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“O HOMEM ALIENADO” E “TEMPOS MODERNOS”: DIDÁTICA E CINEMA NO ENSINO


DE FILOSOFIA.
Flavio Joselino Benites1
Luiz Vicente Vieira2
Resumo
A Finalidade desse trabalho, é elaborar uma proposta metodológica de união entre filosofia
e cinema nas aulas de Filosofia do Ensino Médio. O conteúdo proposto, norteará o
desenvolvimento de uma atividade específica em sala de aula para o professor de filosofia
ou que ensina filosofia. No entanto, será apresentado o texto “Trabalho Alienado”, dos
“Manuscrito Econômicos e Filosóficos” de Karl Marx e o filme “Tempos Modernos” de
Charles Chaplin. Será explicado como encontrar cenas do filme que possam explicar os
conceitos do texto e vice-versa, tal interação se dará através de uma aula dirigida pelo
professor de filosofia em sua respectiva aula. Outra perspectiva do trabalho consiste em
tentar estimular o entendimento e gosto pela filosofia através do cinema para alunos
adolescentes e, também possibilitar outras alternativas de aula para o professor.

Introdução
No Brasil contemporâneo, o estudo de Filosofia está regulamentado judicialmente, Lei
nº 11.684/08 que estabelece diretrizes e bases da educação nacional, para incluir a Filosofia
e a Sociologia como disciplinas obrigatórias no currículo do ensino médio3. Tendo em vista
esse cenário, o Professor de Filosofia se coloca como protagonista do ensino da reflexão
filosófica, “a filosofia é sempre um método - pensar é saber pensar – mas um método
acompanhado de sua razão de ser uma verdadeira cultura”4, então, o licenciado percebendo
uma condição primordial para elaborar estratégias em sua conduta, condição “sine qua non”
para empreender os métodos reflexivos filosóficos, com isso é de fundamental importância
o professor perceber que a sala de aula é um terreno muito fértil para elaboração de uma
filosofia da práxis.

1 Graduando em Filosofia Bacharel, 3º Período na Universidade Federal de Pernambuco UFPE ano 2014.
2 Doutor em Filosofia, Professor efetivo no curso de Filosofia na Universidade Federal de Pernambuco UFPE.
Professor da Cadeira Filosofia da Práxis 2014.1.
3 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11684.htm (02-07-2014)
2

Nesse sentido, o presente trabalho pretende, demonstrar é que possível explicar o


conceito de “Trabalho Alienado” do filosofo Karl Marx, através do filme Tempos Modernos
de Charlie Chaplin e com isso possibilitar o intercâmbio entre filosofia e cinema. Obstante,
elaborar alternativas dentro da sala de aula para o professor incluir mais instrumentos
diversificando na sua atividade docente, e assim tentar potencializar a relação cinema e
filosofia. Logo, esperar como resultado, despertar maiores interesses da disciplina para o
público juvenil, desdobrando outras modalidades de reflexão, ao invés do que se
costumeiramente é praticado na maioria das escolas brasileiras, com o professor na sala de
aula, piloto ou giz e o quadro.

“Diante de uma realidade que evidencia a necessidade de práticas mais articuladas


com outras disciplinas do currículo, percebemos ainda aspectos fundamentais que
nos remetem a um pensar que é disjuntivo e fragmentado. Mas, em sala de aula,
como deve se apresentar o professor de Filosofia? Como podemos pensar as
práticas pedagógicas nas salas de Filosofia que resultem em aprendizagens
significativas para os estudantes?”5

