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Nenhum refinamento,
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literatura roduzida
portanto, o aristocrático e erudito mar~uês rec.cuili..e.çç
de forma bastante clara sua distância com o ti o de
or este. Já em 1783, antes mesmo de escrever seu primeiro
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libertinagem setecentista nos campos em que ela ganha expressão, a saber, a história,
a literatura
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e a filosofia .
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Thisbé, será reeditada inúmeras vezes durante o período, tornand -sc rcf '[,~11'i,\ .II.H, los, M.lis il1tr:lll~il' -nt ',S, m j,III,'. 'lti~('IS olo :\11\S' 110 .\I1\1l1lti 'h,ll.tllt.1 I
obrigatória para um expressivo número de escritores, ,Ipfllfl,~il' dI' I" rl!Li~ioll que pr .pnrnva Pas 'al visava dir 'Iam '111' os lih 'I'(illll'<, I),
Entre eles e~á Jacques Vallée, senhor des Barreaux, que, segundo Hazanl, III 1:1[o nun, protc~'lntes e católi os ass iam seus .sforços 11.ss . ar.ique, I','!ll
-t,., { "amava de forma extrema seus prazeres e a liberdade; só sonhava com divertimentos ,I 'oruc e porquc "há, na r~ralliber.0na.!. uma antecipação 10 'I 'tiS ( 111111111,
~ e boa companhia; era admirável nos entretenimentos da mesa, (.. .) Não acreditava III 10 é permitido!' nietzschiano'".
~ 'Je.. em nenhuma religião, nem em Deus, nem no Diabo", A maior parte de suas Todavia, essa afirrnaçâovainda que tenha sentido se tomarmos um.t ,,!tI I
.{"', poesias traz a marca da descrença e também a marca ele u~s~dão às ~es .orno a de Sade, peca por exagero. Não é ossível afirmar ue o P 'nS:llll"1I111
, ~pugnante. Seus poemas, que tematizam a volúpia, a corrupção da carne, o horr;[ libertino, sobretudo no século XVII, seja regido por um único cornportnmeuro
~
da morte, conheceram grand~uceSSõIla -época, embora sua reputação fosse ou uma única conce ão reli iosa. As evidências são muitas: se alguns d' M'II'.
criticada até mesmo por outros pensadores libertinos, como Gui Patin, qu~e~ representantes mantêm-se descrentes a vida toda, outros acabam se c nv '1\.111
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responsabilizava por "corrom er os espíritos de muita gente jovem que se deixa ao cristianismo, como Cyrano, Théophile ou Des Barreaux (ainda que este 50111('111,
~ c2ntaminar pela devassidão", Assim, COI1ª~ilIazard...Q~arr~ux r~Eresent~ "o renha se convertido às vésperas de sua morte, aos 71 anos); expressiva pan'I,I"
~t-' ~ o do libertino c ple1Q., libertino de conduta e libertino de op inião'". Uma destes pensadores adere ao deísmo, como é o caso de Saint-Évremontlo.
"/ apresentação de Sade confirma essas palavras, quando, ao mencionar a amizade Será necessário aguardar até o século XVIII para que a libertinagem ;ISSIIIII,I
entre esse poeta e Théophile, observa que "a impunidade e a devassidão desses caráter fundamentalmente anti-religioso e vincule-se, de forma definitiv.l. 111
dois amigos foram levadas ao cúrnulo'". ateísmo. Aqui, questões importantes se colocam: teria havido nessa pnss<1['.'111
Seria impossível, neste momento, tentar fazer uma "árvore genealógica" da ~lgum tipo de ruptura entre as correntes libertinas? Quais livres-pensa I r 'S dm
libertinagem, e não é esse nosso objetivo.~ tomarmos um trabalho como o de séculos XVI e XVII serão lidos, apreciados ou criticados no século XVIII? I~Ilfi 111.
~gio Bertelli veremos que a classificação de "liberti~o", em opos~ a~ que diferenças são engendradas no decorrer dessa história? A formulação (b.\,1
ortodoxos ~ barroco, refere-se a um contingente extenso e ~ificado de respostas certamente exigiria uma pesquisa mais densa, particularmente volt.ul.:
_escritores, filósofos e historiadores do eríodo. O mesmo se verifica nos estudo; ao tema. Arrisquemos apenas uma sugestão.
de Hazard, Pintard e Reichler, que contêm número significativo de referências. O sentido das palavras que, no decorrer do período, define o libertino podl'
Além disso, deve-se ter o cuidado de não homogeneizar as diversas correntes em ser de interesse para essa investigação. Nos séculos XVI e XVII a palavra rouâ qu '
jogo, que mantêm, em seu interior, uma série de diferenças e até mesmo de significa ao mesmo tempo devasso e supliciado, está ligada ao suplício da rod.r,
concepções conflitanres, Contudo, pode-se indicar, a partir dessas leituras, ~s castigo infligido a muitos e estendido aos rebeldes descrentes. Porém, S· 11m
nll--_.I-.;.".~os~undamentais do ensamento libertino, desde seus rimórdios. primórdios da libertinagem o termo carregava consigo a condenação a puniçne-,
Inicialmente é Eeciso apontar u~ o de con~~ entre libertinagem e rigorosas (Théophile é aprisionado e escapa por pouco da morte), depois de 171 ,
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onstituindo-se em escolas de pensamento que, grosso modo, opõ~ com a Regência, os libertinos passam a ser assim designados ap '11.1~
ensinamentos da fé e da moral às constatações da experiência cotidiana e da simbolicamente: "dignos do suplício da roda por sua libertinagem", O diciondrio
'\. percepção sensorial:~libertinagem é marcada pela dúvida, muitas vezes insinuando Littré aponta os significados históricos da palavra libertin de forma cronológi ':1,
,J \<> o materialismo como saída possível. De forma geral, os libertinos são considerados iniciando pela versão ultrapassada, típica do século XVI ("aquele que não se suj ·i1.1
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7. 7 Paul Hazard e Joseph Bédier (orgs.). Histoire de Ia Littérature française, 1923-1924, tomo r. Paris, Larousse, 9 Claude Reichler. L~ge libertin, op. cir., 1989, p. 16.
