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O TEATRO COMO INSTRUMENTO NA

CONSTRUÇÃO DE VALORES ÉTICOS


NA EDUCAÇÃO1

NEIRIMAR CERQUEIRA DE ASSIS COSTA


MEMBRO DO CENTRO DE PESQUISAS ESTRATÉGICAS “PAULINO SOARES DE SOUSA”, DA UFJF.
DIRETORA DA ESCOLA MUNICIPAL “PROFESSORA CLOTILDE ROCHA”, BARROSO, MG.
PROFESSORA DA UNIPAC – BARROSO, MG.
FORMADA EM PEDAGOGIA PELA UNIPAC, BARBACENA.
ESPECIALISTA EM EDUCAÇÃO PELA UFJF.
CNEIRIMAR@IG.COM.BR

RESUMO

O presente trabalho apresenta uma pesquisa de investigação a respeito da


contribuição que o teatro pode oferecer no desenvolvimento emocional, afetivo e
intelectual da criança. Busquei a observação de um pequeno grupo de alunos da Escola
Estadual “Gal. Silvano Albertoni”, de Barroso-MG. O ponto central para tal observação
era a indisciplina, falta de interesse e dificuldades de concentração. Os estudos
demonstraram que as causas dessas atitudes se fundamentavam em sentimentos de baixa
auto-estima e falta de um relacionamento de integração no ambiente escolar. Para
pesquisar essa hipótese foi feito um estudo na tentativa de compreender os aspectos
filosóficos, psicológicos e sociais que influenciavam tais atitudes. Foi tomado como base
idéias de Platão na relação entre arte e educação; estudos de Vygotsky sobre o
desenvolvimento psicológico com relação à arte e a observação com os alunos da escola
objetivando atividades que aproximassem educandos e educadores através de jogos teatrais
e dramatizações. Este grupo de alunos durante o trabalho apresentou mudanças de
comportamento, concentrando-se mais e conseqüentemente apontando melhorias na
aprendizagem. Através de dramatizações foi possível observar a elevação da auto-estima,
contribuindo para o desenvolvimento afetivo do grupo. Conhecer o aluno e saber responder

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Monografia apresentada, em 2003, ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UFJF, como requisito
para a obtenção do grau de Especialista em Arte na Educação Infantil. A Monografia foi orientada pelo
Prof.dr. Ricardo Vélez Rodríguez.
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às suas necessidades pode ser um caminho para tantos quantos estiverem dispostos a
melhorar sua prática pedagógica e encorajar seus alunos para que eles possam
compreender o significado da escola em sua vida.

PALAVRAS-CHAVE: Educação, teatro, auto-estima, arte, aprendizagem.

INTRODUÇÃO

Na civilização Grega já se estabelecia uma relação entre a arte e a educação.


Filósofos como Platão (428 a 347 a C.) e Pitágoras (570 a 497 a C.) teciam suas
considerações a respeito da contribuição que a arte oferecia, tendo em vista a formação
humanística, ou mesmo como parte integrante da formação científica ou na carreira militar.

A educação atualmente visa não só aspectos formativos, mas também outros


que pressupõem uma educação inacabada em constante evolução. A educação para a
cidadania, a busca de valores éticos e a felicidade, são reconhecidas como fundamentais na
ação de educadores e pedagogos, que percebem a necessidade de transformação do
pensamento e de atitudes. O educador está em constante reflexão no sentido de repensar a
prática pedagógica e organizar a intervenção educacional de maneira a propor situações de
aprendizagem ajustadas às capacidades cognitivas dos alunos.

Somando-se a este esforço o presente trabalho procura demonstrar a


contribuição filosófica do pensamento de Platão e Pitágoras, que afirmam a importância da
arte na formação humanística. Fatores psicológicos ressaltados por Vygotski, que
pesquisou a relação entre arte e o ser humano, foi necessário para o entendimento de
fatores emocionais que permearam o estudo.

Na tentativa de compreender a relação entre a vida escolar e a vida cotidiana


de meus alunos, senti-me motivada a iniciar um trabalho de campo na Escola Estadual
“Gal. Silvano Albertoni”, na cidade de Barroso, pressupondo mudanças de atitudes usando
como instrumento o teatro.

Atenta aos fatores que interferiam na aprendizagem e na motivação; atrelada


a insatisfações atribuídas aos alunos, educadores e também ao sistema de ensino, busquei a
compreensão dos motivos que desencadearam reações adversas provocadas por
insatisfações.

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Se o projeto educacional exige renovar o processo de ensino e


aprendizagem, este precisa se preocupar em preservar o desejo de conhecer e de saber com
que todas as crianças chegam à escola. É preciso manter o vínculo com o conhecimento e
não destruí-lo através do fracasso. Deve-se potencializar a aprendizagem, bem como a
satisfação dos educandos.

Acreditando na arte como instrumento no desenvolvimento do pensamento e


de valores éticos na educação e na vida social, parti para verificar através do teatro essa
hipótese. Desenvolvi uma pesquisa com alunos que apresentavam, aos olhos de muitos,
uma auto-estima deficiente, assim como dificuldades de aprendizagem e de
comportamento. Como resultante de tais comportamentos o desinteresse é fator visível, o
que dificulta a relação professor-aluno e o processo ensino-aprendizagem.

O trabalho é colocado em prática durante o ano de dois mil e dois, durante


aulas de Educação Religiosa, em módulos de cinqüenta minutos por semana. A princípio
são feitas investigações sobre o contexto social e escolar dos alunos, a vida acadêmica dos
profissionais da escola, e também sobre concepções a respeito da arte e moralidade. A
autora procura desenvolver o trabalho de pesquisa contando com a colaboração dos alunos.
O prosseguimento das atividades acontece conforme resultados obtidos a cada encontro.
Os jogos teatrais se tornam importantes aliados na descoberta de informações.

O aspecto psicológico muito pode representar na busca de resultados. A


pesquisa estende-se ao estudo da Psicologia da Arte segundo a obra de Vygotski, sem
esquecer, por outro lado, os aspectos filosóficos e a história da arte, em particular do teatro.

A documentação relativa às atividades e reações dos alunos, bem como o


registro de todas as opiniões destes, são instrumentos necessários ao desenvolvimento de
cada parte deste trabalho. As reflexões são expostas no final, tendo em vista a verificação
dos objetivos e também da contribuição que pode oferecer no processo educacional.

Ao propor a pesquisa, o objetivo maior foi o de poder contribuir para uma


educação dentro de uma abordagem construtivista, que considere o desenvolvimento
pessoal, proporcionando a articulação de significados e um ensino de qualidade, que visa
formar cidadãos capazes de interferir criticamente na realidade para transformá-la.

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As questões relativas à globalização, aos avanços tecnológicos e científicos


e à discussão ético-valorativa da atual sociedade, atribuem à escola importante tarefa de
preparar os nossos alunos para que participem da vida social, cultural e política em nosso
país.

Se a aprendizagem for uma experiência de sucesso, o aluno constrói uma


representação positiva de si e do mundo em que vive.

1 FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO ARTÍSTICA


NO CONTEXTO DO PROCESSO EDUCACIONAL

Desde muito antigo, ainda na Civilização Grega, foi estabelecida a relação


entre arte e educação, na obra de grandes filósofos como Pitágoras de Samos (570-497
a.C.) e Platão (428-347 a. C.).

A influência de Platão no pensamento ocidental foi muito grande. Ele


insistia em que a Educação Artística da criança e do jovem sensibiliza o educando em face
dos ideais e era, assim, o ponto de partida para a educação moral.

1.1 Considerações iniciais acerca da educação artística na história da cultura


ocidental

Pitágoras considerava que a harmonia do mundo poder-se-ia traduzir em


proporções numéricas e que, de outro lado, a música era constituída basicamente também
por relações entre números. Dessa forma, para Pitágoras, a educação artística poderia
estabelecer uma ponte entre música e matemáticas, ou melhor, a música seria uma espécie
de preparação para a apreensão da harmonia do mundo através dos números. O sistema
educativo grego passou a incorporar, assim, desde muito antigo, a formação artística como
preparação para o conhecimento científico. Não havia, portanto, separação entre ensino
humanístico (do qual as artes formavam parte, sendo a música o aspecto fundamental) e
ensino técnico e matemático. As modernas teorias psicológicas que mostram que as
crianças que tiveram educação musical conseguem um melhor desempenho no aprendizado
das matemáticas, vêm corroborar aquela antiga intuição pedagógica dos pitagóricos.

O filósofo alemão Friedrich Nietzsche, um dos mais importantes estudiosos


da filosofia pitagórica no século XIX, escreveu o seguinte, acerca da relação existente, na

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mencionada filosofia, entre música, matemáticas e ciência, destacando a harmonia que é


revelada em todas essas manifestações do espírito humano:

O ponto de partida que permite afirmar que tudo o que é qualitativo é


quantitativo, encontra-se na acústica. (...) A música, com efeito, é o melhor exemplo do
que queriam dizer os pitagóricos. A música, como tal, só existe em nossos nervos e em
nosso cérebro; fora de nós ou em si mesma (...), compõe-se somente de relações numéricas
quanto ao ritmo, se trata de sua quantidade, e quanto à tonalidade, se trata de sua
qualidade, conforme se considere o elemento harmônico ou o elemento rítmico. No mesmo
sentido poder-se-ia exprimir o ser do universo, do qual a música é, pelo menos em certo
sentido, a imagem, exclusivamente com o auxílio de números. E tal é, estritamente, o
domínio da química e das ciências naturais. Trata-se de encontrar fórmulas matemáticas
para as forças absolutamente impenetráveis. Nossa ciência é, nesse sentido, pitagórica (...).
A contribuição original dos pitagóricos é, pois, uma invenção extremamente importante: a
significação do número e, portanto, a possibilidade de uma investigação exata em física.
Nos outros sistemas de física, tratava-se sempre de elementos e de sua combinação. As
qualidades nasciam por combinação ou por dissociação; agora, enfim, afirma-se que as
qualidades residem na diversidade das proporções, Mas esse pressentimento estava ainda
longe da aplicação exata. Contentou-se, provisoriamente, com analogias fantasiosas.
(NIETZSCHE, 1973, p. 62)

