Professional Documents
Culture Documents
Cleber Dias *
cleberdiasufmg@gmail.com
2
Afora limitações na capacidade do setor esportivo oferecer
empregos e assim oportunidades de ascensão social, boa parte
dos investimentos governamentais nessa área não se destinam
a propósitos de promoção da saúde, estímulo a participação
esportiva ou mesmo a tal “inclusão social” – apesar desses
tópicos serem frequentemente citados pelos que saem em
defesa do envolvimento governamental com esportes, como fez
o atual ministro Leandro Cruz e como fazem vários outros que
se engajam nessa causa.
3
gastos nessa área destinam-se ao alto rendimento.[11]
Conforme disseram Felipe Sigollo e Pedro Trengrouse,
respectivamente, atual secretário executivo adjunto do
Ministério do Esporte e professor da Fundação Getúlio Vargas,
“sob a ótica do alto rendimento, o Brasil, sem dúvida, está
entre os países com maior investimento esportivo nos últimos
anos. Foram R$ 8,3 bilhões nos estádios da Copa, R$ 7,2
bilhões nas arenas dos Jogos Olímpicos e, desde 2001, quase
R$ 10 bilhões das loterias destinados ao Ministério do Esporte,
Comitê Olímpico do Brasil, clubes de futebol, Comitê
Paralímpico Brasileiro, Comitê Brasileiro de Clubes e
Federação Nacional de Clubes / A soma corrigida de incentivos
fiscais, Jogos Pan-Americanos, Mundiais Militares, Copa do
Mundo, Jogos Olímpicos e Paralímpicos —com os valores
destinados anualmente ao esporte olímpico pelas loterias e
empresas estatais— passa de R$ 100 bilhões”.[12].
4
crianças e jovens depois do turno escolar, já apontava para
uma falta de representatividade desta ação, que atendia, na
época, apenas 1% do total da população entre 7 e 17 anos.[15]
5
Na verdade, vários pesquisadores que estudam o assunto se
referem a suposição de que os esportes podem agenciar
transformações sociais como algo "problemático", "sem muito
efeito" ou tão somente como "ideologias carentes de
evidências". Andrew Guest, por exemplo, professor da
Universidade de Portland, nos Estados Unidos, ao realizar uma
pesquisa de campo em meio a um projeto de esportes para
residentes de um campo de refugiados na África, concluiu que
a iniciativa simplesmente não era capaz de promover os
objetivos que prometia. Conforme suas duras palavras,
“suspeito que o esporte não pode ser uma parte útil do
desenvolvimento [...] Esportes não desenvolvem diretamente
ninguém ou qualquer comunidade”.[17]
6
esporte”, ele talvez precise então especificar melhor o sujeito
da oração. Todos, quem?
7
Nesses casos, o que pesquisadores examinam não é se esportes
podem ou não oferecer oportunidades nesse sentido – o que é
sempre relativo e dependente de uma grande variedade de
condições, às vezes inteiramente circunstanciais. O que se
examina são justamente as condições que parecem facilitar ou
dificultar a realização de objetivos dessa natureza. Ninguém
sabe ao certo que condições são essas. Se soubessem, haveria
então uma fórmula pronta para ser seguida e seríamos todos
felizes para sempre.
8
desenvolvimento social, o esporte aparece como uma espécie
de pretexto ou “ponto de partida” para mobilizar e motivar
indivíduos a se engajarem em certas ações – que podem ser de
combate ao crime, de orientação sexual, de reforço escolar, de
capacitação para o trabalho ou de desincentivo ao consumo de
álcool entre jovens, entre várias outras possibilidades.[22]
Assim, quanto mais integrado com outros projetos e
instituições voltadas a “inclusão social” ou a prevenção da
criminalidade, melhor; enquanto mais isolado dessa rede de
ação, pior.
9
área lhes prive do acesso direto ao balcão de negócios que a
porta da sala dos Ministros de Estado pode franquear com
mais facilidades.
10
esportes. Nada garante que será esse o caso. Oxalá, que assim
seja!
_____________________________________
[1] Marcelo Laguna. Haverá mobilização se próximo governo cortar verbas, diz
presidente do COB. Folha de São Paulo, 11 out. 2018.
[2] Diego Garcia, João Gabriel e Sérgio Rangel. Esporte não será prioridade em governo
Bolsonaro, diz atual ministro. Folha de São Paulo, 13 nov. 2018.
