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O MUNDO SE RECONSTRÓI PELAS NOVAS TECNOLOGIAS

Edite Flora Sabbi Porciúncula1

Este artigo é um resgate histórico e filosófico do desenvolvimento da técnica, seu


trânsito até a tecnologia e esta em seu estágio atual, com destaque para os sistemas
informáticos que se configuram hoje nas novas tecnologias da informação e da
comunicação, suas implicações no desenvolvimento econômico, social e cultural.

Muitos povos, por caminhos diferentes, tentaram detectar maneiras de compreender


o mundo, originadas a partir de séculos de observação e de aprendizado em relação com a
natureza, consigo mesmo e com os demais seres humanos.

À medida que as civilizações se tornaram mais estáveis, principalmente após a


invenção da agricultura, a estrutura social tomou feições mais complexas. A inserção de cada
novo invento foi modificando a organização social e geográfica necessárias à sua
introdução, num entorno natural a cada especificidade. Cada novo objeto foi apropriado
pelas pessoas no espaço preexistente, numa lógica de instalação das coisas e da realização
das ações, confundindo-se com a lógica da história, à qual o espaço e o tempo asseguram a
continuidade. Mas a expansão das técnicas em determinado espaço requer estruturas
compatíveis, visto que sua eficácia depende da articulação de ações humanas e vai ter
conseqüência sobre os modos de vida na área em que se inserem, mesmo que sua difusão e
implantação não se propaguem de forma igual num mesmo território.

As invenções nunca representaram uma mudança total, que se inicia a partir de um


dado momento e simultaneamente em todos os lugares, mas reconhecidos seus benefícios,
foram sendo utilizadas e mudando a percepção das coisas sob outros sentidos, outros
entendimentos, outras perspectivas, alterando hábitos, costumes e paisagens, criando novas

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Edite Flora Sabbi Porciúncula é Mestre em Educação nas Ciências pela UNIJUÍ – Universidade Regional do
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. (RS)
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necessidades, novos olhares e novos paradigmas. Evoluindo e renovando-se, as tecnologias


reconstroem o mundo, modificando tempos, espaços e culturas.

Por muito tempo as técnicas artesanais eram de domínio comum e quase tudo o que
se precisava para viver era feito em casa. Hoje já não se faz quase nada a domicílio, porque a
indústria absorveu estas tarefas. Teríamos muita dificuldade de viver sem a enorme
quantidade de instrumentos, aparelhos, objetos, processos, conhecimentos práticos e teóricos
e habilidades humanas desenvolvidas pelo uso e manejo de aparatos inventados no último
século e principalmente na última década. Para muita gente, tudo vem pronto e a casa passa
a ser lugar de descanso, de convivência e principalmente lugar para desfrutar as tecnologias
de comunicação e lazer a que se tem acesso.

Se pensarmos em nossa vida cotidiana, veremos que ela é repetitiva, feita de muitos
atos, gestos e procedimentos automáticos. Diariamente nos deparamos com hábitos, atitudes,
conveniências e posturas que nos foram postas pela cultura de consumo que permeia nosso
entorno. As tecnologias são colocadas no mercado e mesmo conhecendo-as apenas
superficialmente, sem nos identificarmos muito com elas, as adquirimos e vamos inserindo-
as no nosso dia-a-dia. Poucas vezes nos detemos para pensar na sua função utilitária ou
ideológica e passamos a incorporá-las em nossas vidas. Ao comprarmos um instrumento
olhamos logo seu lado útil e funcional para nosso trabalho, bem estar e conveniências.
Dificilmente pensamos no que está implícito para que ele funcione, nas pessoas que o
projetaram, que as produziram e as comercializaram.