Para isso que isso ocorra é fundamental perceber a importância e a necessidade no


intercâmbio disciplinar e extra disciplinar na pratica de educar. Com intuito de formular uma
alternativa metodológica em sala de aula, para o professor de Filosofia, e assim como
recurso diversificado será apresentado, a análise das possíveis relações entre cinema e
filosofia. Isso permitirá a possibilidade do professor articular sua prática de ensino em
contrapartida, despertar o interesse, para filosofia a partir do cinema.
Em nossa atividade exegética, teremos como texto filosófico de referência
“Manuscritos Econômicos e Filosófico” de Karl Marx (1818-1883) que será utilizado o
primeiro texto denominado “Conceito Marxista de Homem” e o filme Tempos Modernos, do
cineasta americano Charles Chaplin, lançado em 1936 nos Estados Unidos. A escolha das
respectivas obras se devem a semelhança no conteúdo ao qual os autores apresentam,
temas como: Revolução Industrial, alienação do trabalhador, sociedade e consumo, divisão
do trabalho, exploração de mão de obra operária, controle do corpo e por fim serem críticas
ao sistema capitalista. Será apresentado de forma crítica neste artigo as caraterísticas
fundamentais de ambas as obras e que seu conteúdo tenha finalidade de apontar caminhos
para a reflexão filosófica em sala de aula.

5 Perspectiva Filosófica, Revista dos Programas de Pós-Graduação em Filosofia UFPE. Volume II-N .38, p. 30.
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1. Explicação do conceito Trabalho alienado dos Manuscritos econômicos e Filosóficos


de Karl Marx
Será demonstrado a seguir o conteúdo existente no primeiro manuscrito, do total de
quatro existentes, dos “Manuscritos Econômicos e Filosófico” de Karl Marx (1818-1883), que
foram escritos no período de abril de 1844, que por sua vez, se encontram sob a guarda do
Instituto Internacional de História Social em Amsterdã na Holanda6. Os manuscritos estão
na obra denominada Conceito Marxista de Homem, do Psicanalista, Sociólogo e Filosofo
alemão Erich Fromm (1900-1980) publicada em 1961, sob o título original “Marx’s Concept
of Man” nos Estados Unidos, ao qual a tradução brasileira é oriunda.
No prefácio aos Manuscritos Econômicos e Filosóficos, percebe-se que através da
Economia Política Marx traçou uma análise sobre Estado, o Direito, a moral e a vida civil.
Existe contudo, um alerta ao leitor, que suas investigações se caracterizam por análises
inteiramente empíricas, orientadas evidentemente, por um criterioso estudo crítico de
Economia Política, mas não podemos perder de vista que será analisado, apenas o conceito
de trabalho alienado. Dessa forma, Marx justifica suas escolhas bibliográficas, que são de
vertente socialistas, que compreendem autores ingleses e franceses como também
alemães7.Após o prefácio, inicia-se o primeiro manuscrito (dos quatro existentes será o único
a ser examinado nesse trabalho) que é denominado Trabalho Alienado.
Ao analisar esse fragmento, é nítido que a linha de investigação tem como base
pressupostos teóricos da Economia Política, foi utilizado todas as suas terminologias, suas
leis e suas premissas, como por exemplo; alienação, propriedade privada, a separação do
trabalho, a competição, o conceito de valor de troca. Seguindo o raciocínio, o autor percebeu
que o trabalhador se assemelha a mercadoria.
Assim aferiu que a miséria do trabalhador aumenta com o poder e o volume de sua
produção, fazendo com que o resultado forçoso da competição é o acúmulo de capital em
mãos de poucos que é a base do monopólio. Por fim, a distinção entre capitalistas e
proprietários de terras e logo entre o trabalhador agrícola e o operário e que na ótica do

