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O fim do Ministério do Esporte: boa ou má notícia?

Cleber Dias *

cleberdiasufmg@gmail.com

A eleição de Bolsonaro alarmou setores ligados aos esportes. O


motivo das preocupações, porém, não estava nas suas
filosofias políticas ou nas suas declarações polêmicas. Eram
bem mais mundanas as razões do sobressalto.

Ainda durante o segundo turno das eleições, o presidente do


Comitê Olímpico Brasileiro manifestou preocupações quanto
ao futuro dos investimentos governamentais para o setor, que
beneficiam grandemente instituições como o próprio Comitê
Olímpico Brasileiro.[1]

Confirmada a eleição de Bolsonaro, Leandro Cruz, atual


Ministro do Esporte, queixou-se do fato de sua equipe não ter
sido procurada pelo grupo responsável pela transição de
governos. Segundo ele, a falta de interesse prenunciava a
pouca importância política que o novo governo pretendia
atribuir aos esportes.[2]

Como reação, Leandro Cruz tentou justificar a importância de


um ministério exclusivamente dedicado aos esportes em artigo
na Folha de São Paulo. Segundo dizia esse artigo, mais que
bons resultados em competições internacionais, ações
governamentais para o setor esportivo justificam-se pelas suas
supostas capacidades de promover “inclusão social”. Nas
palavras do ministro: “Somos um ministério que mostra
resultados sociais. Todos sabemos dos benefícios do esporte
na saúde, para geração de empregos e na prevenção à
violência”.[3]

Mas, afinal, faz sentido reivindicar a existência de um


Ministério do Esporte? O Ministério do Esporte de fato tem
“resultados sociais” para mostrar? Porque seria benéfico ou
vantajoso para o país uma estrutura institucional desse tipo?
Seria correto que os esportes podem prevenir a criminalidade,
melhorar os índices de educação, gerar empregos e promover

*Professor do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Estudos do Lazer, da


Universidade Federal de Minas Gerais.
1
a “inclusão social"? Há algum fundamento objetivo para essas
crenças? O que nos dizem as evidências disponíveis?

Primeiro, esportes não oferecem oportunidades amplas e


efetivas de emprego ou ascensão social. Em 2015, mais de 80%
dos jogadores de futebol do Brasil – que é a modalidade com
maiores oportunidades profissionais de trabalho e renda –
ganhavam apenas até R$ 1.000 por mês, conforme dados
oficiais da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).
Comparados com dados do Ministério do Trabalho, é um
salário médio inferior ao de categorias profissionais como as de
“garçom”, “ascensorista”, “ajudante de pedreiro”, “tratador de
porcos” e “catador de material reciclável”. Além disso, a maioria
dos contratos de trabalho no futebol é temporário, restrita ao
primeiro semestre do ano, quando se realizam os campeonatos
estaduais. Depois disso, cerca de 60% desses jogadores têm os
contratos de trabalho rescindidos e estão oficialmente
desempregados.[4]

Um estudo da Fundação João Pinheiro, considerando um


amplo universo de ocupações possíveis no setor esportivo,
indicou rendimentos médios mensais ainda menores, entre R$
487 e R$ 560 (em 2010). Segundo este estudo, cerca de 70%
dos atletas auferem rendimentos abaixo do salário mínimo e
necessitam de uma segunda ocupação. Além disso, conforme
indica o estudo, as oportunidades de trabalho nessa área são
limitadas, respondendo por menos de 0,5% das vagas de
emprego formal no Brasil (a maioria em atividades de
condicionamento físico, que em certa medida se diferenciam de
esportes propriamente ditos). Não bastasse, entre 2007 e 2012,
o desempenho do setor foi inferior ao da média dos demais
setores econômicos do país.[5]

Se emprego e salário parecerem boas estratégias para a


“inclusão social”, os interessados nesse assunto talvez devam
buscar outras alternativas que não os esportes. Por mais
tocantes que sejam casos de atletas que obtiveram
prosperidade por meio dos esportes, tratam-se de exceções que
apenas confirmam a regra.

