0104, de Ascurra Relator: Desembargador Jorge Luis Costa Beber
APELAÇÃO CÍVEL. INTERDITO PROIBITÓRIO.
SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INCONFORMISMO DO RÉU. ARRENDAMENTO RURAL. AMEAÇA DE ESBULHO IMPUTADA AO PROPRIETÁRIO. TENTATIVA DE RETOMAR O BEM. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PREMONITÓRIA. IRRELEVÂNCIA FRENTE ÀS PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. ARRENDATÁRIOS QUE ENTABULARAM ACORDO COM O ANTERIOR PROPRIETÁRIO, CONSENTIDO PELO ADQUIRENTE, NO SENTIDO DE QUE DEIXARIAM O IMÓVEL EM JUNHO DE 2012. DESCABIMENTO DA DEFESA DA POSSE COM BASE NO CONTRATO JÁ ENCERRADO. VEDAÇÃO AO COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO. OBSERVÂNCIA DA BOA-FÉ OBJETIVA. POSSE QUE, COM O ENCERRAMENTO DO NEGÓCIO, SE TRANSMUTOU EM INJUSTA. IMPOSSIBILIDADE DE OPOSIÇÃO FRENTE ÀQUELE QUE DETÉM A POSSE JUSTA, AINDA QUE INDIRETA. REFORMA DA SENTENÇA QUE SE IMPÕE. PREJUDICIALIDADE DA IMPUGNAÇÃO RELATIVA AO DEPOIMENTO DA ÚNICA TESTEMUNHA OUVIDA EM JUÍZO. JULGAMENTO EM FAVOR DO APELANTE. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. QUESTÃO QUE, ADEMAIS, ESTARIA ABARCADA PELO MANTO DA PRECLUSÃO ANTE A NÃO INTERPOSIÇÃO DO RECURSO CABÍVEL A TEMPO E MODO. INVERSÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.
0001815-51.2012.8.24.0104, da comarca de Ascurra Vara Única em que é Apelante Geremias Schmidt e são Apelados Arlindo Hermann e outro. A Primeira Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Custas legais. O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Raulino Jacó Brüning, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. André Carvalho. Florianópolis, 28 de junho de 2018.
Desembargador Jorge Luis Costa Beber
Relator
Gabinete Desembargador Jorge Luis Costa Beber
RELATÓRIO
Geremias Schmidt interpôs apelação cível contra a sentença que
julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na "ação de interdito proibitório c/c pedido liminar", que move lhe move Arlindo Hermann e Arlete de Oliveira Hermann, nos seguintes termos: "(...) Ante o exposto, resolvendo o mérito, na forma do art. 487, inc. I, do CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos contidos na inicial para: a) Acolher a preliminar de ilegitimidade passiva da Ré Avani Cripriani Schmidt e, em consequência, julgo extinto o processo, sem resolução de mérito, em relação a esta, o que faço com fundamento no art. 485, inc. VI, do CPC; B) Confirmar a liminar deferida, determinando ao Réu Geremias que se abstenha de promover qualquer ato de turbação ou esbulho à posse dos Autores, sob pena de multa diária no valor de R$ 2.000,00. Condeno os Autores ao pagamento dos honorários advocatícios fixados do procurador da Ré Avani Cipriani, fixados em R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), a teor do disposto nos arts. 85, §§ 8º, do CPC. Condeno o Réu Geremias ao pagamento de despesas processuais e honorários advocatícios dos Autores, fixados em R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), a teor do disposto nos arts. 85, § 8º e 86, § único, ambos do CPC. (...)". (fls. 119/120). Alega, em resumo, que a sentença não se coaduna com as provas encartadas ao processo, notadamente quanto aos atos de esbulho que lhe foram imputados. Questiona a veracidade do depoimento prestado pela testemunha arrolada pelo apelado, acentuando que era sua empregada e que, desse modo, possui interesse no litígio, e, ademais, nunca presenciou qualquer espécie de ameaça à posse. Destaca, também, que o depoimento da aludida testemunha não se harmoniza com as teses suscitadas na peça de ingresso, pois relata apenas uma única ameaça, ao passo que a inicial faz referência a diversas situações. Noutro norte, aponta que se limitou a propor que o recorrido desocupasse suas terras de forma amigável, conforme corroborado pela prova oral, o que não pode ser interpretado como ameaça. 3
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Contrarrazões às fls. 138/142. Na sequência, os autos alçaram a esta eg. Corte de Justiça e, em seguida, vieram-me conclusos.
