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3.3. A HISTÓRIA
E A EVOLUÇÃO
DO BRINQUEDO
Podemos dizer que o uso dos brin-
quedos é quase tão antigo como a huma-
nidade, pois eles sempre acompanharam
a criança ao longo da sua evolução histó-
rica. Também não é difícil adivinhar que,
nos primeiros tempos, todos eles eram en-
A família que criou e administrou a Escovaria de Ermesinde, contrados na natureza em estado puro e
ao longo de gerações. só mais tarde teriam a mão humana, no
sentido de os tornar funcionais e,
porventura, menos perigosos. Todas as civilizações históricas dão testemunho do uso dos brinquedos, desde
os primitivos índios da América, passando pelos egípcios, até aos chineses. Os materiais, no entanto, eram
variáveis, conforme a época ou a região. Na China, por exemplo, usava-se as crinas de cavalo para a maioria
dos brinquedos, enquanto os japoneses, muito antes de Cristo, fabricavam bolas, com fibras de bambu. No
que à Europa diz respeito, os brinquedos, previamente fabricados em barro e madeira, surgiram nos países
mais desenvolvidos como a Inglaterra e França, ligados sobretudo ao entretenimento das classes aristocráti-
cas, mas sempre numa perspectiva de preparação para o futuro. Os soldadinhos de chumbo, prefigurando
batalhas e as bonecas para embalar, como se de um treino, para ser mãe, se tratasse. A Portugal, esses
modelos, agora já em diversos materiais, chegaram, via importação. No último quartel do século XIX, A.
Poitier, um dos primeiros grandes construtores de brinquedos portugueses, começou a desenhar modelos
próprios em diversos materiais, destacando-se entre estes, os soldados de chumbo com uniformes portu-
gueses. Por esta altura diga – se, começavam de forma mais incipiente e limitada, os artesãos de Ermesinde,
ou a esta terra ligados, como por exemplo, Agostinho da Costa Carneiro, em1878.
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Antes, porém, de descrevermos e demonstrarmos que a nossa terra ocupa um lugar importante na histó-
ria do brinquedo, em Portugal, iremos perceber, como adquiriam e brincavam as crianças destas zonas que
não tinham acesso a esses meios, porque eles simplesmente não existiam, ou porque os seus familiares não
tinham possibilidades de os adquirir.
Neste capítulo, vamos tentar fazer o levantamento de alguns brinquedos de carácter caseiro, feitos ou
adaptados, numa primeira fase, pelos familiares, para as crianças, tanto rapazes como raparigas e depois
lembrar outros, feitos por elas próprias com materiais que iam buscar à natureza. Antes da sua descrição,
duas notas apenas: a primeira, de que não teremos a pretensão de fazer um trabalho exaustivo sobre este
assunto, mas apenas dar exemplos nossos conhecidos e a segunda, consequência aliás desta, é a de que
nesta análise apenas nos reportaremos a esta zona, à volta do Porto, embora pensemos que, em certos casos,
a sua a disseminação seria muito mais vasta.
A primeira preocupação de um casal, destas épocas e com este tipo de vida, era fazer um berço, ou pedir
um emprestado aos vizinhos, pois, a não se concretizar este desejo, seria a enxerga a solução. Depois a preocu-
pação, eram as roupas de agasalho para o corpo do bebé e para o berço, porque nesse tempo as casas eram
frias. Na maioria dos lares, no entanto, as fraldas, os lençóis de linho e até algumas roupas passavam de uns para
os outros. Logo que a criança, menino ou menina, se punha de pé, era a altura de aprender a andar e para ajudar
nesta fase da vida, nada melhor que um «andador», ou «andadeira» que, como no caso do berço, ou era feito
pelo pai ou emprestado. Era um objecto simples de madeira, com três rodas também deste material, duas atrás
e uma à frente, ligadas, por baixo, através de ripas, com cerca de sessenta centímetros, formando uma estrutura
triangular. Dos extremos das duas rodas de trás saiam duas finas ripas em paralelo, no topo das quais assentava
uma espécie de varão redondo, adaptado à altura da criança e onde ela se agarrava e uma outra, do meio deste
para a roda da frente, dando assim ao brinquedo a consistência e a segurança necessária. A criança, numa
primeira fase, era ajudada a empurrar essa peça e, mais tarde, deslocava-a sozinha.
