar por
antecipação a plenitude da vida eterna em Cristo). Por isso tudo, a construção, o
lugar e o espaço também deveriam expressar estas dimensões supracitadas.

7.2 - Fundamentos litúrgicos: centros e espaços litúrgicos

No lugar dedicado ao encontro de Deus com o seu povo existem alguns


elementos que são imprescindíveis, outros que são apenas úteis e outros, ainda,
que são completamente supérfluos (e que, neste caso, mais atrapalham do que
ajudam na devoção dos fiéis). Regina Céli Machado afirma que "um lugar muito
cheio de coisas tende a esvaziar a alma humana. O vazio, pelo contrário, tende a se
encher pelo Espírito" (MACHADO, p. 67).

75
Para que o encontro entre Deus e sua comunidade possa ser uma experiência
edificante, de contemplação, de alegria e de representação dos seus melhores
desejos (MARASCHIN, p. 78-79), convém observar que o lugar litúrgico não deveria
prescindir de três centros litúrgicos e de seis espaços litúrgicos (WHITE, p. 70).
James White menciona um quarto centro, ou seja, a cadeira do oficiante ou sédia
(WHITE, p. 73). Não se tem dado ênfase ao conceito de “presbitério”, conforme
referência de Regina Céli Machado (MACHADO, p. 36-37), que pressupõe a
existência de uma hierarquia sacerdotal. O conceito de “presbitério” acabará
influenciando toda a disposição do mobiliário de uma igreja, não somente dentro do
próprio presbitério, mas também do próprio espaço da comunidade (MACHADO, p.
92, 94,95). Não faria mal, no entanto, se o pastor tivesse uma cadeira própria, isso
ajudaria até mesmo a definir melhor as funções.
O primeiro centro em destaque é a fonte batismal (WHITE, p. 72). Por ser o
sacramento de iniciação, pois a comunidade nasce do Batismo (OSTROWSKY, p. 8)
e vive na perspectiva dele em sua vida diária, seria muito significativo se tal centro
estivesse disposto à entrada do lugar da adoração. Por significar o “lavar
regenerador e renovador do Espírito Santo”, conforme diz o apóstolo Paulo a Tito no
capítulo terceiro, considerou-se a importância de se ter muita água, por isso uma
simples tigela não poderia representar algo tão importante, e sim uma fonte (ou até
mesmo uma piscina).
O centro da palavra é representado pelo púlpito. Nele poderia acontecer tudo o
que está relacionado à liturgia da Palavra (WHITE, p. 72), ou seja, as leituras
bíblicas, a homilia e a oração de intercessão (e todos os elementos úteis, não
indispensáveis, que permeiam estes três elementos imprescindíveis) (KIRST, Nossa
Liturgia, p. 25). Sobre o púlpito também poderá ficar a Bíblia, já que ele é o centro da
palavra. Há em muitos de nossos espaços litúrgicos certa confusão sobre este
centro. Há em muitos lugares dois (ou mais) móveis destinados para esta finalidade:
Há, além do púlpito, outro lugar para as leituras e, além disso, não são raros os
templos em que a Bíblia está também sobre ao altar. Um centro da palavra poderia
resolver com muita clareza esta situação.
O altar ou mesa é o centro da eucaristia, reservado, portanto, para os vasos da
comunhão (WHITE, p. 72-73). É a partir dela que se desenrola a segunda grande
parte do culto, a liturgia eucarística, composta também de três grandes partes,
começando pelo ofertório, seguindo com a oração eucarística e as palavras da

76
instituição e concluindo com a distribuição. Como na liturgia da palavra, outros
elementos foram incluídos e, algumas vezes foram supervalorizados, desviando o
olhar de questões mais importantes. Cabe lembrar ainda que os utensílios próprios
do altar sejam além dos utilizados especificamente na Santa Ceia, o crucifixo (que
nos apresenta a humanação e o sacrifício vicário de Cristo), as duas velas
eucarísticas e o livro de culto. Não vamos discutir se é certo ou errado colocar flores
e ofertas sobre o altar, apenas recomendar que se use de bom senso, para não
deixar que estes venham a ofuscar o que é essencial .
Como o culto cristão é também e essencialmente “reunião de gente”, é
imprescindível que se dê muito valor aos espaços litúrgicos. Seis espaços litúrgicos
(WHITE, p. 70-72) serão aqui contemplados.
O espaço de encontro (e dispersão), pela importância que o encontrar-se
sempre teve através da história (“formar o corpo de Cristo é o primeiro ato de culto” -
WHITE, p. 70), será amplo e funcional. Nele a comunidade passa antes de ingressar
no recinto de culto. É o lugar em que se faz a ponte, a transição da vida cotidiana
para o culto comunitário e, novamente, do culto de volta para o dia a dia.
O espaço de locomoção (WHITE, p. 71) ou circulação também será bem
planejado. Amplos corredores centrais, laterais e entre as cadeiras são condição
básica para que “os corpos que pensam, rezam, sentem alegria, tristeza, prazer e
dor” e, especialmente, se movimentam bastante (MARASCHIN, p. 76), possam
locomover-se de maneira fluente e cômoda.
O espaço congregacional (WHITE, p. 71), amplo espaço em que a comunidade
permanece por mais tempo, será flexível e levará em consideração a unidade
temática do culto. Por isso cadeiras ou bancos de fácil movimentação poderiam ser
utilizados, a fim de que melhor se possa mudar a disposição da comunidade quando
isto for oportuno.
O espaço do coral (WHITE, p. 71), que em qualquer projeto deveria contemplar
também os músicos, deveria estar disposto de tal forma que pudesse liderar o canto
da comunidade tanto na liturgia da palavra quanto na da eucaristia. Vale lembrar que
o coral, grupo vocal e/ou instrumental, não deverão perder de vista suas principais
finalidades, ou seja, proclamar a palavra (cantar voltado para a comunidade), liderar
o canto comunitário (posicionar-se junto da comunidade) e cantar em lugar da
comunidade (como um meio de embelezar o culto). As três finalidades poderiam ser
supridas se o coral, grupo vocal ou músicos estivessem postados em diagonal com

77
a comunidade e, ao mesmo tempo, em diagonal com o altar.
O espaço batismal (WHITE, p. 71), lembrando que o Batismo é um ato da
comunidade toda e por ser o sacramento de entrada, está à entrada da igreja e
dispõe de uma ampla área ao redor da fonte.
O espaço da mesa (WHITE, p. 71) também deverá ser amplo, pois prevê que a
comunidade estará ao seu redor para a celebração eucarística. É importante
salientar que este espaço deve ser de fácil acesso a todas as pessoas da
comunidade, especialmente os idosos e as pessoas portadoras de necessidades
especiais. Por isso, além dos tradicionais degraus, rampas de aceso ao altar
deveriam ser providenciadas.
Além dos espaços e centros litúrgicos, considera-se importante prever ainda
outros espaços. É fundamental para nos tempos modernos um lugar próprio para
projeções, tanto dos cânticos, quanto figuras, textos ou ilustrações. A sacristia será
um espaço exclusivo de recolhimento e preparação para oficiantes e equipe de
liturgia. Uma “vestiaria” deverá estar em lugar próximo ao local da celebração, a fim
de guardar todos os utensílios e vasos sagrados. Banheiros e berçário devem estar
juntos ou próximos ao espaço de encontro e dispersão. Como o local de culto prevê
o acesso de pessoas com necessidades especiais múltiplas, deverá estar munido de
rampas de acesso e uma cobertura para área de embarque e desembarque.

7.3 – Fundamentos arquitetônicos: critérios para a construção ou reforma do


lugar litúrgico

A partir de uma viagem histórica, serão considerados cinco critérios para a


construção ou reforma do lugar de culto. O critério da utilidade (WHITE, p. 81), ou
seja, o quão bem funciona tudo no lugar da adoração; O critério da simplicidade
(WHITE, p. 81) coloca cada coisa com a devida clareza no seu devido lugar, ou seja,
o que é essencial jamais será encoberto. Este critério ajuda a indicar a própria
teologia que está por detrás da construção e apontará para o que para ela é
essencial, o que é apenas útil e o que é até mesmo descartável. O critério da
flexibilidade (WHITE, p. 81-82) prevê que cada lugar precisa ser adaptável às
diversas situações e temáticas do culto. Deve, portanto, permitir ouvir, ver e tocar. A
idéia de centros e espaços flexíveis leva em consideração que a comunidade é um
corpo vivo que pressupõe movimento. Ainda no critério da flexibilidade, o local de
culto deveria permitir que cada culto pudesse ter uma “igreja diferente” a fim de

78
contemplar as diversas temáticas, melhorar a comunicação e valorizar o artesanato.
Intimidade (WHITE, p. 82) é o critério que procura tornar o espaço aconchegante e
que demonstre a hospitalidade da congregação. Finalmente, o critério da beleza
levará em consideração a estética, a harmonia e a dignidade do ambiente (WHITE,
p. 80,81). No critério da beleza, deve-se lembrar que luxo não é beleza. A unidade e
harmonia entre os materiais, por mais pobres que sejam, levam a comunidade a
conclusões belíssimas (PASTRO, p. 57). O material deve ser nobre, não de plástico,
dando valor ao que é verdadeiro, pois Deus é Verdade e a verdade não é
descartável (MACHADO, p. 68). Cuidado para que o ambiente seja harmonioso
entre o antigo e o moderno e muito cuidado para não se tornar “cafona”(PASTRO, p.
57). Vale lembrar, ainda, que o pobre, e especialmente ele, também tem direito ao
belo; por isso, bairros ou vilas pobres não justificam a construção de igrejas feias
(MACHADO, p. 67).
Considerou-se ainda importante listar outros critérios. A boa localização do
terreno também merece destaque. Vale a pena pagar um pouco mais por um local
de fácil acesso e bem localizado. A centralidade do lugar de culto em relação às
demais dependências da comunidade denotará a importância que o culto tem para
esta. Por isso, todas as salas e demais dependências terão alguma ligação com o
espaço de culto. O cuidado com a acústica, iluminação, conforto térmico, posição
solar, visibilidade (MACHADO, p. 60-61), além das cores internas será prioridade
ainda no estudo dos critérios. As portas (MARASCHIN, p. 76) terão relevos com
significado e toda a construção priorizará a idéia de casa (de Deus e nossa casa)
(MARASCHIN, p. 79) e um lugar dos sonhos.
A obra ainda deve levar em consideração a contextualidade, ou seja, deve ser
compatível com a família que mora lá (PIETZSCH, 2003). O último critério é que o
local precisa ser "humano" e considerar as necessidades das pessoas. Por isso, o
mínimo de degraus e o máximo de rampas e lugares planos. Todas as pessoas
devem ter acesso a todos os espaços da Igreja.

7.4 O altar e seus ornamentos

Altar
• Centro do culto da igreja;
• No AT prescrito por Deus (Êx 27.1-8; 30.1-10);

79
• No NT usado pelos cristãos especialmente para a celebração da Santa Ceia.

Simbolismo do altar
• Presença de Deus na sua Igreja.

Significado do altar
• Sacrifício de Cristo pela redenção do mundo;
dos cristãos em agradecimento pelas bênçãos recebidas;
• Mesa para a Santa Ceia.

O crucifixo do altar
É o ornamento mais importante do altar:
• Enfatiza a humanação de Cristo e seu sacrifício perdoador;
• Enfatiza a presença real de Cristo na Santa Ceia.
(As velas não deveriam ser mais altas que o crucifixo.)

As velas do altar
Duas velas são colocadas na parte posterior do altar de ambos os lados do
crucifixo.
Simbolismo:
• Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem é a luz do mundo;
• Cristo sacrificou-se por nós (a vela consome-se para dar luz);
• Nós devemos sacrificar-nos em servir a Deus e aos homens.

Atril ou estante do missal


• Pequeno apoio para o livro da liturgia.

Os paramentos
• Altar, púlpito e ambão são revestidos com paramentos conforme as cores do Ano
da Igreja;
• Com os paramentos somos “ensinados pelos olhos” – lembrando-nos do espírito
da época ou do dia em questão.

80
7.5 A utilidade do espaço litúrgico

Antes de tudo o que se requeira do espaço litúrgico é necessário pensar


sobre sua utilidade. O espaço precisa ser funcional. De que adianta um templo
majestoso com um som que reverbera a tal ponto que é difícil de compreender o que
está sendo dito? Nenhuma beleza substitui uma boa acústica. A Palavra de Deus é
para ser pregada e anunciada; portanto ela precisa ser entendida. A locomoção
também precisa ser fácil dentro do templo, e todos os locais, especialmente o altar,
precisam ter acesso fácil.
Um dos aspectos importantes para o espaço litúrgico é uma boa localização
para que a música possa ser executada. Seja a música coral ou instrumental. Os
músicos precisam ter espaço sem precisar acomodar-se em corredores. O coral e a
música instrumental precisam propagar-se com facilidade para que haja uma boa
integração para com o canto congregacional e com a transmissão da música coral e
instrumental. Precisa haver boa acústica também para a música. Um pouco de
reverberação é bom para a música, mas não a ponto de se ouvir um eco.
As artes plásticas em vitrais, afrescos e esculturas têm também seu lugar no templo.
As artes nos ensinam pelos olhos. Por isso, precisam ser expressivas e que com
facilidade nos façam lembrar do que Deus está querendo nos dizer naquela
expressão. Temos uma herança de símbolos visuais que podem ser usados nas
artes plásticas e aplicados no templo.

