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Rio
de Janeiro: Record, 2006. P.11-79; 165-180
Publicado em 18 de outubro de 2012 por holbeinmenezes
Por Holbein Menezes
1- INTRODUÇÃO
Com o intuito de contextualizar sua visão sobre a cultura do novo capitalismo, o
autor nos leva a uma breve revisão histórica sobre o sistema econômico ocidental,
seus pilares conceituais e sua evolução na base do tempo, fundamentando-se nos
pensadores tradicionais que analisaram e o conceituaram.
Esta brevíssima, mas, importante excursão histórica, nos leva a perceber como as
instituições que sustentaram a sociedade capitalista no inicio do século XX estão
em transformação. As diferenças entre os novos e os velhos paradigmas se
contrastam ao redor do conceito de burocracia, na forma concebida por Max
Weber, como elemento central da sociedade capitalista.
Neste contexto maior, o autor analisa as mudanças nos modos de conceber a
cultura, esta, num sentido antes antropológico do que artístico. Modificações que
teriam suas origens na crise das instituições e no crescimento das desigualdades
econômicas. Sob este aspecto, em que as instituições se fragmentam e as
condições sociais se tornam instáveis, emerge um conjunto de desafios às
subjetividades humanas.
O primeiro dos desafios diz respeito ao tempo, ou a uma relação de curto prazo.
Quando as mudanças permanentes inviabilizam planejamentos de longo prazo, “o
indivíduo pode ser obrigado a improvisar a narrativa de sua própria vida, e mesmo
a se virar sem um sentimento constante de si mesmo”.
O segundo desafio diz respeito ao talento, ou a como desenvolver suas
capacidades potenciais em uma cultura onde novas capacitações são exigidas a
cada momento, onde “os trabalhadores precisam atualmente se reciclar a cada
período de oito a doze anos”. Em lugar do artesanato, a cultura contemporânea
impõe seu conceito de meritocracia que abre espaço para habilidades potencias
em detrimento das realizações passadas
Em decorrência disto, identificamos o terceiro desafio, que enseja permitir que o
passado fique para traz, criando uma espécie de “presentificação”, isto é, descartar
as experiências já vividas. As modificações culturais desencadeadas no
capitalismo contemporâneo impelem à busca de seres ideais: “uma individualidade
voltada para o curto prazo, preocupada com as habilidades potenciais e disposta a
abrir mão das experiências passadas”.
O estabelecimento deste paradigma cultural do novo capitalismo foi percebido
através de pesquisas desenvolvidas pelo autor a partir da década de 1970 nos
Estados Unidos. As mudanças estruturais descritas por Sennett não tem fronteiras
nacionais, sendo notado que o declínio do emprego vitalício não deve ser
identificado exclusivamente na América, igualmente, o fato é que o
desmantelamento das grandes instituições não advém de uma mão invisível; “a
nova economia continua apenas a ser uma pequena parte da economia como um
todo. Ela efetivamente exerce profunda influencia moral e normativa, funcionando
como padrão avançado da maneira como deve evoluir a economia de maneira
geral”.
O autor nos convida a refletir sobre três temas: i – como as instituições vem
mudando; ii – qual a relação do medo de se tornar supérfluo ou de se tornar
ultrapassado em uma “sociedade da capacitação”; iii – em que o comportamento
em relação ao consumo tem a ver com as atitudes políticas.
2 – BUROCRACIA
Segundo Sennett, as transformações das instituições modernas produziram efeitos
colaterais no mercado de trabalho, e surgiram num momento em que as se
multiplicaram as desigualdades, seja pelo “desaparecimento” dos modelos
clássicos de emprego, seja pela globalização das economias. “Tudo o que é solido
se desmancha no ar”, cita o autor se referindo a uma celebre formulação de Karl
Marx sobre o capitalismo.
Desde a época de Marx a instabilidade parece ser a única constante do
capitalismo. O sociólogo Joseph Schumpeter inclusive cunhou a famosa frase
“Destruição Criativa” descrevendo sucintamente como um novo paradigma é
estabelecido quando da destruição do anterior. Os estudos destes sociólogos
permitiram a Max Weber no fim do século XIX compreender a organização
capitalista como um mecanismo militarizado. Para Weber as corporações
funcionam cada vez mais como exercito, onde todos possuem seu posto, e, cada
posto sua função definida.
