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EDIÇÃO Nº 12 - I SEMESTRE - 2018

PESQUISA

A MINHA, A SUA,
A NOSSA INVESTIGAÇÃO
EDIÇÃO Nº 12 - I SEMESTRE - 2018
Editorial A décima segunda edição do Caderno de Registro Macu abre com um material de
estudo bastante instigante, compilado no Dossiê abordagens norte-americanas
do Sistema Stanislávski. Motivado pelos recém-traduzidos textos de Stanislávski e de alguns de seus
colaboradores diretamente do russo para o português, acreditou-se ser interessante, neste momento,
retomar as origens do pensamento que orientou nossas primeiras obras sobre o Sistema, oriundas das
traduções norte-americanas. Nesse sentido, o dossiê pretende refletir sobre a difusão das ideias teatrais
de Stanislávski por seus atores e seguidores, russos ou estrangeiros, que permearam a cena americana e
as publicações, naquele país, de seus escritos.
Para o entendimento do momento histórico e do que significou a chegada de Stanislávski aos Estados
Unidos, tendo em vista, principalmente, as tensões com a corrente teatral hegemônica representada pela
Broadway, republicamos o artigo “Stanislávski na cena americana”, de Iná Camargo Costa, uma das mais
aguerridas militantes de nosso teatro. O dossiê também trata de nomes de grande reverberação no cenário
teatral norte-americano, responsáveis pela propagação dos ensinamentos stanislavskianos, como Richard
Boleslávski, Lee Strasberg e Stella Adler. Sobre esses diretores-pedagogos, são publicados os artigos: “Um
arsenal de erros: Stanislávski nos Estudos Unidos”, do mestrando em Artes Cênicas Matheus Cosmo, “A
memória e a preparação do ator: O desdobramento do sistema de Stanislávski no método de Strasberg”,
da pesquisadora Carolina Xavier, e “Um ator e o Método: Aprendendo as técnicas de Stella Adler”, do ator
e produtor Guilherme Rodio.
Ramos da mesma raiz: A difusão das ideias teatrais de Stanislávski nos Estados Unidos –
Entrevista com Elena Vássina dá continuidade ao tema explorado no dossiê, sob o olhar da professora
do Curso das Letras Russas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de
São Paulo e autora, juntamente com Aimar Labaki, da obra Stanislávski – Vida, Obra e Sistema (Funarte,
2016). Segundo Elena Vássina, que reflete sobre os nomes acima citados e ainda passa por outros, como
Maria Uspenskaia e Mikhail Tchékhov, cada perspectiva de trabalho de matriz stanislavskiana, nos Estados
Unidos, se desenvolveu de modo a seguir um caminho próprio, em diálogo com suas origens, mas a partir
das particularidades desse outro contexto e de seus propositores.
Em Pesquisas do Macu, as professoras Simone Shuba e Marcela Grandolpho falam sobre a participação
do Teatro Escola Macunaíma, em março de 2017, no Simpósio Internacional sobre Stanislávski, realizado em
Praga, com o tema: The S Word: Merging Methodologies. Ainda nesta seção, Marcela Grandolpho também
partilha sua experiência na primeira edição da International Demídov Summer School, representando
o Macunaíma a convite do professor Andrei Malaev-Bábel. Marcela Grandolpho aborda a importância
de Demídov, um dos professores originais do Sistema Stanislásvki, e o interesse do Macu em estreitar o
diálogo com seus pares e aprofundar suas investigações sobre a pedagogia stanislavskiana.
A seção Em processo traz o relato do professor André Haidamus sobre o processo criativo da turma
de PA2A da unidade Butantã no segundo semestre de 2017. A partir da pergunta investigativa “Como eu
(ator) posso existir nas Circunstâncias de uma personagem?”, André faz um recorte preciso e fala sobre
um momento muito significativo para o grupo de atores-pesquisadores, o encontro com a artista Luah
Guimarãez, e suas reverberações na construção do espetáculo Espiral.
A pedagogia da cena procura registrar as pesquisas do corpo docente em torno da proposição
que orientou as criações apresentadas na 87ª Mostra do Teatro Escola Macunaíma: A Minha, a Sua, a
Nossa Pesquisa, que enfocou a ideia do Segundo Plano da obra. Em “Imagens de uma Escola de Teatro”,
publicamos fotos das instalações de alguns professores, que buscaram revelar os processos desenvolvidos
em sala de aula ao longo do segundo semestre de 2017. Também fazem parte dessa seção textos-síntese e
outras formas de apresentação, a fim de complementar os projetos documentados visualmente.
Boa leitura a todos!
sumário
dossiê
EDIÇÃO Nº 12 - I SEMESTRE - 2018

Stanislávski na cena americana 6


Um arsenal de erros: Stanislávski nos Estudos Unidos 12
A memória e a preparação do ator:
o desdobramento do sistema de Stanislávski no método de Strasberg 22
Um ator e o método: aprendendo as técnicas de Stella Adler 28

ISSN 2238-9334
entrevista
CADERNO DE REGISTRO MACU É UMA PUBLICAÇÃO DO TEATRO ESCOLA MACUNAÍMA.
Ramos da mesma raiz: As ideias teatrais de Stanislávski nos Estados Unidos
Entrevista com Elena Vássina 32
Rua Adolfo Gordo, 238 R - São Paulo / SP | 01217-020 | (11) 3217 3400
macunaima@macunaima.com.br | www.macunaima.com.br
pesquisa
IDEALIZAÇÃO E EDITORAÇÃO
Roberta Carbone Teatro Escola Macunaíma no Simpósio Internacional de Stanislávski 40
ASSISTÊNCIA EDITORIAL O trabalho com o texto: transformando palavras em ação vocal 42
Igor Bologna
Kleber Danoli Nikolai Demídov: O teatro russo redescoberto 46
COLABORADORES DESTA EDIÇÃO:
Alexandra Tavares Marcela Grandolpho em processo
André Haidamus Matheus Cosmo
Carolina Xavier Renata Kamla Espiral: processo de investigação artístico-pedagógica
Elena Vássina Rodrigo Polla
Guilherme Rodio Simone Shuba no universo brechtiano 52
Iná Camargo Costa Tieza Tissi
Joab Kierkgaard
a pedagogia da cena
AGRADECIMENTOS
A Tieza Tissi, pelo auxilio editorial com relação ao sistema de transliteração do russo para o português, Imagens de uma escola de teatro 56
segundo o padrão adotado por esta publicação e estabelecido por Boris Schnaiderman. E a todos aqueles
que direta ou indiretamente colaboraram com esta publicação. Projeto de investigação: Como transpor o que me afeta na obra dramática
DIREÇÃO EXECUTIVA para a realidade cênica através do estudo da imaginação? 68
Luciano Castiel Projeto de investigação: O que é personagem? 70
SUPERVISÃO
Projeto de investigação: É possível a partir das ações miméticas
Debora Hummel
presentes no repertório sócio-cultural de cada aluno,
PROJETO GRÁFICO E ARTE
Fernando Balsamo transformá-las em ações autênticas? 73
CAPA Projeto de investigação: O "eu" nas circunstâncias – teatro da vivência
Eva Castiel
e dos encontros no presente do presente: de como viver e não mostrar 74
TIRAGEM
3000 exemplares Projeto de Investigação: Como transformar o texto em ação cênica? 75
Três breves contos poético-documentais sobre o que aprendemos juntos 76
Proibida a reprodução total ou parcial dos textos, fotografias e ilustrações, sem autorização do Teatro
Escola Macunaíma. O longo adeus 80
Stanislávski na cena
americana 1
dossiê
POR INÁ CAMARGO COSTA2

Nos Estados Unidos, teatro sempre foi negócio sério, com o qual o em larga medida herdado por Hollywood, que o (e agora soviético) como um todo: em 1919 uma
Estado nunca teve qualquer compromisso, salvo pelo curto período (1935 desenvolveu amplamente e assumiu a liderança revista muito popular (Drama Magazine) publica
a 1939) do Governo Roosevelt, quando uma pequena verba foi destinada a no setor (o teatro passou a funcionar de modo um artigo que, sob o título O Teatro Dramático
socorrer artistas desempregados, no âmbito da política do new deal. subordinado, sem nunca perder a condição de Russo, já estabelece até mesmo as diferenças
Para se ter ideia do significado da palavra negócio, neste caso, basta “laboratório artístico”), situação que persiste entre os métodos de Stanislávski e Meierhold.
dizer que, até 1914, a maior empresa dedicada à sua exploração, a dos até hoje, pois por enquanto estamos falando de Finalmente, em 1922 o New York Times traz
irmãos Shubert, controlava 350 salas de espetáculo em todo o país, e que business. a notícia que todos os interessados em teatro
nos anos de 1920 (quando se consolidou a Broadway como o maior centro Não trataremos aqui das tentativas dos esperavam: nova excursão do TAM, que agora
de produção de mediocridades) havia centenas de pequenas empresas trabalhadores – dramaturgos e atores, inclui os Estados Unidos no roteiro. Falando de
produtoras sob o guarda-chuva da Shubert Teatrical Corporation. Um principalmente – de enfrentar os patrões, pois negócios, esta notícia marca o início de uma
desdobramento necessário desta ideia: quando o cinema surgiu como isto nos levaria longe demais. Mas fique o campanha publicitária que, por seu alcance e
produto mais lucrativo que o espetáculo teatral sob qualquer ponto de vista, registro da criação de inúmeras organizações duração, só pode ser comparada às campanhas
esses produtores não hesitaram em transformar seus teatros em salas de sindicais que trataram de moderar o apetite dos de lançamento de filmes de Hollywood. Por
exibição de filmes ou de espetáculos por sessões, na melhor das hipóteses investidores lutando por direitos autorais, no caso exemplo: o correspondente do Times em Berlim
alternando espetáculos de variedades (que podiam incluir até números de dos dramaturgos, e por mínimas condições de relata o sucesso da apresentação do Tzar Fiódr
strip-tease) e projeções de filmes. trabalho, no caso dos atores e técnicos. e adianta que não é preciso saber russo para
Num ambiente deste tipo, surge quase que naturalmente o star system, Nosso assunto aqui tem a ver com a entender tudo o que acontece em cena. As outras
em que num primeiro momento grandes estrelas (homens ou mulheres) insatisfação de dramaturgos, atores e diretores providências práticas incluíam ampla divulgação
caem no gosto do público e se tornam chamarizes de bilheteria. Por causa quanto aos resultados de seu trabalho e com as por meio de anúncios em todo tipo de veículo e
delas os elencos se hierarquizam, atores se especializam e as próprias condições de produção. Os dramaturgos, como é sobretudo: venda antecipada de ingressos.
peças são escritas, desde logo oferecendo ao público o conhecido “mais o caso de um O’Neill no início dos anos de 1920, Mas, como estamos falando de uma
do mesmo”. As estrelas são tratadas com a máxima distinção, inclusive porque não admitiam a hipótese de ver seus textos companhia teatral da União Soviética, os
monetária – já que “valem mais” que os meros figurantes –, e em torno interpretados por companhias como as então empresários americanos acabaram contando
delas se desenvolve toda uma rede de interesses e grandes negócios existentes, e os atores e/ou diretores, porque com uma inesperada colaboração da direita para
liderada pela imprensa (jornais e publicações especializadas, que incluem tinham conhecimento das possibilidades de atuar o sucesso da empreitada. Em Washington, a
livros e revistas). de modo diferente, e que já se desenvolviam na seção da American Defense Society promove uma
As condições de trabalho, quando não chegam às raias da escravidão, Europa, principalmente na Rússia. Desde 1905, manifestação de protesto, levantando a suspeita
envolvem de péssimos salários para quem não é estrela ao aterrorizante quando o Teatro de Arte de Moscou (doravante de que o TAM poderia ser um bando de espiões
lema “o espetáculo tem que continuar”, que despreza condições físicas referido como TAM) fez sua primeira excursão por soviéticos e que estavam angariando fundos para
ou psicológicas dos empregados (atores, técnicos, funcionários), ignora Paris e Berlim, circulavam nos Estados Unidos a causa do comunismo internacional. Com o New
condições mínimas de palco (permitindo que artistas corram riscos de notícias sobre “uma nova maneira de interpretar”. York Times e o New Republic à frente, a grande
vida) e mesmo de sala – que podem ser inacreditáveis pulgueiros, para Para além de notícias regulares em jornais imprensa (cujos interesses em comum com o
não dizer coisa mais pesada –, pois põem em risco a saúde pública e americanos e ingleses, em 1911 a publicação negócio do teatro já foram apontados) partiu para
assim por diante. Arte é uma palavra que passa muito longe do negócio, do livro de Gordon Craig (Da Arte do Teatro), com a defesa da iniciativa, inclusive em editoriais, em
entusiásticos elogios a Stanislávski, estabelece nome da liberdade artística. Um dos grandes
um padrão de curiosidade sobre o trabalho do ator jornais publicou a declaração de Stanislávski
1. Artigo originalmente publicado na Estudos Avançados (v.16, n.46, set./dez. 2002), revista do Departamento que só tende a se intensificar nos anos seguintes. em Paris: “Não temos ligação com o governo
de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo. Sua republicação foi gentilmente autorizada pela autora.
Por sua vez, a Revolução de Outubro de 1917 soviético. Só estamos interessados em arte. Nós
2. Professora aposentada do Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da FFLCH/USP e autora,
entre outros, de Panorama do Rio Vermelho – Ensaios Sobre o Teatro Americano Moderno (Nankin, 2001). amplia o raio da curiosidade para o teatro russo trouxemos a nossa arte, não política” – o que, de
dossiê

fato, era verdade. Assim como esses dois, alguns outros no show business, que incorporou a seu elenco Por certo houve disputas diversas para se definir
O resultado da campanha ultrapassou as veteranos do TAM vieram para os Estados Unidos a atriz do TAM, Alla Nazimova, e se dedicou a quem seria o legítimo “herdeiro” de Stanislávski
previsões mais otimistas. O TAM estreou em Nova ao longo dos anos de 1920 e início dos anos de encenar Ibsen e Tchékhov segundo o padrão nos Estados Unidos já no século XXI; não pode
Iorque, em janeiro de 1923, com a casa lotada, 1930, onde se estabeleceram e assumiram a stanislavskiano. A segunda foi o Group Theatre, mais ser esse o móvel da curiosidade de quem
e uma temporada prevista para dois meses foi missão de transmitir o legado de Stanislávski, dos criado por profissionais do Guild Theatre (a mais vive num país como o nosso, que só acompanhou
esticada para três, com direito a novo contrato quais vale mencionar Maria e Ivan Lazariev, Leo e avançada, moderna e respeitada companhia do tudo isso muito à distância e sobretudo em seus
para novembro daquele mesmo ano e, desta Barbara Bulgákov e, finalmente, Mikhail Tchékhov, star system) que foram alunos de Boleslávski aspectos inteiramente transformados em folclore
vez, com o seguinte roteiro: nove semanas em sobrinho do dramaturgo, que passou primeiro e Uspenskaia no American Laboratory Theatre: (pelas “publicações especializadas” do próprio
Nova Iorque, três em Chicago, uma nas cidades pela Inglaterra, onde fundou um estúdio, e só Harold Clurman, Cheryl Crawford e Lee Strasberg. star system).
de Boston, Filadélfia, Washington, Pittsburgh, chegou à Nova Iorque no final dos anos de 1930. Foi também no American Laboratory Theatre que De qualquer modo, o que poderíamos chamar
Brooklin, Detroit e Cleveland; três dias em Hartford Ele foi professor do nosso conhecido Yul Brynner. Harold Clurman conheceu Stella Adler, com quem de disputa entre Lee Strasberg e Stella Adler tem
e também em New Haven. Esta temporada se Por aquilo que já ficou dito, obviamente o mais tarde se casaria (na verdade reencontrou a alguma coisa produtiva que ainda hoje pode ser
encerrou em maio de 1924. “sistema” de Stanislávski não podia funcionar no atriz que na infância vira no teatro ídiche3 de Nova de interesse para nós. Tendo entrado para o Group
A imprensa deu conta de registrar as mais star system americano e a questão do repertório Iorque). em 1930 (ele fora fundado em 1929), ela estreou
importantes unanimidades americanas a respeito (Ibsen, Górki, Tchékhov) talvez nem seja a mais O Group Theatre também merece uma história com seu irmão Luther numa peça de John Howard
dos espetáculos do TAM: a barreira linguística determinante. Mais que difícil, impossível para à parte (já existe razoável bibliografia a respeito), Lawson, dirigida por Lee Strasberg, Success
não prejudicou a fruição dos espetáculos porque um empresário teatral seria aceitar que seus mas, para o que nos interessa agora, é preciso Story. O resultado foi tão notável que a peça e
se tratava de entender e sentir o que acontecia em elencos se organizassem como ensembles para registrar que com ele pelo menos duas coisas sua atuação memorável, especialmente na cena
cena; no palco assistia-se a uma fatia de vida e ensaiar e apresentar as peças, quaisquer que ficaram demonstradas na cena americana. A final, se tornaram cult (para usar o nosso jargão
não a uma peça de teatro; os atores vivem seus fossem. Primeiro, pelo tempo necessário aos primeira é obviamente a viabilidade, o interesse recente). Sobretudo atores se empenhavam em
papéis, não os interpretam; e, independentemente ensaios (enquanto pelo padrão Broadway uma e a superioridade do trabalho teatral realizado por vê-la e consta que John Barrymore ia ao teatro
de haver hierarquização das personagens, todos peça podia no máximo consumir quatro semanas um ensemble. E a segunda foi a consolidação da para estudar seu trabalho. Noel Coward teria visto
os atores têm igual importância na realização do em ensaios, pelo padrão Stanislávski podia dramaturgia séria americana, fenômeno que só a peça por sete vezes!
espetáculo, o que resulta do trabalho conjunto requerer mais de quatro meses) e, em segundo aconteceu no século XX e teve como pioneiros na
(ensemble), coisa jamais vista nos Estados Unidos. lugar, pela democratização do trabalho conjunto, primeira década do século Elmer Rice e Eugene

CEDIDA PELA AUTORA


Como não podia deixar de ser, os maiores que implicava necessariamente a supressão O’Neill.
interessados em ver os espetáculos do TAM eram das estrelas (as “galinhas dos ovos de ouro” do O capítulo seguinte desta história tem como
os próprios atores das inúmeras companhias. Por sistema). protagonista Lee Strasberg, o primeiro diretor do
meio da Actors Equity (uma organização sindical) Essa é a razão, por assim dizer, endógena Group Theatre e que passou a ser conhecido como o
obtiveram para a classe a realização de sessões (ao ambiente teatral) por que, desde o início, responsável pelos desenvolvimentos propriamente
especiais que sempre tiveram lotação esgotada. Stanislávski foi um assunto e um interesse da americanos da teoria stanislavskiana, sobretudo
John Barrymore (da dinastia dos Drew), um dos esquerda americana, ainda que sua introdução nos anos de 1940, quando se tornou o maior
maiores atores do star system, declarou que no país tenha sido uma operação estritamente mestre de atores no Actors Studio e “senhor”
aqueles espetáculos foram a melhor coisa que se de mercado. A outra razão do interesse por este do “Método”. Sua fama já vinha de algumas das
viu na vida em matéria de teatro. mestre do teatro está ligada a seu vínculo natural experiências no Group e, descontando ao menos
Uma das atrizes do elenco, Maria Uspenskaia, com os problemas sociais e políticos do país, em parte a mitologia criada em torno de sua figura,
resolveu permanecer nos Estados Unidos e, que também se traduzem em textos teatrais e se vale a pena reconstituir em linhas gerais o tema
junto com Richard Boleslávski, veterano do TAM traduziram em experimentos e iniciativas que se básico da “questão do método” que nos anos de
que se encontrava no país, acabaram sendo contrapunham ao star system. 1950 envolveu a quase totalidade da classe teatral
contratados para dar aulas de interpretação num O próprio American Laboratory Theatre é – e, a esta altura, a cinematográfica também.
empreendimento (igualmente business) que se um exemplo disso, e na mesma conjuntura
chamou “American Laboratory Theatre”, iniciado apareceram duas iniciativas complementares ou 3. Ídiche é uma língua adotada por judeus, particularmente na Europa
já no ano de 1924. Na verdade, Boleslávski cuidava mesmo vinculadas a ele. A primeira foi a criação Central e na Europa Oriental, no segundo milênio. Trazido para a América
por imigrantes da Alemanha e da Europa Oriental, o teatro ídiche brilhou
da teoria que expunha em palestras e Uspenskaia do Civic Repertory Theatre em 1926 por Eva Le durante anos nos palcos de Nova Iorque, ajudando os judeus a manterem
viva a lembrança de sua terra natal, mas não conseguiu sobreviver ao Stella e L. Adler em Success Story’s, de J. H. Lawson.
cuidava da prática em suas aulas. Gallienne, proveniente de família com tradição nazismo.

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dossiê

O problema apareceu em seguida, quando a permitiu aos adeptos de Stanislávski implantarem desqualificação do “método”. Esta é uma história suas palavras, ainda são tão mal lidos, mal
atriz se sentiu tolhida pelo método de trabalho no país uma cultura teatral infinitamente que ainda não foi devidamente examinada nem compreendidos e mal encenados no teatro
de Strasberg que, àquela altura, era centrado mais exigente em termos artísticos do que o pelos próprios estudiosos do teatro americano americano. Se ela estiver certa, a contra-revolução
na exploração da Memória Afetiva do ator. A establishment jamais fora capaz de produzir. As moderno, mas existem vários registros das promovida pelo establishment foi vitoriosa em
atriz afastou-se do grupo, viajou à Europa e em condições materiais foram criadas pelo crack da tentativas, por parte de seus adeptos, de ao todas as frentes. E a principal indicação de que
Paris conheceu ninguém menos que o próprio Bolsa em 1929, que fez o dinheiro das produções menos colocar a discussão nos seus devidos sim é o sucesso que faz em um teatro paulista
Stanislávski. Em uma longa conversa com ele, da Broadway virar pó e levou os “grandes termos. Os livros de Lee Strasberg (Um Sonho a produção “nacional” de A Bela e a Fera: teatro
concluiu que o seu problema não era com o produtores” a baterem em retirada. Mas com os de Paixão) e Robert Lewis (Método ou Loucura), infantil para adultos!
sistema do mestre russo, mas sim com a maneira ganhos da Segunda Guerra, eles se realinharam ambos publicados no Brasil, são importantes Não vemos, entretanto, paradoxo nenhum
como Strasberg o desenvolvera. Voltando ao e rapidamente retomaram os seus lugares e, capítulos dessa verdadeira guerra travada na cena no fato de que ainda hoje, apesar da contra-
Group, começou a dar aulas também, tratando sobretudo, o controle ideológico do debate sobre americana, sobretudo a partir dos anos de 1950. revolução, os mais relevantes atores do cinema
de dar ênfase a aspectos com que Strasberg não o teatro. Mais recentemente, editoras brasileiras parecem americano, a cujo trabalho temos acesso, tenham
trabalhava, sobretudo o papel da imaginação do Assim, ao mesmo tempo em que grandes ter descoberto também a contribuição de Stella sido todos aprendizes dos discípulos americanos
ator em seu trabalho. E, liberta das amarras da acontecimentos teatrais, amplos sucessos Adler, mas estamos muito longe de dispor de um de Stanislávski. Para ficar em poucos exemplos:
“memória afetiva”, voltou a encontrar prazer em de público e bilheteria, eram promovidos pela quadro mínimo do que se precisa saber em língua Anne Bancroft, Al Pacino, Geraldine Page, Harvey
atuar, criando em 1935 uma Bessie (personagem esquerda, como a revelação de Tennessee Williams portuguesa. Keitel, Dustin Hoffman...
de Awake and Sing, de Clifford Odets, dirigida por em 1947 com Um Bonde Chamado Desejo e a de Basicamente, Lewis e Strasberg nos ajudam
Harold Clurman) que também ficou na história. Marlon Brando como um dos maiores atores a entender a preocupação central de Stanislávski Referências Bibliográficas
O Actors Studio foi fundado em 1947 por Cheryl de sua geração, ou a de Arthur Miller em 1949 com a formação exigente do ator. Stella Adler, ADLER, Stella. Ibsen, Strindberg e Tchékhov.
Crawford, Elia Kazan e Robert Lewis. Estes dois com A Morte de um Caixeiro Viajante, eles iam além disso, tem a preocupação, que também Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. ADLER,
começaram como estudantes do Group Theatre, sendo neutralizados pelo establishment com o era de Stanislávski, com o estudo dos principais Stella. Técnica da Representação Teatral. Rio
mas Bobby Lewis já fizera parte do elenco do Civic crescente processo de discussão e, finalmente, a dramaturgos do final do século XIX que, em de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
Repertory Theatre (como, aliás, inúmeros outros CLURMAN, Harold. The Fervent Years. Nova
membros da primeira turma do Group). Com a Iorque: Harcourt, 1975.