Como brinquedos propriamente ditos e logo desde os primeiros tempos, as fraldas em linho serviam
como aconchego ao bebé. Depois, bolas feitas com meias, eram os primeiros objectos a tocar com as mãos.
Às meninas, pelo mesmo processo e com um estrangulamento ao meio, faziam – se bonecas. Num e noutro
caso, o interior das meias era conseguido com farrapos e até moinha,196 por ser mais suave e menos áspero.
196 - Moinha - nome dado à polpa fina e branca do milho, que se desprende deste, aquando da debulha e que se usava para encher
travesseiras e outros objectos, por ser muito suave.
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Por vezes, pendurava-se sobre o berço uma bexiga de porco antiga e cheia de ar, para a criança tentar agarrar
ou então, a mesma era - lhe dada para ser manuseada directamente. Para fazer sossegar as crianças nos
primeiros anos, quando elas choravam, usava-se, por vezes, uma cenoura com açúcar na ponta e, mais tarde,
uns bicos de borracha que se punham num frasco, com leite dentro. Os verdadeiros biberões são mais
tardios. A chupeta, que ainda não era usada, vem facilitar as coisas, não só porque era mais funcional mas,
também, em princípio mais higiénica.
Alguns pais, mais vocacionados para a arte da carpintaria faziam «motas», em madeira de três rodas,
assento e guiador, tipo triciclo,197 embora sem pedais, para as crianças brincarem.
Mais tarde e estamos a referir-nos a gente rural e isolada dos benefícios da civilização, continuava a ser
a natureza envolvente a fornecer os meios para que a criança brincasse. Ainda antes da idade escolar, apare-
cem os brinquedos, feitos por eles, que iriam evoluir em perfeição e complexidade com o aumento da idade.
Assim, os bugalhos e bugalhas, a casca de eucalipto, as canas e o sabugueiro, bem como as bolotas, tanto
serviam para serem utilizadas sem qualquer tipo de intervenção, como para fabricar, quando combinadas
umas com as outras, vários tipos de brinquedos. Com um bugalho, por exemplo, atravessado por um pau fino
e com quatro pás, feitas a partir de pequenas hastes, com uma bugalha na ponta, pás essas que, por sua vez,
espetam no bugalho do centro, teremos um moinho de água. Um vira -vento pode fazer-se facilmente do
cruzamento de duas cascas de eucalipto seco, furadas ao meio, por um arame que serve de eixo das quatro
asas. Da casca de um pinheiro, depois de escavada por dentro, tanto se pode fazer um barco simples, como
até um barco à vela, se a mesma permitir que se coloque um pau espetado no meio, encimado por um pano.
O salgueiro, que no seu interior tem uma medula que facilmente se extrai, permite que, mediante um êmbolo
de pau de loureiro, que circule à medida dessa concavidade, se consiga facilmente uma bisnaga, para atirar
água no Carnaval. As canas vulgares198 são o material apropriado, pela sua natureza, para obter assobios,
flautas e até bisnagas, devido ao facto também do seu interior ser oco, como o salgueiro, ou mesmo flautas,
embora estas sejam mais trabalhosas.
Com a entrada na escola, para além destes entretenimentos caseiros e tradicionais, os alunos aprendiam
a fazer, em papel estalos199 , aviões, barcos etc. que depois repetiam em casa.
Os primeiros brinquedos de que temos conhecimento, feitos em série numa oficina artesanal, datam
dos finais do século XIX, princípios do seguinte. Esta nova arte teve como centro Ermesinde, embora os
primeiros artífices fossem originários da Maia. Estes homens saíram de antigas profissões ligadas aos mate-
197 - Estas «motas» eram de construção simples, baixas para se adaptarem ao nível etário das crianças e sem pedais. Os triciclos em
ferro, ou alumínio, tinham pedais e foram utilizados, até determinada altura, mais por gente citadina, geralmente com mais posses.
198 - As canas eram vulgares na nossa cidade, sobretudo nas zonas mais húmidas. Embora não fossem tão resistentes, como as canas da
Índia, que são mais raras e aparecem mais tardiamente, nas quintas. Com as canas vulgares, faziam-se, além dos brinquedos, bengalas,
colheres para mexer as papas, canas de pesca etc.