6 Conceito Marxista de Homem: com a tradução dos manuscritos econômicos e filosóficos de Karl Marx. P.85.
7 Ibidem, p.87.
4

autor, tenderia a desaparecer levando a divisão dicotômica da sociedade de classes, com


os possuidores de propriedade e trabalhadores sem propriedade.8
O intuito de Marx com esses manuscritos é uma crítica as teorias de economia, pois,
identificou que nessas reflexões partiam da premissa que a propriedade privada é algo dado
sem uma devida crítica. Dessa forma, a economia apenas concebe o processo material da
propriedade privada e servia como lei basilar, que nesses estudos não havia um rigor
metodológico para entender como que elas surgiram e, por que que surgiam.
Nessa linha de análise, outro fato que não é bem apresentado, no mesmo estudo, é
sobre não haver uma distinção de trabalho e capital, salário e lucro e, é explicada de forma
parcial, ou seja, em função do capitalista, que para o filosofo, não é precisamente explicado,
mas apenas admitido. Diante do que leu, evidenciou também, como era falho o estudo sobre
a competição dentro do sistema capitalista e questionou várias posicionamentos.
Como fora apontado anteriormente, as análises, que os estudos de economia da
época levavam a crer, foi que a competição era fruto de questões externas ao sistema, ou
seja, quase de forma acidental. Mas os estudos de Marx apontavam para outra direção, que
a competição ela é sistematizada, controlada por quem está no poder do monopólio e
esclarece também, que todo o processo fora concebido tão somente pela vontade e pelas
forças e, não como consequências necessárias, naturais e inevitáveis como se
apresentavam nas obras de economia.
Por toda sorte, ele para escrever seus manuscritos refletiu diante do real, no caso a
sociedade de seu tempo, diante da História e a leitura formulada pela economia9. Assim,
começa o que caracterizou que a ligação real entre todo o sistema de alienação, que é a
propriedade privada, a ganancia, a separação do trabalho, o capital e terra, troca e
competição é o sistema do dinheiro. Pois, entendeu a partir das análises empíricas que o
trabalhador tendia a ficar mais pobre com a maior produção da riqueza, que a famosa tese
da contradição do capital.
Nesse diapasão Marx conseguiu identificar os mecanismos da alienação a partir do
trabalho. Apontando que o trabalhador tornava-se mercadoria mais barata, ou seja, com
valor ínfimo na medida que cria/produz bens. A desvalorização do mundo humano aumenta
na razão direta do aumento do valor do mundo das coisas.

8 Ibidem,89.
9 Ibidem, p.90.
5

O objeto produzido pelo trabalho que é o produto, se opõe a quem o fabrica, assim é
alienado como uma força independente do produtor, como se o objeto tivesse uma “vida
própria”. Assim, descreve que o produto do trabalho incorporado a um objeto é convertido
em coisa física, surgindo a objetificação do trabalho, logo a execução do trabalhador, ou seja
seu ato de fazer é simultâneo sua obejetificação.
A perspicácia em seus estudos revelou que o trabalhador ao se relacionar com o
produto do seu trabalho, faz com que se torne um objeto alienado, ou seja, ambos
mercadoria, por conseguinte o trabalhador coloca sua vida no objeto, e essa não lhe
pertence mais, e sim ao objeto. A execução do trabalho é como uma perversão do
trabalhador, a objetificação como uma perda e uma servidão frente ao objeto e a apropriação
do objeto como alienação.

A execução do trabalho aparece tanto como uma perversão que o trabalhador se


perverte até o ponto de passar fome. A objetificação parece tanto como uma perda
de objetos que o trabalhador é despojado das coisas mais essenciais não só da vida,
mas também do trabalho. O próprio trabalho transforma-se em um objeto que ele só
pode adquirir com tremendo esforço e com interrupções imprevisíveis. 10

Identificou também, que o que está incorporado ao produto de seu trabalho não é
mais dele mesmo e quanto mais produz mais ser tornará miserável e diminuto. Assim explica
que a alienação do trabalhador em seu produto não significa apenas que o trabalho dele se
converta em objeto, assumindo uma existência externa mas que ainda que existe
independentemente, fora dele mesmo, e a ele estranho, e que lhe opõe como uma força
autônoma, a coisa que ele criou se volta contra ele mesmo de força estranha e hostil. O
mundo da produção é constituído também, sobre dois pilares, o da natureza e da
propriedade privada. Quanto a natureza, que é o mundo exterior sensorial, a qual a produção
é dependente e tudo cria-se a partir dela.
O material que se concretiza propriamente dito o trabalho, em que este atua e produz
coisa. Diante disso, a natureza proporciona os meios de existência do trabalho e do
trabalhador. Isso faz com que o homem se apropria do mundo externo por seu trabalho.
Esse processo faz com que o trabalhador se torne escravo da natureza, pois ela é a única
que habilita a existir primeiro como trabalhador depois como sujeito físico. Foi identificado
que quanto mais requer inteligência para a realização do cenário para o trabalho, no caso a