CEDIDA PELA AUTORA

CEDIDA PELA AUTORA


saída deste em 1948, Lee Strasberg foi convidado EDWARDS, Christine. The Stanislavski
a participar do empreendimento e ali encontrou Heritage. Nova Iorque: New York University Press,
finalmente o lugar onde levaria suas ideias sobre 1965.
formação do ator às últimas consequências. A FERGUSSON, Francis. The Idea of a Theater.
partir de 1951 tornou-se o diretor artístico do Princeton: Princeton University Press, 1972.
Studio. Quanto Stella Adler, com o encerramento FLANAGAN, Hallie. Schifting Scenes. Nova
em 1939 das atividades do Group, passou a Iorque: Arno Press, 1979.
lecionar na Erwin Piscator’s Dramatic Workshop GUINSBURG, J. Stanislavski, Meierhold & Cia.
da New School for Social Research. Mais tarde, São Paulo: Perspectiva, 2001. HETHMON, Robert
em 1949, cria o Stella Adler Acting Studio e, desde H. El Método del Actors Studio. Caracas:
então, nunca mais parou de dar aulas. (Para quem Fundamentos, 1981.
gosta de histórias fechadas, Strasberg morreu em KAZAN, Elia. A Life. Nova Iorque: Knopf, 1988.
1982 e Stella Adler em 1992.) LEWIS, Robert. Método ou Loucura. Rio de
Com essas informações, estão identificados os Janeiro: Tempo Brasileiro, 1982.
principais representantes americanos da Escola SMITH, Wendy. Real Life Drama – The Group
de Stanislávski nos Estados Unidos. O detalhe Theatre and America, 1931-1940. Nova Iorque:
importante é que ambos são provenientes da vida Grove Weidenfeld, 1990.
cultural judaica em Nova Iorque. STRASBERG, Lee. Um Sonho de Paixão. Rio de
Nos anos de 1930, a cultura relevante nos Janeiro: Civilização Brasileira, 1990.
Estados Unidos era de esquerda e isso aparecia de Marlon Brando e Jessica Tandy em Um Bonde Chamado CHEKHOV, Michael. Para o Ator. São Paulo:
modo mais claro no teatro. Foi esta situação que Eva Le Galliene (abaixada) em peça de S. Glaspell de 1930. Desejo, de Tennessee Williams, em 1947. Martins Fontes, 1986.

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dossiê

Um arsenal de erros: Stanislávski nos


Estudos Unidos 1

POR MATHEUS COSMO2 encontre-se sucintamente descrito a seguir. de um matiz semelhante a uma espécie de contudo, não parece motivo suficientemente
Tornou-se eficaz e institucionalizado registro ou recorte pessoal de algum episódio consistente para uma difícil aproximação entre
Escrever sobre Stanislávski hoje parece um reconhecer que a abertura oficial do Primeiro específico do início do século, em especial os distintas práticas. Definitivamente em nada
desafio difícil de transpor. De um lado, reside Estúdio do Teatro de Arte de Moscou, em 1912, acontecimentos concernentes à Primeira Guerra preocupado com a possibilidade de seguir
a necessidade inegociável de reavaliar suas fora o resultado e a concretização de um desejo, Mundial e à Revolução Russa, aos quais se minuciosamente os apontamentos levantados
contribuições e pesquisas artísticas; de outro, próprio de Stanislávski e de Sulerjítski, seu dedica por completo o livro Way of the Lancer3, por por Stanislávski, Boley será o responsável pela
a ineficaz contribuição a um atravancado grande amigo e confidente. A este, ao que tudo exemplo, em suas linhas Boleslávski recria, com instauração de uma ruptura, a ser trabalhada e
produtivismo carente de relevância. Entre os dois indica, fora confiada a organização de tal estúdio, alguma vitalidade, singelos episódios e situações, explicitada a seguir, cujo cerne já se encontra em
polos, a fim de que um debate se instaure em partindo do reconhecimento de que um trabalho guiando o leitor com seu olhar aguçado aos seu trabalho dentro daquele Primeiro Estúdio,
diversos círculos e circuitos teóricos, este texto laboratorial não poderia ser feito seguindo a fatos, mas avisando, numa ironia que toma de a começar na direção da primeira de suas
almeja um pequeno espaço de interlocução que dinâmica de ensaios estabelecida pelo TAM, já súbito qualquer interlocutor, que sua obra não produções artísticas, conhecida como O Naufrágio
não se dá propriamente com aquele importante bastante preocupado com suas apresentações, é similar nem se aproxima àquela de um Edgar do Esperança, de Herman Heijermans, que estreou
diretor russo, considerado como um dos grandes orçamentos e todos os demais impasses Allan Poe. O caminho percorrido por seus relatos em 15 de janeiro de 19135. Este trabalho de que
mestres e pedagogos do século XX, mas com inerentes a um grande empreendimento. Todavia, é atravessado pelos impactos das experiências aqui se fala, apesar de arrancar de Dântchenko
terceiros, com aqueles que falaram em seu nome esse mesmo fato parece ter sido vivenciado e vividas, numa fiel tentativa de reproduzir os um grande suspiro de alívio e uma vigorosa
em território americano. registrado de maneira centralmente distinta por choques e contornos de cada episódio e vivência, sensação de orgulho, vendo, nos intérpretes do
De imediato, é preciso lembrar que, ao um dos atores egressos do próprio Teatro de Arte como se fossem narrados e descritos pela câmera Primeiro Estúdio, o desenvolvimento da primeira
lado de toda versão histórica, subsumida de Moscou – ator que também foi figura central de um filme que trabalha sempre em câmera geração de atores e diretores do TAM, não
entre a afirmação e o reconhecimento de sua no desenvolvimento do Primeiro Estúdio e no lenta. Todavia, para além do reconhecimento pareceu ter cativado Sulerjítski nem Stanislávski,
legitimidade, reside uma série de episódios e processo de disseminação das ideias do próprio da própria habilidade (ou da falta mesma de que consideraram o trabalho histérico, de um
acontecimentos sumariamente desconhecidos Stanislávski em território americano. Este ator de habilidade) enquanto escritor, a leitura de seus psicologismo excessivamente aprofundado –
e, em grande parte dos casos, extremamente que aqui se fala chama-se Richard Boleslávski. escritos revela ao leitor, dentre outras coisas, além do próprio Stanislávski ressaltar, ainda em
silenciados, reflexo imediato de uma disputa De origem polonesa, nascido em 04 de fevereiro que esse mesmo polonês de que aqui se fala fora 1913, mas depois de assistir a um ensaio da
de poder. Estando a história mesma concebida de 1889, Boley, nome por meio do qual era admitido naquele bom e velho TAM já em 1907, em segunda das produções do Primeiro Estúdio (no
nesses termos, imersa numa incessante batalha chamado entre seus amigos, é autor de três obras seus plenos dezoito anos de idade. E foi em 1909, caso, A Festa da Paz, de Hauptmann), dirigida por
discursiva, a tarefa de um historiador não seria bastante peculiares: Acting: The First Six Lessons ao interpretar o jovem tutor Beliáiev, personagem Vakhtângov, que Boleslávski era não um diretor de
a de reiterar a versão dominante dos fatos, mas (1933), traduzida por J. Guinsburg e publicada de uma considerável peça de Tolstoi, intitulada atores, mas um diretor de cena. Talvez para alguns
a de perceber todos os antagonismos e borrões, pela Editora Perspectiva, com o título A Arte do Um Mês no Campo, que sua imagem enquanto já esteja aqui completamente posto o elemento de
sempre relegados a um segundo plano, ainda Ator: As Primeiras Seis Lições (2012); Way of the ator começou a tornar-se conhecida4. Tal razão, ruptura entre o trabalho desenvolvido por ambos
que em tudo latentes. Dessa maneira, dentre Lancer (1932); e Lances Down: Between the Fires os diretores. Todavia, é provável que alguns
outras possibilidades, a tarefa principal de um in Moscow (1932) – estando as duas últimas ainda 3. Vale ressaltar que, sendo polonês e estando na Rússia, Boleslávski foi
motivos sejam maiores do que se pensa:
historiador seria, nos termos de Walter Benjamin, completamente desconhecidas em território parte do grupo de lanceiros russos da Primeira Guerra Mundial, lutando,
inclusive, contra as forças de seu país de origem: “I am a Pole, and I had
a de escovar a história a contrapelo. Talvez um nacional. joined Russian army as a volunteer. The Grand Duke Nicholas had put
out a manifesto promising freedom to Poland if the Allies won. Polish
pequeno exemplo do que acaba de ser anunciado No que diz respeito à última das obras patriotism told me to go and fight. The Central Powers had done the same
5. “Aleksei Díky relata que os ensaios de O Naufrágio da Esperança tomaram
mencionadas, mesmo um leitor pouco atento thing. They too had promised freedom to Poland, and many Poles were in
seis meses. Eram realizados nos períodos de folga do dia, incluindo os
their ranks. Poles fought against Poles, yet all of them were moved by the
não consegue deixar passar sob o rótulo da same patriotism and the same ideals” (BOLESLAVSKY, Richard. Way of the horários de descanso e do sono. Afirma que, no entanto, cada ensaio agia
1. Este texto é a exposição de alguns dos resultados de uma pesquisa Lancer. New York: The Literary Guild, 1932, p.12). como um refrescante do espírito. A encenação estava sob responsabilidade
desenvolvida entre os anos de 2014 e 2015, com o apoio da Fundação
insignificância duas importantes referências de Boleslávski. Stanislávski só intervinha quando o processo chegava
a momentos de impasse. Ele manteve-se voluntariamente afastado do
de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e a sempre históricas apontadas no título dos capítulos 4. “The opening of A Month in the Country was my first young triumph. processo porque não queria interferir na autonomia de Boleslávski e do
atenciosa orientação da Profª. Drª. Maria Sílvia Betti, do Departamento de
Letras Modernas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da quatro e cinco: “The Moscow Art Theater” e But it was also our triumph. All of us sat till dawn in a café and drank, Estúdio” (SCANDOLARA, Camilo. Os Estúdios do Teatro de Arte de
Universidade de São Paulo (FFLCH/USP), a quem muito agradeço. proudly. Boris, next to me, spoke slowly, ‘Yes... that was fair. The problem Moscou e a Formação da Pedagogia Teatral no Século XX. Campinas,
“Our Studio”, respectivamente. Com um tom is, will you be able to do the next part better?’” (BOLESLAVSKY, Richard. 2006. 227f. Dissertação de Mestrado em Artes. Instituto de Artes,
2. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Lances Down: Between the Fires in Moscow. Indianapolis: The Bobbs Universidade Estadual de Campinas, p.59).
Universidade de São Paulo.
bastante confessional, vestindo cada capítulo Merrill Company, 1932, p.59).

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“Nós queremos nos libertar do Teatro. um alto índice de insatisfação frente ao trabalho a “Nova Política Econômica”, que permitiu conhecia. Sua declaração, altamente estratégica,
Nós precisamos de mais liberdade. Nosso que desenvolviam e, especialmente, frente aos um livre empreendimento limitado para ensejava um distanciamento entre os eixos
Estúdio deve escolher nossas próprias comandantes da empreitada, aqui representados facilitar a reconstrução da então economia de sua produção artística e o cenário de lutas
peças, e produzi-las da nossa maneira... na figura de Dântchenko e, principalmente, comunista, devastada pela revolução e pela políticas de seu tempo, campo em acirrada
Por que nós devemos sempre nos ater Stanislávski – aqueles que já haviam sido guerra civil. Com essas duas decisões, disputa no início daquele século. Por sua vez, a
ao realismo? Para ser a cauda da pipa de revolucionários um dia, mas que hoje se tornaram o comércio entre os Estados Unidos e a bem-sucedida instauração dessa distância foi a
alguém? O Teatro com sua autoridade está apenas velhos, apesar de gentis; incapazes de União Soviética começou a sério. A União grande responsável pelo sucesso da temporada
nos sufocando. Eles não reconhecem os entender e reconhecer as mudanças anunciadas Soviética comprou 24.000 tratores da Ford; nos Estados Unidos, contando inclusive com
movimentos modernos na Arte...” pelos movimentos artísticos do início do século Armand Hammer serviu como agente para o aumento do número de apresentações e de
Volodia, como sempre, não pôde resistir XX. A perspicácia revolucionária do realismo, mais de trinta empresas norte-americanas cidades contempladas.
a uma brincadeira: “E mesmo a comida inteiramente defendida por Lukács ao longo de de comércio na URSS; a Administração de Neste ponto, é extremamente pertinente
que nós temos é aquilo que sobrou. Nada sua obra, aparentemente deixou de ter validade Recuperação Nacional alimentou mais de retornar à figura de Boleslávski. Depois de ser
além de arenques – manhã, tarde e noite – em contexto efetivamente... revolucionário. A onze milhões de russos famintos de 35.000 um fiel lanceiro ao longo da Primeira Guerra
arenques! Por que não podemos gerenciar potência realista havia se desvencilhado de seus estações. A União Soviética enviou peles, Mundial, ao lado da conhecida Tríplice Entente, e
nossa própria cooperativa? embates estruturais para afirmar-se como recurso madeira, pedras preciosas e arte para os de presenciar a Revolução de Outubro de 1917,
Mesmo a tolerante Sima levantou a voz. composicional, responsável inclusive por turnês Estados Unidos. A turnê do Teatro de Arte Boley acaba por sair da zona de poder soviético.
“Eles estão velhos – gentis, mas velhos”. ao território americano, dessa vez encomendadas de Moscou representou, sem dúvida, o Em 1919, já terminada a Primeira Grande Guerra,
Marutchka, minúscula e explosiva, foi por um empresário de Boston chamado Morris melhor no comércio cultural7. retorna momentaneamente ao Teatro de Arte de
a mais alta de todos. Como um pequeno Gest. Ainda que a chegada do TAM em território Moscou e, ainda no mesmo ano, viaja para Polônia.
pardal, ela saltou ao redor de mim. “Na americano tenha levantado suspeitas e protestos, Onze anos antes da Revolução Russa, o TAM Retomando a iniciada carreira de diretor e, agora,
época deles, eles foram revolucionários – como se os atores fossem defensores de um já havia realizado uma série de apresentações de pedagogo, estima-se que tenha passado por
por não deveríamos nós ser? Escravidão perigo comunista, essa incrível ameaça a países por toda a Europa. Os espetáculos que, por ora, Varsóvia e Praga, onde montou sua versão do
artística! Nós queremos ser independentes! inteiramente atrasados em seu raciocínio e trazia em sua mala (Tzar Fyodor, de Tolstoi; Ralé, famoso Hamlet, de Shakespeare, que em seguida
Nós queremos nos libertar.” exercício de cidadania, o aperto de mãos entre o de Górki; e algumas das peças de Tchékhov, viajou para Berlim. Na capital da Alemanha,
Então era isso. O Estúdio, filho do Teatro então presidente Calvin Coolidge e Stanislávski, como As Três Irmãs, Tio Vânia e O Jardim das presume-se que tenha permanecido por um tempo
de Arte de Moscou, estava se rebelando para além da conciliação entre possíveis Cerejeiras8), nas palavras de Stanislávski, eram e chegado, inclusive, a encenar novas peças,
contra seu pai. Eu estava atordoado6. conflitos ideológicos, representava a completa exatamente aqueles que haviam sido solicitados: além de ter atuado no filme Die Gezeichneten,
ambivalência política no relacionamento entre a América deseja conhecer aquilo que a Europa já do cineasta dinamarquês Carl Theodor Dreyer,
De fato, não é preciso muito esforço para verificar, Rússia e Estados Unidos, o encontro pacífico lançado em 07 de fevereiro de 1922 na Dinamarca,
nas falas dos então atores do Primeiro Estúdio, entre ideologias conflitantes, por ora afirmadas e no dia 23, na Alemanha. Entretanto, foi apenas
como a mesma. Em suma, o sucesso do Teatro 7. “In July 1920, the US lifted a trade embargo against the still unrecognized na França, enquanto produzia suas Revue
government. In 1921, Lenin created the “New Economic Policy” (NEP)
de Arte não se deve ser buscado apenas nas which allowed limited free enterprise to facilitate reconstruction of the Russe, uma espécie de teatro de cabaré, que a
6. “We want to break away from the Theater. We need more freedom. Our
Studio ought to choose our own plays, and produce them in our own way...
figurações estabelecidas em seus espetáculos, now communist economy, ravaged by revolution and civil war. With these personagem principal desta história recebeu um
two decisions, trade between the US and the USSR began in earnest. The
Why must we always stick to realism? To be the tail to anybody’s kite? mas especialmente na mentalidade que se Soviet Union bought 24.000 tractors from Ford; Armand Hammer served convite, já em meados de setembro de 1922, para
The Theater with its authority is choking us. They don’t recognize modern as agent for over thirty US companies trading in the USSR; the American
movements in Art...” esboçava nos trâmites de toda aquela empreitada Relief Administration fed over eleven million starving Russians from 35.000 também apresentar suas então famosas obras em
Volodia, as usual, could not resist a joke. “And even the food we get is
what’s left over. Nothing but herrings – morning, noon and night – herrings!
socialmente comerciável, da qual a prática cênica stations. The Soviet Union shipped furs, lumber, precious stones, and Manhattan e Filadélfia, desembarcando em Nova
the arts to United States. The Moscow Art Theatre tours unquestionably
Why can’t we manage our own cooperative?” bem soube usufruir e se deixar contaminar: represented the best in cultural trade” (CARNICKE, Sharon. Stanislavsky Iorque em outubro daquele mesmo ano. Decerto,
Even tolerant Sima raised her voice. “They are old – kind but old.” in Focus. London: Harwood Academic, 1998, p.13).
Marutchka, tiny and exploding, was the loudest of all. Like a little sparrow, a presença de Boleslávski nos EUA mostrar-se-ia
she jumped around me. “In their day they were revolutionists – why 8. “Tinham trazido para Nova Iorque suas maiores realizações, entre as
shouldn’t we be? Artistic slavery! We want to be independent! We want to
Em julho de 1920, os EUA levantaram quais todas as peças de Tchékhov, com a exceção de A Gaivota (que, por
como algo extremamente estratégico para o velho
break away.” um embargo comercial contra um governo motivos que não fui capaz de descobrir, não tinham mantido no repertório)” Stanislávski:
So that was it! The Studio, child of the Moscow Art Theater, was rebelling (STRASBERG, Lee. Um Sonho de Paixão: O Desenvolvimento do Método.
against its parent. I was stunned (BOLESLAVSKY, Richard, op. cit., p.62-63). ainda não reconhecido. Em 1921, Lênin criou Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1990, p.61).

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No pensamento de Stanislávski, a Poucos dias após as primeiras apresentações poucos meses depois, em 14 de novembro. Do contato e do trabalho prático desenvolvido
presença de Boley em Nova Iorque poderia do TAM nos Estados Unidos, o empresário Desde o início, o Laboratory Theatre, que, dois com variados atores americanos, contando com a
ser vantajosa. Seu domínio do inglês e Morris Gest, responsável pela vinda do grupo ao anos depois, teve um pequeno acréscimo em essencial colaboração de Maria Uspenskaia, atriz
seus conhecimentos num ambiente de território americano, se associou a Boleslávski seu nome, tornando-se o American Laboratory também egressa do Teatro de Arte de Moscou,
Novo Mundo poderiam nivelar prováveis e o encarregou de ministrar algumas palestras, Theatre, buscava um trabalho interpretativo que, nasceram dois textos centrais para o entendimento
desentendimentos entre os frequentadores a fim de difundir grande parte das ideias assim como aquele praticado no Teatro de Arte de das propostas de Boleslávski: Fundamentals of
do TAM e os do desconhecido ambiente. norteadoras da presente prática artística, bem Moscou, apostasse na coletividade, no team work, Acting, de fevereiro de 1927, e seu livro Acting: The
Boley poderia divulgar e possivelmente como das contribuições gerais de Stanislávski conforme o chamava Boleslávski11. Todavia, as First Six Lessons, publicado pela primeira vez em
explicar sua fastidiosa abordagem coletiva ao teatro moderno. Eis, aqui, o núcleo de todo o condições de trabalho oferecidas aos atores não 1933 – ambos extremamente voltados à atuação,
sobre os clássicos russos. Os espectadores paradoxo historicamente elaborado: aquele que eram as melhores possíveis – sem falar, ainda, na como se nota já em seus respectivos títulos. Nas
americanos, famosos por sua ingenuidade havia declarado liberdade frente às ideias resistência apresentada pelos próprios intérpretes enumeradas seis lições enunciadas por Boley,
cultural ainda sem rival em sua sede de de Stanislávski seria agora responsável pela frente ao trabalho desenvolvido: é possível encontrar: Atenção, Ação, Ritmo,
novidade, deveriam se deixar levar pelo disseminação de suas propostas – as mesmas Caracterização, Observação e a tão famosa e
sedutor encanto de Boley. Além disso, o que, no início do século, já eram vistas e Pouco depois da fundação do LAB problemática Memória Emocional. Sobre essa,
talentoso emigrante possuía uma estranha consideradas como velhas e incapazes de (1923), os atores se rebelaram contra cabe ressaltar que, embora, na perspectiva de
habilidade para coreografar cenas de perceber os verdadeiros impactos da recente os administradores, exigindo que eles Boleslávski, ela se encontre em parte apoiada em
multidão dolorosamente complicadas e arte moderna. Além das palestras e leituras fossem envolvidos nas “coletivas” decisões materiais advindos dos sonhos e na valorização
poderia servir como ator substituto para os já mencionadas, iniciadas em 18 de janeiro de artísticas, se eram realmente parte de de instrumentos inconscientes, cuja base
papéis tradicionais do TAM. Era o momento 1923, Boleslávski também ficaria responsável um teatro “coletivo”. Eles não obtiveram verifica-se fixada em ideias originalmente ligadas
de uma resolução pacífica e uma reunião por trabalhar com um pequeno grupo de dez nada satisfatório. Além disso, o ambiente principalmente à psicanálise, cujos estudos
entre o venerado diretor artístico e seu atores da Broadway, sob tutela de Stanislávski, a comercial de Nova Iorque fez pouco para representaram uma grande virada no início
peripatético ex-aluno9. fim de encenar algum clássico russo. Segundo nutrir os ideais artísticos russos. Durante do século XX, e ao psicólogo francês Théodule
Mel Gordon: “Isso provaria que as técnicas seus sete anos de existência, o American Ribot, fundamental também para os estudos de
Por meio de uma carta, Stanislávski convidaria de atuação do TAM não eram meramente um Laboratory Theatre lutou contra a ruína Stanislávski, seu direcionamento é sempre para as
Boleslávski a trabalhar como assistente de empreendimento provincial, mas possuíam uma financeira. Atores eram convidados a vias da ação. Seguindo o conselho fornecido pelo
direção e como ator, durante toda a jornada do aplicação universal. Curiosamente, nada concreto pagar montantes semanais para manter próprio autor: “Não queira ‘ser’ quando deveria
TAM nos Estados Unidos – inclusive alternando ou imediato resultou da audaciosa proclamação a solvência. Muitos eram simplesmente procurar ‘fazer’” (BOLESLAVSKI, 2012, p.48).
com ele próprio o papel de Satin, na peça Ralé, de de Boleslávski10.” incapazes de fazê-lo12. Todavia, pode-se afirmar, sem grandes ressalvas,
Máximo Górki. Nessas condições, não há dúvida Entretanto, foram essas atividades práticas que nem todos seus estudantes entenderam tão
de que um vínculo discreto havia sido formado – no Princess Theatre que levaram Miriam Kimball importante lição.
ou simplesmente reatado. Stockton, então casada com Herbert Stockton, 11. A relação estabelecida com o Teatro de Arte de Moscou, no imaginário
O emblemático Lee Strasberg frequentou as
um renomado advogado de Nova Iorque, a dos atores americanos, encontra-se explicitada por Strasberg no trecho a aulas de Boleslávski no American Laboratory
seguir, retirado de seu livro: “Infelizmente esqueci-me do nome desse aluno,
providenciar, já em 29 de junho de 1923, uma mas foi ele quem me contou que dois atores do Teatro de Arte de Moscou, Theater por apenas seis meses13. Anos depois,
Richard Boleslávski e Maria Uspenskaia, tinham resolvido permanecer
9. “In Stanislavsky’s thinking, Boley’s presence in New York might be semana depois do Teatro de Arte de Moscou nos Estados Unidos e organizar uma escola chamada Laboratory Theatre.
em 1931, o mesmo ano em que Maria Uspenskaia
advantageous. His mastery of English and expertise in New World
surroundings might offset probable misunderstandings between the
deixar Nova Iorque, todos os papéis necessários Presumia-se que pretendiam criar um teatro na América, baseado nas
técnicas de representação praticadas pelo Teatro de Arte de Moscou”
MAT regulars and the unfamiliar environment. Boley could publicize para que o, assim concebido, Laboratory Theatre (STRASBERG, Lee, op. cit., p.64).
and possibly explain their fastidious ensemble approach to the Russian
classics. American spectators, famed for their cultural naïvety yet pudesse existir legalmente – abrindo suas portas 12. “Shortly after the founding of the Lab (1923), the actors rebelled against 13. “Lee Strasberg remained in the Lab classes only long enough to absorb
unrivaled in their thirst for novelty, might fall under Boley’s seductive spell. the trustees, demanding that actors be involved in “collective” artistic Stanislavsky’s basic principles as laid out by Ouspenskaya. Boleslavsky
Additionally, the talented émigré had the uncanny ability to choreograph decisions if they were indeed part of a “collective” theatre. They received no himself had stated that Americans must find an American way of using
achingly complicated crowd scenes and understudy for any number of the satisfaction. In addition, the commercial environment of New York did little these techniques, and Strasberg took that to the heart, preferring to
traditional MAT parts. It was time for a peaceful resolution and reunion 10. “This would prove that the MAT’s acting techniques were not merely to nourish Russian artistic ideals. For all seven years of its existence, the experiment on his own. This was consistent with his lifelong pattern of
between the venerated artistic director and his peripatetic former pupil” a provincial enterprise but had universal application. Curiously, nothing American Laboratory Theatre struggled against financial ruin. Actors were learning – he had dropped out of school early and educated himself through
(GORDON, Mel. Stanislavsky in America: An Actor’s Workbook. New concrete or immediate resulted from Boley’s audacious proclamation” asked to pay weekly sums to maintain solvency. Many were simply unable the passionate pursuit of reading” (BARTOW, Arthur (ed.). Training of the
York: Routledge, 2010, p.19). (Ibidem, p.20). to do so” (CARNICKE, Sharon, op. cit., p.37-38). American Actor. New York: Theatre Communications Group, 2006, p.XXII).

