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Apelação Cível n. 0001815-51.2012.8.24.

0104, de Ascurra
Relator: Desembargador Jorge Luis Costa Beber

APELAÇÃO CÍVEL. INTERDITO PROIBITÓRIO.


SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INCONFORMISMO DO
RÉU.
ARRENDAMENTO RURAL. AMEAÇA DE ESBULHO
IMPUTADA AO PROPRIETÁRIO. TENTATIVA DE
RETOMAR O BEM. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO
PREMONITÓRIA. IRRELEVÂNCIA FRENTE ÀS
PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO.
ARRENDATÁRIOS QUE ENTABULARAM ACORDO COM O
ANTERIOR PROPRIETÁRIO, CONSENTIDO PELO
ADQUIRENTE, NO SENTIDO DE QUE DEIXARIAM O
IMÓVEL EM JUNHO DE 2012. DESCABIMENTO DA
DEFESA DA POSSE COM BASE NO CONTRATO JÁ
ENCERRADO. VEDAÇÃO AO COMPORTAMENTO
CONTRADITÓRIO. OBSERVÂNCIA DA BOA-FÉ OBJETIVA.
POSSE QUE, COM O ENCERRAMENTO DO NEGÓCIO,
SE TRANSMUTOU EM INJUSTA. IMPOSSIBILIDADE DE
OPOSIÇÃO FRENTE ÀQUELE QUE DETÉM A POSSE
JUSTA, AINDA QUE INDIRETA. REFORMA DA SENTENÇA
QUE SE IMPÕE.
PREJUDICIALIDADE DA IMPUGNAÇÃO RELATIVA AO
DEPOIMENTO DA ÚNICA TESTEMUNHA OUVIDA EM
JUÍZO. JULGAMENTO EM FAVOR DO APELANTE.
AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. QUESTÃO QUE, ADEMAIS,
ESTARIA ABARCADA PELO MANTO DA PRECLUSÃO
ANTE A NÃO INTERPOSIÇÃO DO RECURSO CABÍVEL A
TEMPO E MODO.
INVERSÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS.
RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.


0001815-51.2012.8.24.0104, da comarca de Ascurra Vara Única em que é
Apelante Geremias Schmidt e são Apelados Arlindo Hermann e outro.
A Primeira Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime,
conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Custas legais.
O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr.
Des. Raulino Jacó Brüning, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. André
Carvalho.
Florianópolis, 28 de junho de 2018.

Desembargador Jorge Luis Costa Beber


Relator

Gabinete Desembargador Jorge Luis Costa Beber


RELATÓRIO

Geremias Schmidt interpôs apelação cível contra a sentença que


julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na "ação de interdito
proibitório c/c pedido liminar", que move lhe move Arlindo Hermann e Arlete de
Oliveira Hermann, nos seguintes termos:
"(...) Ante o exposto, resolvendo o mérito, na forma do art. 487, inc. I, do
CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos contidos na inicial
para:
a) Acolher a preliminar de ilegitimidade passiva da Ré Avani Cripriani
Schmidt e, em consequência, julgo extinto o processo, sem resolução de
mérito, em relação a esta, o que faço com fundamento no art. 485, inc. VI, do
CPC;
B) Confirmar a liminar deferida, determinando ao Réu Geremias que se
abstenha de promover qualquer ato de turbação ou esbulho à posse dos
Autores, sob pena de multa diária no valor de R$ 2.000,00.
Condeno os Autores ao pagamento dos honorários advocatícios fixados
do procurador da Ré Avani Cipriani, fixados em R$ 1.500,00 (um mil e
quinhentos reais), a teor do disposto nos arts. 85, §§ 8º, do CPC.
Condeno o Réu Geremias ao pagamento de despesas processuais e
honorários advocatícios dos Autores, fixados em R$ 2.500,00 (dois mil e
quinhentos reais), a teor do disposto nos arts. 85, § 8º e 86, § único, ambos do
CPC. (...)". (fls. 119/120).
Alega, em resumo, que a sentença não se coaduna com as provas
encartadas ao processo, notadamente quanto aos atos de esbulho que lhe foram
imputados.
Questiona a veracidade do depoimento prestado pela testemunha
arrolada pelo apelado, acentuando que era sua empregada e que, desse modo,
possui interesse no litígio, e, ademais, nunca presenciou qualquer espécie de
ameaça à posse.
Destaca, também, que o depoimento da aludida testemunha não se
harmoniza com as teses suscitadas na peça de ingresso, pois relata apenas uma
única ameaça, ao passo que a inicial faz referência a diversas situações.
Noutro norte, aponta que se limitou a propor que o recorrido
desocupasse suas terras de forma amigável, conforme corroborado pela prova
oral, o que não pode ser interpretado como ameaça.
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Contrarrazões às fls. 138/142.
Na sequência, os autos alçaram a esta eg. Corte de Justiça e, em
seguida, vieram-me conclusos.