2
Afora limitações na capacidade do setor esportivo oferecer
empregos e assim oportunidades de ascensão social, boa parte
dos investimentos governamentais nessa área não se destinam
a propósitos de promoção da saúde, estímulo a participação
esportiva ou mesmo a tal “inclusão social” – apesar desses
tópicos serem frequentemente citados pelos que saem em
defesa do envolvimento governamental com esportes, como fez
o atual ministro Leandro Cruz e como fazem vários outros que
se engajam nessa causa.

Há poucos meses, quando o governo de Michel Temer


anunciou a criação de um Fundo Nacional para Segurança
Pública, que seria em parte constituído por recursos antes
destinados aos esportes, uma ampla coalização se mobilizou a
fim de tentar reverter a decisão. Durante audiência na
Comissão de Esporte da Câmara, o velejador Lars Grael,
superintendente de relações institucionais do Comitê
Brasileiro de Clubes, classificou a medida como um “equívoco
histórico” e um “crime lesa pátria”.[6] O judoca Tiago Camilo,
presidente da comissão de atletas do Comitê Olímpico
Brasileiro, sugeriu que a diminuição de gastos no esporte
comprometeria medidas de combate à violência.[7] Por meio de
um vídeo na internet, o tenista Gustavo Kuerten também se
manifestou, classificando a medida como “totalmente
insensata”; um “ato de desespero e covardia”, ele disse.[8] O
ex-jogador de futebol Raí, a ex-jogadora de basquete Magic
Paula e Louise Bezerra, ligados a organização Atletas pelo
Esporte, também criticaram a medida. Segundo
argumentaram, a expectativa de diminuição de recursos do
Ministério do Esporte era “um gol contra para as áreas que têm
impacto na prevenção da criminalidade”. Segundo eles,
“esporte e educação são parte da estratégia utilizada com êxito
em diversos países para diminuir os índices de
criminalidade”.[9] Até o Colégio Brasileiro de Ciências do
Esporte, associação científica que reúne estudiosos brasileiros
dos esportes, publicou uma manifestação contra a medida,
onde se destacava o esporte e o lazer como "direitos sociais
inalienáveis".[10]

Nenhuma dessas declarações, contudo, parece ter levado


suficientemente em conta a dureza terra-a-terra das políticas
de esportes no Brasil, onde cerca de 70% dos recursos públicos

3
gastos nessa área destinam-se ao alto rendimento.[11]
Conforme disseram Felipe Sigollo e Pedro Trengrouse,
respectivamente, atual secretário executivo adjunto do
Ministério do Esporte e professor da Fundação Getúlio Vargas,
“sob a ótica do alto rendimento, o Brasil, sem dúvida, está
entre os países com maior investimento esportivo nos últimos
anos. Foram R$ 8,3 bilhões nos estádios da Copa, R$ 7,2
bilhões nas arenas dos Jogos Olímpicos e, desde 2001, quase
R$ 10 bilhões das loterias destinados ao Ministério do Esporte,
Comitê Olímpico do Brasil, clubes de futebol, Comitê
Paralímpico Brasileiro, Comitê Brasileiro de Clubes e
Federação Nacional de Clubes / A soma corrigida de incentivos
fiscais, Jogos Pan-Americanos, Mundiais Militares, Copa do
Mundo, Jogos Olímpicos e Paralímpicos —com os valores
destinados anualmente ao esporte olímpico pelas loterias e
empresas estatais— passa de R$ 100 bilhões”.[12].

Por princípio, esportes de alto rendimento oferecem poucas


oportunidades de participação, além de terem consequências
nulas ou até negativas para a maioria da população. Não
esqueçamos as violações de direitos humanos e as escassas
evidências de legados positivos dos megaeventos recentemente
realizados no Brasil.[13] A linguagem abstrata dos direitos
sociais inalienáveis pode ser comovente, mas pode também ser
enganosa e vazia de conteúdo político. Em palavras de ordem
desse tipo, genéricas e pré-fabricadas, não há diagnósticos
implícitos ou explícitos, nem tampouco o direcionamento para
reivindicações ou propostas concretas. Tudo se resume a um
palavrório velho e desgastado.