Como afirma BASTOS “o fio condutor do acontecimento histórico foi a utilização e


fabricação de instrumentos, provocando a dialética entre as necessidades naturais e a
satisfação do homem. A necessidade determina o instrumento que, por sua vez, conduz à
satisfação, que gera novas necessidades” (1997, p. 8). No entender do autor a tecnologia não
é neutra politicamente, pois a estrutura de poder se utiliza da tecnologia, como de outros
meios, para exercer sobre ela o controle de suas ações e de sua ideologia. A vida
comunitária, em cada momento histórico, se realiza no cotidiano, com os usos, costumes,
tradições culturais, utilização dos equipamentos tecnológicos de que dispõe e também com
as concepções sociais dominantes.

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As novidades, mudanças e adaptações, hoje nos parecem naturais e indispensáveis.


Mas com um olhar atento, nelas podemos ver o que não é imediatamente visível: a
humanidade evoluindo e nossos contemporâneos inventando, produzindo, trabalhando... E
indo mais além, milhões e milhões de pessoas que ao longo de muitos séculos tiveram
idéias, descobriram o fogo, inventaram a roda, o alfabeto, os números, o ábaco, as máquinas
e muito mais. E como escreve BELATO:

Em cada objeto que nos cerca, em cada instrumento que usamos, em cada máquina
que operamos, está presente a humanidade. Nessa longa história a humanidade foi
como que empilhando experiências, aprendendo da prática e da reflexão, inventando
os meios de que necessitava para viver. Nós somos herdeiros dessa pilha, de quase
dois milhões de anos. É por isso que podemos afirmar que as técnicas e as tecnologias
fazem parte da humanidade, são inseparáveis dela e sempre tiveram e continuam
tendo uma enorme influência no modo como se dá a organização da produção e do
trabalho da sociedade (2000, p. 13).

Fazendo um recuo de apenas quarenta anos dos dias de hoje, a alguns setores da vida
cotidiana, nos surpreendemos com o salto da tecnologia, no aspecto da qualidade de vida.
Observamos mudanças grandiosas, por exemplo, nas residências e suas dependências, com
todos os objetos e acessórios de uso diário. Nas empresas do setor de alimentação, vestuário,
prestação de serviços em qualquer área, enfim todos os setores que envolvem a fabricação
de objetos, utensílios e ferramentas, as mudanças impressionam. Instrumentos, máquinas e
utensílios antigos salvo raras exceções, servem apenas para adorno e saudosismo.
Percebemos também que, além das coisas necessárias e úteis, encontramos hoje, em todos os
setores da vida, uma infinidade de acessórios supérfluos, que criaram necessidades
simbólicas antes inexistentes. Por tudo isso, a rotina prática de trabalho para qualquer
profissão ou atividade, em nossos dias tem uma enorme diferença ocasionada pelas
tecnologias presentes. Delas podemos extrair elementos individuais e instrumentos para
realização pessoal, mas sua linguagem é de cunho social, o que concorre para a aquisição de
uma nova cultura. A artificialidade destes elementos e instrumentos condiciona as pessoas a
viverem de acordo com necessidades que, se não satisfeitas, dificultam e até inviabilizam a
vida urbana. As necessidades crescem à medida que surgem inovações tecnológicas que
aumentam cada vez mais esta artificialidade. “Fomos rodeados nestes últimos quarenta anos,

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por mais objetos do que nos precedentes quarenta mil anos. Mas sabemos muito pouco sobre
o que nos cerca” (SANTOS, 1996, p. 20).

Assim, as novas tecnologias da informação e da comunicação constituídas em novos


suportes de trabalho e de lazer, já fazem parte de nossa vida e vão se instalando nos mais
diversos ambientes, permeadas por fascinação e esperança, mas também por uma certa
insegurança considerada por muitos autores, como normal à chegada de novidades técnicas
de grande repercussão. Talvez este desconforto se deva ao fato de que persistimos na
tendência cultural histórica de desvincular a razão da emoção e o natural do artificial. As
dificuldades em relacionar-se ativamente com aparatos tecnológicos como o computador nas
escolas, reflete parcialmente, tal concepção por parte de comunidades escolares
contemporâneas.