VOTO

Satisfeitos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.


O apelo investe contra a sentença que julgou parcialmente
procedentes os pedidos iniciais, determinando que o réu/apelante se abstenha
de praticar qualquer ato de turbação ou esbulho na posse exercida pelo
autor/apelado, sob pena de multa diária de R$ 2.000,00.
O édito combatido, a meu aviso, comporta reparos.
De saída, esclareço que o litígio possessório recai sobre a parcela
do imóvel rural de propriedade do apelante (matrícula n. 2794 - fls. 47/48), com
área de aproximadamente 1 hectare, na qual os apelados cultivam plantas
ornamentais, por força de contrato de arrendamento rural firmado com o antigo
proprietário em 20.06.1997 (fl. 16).
É cediço que, nos termos do art. 15 do Decreto n. 59.566/1966,
"alienação do imóvel rural ou a instituição de ônus reais sobre ele, não
interrompe os contratos agrários, ficando o adquirente ou o beneficiário, sub-
rogado nos direitos e obrigações do alienante ou do instituidor do ônus".
Não menos certo, como acertadamente ponderou o juiz singular,
que o encerramento do arrendamento rural pelo arrendador depende da prévia
notificação do arrendatário, sob pena de renovação automática do contrato,
conforme estatui o art. 22, § 1º, do aludido Decreto:
"Art 22. Em igualdade de condições com terceiros, o arrendatário terá
preferência à renovação do arrendamento, devendo o arrendador até 6 (seis)
meses antes do vencimento do contrato, notificá-lo das propostas recebidas,
instruindo a respectiva notificação com cópia autêntica das mesmas (art. 95, IV,
do Estatuto da Terra).
§ 1º Na ausência de notificação, o contrato considera-se
automaticamente renovado, salvo se o arrendatário, nos 30 (trinta) dias
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seguintes ao do término do prazo para a notificação manifestar sua desistência
ou formular nova proposta (art. 95, IV, do Estatuto da Terra)" (grifos meus).
Na hipótese dos autos, não há controvérsia quanto à ausência de
notificação formal dos arrendatários acerca do interesse do apelante em encerrar
o ajuste, o que, em princípio, legitimaria o exercício da posse, assegurando sua
defesa através dos correspondentes interditos.
Nesse sentido, já decidiu este Sodalício:
"(...) MÉRITO. NEGOCIAÇÕES REALIZADAS PELOS LITIGANTES QUE
SE REFEREM À AVENÇA DE PARCERIA AGRÍCOLA SEGUIDA DE DOIS
CONTRATOS DE ARRENDAMENTO RURAL. OBSERVÂNCIA DA DISTINÇÃO
EXISTENTE ENTRE AS ESPÉCIES CONTRATUAIS. NECESSIDADE DE
NOTIFICAÇÃO PARA A RETOMADA DO IMÓVEL, SOB PENA DE
PRORROGAÇÃO TÁCITA. REQUISITO NÃO ATENDIDO. RESCISÃO
UNILATERAL REALIZADA EM DESATENÇÃO À LEGISLAÇÃO
PERTINENTE.
(...) "Os contratos podem, pois, estipular a renovação tácita do
arrendamento ou da parceria, desde que o arrendatário ou parceiro-outorgado
não manifeste intenção de rescindir o contrato dentro do prazo estipulado, ou
expressamente, quando ao arrendatário incumbirá, no prazo fixado, manifestar
sua vontade de permanecer no imóvel.
Na ausência de notificação do arrendador, até seis meses antes do
vencimento "o contrato considera-se automaticamente renovado, salvo se
o arrendatário, nos trinta dias seguintes ao término do prazo para
notificação, manifestar sua desistência ou formular nova proposta",
conforme art. 22, § 1º, do Decreto nº 59.566.
A notificação é necessária, portanto, em dois casos, segundo o art.
22 o seus §§ 1º e 2º, do mencionado Decreto, e art. 95, incs. IV e V, do
Estatuto da Terra, em redação da Lei nº 11.443: a) quando houver
interesses de terceiros, cabendo ao arrendador formular a proposta
oferecida; b) na hipótese de retomada pelo arrendador para explorar o
imóvel diretamente, ou por intermédio de descendente seu." (RIZZARDO,
Arnaldo. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 1.085). (...)". (TJSC,
Apelação n. 0000850-36.2011.8.24.0063, de São Joaquim, rel. Des. Rosane
Portella Wolff, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 06-06-2016 – grifos meus).
Sucede que as especificidades da hipótese focalizada remetem à
solução diversa, que, embora também se distancie das teses invocadas no apelo
– que tencionam, em resumo, demonstrar a ausência de ameaça à posse –, se
revela viabilizada em virtude do efeito translativo inerente ao recurso de apelação
(art. 1.013, § 1º, do CPC).