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fundaria seu próprio Estúdio, chamado Maria 2012, p.188). Por sua vez, foi tal impossibilidade considerar que a pretensão de Strasberg de, em Memória efetivamente Emocional: no final das
Ouspenskaya’s School of Dramatic Arts, e um ano de comunicação e entendimento que se mostrou alguma instância, propagar muitas ideias do contas, as ações seriam apenas decorrências
após o fechamento oficial do American Laboratory como uma das grandes responsáveis pela decisão russo junto aos seus atores, nos Estados Unidos, naturais da potência das emoções. Em seus
Theatre, seria a vez de Lee Strasberg, junto a de Adler de fundar seu próprio estúdio de atuação, foi a responsável pela criação de numerosos mal- audaciosos comentários, Strasberg (1990, p.87)
Harold Clurman e Cheryl Crawford, fundar o Group bem como fez Strasberg, anos mais tarde, dando entendidos históricos que parecem encontrar-se chega inclusive a enfatizar que: “Stanislávski
Theatre, que buscava, sem grandes ressalvas origem ao Stella Adler Studio of Acting (1949) e disseminados até a atualidade – e, em alguns foi o grande pioneiro no desenvolvimento de
e imerso em contradições, disseminar em solo ao The Lee Strasberg Theatre & Film Institute casos, com a culpa e causa dos problemas sendo um sistema para o ator. Mas, como vimos, seu
norte-americano o já reconhecido sistema de (1969), respectivamente. Ambas as instituições atribuída a Boleslávski. trabalho não avançou muito na resolução do
Stanislávski – em particular, as bases do trabalho encontram-se em funcionamento até hoje15. Todavia, as relações e vínculos estabelecidos problema da expressividade”. Para o autor, essa
e da preparação do ator, segundo todas as lições Não é difícil perceber a importância que as no decorrer da história, para além de significarem tarefa foi exatamente aquela que ficou para o aluno
do russo. propostas elaboradas por Stanislávski tiveram e ilustrarem prováveis fontes de mal-entendidos, Vakhtângov e o seguidor Richard Boleslávski.
Foi no Group Theatre que se deram os primeiros nas especificidades do solo americano. Todavia, são também o reflexo das declarações dadas pelo De fato, não deve ser difícil imaginar o imenso
embates entre Lee Strasberg e Stella Adler, outra enquanto Stella Adler assumia ter trabalhado com próprio autor. Logo na abertura de seu livro, por desconforto sentido por alguns atores diante
importante figura para o entendimento das o russo e desenvolvido uma forma de trabalho exemplo, ao resumir sucintamente o objetivo de das proposições de Strasberg. A necessidade
práticas teatrais americanas do início do século. própria, a partir de outros elementos que, para sua obra, Strasberg (1990, p.24) informa o leitor de retornar a episódios que, por vezes, já foram
Após trabalhar com Stanislávski, em 1934, durante ela, eram fundamentais, Strasberg (1990, p.155) que seu método de trabalho, “na realidade, é uma recalcados, algo essencial em seu trabalho, revela-
algumas semanas, a reação de Adler contra as mostrava-se mais audacioso ao afirmar que “todos continuação e uma adição ao sistema utilizado se extremamente torturante para bons intérpretes,
propostas de Strasberg foi extremamente vigorosa, os aspectos desses exercícios [que ele descreve por Stanislávski na Rússia”. Não há razão para se uma vez que, além de propor um problemático
principalmente no que dizia respeito à ênfase em determinada parte de seu livro] – Relaxamento, culpar as aproximações, feitas por parte da crítica contato com experiências marcantes, faz-se
desenfreada em aspectos da Memória Emocional, Concentração, Memória Sensorial, Memória e constituintes de um imaginário comum, entre necessário ignorar por completo as circunstâncias
base do trabalho desenvolvido por Lee, que tornava Emocional – foram definidos por Stanislávski”. as figuras de Stanislávski e Strasberg: ora, este e situações estabelecidas pelo próprio jogo cênico,
cada vez mais dolorosa a atuação de Adler – fato É possível concordar com Lee e dizer que seu dado foi fornecido pelo próprio autor! Revela-se executado junto aos demais atores – algo que pode
que a levou a empregar a ênfase de seu trabalho trabalho junto aos atores do Group Theatre e, mais nítida, aqui, toda a pretensão técnica daquele colocar em questão o próprio estatuto do teatro
em aspectos da Ação e Imaginação, seguindo os tarde, também com os atores do Actors Studio não que seria responsável pelo estabelecimento de como um trabalho verdadeiramente coletivo. Se
apontamentos e preceitos apreendidos ao longo de foi apenas uma simples repetição de preceitos um Método de atuação que muito impulsionaria para Boleslávski era fundamental entender se
seus encontros com Stanislávski, com quem dizia proclamados por Stanislávski junto ao Teatro de grande parte dos atores americanos durante um ator deveria ou não sentir todas as emoções
ter compreendido que o trabalho do ator se inicia, Arte de Moscou. Entretanto, é também necessário todo o século XX. Esse Método de que aqui se que atingem seus papéis, Strasberg parece ter
substancialmente, a partir do estabelecimento e fala, próprio do trabalho empregado por Lee, chegado, sem sombra de dúvidas, a uma resposta
do entendimento de suas Circunstâncias. por conseguinte, a de terceiros. Lastimo bastante que, por não se
era baseado em um princípio essencial, que afirmativa, mesmo que para isso fosse necessário
Segundo Richard Hornby, por ter trabalhado terem prestado a divulgações vulgares, como ocorreu com alguns descobrira em Stanislávski e Diderot: tratava-se um torturante trabalho que apagasse todo traço
supostos ‘métodos’ de atuação hoje notórios, suas contribuições à
verdadeiramente com Stanislávski, a prática cultura teatral tenham permanecido em grande parte ignoradas, não- da “necessidade de um método para se chegar à de coletividade, tão essencial para Stanislávski,
reconhecidas e não-apreciadas. [...] Quanto a mim, sou-lhe grato pelas
empregada por Stella Adler era muito mais potente inestimáveis contribuições que deu à minha vida e me sinto feliz por ter
criatividade” (STRASBERG, 1990, p.55). Todavia, Boleslávski e até mesmo Adler. A única alteridade
e leal às ideias enunciadas pelo russo. Contudo, estado ligado a ela, pessoal e profissionalmente, ao longo de toda a minha embora tivesse se encantado profundamente possível que se estabelece aqui é entre o eu e
existência” (BRANDO, Marlon. “Foreword”. ADLER, Stella. The Technique
“qualquer que fosse a opinião de Adler, era of Acting. New York: Bantam Books, 1988, p.15-16). A sentença em pelo modo de trabalho dos atores do Teatro de suas próprias lembranças, entre um eu e um mim
negrito foi minuciosamente selecionada como reveladora do embate e
Strasberg quem ria por último”14 (SCHECHNER, do contraste entre as formas de trabalho interpretativo desenvolvidas por
Arte de Moscou (dentre eles, Maria Uspenskaia – algo que o próprio Strasberg parece confirmar
Strasberg e Adler. e sua interpretação em O Jardim das Cerejeiras, ao dizer a um ator que “você estará recriando essa
15. Vale a pena dizer que entre 1939, ano em que se encerraram as de Tchékhov), Strasberg não se cansa de mostrar, memória emocional para si mesmo enquanto
14. No prefácio do livro escrito por Stella, encontra-se a seguinte atividades do Group Theatre, e a abertura de seu estúdio em 1949, Stella
declaração feita por Marlon Brando, reconhecido ator americano, Adler lecionou na Erwin Piscator’s Dramatic Workshop da New School for ao longo de seus escritos, alguns pontos que, outras coisas estarão acontecendo na cena16”.
marcado especialmente pelo seu desempenho no papel de Stanley, em A Social Research. Por sua vez, Strasberg, entre os anos de encerramento do
Streetcar Named Desire, peça escrita por Tennessee Williams e encenada Group Theatre e de trabalho no Actors Studio (para o qual foi convidado em
para ele, são incongruentes e incompletos no
cinematograficamente por Elia Kazan, em 1951: “Para mim, Stella Adler 1948, assumindo a direção artística em 1951), foi lançado às vicissitudes do trabalho de Stanislávski. O mais problemático
é muito mais do que uma professora da arte de interpretação teatral. teatro e cinema comerciais, principalmente com trabalhos em Nova Iorque 16. “You’ll be re-creating this emotional memory for yourself while other
Através de seu trabalho, ela nos presta um valioso tipo de informação: e Hollywood – fato que, para Arthur Bartow, foi um dos responsáveis pelo seria o Se Mágico e a falta de atenção para a things are going on in the scene” (COHEN, Lola (ed.). The Lee Strasberg
como descobrir a natureza de nossa própria mecânica emocional e, seu apagamento e até esquecimento no desenrolar da história do teatro. Notes. London/New York: Routledge, 2010, p.32).

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Diante de formulações como essa, a cena e o agradam nosso narcisismo pouco preocupado da memória afetiva, eram destinados a fortalecer The Technique of Acting. New York: Bantam
jogo que a fundamenta deixam de ser o elemento com a dignidade coletiva – fato que, apesar de a imaginação do ator” (STRASBERG, 1990, p.101). Books, 1988.
central do trabalho do ator. Não por acaso se todos os apesares, também parece constituir E foi exatamente a busca pelo fortalecimento da _____. “Prefácio”. ADLER, Stella. Técnica da
revela cada vez mais comum a referência ao uma importante lição deixada por Stanislávski. imaginação do intérprete, para manter as exatas Representação Teatral. Tradução de Marcelo
trabalho de Lee como excessivamente psicológico Por sua vez, atravessar os estudos feitos por palavras de Lee, que impulsionaram não só Mello. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1992.
– movimento que, por sinal, também foi o Strasberg implica reconhecer a enorme parcela Boley e Uspenkaia, mas também Stanislávski e CARNICKE, Sharon Marie. Stanislavsky in
responsável pela psicologização de grande parte de elementos empregados por ele próprio – e Adler, dentre tantos outros, durante o século XX. Focus. London: Harwood Academic, 1998.
da dramaturgia norte-americana moderna, cujas apenas por ele – em sua prática cênica. Em uma Aparentemente, e definitivamente, foi Strasberg CAVALIERE, Arlete; VÁSSINA, Elena. “A Herança
obras foram logo rotuladas pela crítica como uma de suas anotações sobre o trabalho de Boleslávski quem inaugurou a grande era da expressividade em de Stanislávski no Teatro Norte-Americano:
forma de realismo psicológico, uma problemática e Uspenskaia, por exemplo, é possível perceber território americano. Se for preciso culpar alguém Caminhos e Descaminhos”. Revista Crop, São
categoria que nada revela de significativo e que a maneira como esses entendiam a Memória pelas alterações na rota dos encaminhamentos Paulo, Área de Estudos Línguísticos e Literários
parece ter encontrado muitos adeptos, inclusive Emocional e sua importância para o trabalho do stanislavskianos na América, talvez agora seja em Inglês, Departamento de Letras Modernas da
aqui no Brasil, onde a recepção de obras como ator: possível saber em quais ombros colocar o maior Universidade de São Paulo, nº 7, 2011, p.307-327.
as de Tennessee Williams e Eugene O’Neill, para peso. Todavia, de que isso adianta? Quem sai COHEN, Lola (ed.). The Lee Strasberg Notes.
citar apenas dois exemplos, foram logo assim Madame conduziu um exercício, no favorecido dessa discussão? A quem serve todo London/New York: Routledge, 2010.
catalogadas. Em suma, na certeira declaração de qual enfatizava o sentimento real sobre esse debate sobre o teatro? Antes, as respostas COSTA, Iná Camargo. “Stanislávski na Cena
Richard Schechner (2012, p.190): a demonstração do sentimento. Foi um a essas questões; depois, os acertos de conta Americana”. Estudos Avançados, São Paulo,
exercício do grupo muito interessante. necessários. Instituto de Estudos Avançados da Universidade
[...] a importância de Strasberg não está Deveríamos ser um grupo de crianças de São Paulo, v.16, n.46, set./dez. 2002, p.105-112.
na sua direção ou mesmo no seu ensino. aguardando a chegada de uma tia favorita, Referências Bibliográficas GORDON, Mel. Stanislavsky in America: An
Está no modo como seu método cristalizou que viria de barco. Madame anunciaria o BARTOW, Arthur (ed.). Training of the American Actor’s Workbook. New York: Routledge, 2010.
e legitimou uma tendência já presente à momento da chegada – cinco minutos, Actor. New York: Theatre Communications Group, HORNBY, Richard. “Stanislavski in America”.
autoexposição despudorada. [...] Os atores quatro minutos, etc. Então ficava-se sabendo 2006. The Hudson Review, Nova Iorque, v.63, n.02,
treinados por Strasberg permitiram aos que o barco chegaria com quatro horas de BOLESLAVSKI, Richard. Acting: The First Six summer, 2010, p.294-298.
americanos aproveitar a mostra pública de atraso. Madame nos preveniu: “Não tentem Lessons. New York: Routledge, 2003. SCANDOLARA, Camilo. Os Estúdios do Teatro
emoções e memórias privadas, ilustrando- mostrar desapontamento. Tentem perceber _____. A Arte do Ator: As Primeiras Seis Lições. de Arte de Moscou e a Formação da Pedagogia
as e apresentando-as como o mais alto o que está sendo dito e o que isso significa. Tradução e notas de J. Guinsburg. São Paulo: Teatral no Século XX. Campinas, 2006. 227f.
tipo de arte teatral. Diante de Strasberg, Não mostrem o resultado do momento em Perspectiva, 2012. Dissertação de Mestrado em Artes. Instituto de
o ator interpretava desenvolvendo meios vez de viver o momento. Não representem o _____. Fundamentals of acting. SENELICK, Artes, Universidade Estadual de Campinas.
de mostrar as emoções do personagem, momento, levem o tempo necessário para Laurence (ed.). Theatre Arts on Acting. New SCHECHNER, Richard. “Por que um laboratório
de contar efetivamente a história do perceber o que isso significa para vocês, só York: Rouledge, 2008, p.236-242. teatral num terceiro milênio”. IN: SCHINO, Mirella.
personagem. Strasberg argumentava isso. (STRASBERG, 1990, p.100) _____. “Fundamentos da Atuação”. Tradução de Alquimistas do Palco: Os Laboratórios Teatrais
que seu Método daria aos atores uma Matheus Cosmo. Revista Aspas, São Paulo, na Europa. Tradução de Anita K. Guimarães e
ferramenta melhor para chegar a esse A anotação é de uma aula de 06 de fevereiro de Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas – Maria Clara Cescato. São Paulo: Perspectiva,
clássico objetivo. 1925. Em seu livro, Strasberg faz questão de reiterar USP, v.5, n.1, 2015, p. 24-33. 2012, p.184-192.
que, nesse exercício, conforme enfatizavam _____. Lances Down: Between the Fires in STRASBERG, Lee. Um Sonho de Paixão: O
A autoexposição desenfreada, mesclada a uma seus professores, toda a atenção deveria estar Moscow. In collaboration with Helen Woodward. Desenvolvimento do Método. Texto original
tendência altamente hermética e inteiramente focalizada nos Objetos e Acontecimentos. Indianapolis: The Bobbs Merrill Company, 1932a. editorado por Evangeline Morphos. Tradução de
enraizada numa obscura subjetividade, frágil Dessa forma, é necessário reconhecer, para o _____. Way of the Lancer. In collaboration with Anna Zelma Campos. Rio de Janeiro: Civilização
demais para ser relevante a alguém ou a alguma desencanto de alguns, que todas as proposições Helen Woodward. New York: The Literary Guild, Brasileira, 1990.
coisa, não parece ter sido objeto de condenação teóricas e os exercícios práticos desenvolvidos 1932b. _____. A Dream of Passion: The Development of
histórica, contudo: alguns trajetos ainda por Boleslávski e Uspenskaia, “como no trabalho BRANDO, Marlon. “Foreword”. ADLER, Stella. the Method. New York: Penguin, 1988.

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A memória e a preparação do ator:


o desdobramento do sistema de
Stanislávski no método de Strasberg

POR CAROLINA XAVIER1 o mundo um sistema de atuação, que, para a grupo, permitindo que todos os atores em cena Boleslávski, enfatizavam uma disciplina interior do
época, foi revolucionário. Stanislávski propôs apresentassem um desempenho uniforme. ator, por meio da busca de uma emoção genuína,
Introdução um sistema de preparação do ator unificado, Assim, o espetáculo de uma maneira geral era da compreensão do papel, juntamente com seu
A arte da atuação é complexa e abrange uma que serviria para qualquer estética teatral fosse diferente de outros vistos na mesma época. estudo ideológico e também psicológico, além
série de métodos, exercícios e aplicações para ela naturalista, grotesca, Commedia dell’art etc. Em 1922, o Teatro de Arte de Moscou realizou do trabalho em conjunto, que era um diferencial
atingir seus fins. Essa arte, por sua vez, não (antes de Stanislávski cada ator e cada companhia uma turnê internacional, passando pelos EUA, do TAM e posteriormente do Laboratory Theater:
diz respeito apenas à formação profissional do desenvolviam seu próprio sistema de atuação, e teve um grande sucesso de público e crítica. “‘Amar a arte em si, e não a si mesmo na arte’
ator. Ela também está intrinsecamente ligada geralmente ligado à estética da apresentação). O próprio Strasberg ao ver um espetáculo era uma das máximas do mestre Stanislávski
ao dia a dia de qualquer pessoa, pois estamos Assim, desse sistema-raiz surgiram ramificações apresentado pela companhia revela sua admiração que inspirava toda uma ética de trabalho ao
constantemente atuando em nossas vidas. - métodos e estudos para preparação do ator pela atuação vista: “Vivos, intensos, coloridos, Laboratório, proveniente do próprio TAM”
Exercemos papéis seja no trabalho, seja na que, baseados no pensamento de Stanislávski, e cada momento era preenchido com criações (CAVALIERE; VÁSSINA, 2010, p.8).
escola, nas nossas relações pessoais e assim por desenvolveram propostas com ênfase em aspectos maravilhosas das vivências dos personagens2” Boleslávski ao ensinar as técnicas de
diante. Nessa “atuação” diária, buscamos uma diferentes entre si. Um dos métodos baseados no (STRASBERG, 1990, p.61). Stanislávski (desenvolvidas no contexto russo)
conduta que julgamos perfeita para determinadas sistema stanislavskiano é o de Lee Strasberg, ator, Nessa mesma época, dois atores do TAM em um cenário americano encontrou algumas
situações, e para atingir esse comportamento diretor e professor norte-americano, cuja interação (Richard Boleslávski e Maria Uspenskaia) dificuldades, como por exemplo, organizar um
ideal, atuamos (BOLESLAVSKI, 2015). O teatro, com as ideias e exercícios do diretor russo permaneceram nos EUA para propagarem as elenco sob a ideia de ensemble (quando todos os
e seus métodos e exercícios ajudam justamente possibilitou desdobramentos que repercutem até técnicas de treinamento do ator desenvolvidas por atores tinham a mesma importância e trabalhavam
a aperfeiçoar essa “perfeição” (papéis da nossa hoje nos processos de formação do ator. Essa Stanislávski, formando assim o grupo Laboratory juntos para a realização da peça), já que nos
vida). Daí a importância da arte interpretativa para relação, bem como outras que se estabeleceram Theater, “Eles ajudaram a levar o sistema para Estados Unidos era predominante a ideia do star
a nossa sociedade, uma vez que ela faz parte da com o trabalho de Stanislávski nos EUA, se deu a além das fronteiras russas3.” Importantes nomes system, ou seja, a de que atores considerados
sua organização. Para o ator, por seu lado, é essa partir da divulgação do trabalho do diretor russo da história do teatro norte-americano fizeram estrelas não poderiam ser suprimidos. Além
a chave de sua profissão: atuar. nos EUA, no início do século XX. A seguir veremos parte do Laboratory Theater, como Lee Strasberg do mais, organizar um elenco como ensemble
Quando estudamos sistemas, métodos e como se desenvolveu a perspectiva norte- e Stella Adler, e esse foi o local em que técnicas requeria mais tempo, e para os padrões da
caminhos que aperfeiçoam a arte da atuação, um americana do sistema de Stanislávski e como, a importantíssimas foram aprendidas para o Broadway uma peça teria que ser levantada em
nome de referência dentro da área é justamente partir daí, Strasberg pôde pensar seu Método. desenvolvimento futuro de seus métodos. quatro semanas no máximo (COSTA, 2002).
o de Konstantin Stanislávski. Nascido na Rússia, As ideias de Stanislávski, propagadas por Através dos ensinamentos de Boleslávski
foi considerado o “pai do teatro”, pois mudou o Stanislávski e o cenário norte-americano e Uspenskaia sobre o sistema de Stanislávski
século XX no âmbito teatral e apresentou para Stanislávski nasceu em Moscou, Rússia, e foram desenvolvidos alguns métodos, como o de
foi cofundador, juntamente com Nemiróvitch- 2. “Vivid, intense, colorful experiences, while each moment was filled with Strasberg e o da Stella Adler, ambos americanos, e
marvelous creations of the experiences of the characters” (STRASBERG,
Dântchenko, em 1897, do Teatro de Arte de Lee. A Dream of Passion: The Development of the Method. New York: que além de interpretar o sistema de Stanislávski e
1. Atriz formada no curso profissionalizante da Escola Incenna de Teatro e Plume Book, 1987, p.39).
Televisão, hoje cursa o último ano da faculdade de Letras, com habilitação Moscou (TAM), companhia que tinha um jeito formarem seus métodos, também tentaram sanar
em Português-Inglês, na Universidade de São Paulo (FFLCH/USP). Realizou
pesquisa de Iniciação Científica pela USP-FAPESP sobre o Método de específico de apresentar seus espetáculos, na 3. “They helped move the System beyond the bounds of Russia” (HODGE, a dificuldade de Boleslávski de fazer penetrar
Lee Strasberg para a preparação do ator. A pesquisa teve uma interface Alison. Actor Training. London/New York: Routledge, 2010, p.5).
teórica e outra prática, com a aplicação desse método junto a um grupo de
medida em que seus atores eram preparados ensinamentos stanislavskianos em um sistema
atores e não atores. Também ministrou palestra sobre Comunicação com através de um sistema proposto por Stanislávski, americano teatral já consolidado.
princípios do Método de Strasberg para professores de escola pública e
cursos para grupos de não atores sobre o uso da Memória Afetiva como no qual, ao invés de ter um foco no trabalho de Apesar de Stella Adler e Lee Strasberg se
ferramenta para a expressividade.
um ator ou atriz de destaque, visava abranger o basearem no sistema stanislavskiano para