7.6 Vestimentas litúrgicas

Os oficiantes do culto estão dentro do espaço litúrgico e ocupam local de


destaque de maneira que toda a comunidade os veja. Em sintonia com este espaço
fazem uso de vestes litúrgicas que também são uma herança da Igreja.
No Antigo Testamento Deus prescreveu vestes litúrgicas: Veja Êx 28.1-43. É
claro que estas vestimentas foram ordenadas especificamente para o culto do AT.
No NT, vestimentas para o culto estão dentro da liberdade cristã; não foram
prescritas nem condenadas.
Vestimentas litúrgicas não são essenciais por si mesmas. A eficácia do evangelho e
dos sacramentos não depende delas. Também precisamos lembrar que as
vestimentas eclesiásticas tradicionais aprovadas na Idade Média, e que são usadas

81
até hoje na Igreja Católica e nas igrejas luteranas, não são de origem eclesiástica.
São sobreviventes da vestimenta comum dos homens no império romano durante os
primeiros séculos do cristianismo. Mas, do século IV ao IX, estas vestimentas
receberam significados litúrgicos especiais.
As vestimentas litúrgicas desenvolveram-se a partir de dois tipos básicos de
vestes romanas: uma túnica para usar dentro de casa e uma capa para usar fora de
casa. A túnica para usar dentro de casa sobrevive na alba e a capa para fora de
casa tornou-se a casula ou, eventualmente, a capa de asperges (capa magna). Além
destas duas vestimentas básicas, alguns acessórios também eram usados: o
amicto, o cíngulo, o manípulo e a estola. Após a fixação destas vestimentas como
litúrgicas, também se acrescentaram significados para cada uma destas partes.

[sub 2] Alba
A alba é a antiga vestimenta romana branca. Dela se desenvolveu, mais
tarde, a sobrepeliz. A parte superior se ajusta ao corpo, as mangas são justas, e a
parte inferior é mais solta. Tem aparência sóbria, bonita e elegante. A alba simboliza
a inocência e o manto da justiça que recebemos como cristãos. Numa oração de
sacristia, na igreja da Suécia, está registrado o seguinte para ser orado enquanto se
veste a alba: “Afasta de mim, ó Senhor, o velho homem e seus caminhos
pecaminosos e veste-me com o novo homem em santidade e justiça e verdade”.

[sub 2] A estola
A estola era um tipo de lenço usado como insígnia de classe entre os oficiais
romanos. Senadores e cônsules usavam um cachecol colorido sobre a alba como
distintivo de seu ofício. No uso litúrgico, a estola é uma faixa de pano na cor litúrgica
para o dia usada sobre a alba. Pode ser decorada com emblemas litúrgicos para
expressar o dia litúrgico ou a época litúrgica. A estola representa o jugo de Cristo e é
símbolo da ordenação. Por isso deve ser usada somente por ministros ordenados
como símbolo de seu jugo de obediência a Cristo.

[sub 2] O cíngulo
O cíngulo ou cinto acompanha a alba. Ajuda a fixar a alba e a estola à cintura.

[sub 2] A casula

82
A casula vem da capa romana usada fora de casa. Vem do latim casula, que
significa “pequena casa”. Era uma vestimenta em forma de poncho, com uma
abertura para passar pela cabeça. Esta é a vestimenta citada por Paulo em 2 Tm
4.13, onde ele solicita a Timóteo que traga a sua capa (phailones). No uso litúrgico,
a casula se tornou a vestimenta especial para a Santa Ceia. Ficou mais curta que a
capa original, é vestida sobre a alba, e segue as cores do ano litúrgico.

[sub 2] O amicto
A alba não tinha colarinho. O amicto era um lenço de pescoço usado
antigamente com a alba e outras vestes. Alegoricamente, era comparado ao
“capacete da salvação” (Ef 6.17). Provavelmente, adquiriu este significado simbólico
porque era colocado primeiro sobre a cabeça, antes de ser dobrado como gola.

[sub 2] O manípulo
O manípulo era originalmente um lenço que servia como um emblema de ofício para
o cônsul romano. Uma vez que a roupa deste período não tinha bolsos, o manípulo
era carregado na mão. Pelo século VI, o manípulo era usado como uma vestimenta
litúrgica atada ao braço esquerdo do oficiante. Era usado como toalha para limpar as
mãos do oficiante bem como para limpar os utensílios da Santa Ceia.

[sub 2] A sobrepeliz
A sobrepeliz é uma variante da alba. É mais folgada que a alba e pode ser
vestida sobre roupas mais grossas. Normalmente é usada sobre a sotaina. Pelo
século XI a sobrepeliz era usada para ofícios não eucarísticos, enquanto que a alba
era reservada para a missa.

[sub 2] A sotaina
Antigamente, os clérigos vestiam a sotaina (ou batina) como vestimenta
diária. Sobre a sotaina colocavam a alba ou sobrepeliz para os ofícios religiosos. É
de cor preta e geralmente usa um cinto ao redor da cintura; na parte superior é
ajustada ao corpo e na parte inferior cai como um vestido cheio e levemente solto da
cintura aos tornozelos. No pescoço a sotaina tem um uma faixa estreita que se
ajusta ao redor de um colarinho clerical. A camisa clerical de nossos dias é uma
remanescente da sotaina.

83
[sub 2] O talar preto
O talar preto não é na verdade uma vestimenta especificamente clerical. Foi o
traje regular de rua para professores, magistrados, juízes e pastores no século XVI.
Temos diversos tipos de talares hoje em dia, mas todos têm sua procedência
acadêmica de togas ou becas. Uma das formas de talar que se desenvolveu na
Europa é uma mistura da sotaina com o talar, com colarinho franzido e com peitilhos
(Beffchen) brancos com o talar preto. Como sentido litúrgico, estes peitilhos
representariam a Lei e o Evangelho. No entanto, isto não tem respaldo histórico e
litúrgico. Ainda recentemente, têm aparecido talares brancos ou beges no mesmo
formato dos talares pretos. Estes têm ainda menos respaldo litúrgico ou histórico.

[sub 2] A tendência atual


É bom não inventar “modas litúrgicas”. Não vale a pena arrumar confusão por
causa de novidades em vestes talares. As vestes talares refletem a história da Igreja
que, em todos os tempos, deve pregar a mesma verdade eterna. Além disso, as
vestes talares, evidentemente, querem refletir a glória de Deus. Portanto, devem ser
bonitas e devem expressar a beleza da santidade de Deus. Já as vestes de Arão
deveriam ser “para glória e ornamento” (Êx 28.2).
Portanto, nada melhor do que refletir a história mais antiga das vestes talares: alba,
estola, cíngulo e casula. É bom lembrar que a estola e a casula são apenas para
ministros ordenados. Como a casula é uma vestimenta cara e ainda muda com as
cores do ano litúrgico, uma alba com estola e cíngulo pode ser a vestimenta regular
para os ofícios luteranos, pois, mesmo sem a casula, refletem beleza e ornamento.

Questões
1- (Escolha simples) Os três centros litúrgicos, conforme o texto, são:
a-( ) Centro de monitoramento, Centro administrativo e Centro das Famílias.
b-( ) Centro da Moral, Centro da Meditação e Centro da Pregação
c-( ) Centro da Alba, Centro da sobrepeliz, Centro da estola.
d-( ) Centro batismal, Centro eucarístico e Centro da Palavra.
e-( ) Nenhuma das alternativas anteriores é verdadeira.

2- (Escolha simples) Os seis espaços litúrgicos, destacados no texto, são os que


seguem:
a-( ) espaço de encontro, espaço congregacional, espaço de circulação, espaço
batismal, espaço eucarístico e espaço coral.

84
b-( ) espaço pastoral, espaço presbiteriano, espaço de silêncio, espaço de
meditaçãol, espaço da memória e espaço social.
c-( ) espaço de descanso, espaço de orientação, espaço de consolo, espaço
acústico, espaço da pregação e espaço formal.
d-( ) todas as alternativas anteriores são verdadeiras.
e-( ) nenhuma das alternativas anteriores é verdadeira.

3- (Escolha simples) As vestimentas para o culto no Antigo Testamento foram


estabelecidas por Deus. No Novo Testamento não há prescrição para que sejam
usadas vestimentas especiais para o culto. No entanto, dentro da Igreja Cristão se
estabeleceram algumas vestimentas padrão, como as que seguem:
a-( ) Alba, cibório, sobrepeliz e patena.
b-( ) Alba, crucifixo, patena e cíngulo.
c-( ) Alba, sobrepeliz, estola e casula.
d-( ) Alba, atril, sobrepeliz e manípulo.
e-( ) Alba, casula, batina e patena

4- Aponte três funções para o espaço de culto.


5- Que significado tem o altar?

Referências

BLUM, Raul. O culto cristão. Apostila da Diaconia em Educação Cristã do Programa


de Educação Teológica da IELB. São Paulo: folhas xerografadas, 1988.
______. Paramentos e ornamentação do altar. In: XX Congresso Nacional da Liga
de Servas do Brasil. Porto Alegre: Concórdia Editora, 2000.
BRAUER, James L. The Church Year. In: Lutheran Worship: History and Practice.
Saint Louis: CPH, 1993.
LANG, Paul, H. D. Manual da Comissão de Altar. Porto Alegre, Concórdia, 1987.
PIETZSCH, Paulo G. Culto e Música no contexto Cristão. Canoas: Ed. ULBRA,
2003. (Caderno Universitário).
REED, Luther D. The Lutheran Liturgy and Worship. Philadelphia, Fortress Press,
1959.
WHITE, James. Introdução ao culto cristão. São Leopoldo, Sinodal: 1997.

Chave de respostas
1- d
2- a
3- c

85
8 Ordem do culto principal e Os ofícios menores

Introdução

O culto é uma presença constante na vida dos cristãos, seja de forma


individual e particular, seja de forma coletiva e comunitária. Podemos estar em culto
individualmente como podemos estar em culto corporativo. Em ambas, Deus age em
amor por nós e nós reagimos ao amor de Deus. Para o culto corporativo temos o
exemplo do tabernáculo e, depois, do templo do Antigo Testamento. A sinagoga
judaica, apesar de não ter sido uma ordem divina, foi frequentada regularmente por
Jesus, dando-nos o exemplo para seguirmos a reunião em grupo em torno da
Palavra de Deus (Lc 4.16). Os primeiros cristãos nos dão também exemplo de
frequência regular em torno da palavra e da Santa Ceia (At 2.42).

8.1 Origem

A liturgia histórica é uma herança de séculos. Ela não foi planejada por
comissões de culto, mas se desenvolveu naturalmente com o passar do tempo. Mas
podemos destacar influências que nela estão presentes:27

• Da liturgia judaica (templo e sinagoga): herdaram-se versículos de salmos,


salmos completos, passagens do Antigo Testamento e palavras como Amém,
Aleluia e Hosana.
• Os cristãos gentílicos estabeleceram o domingo como o dia comum para o
culto.
• A Igreja Oriental compôs o Gloria in excelsis, a Oração da Igreja, o Prefácio e
o Sanctus, e também estabeleceu o costume de levantar-se para a leitura do
Evangelho.
• A Igreja Ocidental desenvolveu a série de Intróitos, Graduais, Coletas e
Prefácios Próprios.
• A Reforma simplificou e revisou o texto da liturgia colocando-a
evangelicamente para o povo, enfatizou a participação da congregação,
restaurou o sermão e o canto congregacional.

27
Cf. REED, Luther D. The Lutheran Liturgy, p. 21-22.

86
• A Liturgia Luterana, a partir da Reforma de Lutero, é uma herança
especialmente da liturgia romana. Lutero conservou tudo o que julgava que
não atrapalhasse o evangelho e manteve toda a estrutura da liturgia histórica.

8.2 Características

• Ordem coerente no seu conteúdo e sequência com partes fixas, que se mantém
em cada culto e partes variáveis, que apresentam o assunto do dia.
• Posições dos fiéis: de pé para expressão de louvor e respeito, sentado para ouvir
a palavra e ajoelhado para expressão de humildade e recebimento de perdão.
• Conteúdo é distinguido em partes sacrificais (quando o pastor está voltado para o
altar em nome da congregação) e em partes sacramentais (quando o pastor está
voltado para a congregação em nome de Deus).
• Divisões: Ofício Preliminar da Confissão, Ofício da Palavra, Ofício da Santa Ceia.

[sub 2] Ofício Preliminar da Confissão


• É costume na Igreja Luterana ter um prelúdio instrumental, mormente executado
pelo órgão. O prelúdio nos quer ajudar a nos concentrarmos para um clima de
devoção.
• Hino de Invocação dá sentido comunitário já no início do culto e remete os fiéis
aos cuidados de Deus.
• A Invocação lembra-nos que o Deus verdadeiro nos motiva ao culto. É o Deus
Triúno que vem a nós e não qualquer outro deus.
• Confissão dos pecados – prepara-nos para prestar culto (1 Jo 1.9; Sl 124.8; Sl
32.5). Não temos o direito de adorar a Deus por causa de nossos pecados. Na
Confissão e Absolvição Deus mesmo nos prepara e conduz para darmos o nosso
louvor a ele.