Não é um golpe do azar, portanto, que quase 59% de escolas


de ensino fundamental do país não tenham quadras
esportivas, conforme dados oficiais do Censo Escolar de 2017
(número que pode chegar a 71%, se considerarmos apenas
escolas municipais, que reúnem 64% dos estabelecimentos de
ensino fundamental do país).[14] Como se vê, 15 anos de
existência de um Ministério do Esporte fizeram muito pouco
pela “inclusão social” de crianças e jovens das escolas públicas
do país.

Em 2005, um relatório do Tribunal de Contas da União sobre


o Programa Segundo Tempo, iniciativa do Ministério do
Esporte que oferece oportunidades de práticas esportivas para

4
crianças e jovens depois do turno escolar, já apontava para
uma falta de representatividade desta ação, que atendia, na
época, apenas 1% do total da população entre 7 e 17 anos.[15]

Não foi falta de recursos, no entanto, o que impôs essa


estreiteza de horizontes e essa tibieza de resultados. Foi falta
de prioridade política pura e simplesmente. Ou melhor, foi o
predomínio de outras prioridades políticas.

Na mesma época em que ações do Ministério do Esporte


voltadas ao esporte educacional atendiam um número
reduzidíssimo de crianças e jovens, o Brasil se preparava para
sediar os Jogos Pan-Americanos de 2007, que apenas
iniciaram a abertura dos cofres públicos para a família
olímpica. Pouco depois viriam ainda os Jogos Olímpicos e a
Copa do Mundo. Nenhum desses esforços, porém, que
demandaram altos investimentos, como se sabe, não parecem
ter melhorado ou ampliado as condições de prática esportiva
das escolas brasileiras, como o provam as atuais situações da
maioria desses estabelecimentos de ensino.

Dentre as poucas e pobres ações governamentais voltadas aos


esportes educacionais, as evidências capazes de sustentar que
tais investimentos são benéficos ou eficientes são também
bastante controversas. Crianças que praticam esportes têm
vantagens educacionais decorrentes deste envolvimento?
Projetos com esportes podem de fato prevenir a criminalidade?

A literatura especializada nesses assuntos é extensa e


inconclusa. Pesquisas sobre os efeitos de esportes sobre a
educação, de maneira geral, realizadas em diferentes lugares e
a partir de diversos métodos, frequentemente indicam
resultados conflitantes.[16] Em meio a achados tão
controvertidos, nenhum estudioso sério se precipitaria em
afirmar categoricamente que projetos esportivos podem
cumprir promessas de desenvolvimento, prevenção ao crime,
combate a delinquência juvenil ou "inclusão social",
independente das circunstâncias gerais que os envolvem. Ao
contrário, existem mesmo sérias objeções acadêmicas à ideia
de que o esporte ou políticas públicas nesse setor podem afetar
condições gerais de vida e cidadania.

5
Na verdade, vários pesquisadores que estudam o assunto se
referem a suposição de que os esportes podem agenciar
transformações sociais como algo "problemático", "sem muito
efeito" ou tão somente como "ideologias carentes de
evidências". Andrew Guest, por exemplo, professor da
Universidade de Portland, nos Estados Unidos, ao realizar uma
pesquisa de campo em meio a um projeto de esportes para
residentes de um campo de refugiados na África, concluiu que
a iniciativa simplesmente não era capaz de promover os
objetivos que prometia. Conforme suas duras palavras,
“suspeito que o esporte não pode ser uma parte útil do
desenvolvimento [...] Esportes não desenvolvem diretamente
ninguém ou qualquer comunidade”.[17]

Alguns outros vão além, afirmando não apenas que os


esportes, na maioria das vezes, de fato não são capazes de
promover a tão almejada "inclusão social", como dizem ainda
que políticas públicas concentradas em oferecer esportes para
comunidades pobres podem até mesmo atrapalhar o
desenvolvimento social. Conforme famosas palavras de Jay
Coakley, professor da Universidade do Colorado, nos Estados
Unidos, ao direcionar recursos públicos geralmente escassos
para tais projetos, essas iniciativas, apesar de bem-
intencionadas, podem às vezes camuflar e até fazer esquecer
os verdadeiros problemas que afligem essas
comunidades.[18] Nesse sentido, tais projetos desviam a
atenção dos problemas fundamentais e acabam por dificultar
a orquestração de esforços com maior potencial de realmente
mitigar a pobreza e promover o desenvolvimento.