10 Ibidem, p.91.
6

modernização das fábricas, o agente principal, o trabalhador tem uma inteligência


empobrecida em relação a engenhosidade a qual atua, que levaria também a perda da
espontaneidade do trabalhador, o tornando com semelhanças de máquinas.
Pois, Marx criticou dessa maneira, os estudos sobre o qual refletiu, pois, as
conclusões que chegou ignoravam, ou ocultavam a relação da alienação na natureza do
trabalho por não examinar de forma satisfatória a relação direta entre trabalhador e seus
processos de produção. Outro aspecto no âmbito da produção era que o trabalho humano
produz maravilhas para os ricos, e privação das mais variadas para o trabalhador11.
Diante de todos esses apontamentos, está o homem, aparentemente, como quem faz
o processo se realizar, ora pois, a realização do homem consigo mesmo se concretiza de
forma primitiva com outros homens. Pois bem, se o homem se relaciona com o objeto que
fábrica, logo esse produto que lhe é estranho, hostil, poderoso e independente, ele
evidentemente tem um dono, que lhe é peculiar essas mesmas características do objeto. Se
o trabalhador é servo do produto que fábrica, esse objeto é o elo de ligação com o dono da
produção, tornando assim servo de outro homem nesse sistema. Como vimos anteriormente
o trabalhador está numa atividade não livre, que o torna alienado e, nesse sentido, temos a
propriedade privada em questão a ser discutido qual a sua interferência e relevância no
processo.
Por toda sorte, propriedade privada é o produto o resultado necessário do trabalho
alienado, a relação externa do trabalhador com a natureza e consigo mesmo, tendo em vista
que a natureza que propicia ele ser o trabalhador. Embora a propriedade privada pareça ser
a causa base do trabalho, é ante de tudo uma consequência dele, pois, de um lado o produto
do trabalho alienado e de outro, o meio, ou seja, pela qual o trabalho é alienado a realização
dessa alienação12.
Quando se fala de propriedade privada acredita-se estar lidando com algo externo a
humanidade, mas quando se fala de trabalho lida-se diretamente com a própria humanidade.
Dessa maneira, a natureza geral da propriedade privada e sua relação com a propriedade
humana é autentica.
Contudo, o que fora analisado até o momento, é os escritos de Karl Marx sobre
trabalho alienado e suas consequências na vida do homem que trabalha, que pratica a
servidão ao capital, o sistema econômico que discute. Isso, faz com que ele desenvolva uma

11 Ibidem, p.92
12 Ibidem, p.100.
7

filosofia da práxis, e que é indispensável uma atenção e reflexão adequada por parte do
leitor quando se dirige a obra. Esses escritos sendo textos filosóficos, pode o Professor intuir
em ministrar tal conteúdo em aulas do ensino médio, devido ao tempo e a densidade do
assunto talvez não possa fazer, isso faz com que haja necessidade de que tais problemas
sejam superados, e pode se apontar para direção do cinema.