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pensar seus respectivos métodos, eles seguiram entre outras (HODGE, 2010). interpretativo formulados por Stanislávski a cinco sentidos e a memória emotiva é ligada às
vertentes diferentes. Por exemplo, Strasberg Quando o Group Theatre, em 1936, se dissipou, respeito da atuação, aponta para uma importante emoções que, por sua vez, se torna um elemento
tem um grande foco no aspecto psicológico da Lee Strasberg, que foi um dos mais importantes questão acerca da arte interpretativa: como pode básico para o treinamento do ator, na medida em
atuação, já a ênfase de Stella Adler se dá em nomes na cena americana, pensou seu próprio o ator ao mesmo tempo sentir e exercer controle que as emoções precisam ser expressas da forma
aspectos mais sociológicos. Ambos participaram Método para preparação de atores e acabou por técnico sobre aquilo que sente? correta para a eficiência da cena. A Memória
do Group Theatre e posteriormente se separaram, fundar uma escola: o Actors Studio. Ainda hoje a Para conseguir alcançar esse controle, o Afetiva (soma dessas duas memórias citadas
formando cada qual uma escola com seus escola de Strasberg é uma referência nos EUA e Método desenvolvido por Strasberg ao longo anteriormente), como Strasberg bem destaca, é
métodos próprios. Strasberg fundou o Actors seu Método é usado para o treinamento de atores de suas experiências no Actors Studio (a partir essencial para qualquer expressão artística, pois
Studio e Adler, o Stella Adler Conservatory, com de teatro e de cinema, apresentando bastante dos anos 1950) tem como aspectos relevantes ela permite a (re)criação de uma experiência real
interpretações e focos diferentes sobre o sistema repercussão no mercado de Hollywood. Atores a Improvisação e a Memória Afetiva, elementos que, no caso do teatro, pode ser (re)vivida no
do diretor russo. como Marilyn Monroe e Al Pacino estudaram essenciais para que o ator consiga expressar palco.
Aliás, é importante ressaltar que o Group diretamente com Strasberg e seu Método. as emoções corretas durante a representação Segundo Strasberg, é importante que o ator
Theatre foi essencial na estruturação do teatro (STRASBERG, 1987, p.106). Para Strasberg, saiba criar e recriar as experiências sensoriais
norte-americano de uma maneira geral. Fundado O Método de Strasberg o desafio de criar verdades cênicas a partir e emocionais que suscitam a personagem para,
em 1931, foi dirigido por Lee Strasberg, Harold Strasberg nasceu na Ucrânia na cidade de de circunstâncias imaginárias requeria um assim, cumprir a sua tarefa principal, atuar: “Se
Clurman e Cheryl Crawford. Segundo Skiffiths, Budaniv, em 1901, emigrando quando criança treinamento específico, articulado na esfera dos ele [o ator] sabe criar as experiências sensoriais
(1986, p.12), o Group Theatre tinha um diferencial com a família para os EUA, e lá se naturalizando sentimentos das personagens. e emocionais apropriadas que motivam e
em relação aos outros pequenos grupos de teatro, como cidadão americano apenas em 1936. As estratégias utilizadas por ele consistiam acompanham o comportamento do personagem,
que surgiam na década de 1930 em Nova Iorque: Strasberg iniciou seus estudos para se tornar em construir os aspectos interpretativos da estará então cumprindo a principal tarefa do ator:
“[...] eles tinham um estilo (ou mais de um estilo) um ator profissional em 1923, no Group Theatre, personagem com base em elementos tomados à atuar4” (STRASBERG, 1990, p.199).
próprio e identificável de representar. [...] Por dirigido por Richard Boleslávski. As aplicações memória subjetiva do ator. A lembrança concreta A utilização das memórias no Método de
isso, não é de se admirar o fato de que quase a do sistema de Stanislávski por Boleslávski e dos objetos e sua reconstituição sensorial estão Strasberg tem o propósito de fazer com que o ator
metade dos membros do Group, em alguma fase Maria Uspenskaia serviram de base para diversas entre os aspectos que, segundo Strasberg, crie uma espécie de “gatilho” para suas emoções
de suas carreiras, trabalharam como professores reflexões apontadas por Strasberg em seu Método. auxiliam no desencadeamento das emoções. e então alcance o controle esperado. Por exemplo,
de teatro”. Strasberg pôde perceber, por meio de suas Assim, por exemplo, se imaginamos nosso quarto em uma cena em que o ator precise representar
O Group Theatre tinha o intuito de realmente observações, pesquisas, preparações e execuções de infância e o reconstituímos sensorialmente alguém que está apaixonado, fazendo com que
mudar o teatro americano e trazer novos ares para na área teatral, que a experiência emocional (através dos cinco sentidos), conseguiremos esse sentimento pareça real, ele pode trazer à
a arte teatral, que já tinha suas características interior, que muitas vezes ele percebia oscilar despertar diversos tipos de emoções que poderão tona essa emoção a partir da memória de diversas
próprias no contexto dos EUA. O objetivo principal em determinadas atuações (indo de excelente à ser utilizadas para a expressão do personagem, situações, que não tenham a ver necessariamente
era o de produzir novas peças e desenvolvê-las com péssima), poderia ser (re)criada. Como ele bem trazendo veracidade à cena. com uma circunstância amorosa: uma lembrança
o estilo proposto pelo sistema de Stanislávski. E foi aponta, uma das maiores dificuldades do ator é Strasberg propõe em seu Método a divisão do paladar (quando comeu algo que gostou
com o Group Theatre que algumas características justamente criar, cada vez que se apresenta, os de duas memórias: a sensorial e a emocional, muito), do tato e assim por diante. Dessa forma,
do sistema stanislavskiano se consolidaram no mesmos comportamentos e experiências que que constituem a chamada Memória Afetiva o ator cria um gatilho (toda vez que se lembrar do
teatro americano, como por exemplo: o trabalho possam convencer a plateia como da primeira vez (Stanislávski também se referira à Memória
interior do ator, a atuação em conjunto (ensemble), (STRASBERG, 1987, p.35). Afetiva, nome que, posteriormente, foi alterado por
4. “If he [the actor] knows how to create the proper sensory and emotional
que promovia uma característica única às O Método de Strasberg, elaborado com ele para Memória Emotiva, por conta da censura experiences which motivate and accompany the behavior of the character,
he will then be accomplishing the primary task of the actor: to act”
performances, e o trabalho com emoções e ações, base nas reflexões e processos de trabalho soviética). A memória sensorial é ligada aos (STRASBERG, Lee, op. cit., 165).

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paladar de algo que comeu, o ator pode conseguir dos sentidos, usados a favor da criação naquele nos expressar melhor e nos comunicarmos de verdadeira as emoções da personagem é, sem
expressar o sentimento de paixão). determinado momento: “O ator, portanto, usa o forma clara e compreensível. dúvida, um aspecto importante desse processo.
Somando-se a esses aspectos, a Criatividade ‘objetivo correlativo’ de suas próprias experiências Como extensão, conseguir aplicar essa técnica no
se constitui como outro recurso essencial para para encontrar um meio de demonstrar a emoção Considerações finais dia a dia, certamente trará muitos benefícios para
a preparação do ator, de acordo com Strasberg. que seu personagem necessita expressar no A partir dessas reflexões, é possível perceber a comunicação e a interação entre os indivíduos
Para ele, a Criatividade do ator deve vir do controle palco. A memória afetiva passa a ser o código quão importante foi o trabalho de Stanislávski de uma maneira geral, uma vez que, como bem
consciente de suas faculdades: “A meta básica para a expressão do ator7” (STRASBERG, 1990, e como os desdobramentos advindos desse expressa Strasberg, viver não é só um processo
do treinamento do ator é dar a ele um controle p.154). trabalho, como o Método de Lee Strasberg, mecânico, ele exige o fazer contatos, reagir e
tão completo quanto possível dessas faculdades A partir dessas reflexões, Strasberg repercutem até hoje. A atuação requer uma comunicar experiências. 
humanas. Esse controle é o fundamento para a desenvolveu exercícios para auxiliar o ator a utilizar preparação e o sistema do diretor russo e,
criatividade do ator5.” (STRASBERG, 1990, p.133). a Memória Afetiva, a Criatividade e a Improvisação, posteriormente, o Método de Strasberg, bem Referências Bibliográficas
Ela, juntamente com a Improvisação, consegue para assim permitir uma expressão emocional como o de outros pensadores e profissionais, BOLESLAVSKI, Richard. Fundamentos da
dar ferramentas para uma atuação convincente mais verdadeira no palco. O relaxamento e a apresentam importantes contribuições para a atuação. Tradução de Matheus Cosmo. In: Revista
e eficaz: “Improvisação destina-se não apenas a concentração se tornam peças chave de seu mesma. Aspas, São Paulo, Programa de Pós-Graduação
estimular um processo de pensamento e um tipo método e os pontos iniciais para a prática das O trabalho em equipe, a uniformidade da em Artes Cênicas – USP, v.5, n.1, 2015, p. 24-33.
de reação, mas também auxilia na descoberta demais técnicas. Assim, em uma gradação, atuação e o uso da verdade interior do ator são CAVALIERE, Arlete; VÁSSINA, Elena (orgs.).
do comportamento lógico do personagem para seus exercícios vão propondo um trabalho com: alguns aspectos que o sistema stanislavskiano Teatro Russo – Literatura e Espetáculo. São
que o ator não se sinta encorajado a ‘meramente a interação com objetos reais e imaginários, a trouxe para o “fazer” teatral norte-americano. Paulo: Ateliê, 2011.
ilustrar’6” (STRASBERG, 1990, p.139). memória sensorial, o reconhecimento do espaço Esses elementos, por sua vez, influenciando o COSTA, Iná Camargo. Stanislávski na Cena
Para se alcançar o controle das emoções e do outro, a criação e recriação de cenas e a então estudante de teatro Lee Strasberg, abriram Americana. In: Estudos Avançados, São Paulo,
no momento da interpretação, com exercícios substituição de situações, dentre outros. O uso possibilidades para a criação daquela que se Instituto de Estudos Avançados da Universidade
voltados para a memória emocional, o Método do texto, seguindo essa gradação, se dá mais ao tornou uma referência em escolas de formação de São Paulo, v.16, n.46, set./dez. 2002, p.105-112.
propõe antes uma preparação extensa, que final do processo. de atores nos EUA, o Actors Studio, que ainda HODGE, Alison. Actor Training. London/New
engloba o relaxamento e a concentração, É importante ressaltar que o Método criado por hoje forma grandes nomes do cenário artístico York: Routledge, 2010.
contribuindo, assim, para um melhor domínio Strasberg, como ele mesmo menciona, não se mundial. STRASBERG, Lee. A Dream of Passion: The
do uso dos sentidos (com o auxílio da memória limita à preparação de atores, sendo útil para o ser Ao longo de sua vida profissional, Strasberg, Development of the Method. New York: Plume
sensorial), seja para lidar com objetos reais, seja humano de uma forma geral, na medida em que que também era ator, conseguiu elaborar Book, 1987.
para interagir com os imaginários. através do Método, conseguimos nos conhecer exercícios e práticas que visam à expressão STRASBERG, Lee. Um Sonho de Paixão: O
Dessa forma, a emoção que o ator precisa para melhor e aprendemos a controlar nossas emoções, verdadeira das emoções no palco, alcançada a Desenvolvimento do Método. Tradução de Anna
representar sua personagem pode ser encontrada conduzindo-as de forma proveitosa e eficaz de partir de um “gatilho” e de um controle exercidos Zelma Campos. Rio de Janeiro: Civilização
em sua própria experiência emocional, utilizada acordo com nossas necessidades. Esse último pelo próprio ator. A Memória Afetiva, a Criatividade Brasileira, 1990.
com um controle consciente e com o domínio fator também é essencial para que consigamos e a Improvisação são elementos chaves para tal SKIFFITHS, Trevor. Esboço de Um Curso Elementar
objetivo, e a concentração e o relaxamento, as de Representação. Extraído de The Drama Review,
5. “ The basic aim of the actor’s training is to give him as complete control ferramentas essenciais para o mesmo. v.28, n.4, winter 1984. Cadernos de Teatro,
as possible of those human faculties. This control is the foundation for the
actor’s creativity” (Ibidem, p.105). 7. “The actor, therefore, uses the ‘objective correlative’ of this own O Método de Strasberg lida com as emoções, Tradução de Thaís Elita M. Lowen, Rio de Janeiro,
experiences to find a means of expressing the emotion his character needs
6. “Improvisation leads not only to a process of thought and response, but to express on stage. Affective memory becomes the key to the actor’s e a capacidade de controlá-las para assim Prefeitura do Rio de Janeiro – Secretaria Municipal
also helps to discover the logical behavior of the character rather than expression” (Idem, p.121).
encouraging the actor ‘merely to illustrate’” (Idem, p.110).
conseguir expressar de forma equilibrada e de Cultura, n.110, 1986.

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Um ator e o método: aprendendo as


técnicas de Stella Adler
POR GUILHERME RODIO1 Stella Adler começou muito nova trabalhando se complementam. Algumas são mais eficazes estou em uma propriedade rural no interior da
no teatro ídiche com seu pai, Jacob Adler, que que outras e na realidade o método é pessoal. Rússia na segunda metade do século XIX. Como
Quando me convidaram para escrever um no começo do século XX em Nova Iorque já tinha Cada ator vai entrar em contato com inúmeras era o sistema político? Estamos antes da Revolução
artigo para o Caderno de Registro Macu, relutei grande notoriedade como ator. Na juventude, dessas técnicas, experimentá-las e decidir de Russa. Essas fazendas estavam apinhadas de
muito, pois não me considero um acadêmico em companhia de amigos como Lee Strasberg, forma fluida o que funciona para si. Durante anos servos em péssimas condições de trabalho e
nem um professor, mas sim um ator apaixonado Harold Clurman e Clifford Odets, teve contato de aprendizagem e trabalho, acredito que um ator moradia. As epidemias se grassavam, e Ástrov
pelo aspecto técnico do meu ofício. Não saberia com as primeiras informações sobre o sistema desenvolve um método para chamar de seu. tinha muito trabalho. Ele é um médico viajante
muito bem como começar ou formatar as minhas de Stanislávski através de atores do Teatro de Arte As quatro técnicas centrais para Stella Adler em um país frio, sofrendo com as condições da
palavras para estar no mesmo nível dos meus de Moscou. Juntos, criaram o Group Theatre e e que se relacionam com Stanislávski são o estrada e com o tempo. A peça nos diz que ele
colegas, mas resolvi aceitar o desafio de escrever desenvolveram as bases do teatro realista norte- uso da Análise de Texto, a Imaginação Ativa, a passa na fazenda de Sônia e Vânia uma vez a cada
um registro muito pragmático das minhas americano que culminaria na criação da linguagem Fragmentação do Texto e as Ações Físicas. Vou tantos meses. Todo o tempo ele está em fazendas
experiências. cinematográfica de Hollywood. Posteriormente, tentar, de forma orgânica e fluida, entrar em como essa. Em algumas é melhor tratado, em
Em 2014, eu estava trabalhando no teatro já Stella Adler e Lee Strasberg começaram a divergir cada uma delas e dividir o que compreendi do outras pior. Qual a situação econômica no interior
há cinco anos profissionalmente. Tinha tido meu sobre as técnicas fundamentais do Sistema. Stella que me foi ensinado. Lembro que essas técnicas da Rússia nessa época? A colheita é boa? Existem
grupo de pesquisa, tinha passado dois anos com resolveu então viajar a Paris em 1934 para ter estão relacionadas ao realismo e objetivam que o dívidas bancárias? Os bancos executavam essas
o Antunes Filho no CPT e estava trabalhando aulas com o próprio Stanislávski. Naquela época, ator VIVA a personagem e não ATUE. Existe uma dívidas? O que acontece? Aconteceu o mesmo
em projetos com o Grupo XIX de Teatro. Eu Stanislávski, já com 71 anos, havia dispensado as grande diferença entre estes dois conceitos. Para com uma família vizinha, e eles perderam tudo?
sentia que havia tido uma curva de aprendizado técnicas de Memória Emotiva e usava as Ações os americanos de maneira geral, o objetivo maior A vida em Moscou é diferente? É um sonho ir
teórica interessante, mas me faltavam algumas Físicas. Voltando aos EUA, Adler apresentou é SER a personagem e não ser pego atuando. para longe desse lugar? Tudo isso me ajuda a me
ferramentas práticas para criar personagens mais a Lee Strasberg, um dos principais nomes do Ser pego atuando é muitas vezes fabricar um transportar para uma época e lugar específicos e
realistas, em dramas mais realistas, e que não Actors Studio, a nova abordagem do russo, mas sentimento com caras e trejeitos que eu não me conectar com a realidade daquelas pessoas
tinham muito espaço nesses locais de trabalho. Strasberg a rejeitou, gerando um grande cisma estou de fato sentindo, e isso, para uma audiência em temas como política, economia, arte, religião,
Havia é claro o Prêt-à-porter2 do Antunes Filho, que dura até hoje na metodologia de ensino de qualificada, é claramente perceptível. Outro ponto costumes etc.
mas que naquele momento estava parado e sem atores no país. Stella Adler declarou que Lee preliminar importante é que todo esse trabalho A Análise de Texto também me ajuda a
perspectiva de retorno. Strasberg “entendeu tudo errado” e montou sua aqui proposto é anterior à palavra. Stella defendia entender o tema da obra. Sobre o que estamos
Comecei então a procurar cursos fora do própria escola de atuação. que as palavras que saem da boca de uma falando aqui? Quando lemos o roteiro da série
Brasil para uma experiência de uns dois meses A escola em que estudei é gerida até hoje personagem são como as cerejas de um bolo. Há britânica Downton Abbey, por exemplo, sabemos
e acabei selecionando alguns cursos em Los por professores amigos e herdeiros de Adler, muito trabalho prévio a ser feito para mergulhar que estamos lidando com mudanças. Todas as
Angeles que me interessavam. Chegando lá, que fazem de tudo para preservar as técnicas na personagem, e fazer como muitos atores, que personagens revolvem ao redor deste tema, sejam
fui procurar a Stella Adler Academy of Acting desenvolvidas por ela ao longo de sua vida. correm para decorar o texto em primeiro lugar, é servos ou senhores, todas têm uma posição
Hollywood e me identifiquei de imediato com Lendo livros sobre ela, percebi que havia muita um erro crasso. sobre o que é melhor: nos aferrarmos às nossas
o método, com os professores e com a filosofia similaridade com Antunes Filho e que poderia A Análise de Texto é um trabalho fundamental, tradições para não perdermos nossa identidade e
de trabalho dela. Ganhei uma bolsa de estudos e haver uma complementaridade entre as filosofias segundo Stella, para contextualizarmos a pesquisa segurança ou abraçarmos a modernidade e nos
acabei ficando um ano estudando lá. O que vou de ambos. O que Adler já no início declara sobre que nos alimentará para as etapas seguintes. arriscarmos a ganhar com um futuro promissor?
dividir com você leitor, nesse texto, é um pouco do Strasberg é o que eu vivenciei e aprendi nos meus Para ela, só é possível que eu interprete uma Resisto ou aceito? Este paradigma é o motor
meu aprendizado. anos de Antunes Filho, e o que divido com você. personagem em uma obra de forma plenamente dramático dessa obra, o tema dela.
Não existe método. Os professores são seres em orgânica se eu dominar o máximo que posso o Passemos então à Imaginação Ativa. Ela é a
constante movimento e o que era uma verdade de contexto dela e da obra com riqueza de detalhes. capacidade de nos convencermos das realidades
1. Ator e produtor de cinema e teatro.
ouro ontem, pode não ser amanhã. O que existe de Por exemplo, em Tio Vânia, de Anton Tchékhov, se da obra que estamos trabalhando de forma
2. Projeto coordenado pelo diretor Antunes Filho (1929 –) desde 1997 no
Centro de Pesquisa Teatral (CPT). fato é uma coleção de técnicas compiladas e que eu vou trabalhar com Ástrov, devo entender que criativa. Após nos debruçarmos sobre o texto de

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todas as formas que pudermos, pesquisarmos 36 anos que perde um filho de oito anos em 2018 detalhes que mais o alimentarão principalmente Cerra os punhos, bate na mesa etc. A grande
no Google, lermos obras do período, procurarmos é totalmente diferente de um rei da Idade Média nas cenas mais difíceis da peça. Posteriormente, questão é acertar uma ação condizente e que
músicas, arte, enfim, aprendermos o máximo que perde um filho de oito anos. Naquela época conforme o cenário físico entra, ele mesmo irá expresse a natureza mais profunda da cena. No
que pudermos, partimos para o trabalho mais era raro um filho atingir a vida adulta. As guerras, fazer as adaptações necessárias. processo de busca, temos que ir sempre atrás das
pessoal. Ele se divide entre criação do passado da doenças e acidentes matavam muitas crianças, Chegamos à terceira técnica importante para camadas mais profundas, não das primeiras que
personagem e criação do lugar de cena. O passado e os pais já estavam acostumados com isso. A Stella Adler, a Fragmentação do Texto. Após nos veem a mente.
da personagem é uma forma de incorporar reação é totalmente diferente. Fora o fato de que estarmos bastante embasados nos contextos Esses quatro pilares técnicos do método
baseada na criação de imagens que nos movam a Carlos Magno não poderia ser visto de maneira maiores e menores propostos pelas técnicas Adler são acompanhados por muitas outras
ter sentimentos reais. Por exemplo, em Um Bonde vulnerável por sua corte, pois isso enfraqueceria anteriores, passamos para o texto propriamente técnicas, e cada um deles tem pedagogicamente
Chamado Desejo, de Tennessee Williams, temos o reino todo. A ideia do realismo é ser o mais fiel dito. O trabalho consiste em dividir esse texto uma série de exercícios para desenvolvimento e
alguns elementos que nos contam do passado possível ao contexto histórico da obra. em atos, cenas, viradas de cena, parágrafos e aprofundamento. Stella Adler defendeu que todo
de Blanche, mas muitas outras lacunas podem A segunda ferramenta usada pela Imaginação linhas, de forma a fragmentar o texto e buscar ator deveria se dedicar a ampliar seu repertório
ser preenchidas para nos trazer maior presença é a criação do lugar de cena. Todas as cenas o entendimento de cada unidade desse texto, durante a vida de forma incessante, para que
nesse papel. Blanche cresceu com dinheiro? A em que atuo, segundo Adler, devem ser criadas entender os objetivos das personagens. Por pudesse agregar o máximo de qualidade e
família foi perdendo aos poucos? Ela foi abusada de antemão pelo ator, em seu trabalho em casa. exemplo: O que é o segundo ato? Essa cena é profundidade ao seu trabalho usando a técnica.
sexualmente? Quantas vezes? Por quem? Era Muitas vezes a peça dá alguns detalhes do lugar, a cena da despedida das personagens? Elas Ela dizia duas coisas importantes para seus atores:
um amigo da família? Um credor da fazenda? Os mas novamente há muitas lacunas a serem esperam voltar a ver-se? Quando ela vai embora a primeira é que nós vivemos em um contexto do
pais estavam dispostos a tudo para preservar a preenchidas pelo ator. Exemplo: a cena se passa o mundo dele acaba? O que ele quer? O que ela dia a dia que ela chamava de “pedestre”. Ele se
tradição da família? na sala de estar da casa de Sórin em A Gaivota, quer? O que está sendo dito neste parágrafo? relaciona ao naturalismo rasteiro que vemos aos
Conforme eu crio essas situações e essa de Anton Tchékhov. A peça já nos dá muitos Ele está discorrendo sobre a vida das bactérias montes, por exemplo, nas novelas de televisão,
gênese, eu vou entendendo melhor a personagem elementos visuais de como é essa sala, mas anaeróbicas, mas na verdade quer dizer que não e é dever do ator trabalhar para elevar a obra à
e vou à busca de duas coisas principais: detalhes como eu posso personalizar essa imagem? Torná- aguentará viver sem ela? Esse é o subtexto? sua universalidade, ao nível ao qual o autor a
(porque a arte é feita deles) e imagens que la minha? Viver com desenvoltura nessa sala, E então a Fragmentação do Texto nos leva pensou. Para tanto, o ator deve se dedicar a um
me movam profundamente. Por exemplo, se com organicidade, viver de fato e não atuar? Se eu direto às Ações Físicas: entendimento profundo da obra e da personagem
Blanche foi abusada, e eu como atriz crio de sou Trépliov, eu vivo nessa casa desde a infância E nessa frase especificamente? O que ele e com muito respeito fazer jus àquela vida
forma específica esse abusador, essa imagem com meu tio enquanto minha mãe trabalha. está FAZENDO? Está ameaçando-a? Julgando-a? imaginada, que pode muito bem ter a plena força
irá me mover profundamente quando eu fizer Conheço os móveis todos. O rasgo no sofá que Buscando conectar-se? da realidade e tocar os sentimentos do público.
a cena com Stanley. Era um amigo dos pais? está escondido pela almofada vermelha, a perna Eu já tinha ouvido falar de Ações Físicas A segunda coisa é que o talento do ator reside
Era velho? Tinha uma barriga enorme? Passou da mesinha do samovar3 que está bamba desde o de forma teórica, mas nunca tinha aprendido em suas escolhas. Em todo esse processo que
a mão em minhas coxas? Suas unhas estavam verão passado, e ninguém ainda arrumou. A vista na prática como funcionava. A princípio o descrevi, o ator terá que escolher caminhos a partir
sujas? Quanto mais detalhes eu dou, mais essa do lago pela janela. Como é essa vista no verão? funcionamento é simples, mas esconde algumas de seu repertório e sensibilidade, portanto, se o
imagem fica real. Nesse ponto reside a diferença Na primavera? No inverno? O lago é profundo? Já dificuldades. A cada unidade de texto, buscamos ator trabalhar esse repertório e essa sensibilidade,
principal entre Stella Adler e Lee Strasberg. Para nadei nele? E quando a filhinha de um mujique4 entender o que a personagem está fazendo, em poderá fazer escolhas mais maduras que elevarão
Strasberg, nós podemos nos apoiar nas nossas se afogou, e eu acompanhei o resgate do seu um processo de ação e reação. Lembrando que o nível de seu trabalho e da obra como todo.
próprias memórias e substituir um fato fictício corpinho pelos homens? Tudo isso me faz estar fazer é muito diferente de sentir. SENTIMENTO é Agradeço a oportunidade de poder dividir
por outro análogo que tenha acontecido conosco. em casa nessa sala, vivendo com plenitude. Esse resultado, nunca ferramenta, conforme Adler nos este conteúdo. Espero ter podido em poucas
Adler não acreditava nisso. Ela dava um exemplo trabalho o ator deve fazer em casa, buscando os apresenta. Eu não estou triste ou angustiado nessa palavras trazer um panorama do trabalho de
muito claro: se eu sou um ator que vai interpretar fala. Eu estou fazendo algo. Fazer é controlável Stella Adler para você leitor. Se quiser buscar
Carlos Magno em uma cena em que ele descobre pelo ator e gera um sentimento como resultado. mais informações ou tiver dúvidas, me procure no
a morte do filho de oito anos, não posso usar 3. Utensílio culinário de origem russa, utilizado para aquecer água e Eu estou ameaçando-a na frase. Quando quero Facebook.
servir chá.
minhas próprias memórias de perda, pois elas ameaçar alguém, como meu corpo se comporta,
4. Termo que designa o camponês russo antes da Revolução de 1917.
não serão específicas o suficiente. Um homem de o que ele faz? Faz uma Ação Física de ameaça!