Frequentemente, projetos de esportes voltados para residentes


de bairros pobres limitam-se a oferecer escusas para políticos
dissimularem que estão fazendo algo de útil e importante em
favor desses grupos, quando na verdade estão fazendo muito
pouco ou quase nada; ou então para que gestores de
organizações não governamentais garantam recursos
financeiros para suas próprias instituições, quando não para
os seus próprios bolsos. Em todos os casos, é a indústria do
problema social em plena ação.

O principal problema dos pobres é sempre a pobreza, e não a


falta de oportunidades de praticar esportes. Quando o ministro
do esporte afirma que “todos sabemos dos benefícios do

6
esporte”, ele talvez precise então especificar melhor o sujeito
da oração. Todos, quem?

Fred Coalter, professor da Escola de Esportes da Universidade


de Stirling, na Escócia, e uma das principais autoridades
internacionais em estudos sobre políticas de esporte, dono de
uma volumosa e reputada obra sobre o assunto, há anos vem
chamando atenção para a sistemática falta de evidências que
marca o pensamento e a prática política da atuação
governamental com relação aos esportes. Segundo suas
conclusões, não é a participação em esportes o que contribui
para a “inclusão social”, mas sim a “inclusão social” o que
permite a participação em esportes.[19]

Rigorosamente no mesmo sentido, Anthony Veal, professor da


Universidade Tecnológica de Sidnei, na Austrália, concluiu, a
partir de um amplo estudo de quase 30 países europeus, que
a desigualdade de renda é o fator fundamental a facilitar ou
dificultar a participação em práticas esportivas. Desse modo,
ele afirma, políticas públicas dedicadas especificamente aos
esportes teriam pouca ou nenhuma capacidade de alterar os
índices de participação esportiva, mesmo quando fossem estes
os objetivos dessas políticas (o que de todo modo nunca foi o
caso do Ministério do Esporte no Brasil, que sempre privilegiou
os esportes de alto rendimento, como destacamos). Segundo
palavras do pesquisador australiano, “se a causa fundamental
dos problemas sociais é a desigualdade estrutural na
sociedade, políticas focadas diretamente sobre o problema da
desigualdade na participação esportiva dificilmente serão bem-
sucedidas”.[20]

Situações bem documentadas em que esportes parecem ter


contribuído ou de alguma forma tomado parte em iniciativas
bem-sucedidas com propósitos de desenvolvimento social
existem, mas não são tantas quanto os defensores mais
entusiastas do envolvimento governamental com esportes
fazem parecer. “Desenvolvimento”, “cidadania” ou “inclusão
social”, além de conceitos cheios de ambiguidades, não contam
com fórmulas pré-estabelecidas para a sua realização, de modo
que alcançá-los é um empreendimento difícil e incerto.

7
Nesses casos, o que pesquisadores examinam não é se esportes
podem ou não oferecer oportunidades nesse sentido – o que é
sempre relativo e dependente de uma grande variedade de
condições, às vezes inteiramente circunstanciais. O que se
examina são justamente as condições que parecem facilitar ou
dificultar a realização de objetivos dessa natureza. Ninguém
sabe ao certo que condições são essas. Se soubessem, haveria
então uma fórmula pronta para ser seguida e seríamos todos
felizes para sempre.