2. Sinopse do Filme Tempos Modernos de Charles Chaplin


O filme Tempos Modernos, do Diretor Charles Chaplin foi lançado em 1936 com o
título original: “Modern Times”, é em preto e branco, legendado, por ser um filme mudo. A
duração é de 87 minutos. Ele foi diretor e também ator. Do início ao término foram três anos
(1933 - 1936). Embora extremamente aclamado pela crítica quando lançado, e hoje
considerado um dos melhores filmes de todos os tempos pela crítica de cinema. Porém, o
filme não ganhou e sequer foi indicado a um Oscar, que é a maior premiação americana,
talvez devido ao fato do filme criticar fortemente o estilo de vida da sociedade americana, ou
pelo fato de Chaplin, quando ganhou um prêmio especial da academia ter dito que iria usar
a estatueta para segurar a sua porta, mostrando desprezo pela premiação. Suposição que
é levantada porque outro filme aclamado de Chaplin, Luzes da Cidade, ter acontecido o
mesmo.
Essa produção cinematográfica é antes de mais nada, é uma sátira à vida em uma
sociedade industrial e consumista. Trump (Chaplin) confronta-se com todas as invenções
desumanas de uma fábrica. A crítica não é só à mecanização, mas também a outras
questões sociais da época.13 Combinando humor e humanismo, Chaplin investiu contra a
sociedade baseada no lucro, e a era das máquinas que começavam a transformar seres
humanos autônomos oprimidos.14 Ao se deparar com obra vemos claramente a
mecanização do trabalho e a desconsideração do elemento humano. A organização do
trabalho e trabalhador era vista como uma máquina e o homem era uma peça do mesmo,
apenas um elemento substituível.
O período dramático do filme ocorre na grande depressão dos Estados Unidos do ano de
1929;

13 http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-49792013000100013&script=sci_arttext (02-07-2014)
14http://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/agendafolha/1160164-colecao-celebra-espirito-critico-de-

charles-chaplin.shtml (02-07-2014)
8

“Charles Chaplin com seu filme Tempos Modernos (Modern Times, 1936) sintetizou
como ninguém o período histórico marcado pelo desemprego em massa, queda
acentuada do produto interno bruto em decorrência do declínio da produção industrial
e dos preços das ações subsequente à Quebra da Bolsa de Nova Iorque em 1929. A
Grande Depressão gerou grandes repercussões para a nação norte-americana –
cerca de 325 bilhões de dólares foram perdidos só em bens. O declínio econômico
trazido pela Depressão teria custado aproximadamente um ano e dois meses de
emprego. Entretanto, a fenda no padrão de vida não se configurou de forma
equânime para todas as parcelas da população estadunidense. Oficiais das Forças
Armadas, pilotos de linhas aéreas, professores universitários e alguns operários
especializados se mantiveram estáveis. Alguns norte-americanos ainda conseguiram
prosperar em seus negócios, chegando em poucos casos acumular fortunas
significativas. É evidente que a maior parte da população não se enquadrou nesse
perfil. (GRAHAM JUNIOR, 1976)”15

A história do filme, o drama tem como personagem, Chaplin, um operário e uma jovem
órfã. Ele trabalha numa grande fábrica, que por sua vez desempenha o trabalho repetitivo
de apertar parafusos que vem passando por ele em cima de uma esteira. Pois, de tanto
apertar parafusos, ele tem problemas de “stress” e, estafado, perde a razão de tal forma que
pensa que deve apertar tudo o que se parece com parafusos, como os botões de uma blusa
de um personagem que com ele contracena. Com essa passagem percebemos muitos
aspectos importantes da vida do operário nas fábricas;

“O ambiente fabril nos traz muitas informações sobre os elementos constitutivos do


modo de produção capitalista e da sociedade norte-americana da época. A linha de
montagem fordista com sua extrema especialização produz partes de mercadorias
não-identificadas — Chaplin não nos deixa saber o que está sendo produzido.
Somente sabemos que é uma fábrica de componentes elétricos (Electro Steel Corp.).
O trabalhador perde a noção total de produto dada à divisão de tarefas. Desse modo,
o trabalho ganha caráter abstrato.”16