199 - Estalos (estalinhos) – nome atribuído, pelos jovens, há uns anos atrás, a um trabalho manual, feito em papel com duas pegas que,
quando puxadas pelo movimento do braço, se abriam, produzindo um pequeno estrondo.
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riais que vão ser utilizados nesses pequenos trabalhos, tais como carpinteiros, ferreiros, funileiros, marcenei-
ros e barristas. Alguns deles já fabricavam modelos tradicionais que figuravam nas cascatas e nos presépios,
pelo que a mudança não foi brusca. Começam por exercer essa actividade criativa em complemento do seu
ofício, criando modelos novos ou copiando alguns estrangeiros, que estavam à venda nas grandes cidades.
O resto foi fácil. Com o aumento da procura, alguns deles começaram a dedicar-se em exclusivo a esta
actividade, produzindo em série200 . Um dos pioneiros desta arte popular, no país e que deu à nossa terra o
privilégio de poder ser considerada, senão o berço, pelo menos um dos primeiros lugares, foi o ermesindense
Augusto de Sousa Martins, que montou a sua oficina em 1892.A provar esta afirmação, está um documento em
posse da família e publicado em alguns livros da especialidade, com bastantes dados, sobre ela, denominado
simplesmente «memorandum», em 1892.201 Outros se lhe seguiram, alguns herdando dos seus progenitores e
familiares estes saberes antigos, sem nunca descurarem a melhoria dos produtos, a criação de novos modelos,
numa clara adaptação aos novos mercados e às novas solicitações. É a esta plêiade de artistas ermesindenses
que, independentemente ou não de os conseguirmos alinhar por um critério cronológico, ou mesmo de conse-
guirmos dar notícia de toda a sua criação e arte, iremos tentar que, aqui, fiquem recordados.
Comecemos pelos que trabalharam a madeira, organizando-os pelos lugares, onde exerceram a sua
acção na nossa cidade. Como Alfena funcionou como alternativa a muitas destas oficinas e para aí se deslo-
caram alguns artesãos, não poderemos deixar
de mencionar este facto.
«A Infantil»
200 - Por volta de 1878 aparece-nos na Maia um tal Agostinho de Oliveira da Costa - o Agostinho Vianês. Descendentes deste patriarca
vão-se estabelecer em Ermesinde, nomeadamente em S. Paio, dando origem, como veremos a seguir, a dois grandes centros desta arte
popular, na nossa terra.
201 - Este documento figura, por exemplo, no livro: «O brinquedo em Portugal», publicado pela Editora Civilização (Carlos Anjos, João
Solnado e outro). A nós, o referido documento não nos foi facultado para copiar, dado que a actual proprietária da Infantil não o tinha na sua
posse, apesar da boa vontade demonstrada, em fazê-lo.
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A firma passa a estar registada com o nome comercial de «A Infantil». Actualmente no mesmo lugar,
embora em rua diferente, esta oficina centenária, dirigida por um jovem casal, Irene Moutinho e Jorge Quin-
tas, produz, para casas comerciais, sobretudo Lisboa e mesmo para o estrangeiro, cavalinhos de madeira e
quadros escolares. Por vezes, quando o tempo sobra, fazem-se umas camionetas.
Neste capítulo, faremos referência a um grande clã de artesãos que tem origem em Silva Escura e que se
vem radicar no princípio do século anterior na nossa terra, mais concretamente em S. Paio, acabando depois
por se estender até Vilar de Matos. Esta família, de apelido Carneiros, começa na arte dos brinquedos, ainda
no século XIX, nessa freguesia da Maia, com Agostinho Carneiro, conhecido também por Agostinho Vianês.