A educação através da arte era essencial ao sistema educativo na Grécia


antiga, seja como parte integrante da formação científica, ou na carreira militar.
Efetivamente, a formação artística, ao familiarizar o jovem com a beleza e a perfeição,
preparava-o tanto para a apreensão da ordem cósmica como para a conservação da ordem
no mundo político, sendo a defesa da cidade o elemento fundamental. O ideal grego
consistia na preservação de um valor que era ao mesmo tempo estético e político: a bela
morte na defesa da cidade. Tal é o ideal que permeia a Tragédia grega, em Ésquilo,
Sófocles ou Eurípedes. A educação artística constituía a base para a formação do caráter
do cidadão comum e dos defensores da cidade. (JAEGER, 1967)

Platão considerava a importância de um ensino público de qualidade


destacando-se assim como precursor desse tipo de ensino. A responsabilidade em ministrar
a educação básica deveria ser do Estado. Ele achava que o Estado ateniense fechava os

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olhos à sua responsabilidade. “Atenas pagava o preço por sua negligência: era governada,
como merecia, por estadistas ignorantes e ineficientes”. (BARKER apud PLATÃO,1984,
p. 28)

A nossa alma para Platão é imortal. Ao conhecermos as coisas belas do


mundo, nos remontamos até o Belo, proveniente da divindade. As perfeições do mundo
finito revelam, assim, a perfeição eterna do Bem Supremo. Por isso devemos zelar para
que nossa alma não se atrele ao passageiro. A prática da virtude, em que consiste a vida
moral, essa é a verdadeira grandeza da nossa alma. Mas a contemplação do Belo nos
habilita para empreendermos a caminhada rumo às nossas origens divinas. Essas idéias
encontram-se presentes no belo diálogo Fédon, em que Platão recolhe os ensinamentos do
seu mestre Sócrates. Eis uma parte central do mencionado diálogo:

Quanto a mim, estou firmemente convencido, de um modo simples e


natural, e talvez até ingênuo, que o que faz belo um objeto é a existência daquele Belo em
si, de qualquer modo que se faça a sua comunicação com este. O modo por que essa
participação se efetua, não o examino neste momento; afirmo apenas que tudo que é belo
(é tal) em virtude do Belo em si. Acho que é muitíssimo acertado, para mim e para os
demais, resolver assim o problema, e creio não errar adotando esta convicção. Por isso
digo convictamente, a mim e aos demais, que o que é belo é belo por meio do Belo.
(PLATÃO, 1987, p. 107 e 115)

Na obra A República, Platão considerava o corpo humano dividido em três


partes: cabeça, peito e baixo-ventre, cada uma das partes ligadas, respectivamente, à razão,
à vontade, e ao desejo ou prazer. Cada uma das características possui um ideal ou uma
virtude.

A razão deve aspirar à sabedoria, a vontade deve mostrar a coragem e os


desejos devem ser controlados a fim de se chegar à temperança. Quando as três partes do
homem se fundem é possível chegar à sabedoria.

A prática pedagógica, centrada na valorização dos aspectos humanísticos,


visa principalmente a tentar compreender o que está subjacente às atitudes diárias, a
compreender as potencialidades buscando a felicidade.

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A educação objetiva não só aspectos formativos, mas também, outros


advindos da adaptação humana ao meio. Ela é sempre inacabada, em constante evolução e
inspira ações dos educandos de maneira consciente, livre e responsável.

A educação moral, para a filosofia grega, é um processo de construção de si


mesmo. É dar forma à própria identidade, mediante reflexões e ações resultantes da
convivência dia-a-dia. A respeito disto, Aristóteles (384-322 a. C.), destacava que para
educar os jovens na virtude, estes deveriam ser treinados na repetição de atos virtuosos,
pois somente assim poder-se-ia criar o hábito. A respeito, frisava o filósofo:

Nenhuma das virtudes morais surge em nós por natureza; com efeito, nada
do que existe naturalmente pode formar um hábito contrário à sua natureza. Por exemplo, à
pedra que por natureza se move para baixo não se pode imprimir o hábito de ir para cima,
ainda que tentemos adestrá-la jogando-a dez mil vezes no ar; nem se pode habituar o fogo
a dirigir-se para baixo, nem qualquer coisa que por natureza se comporte de certa maneira
a comportar-se de outra. Não é, pois, por natureza, nem contrariando a natureza que as
virtudes se geram em nós. Diga-se, antes, que somos adaptados por natureza a recebê-las e
nos tornamos perfeitos pelo hábito. Por outro lado, as coisas que nos vêm por natureza,
primeiro adquirimos a potência e mais tarde exteriorizamos os atos. Isso é evidente no caso
dos sentidos, pois não foi por ver ou ouvir freqüentemente que adquirimos a visão e a
audição, mas, pelo contrário, nós as possuíamos antes de usá-las, e não entramos na posse
delas pelo uso. Com as virtudes se dá exatamente o oposto: adquirimo-las pelo exercício,
como também sucede com as artes. Com efeito, as coisas que temos de aprender antes de
poder fazê-las, aprendemo-las fazendo; por exemplo, os homens tornam-se arquitetos
construindo e tocadores de lira tangendo esse instrumento. Da mesma forma, tornamo-nos
justos praticando atos justos, e assim com a temperança, a bravura, etc. (ARISTÓTELES,
1987, p. 27)

A questão da educação artística como instrumento na construção de valores


confronta-se com alguns paradigmas da educação moral, na modernidade, como por
exemplo, o defendido por Emil Durkheim. De acordo com este autor, que acredita na
condição moral como forma de adaptação social transmitida de modo heteronômo, existe
uma grande preocupação para se trabalhar comportamentos corretos. Resumidamente,

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Durkheim considera a educação moral de forma unilateral, sintetizada nas palavras-chaves:


socialização, clarificação, desenvolvimento e formação de hábitos.

Durkheim reafirma a importância da autoridade moral frente aos alunos, da


necessidade de se criar regras e preceitos que representem não só a idéia do educador, mas
também uma vontade coletiva. Quanto às sanções, o mencionado autor escreve:

As sanções coletivas deveriam ter um lugar importante na vida da classe, a


fim de ajudar as crianças, a descobrir que seus atos têm causas e conseqüências que
ultrapassam a esfera de sua própria personalidade. Para isso será interessante criar no
grupo o hábito de revisões periódicas nos comportamentos coletivos e dos avanços que o
grupo realiza. Essas sessões de revisão podem terminar com uma recompensa coletiva ou
com a privação de uma atividade desejada, de tal forma que cada sujeito assuma as
conseqüências do comportamento geral e se envolva na melhora do mesmo. (DURKHEIM
apud PUIG, 1996, p. 37)

Se referindo à construção da personalidade moral, Piaget analisa as idéias de


Durkheim na sua obra intitulada O juízo moral na criança (1932). Esta obra foi a sua
principal contribuição ao desenvolvimento moral. Piaget considerava que no que tange à
construção da personalidade moral, Durkheim programa “uma educação moral baseada em
métodos nos quais a autoridade dos adultos é imprescindível para se chegar à liberdade
interior da consciência” (PUIG, 1998, p. 38).

Mas Piaget firma um ponto de vista crítico em relação a Durkheim, nos


seguintes termos:

Pensamos que, embora tenha desenvolvido amplamente um programa de


socialização, aspecto a ser considerado, é verdade que Durkheim ignorou a vertente mais
criativa e transformadora da educação moral, aquela que limita o papel da adaptação em
benefício da criação de novas formas de vida mais justas. O respeito pela autonomia real
da consciência pessoal nos parece que não foi considerado na proposta de Durkheim.
(PIAGET apud PUIG, 1998, p. 38)

Piaget critica a postura unilateral de Durkheim, e afirma que os jovens


experimentam um desenvolvimento que os leva desde uma moral baseada na coação pelos
adultos até o desenvolvimento de critérios de comportamento com autonomia.
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A submissão das crianças é obtida pelo temor, ou pelo afeto aos adultos
(moral heteronômica). Ele entende que nenhuma realidade moral é completamente inata,
mas sim resulta da convivência e das relações sociais estabelecidas com os adultos.

Através do respeito mútuo, da colaboração, do diálogo e a partir da


consideração de semelhança com o grupo, muito se consegue para a construção de uma
moral autônoma. É a partir da compreensão do ponto de vista alheio e da liberdade de
argumentação que se dá a passagem da moral heterônima para o juízo moral autônomo.

Piaget conclui através de seus estudos que a influência dos adultos e das
normas pode reforçar ou dificultar tal desenvolvimento, mas é o espírito de cooperação
entre iguais que será fundamental no desenvolvimento da noção de justiça.

Vale lembrar que para a filosofia grega não havia o problema que Piaget
detecta no pensamento de Durkheim. Como vimos no início deste item, a educação
artística, ao mesmo que tempo que sensibilizava os educandos para os valores do Belo, os
preparava para a manutenção da ordem social justa e a defesa da cidade. Os gregos tinham,
assim, um modelo muito mais harmônico de educação, do que pensadores modernos da
talha de Durkheim.

Na filosofia moderna temos, no entanto, um exemplo bastante interessante


de harmonia entre educação moral e artística. Trata-se da corrente de pensamento
desenvolvida na Espanha, na Segunda metade do século XIX, e que deu ensejo à
Instituição Livre de Ensino, que levou a uma renovação dos critérios pedagógicos nesse
país, tendo aberto a porta à modernidade em assuntos educacionais. O criador dessa
instituição foi o pedagogo espanhol Francisco Giner de los Ríos (1839-1915), autor das
seguintes obras: Instituição livre de Ensino (Madri, 1882), Estudos sobre Educação (Madri,
1886), Educação e Ensino (Madri, 1889), Pedagogia universitária (Barcelona, 1905) e
Ensaios sobre educação (Madri, 1913).