A partir destas reflexões, entendo ser oportuno conhecer o passado, reconstituindo os


acontecimentos relacionados ao desenvolvimento da técnica e seu trânsito até chegar à
tecnologia, reinterpretando-os a partir da seleção daqueles considerados mais relevantes,
como uma forma de descobrir e compreender as relações e significados que ampliam nossa
compreensão da realidade, o que constitui o próximo item.

Da Técnica à Tecnologia: um Olhar Retrospectivo

Faço agora uma retrospectiva das formas encontradas pelos homens para resolver
suas dificuldades relacionadas à sobrevivência material da sociedade humana implicada nas
necessidades, produções sistemáticas, meios e instrumentos que se distribuem entre os
indivíduos e se transmitem de geração para geração.

Mas como tudo começou?

Da pedra lascada à criação de ferramentas rudimentares e depois sofisticadas, com


habilidade e inteligência, o homem foi criando novas técnicas, modernizando-as
progressivamente na busca de soluções práticas para resolver seus problemas de

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comunicação e sobrevivência. Contudo, deparou-se sempre com a difícil tarefa de preservar


suas conquistas técnicas arduamente criadas. Os ofícios especializados eram transmitidos
implicitamente de um artesão para outro, na forma de ensino de mestre para aprendiz, o que
consistia numa educação pouco propícia para as inovações, reservando uma lentidão enorme
à sua evolução.

Os povos avançaram na busca de significados sobre o que observavam e estudavam,


tentando encontrar princípios explicativos na própria natureza. Durante muitos séculos, na
compreensão dos filósofos gregos, a alma, a espiritualidade e a razão absorviam as atenções.
Para eles a natureza é mais nobre do que a técnica, porque ela, se produz por conta própria.
Já os instrumentos, objetos e máquinas, não têm em si o segredo de sua aparição, por serem
produzidas por uma inteligência humana como imitação e superação da natureza, onde a
perfeição e a razão aludem em primeiro lugar ao produto do ato criativo. O ato de criar ou
poièsis determina o valor das coisas. Assim, os seres vivos (auto-poièticos) estão ligados
diretamente à natureza, enquanto a técnica (poiética) é intuitiva, fruto de tentativas e erros.
Aristóteles e Platão viam na técnica uma atividade secundária e nas idéias, na contemplação,
a nobreza da atividade humana. Por isso, para eles, as idéias precisam ser pensadas
coletivamente e não as técnicas. Aristóteles entende que poièsis é violência, e os homens são
considerados “materiais” para a realização de fins situados para além deles, as técnicas. Elas
organizam os homens politicamente e para ele a política situa-se na esfera do contexto
subjetivo lingüisticamente mediado, onde o que está em jogo é a própria construção do ser
comunitário (OLIVEIRA, 1996, p. 60).

Mas é justamente por ser comunitário, que o homem busca melhores formas de
resolver seus problemas de sobrevivência, aperfeiçoando suas técnicas e investindo nelas
para tornar sua comunicação mais fácil, articular e tornar seus trabalhos menos pesados e
sua vida mais agradável.

À medida que as civilizações se tornavam mais estáveis, graças aos avanços técnicos,
principalmente após a invenção da agricultura, a estrutura social tomou feições mais
complexas, percebendo-se que domínio técnico sempre foi fonte de poder como afirma
MOTOYAMA:

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Em vez dos produtores propriamente ditos, os detentores das informações e dos


conhecimentos conseguiram, por intermédio dos obscuros meandros administrativos,
alcançar o poder, sendo que os sacerdotes e escribas controlavam o mundo da
Antigüidade anterior à civilização greco-romana. Os primeiros se impõem não só pela
sua ligação com os deuses, mas igualmente, pelos seus conhecimentos em geometria,
astronomia, física, medicina e outros. Os escribas por sua vez dominando a escrita,
armazenam e controlam registros de dados e informações fundamentais para o
funcionamento de uma sociedade. A educação destes últimos, como era de esperar,
girava em torno da técnica da escrita, fonte de seu poder (1995, 17).

