De acordo com Dulcéa Machado Martins e colaboradores, no artigo
Consulta coletiva: o espaço da mulher, uma consulta coletiva pode ser definida como um espaço democrático e participativo o qual permite que num único turno um grupo considerável de pacientes seja atendido de forma satisfatória. Convém salientar que este espaço necessita de adaptações para que os atendimentos prestados sejam adequados. Em primeiro lugar, deve-se respeitar aspectos relacionados à individualidade dos pacientes. Alguns pontos da anamnese, por exemplo, não devem ser questionados em função do constrangimento que possam provocar diante de outras pessoas. Da mesma forma, nem todas as discussões e dúvidas podem ser abordadas num momento de compartilhamento de informações coletivas e são mais pertinentes às consultas individuais. Os pacientes devem ser informados previamente a respeito do tipo de atividade no qual estarão inseridos e de como sua participação é importante para qualidade da consulta e enriquecimento das discussões. Por fim, as consultas coletivas não têm prerrogativa de substituir as consultas individuais. Elas servem como um instrumento de discussão e sedimentação de conceitos e também para compartilhar informações diversas. As consultas coletivas podem ainda adiantar procedimentos simples como análise de exames laboratoriais diversos e acompanhamento na progressão de certos esquemas terapêuticos. Mas elas devem sempre que necessário ser realizadas de forma paralela às consultas individuais. Os pacientes devem estar cientes destas condições o que lhes confere segurança e não inviabiliza uma relação médico-paciente de qualidade. Não existe um método único para guiar uma consulta coletiva. Diversas metodologias podem ser utilizadas para permitir o diálogo entre os participantes. A dinâmica do Grupo Focal foi escolhida a partir de orientações da professora Mônica de Moura Costa. Os Grupos Focais são instrumentos de pesquisa aplicáveis em Educação em Saúde que são adequados às consultas coletivas em função de suas características flexíveis e facilmente aplicáveis. A técnica do Grupo Focal não é um instrumento de pesquisa adequado para análises qualitativas como a freqüência com que determinados agravos ocorrem e sim para análises quantitativas ao ser utilizado para compreender como se formam as diferentes concepções a cerca de um fato, produto ou serviço. Segundo Carlini-Cotrim um grupo focal apresenta as seguintes características e necessidades: • Trata-se de um tipo especial de grupo em termos do seu propósito, tamanho, composição e dinâmica. Basicamente, o grupo focal pode ser considerado uma espécie de entrevista de grupo, embora não no sentido de ser um processo onde se alternam perguntas do pesquisador e resposta dos participantes. Diferentemente, a essência do grupo focal consiste justamente em se apoiar na interação entre seus participantes para colher dados, a partir de tópicos que são fornecidos pelo pesquisador (que vai ser no caso o moderador do grupo). Uma vez conduzido, o material obtido vai ser a transcrição de uma discussão em grupo, focada em um tópico específico (por isso grupo focal). • Tipicamente, é composto de seis a dez participantes que não são familiares uns aos outros. Estes participantes são selecionados porque eles apresentam certas características em comum que estão associadas ao tópico que está sendo pesquisado através do grupo focal. Sua duração típica é de uma hora e meia. • A coleta de dados através de grupo focal tem como uma de suas maiores riquezas se basear na tendência humana de formar opiniões e atitudes na interação com outros indivíduos. Ele contrasta, nesse sentido, com dados colhidos em questionários fechados ou entrevistas individuais, onde o indivíduo é convocado a emitir opiniões sobre assuntos que talvez ele nunca tenha pensado a respeito anteriormente. As pessoas em geral precisam ouvir as opiniões dos outros antes de formar as suas próprias. E constantemente mudam de posição (ou fundamentam melhor sua posição inicial) quando expostas a discussões de grupo. É exatamente este processo que o grupo focal tenta captar. • Cabe ao pesquisador moderador do grupo criar um ambiente propiciador para que diferentes percepções e pontos de vista venham à tona, sem que haja nenhuma pressão para que seus participantes votem, cheguem a um consenso ou estabeleçam algum plano. Este ambiente relaxado e condutor de troca de experiências e perspectivas deve ser também garantido através de outros cuidados: • Seus participantes não devem idealmente pertencerem ao mesmo círculo de amizade ou trabalho. Isto visa a evitar que a livre expressão de idéias no grupo seja prejudicada pelo temor do impacto (real ou imaginário) que essas opiniões vão ter posteriormente. O grupo focal deve procurar mimetizar, segundo Krueger, aquelas longas conversas que freqüentemente duas pessoas desconhecidas se engajam durante uma viagem de avião. A franqueza e a profundidade de troca de experiências ocorridas num contexto como esse muitas vezes são especialmente ricas justamente pelo fato dos seus participantes não terem nenhum compromisso posterior de se verem ou conviverem a partir desse encontro casual. Embora essa característica do grupo focal seja altamente desejável, ela nem sempre é possível, como é o caso, por exemplo, da utilização de grupos focais para coleta de dados em pequenas comunidades. • Seus participantes devem ser homogêneos em termos de características que interfiram radicalmente na percepção do assunto em foco, visando a garantir um clima confortável para a troca de experiências e impressões de caráter muitas vezes pessoal. Em pesquisas sobre abuso de substâncias, por exemplo, é freqüente a constituição de diferentes subgrupos para as diversas faixas etárias, gênero, orientação sexual, renda e etnia. É importante enfatizar, no entanto, que a busca de homogeneidade em algumas características pessoais não deve implicar na busca de homogeneidade na percepção do problema. Se assim fosse, o grupo focal perderia sua riqueza fundamental, que é o contraste de diferentes perspectivas entre pessoas semelhantes. Enfim, para Morgan, os participantes devem ser selecionados de modo que o grupo não resulte em incontornáveis discussões frontais ou em recusa sistemática de emitir opiniões. • Em um estudo que utilize grupo focal, as discussões são conduzidas várias vezes, com diferentes grupos, visando a identificar tendências e padrões na percepção do que se definiu como foco do estudo. A análise sistemática e cuidadosa das discussões vai fornecer pistas e "insights" sobre como um produto, serviço ou plano é percebido.