Trabalhou numa oficina da Rua da Torrinha, pertencente a António Castanheira, da Rua do Almada. Partia
a pé à segunda – feira para o trabalho e aí se mantinha em casa do patrão, onde comia e dormia, até ao fim de
semana. A mulher e os filhos ficavam encarregados dos trabalhos da lavoura que, antes de partir, ele distri-
buía. Passado alguns anos, porque essa vida era dura, começa a trabalhar em casa para o patrão, acabando
por se estabelecer por conta própria. Nestes tempos de autonomia, compra peles, curtindo-as ele próprio,
com o objectivo de fabricar bons bombos. O velho patriarca dos brinquedos, que chegou a fornecer António
Duarte, na Rua Mouzinho da Silveira, no Porto, faleceu com 83 anos, em 1932. Do seu matrimónio com uma
conterrânea nasceram sete filhos, cinco rapazes, quase todos a dedicarem-se aos brinquedos, embora uns
mais que outros e duas raparigas. São eles:
Agostinho, o mais velho que, como era usual nesses tempos, recebeu o nome do pai e que montou
oficina na Maia. António, que trabalha em S. Paio e que vai estar na origem do ramo dos Tavares Carneiro,
através de seu filho. Este artesão, de que vamos falar a seguir, chega aos nossos dias com oficina, frente à
capela do Senhor dos Aflitos. Augusto ficou-se mais pelo centro, montando a sua oficina na Rua Miguel
Bombarda, à Ermida, onde se dedicava a fazer, em madeira, ciclistas, pombas e carrinhos de diversos tipos.
No tempo da Segunda Guerra, como o negócio ia mau, dedicou-se também ao fabrico de aduelas para
barricas, geralmente utilizadas na salga da sardinha. Os mais novos, Cipriano e Alberto, estabeleceram-se
respectivamente em Vermoim e Silva Escura, em actividades diferenciadas da dos brinquedos. Uma das
raparigas, de nome Maria Moreira, casou com António Duarte Ferreira, dando assim origem a outra família de
artesãos que vem desembocar ao Aurélio, de S. Paio.
Ao que parece, tudo aconteceu quando o «Tio António, vítima de uma doença demorada, convida um dos
filhos de Maria, pai do César, para vir trabalhar com ele para os brinquedos, em S. Paio», como nos conta o
filho António Tavares Carneiro, referindo-se à atitude tomada por seu pai.
E assim, em jeito de resumo, temos nos finais dos anos trinta, dois elementos deste clã, a fazer brinque-
dos na nossa terra: Augusto, de que falamos atrás e que não deixou, ao que se saiba, seguidores nesta
actividade e António Carneiro, em S. Paio, que trabalhava com seu filho António e que tinha ao seu serviço
César Duarte Ferreira a quem ensinou esta arte. Nos anos quarenta, estes dois primos, agora sós, resolvem
separar-se e trabalhar autonomamente, tendo este último comprado casa neste lugar, onde hoje está a oficina
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do seu filho Aurélio. António Tavares Carneiro, por sua vez, adquire casa em Vilar de Matos202 , para onde se
muda definitivamente. Destes dois grandes ermesindenses, que tanto deram ao artesanato, tio e sobrinho
respectivamente, vamos falar a seguir:
Aurélio Ferreira, como já dissemos, era filho de César Ferreira e a sua oficina tornou-se uma das mais
conhecidas no país e uma das poucas que, em Ermesinde, com uma certa pujança, ainda sobrevive. Para
atestar a sua importância basta referir que, aquando da abertura do campeonato da Europa de futebol de
202 - A casa aqui referida, na Rua Simões Lopes, pertenceu a um insigne médico de Ermesinde, o Dr. Maia Aguiar.
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203 - Outro grupo de tambores, que adquire a César Ferreira estes instrumentos, é o grupo da Marinha Grande «Toca a Andar».
204 - O aumento das instalações, em S. Paio, foi feito por seu pai, em 1956.
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plo, este artesão explica-nos, como através de uma pequena serra, substituiu o uso da goiva, na abertura
lateral das pandeiretas, onde se encaixa o chocalho em chapa, tornando assim esta fase do seu fabrico muito
mais rápida. Foi o primeiro, disse-nos também, a introduzir no mercado os «amoladores» e os «pica –
picas», com formato de galinhas e, embora o modelo inicial não fosse da sua autoria, funcionam, neste
momento, como exclusivos seus.
Em 2000, depois de muitos anos de trabalhos e canseiras, reformou-se e entregou a responsabilidade da
oficina ao seu genro Manuel Gonçalves. Se as coisas não mudarem, como aconteceu noutros casos, terminará
por aqui, esta geração de artesãos, uma vez que o seu neto tem outras preocupações e já escolheu profissão.