Para Giner de los Ríos o sistema de ensino da Espanha, na sua época, estava
em crise, em decorrência do fato de que as instituições estavam mais preocupadas em
repassar conhecimentos profissionalizantes aos alunos, não em formar pessoas. A respeito,
escrevia o pensador espanhol na sua obra Ensaios sobre educação:

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O vício fundamental das nossas classes (chamemo-las ilustradas) pode ser


definido em fórmula precisa. Entre nós, as pessoas de talento são jornalistas, professores,
padres, comerciantes, ministros, biólogos, industriais, médicos, advogados, músicos,
escritores, químicos, arquitetos, etc., mas dificilmente são homens. Daí o seu estreito
especialismo, a sua indiferença mortal em face do que seja superior ao seu estreito
horizonte, bem como esse profundo divórcio entre instrução e educação, em decorrência do
qual essas pessoas carecem daquelas idéias, princípios, sentimentos, gostos e até modos,
graças aos quais o homem é homem. (RÍOS, 1945, p. 121-122)

Para superar esse estado de coisas, Francisco Giner de los Ríos propunha
uma educação humanística, que já desde os primeiros anos do ensino primário
familiarizasse as crianças com os fundamentos espirituais da cultura ocidental,
notadamente mediante o cultivo dos valores estéticos. A educação artística agiria como
uma espécie de grande sopro renovador do ensino. Educados na apreciação da arte, as
crianças e os jovens ficariam mais sensíveis aos demais valores do espírito, notadamente
aqueles relacionados à religiosidade e à moral. A educação estética seria, assim, o capítulo
renovador dos métodos de ensino, fazendo com que crianças e jovens passassem a
valorizar os ideais superiores através da sedução que neles enseja a obra de arte.

Convém salientar, para finalizar este item, que no Brasil foi desenvolvida
uma concepção pedagógica semelhante pelos estadistas do Império. Mencionemos, apenas
para ilustrar este fato, o nome do visconde de Araguaia, Domingos Gonçalves de
Magalhães (1811-1882), o mais importante expoente do nosso romantismo literário.
Segundo ele, que também foi o principal filósofo do Segundo Reinado, somente se
conseguiria fazer frente ao grande repto de desenvolver na jovem nação a idéia de Pátria,
mediante uma intensa educação artística do povo, que através do teatro popular divulgasse
os valores fundantes da nacionalidade, valorizando, sobretudo aquelas expressões artísticas
que deixassem ver a riqueza da nossa cultura telúrica. A educação artística seria, segundo
Gonçalves de Magalhães, a porta de entrada para a construção da consciência nacional e o
primeiro degrau para as restantes etapas da educação. Em linguagem hodierna, diríamos
que o visconde de Araguaia apostava na arte difundida no seio do povo, como primeiro
degrau da educação para a cidadania. (PAIM, 1984, p. 328-332)

1.2 Em que consiste a arte

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O sentido da palavra arte vai muito além do sentimento de beleza, já que é


um fenômeno flutuante concretizado no decorrer da história. Arte não é necessariamente
beleza, referindo-se ao belo como estético. Nem tudo o que é belo é arte, assim como nem
tudo que é arte é belo.

O objetivo da arte consiste na comunicação do sentimento. É essencial na


vida das pessoas, tanto pelo que ela representa no que respeita a motivar o espírito, bem
como no relacionado a chamar a atenção para a cultura e a erudição.

As várias formas de expressão vão se alterando ao longo dos anos,


relacionando as tendências estéticas e as culturas. A obra de arte é de certo modo liberação
da personalidade, na medida em que nos possibilita libertar os sentimentos e as emoções,
que corriqueiramente são inibidos ou reprimidos.

Além de valores formais que a arte proporciona, é possível também a


percepção na busca de inferências universais da personalidade. “Os caracteres das grandes
obras de Shakespeare não são tão só caracteres individuais, apesar de todo o realismo e a
fidelidade para com a vida, mas também protótipo das paixões e aspirações da humanidade
em geral”. (READ, 1978)

Seja na época ou circunstância que for, a arte transcende o indivíduo,


permitindo dar formas às suas aspirações e inquietudes, é a liberação da própria alma. A
expressão através da arte foi na antigüidade não somente forma de transcendência, mas
também veículo que permitia realçar os próprios interesses e a divisão da sociedade em
classes. Ora os detentores das técnicas da arte eram os artesãos, ora pertenciam à burguesia
ou à Igreja. Durante muitos séculos a arte foi direcionada junto a qualquer manifestação
religiosa. No que se refere ao teatro, os caminhos percorridos foram semelhantes às várias
outras áreas da arte.

2 UM BREVE HISTÓRICO SOBRE O TEATRO

A Arte através dos tempos foi fruto de grandes transformações,


principalmente com o surgimento da televisão e cinema. A dramatização na antigüidade,
como expressão da arte e da cultura, surgiu no teatro grego inspirada em cultos religiosos,
para mais tarde se tornar uma instituição pública, custeada e organizada pelo Estado.
Assumia a função cívica nas grandes festas. Com o domínio romano, os enredos limitaram-
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se a questões cotidianas familiares. Durante a decadência do Império Romano (século V)


foi proibido o teatro; apesar do que cerimônias religiosas utilizavam ainda alguns
elementos dramáticos.

A continuidade entre o mundo clássico e a Europa moderna resistiu ao


tempo, sendo resgatada por ambulantes, acrobatas, malabaristas, menestréis espalhados
pela Europa, possuindo características do mimo romano. Ao fenômeno anterior somaram-
se as festas pagãs agrícolas e folclóricas. A divisão entre teatro popular e literário rompeu
com a tradição clássica, fazendo com que o teatro ocidental recomeçasse do nada,
novamente em cultos religiosos, em forma de dramas litúrgicos, que eram representados no
interior das igrejas, mais tarde nos pátios e vários locais da cidade.

A partir do século XV desenvolveram-se as modalidades alegóricas de


temática social e religiosa, representando o conflito entre o bem e o mal, a morte e a vida.
Foram representadas também as virtudes cristãs como a castidade. Mas os motivos
puramente humanos do teatro clássico grego e romano tornaram-se uma ameaça aos
valores éticos da decadente estrutura feudal.

O humanismo colocou o homem no centro do universo, favorecendo o


incentivo à arte. Até a própria igreja adaptou as idéias humanistas incentivando a arte e as
ciências, mesmo quando estas entravam em confronto com a doutrina cristã, resultando daí
um grande desenvolvimento da arte profana. A cenografia e os textos passam por grandes
transformações.

No início do século XVI surge uma das primeiras companhias de atores. O


teatro era uma forma de manifestação ligada a elementos nacionais e religiosos, aos poucos
adaptados a temas profanos. No século XVII os ambulantes foram responsáveis pela
expansão do teatro pela Europa afora, principalmente em países de língua alemã, em que as
viagens eram acessíveis apenas para alguns privilegiados. As regras formais foram
surgindo. Houve uma influência de tendências revolucionárias na produção literária na
França, tendo acontecido então a decadência do teatro clássico. Conscientes do poder de
persuasão da dramatização, os jesuítas criaram a principal vertente do drama religioso
entre os séculos XVI e XVII. O teatro jesuítico deu origem ao teatro brasileiro e a vários
teatros da América Latina como instrumentos de catequese. Surgem as primeiras reações
do neoclassicismo, na década de 1730, vindas da classe média. Na Alemanha desenvolveu-

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se o movimento alemão do pré-romantismo. O modelo era Shakespeare. Logo, porém, a


produção teatral caiu na estagnação. A duração do drama romântico foi curta e o repertório
clássico voltou a dominar o teatro francês.

Entre 1820 e 1830 foram publicadas e encenadas obras que inauguraram o


drama romântico. O movimento romântico do início do século XIX despertou o interesse
por temas históricos e uma preocupação obsessiva com a autenticidade dos cenários e
figurinos. A veracidade dos recursos passou a exigir atitudes mais naturais também por
parte dos atores. As companhias de teatro, até o final do século XIX estruturavam-se
basicamente em torno de um ator principal, que centralizava também as decisões
administrativas. Em 1866 é assumido o papel do diretor, e o teatro alcançou um nível até
então desconhecido de harmonia de conjunto entre os atores. Entre 1874 e 1890 foi
difundida a nova forma de trabalho por toda a Europa, e as inovações tecnológicas do
período contribuíram para a tendência do teatro moderno. No decorrer do século XX
proliferou no teatro uma mistura de tendências que variavam de país para país, de acordo
com as tendências e interesses políticos das classes sociais.

2.1 Teatro no Brasil

O teatro brasileiro teve origem, como já foi destacado, com os jesuítas. O


padre José de Anchieta produziu alguns textos catequéticos e didáticos, influenciados pelos
autos do português Gil Vicente, incluindo elementos indígenas. O desprendimento do
teatro em relação à catequese surgiu a partir da Segunda metade do século XVIII, já em
casas de óperas. A partir da independência em 1822, surgiu o romantismo e o sentimento
nacionalista. Em 1833 é formada a primeira companhia de teatro brasileira. Começa a fase
da comédia e do drama expressos em linguagem popular, bem como da sátira e da
representação de situações cotidianas.

Os grandes nomes da literatura brasileira na metade do século XIX, pouco


acrescentaram, devido ao fato de que seguiam modelos franceses, em decorrência da
inexistência dos nacionais. Martins Pena inicia o teatro de costumes. Há uma superação da
ingenuidade e um avanço no domínio técnico. O estilo é simples e direto.

No início do século XX a produção dramática passa a ter um caráter mais


nacional, pelo fato de que tornou-se difícil as regras serem ditadas pelo teatro francês. E,

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com a Primeira Guerra Mundial dificultou-se a comunicação com a Europa. Por volta de
1930 o teatro foi caracterizado pela hegemonia dos atores, sendo que a fama deles atraía o
público. Contra esse teatro acadêmico surge a influência modernista. É conquistado então o
status do teatro como arte e não apenas como entretenimento.

O teatro em 1941 aparece como resultado do trabalho de equipe e acontece a


formação dos primeiros diretores brasileiros. Na década seguinte Maria Clara Machado –
dedicada exclusivamente ao teatro infantil – fundou o grupo experimental O Tablado.
Anos depois surge a fase tropicalista ligada ao momento político, tendo sido o elenco
agredido pela platéia e suspensa a programação pela Censura Federal. Já nos anos 70
foram feitas sátiras políticas em forma de musical denunciando as injustiças sociais. No
final do século XX destacaram-se a gaúcha Denise Stocklos, com espetáculos baseados em
elaborada técnica corporal; Antônio Nóbrega, ator e músico, alcançando grande qualidade
na linha de teatro popular, com raízes no cordel e no circo. Nelson Rodrigues ocupou os
palcos e algumas das suas peças foram levadas para a televisão brasileira em meados da
década de 1990, destacando aspectos realistas numa concepção que, nas palavras desse
dramaturgo, pretendia apresentar “a vida como ela é”. Continuaram a ser feitas, outrossim,
experiências tendentes à renovação da linguagem.