A 1ª Consulta Coletiva do Módulo de Saúde do Adulto foi realizada no
dia 21 de julho de 2010. Os temas abordados foram Hipertensão Arterial Sistêmica e Diabetes mellitus. A atividade foi consuzida pelos estudantes Isaac José Neto Nery dos Santos, Melchisedeck Lemos, Sheilla Machado dos Santos e Tarsila dos Santos Lessa, orientados pela instrutora Mônica de Moura Costa. O agente comunitário Cláudio Badu acompanhou o desenvolvimento das discussões. O grupo focal era composto, inicialmente, por seis participantes de faixas etárias variadas e todos pertencentes a uma das microáreas da Unidade de Saúde da Família Salobrinho II. Posteriormente, uma adolescente somou-se ao grupo. Inicialmente, os pacientes foram orientados quanto à realização de uma consulta coletiva e ao fato de que no fim das discussões todos seriam atendidos individualmente. O público era predominantemente formado por portadores de hipertensão arterial sistêmica que se apresentaram e foram questionados quanto à descoberta e as formas como lidavam com a doença. Foram abordados tópicos relativos à alimentação, a adesão familiar aos esquemas de tratamento, o uso de medicamentos e a dificuldade em manter o esquema terapêutico a partir das experiências relatadas por cada um dos participantes. O grupo focal transcorreu de maneira espontânea e com diálogos fluidos. Os estudantes esclareceram dúvidas pontuais que surgiram. A consulta coletiva foi iniciada às 8:30h e as discussões encerradas em torno de 9:20h. A partir de então, os quatro estudantes foram distribuídos para acompanhar os atendimentos individuais subseqüentes à consulta coletiva.
PACIENTES ATENDIDOS NA CONSULTA COLETIVA HAS (21/07/10):
Tabela 1: Informações iniciais e medidas antropométricas colhidas durante a
consulta coletiva Pacient SEX D.N. HA D. Peso Altur C. IMC PA Complicaç Medicament e O S M (kg) a A. (Kg/m2 (mmH ões os (cm) (cm ) g) ) C. M. S. F 06/08/19 X 66,4 159 87 26,26 200/12 Ausentes Hidroclorotiazi 43 0 da e captopril N. S. R. F 02/02/19 X 61 149 97 27,47 150/90 IAM, AVC Outros medic. 58 J. V. G. F 06/07/19 X 66,6 143 98 32,56 160/10 Ausentes Outros medic. 40 0 R. R. H. F 15/11/19 X X 64,9 156 100 26,66 140/90 Ausentes Hidroclorotiazi S. 44 da J. M. S. M 23/10/19 X 62 165 82, 22,77 120/80 Ausentes Outros medic. S. 60 5 V. C. S. M 25/01/19 X X 87 176 104 28,08 140/90 AVC Outros medic. 37 M. F 160/12 Ausentes Não faz uso 0 de medicamento s. • F: feminino • C.A.: Circunferência abdominal • M: masculino • PA: pressão arterial sistêmica • D.N.: Data de nascimento • Complicações: angina, infarto, pé • HAS: hipertensão arterial sistêmica diabético, amputação, doença renal, retinopatia dentre outras. • D.M.: Diabetes mellitus
QUESTÕES ABORDADAS DURANTE A CONSULTA COLETIVA:
1. Como e quando você descobriu ser hipertenso? 2. Qual medicação você usa? 3. A medicação está resolvendo o seu problema? 4. Você está usando a medicação corretamente? 5. Qual foi a pior conseqüência da hipertensão arterial sistêmica em sua vida? 6. O que você faz para se cuidar? 7. Como é a sua alimentação? 8. Você pratica exercícios? Como? Quando? 9. Você já se consultou com um nutricionista? 10.Há outros hipertensos na sua família? 11.O que você faz para controlar o diabetes?