Continuando a discussão sobre o papel das máquinas, existe um momento que no filme faz
a abordagem da questão da importância das máquinas na organização da fábrica, ou seja,
uma máquina para alimentar os operários de forma automática para que o processo de se
alimentar seja concomitante ao processo de produção, para que não seja desperdiçado
nenhum tempo qualquer;

“Um outro exemplo de controle total do capitalista sobre o funcionário é a tentativa


de utilização da Máquina Alimentadora Bellows. O mecanismo é anunciado por um
vendedor mecânico (a máquina substitui o vendedor humano!) como “um artefato
prático para alimentar seus empregados enquanto trabalham”. (CHAPLIN, 1936)
Assim, procura-se eliminar os tempos mortos da produção tal como concebe a teoria

15http://www.tempopresente.org/index.php?option=com_content&view=article&id=1894:resenha-tempos-

modernos-1936&catid=26:cine-tempo&Itemid=171 (02-07-2014)
16 Ibidem, (02-07-2014).
9

taylorista. A tentativa é desastrosa. A sopeira dá uma pane e quase eletrocuta o


industrial worker interpretado por Charles Chaplin.”17

Obstante, ele desenvolve uma nova doença ocasionado pelo trabalho repetitivo, logo
com esse “novo” problema ocasionado pela repetição, ele é despedido e, logo em seguida,
internado em um hospital. Após ficar algum período internado em um hospital, sai de lá
“recuperado”, mas com a eterna ameaça de estafa que a vida moderna impõe: a correria
diária, a poluição sonora, as confusões entre as pessoas, os congestionamentos, as
multidões nas ruas, o desemprego, a fome, a miséria e todas mazelas provenientes desse
modo de vida na fábrica de uma grande cidade, em sua época.
Ao sair do espaço hospitalar, se depara com a fábrica onde trabalhara estava fechada.
Ao passar por uma rua, nota um pano, que acabara de cair de um caminhão (supostamente
vermelho, pois, ficará subentendido que é um líder sindical marxista que usa as cores do
partido). Ao empunhar o pano na tentativa de devolvê-lo ao motorista do caminhão, atrai um
grupo enorme de manifestantes que passava por ali. De forma equivocada, a polícia o
prende como líder grevista comunista, simplesmente pelo fato de ele estar agitando um
pano, parecido com uma bandeira, em frente a uma manifestação, que nem sabia que estava
acontecendo. Após passar um tempo na prisão, o operário é solto pela polícia por
agradecimento, uma vez que ajudou na prisão de um traficante de cocaína que tentava fugir
da prisão.
Em uma nova cena surge a outra personagem do filme, "a moça – uma menina que
vivia na margem do porto que se recusa a passar fome". A jovem (Paulette Goddard),
vivendo na miséria, pratica o roubo alimentos para subsistência. Ela mora com as suas duas
irmãs menores, seu pai está desempregado e as três são órfãs de mãe. O pai morre durante
uma manifestação de desempregados e as duas pequenas são internadas em um orfanato.
A moça foge para não ser internada e volta a roubar comida. Numa de suas investidas, ela
conhece o operário: depois de roubar o pão de uma senhora, a polícia vai prendê-la e o
operário assume a autoria do assalto. A polícia o prende, mas o solta em seguida após
descobrir o engano. Quando vê a moça sendo presa, o operário arma um esquema para ser
preso também: rouba comida em um restaurante. São colocados no mesmo camburão e,
durante um acidente com o carro, os dois fogem e vão morar juntos.