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A propósito, lecionam NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE
ANDRADE NERY:
"Mesmo que a sentença não tenha apreciado todas as questões
suscitadas e discutidas pelas partes, interessados e MP no processo, o recurso
de apelação transfere o exame destas questões ao tribunal. Não por força do
efeito devolutivo, que exige o comportamento ativo do recorrente (princípio
dispositivo), mas em virtude do efeito translativo do recurso (...)". (In: Código de
Processo Civil comentado. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p.
2222).
Em acréscimo, sinalo a desnecessidade de intimação das partes
para efeitos do art. 10 do CPC, justo que a análise do recurso se dará à luz do
depoimento do autor e da alegação vertida na réplica no sentido de que "(...)
restou convencionado verbalmente entre as partes, que os requerentes teriam o
prazo de dois anos para retirar todas as suas plantas do local, sem a
necessidade de pagarem o valor do arrendamento" (fl. 71), de sorte que não há
falar em decisão surpresa.
Pois bem, como já se disse, para a retomada do imóvel pelo
arrendador, verifica-se necessária a notificação do arrendatário com
antecedência mínima de seis meses, sobretudo, como forma de evitar que seja
supreendido, permitindo que se organize para deixar o bem e, se o caso,
estabelecer-se em outro local.
No caso em liça, todavia, não se faz necessária a notificação
premonitória prevista no art. 22, § 1º, do Decreto 59.566/1966, à medida que os
arrendatários tinham plena ciência de que o contrato se encerraria em junho
de 2012, quando deveriam entregar o terreno, já despido das plantações ali
cultivadas, conforme deliberaram junto ao anterior proprietário e,
posteriormente, com a concordância do adquirente, que inclusive lhes
eximiram do pagamento do arrendo pelo prazo de 5 anos.
Para que não restem dúvidas, transcrevo o seguinte excerto do
depoimento prestado pelo autor em Juízo:
"(...) eu tinha lá arrendado o terreno até faz cinco anos, quatro anos atrás