VOTO
Satisfeitos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.
O apelo investe contra a sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, determinando que o réu/apelante se abstenha de praticar qualquer ato de turbação ou esbulho na posse exercida pelo autor/apelado, sob pena de multa diária de R$ 2.000,00. O édito combatido, a meu aviso, comporta reparos. De saída, esclareço que o litígio possessório recai sobre a parcela do imóvel rural de propriedade do apelante (matrícula n. 2794 - fls. 47/48), com área de aproximadamente 1 hectare, na qual os apelados cultivam plantas ornamentais, por força de contrato de arrendamento rural firmado com o antigo proprietário em 20.06.1997 (fl. 16). É cediço que, nos termos do art. 15 do Decreto n. 59.566/1966, "alienação do imóvel rural ou a instituição de ônus reais sobre ele, não interrompe os contratos agrários, ficando o adquirente ou o beneficiário, sub- rogado nos direitos e obrigações do alienante ou do instituidor do ônus". Não menos certo, como acertadamente ponderou o juiz singular, que o encerramento do arrendamento rural pelo arrendador depende da prévia notificação do arrendatário, sob pena de renovação automática do contrato, conforme estatui o art. 22, § 1º, do aludido Decreto: "Art 22. Em igualdade de condições com terceiros, o arrendatário terá preferência à renovação do arrendamento, devendo o arrendador até 6 (seis) meses antes do vencimento do contrato, notificá-lo das propostas recebidas, instruindo a respectiva notificação com cópia autêntica das mesmas (art. 95, IV, do Estatuto da Terra). § 1º Na ausência de notificação, o contrato considera-se automaticamente renovado, salvo se o arrendatário, nos 30 (trinta) dias 4
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seguintes ao do término do prazo para a notificação manifestar sua desistência ou formular nova proposta (art. 95, IV, do Estatuto da Terra)" (grifos meus). Na hipótese dos autos, não há controvérsia quanto à ausência de notificação formal dos arrendatários acerca do interesse do apelante em encerrar o ajuste, o que, em princípio, legitimaria o exercício da posse, assegurando sua defesa através dos correspondentes interditos. Nesse sentido, já decidiu este Sodalício: "(...) MÉRITO. NEGOCIAÇÕES REALIZADAS PELOS LITIGANTES QUE SE REFEREM À AVENÇA DE PARCERIA AGRÍCOLA SEGUIDA DE DOIS CONTRATOS DE ARRENDAMENTO RURAL. OBSERVÂNCIA DA DISTINÇÃO EXISTENTE ENTRE AS ESPÉCIES CONTRATUAIS. NECESSIDADE DE NOTIFICAÇÃO PARA A RETOMADA DO IMÓVEL, SOB PENA DE PRORROGAÇÃO TÁCITA. REQUISITO NÃO ATENDIDO. RESCISÃO UNILATERAL REALIZADA EM DESATENÇÃO À LEGISLAÇÃO PERTINENTE. (...) "Os contratos podem, pois, estipular a renovação tácita do arrendamento ou da parceria, desde que o arrendatário ou parceiro-outorgado não manifeste intenção de rescindir o contrato dentro do prazo estipulado, ou expressamente, quando ao arrendatário incumbirá, no prazo fixado, manifestar sua vontade de permanecer no imóvel. Na ausência de notificação do arrendador, até seis meses antes do vencimento "o contrato considera-se automaticamente renovado, salvo se o arrendatário, nos trinta dias seguintes ao término do prazo para notificação, manifestar sua desistência ou formular nova proposta", conforme art. 22, § 1º, do Decreto nº 59.566. A notificação é necessária, portanto, em dois casos, segundo o art. 22 o seus §§ 1º e 2º, do mencionado Decreto, e art. 95, incs. IV e V, do Estatuto da Terra, em redação da Lei nº 11.443: a) quando houver interesses de terceiros, cabendo ao arrendador formular a proposta oferecida; b) na hipótese de retomada pelo arrendador para explorar o imóvel diretamente, ou por intermédio de descendente seu." (RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 1.085). (...)". (TJSC, Apelação n. 0000850-36.2011.8.24.0063, de São Joaquim, rel. Des. Rosane Portella Wolff, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 06-06-2016 – grifos meus). Sucede que as especificidades da hipótese focalizada remetem à solução diversa, que, embora também se distancie das teses invocadas no apelo – que tencionam, em resumo, demonstrar a ausência de ameaça à posse –, se revela viabilizada em virtude do efeito translativo inerente ao recurso de apelação (art. 1.013, § 1º, do CPC).