Na Antigüidade já existia uma tradição pedagógica e até mesmo escolas para


formação de cidadãos das classes dominantes, porém, os técnicos relacionados com ofícios
mais cotidianos não tinham tais benefícios. A criatividade e a fertilidade de imaginação, tão
característica dos gregos, não tiveram lugar na área artesanal. Os sofistas escreveram
manuais e até pensaram numa filosofia da técnica, porém, eram, antes de tudo, pedagogos
ocupados com os reclamos da sociedade, com uma estrutura na qual a inovação técnica não
tinha muita importância. Foram os pesquisadores alexandrinos, apoiados por Ptolomeu (323-
285 a.C.), general de Alexandre Magno, que iniciaram invenções científicas e técnicas de
alto nível, envolvendo, mais tarde, sábios como Heron, Herófilo, Euclides, Arquimédes e
outros. Essa aproximação entre ciência e técnica teve um grande significado para o futuro
desenvolvimento dos povos (MOTOYAMA, 1995, p. 21-30).

A educação romana, antes de tudo humanística e literária, despreocupava-se com a


competência técnica ou profissional, apesar do grande número de construções. Essas eram
realizadas por operários, artesãos e técnicos, que aprendiam seu ofício através da prática. Os
quase mil anos conhecidos como Idade Média, que se seguiram ao período greco-romano,
foram muito ricos do ponto de vista histórico, mas apesar de não evidenciarem mudanças
significativas em relação ao ensino técnico, principalmente a partir do século IX,
disseminaram-se inventos como: arreios completos de animais (século X), moinhos d’água e
de vento, forjas com martelete, foles metálicos, vitrais, chaminés, velas de cera, carrinho de
mão (século XII), óculos, arados de aivecas, leme moderno (século XIII), pólvora, relógios
de pêndulo, plaina (século XIV) e imprensa (século XV). A difusão de cada uma dessas
invenções trouxe mudanças importantes nos campos militares, agrícolas, nos meios de
transporte e outras atividades, causando visíveis transformações a nível socio-econômico.
Roger Bacon, monge que muito valorizou o ensino das técnicas nos mosteiros, em pleno

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século XIII prognosticava o surgimento de máquinas automotivas, submarinas, náuticas,


terrestres e voadoras, prenunciando a sociedade moderna.

Na segunda metade do século XV, o fenômeno histórico conhecido como as “grandes


navegações”, foi o carro chefe para o desenvolvimento do Renascimento. Diversas utopias
são sonhadas, povoando o imaginário da época, mas é interessante saber que no início da
jornada das navegações, as atividades técnicas e científicas lusitanas eram inteiramente
empíricas, sem nenhuma preocupação teórica.

Segundo MOTOYAMA (1995, p. 23-31) a situação só se altera quando se opera uma


conjunção entre teoria e prática proposta por D. João II, profundo conhecedor da ciência
náutica e entusiasta da navegação, que se cerca de uma comissão de sábios, aproximando-se
da Escola de Nuremberg, na busca de contribuições úteis à prática. Os chamados
“Engenheiros da Renascença”, entre os quais Leonardo da Vinci, Brunelleschi, Lorenzo
Ghilbert e Taccola com seus conhecimentos empíricos, estudos e descobertas, gestavam
silenciosamente a modernidade que estava por vir. Outros grandes nomes do final deste
período, como Galileu Galilei, Johanes Kepler, Maris Mersene, René Descartes, Christian
Huygens, Francis Bacon, Robert Boyle, Isaac Newton e inúmeros outros, louvaram o ensino
das técnicas, interessando-se inclusive pela história delas, o que resultou na criação das
primeiras instituições científicas, como a Royal Society (1662) e a Academie des Sciences
(1666), que expressavam um interesse invulgar pela história, entendendo-a como sinônimo
de progresso, crença que tem gerado muitos questionamentos.