Segundo Weber, todas as formas de racionalização da vida institucional procedem
originalmente de uma origem militar, cujas normas de fraternidade, autoridade e
agressão tem caráter igualmente militar, embora os civis não tenham consciência
de que pensam como soldados. Como economista político, Weber entende que o
exercito constitui um modelo mais lógico da modernidade que o mercado.
Sob este aspecto, a burocracia se torna um modelo explicativo mais aperfeiçoado
para o capitalismo do que o mercado. “O tempo está no cerne do capitalismo
social militarizado: um tempo de longo prazo, cumulativo e, sobretudo, previsível.
Esta imposição burocrática afeta tanto as instituições quanto os indivíduos”.
A organização deste modelo capitalista social concebido por Weber tornava
possível uma previsibilidade em relação ao tempo: as pessoas podiam fazer de
suas vidas narrativas estáveis e planejar em longo prazo suas carreiras
profissionais. Sob o regime da estabilidade, essa organização capitalista
organizava-se tal como uma pirâmide racionalizada. “A pirâmide é ‘racionalizada’,
ou seja, cada posto, cada parte tem uma função definida”.
Sob esta ótica, é possível perceber que o modelo da pirâmide dominou as
organizações, entre elas, o estado previdenciário. O sistema focalizava cada vez
mais a estabilidade e a autopreservação institucional, deixando de lado a efetiva
provisão de cuidados. A figura de retórica da “jaula de ferro” transmite a idéia de
uma burocracia montada para dar estabilidade e solidez, podendo sobreviver a
qualquer tormenta. “A contribuição de Weber neste aspecto se constituiu em
conferir um contexto institucional ao impulso subjetivo”, onde se por um lado é uma
prisão (a burocracia), a “jaula de ferro” também se constitui um lar psicológico.
Com o final do século XX, três mudanças importantes nas organizações tenderam
a deslocar os sólidos pilares do capitalismo social militarizado. A primeira mudança
foi o deslocamento do poder gerencial para o poder acionário, ou seja, uma
transferência de poder dos grandes burocratas institucionais para os investidores,
não raro, literalmente estrangeiros, e, muitas vezes indiferentes à cultura existente
no interior das corporações forjadas ao longo do tempo por associações e alianças
de longa vida.
A segunda mudança, em conexão com a anterior, é a preferência pelos resultados
de curto prazo. Emerge a necessidade de mudanças permanentes, atualizações
constantes e reengenharias – “reinventar-se continuamente ou perecer nos
mercados”. Enormes pressões foram exercidas sobre as empresas para
demonstrar mudanças e flexibilidade interna, parecendo muitas vezes tratar-se de
instituições dinâmicas, ainda que funcionassem cotidianamente como grupos
tradicionais moldados em perfeita harmonia com a época da estabilidade.
A terceira mudança que se defronta a “jaula de ferro” está no desenvolvimento das
novas tecnologias, tornando instantâneas as comunicações em escala planetária e
a manufatura. Com o aperfeiçoamento da tecnologia de comunicações, a
informação pode ser transmitida de maneira intensiva e inequívoca desde sua
origem por toda a corporação. Como consequência desta revolução, aconteceu a
substituição da modulação e da interpretação das ordens por um novo tipo de
centralização.
Essas três modificações serviram de condição para uma nova arquitetura
institucional, diferente da sólida pirâmide do capitalismo social do século XX. O
autor sugere uma nova imagem, a metáfora do tocador de MP3, que são
modernos aparelhos reprodutores de musica que possibilitam a seleção do
conteúdo aleatoriamente, utilizando alta capacidade de armazenamento e também
estratégias de controle (o controle é conferido pela utilização de uma
unidade central de processamento). Essa nova geografia do poder, produzida a
partir da arquitetura “MP3”, evita a autoridade institucional e tem um baixo nível de
capital social.
Weber observou que uma pessoa dotada de autoridade suscita obediência
voluntaria, pois, seus subordinados acreditam nela. Para algumas pessoas, no
entanto, a mistura de maior controle central e menor autoridade funciona muito
bem. As organizações modernas desejam atrair jovens com espírito empreendedor
que não tenham muita vontade de representar autoridade.
Os três déficits identificados pelo autor das mudanças estruturais são: baixo nível
de lealdade institucional, diminuição da confiança informal entre os trabalhadores e
enfraquecimento do conhecimento institucional. Estes níveis são colocados em
prova nos momentos críticos dos ciclos econômicos.
3 – O CAPITALISMO SOCIAL EM NOSSA EPOCA
O autor identifica e examina três características principais do capitalismo
contemporâneo, não apenas estabelecendo uma crítica, mas também analisando
proposições alternativas a esses problemas em nosso tempo. Os três valores
críticos examinados pelo sociólogo foram a narrativa, a utilidade e a perícia.