[sub 2] Ofício da Palavra

[sub 3] Intróito
Introduz o assunto do dia. É a primeira parte variável do culto. Os intróitos
para serem cantados pelo coro têm o seguinte esquema:
• Antífona – um ou mais versículos que apresentam o tema do dia.
• Salmo – um versículo de um dos salmos.
87
• Gloria Patri – conclusão para o salmo. Faz a ligação entre o Antigo Testamento
e o Novo Testamento.
• Antífona – repetição dos primeiros versículos.

Em lugar destes intróitos cantados pelo coro podemos usar o Salmo do Dia
com leitura responsiva e com participação da congregação.

[sub 3] Kyrie Eleison (Senhor, piedade)


Reconhece nossa dependência de Deus. Não temos aí uma nova confissão
de pecados, mas um reconhecimento de que dependemos totalmente de Deus em
nossa vida cristã. A tríplice repetição do Kyrie enfatiza a Trindade.

[sub 3] Gloria in Excelsis


É o hino de louvor do Ofício da Palavra. O início é o canto dos anjos na noite de
Natal. O texto que segue após o canto dos anjos apresenta a Trindade, mas enfatiza
a obra de Cristo. É uma criação da Igreja no século IV. Tem os seguintes assuntos:
• Belém – Encarnação;
• Calvário – Sofrimento de Cristo;
• Reino celestial – Intercessão perpétua de Cristo.

[sub 3] Saudação
É uma forma de cumprimento e resposta. Seu conteúdo é “Emanuel” – “Deus
conosco” (Rt 2.4; 2 Tm 4.22). Pastor e congregação mutuamente se desejam a
presença de Deus.

[sub 3] Coleta
Pequena oração que “coleta” os desejos da Igreja e os apresenta a Deus. Tem o
seguinte esquema:
1. Invocação;
2. Base para a petição;
3. Petição em si;
4. Propósito ou benefício desejado;
5. Conclusão doxológica.
6. Amém da comunidade.

88
[sub 3] Leituras bíblicas
• Chegamos ao centro do Ofício da Palavra: Leitura da Palavra e sermão.
• Leitura de seleções bíblicas já havia na sinagoga: Lc 4.16-19. A Igreja Antiga
acrescentou trechos das Epístolas e dos Evangelhos.
• No início não havia leituras definidas – com o tempo surgiram as perícopes. No
ano 800, as perícopes históricas estavam prontas. Atualmente, temos a Série
Trienal.

[sub 3] Leitura do Antigo Testamento – Primeira Leitura


Nossa fé é histórica; o Novo Testamento repousa sobre o Antigo Testamento.
Por um grande tempo as leituras do Antigo Testamento ficaram de fora nos cultos.
Com a Série Trienal elas voltaram a fazer parte dos lecionários. No Período após a
Páscoa até o Pentecostes, a primeira leitura do culto é feita de trechos dos Atos dos
Apóstolos.

[sub 3] Leitura da Epístola – Segunda Leitura


A leitura da Epístola é de trechos de Cartas dos Apóstolos, apresentando-nos
doutrina, Lei e Evangelho, exortações à Santificação.

[sub 3] Gradual
Originalmente para uso coral. Trechos de salmos e outras passagens que
estão relacionados com o tema do dia.

[sub 3] Evangelho
Para a leitura do Evangelho sempre se deu destaque, pois são palavras do
próprio Cristo ou fatos da vida de Cristo. Para enfatizar esta leitura, são cantados
responsos antes e após a leitura e é ouvido de pé como sinal de respeito.

[sub 3] Confissão de Fé
“Credo” significa “Creio”. Ouviu-se a Palavra de Deus e segue a reposta da
congregação a esta palavra. Assim, o Credo é a palavra da Igreja em resposta à
Palavra de Deus.

89
Um dos três Credos Históricos é dito no culto: Apostólico, Niceno ou
Atanasiano. Estes credos expressam a fé da Igreja cristã universal.

[sub 3] Hino do dia


• Preparo à mensagem;
• Texto e música juntam-se;
• Auxílio para fixação de doutrinas;
• O hino da congregação: uma das restaurações da Reforma.

[sub 3] Sermão
O Sermão é Interpretação, exposição e aplicação da Palavra de Deus. Por
isso ele precisa conter Lei e Evangelho. É o grande momento do pastor para trazer a
mensagem de Deus, imutável, para a realidade atual.

[sub 3] Ofertório
O ofertório é nosso desejo de oferecemos nossa vida a Deus. Só ele pode
nos dar um coração puro e uma mente renovada.

[sub 3] Ofertas
Oferecemos nossos bens a Deus. A Igreja precisa de nossas ofertas para a
manutenção da congregação e a divulgação da palavra a todos os povos.

[sub 3] Oração geral


Há um momento durante o culto em que os cristãos “saem” do culto e vão a
todo o mundo. O culto acontece num local específico no mundo. E os cristãos oram
pela Igreja que está em todo o mundo, pelo governo, pelos que passam dificuldades.
Esta é a Oração da Igreja que trata dos problemas em geral do mundo (1 Tm 2.1-2).

[sub 2] Ofício da Santa Ceia

[sub 3] Prefácio
As sentenças do Prefácio são a parte mais antiga da liturgia. No início do
Ofício da Santa Ceia, reconhecemos que só podemos elevar nossos corações a
Deus, tais como somos: pecadores. Nada temos a lhe oferecer, mas temos a certeza

90
de que ele pode nos dar tudo para a vida: sustento e salvação. Prefácios próprios
podem ser inseridos no Prefácio que enfatizam uma época do Ano da Igreja. O final
do Prefácio é o Sanctus. Liga o AT com o NT (Is 6.3; Mt 21.9; Sl 118.25).

[sub 3] Consagração e administração


A Oração dominical é a oração que o próprio Jesus nos ensinou. Esta oração
não consagra os elementos, mas é apropriada, pois aqui estamos diante de Deus,
querendo receber o corpo e sangue de Cristo, pedindo sua misericórdia numa
oração por ele mesmo ensinada.
Com as Palavras da Instituição separamos o pão e o vinho para seu uso
sagrado. Consagramos os elementos para que eles sejam utilizados pelo próprio
Cristo a fim de nos dar, juntamente com o pão e o vinho, o seu corpo e o seu
sangue.
Pax Domini, A Paz do Senhor (Jo 20.19-21; Fp 4.7) está muito
apropriadamente colocada aqui. Afinal, não é qualquer paz que vamos receber; é a
paz com Deus que se expressa no perdão dos pecados. Com este perdão a
separação de Deus com as pessoas deixa de existir, pois ele mesmo nos alcança
esta paz na Santa Ceia.
Agnus Dei, Cordeiro de Deus (Jo 1.29; Is 53.7,12; 1 Pe 1.18-20; Ef 2.13-17);
Finalmente, na Distribuição, Cristo é um conosco. Ele está presente conosco
desde o início do culto, conforme a sua própria promessa: “Onde estiverem dois ou
três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles” (Mt 18.20). Mas, agora, Ele
vem com seu corpo e seu sangue fazer parte de nosso ser e com isso selar o seu
perdão para cada participante da Santa Ceia.

[sub 3] Pós-comunhão
Após recebermos o corpo e o sangue de Cristo nos juntamos a Simeão e
cantamos o Nunc Dimitis (Agora despedes) que está em Lc 2.29-32. Relacionamos
o sacramento com a vida eterna. Assim como Simeão viu no menino Jesus a
salvação em pessoa e, com isso, seu desejo de partir, nós também reconhecemos
que a pessoa de Cristo, com seu corpo e sangue, chegou até nós e nos preparou
para a nossa partida.

91
A Ação de graças que segue é de 1 Co 11.26 e serve de introdução e
fundamento para a oração de agradecimento pela Ceia, que Lutero já usava. Pede
fortalecimento da fé e, consequentemente, amor para com o próximo.
A Saudação é o “Emanuel” para o culto da vida diária que se seguirá.
Benedicamus (Bendigamos) aparece também no final de cada Livro dos
Salmos (Sl 41, 72, 89, 106 e 150). Sugestivamente, bendizemos a Deus no final de
cada culto, por tudo o que recebemos durante o culto.
A Bênção é de Nm 6.24-26. Deus prometeu pôr o seu nome sobre os filhos de
Israel com esta bênção. E a última palavra é, mais uma vez, “Paz”. Iniciamos o culto
na certeza de que Deus estaria conosco e nos concederia sua paz no perdão.
Encerramos o culto com a Paz do Senhor recebida mais uma vez e que estará
conosco durante o transcorrer da semana.

[sub 1] Conclusão

A liturgia histórica é cristocêntrica e bíblico-confessional. Pode-se


simplesmente ler esta ordem de culto e nela encontra-se a centralidade de Deus.
Portanto, ela transmite a Palavra de Deus, apresentando-nos o Criador, Salvador e
Santificador.

8.3 Os ofícios menores: Matinas e Vésperas

O procedimento que Lutero teve para com a Missa utilizou também para com
as Matinas e Vésperas. Reteve tudo o que poderia ser útil para a pregação da
Palavra de Deus. Simplificou as Matinas, conservando o esboço tradicional. O latim
foi usado nas escolas durante a semana e a versão em alemão usada nas igrejas
aos domingos.
As Matinas e Vésperas são denominadas “ofícios menores”, pois não
pressupõem a celebração da Santa Ceia. São também, por isso, menores em
duração.

8.3.1 A ordem das Matinas

A palavra “Matinas” vem do Latim Matutinus (“Matutino,” “De manhã,”


“Pertencente à manhã”). O destaque das Matinas é louvor e orações agradecendo
pela noite passada e pedindo proteção para o novo dia.
92
[sub 2] Versículos
Quando o pastor pede “Abre, Senhor, os meus lábios” e a congregação
responde “e a minha boca manifestará o teu louvor” (Sl 51.15), reconhecemos que o
louvor a Deus só é possível se Deus mesmo nos abrir os lábios. É um
reconhecimento de nossa pecaminosidade e indignidade de chegarmos a Deus, por
nós mesmos, e queremos louvá-lo. No “diálogo” seguinte entre pastor e
congregação (Sl 70.1), imploramos ajuda e libertação de Deus.
Concluímos os versículos iniciais com o Gloria Patri, que é a conclusão
costumeira para salmos no culto cristão. É a ligação do Antigo Testamento com o
Novo Testamento.

[sub 2] Invitatório
É um convite à adoração. Mostra-nos que a razão para a nossa adoração
está no nosso Criador. Há Matinas que preveem também Invitatórios Especiais que
colocam a motivação do louvor de acordo com a época do Ano Eclesiástico.

[sub 2] Venite
O Venite é a primeira palavra do Sl 95 em latim. Este salmo confronta-nos
com a motivação para o louvor. Deus é
• “Rochedo da nossa salvação”;
• Criador de tudo e nosso criador;
• Somos “povo de seu pasto e ovelhas de sua mão”.
Fica claro que o nosso louvor tem motivação. É o próprio Deus que coloca o louvor
certo em nossos lábios.

[sub 2] Hino
Este é o hino principal das matinas; é o Hino do Ofício. Separa o Venite (Sl
95) do(s) salmo(s) que segue(m) na parte seguinte, a Salmodia.

[sub 2] Salmodia
A Salmodia é a leitura ou canto de um ou mais salmos. Os salmos eram os
cantos utilizados pelos levitas no Antigo Testamento, como parte dos cultos
sacrificais. Os salmos continuaram a ser usados na Igreja Antiga e na Idade Média

93
passaram a integrar as Horas de Oração. Semanalmente entoavam-se todos os
salmos segundo o canto tradicional obedecendo o paralelismo hebraico: coro duplo
(dois grupos corais) ou solista e coro alternadamente. Cada canto ou leitura de
salmo conclui com o Gloria Patri.

[sub 2] Leitura
Um ou mais trechos do Antigo Testamento e/ou do Novo Testamento são
lidos. Desde São Bento passou-se a fazer uma leitura contínua das Escrituras nas
Horas de Oração.
Após a leitura, segue o versículo: “Ó Senhor, tem compaixão de nós” e o
responso: “Graças te damos, Senhor”. Confessamos nossos fracassos em guardar a
Palavra de Deus e agradecemos a Deus pela sua graça e perdão infalíveis.

[sub 2] Responsório
Algumas ordens de Matinas têm, neste momento, um Responsório, que
consiste de alguns versículos de salmos com responsos. Estes versículos variam de
acordo com o Ano da Igreja.

[sub 2] Sermão
Como os ofícios menores são ordens para oração e louvor, é possível excluir
o sermão.

[sub 2] Ofertas
De acordo com o momento, também podem ser excluídas.