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CEDIDA PELA AUTORA
entrevista

Ramos da mesma raiz:


As ideias teatrais de Stanislávski
nos Estados Unidos
Entrevista com Elena Vássina
POR ROBERTA CARBONE
A entrevista a seguir foi realizada em 30 de abril de 2018, com a professora do Curso das Letras
Russas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo e autora,
juntamente com Aimar Labaki, da obra Stanislávski – Vida, Obra e Sistema, publicada pela Funarte em
2016, que traz, pela primeira vez no Brasil, os escritos de Stanislávski em tradução direta do russo para o
português. Em sua fala, Elena Vássina refaz o caminho de chegada de Stanislávski aos Estados Unidos
e passa pelos mais importantes disseminadores de suas ideias teatrais, considerando a validade de
todas as escolas pedagógicas de filiação stanislavskiana.
entrevista

As turnês do TAM nos EUA famoso Método de Stanislávski – estudou por volta portanto, as primeiras experiências do Sistema, com sua experiência no Primeiro Estúdio, assim
O ponto de partida para se falar sobre o tema de um ano. Strasberg trabalhou no Laboratory porque Um Mês no Campo foi laboratório de como Uspénskaia.
“Stanislávski nos Estados Unidos” é certamente Theatre junto com Boleslávski, que o organizou experiências de Stanislávski com o Sistema, ou E, certamente, todos os discípulos de
a turnê do Teatro de Arte de Moscou nesse país. com a ideia de criar um teatro de repertório e seja, Boleslávski já conheceu o que Stanislávski Stanislávski talentosos, que continuaram uma
Foram duas turnês. A primeira começou em uma escola de arte dramática. Foi também onde tinha feito antes mesmo do Primeiro Estúdio. pedagogia stanislavskiana na busca com o
janeiro de 1923, e é muito importante frisar que trabalhou Maria Uspénskaia1. Ambos se tornaram figuras fundamentais para Sistema, não repetem exatamente aquilo que
ela foi um sucesso enorme, um êxito total. Todos a formação da escola do cinema norte-americano. Stanislávski fez. Porque teatro é criação, é sempre
os norte-americanos envolvidos com teatro e Boleslávski e Maria Uspénskaia Assim como Richard Boleslávski – um importante desenvolvimento. Não se trata de professores de
cinema ficaram completamente surpreendidos No Brasil ainda se sabe pouco sobre Maria ator de Hollywood –, Maria Uspénskaia também matemática, que vão ensinar a todos que dois
pela nova linguagem teatral e pelo novo tipo de Uspénskaia, que desempenhou um papel atuou em vários filmes da época e recebeu duas mais dois são quatro. Os pedagogos teatrais
atuação do TAM. Foi algo mágico. importante na divulgação da escola stanislavskiana indicações para o Oscar. Ela atuou, por exemplo, estão sempre se desenvolvendo, e eu acho isso
Stanislávski recebeu várias, centenas de nos Estados Unidos. Boleslávski e ela foram no famoso filme A Ponte de Waterloo3, onde muito importante. Por exemplo, lendo Boleslávski,
convites para ensinar o Sistema e seu treinamento atores do Primeiro Estúdio de Stanislávski, ou interpretou o papel da professora de balé. E é podemos ver como é importante para ele o conceito
de atores nos Estados Unidos. E foram propostas, de Ator Criador, quando os atores trabalham junto
financeiramente falando, muito interessantes, com o diretor na criação do espetáculo. Essa ideia
mas ele não aceitou nenhuma delas, por causa Todos os norte-americanos [...] todos os discípulos de veio de Stanislávski, de um Stanislávski tardio.
da ligação com o seu teatro, com seus atores, do envolvidos com teatro e Stanislávski talentosos, que
contrato com o governo soviético – que obrigava cinema ficaram completamente continuaram uma pedagogia Lee Strasberg, Stella Adler
todos a voltarem à União Soviética – e também e Mikhail Tchékhov
por causa do tempo e da saúde. E se Stanislávski surpreendidos pela nova stanislavskiana na busca com o Em 1930, termina o Laboratory Theatre, e, em
tivesse ficado e trabalhado lá, não sabemos como linguagem teatral e pelo novo Sistema, não repetem exatamente 1931, Lee Strasberg forma seu Group Theatre.
seria agora. tipo de atuação do TAM. aquilo que Stanislávski fez. Importante dizer que Strasberg viu Stanislávski,
Mas antes do Teatro de Arte de Moscou e assistiu aos espetáculos do TAM, mas foi com
Stanislávski irem aos Estados Unidos, Richard Boleslávski e Uspénskaia que ele estudou. E
Boleslávski, o discípulo de Stanislávski no Primeiro seja, estudaram com Stanislávski e Sulerjítski, possível encontrar outros filmes dela. Boleslávski quando ele forma o Group Theatre, ele trabalha
Estúdio do TAM, emigrou depois da Revolução de o principal pedagogo do Primeiro Estúdio. Eles se tornou bem mais conhecido que Uspénskaia, com Stella Adler, que é filha de um ator judaico
1917, fez um trajeto pela Europa e acabou ficando também atuaram e estudaram com Vakhtângov, mas ela, enquanto pedagoga teatral também de origem russa bem conhecido. Nessa história
nos Estados Unidos. Ele começou a dar palestras o que os influenciou muito. Uspénskaia e foi importantíssima. Foi ela, por exemplo, quem toda, a raiz judaico-russa criava uma maior
falando da arte teatral de Stanislávski e passou Boleslávski levaram para os Estados Unidos toda introduziu pela primeira vez nos Estados Unidos aproximação entre os Estados Unidos e a União
a ser uma figura chave na primeira etapa de sua a experiência pré-revolucionária de Stanislávski. a prática de improvisações. Antes eu acreditava Soviética em termos de sistemas teatrais. Mas em
divulgação nesse país. Boleslávski foi uma figura E não apenas a experiência do Primeiro Estúdio, que Boleslávski e Uspénskaia tinham trabalhado 1934, Stella Adler, junto com seu marido, Harold
chave na divulgação do Sistema nos Estados de 1912, pois Boleslávski tinha sido o ator do TAM muito focados em elementos do Primeiro Estúdio, Clurman, vai para a França e lá ela se encontra
Unidos. Ele atuou em vários espetáculos durante ainda antes da fundação do Estúdio e atuou em ou seja, na Memória Afetiva, nos exercícios com Stanislávski (no seu livro Minha Vida na Arte,
a turnê do TAM e, apesar de brigas que existiram Um Mês no Campo2, de Turguêniev. Ele conheceu, de ioga, na Concentração, na transmissão de Stanislávski descreve este encontro com muito
entre Boleslávski e Stanislávski ainda no período energia ou prana, na terminologia de Stanislávski. humor). Ela teve uma possibilidade única: ter
russo, eles continuaram bastante próximos. Tinha tudo isso, mas hoje eu vejo também que aulas particulares e individuais com Stanislávski
E deve-se falar de Boleslávski, porque ele foi 1. Seu sobrenome é conhecido também na transliteração francesa: Boleslávski deu passos à frente em comparação durante cinco semanas. Ao voltar para os Estados
Ouspenskaya.
um ator e um diretor genial, brilhante e contribuiu Unidos, Adler brigou com Strasberg, acusando-o
2. A peça foi apresentada em 1909 no Teatro de Arte de Moscou, com
muito, a meu ver, para a formação da pedagogia direção e atuação de Stanislávski. Para mais informações sobre o texto
de “deturpar” o Sistema, e fundou sua própria
tanto teatral quanto cinematográfica norte- e a montagem, consultar: SHUBA, Simone. Stanislávski em Processo: 3. Filme de 1940, baseado na peça homônima de Robert E. Sherwood escola stanislavskiana. E quando Lee Strasberg
Um Mês no Campo – Turguêniev. Coleção Macunaíma no Placo. São Paulo: e dirigido por Mervyn LeRoy, com atuação de Vivien e Robert Taylor. Foi
americana. Foi com ele que Lee Strasberg – do Perspectiva, 2016. indicado a várias premiações do Oscar. faleceu, ela chegou aos seus alunos e disse:

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| CADERNO DE REGISTRO MACU (PESQUISA)
entrevista

“Faleceu um grande homem de teatro. Vão passar TAM, mas nenhum ramo é parecido com o outro. separa. Ele diz que o diretor fica acima do contexto sabe que ele estudou psicologia profundamente,
anos antes que a arte do ator se livre do prejuízo Eles evoluíram e se desenvolveram, e cada um de criação dos atores, que é o diretor quem pois o inconsciente era muito importante no seu
que ele fez.” E assim foi a relação entre eles. Mas teve o seu próprio método de ensino. Há muitas dita sua vontade, o diretor teatral é o principal. trabalho.
ambos foram muito importantes na divulgação do divergências entre as iniciativas. Uma, achava, Eu acho que isso é porque a arte teatral norte- Stanislávski nunca abriu mão da Memória
sistema de Stanislávski nos Estados Unidos. por exemplo, que o ator nunca deveria partir de americana ainda estava muito jovem e imatura. Afetiva, mas depois da Revolução, ele passa
Temos que mencionar outra corrente muito si próprio. Para Stanislávski, o básico é que o Stanislávski já tinha passado pela formação a chamar a Memória Afetiva de Memória
importante do Sistema e da escola russa, alguém ator parta de si próprio, mas nunca se limite a em arte e pela profissionalização ainda no final Emocional, porque o termo “memória afetiva”,
que também era ator do Primeiro Estúdio do si mesmo, porque o mais importante na criação do século XIX. Essa é uma diferença bastante cunhado por Théodule Ribot, psicólogo francês
TAM, que é Mikhail Tchékhov. Ele estudou com atoral é a imaginação, o famoso “como se fosse” importante, a pedagogia de Stanislávski é voltada e, logo, “burguês” no contexto da ideologia
Boleslávski e foi um aluno que Stanislávski de Stanislávski. Tchékhov dizia que o ator devia para a formação do ator. soviética, foi proibido. No sistema de Stanislávski,
admirou muito, foi o ator mais talentoso entre partir da imaginação e não de si próprio, ou seja, Lendo o Stanislávski tardio, é muito importante o inconsciente é muito importante, mas sendo
todos os atores do TAM. Mikhail Tchékhov não se apoiar na sua Memória Afetiva. É uma o que ele próprio chamou de método de ensaio por um gênio iluminado e espiritualizado, ele fala
publicou um artigo sobre Stanislávski em 19194. diferença radical na abordagem da pedagogia meio dos études – há dois manuscritos em meu sobre a vida do espírito humano e o divino. E, a
Stanislávski ficou com uma raiva imensa que um teatral de dois mestres. Mas tanto uma quanto a livro Stanislávski – Vida, Obra e Sistema (Funarte, meu ver, Strasberg é bem mais pragmático, bem
aluno seu pudesse publicar algo sobre o Sistema, outra funcionam perfeitamente bem. 2016) em que ele fala sobre o processo de ensaios mais prático. Se para Stanislávski, o inconsciente
e foi uma briga enorme. Tchékhov também emigra, Strasberg esteve na União Soviética em por meio dos études – ou usando um termo de é para cima, a natureza criativa do ator que vem
passa pela Inglaterra e acaba ficando em Nova maio/junho de 1934, detestou completamente Maria Knébel, outra aluna de Stanislávski, que da inspiração, para Lee Strasberg, o inconsciente
os espetáculo do TAM – que nessa época já não o chamou de Método de Análise Ativa, ainda é para baixo, é freudiano, é todo o trauma, algo
tinham nada a ver com Stanislávski – e nem quis que Stanislávski nunca tenha usado esse termo.
Podemos dizer que nos Estados
se encontrar com Stanislávski. Strasberg já tinha Análise Ativa, ou seja, a análise pela ação, para
Unidos existiram e existem aprendido muito sobre Vakhtângov por causa Strasberg não tem a menor importância. Ele fala Há muitos tijolos no sistema de
diferentes escolas pedagógicas de Boleslávski, mas também por causa de um de ação apenas como um meio de saída para os Stanislávski, e se você tira um
que saíram da mesma raiz emigrante russo que trabalhou como cozinheiro atores nas situações de vida em ensaio, mas não é deles, a casa fica torta.
durante o retiro dos ensaios do Group Theatre no assim, digamos, um componente importante para
stanislavskiana. verão de 1932. Cada noite, antes de servir o jantar, o Método de Strasberg, enquanto Stanislávski
este cozinheiro, Mark Schmidt, traduzia os trechos diz que a ação é tudo. É a ação que alimenta o bem mais subjetivo. Há muitos tijolos no sistema
Iorque, onde trabalha em Hollywood (recebeu dos livros e artigos sobre Stanislávski, Meierhold trabalho com os études e o processo dos ensaios, de Stanislávski, e se você tira um deles, a casa fica
uma indicação ao Oscar) e como pedagogo de e Vakhtângov para Lee Strasberg e os atores do desde o início, começa com ações. torta. Eu posso dizer que o tijolo principal em Lee
muitos atores do cinema norte-americano. E o Group. Assim Lee Strasberg aprendeu sobre as Strasberg acha que, embora do ponto de vista Strasberg é o inconsciente, a Memória Afetiva.
próprio Mikhail Tchékhov falava que seu sistema vanguardas teatrais russas. Os conhecimentos do diretor e do encenador o conhecimento da Mas Stanislávski descobre outra coisa: a
pedagógico de preparação do ator era 60% que ele vai aprofundar durante sua viagem à ação seja muitíssimo importante, é melhor que Ação, as Ações Físicas. Strasberg, ao contrário,
Stanislávski, 20% Vakhtângov e o resto dele. União Soviética em 1934. os atores não saibam qual ação eles irão fazer. vai cada vez mais e mais a fundo na memória
Podemos dizer que nos Estados Unidos O Método de Strasberg é, portanto, bem mais afetiva, ou seja, a memória individual do ator.
existiram e existem diferentes escolas A Memória Afetiva e o Método dos Études intuitivo, e essa talvez seja a diferença principal Em Stanislávski, existe o mágico se eu fosse,
pedagógicas que saíram da mesma raiz Falando da diferença entre Strasberg (que entre eles. Strasberg se forma como pedagogo existem as Circunstâncias Dadas e a criação da
stanislavskiana. É como uma árvore com vários foi chamado do “fanático da Memória Afetiva”) no final dos anos 1920, início dos anos 1930 personagem a partir de si mesmo. Em Strasberg,
ramos que tem suas raízes no Primeiro Estúdio do e Stanislávski, creio que têm visões bastante e sob forte influência de Freud, que começa o ator cria suas personagens vivendo, buscando
diversas sobre o ator e o diretor. Enquanto, para o a ganhar popularidade nos Estados Unidos. dentro de si mesmo. Stanislávski pergunta ao ator
Stanislávski da última década (final dos anos 1920 Enquanto isso, na União Soviética, Freud tinha o que ele faria se fosse Raniévskaia, personagem
4. O artigo de Mikhail Tchékhov se chama “Sobre o Sistema de Stanislávski” e até sua morte em 1938), o trabalho do diretor sido proibido depois da Revolução. Sabe-se que do Jardim das Cerejeiras, de Anton Tchékhov.
e foi publicado em uma revista de teatro alemã.
e do Ator Criador está muito ligado, Strasberg o Stanislávski nunca leu Freud. Mas também se Strasberg tenta buscar alguma situação, alguma

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entrevista

A profissão criativa deve uma cena muito sexual e que, para interpretá-la, Isso é completamente diferente do método do Tchékhov e os atores russos.
ela devia se lembrar de algum episódio de paixão, Stanislávski tardio, quando ele propõe uma É muito importante perceber que nós lidamos
estar sempre em processo de abordagem da peça através da ação, de études. com arte e, na arte, não existem as leis das
de sexo em sua vida. Mas ela responde: “Eu sou
construção, em processo de virgem! Como isso é possível?” Porém, depois Esse é um caminho que leva meses, e o caminho Ciências Exatas. Qualquer professor de Física
desenvolvimento, e isso é normal, ela atuou muito bem, o que Boal reconheceu, de Strasberg é bem mais rápido. Talvez, por causa vai ensinar aos seus alunos que se uma bola
e, de vez em quando, entrar e então ela disse: “É que me lembrei de um dia disso, eles conseguiram, tanto Stella Adler quanto for jogada para cima, de qualquer jeito, ela vai
muito quente, que fazia muito calor, e eu estava Lee Strasberg, criar ótimos atores de cinema. Eu acabar caindo na terra, mas no ensino das artes
numa crise e entender que você tomando um sorvete em Copacabana.” Então é não posso dizer, com raríssimas exceções, que o não existe essa verdade única. O Stanislávski
não sabe nada, que seu caminho isso: ela atuou muito bem porque se lembrou de teatro – e não falo da Broadway, porque musical que chegou aos Estados Unidos e foi divulgado
foi errado, não deveria levar à algo sobre sua vida, e não como se fosse Blanche é diferente –, que o teatro dramático norte- aqui, no Brasil, é diferente do Stanislávski direto
Du Bois. americano avançou muito. Mas o cinema foi um da fonte russa, mas por causa desse caminho,
frustração, ao contrário, faz parte grande descobrimento. por causa desse esforço, também tivemos bons
São diferenças bastante grandes, mas o
da pedagogia criativa, que é um interessante é que o Método de Strasberg dá um descobrimentos.
permanente desafio. resultado fantástico no cinema. Fica muito óbvio A pedagogia teatral: uma profissão criativa O importante, a meu ver, na pedagogia
para mim que as experiências de Stanislávski, as Eu me lembro que assisti, certa vez, a uma teatral, é nunca estar parado, é estar sempre se
experiência psicológica, emocional, própria do montagens do próprio Boleslávski, os espetáculos comunicação de Jorge Saura (tradutor das obras descobrindo, se reinventando, sempre criando
ator, que poderia aproximá-lo de Raniévskaia. Os de Vakhtângov no Primeiro Estúdio foram feitos em de Stanislávski para espanhol) sobre Sanford novos métodos de trabalho com os alunos. O
focos são, assim, diferentes. Os atores do Método espaços muito pequenos, e a atuação dos atores Meisner, que trabalhou com Stella Adler e pior pedagogo é aquele que passa a vida inteira
não se transformam em personagens, eles estava em close. É como na filmagem quando se Strasberg no Lab Theatre e depois saiu e formou repetindo a mesma coisa, que entra em sala de
encontram as personagens dentro de si. tem um close, como no cinema quando o ator sua própria escola em Los Angeles. Eu acredito aula com um caderninho, com o plano de aula
O sistema de Stanislávski tem muitíssimos tem que interpretar muito bem todas as emoções. que se procurarmos bem, encontraremos mais de dez, quinze, vinte anos atrás. A profissão
exercícios para o treinamento da imaginação dos Isso é um princípio básico do cinema, e esse tipo e mais ramos que saíram da mesma raiz, mas criativa deve estar sempre em processo de
atores – aliás, o instrumento mais poderoso em de atuação funcionou de maneira excelente no caminharam em direções diferentes. É um tema construção, em processo de desenvolvimento,
qualquer tipo de criação artística. O primeiro ano Primeiro Estúdio. Strasberg herda esse método que me interessa muito e ainda tenho que estudar e isso é normal, e, de vez em quando, entrar
da pedagogia stanislavskiana na escola russa de Boleslávski e de Uspénskaia e o transforma e aprender, mas sei que Sanford Meisner também numa crise e entender que você não sabe nada,
já começa com o treinamento da imaginação. nos Estados Unidos, em outro contexto cultural, brigou com Lee Strasberg, recusou a Memória que seu caminho foi errado, não deveria levar à
Ao meu ver, é importantíssimo desenvolver a em um método eficiente de treinamento para os Afetiva e criou, a partir de Stanislávski, o seu frustração, ao contrário, faz parte da pedagogia
criatividade. Sem imaginação não há arte. Mas atores de cinema. próprio método de atuação. criativa, que é um permanente desafio. Quando
para Strasberg, o mais importante é mergulhar no Eu nunca estudei especialmente Lee Strasberg, Acho importante dizer que o Método de eu leio novas publicações, novos artigos, novos
inconsciente do ator. Strasberg diz que os atores do mas o que eu sei de como ele trabalhou com Strasberg não deveria ser julgado se é pior diretores é sempre muito bom, muito estimulante,
Método não se transformam, não se transfiguram Marilyn Monroe, com Marlon Brando, é esse ou melhor do que o sistema de Stanislávski, eu tenho que pensar para não repetir aquilo que
na personagem, eles encontram a personagem método, digamos, bastante freudiano, em que é simplesmente diferente. Stella Adler não é eu já falei há um ano. Não deve existir essa coisa
dentro de si, substituindo a experiência da peça, o resultado do trabalho do ator é mais rápido. O pior nem melhor que Lee Strasberg, é outra careta de poder tomar apenas um caminho certo
do filme, por sua própria experiência. trabalho de Stanislávski com o Método de Ações possibilidade. É como eu sempre digo, o discípulo – há encruzilhadas de cada nova experiência.
Eu sempre me lembro do exemplo que cita Físicas, de ensaios, de études pressupõe um talentoso nunca segue o passo a passo do mestre, No trabalho da pedagogia teatral, são muitas e
Augusto Boal, em um de seus livros, sobre período muito longo de preparação. O Método de ele briga, recusa, quer ser diferente, aprende muitas horas de dedicação. E, para mim, essa é
os ensaios de Um Bonde Chamado Desejo, de Strasberg é bem mais rápido, porque no cinema de forma dialética, aprende, depois se revolta uma das profissões mais difíceis que existem.
Tennessee Williams em que ele usou o Método o trabalho é passo a passo, você filma e grava a contra o mestre e o nega, para no final das contas
de Strasberg. A atriz que interpretava Blanche Du cena aqui e agora, você não ensaia mês a mês chegar à síntese. Então, estes são, a meu ver, os Entrevista transcrita por Kleber Danoli, editada
Bois não conseguia atuar bem o ódio e a atração para depois mostrar o resultado. No cinema, principais caminhos que o sistema de Stanislávski por Kleber Danoli e Roberta Carbone, com edição
sexual por Stanley Kowalski. Boal, que estudou o ator tem duas horas para atuar, e depois o trilhou nos Estados Unidos: Boleslávski e Maria final de Elena Vássina.
com o Strasberg, dizia para a atriz que essa era diretor vai montar e escolher o melhor material. Uspénskaia, Lee Strasberg e Stella Adler, Mikhail

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Teatro Escola Macunaíma
no Simpósio Internacional
pesquisa
de Stanislávski
POR SIMONE SHUBA1

O Teatro Escola Macunaíma tem como um dos seus eixos investir na docente. Fundamental instrumento que permite texto dramático através de uma análise pela ação,
formação de seu corpo docente, para tanto, além de reuniões semanais que a construção de um coletivo de professores que também leva em consideração o universo
têm como dois de seus focos o desenvolvimento de ferramentas pedagógicas em contínua formação e experiência artístico- do autor, o universo da obra estudada, a partir
de ensino e a investigação de sua metodologia artística inspirada no Sistema pedagógica. de um importante enunciado de Stanislávski: o
de Stanislávski, trouxe importantes artistas-educadores para partilharem Inicio a minha participação no painel trabalho do ator sobre si mesmo, agregando a este
suas práticas e conhecimentos com seus professores. Em março de 2017 Desenvolver a sensibilidade individual em um princípio os seguintes enunciados, eu e o texto, o
foi a vez de o Teatro Escola Macunaíma partilhar seus procedimentos coletivo artístico com o sentido, para o Teatro Escola texto e a cena.
artísticos e pedagógicos no Simpósio Internacional em Praga, República Macunaíma, em não se ter testes de aptidão para A aproximação do aluno ao universo do autor
Tcheca, com o tema: The S Word: Merging Methodologies. (a letra S: fusão nossos alunos ingressarem na escola. Esta marca é como uma experiência holística, que agrega a
de metodologias) era muito cara para nosso saudoso diretor, Nissim mente, o corpo e afeto do ator estudante, como
A escola foi representada pelo seu diretor, Luciano Castiel, e pelas Castiel, e fundamental para nossa coordenadora propõe Stanislávski nos seus últimos anos. A
professoras Marcela Grandolpho e Simone Shuba. Preparamos uma pedagógica, Debora Hummel, no sentido de uma experiência física e sensorial é feita através de
apresentação de sessenta minutos, um painel intitulado Desenvolver a escola para todos. procedimentos práticos que se relacionam com a
sensibilidade individual em um coletivo artístico. Luciano Castiel iniciou a Em seguida relato alguns aspectos do poética do autor. Como exemplo foi partilhado um
partilha do Teatro Escola Macunaíma no Simpósio dando um panorama início da formação de nossos alunos no curso procedimento que o professor Paco Abreu propôs
dos projetos desenvolvidos pelo Teatro Escola, dentre eles, a publicação da profissionalizante. O PA1, Preparação de no Projeto Chama, em 2017, acerca do universo do
biografia de seu diretor entre 1980 e 2010, Nissim Castiel, e de pesquisas Atores 1, onde o sistema de Stanislávski é um dramaturgo sueco August Strindberg (1849-1912),
de seus professores e coordenadores através da Coleção Macunaíma no caminho, uma alfabetização para o sensível, a partir do estudo de sua obra Rumo a Damasco,
Palco: Uma Escola de Teatro, parceria entre a escola e a editora Perspectiva, para a sensibilização de nosso aluno através escrita entre 1898 e 1901. Paco Abreu, em sua
que conta, por ora, com oito livros publicados. Castiel relatou também a da estimulação de sua individualidade criativa. condução através da experiência prática com
experiência dos Cadernos de Registro Macu, revista publicada pela escola Alguns dos elementos ou conceitos do sistema os professores participantes do Projeto Chama,
desde 2013 e que está em sua décima segunda edição. Essas revistas de Stanislávski são condutores para esta jornada: colocou fitas crepe no chão que lembravam uma
trazem importantes artigos de pesquisadores acerca da pedagogia teatral, Imaginação, Concentração, Comunicação, Tempo mandala2 – o mistério de Strindberg; propôs as
entrevistas com criadores teatrais e registros das práticas artístico- Ritmo, Circunstâncias Propostas, Acontecimentos seguintes ações aos professores: caminhar na
pedagógicas de professores, alunos e ex-alunos do Teatro Escola. O Projeto e Tarefas. Em seguida expus como trabalhamos mandala, na linha e fora da linha, simbolizando
Chama também foi alvo da comunicação feita por Luciano. Nesse projeto, a Análise Ativa, termo cunhado, aqui no Brasil, estar fora do eixo, empurrar a parede, quebrando
o sistema de Stanislávski é tema de investigação. A cada semestre, novos por Eugênio Kusnet (1898-1975) a partir da última qualquer padrão, deformar o corpo, construir e
materiais bibliográficos são investigados acerca da obra de Konstantin etapa de investigação artística e pedagógica quebrar relações, características próprias desse
Stanisklávski (1863-1938) em busca de um diálogo contínuo entre a de Konstantin Stanislávski, chamado por ele, autor. A essa experiência agrega-se a pesquisa
teoria e a experiência prática de um coletivo de professores, que a cada e traduzido por Elena Vássina como o Novo do contexto cultural e histórico do autor e sua
semestre também se renova. Luciano Castiel fechou a sua participação Método de Ensaios, conhecido como Método relação com a sociedade.
relatando a importância das reuniões gerais que reúnem todo o corpo das Ações Físicas e sistematizado por uma das Retornando a etapa de investigação que
mais importantes discípulas e colaboradoras de
K. Stanislávski, Maria Knebel (1898-1995). No
1. Doutoranda e mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Literatura e Cultura Russa da FFLCH / USP, é 2. Representação geométrica da dinâmica relação entre o homem e o
diretora-pedagoga e atriz, com passagem pelo Centro de Pesquisa Teatral (CPT), sob a coordenação de Antunes Teatro Escola Macunaíma, optamos pelo termo cosmo. Toda mandala é a exposição plástica e visual do retorno à unidade
Filho. Especialista em meditações ativas do mestre indiano Osho e pesquisadora do Sistema Stanislávski, tem pela delimitação de um espaço sagrado e atualização de um tempo
publicado o livro Stanislávski em Processo (Perspectiva, 2016). Análise Ativa, onde introduzimos o estudo do divino.
pesquisa