No que se refere à narrativa, o autor registra que, nas instituições do novo
capitalismo, atuando em contextos temporais curtos e incertos, os sujeitos são
privados de planejar sua vida em longo prazo, o que impossibilita a estabilidade de
uma narrativa. Sennett aponta que, na atualidade, três movimentos colaboram
para a desarticulação desse valor: a criação de instituições paralelas.
O papel do sindicato paralelo neste contexto busca transformar a experiência num
fio narrativo, promovendo atividades para aqueles que ainda não estão grisalhos.
Podem também ser notadas as soluções de compartilhamento de empregos, que
permitem as pessoas equacionarem as relações família-trabalho e os programas
de renda básica, que fornecem a cada jovem adulto uma soma de dinheiro para
usar na educação, na compra de uma casa ou numa reserva para momentos
conturbados.
Estas três vertentes estão voltadas para uma dura realidade, a insegurança não é
apenas uma consequência indesejada das convulsões de mercado, estando na
realidade programadas no novo modelo institucional.
Quanto à utilidade, o autor nos mostra os modos pelos quais a sombra da
inutilidade se amplia no novo capitalismo. No entanto, o autor desloca o sentido de
utilidade do trabalho formal para um significado mais amplo onde “sentir-se útil
significa contribuir com algo de importância para os outros”. Isso permite classificar
as participações voluntárias como alternativas de restabelecimento da utilidade
dos sujeitos no novo capitalismo. A própria utilidade é mais que uma troca utilitária,
trata-se de uma declaração simbólica relevante na medida em que partem da
organização politica e social.
O terceiro valor crítico apontado pelo autor é a perícia, que representa o mais
radical desafio em termos de políticas públicas nesta nova ordem. A perícia,
segundo Sennett, restitui aos sujeitos um sentido de compromisso. Ela é a que
mais desafia a individualidade idealizada pressuposta pelas instituições do
trabalho, da educação e da politica. Há a necessidade de reação coletiva aos
valores predominantes nesse novo capitalismo, sendo possível “que a revolta
contra essa cultura debilitada seja a próxima página que vamos virar”.
4 – CONCLUSÃO
Como um efeito colateral de sua analise, percebemos que o autor joga uma luz nos
fenômeno das redes sociais na internet, que embora não citada e tão pouco estudada nesta
obra, pode muito bem estar desempenhando uma função social para suporte a narrativa da
vida, carente nas instituições formais. O tempo, soberano, se encarregará de dirimir as
duvidas a respeito deste tema e atribuirá a esta nova instituição virtual uma utilidade e
capacidade de subliminarmente compensar as perdas de capital social do novo sistema
econômico.
Roberto Rafael Dias da SilvaI; Elí Teresinha Henn FabrisII
I
Doutorando em Educação na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos),
Brasil. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior
(Capes). E-mail: robertoddsilva@yahoo.com.br
II
Doutora em Educação. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Brasil. E-mail:
efabris@unisinos.br
Richard Sennett tem se constituído como um dos mais instigantes analistas sociais
contemporâneos. Temáticas como o trabalho ou as organizações sociais têm
povoado seus intensos e produtivos estudos. O presente livro, A cultura do novo
capitalismo, publicado no Brasil em 2006, é resultado das Conferências Castle, ciclo
de palestras realizadas por Sennett na Universidade de Yale. Tais conferências
tiveram a ética, a política e a economia como assuntos centrais.
A descrição desse ideal cultural do novo capitalismo (SENNETT, 2006, p. 16) parte
das experiências de pesquisa desenvolvidas pelo sociólogo desde a década de 1970
nos Estados Unidos. Em geral, o livro remete a três temáticas específicas: trabalho,
talento e consumo. Para mobilizar sua analítica, Sennett organizou o livro em
quatro capítulos, que tendem a aproximar-se das temáticas propostas para a
compreensão da cultura do novo capitalismo. Neste texto, descreveremos
brevemente cada uma das seções apresentadas pelo sociólogo e, ao final,
discutiremos algumas produtividades dessas temáticas para as pesquisas
contemporâneas em educação.