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A propósito, lecionam NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY: "Mesmo que a sentença não tenha apreciado todas as questões suscitadas e discutidas pelas partes, interessados e MP no processo, o recurso de apelação transfere o exame destas questões ao tribunal. Não por força do efeito devolutivo, que exige o comportamento ativo do recorrente (princípio dispositivo), mas em virtude do efeito translativo do recurso (...)". (In: Código de Processo Civil comentado. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 2222). Em acréscimo, sinalo a desnecessidade de intimação das partes para efeitos do art. 10 do CPC, justo que a análise do recurso se dará à luz do depoimento do autor e da alegação vertida na réplica no sentido de que "(...) restou convencionado verbalmente entre as partes, que os requerentes teriam o prazo de dois anos para retirar todas as suas plantas do local, sem a necessidade de pagarem o valor do arrendamento" (fl. 71), de sorte que não há falar em decisão surpresa. Pois bem, como já se disse, para a retomada do imóvel pelo arrendador, verifica-se necessária a notificação do arrendatário com antecedência mínima de seis meses, sobretudo, como forma de evitar que seja supreendido, permitindo que se organize para deixar o bem e, se o caso, estabelecer-se em outro local. No caso em liça, todavia, não se faz necessária a notificação premonitória prevista no art. 22, § 1º, do Decreto 59.566/1966, à medida que os arrendatários tinham plena ciência de que o contrato se encerraria em junho de 2012, quando deveriam entregar o terreno, já despido das plantações ali cultivadas, conforme deliberaram junto ao anterior proprietário e, posteriormente, com a concordância do adquirente, que inclusive lhes eximiram do pagamento do arrendo pelo prazo de 5 anos. Para que não restem dúvidas, transcrevo o seguinte excerto do depoimento prestado pelo autor em Juízo: "(...) eu tinha lá arrendado o terreno até faz cinco anos, quatro anos atrás
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que venceu o prazo ali que ele deu pra mim que era deu pra mais cinco anos pra mim tirar que daí ele e o filho dele ia plantar pupunha ... o seu Victor Klock, ele e o filho, ia plantar pupunha e então tinha terra pronta e não usei mais e nesse meio termo, o filho dele morreu e ele vendeu o terreno pro Geremias e aí deram prazo ... e perguntou se até junho de 2012 eu tirar tudo e eu disse eu pretendo tirar, aí eu disse bom depois se não tirar eu digo ... falei com ele ainda que não ia dar pra tirar ... dono do terreno para ele falar com ele pra ver se ele alugava mais pra mim e ele disse desde que eu não mexesse naquelas jabuticabas eu podia usar mais um mês o terreno, foi assim que terminou ... Era dois mil reais por ano ... Em junho de 2012 até ali eu tinha o prazo excluído, até 2012, até junho de 2012 tava quitado ... Ele me isentou por cinco anos que eu não precisava pagar mais ... Que tinha planta lá em cima lá e ele – Geremias – já sabia que tava alugada que era minha, que eu tinha as plantas pra tirar, ele tava ciente daquilo ... Ele comprou em 2010 ... Ele nunca me procurou, eu tava lá arrancando mudas daí uma vez ele pegou e falou pra mim quanto tempo eu ia levar pra tirar aquelas plantas lá, certeza, certeza eu não tinha, pretendo tirar até no final desse 2012, junho de 2012, aí ficou as palmeiras que era muito grande e não teve comércio naquele instante e ficou lá pra trás ... Ele só simplesmente quando eu fui falar com ele pra ver se ele alugava pra mim por mais um tempo pra mim tirar a palmeira ele disse que desde que eu não mexesse naquelas jabuticabas ele daria mais um mês ... Quando chegou deu tava vencendo o prazo em junho eu fui lá tirei a jabuticaba e botei em caixa d'água ... Não continuo – usando o terreno – só tirando ... De vez em quando, quando sai algum