17 Ibidem, (02-07-2014)
10

Na sequência do enredo Carlitos, procura emprego e arranja um como segurança em


uma loja de departamentos. Porém, logo é despedido por não ter conseguido evitar um
assalto e também por ser flagrado dormindo no serviço. No entanto, consegue emprego
numa outra fábrica, consertando máquinas, sendo mais específico, ajudante de quem na
verdade as consertam;

“Em uma cena mais adiante, Carlitos volta à fábrica só que agora na condição de
assistente de manutenção das máquinas. Uma leitura possível é que o velho que
acompanha Chaplin represente os antigos artesãos metalúrgicos. A cena em que o
funcionário mais antigo fica preso nas engrenagens pode demonstrar que o novo
capitalismo marcado pelo taylorismo-fordismo suplantara o sistema de produção
artesanal.”18

Dando seguimento ao drama do filme, novamente ocorre outra greve na fábrica e, ele
é preso mais uma vez, agora por "desacato à autoridade policial". Mas dias depois, ele é
liberado e a jovem o espera na saída da prisão para levá-lo a “nova casa” – um barraco de
madeira perto de um lago. A jovem consegue, então, emprego em um café com dançarina
e arruma outro para Carlitos, só que como garçom/ cantor. Os dois são um sucesso,
principalmente Carlitos que, durante uma improvisação de uma música, arranca milhares de
aplausos dos presentes ao café.
Interrompendo a festa, entra em cena novamente a polícia, desta vez com uma
anotação acerca dos dados da moça e uma ordem para prende-la em num orfanato. Chaplin
e moça saem em fuga e assim começar tudo novamente.
No entanto, essa obra de arte do cinema, de forma radical crítica todo um período de
um determinado contexto social, que transcende a questão do entretenimento, do lazer, do
humor, indo adiante como um retrato fiel do que se faz com o ser humano com o dito
progresso das máquinas;

“(...)o filme de Charles Chaplin reportou-se às péssimas condições de trabalho —


as árduas horas de trabalho e o desempenhar repetitivo do apertar parafusos e
puxar de alavancas — decorrente da maior especialização da linha de produção
fordista. Com tal divisão de tarefas não é mais permitido ao trabalhador saber o que
afinal estava produzindo: como o trabalhador não participa das demais etapas do
processo produtivo ele perde a noção total de produto. Tanto que para expressar
esse fenômeno, Chaplin não nos deixa saber que produto a indústria no filme está
produzindo. As características do fordismo ainda estão presentes no mundo atual.
O sociólogo Huw Beynon, especialista do mundo do trabalho, ao reiterar Ritzer
ressalta que tal concepção, não só de trabalhador, mas também de consumidor
ainda estariam em voga:“Muitas características do fordismo também são
encontradas no estilo de McDonald's: a homogeneidade dos produtos, a rigidez das

18 Ibidem, (02-07-2014)
11

tecnologias, as rotinas padronizadas de trabalho, a desqualificação, a


homogeneização da mão-de-obra (e do freguês), o trabalhador em massa e a
homogeneização do consumo (...) nestes e em outros aspectos, o fordismo
continua vivo e forte no mundo moderno.” (RITZER apud BEYNON, 1995, p.12)” 19

Portanto, o filme nos propõe a suscitarmos o entendimento de todos os conceitos da


abordagem social e econômica que se passa no início do século XX, na época da Revolução
Industrial, sendo que a produção artesanal fora substituída pela produção em série, o que
criou o contexto perfeito para a aplicação das primeiras Teorias da Administração, no filme
sendo abordado criticamente as principais abordagens do taylorismo.

3. Aproximação conteúdo textual e conteúdo cinematográfico: identificação imagética


e o contexto filosófico da leitura
Prosseguindo com nossa proposta, será delineado a identificação de alguns dos
pontos de contatos do filme, mas nem todos os possíveis imagináveis evidentemente, com
a obra de Marx.
Começaremos com o que é o conceito de alienação, que para Nicola Abbagnano em
seu Dicionário Filosófico, repete o conceito de Marx;

“Na sociedade capitalista, o trabalho não é voluntário, mas obrigatório, pois não é
satisfação de uma necessidade, mas só um meio de satisfazer outras necessidades.
"O trabalho exterior, o trabalho em que o homem se aliena, é um trabalho de sacrifício
de si mesmo, de mortificação" (Manuscritos econômico-filosóficos,1844, I, 22). Esse
uso do termo tornou-se corrente na cultura contemporânea, não só na descrição do
trabalho operário em certas fases da sociedade capitalista, mas também a propósito
da relação entre o homem e as coisas na era tecnológica, já que parece que o
predomínio da técnica "aliena o homem de si mesmo" no sentido de que tende a fazer
dele a engrenagem de uma máquina.”20