No entanto, embora não ofereçam receitas, o acúmulo de


pesquisas sobre o assunto já sugere insights e aponta
caminhos. De projetos para a prática de esportes entre
meninas na Índia, até jogos de basquete em bairros com altos
índices de criminalidade nos Estados Unidos, passando pela
oferta de esportes para jovens com suas famílias na Islândia,
um elemento frequentemente presente é a profunda
articulação dessas iniciativas com outros projetos e
instituições movidos por finalidades muito mais amplas do que
a prática de esportes em si mesmo.[21]

Profunda articulação com outros projetos e instituições movidos


por finalidades muito mais amplas, bem entendido, não
equivale a discursos bonitos, mas vazios, de que o propósito
deste ou daquele projeto de esportes é o de formar cidadãos e
não atletas, o que muitas vezes está limitado ao plano
meramente retórico. Projetos de esportes que acontecem na
escola ou que dizem ter finalidades educativas, mas que não
têm relação com currículos, com professores ou com projetos
pedagógicos das escolas, na prática não guardam nenhuma
articulação nem com as escolas, nem tampouco com projetos
educacionais de maneira mais ampla. Com efeito, é
precisamente desta maneira desarticulada das escolas e de
seus projetos pedagógicos que funciona o Programa Segundo
Tempo - aquela iniciativa do Ministério do Esporte que oferece
oportunidades para uma parcela reduzidíssima da população
em idade escolar.

Ao que tudo indica, portanto, nas situações em que há indícios


empíricos de que os esportes parecem ter desempenhado
algum efeito positivo e significativo sobre projetos de

8
desenvolvimento social, o esporte aparece como uma espécie
de pretexto ou “ponto de partida” para mobilizar e motivar
indivíduos a se engajarem em certas ações – que podem ser de
combate ao crime, de orientação sexual, de reforço escolar, de
capacitação para o trabalho ou de desincentivo ao consumo de
álcool entre jovens, entre várias outras possibilidades.[22]
Assim, quanto mais integrado com outros projetos e
instituições voltadas a “inclusão social” ou a prevenção da
criminalidade, melhor; enquanto mais isolado dessa rede de
ação, pior.

Nesse contexto, a ideia de subordinar políticas de esporte a


políticas educacionais, vinculando o Ministério do Esporte ao
Ministério da Educação, parece não apenas boa, como talvez
seja a mais lógica e sensata medida a ser tomada nesse
quesito. Tal decisão, de fato, pode representar uma derrota
para os atletas de alto nível, para os gestores de organizações
não-governamentais que manejam iniciativas ligadas aos
esportes ou ainda para os dirigentes de federações e
confederações esportivas, que apesar de serem entidades
privadas e oferecerem benefícios limitadíssimos ao conjunto da
população, se é que oferecem algum, têm historicamente sido
os principais beneficiários das políticas e investimentos
públicos em esportes no Brasil. Como bem demonstrou certa
vez João Malaia, professor do Departamento de História da
Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul,
desde que o Estado brasileiro se envolveu sistematicamente
com o apoio e o financiamento de práticas esportivas, ainda
nos meados da década de 1920, subsídios para atletas
participarem em competições internacionais e para a
organização de grandes eventos esportivos têm sido a tônica
dessas políticas.[23]

Grosso modo, políticas de esporte no Brasil têm sido apenas


uma forma sutil e mais ou menos hipócrita de garantir acesso
de grupos privilegiados às chaves que guardam os recursos dos
cofres do Tesouro. Muitos dos que criticam e se mobilizam
contra a extinção do Ministério do Esporte fazem-no, é certo,
por boa fé; movidos que estão por uma ideologia obtusa, mas
bem-intencionada, como o são quase todas as ideologias.
Outros, porém, menos inocentes, fazem-no apenas por receio
de que a diluição institucional das ações governamentais dessa

9
área lhes prive do acesso direto ao balcão de negócios que a
porta da sala dos Ministros de Estado pode franquear com
mais facilidades.