~ 1955, p. 235
'o Ressalvamos que os dados biográficos não podem, por si sós, indicar a postura desses homens em rcl.«,,li' .\
• Sade, Histoire de [uliette, tomo 11,op. cir., P: 92.
religião, sobretudo se considerarmos que eles eram alvo de perseguições na época.
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data c.I sé ulo XVlll, já referindo-se à moral e à cxualid.i I,: u I 'SI' 'gr:l 10 no qu ,di'!, S', :1 p:ll'lil' I, '111.10,,I 11.ltllIl, li'; di) /)r //11///'/1 rerunr"; o pnn: '(SlltO 'pi 'Ul'ist:l
-respeito à n oralidade entre os dois sex~s passa a S'I" obj '10 !lI ivil '1\i.1lI) I, int .r 'S e e de reflexão para os des rentes, A
Isso le a a pensar que, se inicialmente os libertinos caracterizavam-se pel
----- atitud de indiícr '11~':l':11,1'I 'dsLi ';1 do omportamento estóico inspira o ceticismo
desafio aos dogmas da reli ião e à autoridade do poder, com o passar do temp de pensador somo 'abriel Naudé que, seguindo os ensinamentos de Charron,
e es vão substituindo a rebeldia política e religiosa ela afronta à moral. , tam em, fazem do livro De Ia sagesse uma espécie de bíblia da libertinagem'>.
;- que sugere Claude Reichler, em seu livro L'Âge libertin": Seria lícito supor tal Essa tendência está, também, profundamente ligada às idéias de Gassendi,
deslocamento? A questão é complexa, Numa abordagem inicial, se considerarmos que esboça uma filosofia fundada nas teorias de Epicuro e escreve obras de grande
as pontas dessa história - do final do século XVI às primeiras décadas do século repercussão entre os libertinos, o Syntagma philosophiae Epicuri e De vita et moribus
XVIII -, essa substituição arece realizar-se, e o alvo visado pela libertinagem Epicuri. Segundo Hazard, "Gassendi adapta a doutrina de Lucrécio aos hábitos
su ostamente transfere-se da política ara a moral. Não há como descartar a~ de um pensamento formado por muitos séculos de cristianismo"!", vindo a ter
'!,llotivações históricas que possam ter engendrado e~s~iment~quando nos inúmeros discípulos, dentre os quais Cyrano de Bergerac e Moliere. Logo após
recordamos ue durante a Re ência, o oder está nas mãos de libertinos, Melhor sua morte, em meados do século, o Abrégé de Iaphilosophie de Gassendi escrito por
dizendo, de um ti o bastante particular de libertinos; voltaremos a isso, Bemier torna-se leitura obrigatória entre os livres-pensadores, mantendo sua
No tocante à religião, porém, se houve algum deslocamento, este se de~o popularidade até o XVIII.
como mudança de alvo, ;:-as como radicalização de uma_postu!.a de~de ~pr~ Agnes Heller vai buscar as matrizes desse interesse pela filosofia estóico-
reivindicada pelos devassos, Basta lembrar que, se o ateísmo só é concebível epicurista no Renascimento.
histórica e conceitualmente a partir do século XVIII, não é possível falar do
surgimento do sentimento ateu sem fazer referência à libertinagem, Portanto, o Considerem-se os heróis e as heroínas do Decameron de Boccaccio: no meio
que podemos concluir daí é que a rebeldia diante da fé religiosa não só se manteve de um flagelo mortífero reúnem-se numa igreja - mas, em vez de se resignarem
como traço marcante desse grupo durante toda a sua história como também à graça divina, confiando na expiação dos seus pecados ou pedindo histericamente
o auxílio de santos ou objetos de devoção, partem para o atraente jardim de um
acirrou-se de forma decisiva~ assa em - da descr~ça difusa da libertinagem
castelo para "viverem uma vida de beleza", (..,) Durante todo o tempo em que a
de um século ao ateísmo radical com que ela se apresenta no outro - se constituirá peste grassou, não pensaram uma só vez na possibilidade da sua própria morte;
como co- ição essencial para o a -;recim;nto d<:.J!.mEen7ador c~mo Sade. não é em vão que se diz deles que "a morte não os vencerá".'?
Outro ponto importante - e que para quem estuda o marquês toma-se
fundamental - é o que diz respeito às fontes clássicas dos livres-pensadores,
13 Limito-me a indicar essas matrizes e suas articulações históricas na medida em que utilizo aqui fontes secundárias.
Aqui encontramos uma série de convergências a nos comprovar que já os libertinos Apresentar as doutrinas esróico-epicuristas dos séculos XVII e XVIII e discuti-Ias no campo da filosofia
implicaria a leitura dos autores apontados, e não dos historiadores do período aqui utilizados, que introduzem
do século XVII tomam o epicurismo e o estoicismo como as principais matrizes de forma breve e resumida essas concepções.
14 Bertelli cita a tradução para o italiano da obra de Lucrécio, feita por Alessandro Marchem, em 1664; Hazard
cita as traduções de Courures e de Hénaulr para o francês, dizendo que não são as únicas do século XVII;
Grimm confina, na sua Correspondance, a popularidade do autor já no século XVIII, citando a tradução de
o
11 Conforme Roger Vailland, Le Regardfroid. Paris, Bernard Grasset, 1963, pp. 78-79.
tese central do livro de Reichler é a de que haveria uma "prim~ira libertinagem', que remonta ao final do
século XVI, cujos seguidores caracterizam-se por desafiar a sociedade, declarando-se abertamente contra a
Lagrange, editada por d'Holbach. Sade abre o romance Aline et Valcour com uma epígrafe de Lucrécio;
sabemos que ele conhecia o poeta, pois, numa carta que envia à marquesa, em 25 de junho de 1783, de
Vinccnnes, ironiza seus censores dizendo: "Recusarem-me as Conftssions de Jean-Jacques é urna coisa
religião e a política. No decorrer do século seguinte, eles serão substituídos pelos filósofos céticos e pelos
excelente, sobretudo depois de me enviarem Lucrécio e os diálogos de Volraire ... ".
teóricos mundanos da honestidade, que não acreditam nas convenções sociais, mas lidam com elas, vindo
IS Perguntado sobre qual seria o melhor de todos os livros, Naudé responde que "depois da Bíblia me parece que
)a se compor com a autoridade que rejeitam para, afinal, criticá-Ia. A "terceira libertinagm:(,.!Í ica do é Ia Sagesse de Charron". Conforme Bertelli, Rebeldes, libertinos y ortodoxos en el barroco, op. cir., P: 299.