[sub 2] Cântico
Na Ordem das Matinas estão previstos dois cânticos, sendo que um deles
será usado cada vez. O primeiro dos cânticos é: Te Deum Laudamus (“A ti, Deus
louvamos”). O texto deste cântico é bem antigo: século IV. Ele está dividido em duas
partes. A Primeira parte é um louvor à Santíssima Trindade. A segunda parte
recorda a obra redentora de Cristo e conclui com pedido de auxílio para chegarmos
à vida eterna.
O outro cântico para as Matinas é o Benedictus (“Bendito”). Ele está em
Lucas 1.68-75. É o cântico de Zacarias, pai de João Batista. Este cântico bendiz a

94
Deus pelo cumprimento de suas promessas e faz uma profecia sobre a vinda de
Jesus.
É interessante observar que, mesmo sendo um cântico registrado no livro de
Lucas, portanto, do Novo Testamento, este cântico é um salmo, e por isso conclui
com o Gloria Patri.

[sub 2] Orações
A parte final das Matinas e Vésperas é constituída de orações.

Kyrie
Iniciamos esta seção com a oração do Kyrie reconhecendo nossa dependência de
Deus.
Pai-Nosso
Como é a “Oração do Senhor” para todas as ocasiões, é apropriada também aqui.
Saudação
Introduz aqui as coletas finais: pode-se fazer a Coleta do dia (do domingo que
passou) além de outras coletas ou orações.

Coleta pela graça


Reconhece a proteção da noite anterior e pede a proteção para o novo dia.

[sub 2] Benedicamus
Motivado pelo final de cada livro do saltério (Sl 41, 72, 89, 106 e 150).

[sub 2] Bênção
É a chamada Bênção Apostólica, conforme 2 Co 13.13.

8.3.2 A ordem das Vésperas

A palavra “Vésperas” vem do Latim Vespera (“Entardecer”, “Vespertino”,


“Anoitecer”, “Pertencente ao entardecer”).
O objetivo das Vésperas é recontar as graças do dia e pedir a proteção para a
noite.
A origem das Vésperas vem desde o sacrifício vespertino dos judeus e de um
Ofício cristão das luzes.

95
A estrutura das Vésperas é a mesma das Matinas. Por isso, aqui, serão
apenas mencionadas as partes com conteúdo diferente das Matinas.

[sub 2] Cântico
Como nas Matinas, há dois cânticos para as Vésperas: Magnificat ou Nunc
Dimitis introduzidos pelo Sl 141.2: “Suba à tua presença a minha oração como
incenso / e seja o erguer das minhas mãos como oferenda vespertina”. Compara
nossa oração com o sacrifício vespertino dos judeus.
O primeiro dos cânticos é o Magnificat (“Engrandece”): É o cântico de Maria e está
registrado em Lc 1.46-55. Há semelhanças com o Cântico de Ana (1 Sm 2.1-10).
Ambas as mulheres fazem seus cânticos como agradecimento pelo filho que Deus
lhes concedeu. Há também semelhanças com alguns salmos (Sl 35.9; 111.9;
103.11, 13, 17; 147.6; 98.3).
O outro cântico previsto para as Vésperas é o Nunc Dimitis (“Agora
despedes”) e é mais um dos cânticos registrados por Lucas (Lc 2.29-32). Este
cântico é de Simeão e expressa o desejo de partir para a eternidade e é também
uma oração por paz e descanso. Faz alusões a passagens do Antigo Testamento (Is
52.10; Sl 98.2).
Como ambos os cânticos das Vésperas são composições semelhantes aos
salmos, eles concluem com o Gloria Patri.

[sub 2] Orações
Segue-se, aqui o mesmo esquema das Matinas. A oração específica das Vésperas é
uma petição pela paz de Deus que o mundo não pode oferecer a fim de cumprirmos
os mandamentos de Deus. É também uma petição de proteção contra o “temor de
nossos inimigos” para vivermos em paz e tranquilidade.

[sub 1] Conclusão

Tal como a Ordem do Culto Principal, os ofícios menores das Matinas e


Vésperas são teocêntricos e cristocêntricos, porque proclamam a Deus e a Cristo
como motivação de nosso louvor. Portanto, os ofícios menores são indicados para
um momento de oração e louvor, para um momento de pregação, e podem ser
usados para um momento especial ou festivo. Estavam inseridos nas Horas de

96
Oração de São Bento desde aproximadamente 530, e Lutero os conservou como
devocionais diários para leitura e pregação da Palavra e como momentos de oração
e louvor. Oração e louvor são os destaques das Matinas e Vésperas.

Questões

1- O Culto Principal é o que tem a Santa Ceia. Palavra e Sacramento, conforme a


ordem de Cristo de pregar o evangelho e administrar a Santa Ceia em sua memória.
Durante o passar do tempo estabeleceu-se uma liturgia de para a pregação da
palavra e da Santa Ceia que tem partes como as seguintes:
a-( ) Confissão, Entretenimento e Gloria in Esxcelsis
b-( ) Gloria in Excelesis, Sanctus e Agnus Dei.
c-( ) Credo, Hinos e Matinas.
d-( ) Vésperas, Matinas e Santa Ceia.
e-( ) Absolvição, Batismo e Confirmação.

2- O Culto Principal inicia com a Confissão e Absolvição de pecados. Esta parte inicial
tem a função de:
a-( ) Alertar o povo de que somos pecadores e que Deus castiga o pecado.
b-( ) Alertar o povo de que somos pecadores e que sem perdão não há como
escapar da ira de Deus.
c-( ) Alertar o povo de que somos pecadores, mas que Deus nos declara justos em
Cristo e no conduz o lhe darmos louvor.
d-( ) Alertar o povo de que somos pecadores e sem uma vida correta estaremos
perdidos.
e-( ) Alertar o povo de que somos pecadores e que Deus nos dará forças para que
nunca mais pequemos.

3- O Culto Principal tem partes que se denominam de sacrificais e partes que se


denominam de sacramentais. Respectivamente são
a-( ) Partes em que nós vamos a Deus lhe oferecendo o nosso louvor e Deus vem a
nós oferecendo a sua graça.
b-( ) Partes que cantamos e partes que pedimos em oração.
c-( ) Partes em que oramos a Deus e partes que Deus nos aponta a sua lei
condenatória.
d-( ) Partes em que desenvolvemos nossa salvação e partes em que Deus oferece
prosperidade.
e-( ) Parte em que cumprimentamos nossos amigos e partes em que ouvimos a
palavra de Deus.

4- Caracterize o Ofício da Palavra e o Ofício da Santa Ceia.


5- Por que as Matinas e as Vésperas são consideradas “ofícios menores”?

97
Referências

BLUM, Raul. Culto e liturgia. Série de artigos escritos no Mensageiro Luterano de


março de 1972 a maio de 1973. Porto Alegre: Concórdia Editora.
______. O propósito da liturgia. Trabalho de Conclusão de Curso. Porto Alegre:
Seminário Concórdia, 1973.
LANG, Paul, H. D. Manual da Comissão de Altar. Porto Alegre: Concórdia, 1987.
LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas, vol. 7. Porto Alegre / São Leopoldo:
Concórdia / Sinodal. 1999.
NELSON, Clifford Ansgar. Invitation to Worship. Rock Island, Illinois, Augustana
Press, 1960.
PARCH, Pius. Para entender a missa. Traduzido do alemão por D. Geraldo Marins,
O. S. B. Rio de Janeiro, Edições Lumen Christi, 1959.
PIETZSCH, Paulo Gerhard. Culto e música no contexto cristão. Canoas: EDIULBRA,
2003 (Caderno Universitário).
PRECHT, Fred L. Lutheran Worship: History and Practice. Saint Louis: CPH, 1993.
WHITE, James. Introdução ao culto cristão. São Leopoldo, Sinodal: 1997.

Chave de respostas

1- b

2- c

3- a

98
9 A Música no Culto

Introdução

Verificando livros que relatam a História da Música Universal, constatamos


que Música e Religião têm muito em comum. Religião: Sabe-se que as primeiras
manifestações musicais estavam intimamente ligadas à religião, ao divino, ao
sobrenatural. Sem dúvida, os primeiros sons musicais eram uma forma de louvor ou
para aplacar a ira dos deuses. Superstição: Em se tratando de religiões pagãs,
cantava-se para "dar sorte", para afugentar "maus espíritos" etc. Forças da
Natureza: Homem e natureza quase confundiam-se como se fossem um só
elemento. Sons da natureza serviam de inspiração, como por exemplo, o vento, a
chuva, o trovão, o brilho do sol, o canto dos pássaros. Medo: "Quem canta, seus
males espanta". O medo moveu muitas pessoas a cantar. Medo do escuro, do
desconhecido, de animais ferozes, do futuro, medo da morte. Alegria: O júbilo, a
alegria, os acontecimentos tão esperados, as vitórias, inspiravam as pessoas a
cantar e a agradecer às divindades. Comunicação: Muito se fala na Música como
uma linguagem, a qual transmite sons de alegria, de dor, de tristeza, de perigo, de
medo, de convocação para a guerra. Celebrações: Nascimento de uma criança é
motivo de festa, de celebração. Conquista de novas terras e vitória sobre os inimigos
acabam em festa. Lamentações: Choros, cânticos de desespero e tristeza, diante
da morte, diante da derrota, diante do fracasso.

9.1 Importância

A música, sem dúvida, é a mais internacional das artes e elemento que


identifica os povos e comunica sua cultura. Segundo os gregos, ela é a arte dos
deuses e é um mistério divino. Os chineses acreditavam que a música exercia
influência moral sobre os costumes e sobre a formação do cidadão. Confúcio dizia:
"Quereis saber se um país é bem governado ou nele reinam bons costumes? Ouvi a
sua música". Para muitos, a música é a arte que fala a linguagem do coração, a
linguagem das emoções.
Quando pensamos na Música Sacra, podemos dizer que ela é a arte que
brota da cruz e é levada até a cruz; arte que é dedicada ao serviço de Deus e à

99
edificação da igreja. Ela não é um fim em si mesma, não é uma arte livre (arte pela
arte), mas está a serviço do reino de Deus, e mais, deixa de ter maior importância, à
medida que deixa de cumprir a sua função de meio (de proclamação do evangelho).

9.2 Antigo Testamento

Na Escritura ( Gn 4.20-21 ) é mencionado o nome de Jubal, "pai de todos os


que tocam harpa e flauta". Muito cedo a Escritura faz referência a esta arte, a qual
acompanha toda a vida do povo de Deus. A primeira referência bíblica quanto a
experiência musical é um relato de um momento de louvor e ação de graças, dirigido
por Moisés e Miriã, quando da libertação do povo de Israel do Egito: " Então entoou
Moisés, e os filhos de Israel, este cântico ao Senhor,... A profetisa Miriã, irmã de
Arão, tomou um tamborim, e todas as mulheres saíram atrás dela com tamborins e
com danças..."(Ex 15.1 e 20 ). Esta apresentação foi tanto instrumental quanto
vocal, envolvendo tanto homens como mulheres e foi acompanhada por movimentos
expressivos. Momentos como este encontram-se por todo o Antigo Testamento,
especialmente nos Salmos.
A Segunda tradição musical do Antigo Testamento, a música para o templo,
era formal e profissional e foi iniciada por Davi, que era pessoalmente musicista e
compositor de hinos: "Disse Davi aos chefes dos levitas que constituíssem a seus
irmãos, cantores, para que, com instrumentos musicais, com alaúdes, harpas e
címbalos se fizessem ouvir, e levantassem a voz com alegria."(! Cr 15.16)
No tempo em que Israel edificou o templo, para adoração ao Deus Eterno, a
organização de um grupo de musicistas já estava bem avançada. Em 1 Cr 15.22, é
mencionado o nome de "Quenanias, chefe dos levitas músicos, ( o qual ) tinha o
cargo de dirigir o canto porque era entendido nisso". Em 1 Cr 25 são descritas
a diversas funções dos músicos do templo. Estes "deviam anunciar as mensagens
de Deus, acompanhados por música de harpas, liras e pratos" ( I Cr 25.1 : BLH ). É
impressionante o zelo com que executavam as suas funções litúrgicas e também o
número de integrantes deste "departamento de música", ou seja, "os músicos
treinados para tocar instrumentos e cantar louvores ao Deus Eterno eram duzentos
e oitenta e oito ao todo"( 1 Cr 25.7 : BLH ).

9.3 Os salmos do Antigo Testamento

100
O cristianismo nasceu dentro de um contexto judaico, em meio a uma cultura
greco-romana. As atividades da religião judaica, então, giravam em torno do templo,
da sinagoga e dos lares. Durante o período de quatrocentos anos após o exílio
babilônico o templo desenvolveu um ofício elaborado de culto que estava sob a
hierarquia sacerdotal. Sacrifício de animais, canto coral de salmos acompanhado de
instrumentos era a função básica do culto no templo. A sinagoga, que
provavelmente surgiu durante o exílio babilônico, estava separada do culto do
templo. Tendo voltado à sua terra natal, os judeus transplantaram a sinagoga para
Israel. Assim, no templo, o centro do culto eram os sacrifícios; na sinagoga, a ênfase
girava em torno da oração e da leitura e exposição da Escritura. Parece que não
havia grande atividade de canto na sinagoga. Mas em casa, especialmente em dias
festivos como na Páscoa, incluía-se o canto de salmos como parte do ritual da
refeição.

9.3.1 Sua história

Podemos fazer uma divisão sobre o uso dos salmos no Antigo Testamento em
cinco períodos.28

[sub 2] 1º Período: antes do uso de cânticos no culto do tabernáculo


Os primeiros cânticos ou salmos foram compostos por Moisés.