Nesta rubrica englobamos uma pequena oficina que nasceu na Rua do Carvalhal, nuns pequenos arma-
zéns encostados e pertencentes a uma grande vivenda da família Ferreira dos Santos, conhecida a partir de
determinada altura como «Casa Amarela» e que foi derrubada para dar lugar a mais um prédio multifamiliar.
Esta pequena oficina
de brinquedos que teria
sido criada, nos anos trin-
ta, nesta parte sul da ci-
dade mudou, ao longo da
sua existência, como ne-
nhuma outra, várias vezes
de patrões e de lugar. Per-
tenceu, primeiramente, a
um artesão de nome
Lacerda que, posterior-
mente, a abandonou para
vir a integrar uma socie-
dade de fabrico de brin-
quedos, com Fernando Um dos célebres barcos feitos na oficina de Francisco Ferreira, no Carvalhal,
Matos, num espaço na
205 cedido por um seu familiar para este livro.
205 - Esta sociedade não fabricava só brinquedos, mas um conjunto de peças variáveis, como, por exemplo, molas para roupa em madeira
etc.
206 - Matolac - sigla obtida pelos primeira letras de Matos e Lacerda
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O «Vareiro» como também era conhecido, começou aí a trabalhar, nos inícios dos anos quarenta, sob a
marca de «Brinquedos Mariposa». Devido ao facto de já haver uma patente registada com este nome, foi
obrigado a mudar, tendo então utilizado o nome de «Brinquedos Andorinha». Foi com esta nova designação
que este ermesindense, nos cerca de nove anos que ainda se manteve à frente desta oficina, colocou no
mercado simples brinquedos em madeira pintados, carros eléctricos, até aos famosos grandes vapores e
couraçados. A este último tipo de modelos não era estranha a influência da guerra que se vivia nessa altura.
Nos finais dos anos quarenta, Francisco Ferreira passa a sua oficina para um outro conterrâneo que
continua a dar seguimento aos modelos «Brinquedos Andorinha», de nome José Carvalho Osório, mais
conhecido por José João. É durante este período que a oficina muda para a rua 5 de Outubro, uma vez que
Júlio Gilsanz, cunhado de José C. Osório, aproveitou um curto período de tempo em que a mesma esteve sob
a sua superintendência, para transferir, em definitivo, materiais e máquinas para um dos seus imóveis (A casa
do Emílio Espanhol, como ficou a ser conhecida), junto aos Bombeiros de Ermesinde. Dez anos depois, início
dos anos sessenta, José João passa a fábrica para a tutela de Alberto Sampaio. Este conhecido ermesindense,
que morreu prematuramente, adopta os mesmos modelos de brinquedos anteriores, saber esse mantido
pelos empregados antigos,207 quase todos vindos do Carvalhal, uma vez que ele nunca tinha tido qualquer
tipo de contacto com essa arte.
Cerca de meia dúzia de anos depois, estas instalações passam para a mão de um homem ligado a uma
empresa de pichelaria, de nome Miguel da Conceição Osório que, ao contrário do proprietário anterior, se
dedica em exclusivo à rentabilização da sua oficina. Graças a este empresário, a fabricação de brinquedos de
madeira que até aí tinha uma grande componente manual, passa a ser gradualmente mecanizada, industria-
lização esta que vai facilitar a aceleração da produção. A maior parte das fases da construção, os acabamen-
tos, nomeadamente a pintura e lacagem, são feitos agora, com máquinas apropriadas.
Na sua oficina chegaram a trabalhar seis operários, um número já significativo, comparativamente com
os que tinha o anterior proprietário. Curiosamente, Miguel Osório208 juntou aos brinquedos que eram sobre-
tudo pombas, «cavalos para bebés» e também a construção de caixas para vinho do Porto.
Como o seu antecessor morreu igualmente cedo, tendo a oficina passado para a responsabilidade de
uma filha que, passado pouco tempo, muda de instalações, desta vez para a rua da Cancela, concretamente
para o rés -do – chão de um edifício, que ficava paredes - meias com aquele onde funcionaram, pela primeira
vez na nossa cidade, as Finanças. Nos anos noventa esta empresa fechou, ao que nos disseram, por motivo
de falência.
207 - Um dos artesãos que o acompanhou, foi um homem conhecido por «Tone Judas» que, mais tarde, veio, ao que se supõe, a ser
assassinado, na África do Sul, para onde tinha emigrado.