século XVIII, se caracterizaria elo su'eito ue se erde nas máscaras sociais, tendo na fi Ufa do~~
Sobre a repercussão dessa obra no século XVII ver Agnes Heller. "Estoicismo e epicurismo", in O homem
sua imagem privilegiada. Nesse momento, diz Reichler, "o discurso libertino desce do céu idílico à ~ do Renascimento, Lisboa, Presença, 1982, p. 86.
dos fazeres". Assim, segundo o autor, o desafio aos ensinamentos da é e auton a, :. política g:rm~
16 Paul Hazard e [oseph Bédier (orgs.). Histoire de Ia Littérature française, 1923-1924, op. cir., tomo lI, p. 32.
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sendo substituí o pe a rebeldia moral, visando à fruição do corpo (Claude Reichler. L'Age libertin, op. cir.).
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17 Agnes Heller, "Esroicisrno e epicurismo" op. cit., p. 91.
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11<.I o-se
tipo estóico-e icurista nos ersonagens de Boccaccio ou de Rabelais, e, ainda, diante das distintas direções que toma o deboche setecentista, Pois, no século 11:
-~~ar s;- proximidade com as teorias do prazer e do sentimenro formula as na -XVrrr;jâ exiSí:êm,_cla ente demarcados, elo menos dois ti12;s de libertinagem: {:{
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indTZa: a mesma linhagem de pensadores que Bertelli aponta como ade "espírito" e a de "costumes", ~ ~ c1i" t
~sora direta dos libertinos, herdeiros dessas correntes renascentistas. Tal;ez
~Tsso, mes~~m precisar essa filiação, ela possa afirmar que o ~ y~
A LlBERTINAGE D EsPRlT ~
De voluptate ac vero de Valia faz mais que repetir as questões consideradas pelos
epicuristas antigos; é também precursor da teoria do prazer francesa dos séculos Quem são os libertinos de espírito no século XVIII? Trata-se de uma gama •
XVII e XVIII. As suas premissas, combinadas com a teoria da utilidade, conduziram
tão variada de filósofos, homens de letras, divulgadores de idéias, vinculados aos <;o .;
às interpretações do Iluminismo francês, em particular as análises de Holbach e de '" "t;:
Helvetius." círculos eruditos ou aos populares, que fica difícil estabelecer, entre eles, ~ ~
características comuns além daquelas que já definiam seus antecessores do XVII "t1.,,~
A se crer nas teses de Bertelli, Hazard e Heller, a tradição estóico-epicurista é - o livre-pensar e o ataque à religião -, de quem são herdeiros diretos, Para se ~
redescoberta no Renascimento e sua trajetória se estende até o século XVIII, sendo, responder a essa questão é necessário perguntarmos inicialmente quem define, no
nesse percurso, objeto de inúmeras adaptações e releituras. Se tomarmos o exemplo XVIII, o estatuto de libertino, '&-
de Sade veremos que essa tradição chega a um leitor setecentista por meio de Robert Darnton mostra que, do ponto de vista de um inspetor de polícia
várias fontes: das traduções dos clássicos, em especial de Lucrécio, e dos filósofos que arquivava informações sobre os escritores da época, o epírero libertin servia
seus contemporâneos, como é o caso de d'Holbach e de Ia Mettrie, este último tanto para ilustres philosophes como para obscuros panfletistas. Assim, ao consultar
autor do Systéme d'Epicure e do Anti-Sénéque ou Discours sur le bonbeur'", E, como os relatórios do inspetor do comércio livreiro Joseph d'Hernery, escritos entre
o próprio marquês anota, da leitura dos romancistas: 1748 e 1753, encontrou nomes como os de Volraire, Piron e Diderot ao lado de
popularizadores da ciência, como Pierre Estéve, ou versejadores ateus, como um
o epicurisrno de Ninon de Lenclos, de Marion de Lorme, dos marqueses de certo abade Lorgerie que escrevera "uma epístola contra a religião", O critério de
Sévigné e de La Fare, de Chaulier, de Saint-Évremond, enfim, de toda essa classificação de d'Hemery era fundamentalmente político, na medida em que se
encantadora sociedade que, curada dos langores do Deus de Citem, começava a orientava pela idéia de que o ateísmo ameaçava a autoridade da coroa; por isso,
pensar, como Buffon, que no amor só havia de bom o físico, em breve mudou o
conclui Darnton, "os libertins constituíam a mesma ameaça que os libelles, e a
tom dos romances (...) envolvendo cinismo e imoralidades num estilo agradável e
jocoso, algumas vezes filosófico, e, se não instruíram, pelo menos agradaram.ê? polícia precisava reconhecer o perigo sob ambas as formas, quer atingisse pelas
costas, sob a forma de difamação pessoal, ou se disseminasse pela atmosfera, a
partir das águas-furtadas dos pbilosophes":
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capazes de colocar lado a lado obras filosóficas e libelos scnsa ionalisia . Entre novas i~ : Moliere reúne, em Aureuil, alguns íntimos: Bernier, Chapelle, des' ~.
esses dois pólos, os philosophes e os paníletisras, ainda havia espaço para um Barreaux, Ninon de Lenclos e Mme. Mazarin são as anfitriãs prediletas dos
significativo número de escritores que não se enquadram nessas extremidades, "espíritos fortes", La Morhe Le Vayer, Saint-Évremond. Boulainvilliers anima
como é o caso, por exemplo, de um Laclos, ou de um Mirabeau. O que determinava uma sociedade que se reúne no palacete do duque de Noailles, onde se discutem
)
esse agrupamento editorial? O critério, nesse caso, não era exatamente o mesmo livremente os grandes problemas fundamentais: origem do mundo, dos seres,
da polícia, mas dele decorrente: a proibição. Segundo Darnton, os comerciantes das espécies. Lá, os jovens Fréret e Dumarsais estudam as doutrinas do século
)
de livros proibidos - e talvez também os leitores - pareciam reduzir as obras - Descartes, Spinoza, Locke - enquanto os tradicionais corredores do
desses autores ao denominador comum da irreligiosidade, imoralidade e Templo testemunham o encontro do velho abade cego, Chaulier, com o jovem
incivilidade. Voltaire.