pedido daquelas mudas eu vou lá tirar. ...". (00:32 – 04:24 – mídia digital de fl. 99). Tais esclarecimentos se coadunam com a alegação vertida na réplica, que peço vênia para citar: "(...) restou convencionado verbalmente entre as partes, que os requerentes teriam o prazo de dois anos para retirar todas as suas plantas do local sem a necessidade de pagarem o valor do arrendamento. (...) conforme anteriormente informado, quando os requeridos adquiriram o imóvel, em dezembro de 2010, as partes convencionaram verbalmente, que os requerente teriam o prazo de dois anos para retirarem do local todas as plantas cultivadas (...)". (fls. 71/72 – grifos meus). No mesmo sentido, o depoimento prestado pelo apelante: "(...) em 2010 eu fiz o negócio, em 2011 eu recebi o terreno, eu entrei no terreno em 2011, - o sr. Arlindo - tava ocupando, tinha plantação em cima e conversando com ele, ele me falou que em 2012 vencia o contrato dele, o prazo que deram pra ele sem aluguel pra ele tirar as plantas de cima ... No mês de junho de 2012 terminaria ... Não fiz acerto nenhum esperando que em 2012 ele saía do terreno, daí em 2012 eu quis fazer um acordo mas ele não aceitou o acordo que eu fiz que era pra deixar os pés de jabuticaba, daí uma semana ele me entregou uma intimação dizendo que ele tinha direito de tirar as plantas do terreno, que ele era dono do terreno, que ele plantou ele tinha direito de colher 7
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... Até não vencer o prazo ele não me procurou arrendamento porque ele me falou que ia conseguir tirar as plantas de cima até o prazo... em junho de 2012 ... Desde 2007 ele tá em cima do terreno sem pagar aluguel, - quando comprou - sabia que não ia receber aluguel nenhum, que ele ia sair em 2012 – antes de comprar – falei – com ele – e ele me confirmou. ...". (00:28 – 02:55 – mídia digital de fl. 99). A única testemunha ouvida, arrolada pelo próprio autor, ao ser questionada sobre as nuances do negócio, também enfatizou que quando Geremias comprou o terreno ainda havia o prazo de dois anos para o encerramento do arrendamento (02:28 – mídia digital de fl. 99). A prova oral, portanto, é harmônica quanto ao fato de que os próprios apelados se comprometeram a sair do terreno em junho de 2012, tanto que, em contrapartida, ficaram sem pagar o arrendo por cinco anos. Desse modo, considerando que tinham plena ciência a respeito do término do arrendamento em junho de 2012, não se afigura lícito que aleguem a ausência de notificação premonitória para permanecer na posse do terreno após o advento do prazo ajustado, pois, do contrário, estariam se beneficiando da própria torpeza, em absoluto desalinho com o princípio da boa-fé objetiva que orienta as relações contratuais. Tal conduta, aliás, revela verdadeira violação positiva do contrato à medida que o ordenamento jurídico pátrio veda o comportamento contraditório ante o conceito parcelar intitulado venire contra factum proprium. Acerca do tema, leciona FLÁVIO TARTUCE: "Pela máxima venire contra factum proprium non potest, determinada pessoa não pode exercer um direito próprio contrariando um comportamento anterior, devendo ser mantida a confiança e o dever de lealdade, decorrentes da boa-fé objetiva. O conceito mantém relação com a tese dos atos próprios, muito bem explorada no Direito Espanhol por Luís Díez-Picazo. Para Anderson Schreiber, que desenvolveu excelente trabalho específico sobre o tema no Brasil, podem ser apontados quatro pressupostos para aplicação da proibição do comportamento contraditório: 1º) um fato próprio, uma conduta inicial; 2º) a legítima confiança de outrem na conservação do sentido objetivo dessa conduta; 3º) um comportamento contraditório com este sentido objetivo; 4º) um dano ou um potencial dano decorrente da contradição. A relação com o respeito à confiança depositada, um dos deveres anexos à boa- 8
