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Alexandre Stevens
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metonímia e metáfora se conjugam para participar de uma invenção de palavra, ato de
fala, que sempre produz um cintilar do sentido. Pensemos no esquecimento de Signorelli
[3] por Freud, onde ele faz ressoar Botticelli e Boltraffio, Herr e Signor, a morte e o medo
da castração.
O sintoma ele mesmo é para Freud coextensivo às formações do inconsciente.
Pelo menos em seu efeito de criação de sentido. Pensemos no pequeno sintoma de dor
no osso sacro (Kreutz em alemão) que uma paciente de Freud apresenta um dia, e que
surge pelo equívoco que Freud o faz ter: “você carrega sua cruz” (também Kreutz em
alemão). Isso mostra como uma invenção significante vem exprimir, através da dor do
sintoma, as dificuldades de sua vida conjugal. Uma invenção com um acréscimo de
sentido, portanto.
Mas o sintoma não é apenas uma invenção de um sentido novo, ele é também
gozo (jouis-sens como escreve Lacan). Ele satisfaz o inconsciente, mas é uma
satisfação paradoxal, uma vez que ela é acompanhada da dor do sintoma.
A poesia também visa um gozo, pelo menos um gozo do cintilar do sentido, ela é
como diz Lacan sens jouit (sentido gozado ou sentido-de-gozo). Mas esse gozo, por ser
elaborado na multiplicidade de sentidos do poema, ao mesmo tempo forra, limita o
domínio das pulsões e o império das paixões. Às vezes com um efeito real sobre os
discursos mantidos no mundo. Assim como a invenção do amor cortês, que culmina com
“A divina comédia de Dante”. Como sublinha Antonio di Cacia “é impensável cantar o
amor fora dessa tradição” [4]. Há aí a invenção não somente de um novo sentido, mas de
um modo de suplência à relação sexual (que não existe, diz Lacan) para toda uma
civilização.
O sintoma também faz suplência para o sujeito a essa não relação. E às vezes ele
utiliza a poesia para isso, quando ele é capaz, como é o caso de Nerval, cuja vida e o
delírio se confundem e se exprimem de uma só vez em seus poemas – sobretudo os para
Aurélia.
Mas mesmo quando não é poesia, o sintoma está no mesmo lugar que essa
suplência. Sendo ao mesmo tempo sentido, gozo e suplência, que limitam e organizam
esse gozo, o sintoma é poema. E “o analista-poeta é aquele que pode dar lugar à
demonstração de que o sintoma é poema, de que em sua articulação entre o gozo e seu
envelope formal, ele dá acesso a efeitos de criação”[5]. O sintoma articula o vivente à
letra, conjuga o mortal e o imortal. Não é exatamente a mesma coisa com o poema?
Um último ponto sobre o qual a poesia e a psicanálise se encontram, é que elas
lidam com a linguagem enquanto não servindo essencialmente à comunicação, mas ao
gozo, como demonstra muito bem o “-lizmente” de Michel Leiris, e o que ele diz aí de
perda de gozo ao passar para o “felizmente” da comunicação[6].
Nesse espaço entre significante e significado, onde o sentido é gozado, se abrem
todas as possibilidades de intepretação. A interpretação do analista-poeta é feita de
equívocos: “a integral dos equívocos”[7][**]. E ele declina os modos no “Aturdito”: pela
homofonia, pela gramática, mas também pela lógica, sem a qual a interpretação seria
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imbecil. A interpretação analítica deve fazer limite ao sintoma-poema demonstrando-o
como tal pela sua formalização contrária ao sentido. Portanto, o objetivo final do analista
não é mais encontrar o sentido último mais verdadeiro do que qualquer outro, mas
encontrar e aceitar o não-sentido, produtor do sentido.
Tradução: Arryson Zenith Jr.
Notas
*Resumo da conferência de Alexandre Stevens em Moscou
[1] Miller, J.-A. “Um esforço de poesia”, Orientação Lacaniana III, 2002-2003, curso
inédito.
[2] Lacan, J. “O seminário, Livro 5” As formações do inconsciente, 1957-1958
[3] Freud, S. Psicopatologia da vida cotidiana
[4] Di Ciaccia A. “Psychanalyse et poésie”, revista Quarto 80/81, 2004
[5] Laurent, É. “La poétique du cas lacanien, conference à Buenos Aires”, Revista Quarto
80/81, 2004
[6] Miller, J.-A. “L’écrit dans la parole”, Les Feuillets du Courtil, 1996, pp 15-16
[7] Lacan J. “O aturdito”, Outros Escritos, Zahar, p. 490.
**Há na expressão em francês “l’integrale des équivoques” um efeito de equívoco.
“L’integral” pode se referir à “íntegra” dos equívocos, no sentido de sua totalidade, ou à
“integral”, que é uma função matemática usada em Cálculo.
Texto original em francês extraído de: Revista Quarto, nº 83, Bélgica, 2005, p. 36-37
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