3 ARTE E EDUCAÇÃO NA PERSPECTIVA BRASILEIRA: BREVE


HISTÓRICO DESSA RELAÇÃO

O ensino da arte no Brasil percorreu sua trajetória de maneira bem lenta e


impregnada de preconceitos, pois as atividades artísticas eram consideradas como
acessório da cultura. Era um estudo destinado à elite, que muito valorizava a estética em
seu caráter literário, acreditando que poderia defender a colônia culturalmente de seus
invasores.

3.1 Arte e educação no Brasil, no século XIX

Durante o século XIX, o ensino artístico superior antecedeu em muitos anos


à sua organização a nível primário e secundário, tendo como base a argumentação de
Paulino de Souza em 1870, de que seria possível a renovação do sistema de ensino
primário.

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A Academia de Belas-Artes esteve por muito tempo a serviço do império e


mais tarde foi totalmente colocada de lado, em decorrência de preconceitos e por razões
políticas, já que seus organizadores eram franceses. A ordem estética também contribuiu
para aumentar o preconceito, porque o Brasil deixara de seguir os modelos neoclássicos
vindos da Europa, a fim de abrir espaço para o barroco-rococó, realizando uma arte que
pretendia ser netamente brasileira por se diferenciar do modelo barroco. “Aqui chegando, a
missão Francesa já encontrou uma arte distinta dos originários modelos portugueses e
obras de artistas humildes. Enfim, uma arte de traços originais que podemos designar como
barroco brasileiro”. (BARBOSA, 1999, p. 19)

Os jesuítas influenciaram muito as atividades educacionais no Brasil, com


sua rede de ensino bem estruturada.

A arte como atividade manual e técnica era desvalorizada por causa da


exploração de trabalho escravo e falta de atividades industriais, alicerçada em preconceitos
contra o trabalho, em decorrência do hábito português de viver do trabalho de escravos. O
trabalho, aliás, na mentalidade ibérica constituía uma espécie de castigo pelo pecado
original. Daí que se considerasse desonra ter de trabalhar. Um nobre, que quisesse ver
reconhecido o seu título, precisava, em Portugal e na Espanha, provar em cartório que nem
ele, nem os seus pais, nem os seus avós tinham cometido o delito de trabalhar. O trabalho
como gerador de valor não entrou, destarte, na mentalidade ibérica. Prevaleceu a idéia
contra-reformista de que o trabalho é castigo e de que a riqueza é indesejável através desse
meio. Somente seria válida a acumulação de riquezas na guerra justa contra o infiel.

Em que pese esses preconceitos contra o trabalho, a atividade manual,


exercida com moderação, era aceita como símbolo de refinamento. O texto a seguir de
Félix Ferreira é bem significativo a este respeito:

Duas têm sido as principais causas que muito têm concorrido para o
vergonhoso atraso em que se acham entre nós as artes industriais; a primeira provém da
falta de vulgarização do desenho, a segunda desse cancro social que se chama escravidão.

O homem livre, ignorante em matéria de arte, vendo-a exercida pelo


escravo, não a professa porque teme nivelar-se com ele, e o escravo, mais ignorante ainda,
tendo pela arte o mesmo horror que vota a todo trabalho, de que tira proveito por alheio

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16

usufruto, não procura engrandecer-se, aperfeiçoando-a. (FERREIRA apud BARBOSA,


1999, p. 27)

3.2 Arte e educação no Brasil, no século XX

Com a abolição da escravatura e o advento da Revolução Industrial, as artes


aplicadas à indústria e ligadas a técnica começaram a ser valorizadas como redenção da
economia no país e da classe obreira. O século XX se inicia com a afirmação na Educação
primária e secundária da importância do desenho como linguagem da Técnica e da Ciência
e como uma combinação de ordem literária para vencer o preconceito. Mas um progresso
maior só aconteceu na segunda metade do século.

A Arte aplicada à indústria começa a perder força abrindo espaço para novas
concepções como possuindo qualidades artísticas capazes “de elevar a alma às etéreas
regiões do Belo”. Rui Barbosa influenciou muito com suas reformas e idéias e foi
considerado fiel intérprete da corrente liberal. Ele propôs o ensino obrigatório do desenho
nas escolas, acreditava que o país poderia se desenvolver através da industrialização, sendo
o desenho uma forma introdutória para a escrita e a própria indústria. Este foi um período
de várias controvérsias.

As idéias nessa época foram muito influenciadas por americanos, tendo sido
Rui Barbosa em especial muito influenciado por Walter Smith. Na época dizia Rui Barbosa
combatendo os que se posicionavam contra o ensino do desenho:

Não percebem que, pela simplicidade das suas aplicações elementares ele (o
desenho) tem precedência à própria escrita, que as aptidões naturais de que depende seu
estudo são comuns a todos entendimentos, e de uma vivacidade particularmente ativa nos
primeiros dias da existência humana. ( RUI BARBOSA apud BARBOSA, 1999, p. 36)

O pensar sobre o desenho toma um novo rumo. Surgem idéias originais a


respeito dessa atividade, como a de que não existe inaptidão ou falta de inteligência para o
Desenho. Dizia a respeito Abílio César Borges:

Cousa singular. Não há menino que não tente desenhar as idéias que lhe
passam pelo tenro cérebro. Essas idéias são rabiscadas como um descanso ingênuo, que
atesta uma tendência real e uma necessidade natural, que a educação deveria desenvolver

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em vez de sufocar como infelizmente acontece na maior parte dos casos. (BORGES apud
BARBOSA, 1999, p. 36)

O desenrolar das aulas de Desenho eram muito metódicas e técnicas, cria-se


o primeiro manual de Desenho geométrico, livro puramente didático usado nas escolas
com sucesso. É a primeira tentativa de educação em massa. Embora reforçando a idéia de
ensino com fins industriais, combatia métodos verbalistas e orais, argumentando a favor da
aprendizagem intuitiva através dos sentidos. Entretanto, esse tipo de ensino foi reduzido no
Brasil a mera descrição de objetos desligados do ambiente natural e quase sem relação com
a vida da criança.

A pragmática defendida por Aníbal Matos era “Ensinar primeiro a trabalhar


e depois a tirar partido do que se sabe aplicando a destreza técnica em resolver problema e
em dar forma concreta às criações próprias”. (BARBOSA, 1999, p. 60)

Georg Grimm, pintor alemão que chegou ao Brasil em 1874, passou a


trabalhar com seus alunos ao ar livre, provocando mudanças no método, bem como a
aprovação dessa prática como ideal de educação do sentimento. Essa atividade pedagógica
passou a ser considerada como algo em sintonia com o bom espírito.

A idéia de Arte como formadora dos princípios morais e éticos influiu muito
tornando-se objetivo do ensino. Essa idéia também foi expressa pelo pensamento liberal do
período, sendo muito significativas as palavras de André Rebouças a respeito: “O desenho
é a escola primeira do belo. O justo, o bom e o belo formam uma trindade sublime”.
(BARBOSA, 1999, p. 61)

A respeito desse mesmo ponto dizia também Elysio de Carvalho em 1905:


“A Arte porque ela é moral e social é um luminoso instrumento de comunhão entre todos
os seres do Universo”. (BARBOSA, 1999, p. 62)

O liberalismo e o positivismo representam os pontos divergentes mais


acentuados. Os autores concordavam em que grandes reformas se impunham nos terrenos
militar, político, religioso e educacional.

A Benjamim Constant Botelho de Magalhães, proclamado fundador da


República, coube elaborar a reforma educacional de inspiração republicana, denominada

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Reforma Benjamim Constant, que foi aprovada em 1890. As reformas positivistas


alcançaram maior grau de influência no ensino secundário. Propunham a extinção da
Academia Imperial de Belas-Artes e a reorganização do ensino da Arte, difundindo o
ensino em todos os graus e também cuidando da preparação de professores para presidirem
as aulas.

A intenção explícita no projeto dos positivistas, segundo alguns autores, era


fazer com que o aperfeiçoamento intelectual fosse considerado como a condição precípua
para o progresso social e político, assim como a crise moral era considerada por eles como
reflexo da crise intelectual. A arte era encarada como veículo eficiente para o
desenvolvimento do raciocínio, desde que ensinada através do método positivo.

Augusto Comte, mestre dos positivistas brasileiros, prescreve para as


crianças de sete e oito anos até a puberdade uma educação estética livre, não inteiramente
espontânea, baseada no ensino da poesia, da música e do desenho. Era previsto, outrossim,
o ensino das ciências depois de quinze anos de idade. Essas providências não foram
aceitas, contudo, pela Reforma Benjamim Constant, que pensava o Desenho de forma
intuitiva, tendo o currículo um aspecto puramente formativo.

Agora o que acontecia era uma oposição irredutível entre Arte e Indústria.
Essa oposição fez com que as atividades educativas se voltassem para o desenho de ornatos
em gesso, com modelos de frutos e flores, seguidas pelo ensino secundário.

Com a morte de Benjamim Constant, sua reforma sofreu algumas


modificações, embora mantivesse o caráter positivista. O currículo passa a ser uma
preparação para a escola superior, diminuindo os conteúdos ligados à Geometria.

Ambas as correntes do liberalismo e do positivismo concebiam o desenho


como forma de linguagem. A primeira, tanto nos objetivos como nas metodologias foi
pacífica, recebendo fortes influências dos Liceus de Arte, vinculados ao comércio,
enquanto a segunda dominava a filosofia dos estudos, supostamente treinadores da mente e
transmissores de cultura geral.

O Estado de São Paulo foi modelo de organização do ensino primário e


normal após a Constituição republicana de 1891. Abrigou escolas e alunos vindos de várias

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partes do país. Escolas fundadas ou que recebiam apoio de estrangeiros, foram também
muito bem aceitas, por ministrarem os conteúdos em Português.