208 - Agradecemos ao Sr. Raul Osório todo o apoio, que nos deu na elaboração deste artigo.
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LM - Família Moura
ponentes para a indústria. A. Fernando Moura ainda vivo e irmão de Aníbal, permaneceu na oficina do pai
Luciano Moura, continuando, durante anos, com a produção de brinquedos213 .
Dos seus brinquedos mais conhecidos podemos destacar, numa primeira fase, os peixes com rodas,
barcos a gasolina e os lavatórios, com vários objectos. Mais tarde, muitos outros modelos apareceram, como
ambulâncias, jipes, carros, autocarros, etc.
Prospecto publicitário sobre a actividade de JAJ, vendo-se ao fundo as suas instalações, na Rua 5 de Outubro.
Este artífice começa a sua actividade em 1928, em Alfena, com a sigla JAJ JAJ, fazendo brinquedos de
madeira, como os tradicionais ciclistas e pombinhas e outros em folha.
Embora sem experiência e tradição familiar ligado a este primeiro material, inicia a sua actividade com as
célebres cornetas, gaitinhas e guizos214 , copiando, inclusivé, alguns modelos já existentes e, de tal maneira
progrediu, que, dois anos depois, já tinha ao seu serviço várias dezenas de operários. José Augusto Júnior,
em 1946, cria novas e modelares instalações em Ermesinde, na Rua 5 de Outubro, edifício que ainda hoje se
mantém, embora com outras actividades.
«A Indústria de Quinquilharias de Ermezinde», assim se chamava e escrevia a empresa agora criada, foi
considerada desde a sua fundação até pouco depois do 25 de Abril, como a maior unidade industrial de
fabrico de brinquedos em folha de Portugal.
Em Lisboa tinha, um vendedor, José Travassos Moura, que esteve ligado à empresa até 1990.
A sua capacidade para a inovação leva-o não só a criar o primeiro carro movido a corda de fita, em
Portugal, como a improvisar materiais de outro tipo na estrutura dos brinquedos, tornando-os mais leves.
Assim JAJ utilizou o cartão nos fundos e noutras partes não expostas, reservando a chapa215 para as peças
213 - A António Fernando Moura e ao seu sobrinho Adérito Moura agradecemos todo o apoio que nos foi dado na elaboração deste artigo.
214 - Segundo conseguimos apurar, as gaitas e os guizos já eram fabricados pelo seu pai, para venda, em directo, nas feiras.
215 - Durante a guerra, a folha tornou-se difícil de obter, pelo que a solução foi substituí - la, onde fosse possível, pelo cartão
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onde era necessária mais resistência. Em 1955, José Augusto Júnior, no sentido de proceder a uma reconversão
e tornar mais rentável a produção, inicia a fabricação de brinquedos em plástico, com folha com uma nova
sigla - «Jato».
Em 1977, «devido a uma crise interna» os irmãos Penela -herdeiros do fundador desta fábrica – decidem
prosseguir com a produção em plástico,216 plástico e folha, usando a sigla PEPE (Penela e Penela). Cinco
anos depois (1983), mudam-se novamente para Alfena, onde constroem novas instalações, trabalhando ape-
nas o plástico e retomando a sigla Jato. Neste momento, como nos refere um dos proprietários, têm ao seu
serviço o dobro dos operários que tinham, em Ermesinde.
Actualmente a «Jato» fabrica brinquedos como os célebres «martelinhos do S. João», rodas, gaiolas
para grilos, tambores, pistolas de água, conjuntamente com componentes para a indústria, como pegas,
turbinas para bombas artesianas, peças para máquinas de café, embalagens de todo o tipo, etc. Para ser
poder avaliar a capacidade produtiva da fábrica nestes dois ramos, basta dizer que esta firma tem ao seu
serviço equipamentos modernos, desde máquinas de sopro, até máquinas de tampografia para impressão a
quatro cores.
M.M.S. - «Nicró»
216 - Agradecemos ao Sr. Joaquim Penela todo o apoio que nos deu neste trabalho.
217 - Lembre-se, a propósito, que na nossa cidade existiu, na Rua 5 de Outubro, uma fábrica de pomadas e graxas, com várias secções,
entre as quais a de corte e esmaltagem de chapa. Foi criada em 1918, por iniciativa dos irmãos Moreira.