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fé objetiva, é muito clara, conforme consta do Enunciado n. 362 da IV Jornada de Direito Civil: 'A vedação do comportamento contraditório (venire contra factum proprium) funda-se na proteção da confiança, como se extrai dos arts. 187 e 422 do Código Civil." (In: Manual de direito civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014, pp. 593-594). Desse modo, forçoso reconhecer que, sobrevindo e inobservado o prazo assumido pelo próprio arrendatário para desocupação do terreno, a posse, que era justa por força do contrato de arrendamento, transmutou-se em injusta, tornando legítima a pretensão do proprietário de retomar a coisa. É cediço que o interdito proibitório não depende, necessariamente, da prova da posse justa, pois alcança inclusive o possuidor que a detém por ato violento, clandestino ou precário (art. 1.200 do Código Civil). Nesse caso, entretanto, a proteção possessória somente pode ser invocada contra terceiro, e não contra quem seja o titular da posse justa, que inclusive pode valer-se dos meios adequados e proporcionais para reavê-la (art. 1.210, § 1º, do Código Civil). Sobre o tema, adverte FÁBIO ULHOA COELHO: "(...) Quando a posse é injusta (violenta, clandestina ou precária), o possuidor não tem direito aos interditos contra quem titulava posse justa sobre a coisa, mas somente contra terceiros que pretendam tomá-la de modo igualmente injusto. Em princípio, tanto a posse justa como a injusta dão ao possuidor direito aos interditos. Se o posseiro está tomando todas as cautelas para que a invasão perpetrada não seja percebida pelo dono da fazenda, não há dúvidas de que sua posse é clandestina e injusta. Se este último, porém, ao perceber o esbulho, providencia imediatamente a remoção do invasor de suas terras, valendo-se de meios proporcionais à agressão sofrida (autotutela), o posseiro não poderá defender sua injusta posse por via dos interditos. Mas se, enquanto durar a clandestinidade, qualquer um — exceto o dono da fazenda (ou alguém agindo em seu nome) — ameaçar, turbar ou esbulhar a posse do invasor, ele poderá defendê-la, a despeito de sua injustiça. Quer dizer, contra terceiros (isto é, pessoas não desapossadas de modo injusto), o possuidor que obteve a posse de modo violento, clandestino ou precário tem acesso aos interditos quando ela é ameaçada, turbada ou esbulhada. (...)". (In: Curso de Direito Civil: direito das coisas e direito autoral. v. 4. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, pp. 65-66 – grifos meus). Diante disso e à luz das peculiaridades anteriormente delineadas, não vislumbro que os apelados tenham "justo receio de ser molestado em sua posse" (art. 932 do CPC/73), pois me parece absolutamente justificável e 9
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legítima a pretensão do proprietário – que não ultrapassou a esfera do razoável – de retomar a área arrendada assim que aperfeiçoado o termo final do arrendamento, que, aliás, insisto, era de ciência inequívoca de ambos os polos da relação negocial. Dito de outro modo, se não há ato ilegal que justifique fundado temor e receio do possuidor perder a sua posse, inviável se mostra a ação de interdito proibitório, justo inexistir, nesse caso, direito a ser resguardado. Derradeiramente, considerando que o mérito foi resolvido em favor do apelante, reputo prejudicada a alegação relativa ao impedimento da testemunha, mesmo porque tal tese estaria acobertada pelo manto da preclusão, pois não interposto o recurso cabível a tempo e modo. À luz do exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento para julgar improcedentes os pedidos iniciais, invertendo-se os ônus sucumbenciais em desfavor dos autores. É como voto.
TCC - Vanessa Cristina Dasko - Yasmin Goncalves Bittar - A Etica Dos Advogados Dentro Das Redes Sociais, Destacando o TikTok, o Codigo de Etica Da OAB e Provimentos