Cânticos de Moisés:
a) Êx 15.1-18: Moisés entoa este cântico e os filhos de Israel o acompanham.
Ocasião: após o afogamento do Faraó e de todo o seu exército no mar Vermelho.
Motivação: o cântico surge como resposta da ação de Deus em libertá-los de
seus poderosos inimigos (vv. 1-2).
b) Dt 32.1-43: Composto no fim da vida de Moisés. Tem a intenção de proclamar o
nome de Deus e engrandecê-lo (v. 3). Realça as perfeições e a fidelidade de
Deus (vv. 4, 13, 14, 39-43). Este cântico é uma análise de como o povo responde
às ações de Deus.
c) Sl 90: ressalta a eternidade de Deus e da transitoriedade do homem.

28
Cf. KRETZMANN, Paul E. Christian Art, book two: a handbook of liturgics, hymnology and
heortology, p. 311-341.

101
Cântico de Débora:
Jz 5: ressalta Deus como vitorioso sobre seus inimigos.

Cântico de Ana:
1 Sm 2.1-10: louvor a Deus pelo filho que lhe deu.

Nota: Apesar das evidências de atividade poética entre o antigo povo judeu, não há
indicação de cânticos ou salmos usados no serviço do tabernáculo antes do tempo
de Davi. Provavelmente, os ofícios do tabernáculo naquele tempo eram restritos aos
sacrifícios e ao trabalho relacionado com a sua preparação.

[sub 2] 2º Período: início do uso do cântico no culto


A arca é trazida para Jerusalém sob o comando de Davi: 2 Sm 6.12-19.
Para esta ocasião podemos conferir as providências tomadas, conforme registradas
em 1 Cr 15.16-28:

• Três cantores principais: Asafe, Hemã e Eta, que tocavam os címbalos como
instrumentos de liderança.
• Catorze músicos assistentes: oito tocavam alaúdes e seis tocavam harpas.
• Um dirigente de canto: Quenanias, chefe dos levitas músicos.
• Sete sacerdotes tocavam as trombetas perante a arca de Deus.

Assim iniciou o ofício litúrgico do canto e da música instrumental acompanhando


o culto sacrifical (Cf. 1 Cr 16.7, 37-43).

[sub 2] 3º Período: Davi organiza a música para o templo de maneira mais


elaborada
• Dividiu os músicos e cantores em grupos de 24 ordens (1 Cr 25), conforme as
24 ordens ou turnos de sacerdotes no serviço regular do templo.
• Cada divisão, com seu líder, continha doze homens, perfazendo um total de
288 homens, cantores e músicos (24 turnos x 12 homens = 288 homens).
• Os levitas deveriam atuar tanto nos sacrifícios da manhã quanto no
entardecer (1 Cr 23.30).

102
Nota: Na dedicação do Templo de Salomão, todos os músicos se reuniram e tiveram
momentos impressionantes (Davi já estava morto). Vemos o relato da atividade
musical em 2 Cr 5.11-14 e em 7.6. Na primeira passagem não podemos afirmar com
certeza o que quer dizer “uníssono”. Pelo que indica a história da música, não se
fazia ainda harmonização de vozes. Portanto, “uníssono” pode significar cantores e
instrumentistas cantando e tocando ao mesmo tempo; ou poderia ser também dois
grupos corais cantando ao mesmo tempo com os instrumentos.

[sub 2] 4º Período: Após o tempo de Salomão (reino dividido)


• A maneira do culto dependia em grande parte da atitude do Rei: seguir ao
Deus verdadeiro ou imitar os reis pagãos.
• Os reis que temiam ao Senhor retinham ou restauravam o ofício do templo.
Ex.: Ezequias (2 Cr 29.25-30); Josias (2 Cr 35.1-2, 15-16).

[sub 2] 5º Período: Após o exílio babilônico


• Esdras e Neemias restauraram o antigo culto, mas é incerto se foi usado o
serviço litúrgico completo (Ed 6.16-22; Ne 8.9-18).
• A plena restauração do culto antigo acontece com o período dos macabeus.
Foi então que o ofício do templo atingiu a beleza esmerada, mas morta. O
esplendor e a glória dos sacrifícios no templo de Herodes, especialmente nos
grandes festivais, mal podem ser imaginados em nossos dias.

9.3.2 Seu emprego diário e em dias festivos

Os salmos eram os hinos do culto judaico. Seu canto era a característica


principal no louvor do templo desde que Davi introduzira a música para acompanhar
os sacrifícios diários (Cf. 1 Cr 16.7, 37-43).
No início de cada mês, nas luas novas, os sacrifícios eram acompanhados do
toque de trombetas (Nm 10.10).
Na festa da Páscoa era cantada a seção de Sl 113-118, que a literatura
rabínica chama de “Halel” (“aleluia”, que significa “Louvai ao Senhor”).
Possivelmente, o Senhor Jesus cantou um destes salmos na noite da instituição da
Santa Ceia (Mt 26.30; Marcos 14.26). Nota: O “Halel” era cantado em partes: antes
da ceia os Sl 113-114 e após a ceia os Sl 115-118. Este “Halel” também é chamado

103
de “Aleluia Egípcia” em memória da libertação da escravidão do Egito. É verdade
que só o segundo destes salmos (Sl 114) menciona diretamente do Êxodo; mas, se
formos considerar os temas que estes salmos apresentam, veremos que temos aí
salmos apropriados para marcar a salvação que começou no Egito e que se
espalharia entre as nações. O Sl 113 estimula o louvor a Deus porque ele ampara os
necessitados, o Sl 115 trata do louvor conjunto, o Sl 116 das ações de graça
pessoais, o Sl 117 do louvor que todos os povos devem prestar e o Sl 118 apresenta
a misericórdia do Senhor que dura para sempre.
Na Festa do Pentecostes e na Festa dos Tabernáculos o “Halel” também era
utilizado.

9.3.3 Títulos

Autoria e dedicatória. Davi tem seu nome indicado como autor em 73 salmos; é
o que mais salmos compôs. Mas temos 49 salmos anônimos, alguns dos quais
possivelmente são também de Davi. Temos a autoria indicada nos seguintes
salmos:

• Davi: 3-9; 11-32; 34-41; 51-65; 68-70; 86; 103; 108-110; 124; 131; 133; 138-
145.
• Salomão: 72; 127.
• Asafe: 50; 73-83.
• Filhos de Corá: 42, 44-49; 84-85; 87-88.
• Etã: 89.
• Moisés: 90.

A dedicatória de muitos salmos é “Ao mestre de canto”, título que indica que
estes salmos foram dedicados ou transmitidos ao dirigente do canto para uso no
templo (Ex.: Sl 51-70).
Informações musicais. Alguns títulos acrescentam a instrumentação para o
salmo, como no Sl 4, “Ao mestre de canto, com instrumentos de cordas”, ou no Sl 5,
“Ao mestre de canto, com instrumentos de cordas”.
Melodias dos salmos. Nos títulos de alguns salmos aparecem as melodias
segundo as quais estes deveriam ser interpretados. Ex.:

104
• Sl 22: “Corça da manhã”.
• Sl 45: “Os lírios ... Cântico de amor”.
• Sl 59: “Não destruas”.

Estas melodias deviam ser conhecidas dos cantores; e pelas indicações


podemos deduzir que se tratava de músicas seculares. Como eram essas melodias
não sabemos, pois elas se perderam no tempo e, mesmo aquelas que o povo
conhecia (como os Cânticos de Romagem e a “Halel”), não conseguiram chegar até
nós, pois não havia um sistema de notação musical capaz de registrar melodias e
ritmos por escrito.
Cânticos de romagem. São os Sl 120-134, também chamados de “Salmos
dos Degraus” (Psalmi graduum), porque possivelmente fossem entoados nos 15
degraus (são 15 salmos) que conduziam do Pátio das Mulheres ao Pátio de Israel
(dos homens), pelos levitas cantores.29 Outra hipótese é apresentada na Bíblia de
Estudo Almeida, nas notas sobre os Sl 120-134:

Este salmo marca o início de uma coleção de 15 salmos (Sl 120-134) cujo
título hebraico é Cântico gradual ou das subidas. Este título se deve ao fato
de que esses salmos eram cantados pelos peregrinos que “subiam” a
Jerusalém, especialmente nas três grandes festas (Êx 23.14-17).30

A outra nota da Bíblia de Estudo Almeida registra o seguinte:

Romagem: Lit. dos degraus ou das subidas. Deve-se ter em mente que
Jerusalém está situada a mais de 750m acima do nível do mar. Os peregrinos
subiam como que por graus ou níveis. O termo romagem lembra que os
peregrinos viajavam em grupos (cf. Lc 2.44).31

29
FAUSTINI, João Wilson. Música e adoração, p. 61.
30
BÍBLIA DE ESTUDO ALMEIDA, Sl 120, nota de rodapé “a”.
31
BÍBLIA DE ESTUDO ALMEIDA, Sl 120, nota de rodapé “b”.

105
Mas o uso mais provável era dos peregrinos que vinham às festas enquanto se
dirigiam à capital (Êx 23.14-17). Existe uma hipótese sobre o uso destes salmos
durante a peregrinação:32

• Sl 120, quando deixassem a cidade;


• Sl 121, quando avistassem os montes da Cidade Santa;
• Sl 132, no último ponto de parada, antes que entrassem em Jerusalém;
• Sl 133, durante a entrada na cidade;
• Sl 134, quando entrassem nos portões do templo.
• Os salmos restantes, que falam da queda e restauração de Jerusalém e do
templo, teriam sido cantados no caminho.

9.3.4 A participação do povo

Deve ter sido pouca. Razões:

a) A forma poética dos salmos requeria treino especial que os levitas recebiam de
seus hábeis músicos.
b) Os salmos não são construídos em métrica, tendo grande liberdade na questão
de acentos rítmicos; portanto, requeria bastante ensaio; provavelmente, era
necessário praticar a cantilena de cada salmo separadamente.
c) O povo todo não participava regularmente dos ofícios do templo, pois muitos
moravam muito longe para que isso pudesse acontecer.

Alguma participação do povo, no entanto, parece que havia. Seria apenas


com algum “Amém” ou algum “Aleluia” responsivos em certas partes do ofício.
Vemos um exemplo dessa prática por ocasião da instituição dos levitas cantores e
músicos. Após o canto do salmo “todo o povo disse: Amém! E louvou ao Senhor” (1
Cr 16.36). Outras exceções seriam os salmos do “Halel” (113-118), cantados na
Páscoa, e os “Cânticos de Romagem” (120-134), cantados pelos peregrinos.

9.3.5 O modo de interpretação e execução

32
KRETZMANN, Paul E. Christian Art, book two: a handbook of liturgics, hymnology, and heortology,
p. 311-341.

106
a) Interpretação. Possivelmente semelhante ao canto gregoriano, pois é o canto
mais antigo que temos anotado com eficiência. No entanto, é de se notar que o
canto gregoriano foi anotado em pauta semelhante à nossa somente no século X
de nossa era. Nota: A leitura dos salmos deve ter sido feita por cantilena, não
por um canto melodioso, mas por uma declamação cuidadosa com certos
acentos no texto. Este modo de declamação está referido no Talmude33 e pode,
consequentemente, ter estado em uso nos primeiros séculos da era cristã.
b) Execução. Antifônica, isto é, dois coros alternados. As formas de certos salmos
(ex.: Sl 136; 118.2-4) bem como o paralelismo de todos eles sugere a execução
por dois grupos alternados. O Sl 136 tem sempre o mesmo refrão: “porque a sua
misericórdia dura para sempre”. Portanto, poderia ser um salmo no qual a
congregação poderia participar, pela facilidade que poderia ser sempre a mesma
música para o responso de cada versículo.
c) Paralelismo. A construção poética dos salmos sugere que sejam cantados de
maneira antifônica (alternância entre dois grupos) ou responsorial (alternância
entre um solista e um grupo). Há três tipos de paralelismo nos salmos: sinônimo
(a segunda frase diz a mesma coisa que a primeira, mas em outras palavras – Sl
1.5; 8.4; 92.9; 93.3; 145.18); antitético (a segunda frase contrasta com a primeira
– Sl 1.6; 37.21); complementar (frases subsequentes estendem o pensamento da
primeira – Sl 1.1; 2.12; 23.4).

9.3.6 Instrumentos acompanhantes

Havia uma variedade de instrumentos usados pela orquestra do templo,


havendo exemplos de cordas, de sopro e de percussão. O número de executantes e
cantores era de 12 em cada turno, mas não estava limitado, nem confinado aos
levitas, pois algumas das famílias que casaram com sacerdotes eram admitidas
neste ofício. Os rabinos enumeraram 36 instrumentos diferentes, mas nem todos

33
Talmude. Do hebr. talmudh, ensino. Coleção de 63 livros de comentários judaicos elaborados entre
o III século a.C. e o V século d.C., e que interpretam e desenvolvem a Torá, constituindo a lei
religiosa e a civil (no Talmude, “a lei”, por antomásia, é a “lei de Moisés”, isto é, os livros revelados e
todos os preceitos da religião). SCHÜLER, Arnaldo. Dicionário Enciclopédico de Teologia.