Munford citado por MOTOYAMA (1995, p. 28) destaca uma ligação da abadia com
o mundo moderno, representada, na sua essência, pela mecanização, e mostra o papel central
que o relógio mecânico tinha nas comunidades religiosas, pontuando o tempo e regulando
suas atividades numa rígida disciplina. Segundo o autor, a invenção do relógio mudou os
hábitos do homem medieval pela imposição de um tempo artificial, em lugar do tempo
biológico e natural usado até então.

Essa dessacralização do tempo levaria à laicização do espaço, livrando-o de forças


mágicas ou anímicas. Dessa forma,estabelecer-se-iam as condições para a instalação do
mundo-máquina, com suas engrenagens e peças,reguladas harmoniosamente por forças

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mecânicas. Dentro dessa argumentação, o relógio dos mosteiros teria tido maior
importância que as máquinas a vapor para a mecanização, portanto para o advento da
modernidade (MOTOYAMA, 1995, p. 28).

René Descartes (séc. XVI), filósofo dotado de muita sensibilidade, soube captar o
sentido e a direção do processo histórico do seu tempo. Embora fosse mais conhecido por
seu pensamento abstrato e matemático, no final da vida elaborou o projeto de uma escola de
artes e ofícios, com o objetivo de aproximar os artesãos e técnicos com os cientistas,
julgando que a educação técnica era ingrediente indispensável para o progresso universal.
Abriu, assim, as portas para o advento de novas filosofias para a sociedade burguesa, que
começava a surgir. Também as idéias de Bacon, Bruno, Spinoza, Leibiniz, entre outros,
ganham forma e conteúdo num momento de transição, em que o processo de modernização
gera muitas contradições. Embora não tenham conseguido resultados espetaculares na área
prática, esses pesquisadores conseguiram uma tradição de auxílio entre a ciência e a técnica,
que reverteu em frutos vigorosos a partir do século XVIII, impulsionando os grandes
avanços da Era Industrial.

Nesta investigação sobre a evolução e desenvolvimento da técnica, considero


oportuno, precisar o que se entende por técnica, para que seu emprego não seja entendido
num sentido confuso e para que posteriormente passemos a um melhor entendimento da
tecnologia, pois tanto as técnicas como as tecnologias são relacionáveis e trazem em si
linguagens e comunicações em processos dinâmicos de revitalização passíveis de
reformulações

Para VARGAS a técnica é

uma habilidade humana de fabricar, construir e utilizar instrumentos e deve ter tido
origem com o surgimento da habilidade de utilizar com destreza ambas as mãos, em
simultaneidade com a característica humana de utilizar símbolos, capazes de
correlacionar objetos com o pensamento e o instinto humano. Provavelmente, no
surgimento das técnicas, comparecem tanto os instintos animais quanto o acaso (por
exemplo, o do lascamento ocasional de uma pedra), compreendido este por intermédio
do poder simbolizante do homem. Note-se aqui que o mais primitivo sistema
simbólico é a linguagem. Assim, homem, técnica e linguagem teriam aparecido num
só momento, embora esse possa ter durado séculos (1994, p. 15).

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Sendo assim, muitos acontecimentos assinalaram profundamente a maneira de agir e


de enfrentar os desafios dos seres humanos. Os inventos foram sendo criados e fabricados
frente às dificuldades que iam surgindo pelo caminho, fazendo-os avançar um a um. O novo
foi sempre fruto do amadurecimento de uma invenção que se desenvolveu progressivamente,
originando algo melhor e mais eficiente. Muito tempo se passou até que a habilidade ou
técnica de fabricar recebesse uma denominação. Conforme BELATO,

De posse de um enorme acúmulo de observações sistemáticas sobre a natureza e de


reflexão sobre seu significado, os gregos chegaram à palavra ‘tecné’. Para eles, tecné é o
modo humano de agir, de operar, de intervir sobre a natureza e sobre a sociedade, e
também o uso de seu corpo e membros desenvolvidos segundo habilidades não contidas
no corpo em seu estado natural, como agarrar com as mãos, fabricar instrumentos para
prolongar a mão, dar impulso aos movimentos, aumentar a velocidade, aumentar e
multiplicar a força (2000, p. 8).