Já no século XVIII são os salões, então mais mundanos, ue a roximam os
Fosse qual fosse a combinação de causas em ação, o Ancien Régime colocava ~mens de espírito. Mme. du Deffand recebe uma sociedade de céticos e de'
Charlot et Toinette, Vénus dans le Clottre, D'Holbach e Rousseau nas mesmas analistas; Mlle. de Lespinasse reúne-se com a sua corte de espíritos fortes, e sua
caixas e sob o mesmo codinome. Livres philosophiques para os negociantes, mauvais
casa é chamada de "laboratóri; da Enciclopédià'; o salão da bela MIl!~. Helveci~s
livres para a polícia; fazia diferença? O que importava era a clandestinidade por
[freqüentado por- D"Tckrot, -Condorcet, d'Alembert; Mme. Geoffrin abre suas
eles partilhada. Havia igualdade na ilegalidade: Charlot e Rousseau estavam juntos;
irmanava-os a condição de renegados.P Rortas aos artistas nas segundas-fe~s e, aos escritores, nas quartas; Mme. d'Epinay,
Mme. Suard, Fanny de Beauharnais disputam a honra de anfitrionar os
Entre aqueles que a polícia e os livreiros clandestinos agrupavam juntos, porém, philosopbes'>.
existiam profundas diferenças. E se elas se manifestam para o historiador que, ~rém, esses salões, dirigidos pelas chamadas "mulheres-filósofas", dependem
como Darnton, sente" certo desconforto" ao vê-los assim reunidos, eram ainda muito da o inião da sociedade; embora recebam escritores como Lados, não são
mais graves entre os autores em questão. Os subliteratos desprezavam Voltaire, "o considerados o reduto ideal para abrigar a radicalidade dos livres-pensadores.
mondain, que estigmatizara Rousseau como um 'pobre diabo'". Voltaire, por sua Segundo Paulette Charbonnel, essas mulheres "se entregam às discussões, às
vez, horrorizava-se com os escritos de Charles Théveneau de Morande, um dos amizades e inimizades, motivadas mais por sentimentos que por princípios,
mais virulentos panfletistas da boemia literária. Por ocasião do aparecimento do criando freqüentes perturbações em sua sociedade'l". Entre os salões, portanto,
Gazetier cuirassé de Morande, ele anotou em seu Diciondrio Filosófico: "Acaba de se destacará sobremaneira aquele do palacete da Rue Royale Saint-Roch, que,
aparecer uma daquelas obras satânicas em que todos, do monarca ao último dos durante vinte anos, reunirá filósofos e homens de letras em torno de um
cidadãos, são insultados com furor; em que as mais atrozes e absurdas calúnias princípio claro - a independência do pensamento -, conferindo-lhe brilho
instilarn sua peçonha terrível em tudo aquilo que se respeita e arna?". Os filósofos único em toda a Europa. Trata-se do "salão do barão", como era conhecido na
e homens de letras eruditos, a exem 10 de Voltaire e de Sade, não deixavam de época, anfitrionado por um personagem extremamente importante para quem
marcar sua distância em relação à ueles que considera~am ~blitera~, embo-;:; estuda Sade: D'Holbach.
ara a olícia e os comerciantes eles fossem guase todos libertinos. O salão dirigido por d'Holbach recebe os amigos duas vezes por semana e
Quem são, então, os libertinos de espírito do ponto de vista dos philosophes? mantém as mulheres à distância.
Estão, certamente, entre eles, e freqüentam os exclusivos gru os de eruditos cuia
25 Sobre os salões, ver Hazard, Histoire de la Littérature française, 1923-1924, op. cit., tomo lI, pp. 32-33;
Paulette Charbonnel. "Inrroduction", in D'Holbach, Premieres (Euures, op. cit .• pp. 32-33; Carlos
2J Robert Darnton, Boemia'literária e reuolução. São Paulo, Companhia das Letras, 1987, p. 206. Drurnmond de Andrade. "Prefácio", in As relações perigosas. Rio de Janeiro, Ediouro, s.d., pp. 10-11.
H Idem, O grande massacre de gatos, op. cir., pp. 45 e 35. . 26 Paulette Charbonnel, "Inrroduction", op. cit., P: 33.
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assembléia maior e no sábado em comitê mais restrito. Sl'IlI;11I1M', 111',\,1~s duns
que '()Il~tillll'III, '1"111"" I 11111l11I1id,1', ,I dislill~':1Il ,\oci,d, " li'l'l('/ll I' 1111111
horas da tarde; a refeição é sempre copiosa, regado por vinhos da m .lhor qualidad "
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À saída da mesa prolonga-se a discussão sobre qualquer as unto da atualidade:
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"Deve-se ou não inocular contra a varíola? Deve-se ou não permitir a fabricação
como em umn illl'xpugn:lv ,I ·iladcla.29
de tecidos pintados na França?"
línguas da Europa, e mesmo algumas das línguas antigas, possuindo uma biblioteca século, o ~steme de Ia natu,!.e,_ou des lois_du monde '-.hysique et du monde moral. ( ,.,
excelente e numerosa, uma rica coleção de desenho dos melhores mestres, excelentes pseudônimos por ele utilizados são igualmente expressivos: reaparecem cs ri I(11 (' ,
quadros dos quais era bom juiz, um gabinete de história natural contendo peças cujos textos póstumos ele havia editado, e outros como o abade Berni 'r, ,1111111
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critique de [ésus hristl2. "rraidor", I id 'rOI 11.111 11 111 u luuu J.lllloIi.,
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no palacete da Rue Royale de Saint-Roch.