Estudos ligados à psicologia contribuíram muito para concepções


inovadoras na educação de crianças, possibilitando uma investigação acerca do
desenvolvimento da criança antes de adotar métodos e objetivos, introduzindo entre os
brasileiros a consciência de que a criança não era adulto em miniatura, mas um ser sui
generis, com características próprias.

Isso resultou em apresentação de dissertações, teses, mesmo que


fragmentadas e que muito contribuíram para futuros trabalhos sobre a importância da
Pedagogia. Entre alguns trabalhos apresentados surge pela primeira vez um que se refere
ao grafismo infantil. Pela primeira vez o Brasil encarou o grafismo infantil como meio de
investigação, como índice de processamento mental, e diagnósticos foram feitos para
avaliar padrões estéticos e aptidões da criança, possibilitando chances para corrigi-los, o
que resultou no respeito ao desenho como produção mental e estruturação de diversos
aspectos do desenvolvimento.

Em 1921 há uma preocupação com os conteúdos e métodos baseados na


vivência e experiência visual da realidade vivida pela criança, retirando das aulas desenhos
com modelos.

As atividades teatrais e danças somente eram reconhecidas quando faziam


parte de celebrações festivas da escola. Os alunos decoravam os textos e os movimentos
cênicos eram tratados com rigor. A finalidade do teatro era apenas o da apresentação.

A Semana de Arte Moderna em 1922 contribui para a caracterização do


pensamento Modernista, no qual estiveram envolvidos vários artistas de diferentes
modalidades como: artes plásticas, música, poesia dança e teatro. A encenação de “Vestido
de Noiva” de Nelson Rodrigues, em 1943, introduziu o teatro brasileiro na modernidade.

A música tradicional na década de 30 teve representante significativo no


Canto Orfeônico de Heitor Vilas Lobos, que difundia idéias de coletividade e civismo, bem
condizentes com o momento político da época. Depois de trinta anos, o Canto Orfeônico
foi substituído pela Educação Musical criada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Brasileira (LDB) em 1961.
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Somente em 1971 a LDB permitiu a inclusão da arte no currículo escolar


com o título de Educação Artística, considerada como “atividade artística” e não como
disciplina. A Educação Artística era considerada como hora de lazer, descanso e
relaxamento das disciplinas consideradas “sérias”. O professor era polivalente em Arte,
independente de sua área de formação e habilitação. Os docentes desta área eram
capacitados inicialmente por cursos de curta duração, seguiam livros didáticos com poucas
orientações metodológicas e pouco diziam a respeito de bibliografias específicas. Os
objetivos eram inatingíveis com atividades múltiplas, fragmentadas e divididas por faixas
etárias.

Na música houve um avanço na criação musical, tanto na música popular


como erudita. Na área popular esse avanço começa por Pixinguinha e Noel Rosa e chega
hoje ao movimento internacional, passando pelo momento de maior penetração da música
nacional na cultura mundial, com a Bossa Nova.

Com a Educação Musical, novos métodos são incorporados, havendo uma


inovação onde a música era acompanhada com instrumentos musicais, podia-se dançar,
cantar, expressar, socializar com outras crianças, improvisar e criar.

Nos fins dos anos 60 e início dos anos 70, nota-se uma junção das
manifestações, ocorrida fora e dentro das escolas, surgindo os festivais das canções e
teatros, envolvendo estudantes.

A partir dos anos 80 constitui-se o movimento Arte-Educação, com a


participação de profissionais tanto formais como informais da área. A finalidade é
conscientizar e organizar movimentos que ampliassem as discussões e valorização dos
profissionais, que trabalhavam isolados dentro das escolas, e sem conhecimentos
adequados na área.

Com a reformulação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,


sancionada em 1996 (Lei 9394/96), Arte é considerada disciplina obrigatória na educação
básica. “O ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis
e modalidades da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos
alunos”. (art. 26, §2º)

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21

É através das discussões em torno do assunto que se chega aos anos 90,
lutando para reconhecer e identificar a área de Arte não apenas como atividade, mas como
fator nitidamente educacional. Entre as propostas no Brasil no início deste século,
destacam-se aquelas que tratam de estudos sobre a educação estética, estética do cotidiano,
etc., ressaltando o encaminhamento pedagógico que tem como premissa o fazer artístico,
apreciação da obra de arte e sua contextualização estética.

4 ARTE E EDUCAÇÃO – ASPECTOS PSICOLÓGICOS

Não se pode imaginar o papel que caberá à arte, na formação do novo


homem, mas não há dúvida que nesse processo, ela terá um grande peso considerando que
a arte evoca os sentimentos e encarrega de fazer a fusão entre realidade e emoção.

4.1 A arte como catarse

A psicologia da arte trabalha com um ou vários dos seguintes itens:


percepção, sentimento e imaginação. A percepção auxilia os outros campos a agir visto
que, segundo alguns teóricos, a arte é simplesmente a alegria proporcionada pelas coisas
belas, constituindo a estética.

A compreensão da psicologia da arte se dará a partir da fusão entre


sentimento e imaginação. O campo do sentimento ainda é um pouco obscuro e mal
estudado. Para a psicologia moderna é o mais enigmático e problemático. Consiste na
relação dos fatos emocionais com o campo da fantasia. Titchener aponta o vago como a
primeira dentre uma série de particularidades, distinguindo o sentimento da sensação. Em
relação a esse ponto, escreve este autor:

O sentimento não tem a propriedade de ser claro. O prazer e o desprazer


podem ser intensos e duradouros, mas nunca claros. Isto significa – se passarmos à
linguagem da psicologia popular – que é possível concentrar a atenção no sentimento.
Quanto mais prestamos atenção à sensação, mais clara e precisa é a lembrança que
mantemos dela. Entretanto não podemos, de maneira nenhuma, concentrar a atenção no
sentimento, se tentamos faze-lo, o prazer ou o desprazer desaparecem imediatamente e se
escondem de nós, e nos surpreendemos a nós mesmos observando uma sensação ou
imagem qualquer que não pretendíamos absolutamente observar. Se quisermos auferir
prazer de um concerto ou quadro, devemos perceber atentamente o que ouvimos e vemos;
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mal tentamos prestar atenção ao próprio prazer, este desaparece. (TITCHENER apud
VYGOTSKI, 1999, p. 250)

Alguns autores na psicologia empírica como Freud, Ovsiániko–Kulikovski,


James e Ribot, apresentam pontos divergentes em relação ao fato de o sentimento ser
consciente ou não. O sentimento, enquanto mecanismos nervosos, relaciona-se com o
processo de consumo ou descargas de energia nervosa, considerados por Orchanski, Freud
e por alguns psicólogos da arte. Ovsiániko–Kulikovski aponta que em nosso pensamento
predomina a lei da memória e em nosso sentimento a lei do esquecimento, e toma como
base de sua análise as emoções e as paixões.

A oposição de sentimentos nos remete ao verdadeiro efeito da obra de arte,


e nos aproxima do conceito de catarse. A lei da reação estética é uma só: encerra em si a
emoção que se desenvolve em sentidos opostos. Como resultado, a reação estética reduz-se
à catarse, como descarga de sentimentos, transformação mútua, angústia e leve alento. A
estrutura da forma artística e o conteúdo são o que se pode definir como efeito catártico da
reação estética. Schiller expressa essa idéia quando fala da forma trágica, com as seguintes
palavras:

Assim o verdadeiro segredo da arte do mestre consiste em destruir o


conteúdo pela forma; e quanto mais magnificente, ambicioso e sedutor é o conteúdo em si,
quanto mais seu efeito o coloca em primeiro plano, ou quanto mais o expectador tende a
deixar se levar pelo conteúdo, tanto maior é o triunfo da arte, que desloca o conteúdo e
estabelece seu domínio sobre ele. (SCHILLER apud VYGOTSKI, 1999, p. 272)

A lei estética implica numa divergência interior entre conteúdo e forma. A


base de várias estéticas é a emoção, vivenciada com a realidade e encontra a sua descarga
na fantasia, que requer a percepção da arte. Ao gerar a sensação de sentimentos ilusórios, é
nessa unidade que se baseia qualquer arte.

4.2 Psicologia da arte

A contradição entre a forma artística e o material do conteúdo, define-se


como parte central da reação estética. Forma parte também desta a contradição emocional
denominada catarse, segundo estudos feitos pelo psicólogo soviético Liev Semiônovitch
Vygotski (1896-1934).
22
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Em sua pesquisa analisa várias áreas das artes, não como fórmula pré-
determinada para todos os campos, mas concentrando a atenção em fenômenos isolados.
Ao tomar resultados de pesquisas, chega-se a resultados semelhantes, segundo opiniões de
estudiosos da área da arte e da psicologia.

Na poesia, a idéia de ritmo não se define mais como simples medida.


Andriêi Biéli, pesquisador russo, definiu a alternância da cadência no verso como uma
transgressão e não como a observação de uma regra. O mesmo caso ocorre, por exemplo,
na música que não se constitui de um só compasso, e sim de um ritmo que nos dá a
impressão de um complexo movimento. Em qualquer manual de métrica, a delimitação de
conceitos de medida e ritmo ajuda a “criar com auxílio de palavras”. A respeito, escreve
Jirmunski:

Uma obra de arte totalmente subordinada, em termos sonoros, às leis da


composição musical sem deformar a natureza do material verbal é tão impossível quanto
fazer do corpo humano um ornamento e conservar ao mesmo tempo toda a plenitude do
seu sentido material. Portanto, em poesia não existe ritmo puro como não existe simetria
pura em pintura. Existe ritmo como interação das propriedades naturais do material verbal
e da lei da composição da alternância, que não se realiza plenamente em função da
resistência do material. (JIRMUNSKI apud VYGOTSKI, 1999, p. 275)

Percebem-se normas e leis aplicadas ao verso que nunca conseguem ser


atingidas, e é essa contradição entre medida e verso que constitui o fundamento do ritmo.
A fusão de idéias antagônicas, presentes na essência da poesia, é que causa a sensação de
contradição remetida à reação estética. Exemplo dessa reação estética é que quando na
poesia o escritor refere-se à juventude, propõe primeiro a idéia de velhice e inclusive de
morte; estão presentes, na criação artística, duas oposições extremas: vida e morte.