O trabalho
proponho no PA1 sobre o universo da peça, O objetivo principal é ajudar o aluno a encontrar produzimos uma resposta mais superficial à
partilhei o procedimento que experimento com sua própria voz, conhecer seu aparato vocal e linguagem.
meus alunos de registrar, depois de sua primeira amplificar sua audição para as características Assim, todos os exercícios do corpo vocal são
leitura sobre a obra estudada, suas primeiras
impressões, sensações e percepções iniciais,
com o texto: sutis de sua voz.
Por isso, trabalhamos principalmente
aqui combinados com práticas imaginativas para
ajudar a conectá-los para liberar seu corpo para
que para K. Stanislávski são sementes para a
construção de um papel e de um espetáculo. Esse transformando nos elementos do corpo vocal: alinhamento,
respiração, fonação, ressonância e articulação.
as transmissões de impulsos.
Nesse ponto, minha pergunta é: depois de todo
procedimento permite ao criador, em qualquer
momento do processo de criação, retornar a palavras em Essa exploração ajuda o aluno a encontrar
equilíbrio entre a respiração, sons completos
o processo de Análise Ativa, fazendo os estudos,
como o estudante volta para a peça e começa

ação vocal
essas primeiras impressões como uma referência e sustentados, ressonância plena e clareza a conectar as palavras do autor com sua vida
que possa ser ressignificada. Essa primeira na articulação. Mas não necessariamente ele interior?
impressão muitas vezes se perde com o estudo encontrará liberdade para se conectar com Nessa etapa, o objetivo é sensibilizar os
do texto, se transforma, por isso a importância do seus impulsos, expressar seus pensamentos e artistas para que entendam a linguagem como
registro como sementes e iscas contínuas para o sentimentos. Isso acontece na segunda etapa. parte da essência de uma pessoa, e o ator deve
POR MARCELA GRANDOLPHO3
processo. Fiscalizar as primeiras impressões pode tentar encontrar uma maneira de comunicar isso
ser um primeiro passo para um mergulho mais Segunda etapa: Desbloqueio através de seu próprio senso de identidade.
Chego à conclusão de que para resolver
profundo no texto, bem como para experienciar os O valor literário de um texto e o falar dele
a principal questão da arte dramática – a
temas propostos pelo autor. Assim, a próxima fase do trabalho é superar a para comunicar o sentido lógico não devem ser
questão da arte da palavra – Stanislávski e
Na etapa eu e o texto procuro estabelecer com desconexão entre o processo de voz e de atuação. avaliados acima da resposta instintiva e do desejo
Nemiróvitch-Dântchenko propunham a nós,
os alunos relações dos assuntos tratados na obra Objetivos: do ator de se conectar a uma fala mais imaginativa
pedagogos, diretores e atores do teatro, um
com os seus universos pessoais e o nosso tempo. - encontrar liberdade vocal e capacidade de das ideias e sentimentos no diálogo.
caminho dialético. Ao considerar a palavra
Lanço as perguntas: o que nesse texto me mobiliza, resposta; Isto é, o texto não tem “um verdadeiro
do autor tanto o ápice como a origem
me motiva? O que eu reflito com este texto? Para - deixar de limitar os hábitos que poderiam significado” que você tem que alcançar, mas é
da criação, eles nos preveniam contra o
depois estabelecer com o coletivo de atores- influenciar suas respostas criativas e vocais; um equilíbrio entre seu verdadeiro eu, sua voz e a
perigo que se esconde em uma abordagem
estudantes, hipóteses para outros conceitos do - permitir que ele esteja “no momento”; realidade da personagem.
“demasiado direta” do texto (KNÉBEL, 2016,
sistema de Stanislávski: a Supertarefa, a Ação O processo de Análise Ativa descrito
p.230).
Contínua e os Acontecimentos que conduzem A ação verbal é a capacidade do ator anteriormente pela Shuba é essencial para que o
a obra de seu Acontecimento Inicial para o de contagiar o parceiro com suas visões. É ator se aproxime da linguagem do texto, mas na
Eu tenho ensinado Interpretação Dramática e
Acontecimento Principal. importante ver vívida e claramente para fazer maioria das vezes ainda é difícil fazer com que as
Expressão Vocal no Macunaíma desde 2007. Na
Por fim, na etapa o texto e a cena, trabalho com que o parceiro veja, da mesma maneira palavras sejam suas.
minha apresentação em Praga, como parte do
também com a construção de cenas que não viva e clara, aquilo sobre o que você está Minha resposta para isso é a ideia de
painel organizado pelo Teatro Escola Macunaíma,
estão na obra, mas poderiam estar, estudo de falando. O campo da ação verbal é enorme. incorporação ou encarnação.
falei um pouco sobre como organizo minhas
algum(ns) Acontecimento(s) que se relacionam Um pensamento pode ser transmitido com
aulas de Expressão Vocal em relação ao Sistema
com a Supertarefa, estudos onde as palavras são uma proposição, entonação, exclamação, Estágio três: Incorporação
Stanislávski.
desnecessárias para se investigar as relações ou mesmo com palavras (TOPORKOV, 2016,
Enquanto os estudantes estão vivenciando
contidas na obra. Esse processo tem por objetivo p.219). De acordo com Zarrilli (2009, p.19), o
esse processo, que a professora Shuba acaba de
ir pouco a pouco aprofundando a percepção da treinamento em modos específicos de prática
descrever, nas aulas de Expressão Vocal também
obra através da ação e da descoberta dos sentidos A metodologia que uso é principalmente incorporada “quickens one’s awareness,
estamos desenvolvendo os atores trabalhando em
mais relevantes e profundos da obra em mim, influenciada por Kristin Llinklater, com quem tive heightens one’s sensory acuity and perception,
si mesmo.
criando cenas que se relacionem com o ator e o o privilégio de estudar durante os meus dois anos and thereby animates and activates the entire
autor, com o nosso tempo, com nossa sociedade. em Londres, fazendo meu Central mestrado em body mind. This inner activity is resonant and
Primeiro estágio: O trabalho do ator sobre sua
Assim terminei minha participação e Estudos da Voz na School of Speech and Drama. therefore ‘felt’4.”
própria voz
passamos a ter a partilha da professora Marcela Segundo Linklater (2006), o comportamento
Grandolpho falando sobre O trabalho com o texto: socialmente condicionado nos fez perder a
3. Professora, atriz, diretora e preparadora vocal. Única brasileira formada
transformando palavras em ação vocal. pela Demídov Summer School para ensinar a prática do Método Demídov capacidade de nos comportarmos reflexivamente. 4. Tradução minha: “acelera a consciência de uma pessoa, aumenta a
sob supervisão do professor Andrei Malaev-Babel. acuidade sensorial e a percepção, e, portanto, anima e ativa a mente-
Nossos impulsos são bloqueados, por isso corpo inteira. Essa atividade interna é ressonante e, portanto, ‘sentida’.”

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pesquisa

Agora, gostaria de falar brevemente sobre Concentração, Imaginação e Atmosfera que são - Supertarefa: encontrando uma linha central; Pensando nos Círculos de Atenção do Sistema
uma experiência pessoal que moldou a minha cruciais nesse processo de incorporação. - Estrutura e pontuação; Stanislávski, (eu comigo, eu com o outro, eu com
maneira de ensinar. Como atriz, professora de voz O trabalho visa ajudar o ator a encontrar ações - Conseguindo atenção; o todo), o trabalho vocal poderia ser visto assim:
ou apenas uma pessoa tentando se comunicar, vocais e responder aos impulsos durante a cena. E - Irradiando e recebendo;
quando eu estava em Londres, descobri que ser capaz de falar o texto totalmente expressando - Atmosferas e qualidades;
era muito desafiador e estressante expressar o que está por trás dessas palavras, o Subtexto. - Gesto Psicológico;
plenamente meus pensamentos e sentimentos Durante as improvisações, ao expressar o texto - Tempo Ritmo;
em outro idioma, eu sempre estava editando a do autor com suas palavras, é muito comum que - Camadas de circunstâncias;
mim mesma. E toda vez que eu estava muito os alunos falem o Subtexto, que também é uma - Resistência.
cansada ou muito emotiva, eu falava português criação sua. Subtexto, assim, transforma-se em Basicamente, usamos a Visualização e a
com as pessoas sem nem perceber. texto. Porém, quando isso acontece, uma das personificação ao longo de todo o processo,
Comecei a explorar o conceito de incorporação e camadas do trabalho interpretativo é eliminada. para descobrir como o texto pode nos levar
exercícios para incorporar a linguagem como uma As práticas de Tchékhov auxiliam na aproximação ativamente a esses diferentes espaços na mente
possibilidade de desenvolver minha comunicação com as palavras do autor e no desenvolvimento da personagem e como cada pensamento tem
em outra língua. dessas duas camadas, texto e Subtexto, aquilo uma textura e dinâmica ligeiramente diferentes.
Então, decidi pesquisar como as técnicas que é dito e aquilo que não é dito, mas é entendido. Para entender isso, trabalhamos muito com a
psicofísicas de atuação poderiam ajudar o ator a Ao nos permitir abordar todo o conteúdo de respiração e com a vida física do pensamento. De acordo com Paulo Freire, os alunos não
incorporar plenamente o texto da peça. E encontrei uma peça com uma linguagem prática, Tchékhov A linguagem do dramaturgo expressa são recipientes vazios. Seus corpos contêm
Mikhail Tchékhov. nos permite tomar nossas próprias decisões pensamentos que precisam ser precisamente ferramentas vitais para o aprendizado. Por isso a
A essa altura, eu estava fazendo preparação sobre o que priorizar dentro desse conteúdo e englobados pela consciência correta da energia necessidade de atividades vivenciais que usam
vocal para uma performance com um elenco de sua expressão. Ao explorar a performance do da respiração, e a liberação desses pensamentos seus corpos e mentes de maneiras memoráveis
atores internacionais e ingleses e percebi que texto, a abordagem de Tchékhov nos lembra no / através do som, é uma Ação Física que ocorre e significativas. Dar a voz a alguém é transformar
as técnicas poderiam ser aplicadas a todos os continuamente que a peça no palco não é um através do corpo do ator e não é apenas cerebral. palavras em carne e osso. É esse tipo de
atores, porque mesmo que você esteja falando meio de articular uma ideia que já tenha sido Palavras e sons devem ser experimentados experiência que procuro proporcionar nas aulas
sua língua materna, você precisa se conectar com definida em palavras, como uma opinião ou crítica visceralmente. de Expressão Vocal para que a verdade do ator
as palavras e um fluxo de pensamento que são diretiva, conceito ou instrução. É um meio capaz Em português, a palavra “inspirar” significa encontre a verdade do papel.
diferentes do seu. de desenvolver suas próprias ideias, e somente tanto deixar o ar entrar como abrir espaço para
O foco estava em olhar para o seu corpo como elas podem ser entendidas diretamente através uma nova ideia. Então você precisa de um novo Referências Bibliográficas
sendo realmente flexível e com maior potencial da ação. fôlego para permitir uma nova imagem, pensada CHEKHOV, Michael. To the Actor: On the Technique
de expressão, e olhar para a linguagem não como Assim, o método de Tchékhov direciona a para ganhar vida. of Acting. London: Routledge, 2002.
uma ferramenta distinta, fora do seu corpo e imaginação e a criatividade do ator para construir A Supertarefa é uma excelente ferramenta. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia:
cultura, mas como uma parte integrante do seu um discurso em movimento. Seja o que for que a Encontrar essa essência de um texto reduzido a Saberes Necessários à Prática Educativa. São
próprio corpo. mente possa imaginar, o corpo deve seguir com uma linha a partir da peça serve para concentrar Paulo: Paz e Terra, 1996.
Não importa que formas estéticas sejam movimento e som adequados. o pensamento em sons, imagens, relações, KNÉBEL, Maria. Análise-Ação: Práticas das Ideias
empregadas ou quão abstrata é a concepção do O treinamento do ator é um treinamento da símbolos e ações essenciais, que levam a Teatrais de Stanislávski. São Paulo: Editora 34, 2016.
corpo performativo, o corpo do ator deve sempre consciência, um aprendizado da escuta do corpo encontrar um conceito de direção para o todo. LINKLATER, Kristin. Freeing the Natural Voice.
ser cultivado como um instrumento capaz de e de como se deixar levar por essa escuta. O trabalho de resistência indica exercícios de London: Nick Hern, 2006.
formas expressivas variadas e sutis. Aqui está uma lista de ferramentas e conceitos resistência física mesmo. O sentimento de luta TOPORKOV, Vassíli. Stanislávski Ensaia –
Mikhail Tchékhov propõe vários exercícios que uso para desenvolver exercícios: ajuda o ator a sentir e pronunciar as palavras de Memórias. São Paulo: É Realizações, 2016.
úteis para aumentar a flexibilidade e capacidade - Visualização e incorporação; maneira mais concreta. Os músculos respiratórios ZARRILLI, Phillip B. Psychophysical Acting: An
de resposta do corpo. Além de exercícios físicos - Respiração e a vida física do pensamento; estão totalmente envolvidos, e a mente está “no Intercultural Approach After Stanislavski. London:
específicos, Tchékhov propõe exercícios de - “INSPIRAÇÃO”; momento”. Routledge, 2008.

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pesquisa

Nikolai Demídov:
O teatro russo redescoberto

POR MARCELA GRANDOLPHO1 O Teatro Escola Macunaíma, sempre pioneiro Em 1907, Demídov muda-se para Moscou para ele ficou tão interessado no teatro e, em
em suas pesquisas sobre o Sistema, percebeu a estudar Medicina na Universidade de Moscou particular, no interno (psicológico) da
Em julho de 2017, representando o Teatro importância de trazer esse conhecimento para com foco em psiquiatria. Nesse ano, Sulerjítski, técnica de atuação, que ele se dedicou
Escola Macunaíma, fui passar um mês na Rússia o Brasil e para toda América Latina, e então que já era amigo de Demídov e atual diretor do inteiramente à arte. Todos esses anos, ele
para fazer parte da primeira edição da International propusemos ao professor Malaev-Bábel traduzir Teatro de Arte de Moscou (TAM), apresenta-o para tem me ajudado a desenvolver esse aspecto
Demídov Summer School. a obra de Demídov para o português. Ele disse Stanislávski. rico e complexo do trabalho do ator. No
A convite do professor Andrei Malaev-Bábel, que isso só seria possível de ser feito se houvesse Stanislávski fica bastante impressionado com momento, penso, ele é um dos poucos que
que conheci em um simpósio sobre Stanislavski alguém que conhecesse a prática profundamente Demídov e confia a ele a educação física e moral conhece o “sistema” em teoria e prática. Ele
em Praga, fui para lá estudar a prática do método para poder supervisionar a tradução. Portanto essa de seu filho Igor Aleksêiev. passou quatro anos no meu estúdio como
Demídov, a fim de posteriormente trazer esse foi minha missão: ir à Rússia aprender a prática Ele forneceu todo o material de psicologia diretor de ópera e professor. Por dois anos,
conhecimento ao Brasil e trabalhar na tradução do método, estabelecer um grupo de pesquisa no que Stanislávski estudou. É com Demídov liderou a Escola de Arte de Moscou (depois
para o português dos cinco livros escritos por Brasil para conduzir essa prática sob orientação que Stanislávski começa a pensar no papel do de Sulerjítski e Vakhtângov), cultivando
Demídov. de Andrei Malaev-Bábel e posteriormente inconsciente na arte do ator, e é também ele que atores e conduzindo aulas no “sistema3.”
Andrei Malaev-Bábel, professor da Florida State trabalhar na tradução dos livros. apresenta a Stanislávski as práticas de hataioga.
University (FSU) e da New College of Florida e Em 1913, Demídov se forma na universidade Os resultados que Demídov conseguiu com os
chefe do Departamento de Atuação da FSU/Asolo Afinal, quem é Demídov? e vai estudar medicina tibetana e homeopatia, estudantes do Teatro de Arte de Moscou fizeram
Conservatory for Actor Training, tem dedicado os Nikolai Demídov nasceu em oito de dezembro além de continuar seus estudos aprofundados na Stanislávski proclamar: “Nossa escola, preparada
últimos anos da sua carreira a pesquisar, ensinar e de 1884 na cidade de Ivanovi-Voznesensk. Seu pratica e filosofia da ioga. Em 1919, Stanslávski por Demídov, carrega Deus nela4.”
disseminar pelo mundo o método de Demídov. Ele pai, Vasili Viktorovich Demídov, fundou o teatro convence Demídov a largar a medicina e se Quando Demídov começa a ensinar os atores
é a única autoridade no assunto e foi responsável popular da cidade, no qual trabalhou como ator, dedicar inteiramente ao teatro. do TAM, ele aplica estritamente o Sistema de
pela organização e tradução para o inglês da obra diretor e administrador. Demídov participou Durante quatro anos, Demídov ajudou acordo com o que Stanislávski pensou. Cada
de Demídov. intensamente das atividades no teatro de seu pai, Stanislávski no Opera Studio do Teatro Bolshoi. elemento do Sistema é exercitado separadamente,
Quando o conheci em Praga, sua obra que influenciou fortemente seu pensamento nas Em 1921, ele organizou o quarto Studio do TAM, para que todos sejam integrados mais adiante
acabara de ser publicada e estava causando artes. que liderou até 1925. Em 1922, com Sulerjítski e e conduzam ao estado de criação. Ao trabalhar
bastante impacto no meio teatral. Todos queriam Nikolai Demídov foi uma criança muito Vakhtângov2 mortos, Demídov assume a liderança assim, ele se depara com uma dificuldade
conhecer mais sobre Demídov, o homem que foi o doente, condenado pelos médicos a passar a do TAM, se tornando um dos três professores enorme em conseguir que os atores tenham
colaborador mais próximo de Stanislávski por mais vida na cadeira de rodas. Inconformado com originais do Sistema.
de trinta anos e um dos três professores originais tal perspectiva, Demídov pega dois revólveres e Em 1926, Stansilávski disse:
3. “I have known Nikolai Demidov for 15 years. This is a selfless enthusiast,
do Sistema Stanislávski, que permanecera no aponta um para o coração e outro para a cabeça. and a man full of genuine love and dedication to the art. From the time
anonimato por todos esses anos. Suas proposições Ele sobrevive aos tiros. Então resolve desenvolver Conheço Nikolai Demídov há 15 anos. we met, he became so interested in theater and, in particular, the internal
(psychological) acting technique, that he entirely devoted himself to art.
e avanços em relação ao Sistema são, a meu ver, um treinamento físico para se recuperar, se Este é um entusiasta altruísta, e um homem All these years, he has been helping me develop this rich and complex
aspect of the actor’s work. At the moment, I think, he is one of the few who
revolucionários para o trabalho do ator e para a engaja na ioga e em outras práticas espirituais. cheio de amor genuíno e dedicação à arte. knows the ‘system’ in theory and practice. He has spent four years in my
studio as an opera director and teacher. For two years, he led the Moscow
formação do olhar do diretor-pedagogo. Ele se destaca no atletismo com recordes em Desde o momento em que nos conhecemos, Art Theater School (after Sulerzhitsky and Vakhtangov), cultivating actors
and conducting classes in the ‘system’” (STANISLÁVSKI apud MALAEV–
levantamento de peso e vai ensinar o treinamento BABEL, Andrei. Nikolai Demidov – Russian Theater’s Best-kept Secret.
1. Professora, atriz, diretora e preparadora vocal. Única brasileira formada desenvolvido por ele na Sociedade Atlética de São In: Stanislávski Studies – Pratice, Legacy and Contemporany Theatre,
London/New York: Routledge, v.3.1, n.2, mai. 2015, p. 69-81, p.72).
pela Demídov Summer School para ensinar a prática do Método Demídov 2. Membro do Teatro de Arte de Moscou e um dos três professores originais
sob supervisão do professor Andrei Malaev-Bábel.
Petersburgo. do Sistema Stanislávski.  4. “Our school, prepared by Demidov, must carry God in it” (Ibidem , p.72).

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liberdade e espontaneidade durante os ensaios. a luz! Conte-me, eu imploro, como você faz isso?
Na tentativa de entender onde estava o erro, ele Eu penso que isso deve ser incrivelmente difícil!
para de trabalhar na peça e começa a investir no - O que é difícil? Eu corro, nada demais.
trabalho de ator. Isso é muito importante no seu - Como assim, nada demais? Meu coração para
método, ele serve para desenvolver o talento do só de pensar nisso: você tem quarenta pernas,
ator. É um treinamento que, como ficará claro a como você as administra? Mais que isso: elas
seguir, muda o modo de iniciar a preparação do todas trabalham ao mesmo tempo e cada uma
ator, o que por consequência mudará o como ele faz seu trabalho.
se aproxima do papel. - Eu juro, é muito simples: eu só levanto a
Em seu terceiro livro, The Art of Living on Stage primeira perna e o resto acontece.
(A Arte de Viver no Palco), Demídov diz: - Que mentirosa! Olhe: sua primeira perna é
levantada até o fim, enquanto sua sexta perna
Você poderia pensar que havia muita está apenas dobrada e a trigésima segunda
teoria e prática insuficiente? Não. Havia ainda “pensa” em se dobrar… Olhe, olhe!
muita prática. O erro estava escondido - Meu Deus! É verdade: cada perna funciona por
em outro lugar: ao dividir racionalmente si só. Como é possível?
em elementos o processo criativo
indivisível,nós assassinamos o principal: a Ela começa a se observar: “Vamos ver, o que
espontaneidade e a natureza involuntária minha trigésima sétima perna está fazendo
da vida no palco, isto é, nós assassinamos enquanto a décima terceira… e a sétima…” Ela
o processo criativo em si5. quis desistir – “Impossível!” –, mas o pensamento
continuava a voltar: “O que essa perna está
O aluno repetia a triste história da centopeia de fazendo enquanto…” Ela parou de correr, ela mal
um conto conhecido: era uma vez uma centopeia; conseguia andar.
suas quarenta pernas a carregavam por todos os
lugares em uma velocidade que ninguém podia Assim, Demídov percebeu a necessidade
alcançá-la e nem escapar dela. Muitas pessoas de um sistema que sintetizasse o treinamento
invejavam-na, mas o escorpião a invejava mais: do ator. O treino deveria ser fundamentado pelo
princípio da liberdade, para que este se tornasse
- Oh, que corredora você é! Ah, tão veloz quanto a segunda natureza do ator e sua única forma de
existir no palco.
Alcançar a liberdade e a espontaneidade no
5. “Perhaps tou might think that there was too much teory and not enough palco é um trabalho difícil e que exige muita
practice? No. There was plenty of practice. The mistake was hidden
elsewhere: by rationally dividing into elements the indivisible creative coragem. Estamos acostumados a restringir,
process, we murdered the main thing: spontaneity and thein vonluntary
nature of life on stage, i.e. We murdered the creative process itself” controlar, inibir, administrar as manifestações
(DEMIDOV, Nikolai. Nikolai Demidov: Becoming an Actor Creator.
que estão conectadas com nossa sensibilidade Stanislávski e Demídov, Moscou, 1935. Imagem extraída do livro Nikolai Demidov: Becoming an Actor Creator (Routledge,
London/New York: Routledge, 2016, p.63). 2016).