A partir desse conceito, é notório onde todas as partes no filme abordam quando
Carlitos está diante daqueles engenhos de máquinas, onde se encontra exalto devido a se
submeter a tarefa de apertar parafusos, que tal atividade faz dele outro, que foge de toda
sua condição natural de homem, se submetendo-se a questão do trabalho e suas condições
no sistema capitalista. Assim, o professor em sala de aula pode discutir a questão da
condição alienante que o sistema de trabalho de exploração submete as peças de suas
engrenagens, que são os trabalhadores.

19 Ibidem, (02-07-2014)
20 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Editora Martins Fontes. São Paulo, 2007. p.26.
12

Outro aspecto a ser discutido agora será sobre o que caracteriza a propriedade privada,
e qual o seu lugar na referida discussão, que pode ser entendida como uma coisa um dono,
e ele tem plenos poderes sobre ela.
No caso do filme podemos demonstrar a propriedade privada como a fábrica, pois,
ela tem seu dono que é o patrão daquele lugar e tem o poder de dizer como que as coisas,
no caso as relações de trabalho se desenvolveria. A propriedade privada naquele caso
estabelece as relações existentes na sociedade e no meio do trabalho. No entanto, seria
essa a discussão na sala de aula, sobre a implicação das relações ante a propriedade
privada e as suas concepções no sistema capitalista.
Mais uma importante questão que Marx aborda, e tem uma ligação de explicação no
filme, é a separação do trabalho, que seria onde cada trabalhador desenvolveria uma tarefa
diferenciada. No filme, isso e demonstrado na linha de produção que existe, onde, na esteira
de uma das máquinas os objetos são passados e cada indivíduo cumpre uma função no
fazer da mercadoria. No caso, Chaplin apertando parafusos é uma aferição desse conceito,
que é totalmente diferente da época dos produtos manufaturados, onde o artesão coletava
desde a matéria prima, indo até o acabamento final do produto e o comercializando. Através
dessas cenas o professor poderá abordar tal questão e as implicações sociais e de
exploração existente do de trás de tal atividade.
Portanto, esses conceitos apontados, são apenas para demonstrar a possibilidade de
se utilizar o cinema como fonte de explicação de conteúdos filosóficos. Ficando a cargo do
professor de filosofia fazer um levantamento prévio a respeito de como irá utilizar
determinado conteúdo que dialogue com determinado linha cinematográfica, para
posteriormente aferir sobre os pontos de contato existente e assim estimular a reflexão sobre
a filosofia, permitindo que ela não fique apenas no campo abstrato mas também tendo um
sentido na prática, no cotidiano do discente. Isso permitirá um melhor aproveitamento das
aulas da parte do professor e tornando mais crítico e aberto a filosofia por parte do aluno, e
desta forma confirmando a possível eficácia na fusão de cinema e filosofia.
13

Referência
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Ed Martins Fontes.2007, São Paulo.
FROMM, Erich. Conceito Marxista de Homem. Ed. Zahar Editores. Rio de Janeiro, 1962.

Perspectiva Filosófica, Revista dos Programas de Pós-Graduação em Filosofia UFPE.


Volume II-N .38 (agosto a dezembro de 2012).

Sites consultados
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11684.htm (02-07-2014)
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-49792013000100013&script=sci_arttext (02-07-
2014)

http://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/agendafolha/1160164-colecao-celebra-espirito-
critico-de-charles-chaplin.shtml (02-07-2014)

http://www.tempopresente.org/index.php?option=com_content&view=article&id=1894:resen
ha-tempos-modernos-1936&catid=26:cine-tempo&Itemid=171 (02-07-2014)

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