Embora tenha fregÜentado o salão do barão durante alguns anos, mesm~
nas r~ões mais íntimas, Rousseau pareceu não hesitar em denunciar a e?5istência
eja Bastilha, ecoando na obra de um escritor que concebeu um gênero específico
de libertinagem,
experIência,
de Sade.
ao ual concorre
como defendia d'Holbach,
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não só o es írito, mas também
terá um peso decisivo para os libertinos
a carne. A
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eram apenas descrentes em cus, mas exibiam publi ,II11l'IIIt'., 'li .11'(sino" , suas 'l'lI .ldadcs .tlill\l'III.!1I1,I ~I lIi ';1tI:1 R·,
\ 1111'1110, n ia 'ti· LlI(s V; dt' 1'1 11
Os anos de Regência são marcados pelo desvario e I '10 cx ' .sso: festas, 01' ,ias, I IItll·i:1sun 1115(;, ntra <llI'111IIIOV' III1l pI'O ess ; vive cmbria ndo, " 11.1111.11111
embriaguez, No inverno, três vezes por semana, há baile de máscaras na Ópera. 1',111'do l'mpo, fechado no pala (;CC de Montrnartre em companhia 1:ls:1111,1111
".
No verão, os libertinos divertem-se com prostitutas nas obscuras alamedas cios I111(
I' , as 111 LIitas histórias sobre as atrocidades que cometeu, conta-se q li . ;lss:lssi111111
Champs-Elysées, Todas as noites o Regente recebe para uma ceia no Palácio Real: criança doente, de seis ou oito meses, dando-lhe
11111:1 uma forte agu;)I' I '111' Jl,II.1
companhia brilhante, mas íntima, escolhida num círculo restrito. Entre as I11' h 'r. urra, mencionada em La phiLosophie dans le boudoir, revela qu', '1111,/.' I.
mulheres, além da amante do momento, encontram-se Mme. de Tencin e Mme. 1·1. matou um homem apenas por diversão:
du Deffand'", todas muito perfumadas, os cabelos cortados como dita a moda,
frisados e empoados, os vestidos longos, com aplicações de seda da Índia. Entre Voltando da caça, encontra um burguês parado em sua porta. I t' ~.IIII',l1l
os homens, os companheiros de libertinagem, com quem desafia as convenções, frio, o príncipe diz: "Vejamos se atiro bem naquele corpo!", apontando l'l1l '<1101
brincando com as palavras, as idéias, as reputações, "Os vinhos são bons: direção e lançando-o ao chão. No dia seguinte, ele vai pedir indulgência ao tllllllll
de Orléans, que, instruído sobre o acontecido, lhe responde: "Senhor, a indulg 11\101
champagne e Tokay, O tom se eleva. Eles se aquecem, dizem obscenidades em
que solicitais deve-se à vossa distinção e a vossa qualidade de príncipe d . ,~a1\g\ll':
altos brados, e quanto maiores as impiedades, melhor. No final do dia todo mundo ela vos será concedida pelo rei, mas ele a concederá ainda com maior I l'c~1',li
está embriagado":". àquele que tiver feito o mesmo a VÓS".50
São muitos os companheiros de deboche do Regente; além disso, a
libertinagem de costumes faz escola. Até o final do século, mesmo depois da r Só quando lemos essas histórias dos libertinos de costumes no século X VIII,
Revolução, se ouvirá falar desses homens. O cínico duque de Richelieu, o estranho ), ntendemos o sentido mais profundo do estranho parágrafo que abre as 13!}.jOIlI'll/I'I:
duque de Bourbons, o violento marquês de Bellay, o insólito marquês de
Pleumartin, o desconcertante marquês de Antonelle são alguns dos que encarnam . As guerras prolongadas com que Luís XIV foi sobrecarregado duran l . (1 M'II
perfeitamente o libertino setecentista'". Um deles nos interessa sobremaneira: reinado, esgotando as finanças do Estado e a substância do povo, continham te d,IVi,1
o segredo de enriquecer uma enorme quantidade desses sanguessugas sempre :11.-1'1,1',
aquele que, segundo Michelet, "n'airnait le beau sexe qu'à l'état sanglant" (só
às calamidades públicas que eles mesmos provocam, ao invés de atenuar, . i~111
amava o belo sexo quando o fazia sangrar):", Trata-se do duque de Charolais, que para melhor se aproveitarem delas. O final deste reinado, por outro lado tão sul li111(',
inspira diversos personagens de Sade'", foi talvez uma das épocas em que o império francês viu emergir o maior I1lr1\ll'lIl
de fortunas misteriosas, de origens tão obscuras quanto a luxúria e o debo h '\1111'
as acompanharam. Foi quase no final deste período, e um pouco antes de o Reg '1\1('
43 Pierre Gaxore, Le siêcle de Louis XV; op. cit., P: 60 ter tentado afugentar essa multidão de tratantes através do famoso tribun.il
44 Ernesr Lavisse, Histoire de ia France, tomo VIII, Paris, Hachette, 1911, P: 465. conhecido como Chambre de [ustice, que quatro deles conceberam a idéia d:l\
45 Quando jovens, Mme. de Tencin (mãe de d' Alernbert) e Mme. du Deffand abandonam-se à vida galante,
freqüentam as festas do Regente e convivem com os "liberrins des rnoeurs", mais maduras, elas irão dirigir
orgias singulares que vamos relatar. 5 I
seus próprios salões, freqüentados por filósofos e escritores, muitos deles "Liberrins d'esprit".
46 Pierre Gaxotte, Le siecle de Louis XV; op. cir., P: 60.
47 Uma interessante aproximação entre Sade e o marquês de Antonelle é feita por Pierre Guiral em "Un
Parágrafo da maior importância, que abre o livro e antecede a apresenta 50
noble provençal contemporain de Sade, le marquis d'Antonelle", in Le Marquis de Sade, Armand Colin dos devassos de $illing - um duque, um bispo, um magistrado e um finan il'l:1
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(org.), op. cit.
48 Citado por Alan Hull Walton na "Introdução" a [ustine, or the misfortunes of virtue, Londres, Corgi Books,
1964, p. 39. SO Sade cita essa passagem, atribuindo as palavras do duque de Orléans a Luís XV, para ilustrar a impunidade do
49 Charolais é citado em diversas passagens dos livros de Sade. Segundo Alan Walton, ele é o modelo que inspira assassinato. As informações sobre Charolais aqui apresentadas constam de uma nota de Yvon Belavnl C'"
o personagem Dolmancé de La Philosophie dans le boudoir; segundo Geoffrey Gorer, ele era um dos La Philosophie dans le boudoir (pp. 302-303). e são retiradas por sua vez do [ournal de Barbier, Chroniqur "r
personagens do manuscrito queimado Les [ournées de Florbelle, que, ao lado de Luís XV e do cardeal Fleury, ia Régence et du régne de Louis XV de 1857.
apareciam com seu próprio nome. Ver Walton, "Introdução", op. cit., p. 39, e Gorer, op. cir., p. 72. 5' Sade, Les 120 journées de Sodome, op. cit., p. 19.