[3] Leandro Cruz. O esporte como prioridade. Folha de São Paulo, 16 nov. 2018, p. A3.
[5] Fundação João Pinheiro. Cadeia produtiva do esporte de alto rendimento em Minas
Gerais. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2013.
[6] https://www.youtube.com/watch?v=PbSZ9ZtjEF8.
[7] Marcelo Laguna. Entidades do esporte se unem para evitar perda de R$ 300 milhões.
Folha de São Paulo, 12. jun. 2018.
[8] https://www.youtube.com/watch?v=vaxZG_PPXak.
[9] Raí, Magic Paula e Louise Bezerra. Um novo 7 a 1 noesporte brasileiro. Folha de São
Paulo, São Paulo, 1 jul. 2018, p. A3.
[10] http://www.cbce.org.br/upload/biblioteca/Manifesta%C3%A7%C3%A3o_CBCE_MP_841.pdf
[12] Felipe Sigollo e Pedro Trengrouse. Investimento inteligente no esporte. Folha de São
Paulo, 26 jun. 2018, p. A3.
[13] Andrew Jennings e colaboradores. Brasil em jogo: o que fica da Copa e das
Olimpíadas? São Paulo: Boitempo, 2014; Dave Zirin. O Brasil dança com o diabo: Copa
do Mundo, Olimpíadas e a luta pela democracia. São Paulo: Lazuli, 2014, especialmente
cap. 7; Flávio de Campos. O lulismo em campo: aspectos da relação entre esportes e
política no Brasil. In: Gilberto Maringoni e Juliano Medeiros (organizadores). Cinco mil
dias: o Brasil na era do lulismo. São Paulo: Boitempo / Fundação Lauro Campos, 2017,
p. 241-247. Uma visão mais panorâmica sobre o assunto encontra-se em John Horne.
The Four ‘Knowns’ of Sports Mega‐Events. Leisure Studies, v. 26, n. 1, p. 81-96, 2007.
[14] Brasil. Censo Escolar 2017: notas estatísticas. Brasília / Rio de Janeiro: Ministério
da Educação / Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira,
2018, p. 6.
11
[16] Dois exemplos: Richard Bailey. Physical education and Sport in Schools: a Review
of Benefits and Outcomes. Journal of School Health, vol. 76, p. 397-401, 2006; H. David
Hunt. The effect of extracurricular activities in the educational process: influence on
academic outcomes? Sociological Spectrum, v. 25, issue 4, 2005.
[18] Jay Coakley. Using sports to control deviance and violence among youths: Let’s be
critical and cautious. In: Margaret Gatz, Michael A. Messner & Sandra J. Ball-Rokeach
(Editors). Paradoxes of Youth and Sport. Albany: SUNY Press, 2002, p. 13-30.
[19] Anthony J. Veal. Leisure, income inequality and the Veblen effect: cross-national
analysis of leisure time and sport and cultural activity. Leisure Studies, v. 35, issue 2,
2016, p. 226.
[20] Uma síntese recente das observações deste autor sobre o assunto pode ser
encontrada em Fred Colter. Sport for Development: What game are we playing? New
York: Routledge, 2013.
[21] Tess Kay. Developing through sport: evidencing sport impacts on young people.
Sport in Society, v. 12, issue 9, p. 1.177-1.191, 2009; Inga Dóra Sigfúsdóttir e
colaboradores. Substance use prevention for adolescents: the Icelandic Model. Health
Promotion International, v. 24, Issue 1, p. 16–25, 2009; Douglas Hartmann e Brooks
Depro. Notes on Midnight Basketball and the Cultural Politics of Recreation, Race, and
At-Risk Urban Youth. Journal of Sport and Social Issues, v. 25, n. 4, p. 339-371, 2001.
[22] Geoff Nichols e Iain Crow. Measuring the Impact of Crime Reduction Interventions
Involving Sports Activities forYoung People. Howard Journal, v. 43, n. 3, p. 227-236,
2004; Douglas Hartmann. Theorizing Sport as Social Intervention: A View From the
Grassroots. Quest, v. 55, n. 2, p. 118-140, 2003.
[23] João Manuel Casquinha Malaia Santos. Brazil: An Emerging Power Establishing
Itself in the World of International Sports Mega-Events. The International Journal of the
History of Sport, v. 31, Issue 10, p. 1312-1327, 2014.
12