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espontânea. O treino do controle foi a vida o ator para que encontre ações autênticas no a alguns professores, eu acredito que os of Living on Stage é editada por Vladimir Bogachov,
que nos deu. O treino de Demídov serve para palco de acordo com a peça. Mas ele faz isso ao estudantes, iniciantes... devem... ser conduzidos assistente de Demídov, com introdução de Boris
desenvolver e cultivar a habilidade de permitir encaminhar o ator para a percepção correta. Um imediatamente em direção ao subconsciente. Isto Livanov e Maria Knébel. Suas outras obras só
reações espontâneas, resultantes da percepção pedagogo, para ensinar o ator o que é uma ação deve ser feito nos estágios iniciais8.” seriam publicadas entre 2004 e 2009, graças
do imaginário. O aprendizado é saber dizer sim, autêntica, deve desenvolver nele os caminhos da Na introdução do livro, Stanislávski agradece aos esforços de um ex-aluno de Demídov, Oleg
dar sinal verde, permitir que as ações aconteçam percepção. a ajuda de Demídov tanto para implementar o Okulevich, e sua esposa, a importante acadêmica
100% a partir de impulsos gerados pela percepção Na vida, isso acontece naturalmente. A Sistema como para criar o livro e expor seus erros de São Petersburgo, Margarita Láskina. Ou seja,
do parceiro de cena e do espaço no momento percepção ocorre de forma involuntária, é (STANISLÁVSKI, 2008, p.8). o trabalho de Demídov permaneceu esquecido
presente do étude6. Sendo assim, e só assim, subconsciente. No palco, é preciso que ela Nos anos 1930, Demídov começou a escrever por mais de sessenta anos, e essas publicações
podendo ser chamadas de ação autêntica. Essa aconteça dessa mesma forma e que se desenvolva seus próprios livros, que só seriam publicados permitiram que a Rússia redescobrisse Demídov.
ação não é planejada a priori e não é administrada a partir da necessidade de viver as circunstâncias muito tempo depois da sua morte. São eles: The Desde 2008, o professor Andrei Malaev-Bábel
pelo ator, ela é uma resposta espontânea e honesta da obra. O ator deve se habituar a esse processo Art of the Actor – Its Presente and Future (A Arte pesquisa e retoma a prática do treinamento de
ao que de fato acontece no momento do étude. de percepção criativa e fazer do mesmo sua do Ator – Seu Presente e seu Futuro); Actor Types Demídov para o ator. Em 2016, foram publicados
A percepção é a fonte de todas as ações. “Todas segunda natureza. (Tipos de Atores); The Art of Living on Stage – From em inglês os cinco livros de Demídov reunidos na
as nossas manifestações, todo pensamento, toda A ação nasce da resposta a essa percepção, ao a Theatre Teacher’s Laboratory (A Arte de Viver no obra Nikolai Demidov: Becoming an Actor Creator,
sensação é nada se não uma reação do nosso ser permitir que os impulsos gerados movam a cena. Palco – Do Laboratório de um Professor de Teatro); editada por Malaev-Bábel e Láskina.
a um impacto externo ou interno7.” Para treinar a percepção criativa, Demídov The Artist’s Creative Process on Stage (Processo Essa obra será traduzida para o português sob
Sendo assim, Demídov afirma que a ação não desenvolveu uma série específica de études, que Artístico-criativo no Palco); Psycho-technique of minha supervisão e deve ser publicada no Brasil
é a causa primária do estado emocional, e que a colocam o ator em um lugar com que ele não the Affective Actor (A Psicotécnica do Ator Afetivo). nos próximos anos pela Editora Perspectiva em
percepção deve ser considerada a causa primária está acostumado, seja no palco ou na vida. Um Apesar de ter tido uma carreira como um parceria com o Teatro Escola Macunaíma.
tanto das nossas ações como do nosso estado lugar no qual ele não tem que pensar em “fazer”, dos grandes professores de teatro da Rússia, o
emocional. “resolver”, “realizar”, “cumprir”; e sim “esvaziar”, destino de Demídov foi bastante trágico. Quando Referências Bibliográficas
Um diretor habilidoso pode conduzir, orientar “perceber”, “receber”, “deixar acontecer”. E Stanislávski morreu, alguns de seus discípulos DEMIDOV, Nikolai. Nikolai Demidov: Becoming
isso exige uma enorme coragem. Os études de em posições de poder, que acreditavam que an Actor Creator. London/New York: Routledge,
Demídov tiram o ator do trabalho analítico e o as inovações de Demídov poderiam ameaçar 2016.
6. Os études de Demídov são diferentes dos de Stanislávski. Neles, um
texto simples é dado aos atores e nada mais. O texto fornece algumas das fazem trabalhar com o inconsciente o Sistema, conseguiram que Demídov fosse MALAEV–BABEL, Andrei. Nikolai Demidov
Circunstâncias Dadas, mas não determina papéis, os relacionamentos, o
lugar ou a hora. O texto nunca é discutido, mas simplesmente repetido O trabalho desenvolvido por Demídov foi tão demitido da maioria das escolas nas quais – Russian Theater’s Best-kept Secret. In:
várias vezes pelos atores. O condutor, então, pede aos atores que
esqueçam o texto, “o jogue fora de suas cabeças”, e permaneçam vazios impactante que Stanislávski afirmou ser ele o ensinava. Durante a Segunda Guerra, Demídov é Stanislávski Studies – Pratice, Legacy and
por dois ou três segundos. O primeiro impulso após esse período de vazio
(seja pensamento, movimento, sensação ou humor) é seguido pelos
único que entendeu verdadeiramente o Sistema forçado ao exílio, retornando a Moscou em 1949 Contemporany Theatre, London/New York:
atores, que permitem passivamente que este impulso viva durante o e o convidou para editar seu livro An Actor’s Work. por conta de sua saúde deteriorada. Ele morre em Routledge, v.3.1, n.2, mai. 2015, p. 69-81.
étude. O que se segue é uma improvisação espontânea das circunstâncias
(relacionamentos, tempo, espaço, fatos) incorporadas pelos atores no Toda essa experiência fez Stanislávski oito de setembro de 1953. STANISLAVSKY, Konstantin. An Actor’s Work:
curso do estudo.  A capacidade dos atores de perceber as circunstâncias
e o parceiro é cultivada nos études. Uma vez que os arredores reais e o reconsiderar alguns capítulos de seu livro. Em 1965, uma edição resumida da obra The Art A Student’s Diary. London/New York: Routledge,
parceiro se tornam a fonte principal para a imaginação do ator, os études
de Demídov abrem os canais perceptivos dos atores e desenvolvem a sua Porém seu prazo de publicação com os editores 2008.
percepção criativa. O comportamento ativo e a vida emocional ocorrem nos
estudos de Demídov assim como na vida - como reações às circunstâncias americanos já tinha expirado. Então Stanislávski
8. “In total oposition to some teachers, I beleive that students, beginners...
percebidas, afirmando assim a primazia da percepção sobre a ação. acrescenta um último capitulo o XVI, sobre o should... be led immediately toward the subconcious. This should be done
7. “Our every manifestation, every thought, every feeling is nothing if not a papel do subconsciente: “Em oposição total in the early stages” (STANISLAVSKY, Konstantin. An Actor’s Work: A
reaction o four being to an external or internal impact” (Idem, p.266). Student’s Diary. London/New York: Routledge, 2008, p.330).

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| CADERNO DE REGISTRO MACU (PESQUISA)
Espiral: processo de
investigação artístico-
em processo
pedagógica no universo
brechtiano
POR ANDRÉ HAIDAMUS1

O grupo de alunos-atores-pesquisadores e o encontro com a artista madeira.” Ela falava do chão de madeira da sala de espaços públicos e privados da cidade de São
Luah Guimarãez: com brilho nos olhos e um sorriso contagiante. Paulo, onde vivenciaram e colocaram em fricção o
O grupo é composto por alunos do curso técnico-profissionalizante da Aos poucos, a sala amarela foi sendo ocupada material da pesquisa da obra de B. Brecht.
unidade Butantã, do módulo Preparação de Atores (PA2), de 2017/2. O tema não só pelos alunos envolvidos no processo, mas Discutimos abertamente algumas questões
da 87º Mostra de Teatro do Macu (A Pedagogia da Cena: Caminhos Para por outros tantos alunos de módulos e processos que envolvem o trabalho com o universo do
Construir o Segundo Plano da Obra) nos levou para a seguinte pergunta diferentes, ex-alunos hoje atores formados pelo autor: o indivíduo social, a coletividade, o poder,
investigativa: Como eu (ator) posso existir nas Circunstâncias de uma Teatro Escola Macunaíma e alguns outros tantos o dinheiro, as escolhas, os regimes. Todas as
personagem? professores, amigos e também admiradores da questões foram primordiais para a compreensão
O processo criativo percorreu quatro etapas de pesquisa no Sistema nossa convidada. do humano na obra e no processo de criar.
Stanislávski, sendo: a busca – vivência – encarnação e impacto. Em Foi com a energia do chão de madeira que ela Finalizamos o encontro buscando construir
decorrência das etapas de busca e vivência, levantamos temas a partir da começa se apresentando, falando não só com pontes entre todo o conteúdo partilhado e o
obra Aquele Que Diz Sim, Aquele Que Diz Não, de Bertolt Brecht. Levamos os palavras, mas com o corpo e o espírito. Começou Sistema Stanislávski. Ela parecia falar com pouca
temas para a Análise Ativa e refletimos coletivamente sobre a importância com um breve relato de sua formação como atriz intimidade do Sistema e, ao mesmo tempo, com
e relevância dessas temáticas no meio no qual vivemos, no processo de na Unicamp, da experiência conquistada com o enorme apropriação, pois em todos os exemplos,
formação artística do ator. Nesse ínterim, propus ao grupo a experiência encenador Marcio Aurélio na fundação do grupo casos, situações e aprendizados partilhados
de aproximação com a artista Luah Guimarãez, por quem tenho profunda Razões Inversas, nos contou de sua estadia nos por Luah estava presente um dos princípios
admiração por sua qualidade profissional como atriz e pesquisadora, pelos Estados Unidos para a formação em Viewpoints, fundamentais para a vivência no Sistema: o
grandes trabalhos desenvolvidos por seu grupo, a Mundana Companhia, no Citi Company, até chegar ao encontro com Aury trabalho do ator sobre si mesmo.
e principalmente por sua representatividade no cenário teatral paulistano. Porto e a criação da Mundana Companhia. Nesse Em nome do grupo de alunos que me motivou
Na ocasião, ela estava em cartaz com o espetáculo Dostoiévski Trip e, momento, fomos presenteados com detalhes na organização deste encontro, quero agradecer
de 2014 a 2017, esteve em processo com o projeto Imersão - Na Selva das importantes sobre a criação do espetáculo de à Débora Hummel e ao Teatro Escola Macunaíma
Cidades, de Bertolt Brecht, ambos dirigidos por Cibele Forjaz. O encontro- maior reconhecimento do grupo, O Idiota – Uma por abrir as portas com toda infraestrutura
palestra foi planejado visando à abordagem de duas perspectivas: a Novela Teatral. Ela nos deu um potente percurso necessária para a realização de ações pedagógicas
experiência no trabalho com o universo brechtiano e a experiência como de resistência e ativismo artístico-político que complementares ao processo de formação dos
atriz nos processos de criação coletiva. compõem sua história e nos inspira em nossas alunos. Agradecer às parcerias especiais da Prof.ª
Nosso encontro aconteceu no dia sete de novembro de 2017, na sala trajetórias. Silvia de Paula, por contribuir com sua pesquisa
amarela da unidade Butantã, aberto a todos os interessados na pesquisa Na perspectiva do universo brechtiano e e seu coração para nossa criação, e da Prof.ª
teatral. Lembro-me das primeiras palavras da nossa convidada ao entrar no do projeto Imersão – Na Selva das Cidades, ela Simone Shuba, que mediou o encontro com amor,
espaço onde se daria o encontro: “Nossa! O chão é de madeira e isso é muito partilhou conosco cinco trabalhos audiovisuais dedicação e sabedoria.
forte e bonito. Faz tempo que eu não vejo uma sala de ensaio com o chão de denominados Imersão2, Ocupação8, Ocupação9, Nesse encontro, contamos também com a
Ocupação10 e Ocupação11. Trata-se da edição dos participação dos professores Felipe Rocha e Naia
registros de alguns dos muitos movimentos de Soares, que colaboraram generosamente com os
1. Professor do Teatro Escola Macunaíma e integra a Companhia dos Viajantes. improvisação do grupo de artistas na ocupação registros a seguir:
em processo

O encontro com a Luah foi um momento muito O encontro com a artista Luah Guimarães
especial. Fiquei emocionado vendo uma atriz com me proporcionou uma noite leve, divertida e de

CEDIDA PELO AUTOR


uma carreira tão linda se abrindo e compartilhando muita inspiração. Ela nos contextualizou sua
suas trajetórias e dúvidas com os alunos da escola. trajetória dentro do coletivo do qual faz parte e,
Desde a primeira vez que a vi em cena, fiquei contextualizou seu coletivo no cenário do teatro
completamente encantado com o trabalho da paulista. Essa ação fez com que eu tivesse uma
Luah. E ali, no encontro, acho que entendi o que visão ampla sobre seu discurso e seu trabalho. É
me encantou. Parece-me que há algo de dúvida em importante que quem fala, diga de onde fala. E que
tudo que ela trouxe. De pesquisa. De inquietude. saiba também com quem se comunica. Senti-me
Em toda sua fala, Luah não nos trouxe apenas suas participante de sua linha de raciocínio. Eu a ouvia
descobertas, mas na verdade, seus impulsos, suas e a compreendia em sua construção de sentido
questões, suas incertezas. E isso me parece lindo com profundidade. A narrativa apresentada me fez
e complexo. Compreender que a artesania do ator refletir sobre nossa forma de organização nas Artes
só se mantém viva se encontramos sempre novas Cênicas: as relações de trabalho, o processo de
questões a pesquisar. Isso me pareceu o ponto mais criação, as referências com as quais trabalhamos
importante do encontro. Muitas vezes os alunos e as quais buscamos, a troca com o espectador, as
acreditam que sairão prontos da escola. Que algum ações nos espaços de construção. Nesse universo,
dia nós atores estamos prontos. Ver a Luah falando há muitas variáveis que nos fazem muito diversos;
nos comprova o contrário. Temos que estar sempre há grupos que se movem na periferia da cidade,
abertos ao movimento. Essa não é uma tarefa outros no centro, há aqueles fomentados, há os
simples. O mundo sempre nos tenta encaixotar, que não são, há relações horizontais de trabalho,
nos rotular. Manter-se vivo criativamente, essa sim O professor André Haidamus com o grupo de alunos do Teatro Escola Macunaíma, e Luah Guimarãez no centro. relações extremamente hierárquicas etc. São
me parece ser a nossa grande questão. E o encontro infinitas combinações e são infinitos os resultados
com a Luah nos apontou muitos caminhos e nos e produtos. Conhecer a trajetória de Luah e de

CEDIDA PELO AUTOR


encheu de vontade de seguir trilhando essa jornada. seu coletivo é importante não apenas para que eu
(Felipe Rocha) compreenda com profundidade essa história, mas
principalmente, é valorosa essa troca para que eu
compreenda as formas de organização dos grupos
dos quais faço parte. Como nos organizamos,
pensamos, agimos, criamos sentido juntos? Como
acolhemos as singularidades e não nos perdemos
nesse processo do que acreditamos? Quais são
nossas variáveis? Estamos no centro, na periferia,
temos verba, não temos etc? O que nos inquieta e
como nos comunicamos? São muitas as questões
que se levantam. Responder nossas perguntas é
nos conhecer. Ter mais clareza sobre quem somos
e para onde caminhamos é fundamental. Será
que eu sei? Será que sabemos? E como fazer para
não nos perdermos de vista? Esse encontro me
trouxe algumas dessas inquietações e o desejo
de percorrer a trajetória de modo sensível, alerta,
consciente e tudo isso, sem perder a leveza, o amor,
O professor André Haidamus com os assistentes de direção e o elenco do espetáculo Espiral, apresentado na 87ª Mostra do Teatro Escola Macunaíma. o respeito, o cuidado e a paciência. (Naia Soares)

54
| Caderno de Registro Macu (Pesquisa)
Imagens de uma
escola de teatro
a pedagogia da cena
FOTOS DE JOAB KIERKGAARD1

Olhem para uma época qualquer


de suas vidas e lembrem qual [O ator] tem presença, decora
foi o principal acontecimento bem, ele é engraçado, [mas] não é
daquele período. Desta forma isso. Eu acho que o papel que ele
vocês entenderão imediatamente faz tem que ser ele. Ele é o que ele
como tal acontecimento refletia está fazendo. Se ele está fazendo
em seus comportamentos, atos, o papel de satanás, ele tem que
pensamentos e experiências, ser o capeta. É ele o deus, o santo.
assim como nas relações com as Porque se você não coloca a
pessoas. sua emoção não adianta. É igual
Konstantin Stanislávski imitar a vida de Jesus Cristo. [...]
“Devemos imitar Jesus Cristo,
imitar Santo Antônio.” Não pode,
porque somos seres singulares.
[...] Você imita a vida de Cristo
sendo outro Cristo. Você faz o
malvado sendo uma pessoa bem
ordinária, bem malvada mesmo.
Não represente nesse mal
sentido.
Adélia Prado

1. Ator recém-fomado pelo Teatro Escola Macunaíma.


a pedagogia da cena

[...] Eu li também essa frase


do Sistema: “Meu Sistema só
existe para abrir o poder criativo
do ator.” E é isso que está
acontecendo no nosso processo,
estamos sendo estimulados a
criar, a partir do que nos toca,
nos sensibiliza no mundo
estranho que é o nosso. E como
eu, Amanda, artista e atriz, posso
pegar essa “falta” e transformar
em arte? Como usar o teatro
como um meio de encontro entre
seres humanos e fazê-los refletir
sobre essa “falta”?
Aluna Amanda Zássi

O teatro pra mim é uma forma Tratar o acontecimento como


de resistência, é luta, é uma ponto de partida é o caminho
forma de passar mensagens pras mais rápido para atrair o ator ao
pessoas, de descobrir mensagens mundo da peça em estudo.
a mim mesma, é me descobrir, Maria Knébel
me permitir, e o fato das pessoas
não serem ensinadas a apreciar
o teatro, a arte em geral, me
incomoda muito.
Aluna Thiely Volga

58
| CADERNO DE REGISTRO MACU (PESQUISA)
a pedagogia da cena

Em “Os Inimigos de Górki”, é


outra a perspectiva e outro o
processo de investigação. Em
lugar da metáfora e da análise
por uma personagem, surge
um escalpelamento, à base das
relações humanas entre os
participantes de um episódio do
movimento operário.
Boris Schnaiderman

“Segundo treinamento para


sobreviver no vazio” ou
“Vivência”: vivenciar um espaço
exige escuta. A percepção é algo
que se aprende. Eu estou aqui.
Você está aqui. Além disso, nada
mais. Eu carrego uma história.
Você carrega uma história. Além
disso, nada mais. Eu te percebo.
Você me percebe. Além disso,
nada mais. E isso já é tudo que
precisamos para criar um novo
universo.”
Professor Felipe Rocha

60
| CADERNO DE REGISTRO MACU (PESQUISA)
a pedagogia da cena

Que a importância de uma


coisa deve ser medida pelo
encantamento que a coisa
produza em nós.
Manoel de Barros

[...] Amo os atores e por eles amo


o teatro e sei que é por eles que
o teatro é eterno e que jamais
será superado por qualquer arte
que tenha que se valer da técnica
mecânica.
Plínio Marcos

62
| CADERNO DE REGISTRO MACU (PESQUISA)
a pedagogia da cena

Já entrei contigo em comunicação


tão forte que deixei de existir
sendo. Tu tornaste um eu. É
tão difícil falar e dizer coisas
que nunca podem ser ditas. É
tão silencioso. Como traduzir o
silêncio do encontro real, entre
nós dois? Dificílimo contar: olhei
para você fixamente por uns
instantes, tais movimentos são
meu segredo. Houve o que se
chama de comunhão perfeita... eu
chamo isso de estado agudo de
felicidade.
Clarice Lispector

A relação do Segundo Plano não


está no texto. Está no silêncio e
nas respirações.
Aluna Bia Braga

64
| CADERNO DE REGISTRO MACU (PESQUISA)
a pedagogia da cena

Existem ações ocultas.


Professora Tieza Tissi

Às vezes escrevo / Às vezes


Usando os olhos subjetivos do escrevo sabendo que serei lido
corpo, mente e alma, responda: / Às vezes escrevo sabendo
Como vejo? que nunca serei lido / Às vezes
Professora Silvia de Paula escrevo querendo ser lido / Às
vezes escrevo pensando que serei
lido / Às vezes escrevo torcendo
para ser lido / Às vezes escrevo
torcendo para nunca ser lido / Às
vezes escrevo não me importando
se serei lido / Às vezes escrevo e
percebo que nunca fui lido / Às
vezes não escrevo.
Professor Zé Aires

66
| CADERNO DE REGISTRO MACU (PESQUISA)
a pedagogia da cena

Projeto de investigação:
Como transpor o que me afeta na obra
dramática para a realidade cênica
através do estudo da imaginação?

PROFª. ALEXANDRA TAVARES ponto, começamos a caminhar para o Segundo porém vivos e cheios de nuances para oferecer algo com aquilo que invocamos, porque aquilo que a
Plano. Isso nos exigiu retornar aos princípios ao público. Nossos corpos e Imaginação precisam gente invoca, invoca a gente. Invocar o papel de um
Disciplina: Interpretação Dramática (PA2A) – de ver, ouvir, tocar, imaginar. Exigiu que nos ser exercitados como uma matéria-prima e não uma ator me ajudou a desenvolver essa percepção, mas
Quarta-Feira / Noite – Unidade Butantã voltássemos ao chão, à base. Assim, a Imaginação marionete. Esse, acredito eu, foi um dos maiores mais do que isso, as experiências vividas ao longo
surgiu como estudo em nossa caminhada e gerou aprendizados pelos quais passei neste semestre e desses meses, as conversas e as palavras trocadas
Em agosto de 2017, iniciei com a turma desafios e descobertas de outras possibilidades se relaciona diretamente ao meu olhar sobre o que é foram de fundamental importância para que eu
PA2A (Unidade Butantã/Quarta-Feira/Noite) de existência. atuar. Hoje eu percebo que decorar texto é o menos percebesse isso e me percebesse como ator.
uma jornada sobre a palavra “busca”. Naquele Essa síntese do processo pode também ser importante de todo o processo, se eu me coloco
momento, buscamos (re)conhecer a nós mesmos visualizada nos depoimentos abaixo. nas Circunstâncias e mantenho a Imaginação Ao refletir junto com os alunos-atores, percebo
e também encontrar caminhos que nos levassem ativa consigo seguir qualquer roteiro mantendo o que a busca atravessa todas as etapas de criação:
ao encontro de uma obra, para vivenciarmos a O processo, pela aluna Caroline Florencio: jogo com os parceiros de cena vivo e intenso. Claro seja ela mesma, a vivência, a encarnação ou
experiência da primeira montagem da turma, que que é um conjunto de tarefas complexo, com o impacto. Ver o “buscar” como um movimento
se desenvolveria ao longo das seguintes etapas: Pensando na prática em aula, a Visualização qual ainda estou aprendendo a lidar, mas sinto que contínuo e em transformação nos possibilitou ir
vivência, encarnação e impacto. sempre foi aplicada na disciplina de Análise Ativa, estou no caminho. E ao ver a evolução da turma para a experiência, nos permitiu errar, nos libertou
O trabalho do ator sobre si mesmo nos momentos principalmente por meio de motivações para que como um coletivo nessa montagem, percebo que de um resultado e deixou um espaço livre para a
iniciais de um processo de aprendizagem e cada ator pudesse encontrar seu caminho para estamos aos poucos abrindo nossas mentes para comunicação.
criação nos colocou em contato com a sensação a criação, como exemplo principal, posso citar experimentar, testar, errar e fazer de novo quantas
de exposição. Ao investigar questões que nos nossos ensaios para a montagem de Sonho de vezes for necessário.
atravessavam, em nossa singularidade, poéticas uma Noite de Verão, onde diversas vezes, durante
surgiram. Testemunhei um caminho sensorial e os ensaios, testamos movimentos, formas de agir, O que emerge, pelo aluno Rafael Martines:
onírico como potência criadora experimentada e sempre éramos desafiados a usar a Imaginação,
pelos atores nesse período de busca. Nisto, foi a se colocar nas Circunstâncias, a experimentar. A O que emerge nesse momento com maior força
nos revelada uma pulsão pela obra Sonhos de direção sempre foi feita em cima do que cada ator sobre o processo, após o impacto das comunicações,
uma Noite de Verão, de Shakespeare. poderia oferecer, em raros momentos a professora é a transformação de minha visão sobre o que é ser
Essas revelações culminaram em algumas mostrou como fazer. Fomos sempre motivados ator. Tenho sentido que, antes de mais nada, é uma
questões “Como nos afetamos pela obra?” e a encontrar o caminho, o que nem sempre foi postura diante do mundo, o modo de percebê-lo e
“Como criar caminhos para que os atores se fácil, mas que hoje percebo ser um aprendizado de se relacionar e se comunicar com ele. Sábias
permitam entrar em situação?” A partir deste necessário, para que não sejamos objetos em cena, palavras aquelas que dizem para tomarmos cuidado

68
| CADERNO DE REGISTRO MACU (PESQUISA)
a pedagogia da cena

Projeto de investigação:
O que é personagem?