107
estão mencionados na Bíblia. Os principais instrumentos musicais são os
seguintes:34

• Kinnor: pequena lira ou harpa. É o primeiro instrumento mencionado na


Bíblia. (Gn 4.21). Há muitas dúvidas de como era realmente este instrumento.
A harpa que Davi tocava para Saul também é denominada kinnor (1 Sm
16.23). Esta harpa ou lira era feita de madeira. Salomão mandou fazer harpas
de madeira de sândalo (1 Rs 10.11-12). O kinnor (harpa ou lira) foi usado
para expressar a alegria do retorno da arca da aliança ao templo e para o
louvor e ações de graça no templo (1 Cr 16.4-6; 25.3). Mas o kinnor também
foi citado pelos profetas Isaías e Ezequiel num contexto de alerta devido ao
pecado do povo (Is 24.8; Ez 26.13). Foi este instrumento que os judeus
cativos penduraram nos salgueiros com saudade de sua terra natal (Sl 137.2).

Kinnor
• Nebel: harpa ou saltério com até 10 cordas. A primeira menção de nebel
aparece em 1 Sm 10.5, sendo tocados à frente de um grupo de profetas. Não
poderiam ser muito grandes, pois estavam sendo carregadas em procissão.
Nos salmos nebel é citado (Sl 33.2; 57.8; 71.22; 81.2; 92.3; 108.2; 144.9;
150.3). O uso do nebel não estava restrito ao culto (Is 5.11-12).

Nebel
• Ugab: de um só tubo, semelhante à flauta ou ao oboé, dois tubos ou uma
série de tubos, semelhante à flauta de Pã (siringe). Provavelmente o
instrumento de sopro mais antigo. É citado em Gn 4.21, Jó 21.12 e no Sl
150.4.

34
McCOMMON, Paul. A música na Bíblia. STAINER, John. The Music of the Bible. Veja também
Bíblia de Estudo Almeida, anotação sobre “Instrumentos Musicais”, na p. 460 do Antigo Testamento.
As ilustrações que seguem são extraídas deste livro.

108
Ugab
• Halil: gaita, tubo, oboé, flauta. Primeiro era constituído de uma cana com
orifícios; mais tarde também foi feito de madeira, osso, chifre e marfim. É
citado na Bíblia em 1 Sm 10.5; 1 Rs 1.40; Is 5.12; 30.29; Jr 48.36. É um dos
instrumentos que também é citado no Novo Testamento: Mt 11.17; 1 Co 14.7;
Ap 18.22.

Halil
• khatsotscrah: um tubo longo de prata; trombeta. Era uma trombeta retilínea e
comprida, diferente do shophar e do keren que eram curvos. Deus havia
instruído a Moisés que ele fizesse duas trombetas (khatsotscrah) de prata
(Nm 10.1-10). Na dedicação do templo 120 sacerdotes tocaram o
khatsotscrah (2 Cr 5.12). No Sl 98.6 o shophar e o khatsotscrah são
justapostos: “com khatsotscrah (trombetas) e ao som de shophar (buzinas,
cornetas) exultai perante o Senhor, que é rei”.

khatsotscrah
• Shophar: trombeta, buzina. Tubo de chifre de carneiro, mas tarde feito de
metal. É o instrumento mais conhecido dos judeus. É usado com destaque
em dias judaicos especiais. Saul usou o shophar para anunciar ao povo a
vitória contra os filisteus (1 Sm 13.3). Ao som de shophar a arca foi trazida de
volta a Jerusalém (2 Sm 6.15). É mencionado nos salmos ( Sl 47.5; 81.3;
150.3).

Shophar35
• Toph: tamboril, pandeiro, adufe, tambor. Fabricado com uma argola de
madeira, coberta com uma membrana e com chocalhos suspensos ao redor.
35
Ilustração extraída do livro de STAINER, John. The Music of the Bible.

109
Labão teria querido despedir-se de Jacó com este instrumento (Gn 31.27).
Miriã reuniu as mulheres para festejarem a passagem do mar Vermelho com
tamborins e danças (Êx 15.20). Saul é recebido por um grupo de profetas
tocando toph (1 Sm 10.5). Este instrumento não é mencionado em conexão
com os cultos do templo.

Toph
• Tseltslim: címbalos, pratos. Um dos instrumentos utilizados por ocasião do
retorno da arca a Jerusalém (2 Cr 6.5). No Sl 150.5 vemos que o som dos
tseltslim era “sonoro” e “retumbante”.

tseltslim

Nota: Selá é uma palavra que ocorre 71 vezes no texto hebraico dos salmos.
Não se tem certeza do seu significado; talvez signifique “levantar”. Deduz-se que
seja a indicação de um interlúdio instrumental ou floreio ou uma pausa para o povo
inclinar-se para a oração.

[sub 2] Conclusões possíveis da música dos judeus, segundo Liemohn36


1. O canto dos israelitas era apreciado pelos babilônios (Sl 137.3).
2. Não havia ainda a harmonia; isto é um desenvolvimento bem mais recente.
3. Não tinham sistema de notação musical que pudesse ser interpretado por
alguém que não estivesse familiarizado com sua música.
4. Seus instrumentos produziam apenas poucos tons: trombetas, harpas e
órgãos mencionados no Antigo Testamento eram bem primitivos.
5. Seus cânticos eram mais em estilo recitativo.
6. A música era uma parte vital no culto judaico.

36
LIEMOHN, Edwin, The Singing Church, p. 5-7.

110
7. A participação da congregação no canto era pouca. Normalmente, a
congregação não cantava no ofício, mas juntava-se no “Amém” (cf. 1 Cr
16.36).
8. O tipo de canto usado era o canto antifônico (os Salmos têm estrutura
antifônica). Vemos esta característica também expressa em Ed 3.10-11 e Ne
12.31, 38, 40.
9. Pelo menos às vezes as mulheres tomavam parte na música do culto com
canto e instrumentos (1 Cr 25.5-6).
10. A palavra “hino” era de uso comum no tempo do nascimento de Cristo e era
usada para significar uma canção de louvor a Deus (embora pareça que o
canto pela congregação nunca teve importância significativa no ofício judaico
do templo). O cântico hebraico vem, pelo menos, desde o ofício de culto do
tempo de Davi (1 Cr 16.17).
11. O termo “Sela”, encontrado em diversos salmos, geralmente é interpretado
como referido a um interlúdio instrumental pelas trombetas. O shophar, algo
semelhante à nossa corneta, tem sido o instrumento litúrgico para os judeus
desde o incidente de Abraão oferecendo seu filho.
12. Os aspectos práticos dos salmos são ilustrados pelos vários propósitos para
os quais eles foram escritos. Temos salmos congregacionais, como o 95:
“Vinde, cantemos ao Senhor com júbilo”; salmos particulares, como o 22:
“Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” e outros conhecidos
como Reais, Salmos de Sabedoria, Salmos Proféticos.
13. O uso de música instrumental no ofício judaico morreu após a destruição do
templo no ano 70 d.C.
14. A separação de sexos foi instituída pelos judeus para impedir a prática
religiosa ofensiva dos povos vizinhos e para preservar a pureza do culto.
15. Com o nascimento do cristianismo o cântico hebraico tornou-se o núcleo para
desenvolver-se a música da nova Igreja.

Questões
1- Os Salmos eram cantados pelos levitas acompanhando os sacrifícios diários.
Alguns Salmos faziam parte das celebrações de festas especiais como a Páscoa.
Com o canto dos Salmos, Deus era
a-( ) Louvado pelos seus poderosos feitos.
b-( ) Deus perdoava os pecados dos fiéis.

111
c-( ) Deus oferecia sua graça a quem cantava com convicção e fé.
d-( ) Deus oferecia bênçãos especiais na Páscoa a quem cantasse os Salmos junto
com os levitas.
e-( ) Deus prometia prosperidade a quem ouvisse com fé no canto dos levitas.

2- Os levitas tinham a incumbência de cuidar do culto no Antigo Testamento e de


tudo o que envolvia o trabalho para que o culto pudesse acontecer. Dentre os levitas
havia os músicos que estavam presentes em todas as celebrações. Eles tinham um
preparo especial para tocar instrumentos e cantar os Salmos, antes de iniciarem sua
participação como músicos nos cultos. O povo não tinha grande participação no
canto dos Salmos porque
a-( ) Era iletrado e não podia ler o texto dos Salmos.
b-( ) Era proibido de cantar os Salmos, pois isto era função apenas dos levitas.
c-( ) O canto dos Salmos era permitido apenas no templo.
d-( ) A teoria musical era muito complicada.
e-( ) Não estava sempre presente nos ofícios de sacrifícios diários e regulares do
templo.

3- Nos Salmos o louvor a Deus é bastante grande, como por exemplo está escrito no
Salmo 117.1: “Louvai ao SENHOR vós todos os gentios, louvai-o todos os povos”. A
motivação para o louvor a Deus vem
a-( ) Daquilo que Deus realiza em favor das pessoas.
b-( ) Do fundo do coração crente que está liberto de todos os pecados e não peca
mais.
c-( ) Pela natureza que prova a criação divina.
d-( ) Do estímulo que crentes dão para que mais descrentes se convertam.
e-( ) Da emoção criada no coração do crente.

4- Liste duas razões que nos levem à conclusão de que o povo do Antigo
Testamento não dominava o canto de todos os salmos. Quais os salmos que o povo
saberia cantar e por quê?
5- A seção de Salmos 113 a 118 é chamada de Halel (aleluia) e era utilizada nas
festas religiosas de Israel, especialmente na Páscoa. Leia cada um destes salmos e,
numa sentença, escreva o conteúdo de cada salmo. Utilize 7 a 10 linhas para a sua
resposta.

Referências

FAUSTINI, João Wilson. Música e adoração. São Paulo: Imprensa Metodista, 1973.

112
HUSTAD, Donald P. Jubilate! A música na igreja. Tradução de Adiel Almeida de
Oliveira. São Paulo: Vida Nova, 1986.
LIEMOHN, Edwin. The Singing Church. Columbus: The Watburg Press, 1959.
KIDNER, Derek. Salmos 1-72. Tradução de Gordon Shown. São Paulo: Vida nova,
1981.
KRETZMANN, Paul E. Christian Art, book two: a handbook of liturgics, hymnology
and heortology. Saint Louis: Concordia Publishing House, 1921.
McCOMMON, Paul. A música na Bíblia. Tradução de Paulo de Tarso Prado da
Cunha. Casa Publicadora Batista, 1963.
REYNOLDS, William J., PRICE, Milburn, MUSIC, David W. A Survey of Christian
Hymnody. Carol Stream: Hope Publishing Company,1999.
STAINER, John. The Music of the Bible. New York: Da Capo Press, 1970.

Chave de respostas

1- a
2- e
3- a

113
10 O desenvolvimento da música cristã desde o NT até a
Reforma do Séc. XVI

A música sacra, desde os tempos do Novo Testamento, passou por um longo


processo de transformações, de aprimoramentos e também de controvérsias. Esta
também está presente em todas as denominações, e, em inúmeros casos, não
conhece barreiras denominacionais, pois, músicas ou hinos semelhantes são
utilizados por grupos diversos. Mas a música nem sempre teve um desenvolvimento
muito pacífico dentro da Igreja. Já nos primeiros séculos do cristianismo havia a
controvérsia se seria conveniente usar novos textos para os hinos ou somente textos
diretamente da Bíblia.

10.1 Citações no Novo Testamento

Os primeiros cristãos naturalmente cantaram dos salmos do Antigo


Testamento, especialmente aqueles que o povo tinha domínio da melodia. Jesus e
os discípulos devem ter cantado dos Sl 113 a 118, que faziam parte da cerimônia da
Páscoa judaica (Mt 26.30; Mc 14.26). Os cânticos do Novo Testamento, que eram
também em forma de salmos, também podiam ser utilizados para serem cantados: O
Magnificat (Lc 1.46-55), o Benedictus (Lc 1.68-79), o Gloria in excelsis (Lc 2.14) e o
Nunc dimitis (Lc 2.29-32).
Mas o Novo Testamento nos mostra também a influência grega na música
cristã. Em Ef 5.19 e em Cl 3.16 Paulo estimula os cristãos a louvarem “com salmos,
hinos e cânticos espirituais”. O que significam? “Salmos” sem dúvida são os do
Antigo Testamento e, talvez, sejam também os cânticos arrolados por Lucas (1.46-
55; 1.68-79; 2.29-32). “Hinos” no grego clássico eram cânticos em louvor a um deus
ou um herói. No Novo Testamento há algumas referências de possíveis hinos
primitivos cristãos: Efésios 5.14; 1 Timóteo 3.16; 2 Timóteo 2.11-13. “Cânticos
espirituais” parece sugerir cantos mais livres e informais, mas é difícil fazer uma
distinção clara entre “hinos” e “cânticos espirituais”. O que fica claro é que a
expressão de louvor e alegria do crente, através do canto, pode ser diversificada e é
bem-vinda (At 16.25; Rm 15.9; Tg 5.13).