A defesa do esporte ou de uma decidida ação do Estado nessa


área, porém, não deve se confundir com a defesa dos
interesses de atletas de elite. Tampouco deve se confundir com
os interesses de grandes federações e confederações
esportivas. Também não deve se limitar a reproduzir uma
ideologia ingênua e mal informada, que atribui superpoderes
de transformação social aos esportes. Tudo isso são apenas
fantasias irrealistas ou lobbies corporativos (chamados
também rent-seeking, isto é, tentativas de obter vantagens
econômicas por meio da influência política). Talvez já tenha
passado da hora das vozes críticas que pensam o esporte se
erguerem contra esse estado de coisas, a fim de se
empenharem mais decididamente em separar o bebê da água
suja da bacia.

Conforme revelaram os dados do Diagnóstico Nacional do


Esporte, a maior parte dos praticantes de esportes no Brasil
(70%) não têm vínculos com instituições esportivas (clubes,
ligas ou federações).[24] O caráter informal e
institucionalmente desorganizado desses esportistas
amadores tende a privá-los de representação política nas
instâncias decisórias do poder público. Afinal, não se veem em
Brasília lobistas ou grupos de pressão organizados a defender
os interesses difusos dos que praticam esporte por lazer. Em
defesa desses grupos, não há manifestos, cartas públicas,
vídeos no youtube, discursos no Congresso ou artigos em
jornais de grande circulação.

O fim do Ministério do Esporte como estrutura autônoma, em


favor de ações integradas às políticas educacionais, afora
garantir, ao menos formalmente, o cumprimento do preceito
constitucional que determina privilegio do investimento estatal
nesse setor ao esporte educacional, algo olimpicamente
ignorado nos últimos anos, pode ser o prenúncio de uma
pequena vitória para os milhões de estudantes das redes
públicas de educação do Brasil, onde de fato se concentram os
jovens e crianças pobres do país, quase sempre desprovidos de
quaisquer apoios ou incentivos para a prática de

10
esportes. Nada garante que será esse o caso. Oxalá, que assim
seja!

_____________________________________
[1] Marcelo Laguna. Haverá mobilização se próximo governo cortar verbas, diz
presidente do COB. Folha de São Paulo, 11 out. 2018.

[2] Diego Garcia, João Gabriel e Sérgio Rangel. Esporte não será prioridade em governo
Bolsonaro, diz atual ministro. Folha de São Paulo, 13 nov. 2018.

[3] Leandro Cruz. O esporte como prioridade. Folha de São Paulo, 16 nov. 2018, p. A3.

[4] Rodrigo Capelo. A fábrica de ilusões do futebol. Época, 22 fev. 2016.

[5] Fundação João Pinheiro. Cadeia produtiva do esporte de alto rendimento em Minas
Gerais. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2013.

[6] https://www.youtube.com/watch?v=PbSZ9ZtjEF8.

[7] Marcelo Laguna. Entidades do esporte se unem para evitar perda de R$ 300 milhões.
Folha de São Paulo, 12. jun. 2018.

[8] https://www.youtube.com/watch?v=vaxZG_PPXak.

[9] Raí, Magic Paula e Louise Bezerra. Um novo 7 a 1 noesporte brasileiro. Folha de São
Paulo, São Paulo, 1 jul. 2018, p. A3.

[10] http://www.cbce.org.br/upload/biblioteca/Manifesta%C3%A7%C3%A3o_CBCE_MP_841.pdf

[11] Marcelo Resende Teixeira e colaboradores. Esporte, fundo público e pequena


política: os reveses de um orçamento (r)emendado. Movimento, Porto Alegre, v. 24, n. 2,
p. 593-606, abr./jun. de 2018; Fernando Mascarenhas. O orçamento do esporte:
aspectos da atuação estatal de FHC à Dilma. Revista Brasileira Educação Física e
Esporte, v. 30, n.4, p. 963-980, out./dez. 2016.

[12] Felipe Sigollo e Pedro Trengrouse. Investimento inteligente no esporte. Folha de São
Paulo, 26 jun. 2018, p. A3.