O drama é uma modalidade da arte mais difícil de interpretação, ao


dificultar a distinção entre conteúdo e forma, o que dificulta a compreensão. No estudo de
obras de Shakespeare e Tolstoi, por exemplo, o elemento central é definido como sendo a
linguagem. A mesma fórmula não se aplica apenas a poesia, mas também a outras
manifestações da arte.

4.3 Arte e vida

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A questão central dos estudos no terreno da filosofia da arte é constituída


pelo tema da relação entre a vivência estética e o comportamento humano. Os
questionamentos são muitos, assim como são também variadas as opiniões. Para alguns
autores é atribuído a esse ponto o maior dos méritos, enquanto, para outros, a questão é
equiparada à simples divertimento e lazer.

Interpretação da arte e psicologia estão intimamente ligadas, ao tentar


correlacionar arte e vida. A criação artística tem o preceito de contagiar com sentimentos,
como afirma Tolstói no seguinte texto:

É nessa capacidade dos homens para se deixarem contagiar pelos


sentimentos dos outros homens que se baseia a atividade da arte. Os sentimentos dos mais
variados, muito fortes e muito fracos, muito significativos e insignificantes, muito maus e
muito bons só constituem o objeto da arte se contagiam o leitor, o ouvinte, o espectador.
(TOLSTÓI apud VYGOTSKI, 1999, p. 303-304)

Dessa forma, a arte é interpretada como um amplificador e um transmissor


do contágio pelo sentimento. Assim como os sentimentos podem ser bons ou ruins, a arte é
uma linguagem que permite avaliar os sentimentos transmitidos por ela. A arte é suscetível
de uma avaliação moral como concluem Tolstói e muitos outros autores. Sendo assim, se o
conteúdo era aprovado eles, elogiavam o artista. Pelo contrário, quando a criação estética
contradizia as próprias convicções, o artista era criticado. O primeiro caso se dá, por
exemplo, quando um coro feminino acompanha o casamento da filha do protagonista. O
segundo caso se dá na interpretação da sonata de Beethoven, por parte de um excelente
músico. O canto das mulheres despertou sentimentos de alegria, ânimo e energia enquanto
que a interpretação da sonata de Beethoven constituiu uma “tentativa fracassada” de uma
arte sem nenhum sentimento.

Tomando esse pensamento, a obra de arte não se resume somente ao


contágio, e sim consiste em aspectos relacionados a uma série de emoções gerais como
estado de ânimo, emoções religiosas, medo e confusão. Comparando música para dançar e
música militar, a segunda não causa emoção bélica, podendo apenas envolver confusão,
inquietações do psiquismo e medo.

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Aprofundando um pouco mais, a arte não se traduz apenas em transmissão


de sentimentos de um artista para uma outra pessoa – seria reduzir a arte a uma aplicação
tão somente quantitativa. A criação artística é algo mais transcende; o seu valor radica no
poder de transformação; a sua finalidade consiste em produzir efeitos além do material pré-
concebido.

A arte apresenta, de outro lado, o sentido social, como refere Bucher. Ele
estabelece que a música e a poesia têm como meta resolver, pela catarse, a pesada tensão
do trabalho, eliminando angústias e reforçando a luta pela existência. “Ora, frisa o autor
mencionado, os povos da Antiguidade consideravam os cantos um acompanhamento
necessário de qualquer trabalho pesado”. Quintiliano reforça a idéia de Bucher com as
seguintes palavras:

E parece que ela (a música) nos foi dada pela própria natureza para melhor
suportarmos o trabalho. Por exemplo, o remador também estimula o canto, este é útil não
só naquelas atividades em que os esforços de muitos combinam como também o cansaço
de um encontra alívio no canto rude. (QUINTILIANO apud VYGOTSKI, 1999, p. 310)

A possibilidade de superar na arte as maiores paixões que não encontram


vazão na vida normal é o que constitui o fundamento da criação estética no campo
biológico. O poder de superação é expresso por Nietzsche em A Gaia Ciência, com as
seguintes palavras:

Quando se perderam o estado normal de ânimo e harmonia da alma, foi


preciso dançar sob o compasso do cantor, pois era a receita dessa medicina... E antes de
tudo porque a embriaguez e o desregramento das emoções chegavam ao cúmulo, tornando-
o furioso louco e fazendo o vingador saciar-se de vingança. (NIETZSCHE apud
VYGOTSKI, 1999, p. 311)

O comportamento se baseia no equilíbrio entre o organismo e o meio. Não


há uma garantia de que esse equilíbrio se realize sempre de maneira harmoniosa e plana,
podendo haver oscilações, que necessitam de vazão através dos “sentimentos, (que,
pertencentes à função biológica) são o mais ou o menos da nossa balança”, como diz o
professor Orchanski.

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Sherrington compara o sistema nervoso do homem a um funil, com a boca


voltada para o mundo e o bico para a ação. O comportamento realizado representa uma
ínfima parte de possibilidades que não tiveram vazão. E o que não foi realizado deva ser
eliminado de qualquer maneira. O organismo foi colocado em equilíbrio com o meio, e eis
que a arte parece ser o veículo para atingir e balancear o equilíbrio com o meio e o
comportamento.

A concepção de autores como Tolstoi, Freud e Schiller, que acreditam ser a


arte um jogo, que completa a vida e amplia suas possibilidades, conduz essa teoria à
redução e objeção de entende-la como ato criativo, concebendo-a somente como função
biológica de exercitar os órgãos. São mais vigorosas as teorias que apresentam a arte como
uma descarga indispensável de energia nervosa no equilíbrio do comportamento.

Ao admitir o ato criador, não bastará vivenciar com sinceridade o


sentimento que dominou o autor, é necessário superar com criatividade o sentimento e
encontrar a catarse, e assim consumar o efeito da arte.

4.4 O sentido social da arte

Vygotski acredita ser ingênuo considerar o social apenas como o coletivo. O


social existe até mesmo onde há um homem e suas emoções pessoais. Quando a arte
realiza a catarse e arrasta para purificar emoções mais íntimas em uma alma individual, o
efeito produzido é um efeito social como afirma este autor: “A refundição das emoções
fora de nós realiza-se por força de um sentimento social que foi objetivado, levado para
fora de nós, materializado e fixado nos objetos externos da arte, que se tornaram
instrumento da sociedade”. (VYGOTSKI, 1999, p. 315)

A arte é uma técnica social do sentimento, um instrumento da sociedade


capaz de incorporar o ciclo vital e social refletidos através dos sentimentos pessoais e
íntimos do ser.

Segundo Vygotski, Guyeau atribui importância fundamental ao fato daquilo


que a arte desempenha na sociedade, porém apresenta a questão de forma primitiva, nos
seguintes termos:

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Ela pronuncia a palavra que estávamos buscando, faz soar a corda que
continuava esticada e muda. A obra de arte é um centro de atração como o é a vontade
ativa de um gênio superior, e se Napoleão arrebata a vontade, Corneille e Victor Hugo a
arrebatam igualmente, embora o façam de outro modo... Quem conhece o número de
crimes que foram e ainda continuam sendo provocados por romances com assassinatos?
Quem conhece o número de devassidões reais suscitadas pela representação da
devassidão? (GUYEAU apud VYGOTSKI,1999, p. 316)

A questão das influências não deve ser caracterizada como se na vida se


desse continuidade àquilo que a arte sugere. A representação de um adultério, por exemplo,
não acarreta em devassidão, as relações de arte e vida são complexas.

Hennequin apresenta com mais ponderação a diferença entre emoção real e


estética. Esta não é refletida por nenhuma ação; porém se estas são repetidas de modo
insistente, podem servir de base para o comportamento, e o tipo de leitura pode chegar a
influenciar na personalidade. A respeito, frisa este autor:

A emoção que a obra de arte comunica é incapaz de traduzir-se em ações de


modo imediato e direto e, neste sentido, as emoções estéticas diferem acentuadamente das
reais. Contudo, por representarem um fim em si mesmas, por encontrarem justificação em
si mesmas e não se manifestarem imediatamente através de uma ação prática, as emoções
estéticas podem, uma vez acumuladas e repetidas, redundar em resultados práticos
substanciais. Estes resultados são condicionados tanto pela propriedade geral da emoção
estética como pelas propriedades peculiares a cada uma dessas emoções. O exercício
reiterado de um determinado grupo de sentimentos sob a influência da invenção, de
disposições irreais da mente e em geral de causas que não suscitam ações, ao
desacostumarem o homem para manifestações ativas debilitam indubitavelmente a
propriedade geral das emoções reais: a sua tendência a traduzir-se em ação (...).
(HENNEQUIM apud VYGOTSKI, 1999, p. 316)

Na visão dos teóricos Guyeau e Hennequim, a questão se resolve em


alternativas simples em face da primitiva emoção estética: esta ou instiga ou desabitua.
Para Vygotski a arte exige resposta, motiva certos atos e atitudes, aspirando o que está por
trás da vida, organizando o comportamento para o futuro. No caso da música, por exemplo,
motiva para alguma coisa de excitante, mas sem uma reação concreta a uma atitude, agindo

27
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de modo a purificar o psiquismo, fazendo explodir para a vida potencialidades reprimíveis


ou recalcadas.

4.5 O sentido pedagógico da arte segundo Vygotski

Desde a Antiguidade, a arte é compreendida como meio e recurso educativo,


canal de modificação duradouro do comportamento. A crítica da arte assume um papel
dual. Pode estudar, de um lado, as conseqüências da arte, orientando de forma pedagógica
a criação e a apreciação estética, sem que isso signifique pretender a preparação do
espectador ou leitor para a percepção da obra de arte. A crítica aponta a vital relação social
entre a arte e os fatos gerais da vida, mobilizando as forças conscientes para sentir os
impulsos suscitados pela arte. Outro objetivo consiste em conservar a ação da arte como
arte, não permitindo que o leitor disperse as forças geradas por ela, para substitui-las por
impulsos puramente racionais e moralizadores.