SANTOS, ao analisar a questão do desenvolvimento e unificação das técnicas,


entende que através dos objetos, “a técnica é história” afirmando que no momento da sua
criação e no de sua instalação, revela o encontro em cada lugar, das condições históricas,
econômicas, socioculturais, políticas e geográficas que permitem a chegada desses objetos,
afirmando que “A técnica é tempo congelado e revela uma história. Tempo, espaço e mundo
são realidades históricas, que devem ser mutuamente conversíveis, se a nossa preocupação
epistemológica é totalizadora” (1996, p. 40). Portanto, em qualquer momento, o ponto de
partida é a sociedade humana em processo “numa realização que se dá sobre uma base
material: o espaço e seu uso; o tempo e seu uso; a materialidade e suas diversas formas; as
ações e suas diversas feições” (idem, ibidem). Neste entendimento a palavra técnica, passou
a explicar o modo como as pessoas operavam, fabricavam seus utensílios e também o
princípio que imprimia a todos um agir comum.

Sucessivas fases de desenvolvimento levam o homem a criar projetos cada vez mais
arrojados, transformando o ritmo da produção histórica das técnicas, até sua valorização
como ciência da produção, quando passou a ser pensada e estudada recebendo então a
denominação de tecnologia. Segundo FRANTZ foram os historiadores Fernand Braudel
(1967) e Pierre Ducassé (1969) que em meados do século passado manifestaram uma certa
inconformidade com a história e o estudo da “técnica”. Por não aceitarem que ela fosse

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reduzida à mera descrição das sucessivas descobertas do artesão ou do engenheiro, passaram


a investigar o assunto situando-o em seu contexto histórico mais amplo, o que lhe deu um
novo sentido. FRANTZ afirma que mesmo conhecendo as técnicas utilizadas na fabricação
de artefatos fundamentais para determinadas épocas,

o seu verdadeiro sentido só é inteligível na medida em que ficar clara a racionalidade


econômica, social e política que está subjacente à sua concepção. A técnica, ou sua
dimensão moderna, a tecnologia, são portadoras de intencionalidade humana e esta não
pode ser desconsiderada para quem deseja dotar-se de capacidade inovadora própria
(2002, p. 32-33).

Pelo que se tem conhecimento, a primeira definição moderna de tecnologia teria sido
de J. Beckmann (1846). Para ele “A tecnologia é a ciência que ensina como tratar os
produtos naturais e o conhecimento dos ofícios, em vez de mostrar unicamente os escritórios
e como se devem seguir as instruções e os hábitos dos mestres para fabricar uma mercadoria,
a tecnologia dá ensinamentos profundos e seguindo uma sistemática”. (SALDANHA, apud
FRANTZ, 2002, p.33).

A partir daí, outros conceitos surgiram com diferentes abordagens, realçando outras
dimensões. Para CASTELLS, em linha direta com Brooks e Bell, tecnologia é “o uso de
conhecimentos científicos para especificar as vias de se fazerem as coisas de uma maneira
reproduzível” (2001a, p. 49).

Hoje a palavra tecnologia vem sendo empregada entre nós como sentido de técnica
atualizada, ou mesmo num sentido menor, como por exemplo, o do trato com aparelhagem
ou processos de fabricação sofisticados e mesmo num sentido comercial, muito próximo ao
de marketing. Para VARGAS “tecnologia é cultura que se tem ou não, cuja aquisição se dá
por uma inserção de todo o sistema sócio-cultural do país, no assim chamado mundo
moderno’’ (1994, p. 17). Segundo ele, é necessário distinguir o momento da aquisição do
conhecimento tecnológico pelo estudo ou pelo trabalho do pesquisador, do momento
inteiramente industrial da introdução no mercado de um novo instrumento ou de um novo
processo decorrente do saber tecnológico, sendo necessária a compreensão de que “o
complexo sistema tecnológico, é constituído por agentes e institutos de pesquisa tecnológica,