[13] Andrew Jennings e colaboradores. Brasil em jogo: o que fica da Copa e das
Olimpíadas? São Paulo: Boitempo, 2014; Dave Zirin. O Brasil dança com o diabo: Copa
do Mundo, Olimpíadas e a luta pela democracia. São Paulo: Lazuli, 2014, especialmente
cap. 7; Flávio de Campos. O lulismo em campo: aspectos da relação entre esportes e
política no Brasil. In: Gilberto Maringoni e Juliano Medeiros (organizadores). Cinco mil
dias: o Brasil na era do lulismo. São Paulo: Boitempo / Fundação Lauro Campos, 2017,
p. 241-247. Uma visão mais panorâmica sobre o assunto encontra-se em John Horne.
The Four ‘Knowns’ of Sports Mega‐Events. Leisure Studies, v. 26, n. 1, p. 81-96, 2007.

[14] Brasil. Censo Escolar 2017: notas estatísticas. Brasília / Rio de Janeiro: Ministério
da Educação / Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira,
2018, p. 6.

[15] Tribunal de Contas da União. Relatório de Avaliação do Programa Segundo Tempo.


Brasília: Tribunal de Contas da União, 2006, p. 20 e 84.

11
[16] Dois exemplos: Richard Bailey. Physical education and Sport in Schools: a Review
of Benefits and Outcomes. Journal of School Health, vol. 76, p. 397-401, 2006; H. David
Hunt. The effect of extracurricular activities in the educational process: influence on
academic outcomes? Sociological Spectrum, v. 25, issue 4, 2005.

[17] Andrew M. Guest. The diffusion of development-through-sport: analysing the


history and practice of the Olympic Movement’s grassroots outreach to Africa. Sport in
Society, v. 12, n. 10, Dec. 2009, p. 1.346 e 1.348.

[18] Jay Coakley. Using sports to control deviance and violence among youths: Let’s be
critical and cautious. In: Margaret Gatz, Michael A. Messner & Sandra J. Ball-Rokeach
(Editors). Paradoxes of Youth and Sport. Albany: SUNY Press, 2002, p. 13-30.

[19] Anthony J. Veal. Leisure, income inequality and the Veblen effect: cross-national
analysis of leisure time and sport and cultural activity. Leisure Studies, v. 35, issue 2,
2016, p. 226.

[20] Uma síntese recente das observações deste autor sobre o assunto pode ser
encontrada em Fred Colter. Sport for Development: What game are we playing? New
York: Routledge, 2013.

[21] Tess Kay. Developing through sport: evidencing sport impacts on young people.
Sport in Society, v. 12, issue 9, p. 1.177-1.191, 2009; Inga Dóra Sigfúsdóttir e
colaboradores. Substance use prevention for adolescents: the Icelandic Model. Health
Promotion International, v. 24, Issue 1, p. 16–25, 2009; Douglas Hartmann e Brooks
Depro. Notes on Midnight Basketball and the Cultural Politics of Recreation, Race, and
At-Risk Urban Youth. Journal of Sport and Social Issues, v. 25, n. 4, p. 339-371, 2001.

[22] Geoff Nichols e Iain Crow. Measuring the Impact of Crime Reduction Interventions
Involving Sports Activities forYoung People. Howard Journal, v. 43, n. 3, p. 227-236,
2004; Douglas Hartmann. Theorizing Sport as Social Intervention: A View From the
Grassroots. Quest, v. 55, n. 2, p. 118-140, 2003.

[23] João Manuel Casquinha Malaia Santos. Brazil: An Emerging Power Establishing
Itself in the World of International Sports Mega-Events. The International Journal of the
History of Sport, v. 31, Issue 10, p. 1312-1327, 2014.

[24] Brasil. Diesporte, caderno 2: o perfil do sujeito praticante ou não de esportes e


atividades físicas da população brasileira. Brasília: Ministério do Esporte, 2016, p. 40.

Disponível em: https://historiadoesporte.wordpress.com/


Em 26 nov. 2018
História(s) do Sport é uma iniciativa acadêmica, dinamizada por pesquisadores que se
debruçam sobre a história do esporte e do lazer, grande parte deles vinculados ao Sport:
Laboratório de História do Esporte e do Lazer, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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