114
10.2 Referências de escritos históricos

Filo de Alexandria (século I), menciona uma seita de ascetas conhecida como
Therapeutae. Filo diz que são formados dois coros, um de homens e outro de
mulheres, tendo cada qual um líder. Cantam hinos compostos em honra a Deus, às
vezes em conjunto, outras vezes alternadamente, “uma verdadeira sinfonia
musical”.37
Tertuliano (160?-230?) em sua “Apologia” descreve uma festa de ágape,
mencionando que “após o lavar das mãos e o acender de lampiões, a cada um é
dada a oportunidade de postar-se no meio e cantar a Deus das escrituras divinas ou
de sua própria invenção”.38 Este relato mostra que estavam em uso também hinos
que não eram passagens diretas das Escrituras.
São João Crisóstomo (345-407), bispo de Constantinopla, mostra em uma
citação a alta estima dos salmos de Davi, apesar da posição importante que os
hinos já estavam tomando então. Ele afirma que o canto nas vigílias, nas procissões,
nos funerais e sepultamentos, nos mosteiros e conventos, “Davi é o princípio, meio e
fim”.39
Santo Agostinho, bispo de Hipona (falecido em 430), também menciona a
música em suas “Confissões”. Apesar do debate sobre o uso ou não da música na
Igreja, Agostinho era favorável à música na Igreja e era de opinião que esta não
deveria ser usada para fins carnais e sensuais. Agostinho introduziu o canto de
salmos na hora das ofertas nos ofícios da Igreja Africana, iniciando, desse modo, o
Ofertório.

10.3 O uso de instrumentos

Com o advento do cristianismo, o uso de instrumentos no culto entrou em


declínio. O Novo Testamento não faz menção de uso de instrumentos no culto e tem
também pouquíssimas referências a instrumentos de modo geral. Como regra, não
eram permitidos instrumentos na Igreja Antiga, talvez por causa de sua associação
com festividades pagãs (Clemente permitia a lira e a cítara por serem instrumentos
que Davi também teria usado).

37
Citado por LIEMOHN, Edwin, The Singing Church, p. 9.
38
MUSIC,David W. Hymnology: a collection of source readings, p. 8.
39
Citado por LIEMOHN, Edwin, op. cit., p. 10.

115
Eusébio (falecido cerca de 340), bispo de Cesareia, na Palestina, e autor de
história eclesiástica, expressou seu desagrado no uso de instrumentos na Igreja.

10.4 Controvérsia hinológica

O uso de hinos na Igreja foi controvertido. Os mosteiros orientais dos séculos


IV e V usaram salmos e viam com desagrado o uso de hinos. A razão disso é que
grupos como os arianos e os gnósticos usavam hinos em grande quantidade para
difundir suas heresias. Isso causou certa oposição à música de qualquer tipo na
Igreja e aos hinos em particular. No entanto, as igrejas de Alexandria, Jerusalém,
Antioquia e Bizâncio aceitaram a música como parte integrante de seu culto. Mas a
maioria dos cristãos considerava a música praticada pelos gentios como diabólica e
achavam que deveriam opor-se a ela e proteger especialmente os jovens de seus
efeitos.
Crisóstomo, observando a eficácia do canto de hinos dos arianos, organizou
uma série de procissões à noite com cantos a fim de rebater os arianos com sua
própria tática. Mas estas procissões muitas vezes terminavam em tumulto e
derramamento de sangue, pois participavam pessoas de ambas as facções.
Resultado: foi baixado um decreto imperial suprimindo qualquer canto de hinos pelos
arianos em público.
O uso de hinos “extrabíblicos” no culto foi um assunto de grandes debates
que se estendeu por séculos. No cristianismo primitivo, o movimento conhecido
como “Biblicismo” reduziu a quase nada a composição de hinos que não tivessem
texto extraído das Escrituras. Este movimento insistia que, além de uns poucos
hinos aprovados pelo clero, deveriam ser permitidos somente hinos derivados
diretamente das Escrituras. O Concílio de Antioquia (260) admoestou Paulo de
Samósata por rejeitar o uso de hinos, mas o Concílio de Laodiceia (380-381)
suprimiu o uso de hinos extrabíblicos.
Efraim, o sírio (falecido em 373), sabia que uma mera proibição dos hinos
gnósticos de nada adiantaria – o ritmo e a melodia destes hinos tinham influenciado
tanto as mentes e os corações do povo que uma simples ordem de abandono destes
hinos não desviaria seus pensamentos deles. Por isso, a tática de Efraim foi
enfrentar a influência herética com hinos ortodoxos. Por esta atividade ele foi
celebrado na Igreja Antiga como “Lira do Espírito Santo” e “Profeta dos Sírios”.

116
Outro músico precisa ser destacado dentro da Igreja Antiga. É Ambrósio,
bispo de Milão (374-397) que foi o hinista mais destacado de seu período. Ambrósio
emigrou para o Ocidente após romper com a imperatriz Justina e seus seguidores
do movimento herético dos arianos. Ele estava familiarizado com o canto de hinos
do Oriente e foi o primeiro a introduzi-los com sucesso no Ocidente. Sentiu que o
canto de hinos era um caminho eficiente para encorajar os ânimos de sua
congregação em Milão.

Ambrósio também introduziu quatro escalas na música sacra: dórica, frígia,


eólia e mixolídia. Os hinos eram cantados nas notas destas escalas. Ambrósio
também é pioneiro por introduzir o canto antifonal em sua região (utilização de dois
corais), para o canto dos salmos. Esta prática espalhou-se em Roma e foi
oficialmente adotada pela Igreja durante o papado de Celestino I (422-432).
Embora a participação de mulheres no culto tenha sido tradicionalmente
insignificante, Ambrósio insistia que as mulheres também deveriam cantar.

10.5 A transferência do canto congregacional para o coro e o clero

Exemplos de escritos históricos nos mostram que nos primeiros séculos da era
cristã o canto de hinos fazia parte das assembleias do culto cristão. Passado o
tempo da perseguição e com a chegada da liberdade religiosa com o edito de Milão
do imperador Constantino em 313, estava aberto o caminho para o desenvolvimento
de uma ordem de culto que, no decorrer do tempo, eliminaria o canto
congregacional. Hinos acolhidos pela Igreja foram incorporados na liturgia, que
passou a ser oficiada pelos sacerdotes e por cantores treinados.
O Concílio de Laodiceia (cerca de 350) havia regulamentado que somente
deveriam cantar no ofício cantores devidamente designados no ofício religioso. Para
isso foram estabelecidas as Schola Cantorum. Nestas escolas exigia-se um alto
padrão; havia interesse em bom canto e boas vozes. São Bento, o fundador do
monasticismo ocidental, defendia até o castigo corporal aos meninos que não
pudessem cantar no tom.
O desenvolvimento de uma ordem de culto formal foi grandemente favorecido
pela Schola Cantorum que treinava os cantores. O Edito de Constantino favoreceu
também a construção de muitas igrejas de grandes proporções (Roma tinha mais de

117
40 basílicas no início do século IV). O resultado disso foi que no final do século IV o
canto da congregação estava praticamente assumido pelo coro. Algumas partes
continuavam sendo da congregação até o século VI, tais como o Kyrie, Gloria in
excelsis e o Sanctus. Um solista cantaria partes como o Gradual, Trato e Ofertório.

10.5.1 O canto gregoriano

O canto gregoriano consiste especificamente do canto eclesiástico conforme


selecionado e anotado por Gregório I, o Grande, papa de 590 a 604. O canto
gregoriano é monofônico, sem acompanhamento, não tem grandes saltos, tem
pequena extensão da nota mais grave para a mais aguda e não é métrico; o texto
sempre é em latim e determina o ritmo da música. As escalas do canto gregoriano
utilizam apenas as teclas brancas do teclado.
O canto gregoriano logo se espalhou por toda a Igreja ocidental, tornando-se
a norma para a música na Igreja. Carlos Magno (imperador de 800-814 e fundador
do Santo Império Romano), durante o seu reinado, enviou monges a Roma para
aprenderem o canto e então os instalou como professores nos mosteiros. Ordenou
que todos os livros de cantos ambrosianos fossem queimados para manter a
uniformidade na música religiosa. A Igreja Romana prosperou e foram estabelecidos
igrejas, escolas e mosteiros por toda a Europa, e a prática do canto gregoriano era
uma parte integral desta expansão.
No entanto, é preciso deixar claro que o canto gregoriano não era
congregacional. Ele precisa de muito treino para poder ser cantado adequadamente.
O canto gregoriano tem muitas notas para cada sílaba e é adequado para coro
treinado. Ele é feito para coro duplo, ou seja, uma parte do coro canta a primeira
parte do versículo de salmo e outro grupo canta a segunda parte. Ou então um
solista canta a primeira parte do versículo e o coro canta a segunda parte. Este tipo
de canto não é para a congregação. Por volta do século X, o canto gregoriano
entrou em declínio.

10.5.2 O desenvolvimento da notação musical

118
No século VIII, começou-se a adotar o uso de neumas, que eram sinais
colocados acima do texto em distâncias proporcionais para indicar a subida e a
descida da linha melódica. Este sistema era menos eficiente que o anterior na
questão do tom, mas apontava o número de notas a serem cantadas para cada
sílaba, o que era importante para a música da época. No entanto, este sistema
servia apenas como um guia para alguém que já estava familiarizado com a
melodia. Este sistema estava em uso em toda a Europa pelo século X.
No início do século X, começou-se a traçar uma linha em vermelho
representando a nota “fá”. Os neumas eram então colocados a distâncias variadas
acima e abaixo desta linha para indicar os tons em relação a ela. Uma segunda linha
foi adicionada depois acima da linha “fá”, em amarelo, para indicar o tom de “dó”. Os
tons destas duas notas estavam agora indicados claramente e, ao mesmo tempo, os
tons intermediários também estavam mais definidos. Em alguns manuscritos ambas
as linhas estavam em preto com as letras “F” e “C” (“fá” e “dó”) localizadas no início
das linhas, introduzindo, assim, a função de nossas claves atuais.
Guido de Arezzo (980-1050), monge beneditino, que viveu em Arezzo, Itália,
introduziu a pauta de 4 linhas junto com a notação neumática. Utilizou-se de um hino
a São João Batista para dele extrair o nome das notas. Este hino, composto por
Paulo, o Diácono (falecido em 795), começava cada verso num tom sucedente.
Guido utilizou-se da primeira sílaba de cada verso para dar nome às notas.
Ut queant laxis, Resonare fibris, Mira gestorum, Famuli tuorum, Solve polluti,
Labii reatum, Sancte Johannes (“Que teus servos possam cantar dignamente as
maravilhas de teus atos, remove toda a mancha de culpa de seus lábios impuros, ó
Santo João”).
A nota “si” foi formada com as iniciais de “Sancte Johannes”. A sílaba ut foi
mudada para “dó” no século XVI.

10.5.3 O Organum

Perto do ano 900, surge uma tentativa de fazer música a mais vozes: é o
chamado organum primitivo. Todas as vozes sobem e descem juntas em intervalos
de 4ª, 5ª e 8ª. Num organum a voz que servia de base para a composição era uma
melodia extraída do repertório do canto gregoriano. Esta voz era chamada vox
principalis. As outras vozes eram chamadas de vox organalis.

119
10.5.4 O Conductus

O conductus polifônico surge no século XIII e é arranjado sobre um poema


métrico latino. Duas, três ou quatro vozes movem-se em ritmo similar e cantam o
texto em conjunto. Os textos são de poemas latinos em métrica. Raramente são
litúrgicos, mas quase sempre são temas sacros. Normalmente, para cada nota há
uma sílaba. O conductus é uma composição nova, ou seja, não empresta material
do gregoriano para a vox principalis ou tenor.

10.5.5 O Moteto

No século XIII, surge também o moteto. Palavras foram muitas vezes


adicionadas à voz superior de um organum num trecho em que havia muitas notas
para uma só sílaba. Isso produziu um novo gênero musical chamado de motet (do
francês mot, que significa “palavra”). O moteto tem as seguintes características:

• O “tenor” ou cantus firmus é um trecho de um canto gregoriano. As demais vozes


são novas composições. [Exs.: Moteto sobre “Domino” da Escola de Notre Dame
de Paris, composto por volta de 1225]. No século XIV, começam a aparecer
também melodias profanas no cantus firmus. Do século XV em diante, o
compositor passa a compor também o “tenor” ou cantus firmus.
• As demais vozes (chamadas “duplum” ou “motetum”, “triplum”, “quadruplum”)
cantam o texto que lhes é destinado.
• Cruzamento de vozes era comum nos motetos dos séculos XIII e XIV, ou seja,
uma voz aguda pode ir abaixo de uma mais grave e vice-versa. Mas depois
começa a haver separação distinta de todas as vozes.
• A politextualidade (para cada voz um texto diferente) é uma característica do
moteto nos séculos XIII e XIV. Ocorrem até línguas diferentes numa mesma
música, cantadas ao mesmo tempo. Também textos profanos e religiosos eram
misturados numa mesma música.
• O Concílio de Trento (1545-1563) proibiu a politextualidade e os textos profanos
e exigiu que as palavras fossem compreensíveis para a música religiosa católica.