A organização desse capitalismo social descrito por Weber tornava possível uma
previsibilidade em relação ao tempo: as pessoas podiam fazer de suas vidas
narrativas estáveis e planejar em longo prazo suas carreiras profissionais. Sob o
regime da estabilidade, essa organização capitalista organizava-se tal como uma
pirâmide racionalizada. "A pirâmide é 'racionalizada', ou seja, cada posto, cada
parte tem uma função definida" (SENNETT, 2006, p. 34). Seguindo a análise de
Sennett, nota-se que esse modelo da pirâmide dominou as organizações, entre
elas, o Estado, ao longo do século XX. Outra metáfora weberiana posta em
articulação a essa é a "jaula de ferro", uma vez que a burocracia, com sua
estabilidade e solidez, foi planejada para sobreviver a quaisquer sublevações.
Com o final do século XX, três mudanças importantes nas organizações tenderam a
deslocar os sólidos pilares do capitalismo social militarizado. A primeira mudança
remete do poder gerencial ao acionário, ou seja, uma transferência de poder dos
grandes burocratas institucionais para os investidores. A segunda mudança, em
conexão com a anterior, é a preferência pelos resultados de curto prazo. Emerge a
necessidade de mudanças permanentes, atualizações constantes e reengenharias –
"reinventar-se continuamente ou perecer nos mercados" (SENNETT, 2006, p. 44). A
terceira mudança está no desenvolvimento das novas tecnologias, fazendo
instantâneas as comunicações em escala planetária. Essas três modificações
serviram de condição para uma nova arquitetura institucional, diferente da sólida
pirâmide do capitalismo social do século XX – emerge uma nova imagem: um
tocador de MP3. O MP3 é caracterizado pela flexibilidade (seleciona músicas
aleatoriamente), pela alta capacidade (armazena, em média, dez mil músicas) e
pelas estratégias de controle (o planejamento das ações parte de uma unidade
central de processamento). Essa nova geografia do poder, produzida a partir da
arquitetura MP3, "evita a autoridade institucional e tem um baixo nível de capital
social" (SENNETT, 2006, p. 77).
Essa perspectiva de produção de algo novo vincula-se tanto ao setor público quanto
ao privado. Isso produz uma ambivalência entre capacitação e inutilidade, o que
encaminha Sennett a pensar os talentos individuais sob as formas da perícia e da
meritocracia. Nos tempos do capitalismo social, a perícia marcava os processos de
produção, isto é, através de autocrítica e autodisciplina, o trabalhador produzia
artefatos qualificados como um fim em si mesmo, pelo prazer de fazer bem feito.
Nas instituições de capitalismo flexível, a perícia não apenas é deslocada, como
também ocupa o lugar de problema. Em instituições voltadas ao curto prazo, não
há espaço para a perícia, emergindo a noção de meritocracia. Sob o modelo da
meritocracia, ocorre uma equiparação entre talento e mérito, na medida em que,
nesse modelo, o talento é visto como aptidão potencial. "Em termos de trabalho, o
'potencial' humano de uma pessoa define-se por sua capacidade de transitar de um
tema a outro, de um problema a outro" (SENNETT, 2006, p. 108). Em síntese,
Sennett argumenta que, nessas instituições, a gestão dos talentos é marcada pelo
jogo ambivalente entre meritocracia e aptidão potencial.
O sociólogo explica, ainda nessa seção, que as mesmas lógicas que produzem
subjetividades nas práticas de consumo também povoam as atitudes ligadas à
política na contemporaneidade. Sennett aponta cinco maneiras pelas quais o
consumidor-espectador-cidadão é produzido em direção a um estado de
passividade na cultura do novo capitalismo. A primeira maneira está na produção
das plataformas políticas, que são construídas de forma aproximada com as
plataformas de produtos. A segunda maneira está na ênfase atribuída às
diferenças, ancorada em práticas políticas articuladas permanentemente aos jogos
do marketing. A terceira maneira mostra que a produção das políticas é marcada
pela impaciência na obtenção de resultados, de modo que tendem a ignorar as
necessidades humanas. A quarta maneira está no crédito atribuído às políticas de
fácil utilização – ou, como mostra Sennett, "os cidadãos estão deixando de pensar
como artesãos" (SENNETT, 2006, p. 156). A quinta e última maneira apresentada
pelo sociólogo é a aceitação constante dos novos produtos políticos em oferta,
ocasionada pelos problemas de confiança em relação aos partidos políticos, assim
como pelo prevalecimento das ideias de curto prazo em matéria dos processos
políticos.
Revista aSEPHallus de Orientação Lacaniana. Rio de Janeiro, 12(23), 119-122, nov. 2016 a abr. 2017. O novo
capitalismo e seus efeitos no laço social 119 Flávia Lana Garcia de Oliveira