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onar primeiro através de um rolo de arame, e mais tarde, o mesmo foi substituído por uma mais forte e
dinâmica fita de aço.
Alguns coleccionadores confidenciaram-nos que uma das características que tornava os brinquedos do
Nicró fáceis de identificar, era o facto de o mesmo não se preocupar muito a limpar as latas que reutilizava na
sua fabricação. A sua oficina estava situada na rua 5 de Outubro, perto dos Bombeiros de Ermesinde.
A fabricação de brinquedos de pasta de papel tem origem no princípio da segunda metade do século XIX,
na Alemanha, sendo as primeiras peças constituídas por pequenos cavalos. O emprego de papel, no entanto,
sobreposto em camadas apertadas e cobertas com cola era já conhecido dos chineses, desde longa data.
Com esta composição construíam as grandes cabeças de dragão e outras decorações das suas festas rituais.
Em Portugal, este artesanato deve ter começado pelos finais do século XIX, tendo em conta o desenvolvimen-
to que mostrava já nos primeiros anos do século seguinte.
A divulgação do uso da pasta de papel gessado para fins lúdicos, dá-se, com pequenos intervalos, um
pouco por todo o país. Confeccionavam-se máscaras de Carnaval, cabeças de gigantones e as célebres
carrancas para figurantes nas festas populares.
No Porto, os primeiros fabricantes de brinquedos utilizando a pasta de papel, aparecem logo no princípio
do século XX, embora alguns estudiosos219 os pretendam situar uns anos mais tarde. Atribui-se a José Serafim
de Carvalho a instalação da primeira oficina com este tipo de material, em 1909, na Rua de Cedofeita, nesta
cidade.
Eram bonecos em pasta de papel e madeira e comercializados pelo próprio proprietário e alguns amigos,
pelas ruas da Invicta. Desta altura eram os conhecidos «papagaios no poleiro» e a «mamã» - uma cabeça de
bebé que ao ser puxada por um cordel emitia um som semelhante à pronúncia de uma progenitora. Outros
modelos, como corças e touros surgiram, entretanto, bem como a introdução de novas técnicas, como o uso
do verniz.
Em Ermesinde, foi Luciano Moura o primeiro a comercializar as primeiras peças em pasta de papel. Eram
bonecos que o seu empregado - Firmino Soares dos Reis, fazia nas horas extras e que, por sua vez, o patrão
colocava no mercado. O grande desenvolvimento deste tipo de brinquedos, em termos de quantidade, deu-se
contudo com Aníbal Moura, a partir de 1949, até ao início dos anos sessenta.
Com o uso sistemático e generalizado do poliestireno, na feitura destes brinquedos, cava-se a sepultura
deste tipo de artesanato.
221 - Agradecemos ao seu filho Álvaro Miranda, todo o apoio que nos deu na elaboração deste trabalho.
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Foi já na sua propriedade da Palmilheira, para onde entretanto se tinha mudado que, paralelamente com
os motivos religiosos, o Sr. Miranda iniciou o lançamento de outra variedade de peças, construídas em
materiais diferentes. Assim, na década de setenta e oitenta, assistimos ao lançamento no mercado de novos
objectos feitos em plástico, mais concretamente em polietileno, como suportes para relógios de mesa e pisa
– papéis e outros artigos decorativos e religiosos.
Os caixilhos para os quadros da Ceia de Cristo, que tinham cada vez mais saída, eram feitos em casquinha.
Os materiais e acabamentos passavam todos pela sua mão e, inclusivamente, os novos moldes para o plás-
tico, feitos em borracha, eram também da sua autoria. No caso dos relógios, curiosamente, estes eram impor-
tados, peça a peça, e a ele cabia-lhe a sua montagem e o encaixe no estojo.
Embora vivesse quase toda a sua vida na nossa terra, depois de reformado, retira-se para Caminha, terra
da sua esposa, onde veio a falecer, em 1991.
É evidente que num estudo desta amplitude não se pode deixar de referir Alfena, a freguesia a quem
estamos ligados por fortes laços históricos e culturais. Estas, talvez as razões principais, conjuntamente
com o factor proximidade, que explicam porque durante anos muitas famílias, com origem nas Terras de S.