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·i:t~·)'S ti 'sS' tipo 'xi·.!I'lllc' 11.1
D Annie Le Brun dirá que esta "incrível frase" tem o pod 'r d ' Il()~"1.1'1.
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~ sadiana, ofuscados pela imaginação delirante do marquês, sem atentar para o fato Ao princípio maçônico de reunião em torno de uma mesma I' '1'1''M'III.II"11
de que o romancista propõe-se também como historiador. Como esquecer a paixão do Homem segundo a ordem da razão opõe-se a representação do Horn '111,"')',1111111
I
que a devassidão dos personagens sadianos não deve ser creditada unicamente à A idéia de uma associação das inclinações pessoais de tal ou tal Lipodc' 11111111
fabulação excessiva de seu criador: ao descrever, em Nuits de Paris, os sensual não é nova (Ordre de Ia Boisson, 1705; Ordre de Ia Médusc, 171 .).1 1111
desregramentos do conde de Artois - depois Carlos X - num famoso bordel sua associação em categorias e sua normalização. (...) Um só desvio - 110NI'IIIIdll
que o entendem os psicanalistas - pode servir de critério associativo: a OIlMi 111i (
parisiense, Restif de Ia Bretonne chega a concluir que os feitos exemplares desse
de uma singularidade de costumes criada por uma minoria à qual ela S' lill(II,I.
libertino teriam inspirado a criação de algumas cenas de [ustine": uma conivência, um lugar social de tipo novo, mesmo se ele é artificial OLl ' 111('1
(1,111
A· questão, certamente, não é descartar a prod~giosa imaginação ?e Sade;
a- , a ordar sua o ra a artir da história a ibertinagem pode trazer surpresas Essas sociedades secretas têm, portanto, perfis diversos, Quoi-Bodin, ao omp,ll.11
para os estudiosos que, muitas vezes, ignoram tal associaçã055. Nesse~o; a Ordre de Ia Félicité à Ordre Hermaphrodite, observa significativas semclhanç.iv ('
uma outra faceta da libertinagem de costumes é bart;nte instigante, sobretu& diferenças entre arribas. Uma curiosa familiaridade está no fato de as duas ord 'li,
para quem estuda a obra do criador da Sociedade dos Amigos do Crime: as utilizarem um vocabulário secreto, empregando termos da marinha para desigll.11
.inúmeras sociedades secretas libertinas q~ se formam a_partir do sécul~ suas atividades, notadamente aquelas que dizem respeito .w, A à sensualidad
principal diferença é que a Ordre de Ia Félicité se diz uma sociedade hcdonist.r,
)2 Annie Le Brun, Soudain un bloc d'abtme, Sade, op. cit., P: 51.
dedicada à galanteria, "talvez um pouco erótica", mas "sem excessiva Iicenciosidade",
53 Pierre Guiral dirá que "o século XVIII foi um século de crueldade" ao traçar algumas semelhanças entre os
"gostos bizarros" de Sade e do marquês de Antonelle. "Un noble provénça\... •., in Le Marquis de Sade, enquanto a Ordre Hermaphrodite se declara uma associação voltada à prática crói j( ,I,
Armand Colin (org.), op. cir, p. 82.
54 Além dos relatos de época, como Les Nuits de Paris, de Restif de Ia Bretonne, consultar também o livro de
dedicando-se à organização de "santas orgias" e a todas as formas de deboch ,
Eugene Duehren (pseudônimo de Iwan Bloch), El marquês de Sade y Ia Europa de! siglo XVII! y XIX,
México, Ediciones Pavlov, s.d., que, embora publicado em 1904, continua sendo uma das poucas obras a
tecer relações entre a libertinagem histórica e a ficcional. 56 Esta última é citada por Sade numa passagem de [ustine, aludindo aos seus aristocráticos membros.
55 O único trabalho que conheço em que se tematiza essa associação é o de Jean-Claude Bonnet, "Sade historien", 57 Jean-Luc Quoi-Bodin. Les Six Livres de Ia République. Paris, Fayard 1986, p. 82.
in Sade, écrire Ia crise, op. cir., 1983, afirmando que o marquês está inserido na polêmica setecentista que 58 Idem, ibidem, P: 82.
opõe os eruditos e os filósofos. Bayle, Montesquieu, Voltaire e Diderot serão alguns dos filósofos que '" /.59 Quoi-Bodin (Les Six Livres de Ia Rêpublique, op. cit., p. 73) reagrupou os 254 termos utilizados em <1'""'"
"tomam o partido da história", considerando-a novo e importante domínio do conhecimento ao qual a C! rubricas: termos utilitários (vida social, doméstica), 157 palavras; atividade amorosa e sexual, 67; I"" 1<" .I"
filosofia não pode dar as costas. Assim também procederá Sade (p. 133). corpo, 20; a mulher, 15.
96 97
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<lIIIISCOI'I't'111
'o', lil'dol\isln ,Iih -rrinu, ,~lIhl,/111111 li 111tio
1I111 'XIII'lilO ()I.I, M' IOlll,\I'III()Hli,', \,1'1 11111'1,111
tllllI IIIII'~(OI, qll', md)('llIlH" 11("11,1111
S'. ulo XVIII, 1'.(1'lindo muito 'x;ll:1111rue :1 mar 'ha Ir' 11111.1
,'1(1'i, 1:1I, que S(' do ,~t(clllo XVIII
"1j\III' 11I'ivil'gi:ldo 1\:1lit .rut 111.1111)('11111.1 ,V('f't'IIl(l,~ 11"1'1,11'
Icsejava ao mesmo tempo sensual e sensível'f", diz Quoi-I)o Ii1\, .scjo <.1<;lifk;i I d 'f'.lld '111uma concep 50 baSI:lIl(' di!"I' .ntc daquela aI r 'S '111:1d:lpOI' 'll'II'N.11111
conciliação ue gerou não apenas essasdiferentes formas de associação q u ' os lI:l11ny, 1_:ll'aes es - a exemplo de uma m.arquesa de Merteuil, de l.a ·10,' I
clubes eróticos revelam, mas também um vigoroso-;r~ngo debate entreos escritor 'S r'lIlld:ullental negar o sentimento amoroso em função da eficá ia da ,~edll~':ltl,i'.I11
TIberti~~s,--g;;vitando-em torno da temática dos- sentimentos. Ou, mais \ do cálculo preciso e infalível a lhes garantir a conquista, seu objetivo "tllilllll.