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que venceu o prazo ali que ele deu pra mim que era deu pra mais cinco anos
pra mim tirar que daí ele e o filho dele ia plantar pupunha ... o seu Victor Klock,
ele e o filho, ia plantar pupunha e então tinha terra pronta e não usei mais e
nesse meio termo, o filho dele morreu e ele vendeu o terreno pro Geremias e aí
deram prazo ... e perguntou se até junho de 2012 eu tirar tudo e eu disse eu
pretendo tirar, aí eu disse bom depois se não tirar eu digo ... falei com ele ainda
que não ia dar pra tirar ... dono do terreno para ele falar com ele pra ver se ele
alugava mais pra mim e ele disse desde que eu não mexesse naquelas
jabuticabas eu podia usar mais um mês o terreno, foi assim que terminou ... Era
dois mil reais por ano ... Em junho de 2012 até ali eu tinha o prazo excluído, até
2012, até junho de 2012 tava quitado ... Ele me isentou por cinco anos que eu
não precisava pagar mais ... Que tinha planta lá em cima lá e ele – Geremias –
já sabia que tava alugada que era minha, que eu tinha as plantas pra tirar, ele
tava ciente daquilo ... Ele comprou em 2010 ... Ele nunca me procurou, eu tava
lá arrancando mudas daí uma vez ele pegou e falou pra mim quanto tempo eu
ia levar pra tirar aquelas plantas lá, certeza, certeza eu não tinha, pretendo tirar
até no final desse 2012, junho de 2012, aí ficou as palmeiras que era muito
grande e não teve comércio naquele instante e ficou lá pra trás ... Ele só
simplesmente quando eu fui falar com ele pra ver se ele alugava pra mim por
mais um tempo pra mim tirar a palmeira ele disse que desde que eu não
mexesse naquelas jabuticabas ele daria mais um mês ... Quando chegou deu
tava vencendo o prazo em junho eu fui lá tirei a jabuticaba e botei em caixa
d'água ... Não continuo – usando o terreno – só tirando ... De vez em quando,
quando sai algum pedido daquelas mudas eu vou lá tirar. ...". (00:32 – 04:24 –
mídia digital de fl. 99).
Tais esclarecimentos se coadunam com a alegação vertida na
réplica, que peço vênia para citar:
"(...) restou convencionado verbalmente entre as partes, que os
requerentes teriam o prazo de dois anos para retirar todas as suas plantas
do local sem a necessidade de pagarem o valor do arrendamento.
(...) conforme anteriormente informado, quando os requeridos
adquiriram o imóvel, em dezembro de 2010, as partes convencionaram
verbalmente, que os requerente teriam o prazo de dois anos para retirarem
do local todas as plantas cultivadas (...)". (fls. 71/72 – grifos meus).
No mesmo sentido, o depoimento prestado pelo apelante:
"(...) em 2010 eu fiz o negócio, em 2011 eu recebi o terreno, eu entrei no
terreno em 2011, - o sr. Arlindo - tava ocupando, tinha plantação em cima e
conversando com ele, ele me falou que em 2012 vencia o contrato dele, o prazo
que deram pra ele sem aluguel pra ele tirar as plantas de cima ... No mês de
junho de 2012 terminaria ... Não fiz acerto nenhum esperando que em 2012 ele
saía do terreno, daí em 2012 eu quis fazer um acordo mas ele não aceitou o
acordo que eu fiz que era pra deixar os pés de jabuticaba, daí uma semana ele
me entregou uma intimação dizendo que ele tinha direito de tirar as plantas do
terreno, que ele era dono do terreno, que ele plantou ele tinha direito de colher
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... Até não vencer o prazo ele não me procurou arrendamento porque ele me
falou que ia conseguir tirar as plantas de cima até o prazo... em junho de 2012
... Desde 2007 ele tá em cima do terreno sem pagar aluguel, - quando comprou
- sabia que não ia receber aluguel nenhum, que ele ia sair em 2012 – antes de
comprar – falei – com ele – e ele me confirmou. ...". (00:28 – 02:55 – mídia
digital de fl. 99).
A única testemunha ouvida, arrolada pelo próprio autor, ao ser
questionada sobre as nuances do negócio, também enfatizou que quando
Geremias comprou o terreno ainda havia o prazo de dois anos para o
encerramento do arrendamento (02:28 – mídia digital de fl. 99).
A prova oral, portanto, é harmônica quanto ao fato de que os
próprios apelados se comprometeram a sair do terreno em junho de 2012,
tanto que, em contrapartida, ficaram sem pagar o arrendo por cinco anos.
Desse modo, considerando que tinham plena ciência a respeito do
término do arrendamento em junho de 2012, não se afigura lícito que aleguem a
ausência de notificação premonitória para permanecer na posse do terreno após
o advento do prazo ajustado, pois, do contrário, estariam se beneficiando da
própria torpeza, em absoluto desalinho com o princípio da boa-fé objetiva
que orienta as relações contratuais.
Tal conduta, aliás, revela verdadeira violação positiva do contrato à
medida que o ordenamento jurídico pátrio veda o comportamento contraditório