A arte provoca inquietações, às vezes, o que é difícil entender porque o


nosso comportamento se organiza segundo o princípio da unidade, representada pela
consciência. Quando a apreciação artística provoca a inquietação, a consciência busca,
naturalmente, dar vazão a esta, o que consegue no seio da catarse.

Um objetivo central da crítica materialista consiste em tentar encontrar o


sentido da arte, considerando-a como um fato extra-estético. Ao tentar encontrar o
equivalente social de dado fenômeno literário, através da crítica materialista, seria negado
o valor estético.

A idéia de que arte na educação é algo de caráter fantasioso, ou de que


obedeça a mecanismos de publicidade, tento em vista a pedagogia de séculos passados, é
exposta por autores como Gershenzon e Longino. Segundo Aikehenvald seria
desnecessário lecionar literatura, porque exigiria algo criador fora das disciplinas, sendo
impossível tal experiência em sala de aula.

O ato artístico é considerado um ato real quanto aos outros movimentos do


nosso ser e não como algo místico da alma. O que fica claro é que o ato artístico é criador
e, assim sendo, não é possível concebê-lo através de operações puramente conscientes.
Isso; não significa que todos os atos conscientes foram suprimidos. Ensinar o ato criador
da arte é impossível, entretanto isso não implica que o educador não possa contribuir para a
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sua formação e manifestação, porque através da consciência é que se penetra no


inconsciente, e o ato artístico incorpora ao conhecimento racional concepções precedentes,
identificações, associações, etc. Ao organizar a consciência que vai de encontro à arte,
assegura-se o sucesso ou insucesso que possa ter a apreciação de uma determinada obra de
arte. A respeito, S. Molojavi afirma:

O processo concluído, embora não acionado, da nossa reação a um


fenômeno. Esse processo (...) amplia a personalidade, enriquecendo-a com novas
possibilidades, predispõe para a reação concluída ao fenômeno, ou seja, para o
comportamento, tem por natureza um sentido educativo (...).(MOLOJAVI apud
VYGOTSKI, 1999, p. 325)

Na arte infantil é importante a orientação especial, o que sugere uma


afinidade psicológica entre arte e o jogo para crianças, porque a arte não desempenha,
nelas, as mesmas funções que no comportamento do adulto. O exemplo claro é o desenho
infantil que não faz parte da criação artística, porque através dele a criança ainda
desconhece a concepção de que a própria linha pode expressar estados de ânimo ou
inquietação da alma. A consciência de que traços e linhas revelem movimentos
expressivos, ocorre posteriormente. A criança não representa, nos seus traços, fenômenos e
sim esquemas, revelando, com isso, uma peculiaridade que difere da atividade do adulto. O
jogo de faz-de-conta é que explica o sentido da arte na vida infantil, proporcionando à
criança criar às avessas para assim se afirmar no mundo real. A arte ainda é um mundo
infinito de descobertas para o futuro, assim como o homem e a vida.

5 ARTE E EDUCAÇÃO NA ESCOLA – RELATO DE UMA


EXPERIÊNCIA

Durante o ano letivo de 2002, lecionei a disciplina de Cultura Religiosa na


Escola Estadual “Gal. Silvano Abertoni”. Os módulos de aulas semanais se concretizavam
em cinqüenta minutos por turma. É uma disciplina que há muito tempo vem sofrendo
modificações nas escolas. A concepção metodológica das aulas, a visão do ser humano
como um ser integral, a mudança do pensamento sobre a educação como construção do
conhecimento, fundamentaram a renovação nas aulas de Cultura Religiosa, disciplina que
anos atrás era denominada de “Ensino Religioso”, objetivando uma educação
evangelizadora. Atualmente, a mencionada disciplina é baseada numa educação laica,

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reforçada legalmente na LDB e, na prática, em sala de aula, é calcada em valores


direcionados à formação humana, em busca da assimilação, pelos alunos, dos ideais de
igualdade e solidariedade, que acarretam o predomínio da atitude de respeito em face dos
seres humanos.

Pensando no sentido da educação como formação humanística, senti


necessidade de um trabalho em busca da totalidade da pessoa. Busquei compreender a
problemática de vários pontos de vista dos educadores. Na Escola Estadual “Gal. Silvano
Abertoni”, de Barroso, algumas das preocupações eram a indisciplina, a falta de auto-
estima e a agressividade que afetavam um grupo pequeno de alunos. Estariam o
comportamento e os valores desses alunos ligados à condição sócio-econômica?

Num grupo determinado de alunos, a agressividade e indisciplina que


comprometem a convivência comunitária com colegas e professores, numa primeira
abordagem, apresentava um fator comum de comportamento na vida desses pequeninos: a
falta de auto-estima e a apatia os incomodavam em sua forma de viver. Em meio a
comportamentos a princípio opostos, é que a necessidade de compreensão e intervenção
direta surge para que se faça um trabalho com esses alunos. A prática pedagógica visa
principalmente procurar compreender o que está subjacente às atitudes diárias, na tentativa
de identificar, compreender e construir as potencialidades humanas.

A realidade social e econômica desses alunos ultrapassa o sentido do que se


espera da escola como promotora da cultura, da igualdade e da justiça. “Os problemas
atuais não têm como causa a divisão em si dos conhecimentos em áreas específicas, mas
(ancoram) na visão de mundo, na constelação de valores que foi sendo
construída”.(CARDOSO, 1995 , p. 81)

5.1 Caracterização da cidade

Na região mineira do Campo das Vertentes situa-se a cidade de Barroso,


com 23 mil habitantes, a uma distância de 200 Km da capital do estado, Belo Horizonte.
Seus primeiros habitantes foram os portugueses. O eixo econômico da cidade concentra-se
nas seguintes atividades: agropecuária, comércio e indústrias nas áreas de produção de
cimento, calcificação, cerâmica, laticínios e empresas de transporte. A maior parte da
população pertence à classe média-baixa. Os dezenove bairros da cidade podem

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intercomunicar-se através de dois veículos de transporte coletivo que, a cada sessenta


minutos, passam pelo centro da cidade. A população conta com uma emissora de rádio
local. Em Barroso, encontram-se as seguintes repartições públicas: Câmara Municipal,
Prefeitura Municipal, Administração Fazendária, Cartório de Registros Civil e Fórum de
Justiça. A segurança pública é feita através de policiamento regular, com três
radiopatrulhas, além do serviço de trânsito. A cidade não possui um mercado municipal. O
abastecimento da comunidade se dá através de um número suficiente de supermercados,
lojas, açougues, armazéns e farmácias.

Quanto à saúde, o município possui um posto de atendimento no centro da


cidade, além de pequenos postos em bairros menores – o que pode ser observado na maior
parte das cidades brasileiras. Os serviços prestados nestes postos são os de consultas
médicas, consultas odontológicas, imunização e curativos. Além destes serviços, Barroso
possui um hospital para atendimentos que requeiram prazo maior de intervenção dos
profissionais da saúde.

A Companhia de Saneamento de Minas Gerais (COPASA) é o órgão


responsável pelo tratamento e abastecimento de água à comunidade. Grande parte das ruas
é calçada e possui rede de esgoto. A coleta de lixo é feita pela Prefeitura, na freqüência de
duas vezes por semana nos bairros periféricos e diariamente nas ruas do centro da cidade.
O lixo recolhido não é tratado ou reciclado, mas jogado em um depósito a 4 Km da cidade.

A recreação e esporte são oferecidos através de três estádios de futebol, dois


clubes recreativos e um ginásio poliesportivo. O Centro Cultural de Barroso, organizado e
mantido pela Secretaria Municipal de Educação e Cultura mantém cursos de balé, aula de
música, e banda de música.

Há cinco escolas municipais de educação infantil, quatro escolas municipais


e três estaduais de primeiro ciclo de Ensino Fundamental, quatro escolas estaduais de
segundo ciclo de Ensino Fundamental e uma escola estadual de Ensino Médio. A rede
privada possui três escolas de educação infantil e uma de segundo ciclo do Ensino
Fundamental e Médio, uma escola de Supletivo integrado, um cursinho pré-vestibular
mantido por uma cooperativa, além de cursos profissionalizantes que funcionam em
convênio com a Escola Agrotécnica Federal de Barbacena.

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Algumas entidades participam efetivamente da vida da cidade, cooperando


com instituições sociais como o Instituto Nossa Senhora do Carmo, responsável pelo Asilo
e pelo Hospital, as Conferências Vicentinas, as Irmãs Franciscanas, a Associação de Pais e
Amigos dos Excepcionais (APAE), bem como associações de bairros.

Barroso, embora seja uma cidade pequena, há muito enfrenta problemas de


poluição atmosférica, falta de moradia, saneamento básico, violência, muito semelhantes,
aliás, aos enfrentados pelas cidades de grande porte em nosso país. O tempo ocioso de
nossas crianças e jovens também é fator de desequilíbrio social. (PAIVA, 2002, p. 22-23)

Neste contexto se encontra a Escola Estadual “Gal. Silvano Albertoni”,


situada num pequeno bairro na periferia da cidade; esse bairro conta com um
supermercado, um posto de saúde e duas igrejas. O transporte dos moradores é feito de
duas em duas horas. Através do quadro de carências sofridas pelos nossos alunos é que
tentamos, enquanto pessoas inseridas na sociedade, compreender as várias manifestações
da problemática social que, por vezes liberta por vezes reprime. A situação leva a acreditar
que talvez por isso, por não se adaptarem ao contexto social e escolar, é que muitos
indivíduos vão sendo marginalizados tanto pela sociedade quanto pela escola e vão
manifestando esta exclusão e contra ela protestando a seu modo, razão pela qual, “o
indivíduo passa a ser rotulado como portador de desvios inaceitáveis, condizendo com o
modelo imposto pelo grupo dirigente responsável pela manutenção da ordem”. (PAIVA,
2002, p. 23)

5.2 Da comoção à prática

O primeiro passo de muitos consistiu na necessidade de descobrir, de


maneira informal, quais são os maiores problemas enfrentados pelos alunos, bem como as
suas frustrações e os anseios dos mesmos. Foi proposta uma dinâmica de grupo em cada
sala, abarcando um número de sessenta alunos participantes. A atividade foi bem
descontraída e os alunos demonstraram grande interesse pelo jogo denominado por mim de
“Caixinha dos sonhos”. A brincadeira consistia em cada aluno pensar qual o maior sonho
que desejaria realizar e depois escrevê-lo num papel sem identificação e depositá-lo numa
caixinha de aparência atraente, que lembrava uma embalagem de presente. Todo um clima
de harmonia foi preparado para que os alunos refletissem e se sentissem à vontade, num
ambiente de relaxamento, com uma música tocada baixinho, num pano de fundo de

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silêncio que permitia a cada um viajar em seus pensamentos, todos deitados de maneira
bem confortável no chão. Observou-se uma curiosidade: alguns dormiram, tamanho foi o
momento de relaxamento e de reflexão.