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alimentado pelo ensino universitário e pela pesquisa científica, pela produção industrial e
pelas atividades da engenharia” (idem, p.27). Ele ainda destaca, como fator de progresso, a
utilização de conhecimentos adquiridos no ensino e na pesquisa para a solução de problemas
técnicos, principalmente nas áreas de telecomunicações, informática e fontes de energia
convencionais e nucleares.

Alguns historiadores e filósofos citados por SANTOS (1999, p. 47), fizeram


interpretações sobre as técnicas de forma sintética, mas abrangente: L. Mumford (1934)
agrupou-as em três grandes momentos: o das técnicas intuitivas movidas pela água e o
vento; o das técnicas empíricas do ferro e do carvão e o das técnicas científicas, da
eletricidade e das ligas metálicas. Ortega y Gasset (1939) propôs os três tempos em: a
técnica do acaso, a técnica do artesão e a técnica do técnico ou engenheiro. Heidegger
(1958) mostra a diferença entre a techné grega e a técnica moderna. Para ele poiésis é
produção, sendo que ambas, natureza (physis) e técnica (techné), fazem parte da natureza e a
essência da técnica moderna estaria justamente na provocação científica do mundo, partindo
do princípio de que a natureza está disponível à livre manipulação do homem, propondo que
se reconheça uma técnica dos antigos e uma técnica dos modernos. J. Rose (1974) identifica:
a revolução neolítica, a revolução industrial e a revolução cibernética. Concluindo,
SANTOS, simplifica a história das técnicas em três palavras: a ferramenta, a energia e o
autômato.

Essas definições, ao perpassarem um movimento hermenêutico, revelam momentos


decisivos na integração entre o homem, o mundo vivo, os materiais e as formas de energia e
trabalho que precederam nossa realidade atual e que tiveram grandes modificações durante a
Revolução Industrial, o que será visto no próximo item.

Tecnologia e Revolução Industrial

O século XVIII foi marcado pela Revolução Industrial, caracterizando-se pela


evolução tecnológica, que teve como marco decisivo a invenção da máquina a vapor

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considerada o vetor das primeiras grandes transformações. A partir daí o conceito de energia
passou a unificar o relacionamento entre ciência e indústria. Para LEMOS:

A partir dos séculos XVI e XVII, começa a grande revolução científica e uma
aproximação gradativa entre técnica e ciência. Até a Revolução Industrial (a máquina a
vapor foi produzida quando ainda não existia uma ciência para explicar os fenômenos
físico-químicos), a técnica era produzida e desenvolvida relativamente independente da
ciência. É a partir do século XX, basicamente a partir da Segunda Guerra Mundial, com
os chamados Centros de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), que a técnica e a ciência
tornaram-se um só saber, constituindo o que chamamos de tecnociência. Nesse ponto, em
que não sabemos mais onde termina uma e começa a outra, nasce a tecnologia moderna.
A tecno-estrutura moderna é produto de uma tecnização da ciência e uma cientificização
da técnica (Bartholo Jr.), dessa forma, as ciências aplicadas vão desembocar em novas
tecnologias e essas, por sua vez, vão proporcionar o desenvolvimento da ciência (1999, p.
82-3. Grifos do autor).

Sabemos que a Revolução Industrial, apesar dos grandes avanços, conquistas e


promessas, também foi marcada por crueldade e ambição desmedida, na busca de lucro a
qualquer custo, o que é explicado por LÈVY, quando afirma: “As técnicas carregam consigo
projetos, esquemas imaginários, implicações sociais e culturais bastante variados. Sua
presença e uso em lugar e época determinados cristalizam relações de forças sempre
diferentes entre os homens” (2000, p. 25).