PONTOS IMPORTANTES OBTIDOS NOS DIÁLOGOS
Tarsila e Isaac, tentem preencher a partir daqui!
RESUMO DAS ORIENTAÇÕES FORNECIDAS
Durante a consulta coletiva foram explicados aos participantes de
forma sucinta e adaptada detalhes do agravo que possuíam. O início em idade mais avançada associado à ausência de sintomas estavam relacionados às primeiras questões e relatos colhidos, como estes: “... descobri que tinha pressão alta por acaso aqui no posto...” e “... nunca tinha sentido nada até que o médico disse que eu tenho pressão alta...”. A necessidade de cuidado contínuo e de apoio familiar foi abordada depois que os pacientes relataram as principais dificuldades de adesão ao tratamento. Atenção especial foi dada à alimentação dos pacientes. Cada um deles depois de ter a dieta questionada mostrou possuir conhecimento suficiente para saber quais alimentos poderiam ou não ser consumidos e em que proporções. Alguns pacientes relataram alimentar-se de forma muito saudável enquanto outros não: “... o problema é que todo mundo lá em casa gosta de feijoada, ai acabo comendo também...”, “... não tem nem graça cozinhar comida sem sal só pra mim...” e “... é bom comer frutas.”. Também foi destacado que o descontrole dos níveis tensionais é responsável por agravos como o acidente vascular encefálico. Um dos pacientes presentes estava recuperando-se de um AVE recente e pôde compartilhar as mudanças provocadas pelo incidente em sua vida: “... fiquei sem poder andar direito e até falar, mas agora to tomando remédio direito e quase não como mais sal.” Um paciente portador de diabetes mellitus tipo 2, também falou: “Desde o dia que eu fiquei ruim e o médico falou que eu tenho diabetes, faço tudo do jeito que ele mandou. Doce nem pra ver! Sal também é muito pouco na minha comida, pra não ficar com pressão alta.” Estes foram excelentes exemplos para aqueles que estavam relutantes em seguir o tratamento. Também foi enfatizada a importância de evitar fumo e o consumo de bebidas alcoólicas como medida de prevenção das complicações da hipertensão arterial sistêmica que são diversas. Discutiu-se a questão do tratamento ser por tempo indeterminado uma vez que a hipertensão e o diabetes não são agravos que possuam cura. A partir desta característica, evidenciou-se que a procura por serviços de saúde deve ser constante para avaliar a progressão e controle dos níveis da pressão e glicemia e para monitorizar e prevenir as conseqüências nos principais órgãos-alvo. Notou-se certa resistência ao uso de determinados medicamentos com a criação de determinados mitos: “... parei de tomar esse remédio (ser referindo ao enalapril) porque acho que tá me dando queimor no estômago.”. Estas questões foram esclarecidas informando que não existe medicamento sem respostas indesejadas. Entretanto, é preferível tolerá-las e evitar um problema de saúde mais grave do que se abster de utilizar as medicações. Como alguns dos participantes praticavam atividades físicas, eles puderam expor a sua importância no controle da HAS, ao mesmo tempo em que a resistência a estas práticas foram sendo discutidas com os pacientes sedentários. Foram elencadas dificuldades relativas aos exercícios como falta de material e vestimenta adequada e ausência de instrução quanto a manutenção das atividades físicas. Duas participantes fizeram compromisso de caminharem juntas pela manhã: “... então fica assim: eu passo na sua casa de manhã e a gente vai andar.” Os participantes destacaram a importância da realização das sessões de alongamento nas consultas de fisioterapia na própria Unidade e que não eram conhecidas por todos: “... dia de sexta tem (fisioterapia) e é muito bom!” Todas as orientações foram discutidas e por fim, resumidas com apresentação de gravuras.
Tarsila, você pode acrescentar as gravuras que utilizamos aqui...
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. CARLINI-COTRIM, Beatriz. Potencialidades da técnica qualitativa
grupo focal em investigações sobre abuso de substâncias. Revista de Saúde Pública vol.30 nº 3, São Paulo, Junho de 1996.
2. MACHADO MARTINS, Dulcéa e colaboradores. Consulta coletiva: o
espaço da mulher, Caderno de Saúde Pública, vol.7 nº 2, Rio de Janeiro, Abril e Junho de 1991.
3. KRUEGER, R. A. Focus group: a pratical guide for applied research.
Newbury Park, Sage Publications, 1988.
4. MORGAN, D. L. Focus group as qualitative research. Newbury Park,
Sage Publication, 1988. (Qualitative Research Methods Series 16).
5. WORLD HEALTH ORGANIZATION. The focus group manual. Genebra,
1992. (Methods for Social Research in Tropical Disease, 1).