propriamente, do amor. I\ssa mesma vert-;m-e evid~~cia-se nos libertinos sadianos que, não menos 'l'I'(,IH,1i"
Vale observar desde já que essa polêmica repõe a questão dos diversos gêneros que os tipos donjuanescos, também rebaixam a paixão amorosa diante tI:l 1':1/,,111
de libertinagem; vejamos rapidamente por quê. Um autor como Restif de Ia "Nã<: existe~.:::. q~e.!esist~feito_s de uma sã reflexão", conclui o persoll:II',l'lll
Bretonne, por exemplo, quando afirma o desejo de escrever "um livro em que os de La philosophie dans le boudoir":
sentidos·falam ao coração", d-;;ixa claro seu obj~Í:iv~ de harmonizar o ·sentifiento Porém, mais do que isso, eara os devassos de Sa~e é quando colocado .1
amoroso e a volúpia ·carn;l, apresentando assi~ ;:;;;a 7~~~~pção qu~, s~ prova do prazer que ~senti:nento amoroso desmorona por completo: "Amo dcm.ii ..,
_hegemônica:-é bas;;'nte comum na liter;tura liber~in~ setecentista. Semdhante O prazer para ter uma só afeição", vangloria-se a lúbrica Mme. de ainl-ÂIIJ',('
inte~ção encontramos num romance ~omo Te;esajjló~~fo, cuja histó~ia desenvolv~. diante do cínico Dolmancé, que completa:
- ----,. " ~
se a fim de demonstrar
---- ----
ao leitor a viabilidade dessa concepção, ao sugerir a maneira
-.-
~n~isadequada defazer convergir a paixão da car?e ~ a pajxão do coração. Relatando
•....
Oh! Como é falsa essa embriaguez que, absorvendo os resultados c!:ISSt'lllHlI,
111"1,
coloca-nos num tal estado que nos impede de enxergar, que nos im] cclcd\' I'XI·" 11
de forma progressiva cada passo da iniciação sexual da personagem até seu
sendo para esse objeto loucamente adorado! É isso viver? Não será, :\111(',_, 111'1"
defloramento, esse livro, como observa Renato Janine Ribeiro, "não trata de privação voluntária de todas as doçuras da vida?64
qualquer defloramento, mas de um que seja fruto do desejo e mesmo do amor:
Teresa só será penetrada quando o quiser plenamente, e pelo melhor homem Assim, por desprezar os "gozos metafísicos" que esse sentimento produz 1111,
~_ '. - c .•••
"'-'
possível em suas condições'F'. indivíduos, tornando-os dep'endentes e fracos, os libertinos sadianos só recon 1m ('111
Não é simples coincidência o fato de que outro romance, editado na ~ i~s;ci~bilidad; da-c~rne, Ao amo; que es~raviza el~~'contrapõe~;- libcrtinapcru,
Inglaterra em 1748 - exatamente o mesmo ano em que o marquês d'Argens,
--"- _. ""'......-
for~ libertador~a emancipar o indivídu~ _das indesejáveis dependências, faz 'l1d() (I
suposto autor de Teresa, publica seu livro na França -, traga a mesma proposta recuperar o estado original de egoísmo e isolamento de que foi dotado pela natu I't"/.:f~,
de equilíbrio É o caso 4e Fa"!!!L HilL ou Memórias
entre prazer e sentimento, Estes poucos exemplos já são suficientes para indicar que a literatura liccn 'iON:1
fte uma mulher de p'razer, de John Clelandf': as0m como Teresa, a jovem Fannz. também caminhou lado a lado com a libertinagem de costumes. Às diferentes COtT '1lI(','.
só é deflorada pelo homem que ama e, ainda que suas aventuras eróticas pelos dos clubes secretos correspondem as distintas posições acerca do amor expl' 'SS:IH
hordéis londrinos seja~ bem mais devas~q~e as _narrada_s pela- aprendiz de nesse gênero literário; isso sugere que.a sociedade do século XVIII exigiu de S<':lI~
filósofo, tudo termina na mais perfeita harmonia, com a heroína rica e feliz
---
,10 lado de seu amado.
-
Essas personagens
-- - ----- -
não precisam renunciar à sexualidade
contemporâneos não só uma profunda reflexão sobre o prazer, mas também UIII,I
opção definida quanto ~s suas P!á~s. A unidade entre pensamento e sensual i I:HII'
p.lra amar - co~o -;c~ece ;;-m suas contemporâneas Clarissa e Pamela, as defendida pelos libertinos de espírito certamente foi, para alguns homens setecentisrnx,
Jovens m~lodr~máticas de Richardson -, nem tampouco rejeitar o amor para uma experiência efetiva. Entre eles, o marquês de Sade, um radical.