Ao refletir sobre tecnologia e ciência, MORIN escreve que a partir da efervescência


econômica, política e social do século XVI e XVII do Ocidente europeu, a ciência associou-
se progressivamente à técnica, “tornando-se tecnociência, e progressivamente se introduziu
no coração das universidades, das sociedades, das empresas, dos Estados, transformando-os
e se deixando transformar, por sua vez, pelo que ela transformava” (2001, p. 9).

Conforme CHASSOT em torno de 1900 uma nova grande transformação ocorreu nas
ciências naturais, com grandes alterações no campo da física, repercutindo na química, na
biologia e na geologia. Esta fase seria uma nova Revolução Industrial, que desencadeou a
criação de inúmeras máquinas e instrumentos que passaram a modificar a cada dia os usos e
costumes da sociedade (1994, p.145).

Na visão de BASTOS no século XIX surge um maior equilíbrio entre o


desenvolvimento econômico e social e os avanços tecnológicos, mas no século XX, a crise

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de 1929 provoca sérias conseqüências sobre o novo sistema tecnológico que vinha se
consolidando. Segundo ele, nesta fase as dificuldades não se situam apenas no âmbito dos
fenômenos econômicos e sociais, mas dentro da própria dinâmica da tecnologia, onde há
conflitos provocados pela saturação de experiências face às novas demandas da sociedade.
Com o surgimento de novas formas de energias, mais potentes e evoluídas, houve uma
melhora nos rendimentos e isto se repete com o advento de cada novidade de grandes
proporções.

Para FRANTZ o processo de passagem da sociedade industrial para a pós-industrial


não se dá de forma homogênea e nem completa de um momento a outro, argumentando que
há um processo de transição em alguns aspectos e em outros há descontinuidades abruptas,
como na informática e nas comunicações. No espaço de um mesmo país convivem regiões
altamente industrializadas com outras, onde o processo produtivo ainda não foi atingido
pelas tecnologias ou formas organizacionais típicas da Revolução Industrial. Ele afirma que

Todos são, no entanto, afetados pela dinâmica do processo mais avançado. Assim muitas
das características de Revolução Industrial estarão presentes ainda por longo tempo,
convivendo com as novas formas de vida e de organização do trabalho, típicas da fase
pós-industrial, fato que dificulta a percepção da verdadeira dimensão do que está
ocorrendo (2002, p. 16).

O grande progresso técnico-científico oportunizado pela Revolução Industrial abriu caminho


e deu suporte à era tecnológica onde a informática tem papel importante.

Pensar as ações que vêm ocorrendo com relação às novas tecnologias é


fundamental, pois apropriar-se do conhecimento é nosso compromisso como cidadãos.
Elas podem ser vistas como um veículo, na busca de caminhos que possam superar a
forma como o conhecimento é trabalhado, o que significa refletir sobre os pressupostos
sociais e educacionais que vêm sendo seguidos e sua validade para o momento atual.
Neste sentido FRANTZ chama a atenção para a necessidade de saber onde se está,
conhecendo os fundamentos dos paradigmas que norteiam as práticas e as possibilidades
de inovação que oferecem, enfatizando que

os paradigmas tecnológicos são as estradas onde o trânsito circula, mas com a


possibilidade de surgirem novos caminhos, mais rápidos ou, pelo contrário,

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truncados. Daí a importância do saber onde se está e quais as oportunidades que


existem em cada paradigma, desenvolver modalidade de adequação através da
capacitação dos inovadores no sentido de serem capazes de internalizar alguns dos
benefícios próprios ao paradigma dominante (2002, p. 41).

Os avanços tecnológicos podem ser vistos como um veículo, na busca de


caminhos que atendam as reais necessidades sociedade de hoje. Ignorar os paradigmas
que sustentam as novas tecnologias ou simplesmente seguir posturas tradicionais pode
truncar novos e eficientes caminhos.

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