120
Giovanni Pierluigi da Palestrina serviu de exemplo para a música sacra da época,
compondo a Missa Papae Marcelli.

10.6 A Reforma e o ressurgimento do canto comunitário

[sub 2] a. Lutero e seu trabalho com a música


Lutero teve bom treinamento musical e considerava a música uma poderosa
aliada da Igreja. Em conjunto com seus auxiliares na música, Conrad Rupsch,
Ludwig e Johann Walter, a música foi reorganizada para assumir novas funções no
culto. Hinos honrando a Virgem Maria e os santos foram alterados para se ajustarem
à nova Igreja. Os reformadores não tiveram a atitude de eliminar o que havia, mas
reformar e preservar para seu próprio uso aqueles elementos do culto que eram
compatíveis com suas doutrinas.
O canto comunitário foi uma das grandes mudanças introduzidas no culto da
Igreja Luterana. Lutero reconheceu o canto de hinos como uma arma poderosa para
a sua causa. Lutero insistia que os hinos deveriam expressar o caráter do dia e o
conteúdo do culto, mesmo que houvesse certa liberdade na escolha de hinos.
O coro também tinha seu lugar no culto da Igreja Luterana primitiva. O coro
liderava o canto comunitário cantado em uníssono. Se não houvesse coro, um
cantor ou sacristão conduzia o canto. Às vezes, o coro também cantava um arranjo
de três a cinco vozes com a melodia do hino, chamada cantus firmus, no tenor.
Aqueles que soubessem a melodia poderiam cantá-la junto com o coral.

[sub 2] b. Os hinos de Lutero


Lutero compôs, adaptou e traduziu mais de trinta hinos. Em 1524, foi
publicado em Wittenberg o primeiro hinário luterano (Etliche Christlich Lieder), com
oito hinos, dos quais quatro eram de Lutero, três de Speratus e um de autor
desconhecido. Em 1526, foi publicado em Erfurt um hinário com 36 hinos e, após
isso, o número de hinos e hinários cresceu bastante.
Lutero utilizou diversas fontes para a letra de seus hinos. Alguns hinos são
baseados em Salmos, como o “Castelo Forte é nosso Deus” (Ein feste Burg ist unser
Gott – Hinário Luterano nº 165). É o hino mais conhecido de Lutero, mas não se tem
certeza da data de sua composição. O texto é baseado no Sl 46.

121
Lutero também fez uso de passagens bíblicas para compor alguns hinos,
como é o caso de “No templo a Isaías sucedeu” (Jesaia dem Propheten das
geschah), baseado em Is 6.1-4. Foi publicado junto com a “Missa Alemã” em 1526,
sendo chamado de “O Sanctus alemão”. Lutero também pensou nas crianças e
escreveu um hino de Natal baseado em Lucas 2, “Eu venho desde os altos céus”
(Vom Himmel hoch da komm ich her ).
Traduções de hinos latinos também fazem parte das criações de Lutero. Em
alguns hinos Lutero acrescenta estrofes, como é o caso de “Santo Espírito, ó nosso
Deus” (Komm, heiliger Geist, Herre Gott).

Outro grupo no qual podemos classificar os hinos de Lutero são aqueles hinos
oriundos do vernáculo alemão. Lutero utiliza alguns destes hinos e retrabalha-os e
também acrescenta estrofes em alguns. É o caso de “Ao Santo Espírito com fervor”
(Nun bitten sir den Heiligen Geist). Este hino é baseado em canção popular
chamada leise em alemão. É uma canção popular que termina em Kyrieleis,
característica de certas canções religiosas que o povo cantava fora da Igreja. Lutero
acrescentou mais três estrofes ao hino.

[sub 2] c. Poetas colaboradores e continuadores de Lutero


Lutero não permaneceu sozinho na tarefa da composição de hinos. Ele
solicitou que outros também compusessem hinos. Em Wittenberg, em toda a
Alemanha e em outros países, poetas começaram a escrever sobre a nova glória
que se levantara sobre a Igreja. Os colaboradores mais próximos de Lutero, nesta
tarefa, são: Justus Jonas, Johann Agrícola, Paul Eber, Elisabeth Kreuziger e Johann
Walter, o músico, que também compôs textos de canções espirituais.
Quando a Reforma foi introduzida na Prússia, em 1524, um dos grandes
amigos de Lutero serviu de meio para difundir a doutrina com seus poemas. Este era
Paul Speratus, que, junto com Lutero, publicou o primeiro hinário luterano.

[sub 2] d. Músicos da Reforma


O próprio Lutero compôs algumas melodias de hinos. O grande músico
Johann Walter era seu braço direito em preparar a música para a liturgia e em
arranjar as melodias para as versões germânicas. George Rhau, músico e

122
compositor, foi também o principal editor de música da Reforma. Também outros
compositores trabalharam em hinos no período da Reforma.

O coral luterano, nascido na Alemanha, espalhou-se por outros países,


levando em sua caminhada bênçãos inumeráveis, tornando o povo familiarizado
com a doutrina bíblica ensinada e professada pelo protestantismo.

10.7 A Hinódia Reformada

A música na Igreja Reformada – ou sua falta – começa na Suíça com Ulrico


Zwínglio. Ele suspendeu o uso da canção coral latina em 1526 e proibiu o canto de
salmos e hinos alemães no ano seguinte. Sua congregação não tinha órgão.
Após a morte prematura de Zwínglio, que se deu em 1531, João Calvino se
estabeleceu na Suíça. Suas “Instituições da Religião Cristã” foram lançadas em
1636. Mas, como sua confissão de fé era muito rígida e inflexível, o povo o expulsou
da cidade. Por isso Calvino foi a Estrasburgo, na Alemanha, onde ficou inteirado do
canto de hinos dos luteranos. Em 1541, ele retornou à Suíça e, talvez motivado pelo
canto dos alemães, atendendo ao pedido do povo local, introduziu o canto de
salmos pela congregação. Hinos ele não permitia, pois não provinham da “única
fonte da verdade”, a Bíblia. Com isso iniciou-se a prática da salmodia, que até hoje
continua em algumas igrejas calvinistas.
Ajudantes de Calvino foram os poetas Marot e Beza, que fizeram a
versificação dos salmos. Estes salmos metrificados tornaram-se o hinário oficial da
Igreja Reformada, traduzidos em diversas línguas para uso em diversos países.
A preocupação da música para o Saltério foi empreendida por Louis
Bourgeois. Ele descartou algumas melodias em uso, adotou outras, algumas de
fontes seculares e outras de sua própria autoria.40 Borgeois também fez arranjos a
mais vozes para os salmos, embora Calvino se opusesse a este tipo de canto.
Claude Goudimel, outro hábil compositor, completou os arranjos musicais para o
Saltério.
Não podemos dizer que Calvino tivesse objeção à música na Igreja. Mas ele
achava que a música deveria ser usada com cuidado na Igreja e não abusada.

40
No Hinário Luterano a melodia do hino 236 é de Bourgeois; a melodia 178 talvez seja também de
sua autoria.

123
A salmodia foi a prática comum das igrejas reformadas por mais de trezentos
anos. O uso de instrumentos na igreja reformada foi condenado, em grande parte
por ser considerado pecaminoso. O uso de hinos foi condenado por não conterem
textos tirados diretamente da Bíblia.

10.8 Lutero x Calvino

Embora Lutero e Calvino chegassem a conclusões diferentes com respeito à


participação da congregação na Igreja, acharam seus protótipos na mesma fonte: o
ritual do “Ofício Diário” da Igreja Romana. Lutero seguiu a ideia dos hinos latinos e
Calvino a ideia da antiga salmodia da Igreja, sendo que as duas espécies de canto
encontram-se no referido “Ofício Diário”. Também ambos os reformadores
restringiram o canto do clero e deram à congregação uma parte ativa no ofício. Aliás,
foi na música que a Igreja Protestante criou uma arte com seu próprio selo: é a
verdadeira expressão artística do protestantismo.

Conclusão

Temos da parte da Escritura tanto a aprovação, como recomendação do uso


variado de instrumentos e estilos musicais na adoração. Numerosas são as
referências, tanto do Antigo Testamento, como do Novo testamento, revelam que o
culto com muita música sempre foi do agrado de Deus. O Senhor Jesus, durante
todo o seu ministério, jamais repudiou os cultos no Templo e sua bela música, antes
adotou o hábito regular de frequentar e participar de tais cultos.

Questões

1- (Escolha simples) Assinale a única alternativa verdadeira. O canto gregoriano


foi estabelecido por um dos papas Gregório I, o Grande ou Gregório II. Este canto foi
estabelecido para dar uniformidade ao canto que deveria ser usado na igreja. O
chamado canto gregoriano se caracteriza por
a-( ) Ser um canto monofônico, em latim, sem acompanhamento instrumental e é o
texto que conduz o ritmo da música.
b-( ) Ser organizado pelo papa Gregório para dar ao povo mais facilidade no canto
congregacional.
c-( ) Ser um canto mais fácil de ser acompanhado por instrumentos
d-( ) Ser na língua do povo a fim de que todos pudessem participar.
e-( ) Ser um canto com estrofes e com rima.

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2- (Escolha simples) Assinale a única alternativa verdadeira. Os Reformadores
do Século XVI assumiram posturas diferenciadas em relação à liturgia e à música na
igreja. Lutero e Calvino fizeram uso da música em seu programa de Reforma. A
diferença entre os dois foi que:
a-( ) Calvino e Lutero queriam a música no culto, mas Calvino só com
acompanhamento de instrumentos.
b-( ) Lutero não se opunha ao uso de hinos, mas Calvino apenas admitia o canto de
salmos métricos.
c-( ) Calvino queria somente canto uníssono de hinos doutrinários e Lutero admitia
cantos polifônicos.
d-( ) Lutero queria somente hinos com textos bíblicos e Calvino compunha hinos
com conteúdo doutrinário.
e-( ) Calvino admitia apenas hinos com conteúdo doutrinário e Lutero também
admitia hinos com conteúdo de fraternidade.

3- (Escolha simples) Assinale a única alternativa verdadeira. Lutero sempre


defendeu a ideia de que através da liturgia e, especialmente, dos hinos a
comunidade pudesse ser edificada e instruída. A doutrina defendida por Lutero como
central para a fé cristã aparece frequentemente em seus hinos. Esta doutrina é:
a-( ) A santificação que Deus imprime no crente.
b-( ) A conversão e decisão de seguir a Jesus.
c-( ) As boas obras e a vida santificada.
d-( ) A justificação por graça, pela fé.
e-( ) A segunda vinda de Cristo em glória.

4- Como Lutero utilizou o canto congregacional e o coro?


5- Cite as fontes de Lutero para a composição de seus hinos.

Referências

BLUM, Raul. Lutero e os escritos em forma de poemas e hinos. In: Lutero, o escritor:
fórum ULBRA de Teologia, vol. 3, p. 67-115. Canoas: ULBRA, 2005.
DAVIDSON, Archibald e APEL, Willi. Historical Anthology of Music. Cambrige e
Massachusetts: Harvard University Press, 1948.
LIEMOHN, Edwin. The Singing Church. Columbus: The Watburg Press, 1959.
LUTERO, Martinho. Hinos. In: Martinho Lutero: Obras Selecionadas, vol. 7. São
Leopoldo e Porto Alegre: Sinodal e Concórdia, 2000, p. 473-573.
KRETZMANN, Paul E. Christian Art, book two: a handbook of liturgics, hymnology
and heortology. Saint Louis: Concordia Publishing House, 1921.
PALISCA, Claude V. Norton Anthology of Western Music: ancient to baroque. Vol. 1.
Nova York e Londres: WW. Norton Company, 1996.

125
PIETZSCH, Paulo G. Culto e Música no Contexto Cristão. Canoas: Ed. ULBRA,
2003. (Caderno Universitário).
REYNOLDS, William J., PRICE, Milburn, MUSIC, David W. A Survey of Christian
Hymnody. Carol Stream: Hope Publishing Company, 1999.

Chave de Respostas
1- a
2- b
3- d

Considerações Finais

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O significado da palavra “culto cristão” subentende uma abordagem histórica,
teológica, sociológica e prática, não deixando de considerar o contexto. Com a
abordagem da terminologia procurou-se demonstrar a riqueza de palavra que
expressam a relação do Criador com as criaturas e vice-versa. A abordagem a partir
do Antigo Testamento procurou demonstrar que muitos elementos do culto cristão já
estavam presentes no culto de Israel.
Culto é forma e, como tal, acontece no espaço e no tempo. Vê-se assim a
simbologia das cores, do calendário litúrgico e das festas maiores e menores. Na
abordagem sobre as origens do culto cristão, demonstrou-se os elementos herdados
do povo hebreu, os acontecimentos do Novo Testamento e os primeiros séculos de
desenvolvimento.
O estudo do culto a partir de Lutero também foi relevante, visto que o período
da Idade Média foi de grande prejuízo e decadência para o mesmo. No período pós-
Reforma estudou-se sobre vários movimentos que tiveram impacto sobre o culto, a
te que, no século XIX, houve um movimento de restauração. Além deste, também
nesse século formou-se o Sínodo de Missouri, do qual surgiu a Igreja Evangélica
Luterana do Brasil.
Como a música também tem um papel importante no contexto do culto
cristão, um significativo estudo foi feito sobre a sua importância e fundamentação
teológica para o seu uso.
Culto e Música no Contexto Cristão procura demonstrar essa significativa
forma de relação de Deus com o seu povo, e deste com Seu Senhor e Salvador.

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