realizar os prazeres da carne. ..-
98 99
I) ) SAI.A ) A<l /lU//J)U"" " .11110111,111
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' II I
1;\'ri'.ld'hol11'ns"càsexualiti:ldt, 1l1110"III",ni a dos prazcrcs duuuur ", 1.111111111
Essas notas circunscrevem o campo de rcfcrên .inx d.1 01,1.1 I· S:td ': ti ' c o: S t .orias que concebem o ser humano unicamente 01110nsÍt'o, 0'1".11111,11111
um lado, a filosofia libertina, ue privilegiava as relações .n t rc S .nsual ida I, Se iundo as matérias que o compõem. Da mesma forma, em L'ér/II('(I/iol/ r/,'/ ti 111, ,
e pe~ento, tendo com_o matriz a f~nte clássica do esrói cisrno e do r mancc libertino do voltairiano Mirabeau, o personagem prin ipnl :\ 'oll~I'III,11I
epicurismo~ de outro, a históriada libertinagem, ..:...efC:;E.ida
a seus_antecedentes, heroína a leitura de Zadig, para que ela se familiarize com os prin '{Ilim tllI
mas sobretudo tratada na dualidade com que se apresenta. no século XVIII, determinismo ao mesmo tempo em que se prepara para novas expcriên 'i:\s S\'II',lloIl'
- -- - ""-
definida segundo "os costumes" ou "o espírito", Inúmeras questões decorrem Os exemplos se multiplicam e mostram que, para além das rclaçõ 's dv ".III~ 1111
dessas observações, mútuo" ou "complernentaridade" enfatizadas, por Rouanet, a literatura lil \'1.11
111'I
Ao examinarmos a filosofia libertina ,à luz dos registros históricos sobre os cumpre, no sécuÍo XVIII, o importante papd de testa-;-;'s teorias illllltllll' li ,
devassos setecentistas temos a impressão de que existe uma distância insuperável sobretudo aguelas p-;;-d:Zidas ela vertente materialista da Ilustração. 1'.\1I 111111
entre os libertinos eruditos e os de conduta. Ora, não parece estranho que filosofia particular_men:e vo~:..ada..!o te~a d::, sensações essa [itcrauu.t V,II1"111'"1
justamente um pensamento que deseja levar em consideração a experiência sensível, o desafio de suas a!covas lúbricas, laboratórios perfeitos onde a .x 111'11111I I I I
rejeitando a cisão espírito/carne, descarte qualquer relação com a prática libertina? imaginação estioa ~r~iço da matéria, e smde asjdéias só ganh:ll\\ ("~I,IIIIIIItil
Ou será que, entre os livres-pensadores que freqüentavam o salão de d'Holbach, ;erdade ao tomar corpo,
havia quem compartilhasse o deboche dos companheiros do Regente? De outro - Por isso, quando 5! m~uês de Sade, em 1795, escreve La Pbilosophi, '/,/1/1 /,
lado, seriam os devassos de conduta leitores desses filósofos eruditos? Que boudoir- afirmando a a!cova libertina como lugar para onde conver 'l'llI ,I Id" I111I
qualidade de relações teria existido entre os diversos tipos de textos considerados ;;;-erotismo -=cle está, ;n;e;de mais ~da, realizando uma notáv ,I ~{illl",1 ti,
libertinos (filosofia, romance, libelle etc.)? toda uma tradiçfude pensamento. Tradição essa que, embo~ncontre 11:1lill'l,lllll I
Ainda que não seja possível responder a todas essas perguntas, podemos ao licenciosa setecentista a sua expressão mais bem acabada, remonta, 01110Villlll ,
menos levantar algumas hipóteses a fim de esclarecer o gênero de libertinagem a ao final do século XVI, com os pensadores que opõem aos ensinamcruos d,1 111,1
que se vincula a obra de Sade. S.,Sgl:,ndo Sérgio Paulo ~~ de~oJ~eu-se constatações da experiência cotidiana e da percepção sensorial, e se mant ~III viva
-
entre as duas
complementaridade:
- correntes
- libertinas
- ..• _.
do século
- XVIII
-
"uma
um~ divisão de trabalho pela qual os filósofos se encarregavam
..•.
relação de durante todo o século seguinte,
Porém, se aos romancistas libertinos do século XVIII cabe o méri to d ' I'n II1iI
de minar os alicerces políticos do An~ien Régime, e os autores libertinos seus a libertinagem erudita e o deboche de conduta, ao marquês cabe uma gll'lIi.l,
alicerces morais", Assim,70ntinua
--- ele, - -
prática as It'Illl,I',
precisavam para justificar a legitimidade-do e-;;tismo, e estes retribuíram o favor,
do primado das sensações no homem, tão em voga ~~~i~patizanl~'~ eI"
~nci~ando como linha auxiliar na crítica do Ancien Régime, e difundindo, em
materialismo na época, como também demonstra que a experiê!:cia da cru ,ld,lIll'
s~uasnovelas, as idéias políticas e sociais da l~ustração,66
i a úni~nseqüência lógica a ser tirada dessas te~ia~,-E, assim, funclu 1III1
sistema em que pensamento e corpo unem-se para realizar a experiência sobcr.uu
Assim é que, em Teresafilósofa, a idéia do corpo enqy~nto máqu0a ap~
do_mal, ~endo ;;-mo f~triz a relação entre~razer e do'7' A isso seus lib '1'1i1111'.
tanto para divulgar as concepções materialistas de La Mettrie
----e de d'H~lbach
-que Teresa ------ dão o nome de "filosofia lúbrica".
quanto para justifica~s prazeres ~~ais se proporciona
Para realizar tal empresa o marquês irá recorrer a um grande núrncru ell
t.t. Sérgio Paulo Rouanet. "O desejo libertino entre o Ilurninisrno e o Conrra-Ilurninismo", in Vários autores. O fontes, a princípio até discrepantes, reunindo em sua obra o barão de l'Llolh.u 11
desejo. São Paulo, Companhia das Letras, 1990, p. 168.
e o duque de Orléans, La Mettrie e o duque de Charolais, Lucrécio e () (':\1ell',tI
100 101
l\ ·IIIL ••• l\u!lolI • () 111.ln(l1 ~ d'/\II',I'"~' \'11111' 1.111111'.11111111', I' I ti 11' 1'ltI,IIII' dI'
rcfcrên ias ~ normalm 'IlI • int 'rpr .tncla :l p:1I til' d.! I h.IVI· ti" '\ I" 11", pllll (pio
de acumulação vertiginosa que caracterizaria o P 'I\S:11\1 '11111 ••••ltli.IIIO. ( rn, o
problema é que, sendo mais conceitual que histórico, esse prin (pio muitas vezes
impede o reconhecimento das fontes em questão, e, por conseqüência, o próprio
acesso ao pensamento de Sade. Torna-se, Eis, necessário levar em conta a
complexidade do marquês, ejnterpretar es~e ex~sso tendo em vista a pluralidadc
de elementos em jogo na obra de um_autor que, além de libertino, também foi
-E
literato, filósofo e historiador
-- -- --
da libertinagem.
- ~
não é assim que ele pede para ser lido? Deixemos com ele a última palavra,
recordando essa bela passagem de uma carta a Mlle. de Rousset:
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