ante o conceito parcelar intitulado venire contra factum proprium.
Acerca do tema, leciona FLÁVIO TARTUCE:
"Pela máxima venire contra factum proprium non potest, determinada
pessoa não pode exercer um direito próprio contrariando um comportamento
anterior, devendo ser mantida a confiança e o dever de lealdade, decorrentes
da boa-fé objetiva. O conceito mantém relação com a tese dos atos próprios,
muito bem explorada no Direito Espanhol por Luís Díez-Picazo.
Para Anderson Schreiber, que desenvolveu excelente trabalho específico
sobre o tema no Brasil, podem ser apontados quatro pressupostos para
aplicação da proibição do comportamento contraditório: 1º) um fato próprio, uma
conduta inicial; 2º) a legítima confiança de outrem na conservação do sentido
objetivo dessa conduta; 3º) um comportamento contraditório com este sentido
objetivo; 4º) um dano ou um potencial dano decorrente da contradição. A
relação com o respeito à confiança depositada, um dos deveres anexos à boa-
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fé objetiva, é muito clara, conforme consta do Enunciado n. 362 da IV Jornada
de Direito Civil: 'A vedação do comportamento contraditório (venire contra
factum proprium) funda-se na proteção da confiança, como se extrai dos arts.
187 e 422 do Código Civil." (In: Manual de direito civil. 4. ed. Rio de Janeiro:
Forense; São Paulo: Método, 2014, pp. 593-594).
Desse modo, forçoso reconhecer que, sobrevindo e inobservado o
prazo assumido pelo próprio arrendatário para desocupação do terreno, a posse,
que era justa por força do contrato de arrendamento, transmutou-se em
injusta, tornando legítima a pretensão do proprietário de retomar a coisa.
É cediço que o interdito proibitório não depende, necessariamente,
da prova da posse justa, pois alcança inclusive o possuidor que a detém por ato
violento, clandestino ou precário (art. 1.200 do Código Civil). Nesse caso,
entretanto, a proteção possessória somente pode ser invocada contra terceiro, e
não contra quem seja o titular da posse justa, que inclusive pode valer-se dos
meios adequados e proporcionais para reavê-la (art. 1.210, § 1º, do Código Civil).
Sobre o tema, adverte FÁBIO ULHOA COELHO:
"(...) Quando a posse é injusta (violenta, clandestina ou precária), o
possuidor não tem direito aos interditos contra quem titulava posse justa
sobre a coisa, mas somente contra terceiros que pretendam tomá-la de modo
igualmente injusto.
Em princípio, tanto a posse justa como a injusta dão ao possuidor direito
aos interditos. Se o posseiro está tomando todas as cautelas para que a
invasão perpetrada não seja percebida pelo dono da fazenda, não há dúvidas
de que sua posse é clandestina e injusta. Se este último, porém, ao perceber
o esbulho, providencia imediatamente a remoção do invasor de suas
terras, valendo-se de meios proporcionais à agressão sofrida (autotutela),
o posseiro não poderá defender sua injusta posse por via dos interditos.
Mas se, enquanto durar a clandestinidade, qualquer um — exceto o dono da
fazenda (ou alguém agindo em seu nome) — ameaçar, turbar ou esbulhar a
posse do invasor, ele poderá defendê-la, a despeito de sua injustiça. Quer dizer,
contra terceiros (isto é, pessoas não desapossadas de modo injusto), o
possuidor que obteve a posse de modo violento, clandestino ou precário tem
acesso aos interditos quando ela é ameaçada, turbada ou esbulhada. (...)". (In:
Curso de Direito Civil: direito das coisas e direito autoral. v. 4. 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 2012, pp. 65-66 – grifos meus).
Diante disso e à luz das peculiaridades anteriormente delineadas,
não vislumbro que os apelados tenham "justo receio de ser molestado em sua
posse" (art. 932 do CPC/73), pois me parece absolutamente justificável e
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legítima a pretensão do proprietário – que não ultrapassou a esfera do razoável –
de retomar a área arrendada assim que aperfeiçoado o termo final do
arrendamento, que, aliás, insisto, era de ciência inequívoca de ambos os
polos da relação negocial.
Dito de outro modo, se não há ato ilegal que justifique fundado
temor e receio do possuidor perder a sua posse, inviável se mostra a ação de
interdito proibitório, justo inexistir, nesse caso, direito a ser resguardado.
Derradeiramente, considerando que o mérito foi resolvido em favor
do apelante, reputo prejudicada a alegação relativa ao impedimento da
testemunha, mesmo porque tal tese estaria acobertada pelo manto da preclusão,
pois não interposto o recurso cabível a tempo e modo.
À luz do exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento para
julgar improcedentes os pedidos iniciais, invertendo-se os ônus sucumbenciais
em desfavor dos autores.
É como voto.

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