Vicente, aqui se estabeleceram, enquanto outras optaram pelo caminho contrário, deixando Ermesinde,
sobretudo nos últimos anos. A este movimento não escaparam os artesãos, mas aqui para além da atrac-
ção afectiva inter-freguesias, começou a contar mais recentemente o preço dos terrenos, para instalação
de oficinas e mesmo para habitação.
Neste momento, para além de José Augusto Júnior que de lá partiu e onde hoje os seus descendentes se
instalaram novamente, Alfena conta, em plena laboração, com uma oficina de brinquedos de madeira, em
Cabeda e com outra, vocacionada
para a chapa, na Codiceira.
pregados e apenas com a ajuda da família, continua a fabricar os ciclistas, as pombas, «relas», andarilhos,
carrinhos de boneca e camionetas. Os seus locais de venda continuam a ser as lojas de artesanato, as feiras
e as romarias.
Manuel Ferreira considera os anos pós-25 de Abril, como o período em que se vendeu mais artesanato
e, consequentemente, os de maior produção. Nestas coisas não está muito virado para a modernização -
como nos diz - e por isso os seus brinquedos continuam a ser pintados a anilina.
A maior tristeza para este artesão nascido em 1931, é que nenhum dos seus dois filhos queira seguir-lhe
o exemplo, pelo que deixando ele de trabalhar, tudo terminará, inexoravelmente.
222 - Aproveitamos para agradecer aos seus dois filhos, em especial ao Carlos Manuel, a amabilidade com que nos receberam nas suas
instalações, na Codiceira, dando-nos as explicações necessárias para a elaboração deste artigo.
128 | ARTES E OFÍCIOS TRADICIONAIS
final, que não deve demorar muito, vai passar, infelizmente, pelo fecho das instalações ou pela sua reconversão
para outros fins.
Possivelmente mui-
to poucos ermesinden-
ses se lembram ainda de
uma oficina que, no cen-
tro da nossa terra, se de-
dicava ao fabrico de si-
nos. Apesar de funcionar
quase vinte anos, muito
pouco se tem falado e
escrito sobre essa acti-
vidade semi-artesanal e
rara no país. De concre-
Parte superior da frontaria da antiga oficina de sinos, na Rua Rodrigues de Freitas, to permaneceu a alcunha
vendo-se, por baixo, da primeira e última janela um sino, como decoração.
da profissão nos ele-
mentos das famílias ligadas a essa actividade e alguns diminutos e quase invisíveis indícios. Destes, por
curiosidade, chamamos a atenção para um pequeno alto – relevo, representando um sino debaixo do para-
peito das janelas da antiga casa voltada para a Rua Rodrigues de Freitas e de parte da antiga chaminé, sobre
o telhado dos «Magriços»,223 na actual Travessa 5 de Outubro.
A história da família Jerónimo, assim se denomina esta genericamente, começa nos finais do século XIX,
no Porto, quando o seu mais antigo membro, aparece ligado à fundição de sinos e carrilhões no Porto. Uma
dessas oficinas foi a «Rocha e Companhia», na Rua do Heroísmo. Henrique da Silva Jerónimo estabelece-se
por conta própria em, 1924, com a denominação comercial de «Fundição Nova Lusitânia de Ermesinde»,
primeiro no Reguengo, em Alfena e a partir de 1932, na nossa terra.
Dos três filhos deste, o mais velho, Serafim da Silva Jerónimo, aproveita a mudança para se estabelecer,
nesta data, em Braga, no Campo das Hortas (instalações hoje abandonadas),224 adquirindo a empresa deno-
minada «Fundição de Sinos de Braga», de José Gonçalves Coutinho.
Em Ermesinde ficaram, a partir daqui, para além do pai, os dois irmãos mais novos, Manuel Martins da
Silva e Laurentino da Silva Jerónimo, ocupando as instalações que, como já dissemos, se estendiam desde a
Rua Rodrigues de Freitas à Travessa 5 de Outubro. Aqui se faziam sinos e carrilhões para as igrejas de todo o
223 - Magriços – Associação cultural e desportiva que ocupa, actualmente, uma pequena parte do espaço da antiga oficina, do lado da
referida travessa.
224 - As velhas instalações do Campo das Hortas foram abandonadas e substituídas por outras, à saída de Braga para Ferreiros, perto da
Grundig.