Realizada a primeira etapa, que consistiu no depósito dos papéis na caixa,


fomos adiante, partindo para a análise dos sonhos. Montamos um gráfico no quadro,
identificando os sonhos de maneira a criar relação com o amor, a profissão, a família, a
espiritualidade, os bens materiais e a ecologia. Foi mantido o respeito pelos que não se
sentiram à vontade para opinar.

Nota-se uma necessidade de amor muito grande, tomando como material de


estudo as respostas dos alunos e o gráfico que resume o resultado da pesquisa. Mesmo a
carência econômica sendo muito grande nesta escola, o resultado apresentou que existe
uma carência muito maior de afeto, carisma e compreensão. Cada vez mais se constata a
certeza de que é necessário fazer algo para a busca da felicidade, não com a pretensão de
encontrar a felicidade, mas com o intuito de ajudá-los a sonhar e fazê-los acreditar que
muitos sonhos são possíveis de se realizar.

Outro momento de estudo foi a distribuição de um questionário aos


profissionais da escola, visando compreender o perfil dos profissionais que conviviam com
os alunos e que eram vistos como co-responsáveis pelo desenvolvimento integral de cada
um deles.

A Escola Estadual “Gal. Silvano Albertoni” conta com o trabalho de uma


diretora, uma secretária, uma auxiliar de Secretaria, duas ajudantes de Serviços Gerais,
uma auxiliar de Biblioteca, um supervisor, seis professores regentes de turma e dois
professores das matérias específicas de Educação Religiosa e Educação Física.

O Quadro de funcionários é suficiente por se tratar de uma escola pequena


que comporta cento e quarenta alunos na primeira etapa do Ensino Fundamental e setenta
alunos na segunda etapa do Ensino Fundamental. A formação profissional dos funcionários
da escola, na maioria, se concretiza com curso de pós-graduação, vários cursos de
aperfeiçoamento e capacitação, custeados pelos próprios professores. A cada curso em que
o professor participa, suas concepções de educação vão se ampliando de maneira a
enriquecer o trabalho de cada um deles; em contrapartida, não existe um interesse muito

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grande em participar, de forma contínua, de mais cursos, já que não existe um incentivo
político por parte do governo, no sentido do facilitar o custeio financeiro e a valorização
profissional. Os professores pesquisados afirmam apaixonadamente que a escolha da
profissão ocorreu como um sacerdócio, a atividade profissional sempre foi algo prazeroso
e recompensador na vida de cada um deles, e a pretensão de finalizar carreira na educação
é desejo visível na pesquisa.

A leitura em nossas escolas ainda é um pouco precária, fator primordial nas


deficiências educacionais que afetam aos nossos alunos e professores. Falta em nosso país
a cultura da leitura, justificada por vários motivos, como falta de recursos para aquisição de
livros, tempo escasso, o gosto pela leitura não desenvolvido no seio da escola. Os livros
disponíveis muitas vezes são substituídos por textos didáticos desconexos da realidade do
aluno e impostos como requisitos fundamentais à alfabetização. Assim como acontece com
a leitura, temos a arte mal compreendida ainda em nossas escolas, num contexto em que
ela é reduzida a conceitos de corriqueiras atividades artísticas e artesanais.

Quando se pergunta o que é arte, paira uma incerteza no ar e insegurança


para expressar o sentido que ela possui em nossas vidas e nas escolas, apesar da afirmação
de que se trabalha atendendo a variadas áreas da arte, em muitos momentos do período
escolar da criança. Fica uma insegurança clara quando se questiona sobre arte nas escolas.
Seria talvez pela falta de preparação e também devido ao contexto em que foi sendo
colocada a arte ao longo dos tempos em nossa história?

A maneira como são tratados os fatores éticos e morais, vem passando por
significativas mudanças, mas não desvinculadas do antigo paradigma moralista da escola
tradicional. A transição é lenta e gradual, a escola ainda resiste em despertar para o novo
modelo de educação, voltada para a construção do conhecimento e formas alternativas de
convivência, como recursos capazes de humanizar o processo educacional e social.

Através da pesquisa diagnóstica, pude perceber alguns fatores que


influenciam a educação dos alunos. A orientação para o trabalho fica mais clara, ao nortear
os passos por onde o aluno deve começar. Início este baseado na idéia de jogos teatrais que
têm como objetivo ampliar e orientar as possibilidades de expressão do aluno. Os alunos
atuando, encontram-se frente aos problemas que necessitam de soluções e que envolvem,
para serem equacionados devidamente, observação, imaginação, percepção,

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relacionamento, espontaneidade, equilíbrio, ritmo entre outros. Através de estudos


efetuados por Olga Reverbel, pode-se concluir que “o modo como cada um aborda e
resolve estas dificuldades revela ao educador as tendências e a personalidade do aluno”. As
atividades de expressão libertam a personalidade pela espontaneidade e formam-na pela
cultura. As atividades artísticas permitem que a criança se auto-expresse ficando claros
seus sentimentos, as suas frustrações e ansiedades, mantendo um clima geral de liberdade e
respeito.

A princípio alguns alunos ficam apreensivos, não participando das


brincadeiras. Mas constatou-se que, aos poucos, sentiram-se tentados pelo aspecto lúdico
dos jogos teatrais. A dificuldade em manter contato físico com os colegas é fator de
observação freqüente, assim como a necessidade de formar pequenos grupos de trabalho,
visto que grandes grupos não resultaram em trabalho satisfatório. O envolvimento
descontraído dos alunos foi motivo para muitos não quererem parar de brincar, surgindo
alguns protestos quando a atividade era finalizada.

As atividades foram a cada dia se apresentando mais agradáveis. As formas


de comportamento (no que diz respeito à concentração ao longo das aulas com a regente de
turma), a convivência com os colegas, a participação ativa nas aulas, entre outros fatores,
foram ganhando cada vez mais aceitação. A avaliação em torno de todo o trabalho foi
efetuada por mim e pela regente de turma, com troca de relatórios sobre o desenvolvimento
no comportamento e na aprendizagem. Após cada jogo teatral, a avaliação acontecia de
forma coletiva, em ritmo de constante diálogo livre e respeitoso. O aluno observava,
analisava, percebia detalhes e se expressava, desenvolvendo assim seu senso crítico. A
cooperação era primordial para que a avaliação acontecesse de forma construtiva,
permitindo a transformação de atitudes. Coube-me a incumbência de conduzir situações de
reflexão, objetivando evitar julgamentos sumários. Afinal, o que é certo? O que é errado?

Outros instrumentos de avaliação foram usados como desenhos livres, fotos


e dramatizações. Foi proposto o tema: “O perigo das drogas em nossa vida”, para que os
alunos com orientação dos professores da escola pudessem escrever a peça teatral e
dramatizá-la. O resultado foi surpreendente. O envolvimento de todos na escola, a
animação e o interesse geraram um clima de interação, cooperação e trabalho em equipe,

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possibilitando assim verificar que “quando o trabalho nos causa prazer podemos dizer que
é fácil, que é simples de realizá-lo”.(REVERBEL, 1996)

CONCLUSÃO

De acordo com o compromisso em se promover uma educação para a


cidadania, pensa-se atualmente uma educação ativa, dinâmica, capaz de preparar o homem
para viver numa realidade imprevisível.

Mesmo com esses pressupostos, a necessidade de formação permanece viva,


a fim de garantir a semeadura de valores e a articulação entre o individual e o coletivo. No
que diz respeito à formação, trata-se de preparar um homem mais feliz, que acredite com
mais intensidade em suas potencialidades, que aprenda a viver de forma mais agradável e
serena e, conseqüentemente, esteja mais predisposto à aprendizagem, entendendo-a como
aspecto necessário ao crescimento intelectual.

O trabalho realizado na Escola Estadual “Gal Silvano Albertoni”, numa


experiência de troca entre educadores e educandos, muito tem a contribuir para os
pressupostos aqui mencionados, como também para a orientação dos professores no
sentido da renovação pedagógica.

A arte, em todo o seu contexto, eleva os sentimentos, permitindo a liberação


das angústias e dos medos, abrindo espaço para as alegrias autênticas, aquelas que se
relacionam com o crescimento da pessoa.

Em sala de aula ou no auditório da Escola Estadual “Gal. Silvano


Albertoni”, a satisfação foi perceptível aos olhos de educadores sensíveis às reações de
seus alunos, como também ao sentido que a arte proporciona.

O momento das dramatizações é a hora do educando; antes rotulado como


“indisciplinado, desanimado, insensível”, surpreendeu a todos, mostrando que é capaz de ir
muito além dos julgamentos sumários. Ali existe uma mágica própria que o teatro
conserva. Mágica essa capaz de transformar as pessoas e transporta-las ao mundo de
sonhos e realizações.

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O lúdico nos jogos teatrais transforma a seriedade pacata da escola, em


instrumento de aprendizagem com seriedade prazerosa.

Dentre os valores fundamentais à harmoniosa convivência entre os homens,


está a tolerância. É necessária na compreensão do outro, exige disponibilidade para
colocar-se em seu lugar e enriquecer a própria perspectiva com a percepção das relações
originadas no novo ponto de vista, pressupondo uma educação democrática.

O presente trabalho relata a pesquisa de uma educadora autor preocupada


com o sentido da escola na vida de “nossos pequeninos”. A acredita na arte como capaz de
invadir os corações e contribuir para um universo mais sereno.

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Figura A – Grupo de alunos, sujeitos da pesquisa.

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