PROF. ANDRÉ HAIDAMUS Sistema Stanislávski. Lançamo-nos nesse abismo Impacto: impactar é colocar a encenação em face Digo que, ao pensarmos nesses absurdos reais,
com o objetivo de explorá-lo, e aceitamos o risco do público. A plateia impacta os atores. Os atores que nem mesmo verossímeis nos parecem, vemos
Disciplina: Interpretação Dramática (PA2B) – de partilhar na Mostra de Teatro do Macu um se abrem para serem afetados. A verdade da cena que a loucura consiste justamente no oposto; em
Sábado/ Manhã – Unidade Marechal   trabalho que fosse honesto e fiel com a pesquisa e os Círculos de Concentração da Atenção. A criar verossimilhanças que pareçam verdadeiras.
desenvolvida. No final, a encenação construída comunicação que se estabelece na presença, na E essa loucura, permita-me que lhes observe, é a
#PERSONAGEMEISAQUESTAO coletivamente se estabeleceu como uma grande ação física, psíquica e verbal. única razão de ser da profissão dos senhores.
interrogação, saímos incomodados e provocados Fazer com que pareça verdadeiro o que não o
Pesquisa a partir da obra Seis Personagens à a continuar. Nenhuma verdade absoluta. Em cada uma das etapas, vivemos momentos de é, sem necessidade, só por prazer. O ofício dos
Procura de um Autor, de Luigi Pirandello. Nenhuma resposta fixada. Penso que isso é o aproximação e distanciamento. Compreendemos senhores não consiste em dar vida, na cena, a
que há de mais belo em nosso trabalho como que o jogo do ator ou o jogo da cena nunca está personagens imaginários?
Vinte atores em busca de seus personagens. atores e pesquisadores: terminar com o desejo de ganho e que não se trata de competir. Cada Demonstrar-lhe que, para a vida, se nasce de
Vinte alunos em busca de seus dramas. Vinte continuar. De continuar a pesquisa, de continuar repetição é nova e está sujeita ao ambiente tantas maneiras, de tantas formas... Árvore ou
indivíduos que querem que suas histórias sejam a compreender o Ser Ator, de continuar fazendo e externo, portanto, a abertura do artista e da arte é pedra, água ou borboleta... Ou mulher... E que se
ouvidas, encenadas e discutidas. É uma tentativa. vivendo o teatro. uma necessidade para existir. nasce também personagem!
Uma experimentação prévia destinada a verificar A proposta artístico-pedagógica era que o Nossa instalação expôs as referências que nos Ficção? Realidade! Realidade! Está morto!
se algo serve ou não para determinado fim. Mas processo de criação perpassasse por quatro foram fundamentais em cada uma das etapas Não! Ficção! Ficção!
qual é a finalidade de se criar uma peça? A dúvida etapas que coexistem em suas premissas: percorridas pelo coletivo, no exercício de criar (Luigi Pirandello)
permeou todo processo criativo. Estamos em uma interface entre a ficção e a realidade.
busca. O que é personagem? ENSAIO é uma busca A Busca: buscar o que nos move como artistas, Fragmentos dos registros feitos pelos alunos:
por compreender na experiência do vivo, um sentido a obra, a Supertarefa, buscar a partir de si. Eu O Sistema Stanislávski:
que nos mova para o fazer teatral. (Sinopse do comigo, eu com o outro, eu com o todo. O impacto teve um momento muito importante
espetáculo Ensaio.) Nestes momentos não existe o papel. Só existo, na apresentação de domingo, quando de fato nos
Vivência: vivenciar os temas da obra, o tempo e o eu mesmo. Do papel e da obra somente ficam as colocamos nas Circunstâncias. (Julia Freitas)
Iniciamos a jornada do processo de criação do espaço das Circunstâncias Dadas, o movimento condições, as circunstâncias de sua vida. Sendo
espetáculo motivados por uma pergunta aberta na Linha de Ação e Contra-Ação, a experiência do todo o resto meu próprio. Tudo me pertence, já que Foi aqui onde eu diria que todos os conceitos
a muitas leituras e possibilidades de resposta. vivo. qualquer papel, em cada um de seus momentos foram coordenados, só nessa parte que comecei a
Entre nós e a pergunta investigativa tínhamos criativos, pertence a um indivíduo vivo, isto é, ao entender na prática, o que é personagem. (Ailton
um clássico, “Seis personagens a procura de um Encarnação: encarnar a personagem, o ator diante artista, e não ao esquema morto de um indivíduo, Silva)
autor, de L. Pirandello”, uma obra com profundo do acontecimento da obra com o objetivo de fazê- isto é, ao papel.
conteúdo filosófico, científico e artístico. A tríade, lo acontecer hoje, aqui e agora. As Circunstâncias (Konstantin Stanislávski) E cada sessão foi de um jeito diferente, com
nós - pergunta investigativa – obra, nos deslocou Propostas, a Ação autêntica que constrói a participações diferentes e ações diferentes. (Isabela
para um abismo de questionamentos e incertezas encenação. Fragmentos da obra Seis Personagens à Rocha)
sobre o ofício do ator, a função do teatro e o Procura de um Autor:

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| CADERNO DE REGISTRO MACU (PESQUISA)
a pedagogia da cena

Projeto de Investigação:
Apresentar realmente os nossos estudos em O que é essencial para que o teatro aconteça
cena era uma proposta diferente e que nunca tinha de fato?
vivenciado. (Juliana Zafolon)

E outros (amigos) que não fazem teatro me


Eu vou falar como espectadora, mas buscando
exemplo na literatura. Tem uma entrevista
É possível a partir das ações
disseram que os fez refletir. (Max Pigari) inesquecível do João Guimarães Rosa falando de
escritores, ele cita até escritores muito famosos miméticas presentes no repertório
Ser nós mesmos no palco foi como ficar exposto
a tudo, a qualquer cena podia acontecer algo.
que já morreram, ele fala assim: fulano, fulano e
fulano são bons [...], mas está faltando. Eles sabem sócio-cultural de cada aluno,
transformá-las em ações autênticas?
(Gustavo Henrique) escrever, isso é uma coisa. Ele falou que a verdadeira
criação nasce da barriga. Ou você escreve com toda
O impacto se deu na peça onde simplesmente a sua pessoa ou você não faz nada [...]. É possível
todos os nossos estudos e pesquisas se você sentar e falar: “Vou escrever um livro”. Você
compactaram e tudo se concretizou, lá na hora, nas escreve, mas aquilo pode ir pra fogueira direto [...].
Circunstâncias. (Roberta Manaro) E com o ator é a mesma coisa, ele tem presença,
ele decora bem, ele é engraçado... Não é isso, sabe? PROFª. RENATA KAMLA
O impacto foi ver todos nós, coletivo, vivenciando Eu acho que o papel que ele faz tem que ser ele. - É possível a partir das ações miméticas presentes
as Circunstâncias, sendo nós mesmos. (Bruno Ele é o que ele está fazendo. Se ele está fazendo o Disciplina: Análise Ativa (PA1) – Quinta-Feira / no repertório sócio-cultural de cada aluno,
Máximo) papel de Satanás, ele tem que ser o Capeta. É ele. O Manhã – Unidade Marechal   transformá-las em ações autênticas?
O impacto se deu principalmente no domingo, Deus, o Santo, sabe? Porque se você não colocar a
quando o público também foi afetado pelo o sua emoção... Não adianta. É igual a imitar a vida Eu. É por meio desta inquietação que investigo com
que estava acontecendo no teatro, as pessoas de Jesus Cristo. Eu aprendi isso demais e esqueci Eueu. meus alunos o Sistema e suas particularidades,
participaram dos jogos e foram levadas a refletir. com quem que foi: “Oh! Devemos imitar Jesus O outro. tentando entender no corpo físico essa verdade,
(Daniela Lima) Cristo, imitar Santo Antônio”. Não pode, sabe por Euoutro. esse estar presente no presente.
quê? Porque somos pessoas singulares [...]. Você O mundo. Deste processo revelado na instalação exposta
Essa peça mudou muito o que eu pensava imita a vida de Jesus Cristo sendo outro Cristo. Você Eumundo. nos corredores do Macunaíma, nos meses de
antes, me deixou com pensamentos mais claros no faz o malvado sendo uma pessoa bem ordinária, fevereiro, março e abril, da disciplina de Análise
que diz respeito à personagem e outras coisas mais. bem malvada mesmo. Não represente nesse mal A origem, o início, o desejo, os sonhos... Ativa, quintas-feiras, manhã, unidade Marechal,
(Leandro Silva) sentido. Os atores que, por exemplo, ligam o botão, segundo semestre de 2017, concluo que as
põem na tomada, já sabem tudo, “eu faço tudo”. Por A passagem do curso de iniciantes para o sementes foram plantadas, as pedras começaram
O impacto aconteceu também após as que mesmo? Pra que mesmo? A gente pergunta. curso profissionalizante é um caminho repleto a ser lapidadas e as “fichas”, como se diz
apresentações, pois nos colocamos a pensar. Porque o teatro, até mesmo pela natureza corporal de descobertas e de muita ansiedade. Ansiedade popularmente, foram caindo e transformando
(Caroline Cainelli) dele, tem que me incomodar. Você sai de lá falando: esta, presente tanto nos alunos como no professor- esses alunos em artistas-atores mais conscientes
“Nossa, a música era linda, roteiro uma beleza, a pedagogo que busca fomentar a aprendizagem do seu fazer.
Finalizamos nosso exercício cênico com um iluminação maravilhosa”. A pessoa não tem o artística teatral. Apresentar um novo universo de Ainda o repertório frágil, cheio de clichês
anexo, onde trouxemos as palavras da escritora que falar sobre o que ela viu. Ela fica no roteiro, na investigação, de novidades, e não deixar o aluno e ações fabricadas permeia o fazer desses
Adélia Prado para um momento de reflexão entre iluminação, na voz bonita do ator. Mas teatro não desanimar e nem se perder na trajetória escolhida, alunos. Encontrar-se de fato nas Circunstâncias
os atores-personagens e o público. Assim também aconteceu. Quando você chega lá e diz: “Nossa, mantendo a chama acesa, eis o “meu ofício”, o e realmente vivê-las é um grande desafio, uma
finalizamos nosso registro-instalação com o essa peça eu não quero ver mais de tanta agonia “nosso ofício” de professores-pesquisadores do busca contínua de todos nós, artistas. A resposta
desejo de que não abandonemos a força dessas que me deu, nossa senhora!” Ou de tanta alegria, sistema stanislavskiano. à pergunta inicialmente lançada não é um simples
palavras, que estejamos em movimento contínuo, enfim... Então o teatro é vivo. Tem que ser vivo. Está A pergunta que estimulou o meu propósito SIM ou NÃO; mas é exatamente o ENTRE, é a
que possamos abrir as fissuras necessárias para difícil né, fazer teatro assim? para essa disciplina e que também norteia PASSAGEM; o que nos faz RESISTIR ou EXISTIR
o teatro resistir: (Adélia Prado) todos os outros processos de investigação até o ARTISTICAMENTE.
momento realizados por mim na escola foi:

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| CADERNO DE REGISTRO MACU (PESQUISA)
a pedagogia da cena

Projeto de investigação: Projeto de Investigação:


O "eu" nas circunstâncias – teatro da Como transformar o texto em ação
vivência e dos encontros no presente cênica?
do presente: de como viver e não
mostrar
PROF. RODRIGO POLLA vivenciando o universo de Nelson Rodrigues, PROFª. TIEZA TISSI essas ações? Eu tentei ajudá-las com músicas,
a nossa relação com essa dramaturgia e o seu propondo ações livres a partir das Circunstâncias
Disciplina: Análise Ativa (PA1) – Sábado / Manhã diálogo com o hoje. A vivência nos possibilitou um Disciplina: Interpretação Dramática (PA2) e de um ou mais de um estado – usando
– Unidade Campinas        mergulho no Segundo Plano da obra. Para esse – Segunda e Quarta-Feira / Manhã – Unidade metrônomo para interferir nesse estado a partir
mergulho, escolhemos o texto O Beijo no Asfalto. Butantã   de uma alteração no andamento das ações... Ou
As imagens, os objetos, as sonoridades trazem Então, tentamos entender no corpo a fricção entre ao contrário, propondo estímulos de fora para
à tona a memória da trajetória do vivido no ator e personagem. Cada aluno desenvolveu sua Como transformar o texto - língua de palavras dentro, fazendo mimesis de imagens pictóricas
semestre. É apenas uma síntese, mas que busca gênese, além de criar um diário da personagem. mudas enchendo a tela ou o papel -, como traduzir (fizemos isso especialmente para ajudar na
afetar através de um recorte. Vem-me agora a ideia Depois de muitas vivências, a turma teve a essa língua em uma língua que é falada por corpos composição do coro de Dona Flávia), pedindo que
do espelho quebrado, olhamos os fragmentos e percepção do quanto isso foi importante para que fazem ações, que falam palavras, vestem propusessem uma cenografia por onde transitar,
conseguimos enxergar o todo. uma apropriação efetiva e afetiva do que se vive roupas, cantam, dançam, respiram, olham? Que com objetos, instrumentos, figurinos... O fato é
Recordo-me das dificuldades, principalmente em cena, das suas ações e relações no estado de gesto é esse de traduzir? que não há fórmula. Cada atriz é instigada de uma
de um encontro onde precisei ser enérgico jogo.  No começo do processo da primeira maneira, cada coletivo encontra seus próprios
demais com a turma (com muito carinho, é Então finalmente tiveram seu esperado montagem com o PA2, o texto era um mundo de mecanismos. Mas, é preciso compreender o que
claro), e isso fez com que todos nós entrássemos encontro com a plateia: o primeiro, com alunos palavras mudas. Pela primeira vez, essas alunas está apontado no texto do dramaturgo, e essa
definitivamente no jogo. do curso iniciante em Campinas e, o segundo, no se debruçariam sobre um texto inteiro com a compreensão é intelectual e sensorial.
Dentro da disciplina Análise Ativa, os alunos Encontrão do PA1 em São Paulo.  tarefa de transformá-lo em encenação. Partimos Existem também ações implícitas ao
da turma de sábado de manhã da unidade Macu E todo o processo foi registrado através de desta pergunta: Como transformar o texto em texto. Essas, nós procuramos agindo mesmo.
Campinas iniciaram seu processo de investigação impressões individuais e, coletivamente, através linguagem cênica? Nas primeiras leituras, o texto Improvisando. Caminhando de um Acontecimento
mergulhando num estudo sobre o “Eu” nas das imagens fotográficas. Também foi feito um era um mundo de palavras soadas no espaço. até o seguinte e procurando agir com os corpos,
Circunstâncias – o viver e não mostrar – e o vídeo final com depoimentos dos alunos sobre o Mas, no espaço cênico, as palavras precisam se nos corpos, no espaço. Criando uma maquinaria
encontro com o outro. Essa pesquisa nos revelou vivido. tornar ação. Como as palavras do texto agem? A em que cada peça depende da outra. Procurando
a importância de nos conectarmos no presente primeira coisa que fizemos foi tentar compreender observar, nas ações, que um Acontecimento
do presente e a necessidade do encontro no jogo o sentido das palavras. Com que finalidade são só pode acontecer se ele for extremamente
teatral, para que eu me reconheça no outro, para pronunciadas? A quem se dirigem? Nós nos necessário. A chave de sua necessidade está
que eu jogue verdadeiramente com o outro. pusemos a ler o texto juntas e sozinhas muitas no texto. É preciso ler e se perguntar “O que
Passamos por um treinamento com corda, vezes. está acontecendo aqui?” e “Por que isso está
trabalhando a presença, e também pela prática de Depois observamos que existem muitas acontecendo?, “O que isso vai gerar?”. É preciso
études, realizados em uma espécie de arena, onde ações explícitas no texto. Explícitas nas falas das ler de novo, ler e agir, ler e agir, ler e agir e depois
os alunos jogavam entre si, através de um estudo personagens e nas rubricas do autor. São ideias agir, agir, agir…
sobre roteiros. Aqui, todos assumiam a condição de ações. Como as atrizes1 e os atores criam
de jogadores, sem a relação palco-plateia.
Passamos para uma segunda etapa, 1. Trata-se de uma turma composta unicamente por mulheres, por isso
mantive o feminino no texto.

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Três breves contos poético-


documentais sobre o que
aprendemos juntos
A partir da questão:
Quais os caminhos para a criação da ação-autêntica?
Etapas do processo:
A busca. Vivência. Encarnação. Impacto.

Sobre os processos de montagem de:


A Gaivota
Ensaio Sobre o Vazio
O Mar Está De Ressaca e Nós Não Sabemos Nadar

PROF. FELIPE ROCHA olhar pro céu pode ser uma tarefa difícil. Olhar pro
céu pesa.
Sobre sonhar em ser gaivota
Um dia aí, desses que poderia passar 2. vivência
despercebido, como uma sacolinha de voar junto exige trabalho. Voar não é um ato
supermercado que cruza a rua, eu me vi solitário. Não se voa para si. Se voa para amar o
surpreendido por uma revoada de jovens gaivotas. vento. Voar é um ato de amor pelo vento. E para
Ou talvez fossem pequenas borboletas. Ou atores nós – seres ainda não gaivotas – voarmos é preciso
numa sala de ensaio. Hoje eu já não sei. Nessa aprender etapa por etapa, tarefa por tarefa. De
surpresa-sonho, uma jovem gaivota-atriz me outra forma: abismo.
contou, quase que sussurrando, que tudo no
corpo de um pássaro é feito pra ele voar. E depois 3. encarnação
perguntou: nos vemos, então, gente-gaivota. Não ganho
asas, não surgem penas, não fico pequeno e
“E tudo no meu corpo? Foi feito pra quê?” branco. Mas entendo como ser gaivota. Somos
então gente-gaivota. Ajo como se eu fosse uma
Organizamos então, todos juntos, esses gaivota. E, de repente, ainda que sendo humano,
aspirantes a atores-atrizes-gaivotas, um pequeno somos gaivota.
manual para aqueles que sonham em ser gaivota.
Este manual não é uma regra. É um devaneio a 4. impacto
se viver junto. Uma linha de ação. Mergulho. certo dia, ainda e sempre aprendendo a ser
gaivota, levantamos juntos voo e ganhamos o céu.
1. a busca um homem solitário que caminhava cabisbaixo
para ser gaivota, é preciso, antes de tudo, percebe nosso voo. Por alguns instantes, ele olha
se maravilhar com a possibilidade do voo. Em para o céu, se lembra de algo e sorri.
tempos de voos baixos ou de olhares rastejantes,

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Sobre a importância do vazio histórias risos. Desses risos, memórias. Das preciso aprender a cantar como as baleias. Não 3. A encarnação: para se fazer teatro no mar é
Um dia aí, desses que poderia passar memórias silêncio. De silêncio: estrelas. se faz teatro sem ancestralidade, disse o mar. E preciso aprender a arte do mergulho
despercebido como um tênis preso no fio de um Em silêncio ficamos olhando as estrelas. nós, pós-contemporâneos-neo-multi-high2017, Não é possível dizer que se sabe nadar. Para
poste, acordei caído na grama. Era uma grama Algumas já mortas como me contaram. tivemos que nos calar. Olhar para o passado para entrar no mar, é preciso, de fato, saber nadar.
úmida e fria. Alguns rostos se entreolhavam como entender o nosso tempo. Pois o canto das baleias Não se conhece o profundo sem mergulhar. Para
que se perguntando como tínhamos ido parar ali. Sobre aprender a escutar o mar não é de hoje. A primeira nota começa sempre no se conhecer a profundidade, é preciso, de fato,
Então, no início era só um espaço vazio. Um terror Ele nos disse, um dia aí que poderia ter começo dos nossos tempos. mergulhar.
silencioso de dúvida. Pra seguir ali, era preciso passado despercebido como um papel que cai
antes de tudo, aprender a enxergar de novo. do bolso no ônibus, que gostava mais de teatro 2. A vivência: para se fazer teatro no mar é preciso 4. O impacto: fazer teatro no mar é como cultivar
Aprender a ver no escuro. do que da vida. Talvez porque a vida andava dura. entender a maré uma plantação de tâmaras
Ao longe, percebemos um pequeno brilho. Seca. Como tijolos com som de deserto. Em tempos de mares revoltos, fazer teatro no As pessoas não plantam tâmaras porque pode
Um vagalume. Poderia ser um pequeno Resolvemos então, fazer teatro no mar, pra ver mar pode ser um ato arriscado. Pra isso, antes levar mais de cem anos pra dar fruto. É algo que
fantasma também. Ou o brilho de uma estrela se a gente reencontrava umidade o suficiente para de tudo, é preciso força e posicionamento. Ao se plantamos e talvez não vejamos nascer. Como
que já morreu há muitos anos. Não sei. Mas seguir. Pegamos apenas uma sacola de plástico. escolher fazer teatro no mar, obrigatoriamente é uma revolução silenciosa, como uma vida nova
era bonito. Além desse brilho distante: nada. Dentro: uma bolacha salgada e um pedregulho. necessário escolher: contra a maré ou a favor da que vai surgindo sem ninguém ver. Como uma
Montamos duas barracas de camping. Pra Aprender a conviver com a secura é um ato de maré? planta. Secreta. Que carrega sua vida e a gente
sobreviver no vazio é preciso aprender a se sobrevivência em tempos assim. Em tempos de mares revoltos, não nem sabe. Tem coisas no mundo que a gente nem
relacionar. Fomos até a praia. existe outra possibilidade. Infelizmente. sabe. E nós temos vivido por elas. Por essas outras
De repente alguém puxou uma música. Nada Do lado de cá, escolhemos ir contra. Pois da coisas, mágicas, secretas, profundas. Fazer teatro
muito complexo ou profundo. Algo simples e 1. A busca: para se fazer teatro no mar é preciso secura dos pedregulhos já conhecemos demais. em tempos de mares revoltos às vezes é como
bonito, que todos pudessem cantar juntos. E aprender a língua das baleias E agora nos encantaria apenas a profundidade acreditar profundamente nas tâmaras. É nós
o canto se passou de boca em boca. Acho que Na areia, todos enfileirados de frente para o abissal e úmida que existe quando se vence os acreditamos.
até cheguei a ouvir algumas árvores cantando. mar, pedimos permissão para entrar. O mar nos movimentos da maré. Caso contrário: sobraremos
E da música surgiram algumas histórias. E das respondeu que não. Que antes, para entrar, era como pedrinhas secas na areia.

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O longo adeus.
O que descubro de mim
com esta obra?

PROFª SIMONE SHUBA

A busca
Aprofundamento PA1
Estudo - o que me afeta profundamente
A busca
Alunos reflexivos
Aprofundamento PA1
Estudo - o que me afeta profundamente
Vivência
Alunos reflexivos
Impressões
- Quente
Vivência
- Solidão
Impressões
- Apego
- Quente
- Tempo
- Solidão
- Despedida
- Apego
Prática
- Tempo
- Uma lembrança de uma casa que já viveu
- Despedida
- Improvisações livre do texto
Prática
- Despedir do espaço cênico
- Uma lembrança de uma casa que já viveu
- Objeto pessoal, o texto, a cena
- Improvisações livre do texto
Como me descubro como ser humano?
- Despedir do espaço cênico
- A cenas e “eu”
- Objeto pessoal, o texto, a cena
- Acontecimentos que me afetam
Como me descubro como ser humano?
- As relações
- A cenas e “eu”
- Estudo de cenas que poderiam estar
- Acontecimentos que me afetam
- Pontos de vista diferentes
- As relações
- Estudo de cenas que poderiam estar
- Pontos de vista diferentes

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Reflexões - vivência nas ações físicas, mostrando que Joe e Myra po-
dem ser diferentes em suas motivações, na qual
“Aprendemos a ver mais do que as linhas que a minha experiência como Joe teve aprendizados
Tennessee Williams escreveu, mas o que elas sig- importantes, pois aprendi através do personagem
nificam, como qualquer ser humano os persona- que a insistência em querer se relacionar com
gens deste dramaturgo não falam diretamente e Myra é muito importante, onde demonstrando que
sim por meias palavras. Também entendemos Joe se importa com Myra e quer que isto fique
melhor o processo de criação, ao não termos sub- muito claro para ela, apesar de Myra não der muita
terfúgios como o texto e objetos invisíveis fomos importância para isto, assim pude perceber que a
obrigados a nos olhar e tentar entender a relação conexão com os dois é muito forte e que mesmo
dos nossos personagens.“ com todos os problemas ocorridos relacionados
Sofia. com a mãe e a perda dela, Joe quer novamente um
relacionamento mais próximo com a irmã, apesar
“Voltamos ao texto para nos aprofundar cada dos problemas de se aproximar de Myra.
vez mais , desta vez em duplas para escolhermos Cada percepção das vivências que foram pas-
uma cena e nos aprofundarmos nela. sadas foi única, pois pude perceber que fez uma
Depois das cenas propostas foi perceptível que aproximação maior com os personagens e o víncu-
existe um universo de segredos dentro de cada lo entre eles, nos tornando mais humanos.
cena , de cada fala , que ainda está se despertando Como aprendizado que tive como ator criador,
em todos nós como fazer esse jogo. Maioria das ce- pude perceber esta força de conexão entre os per-
nas não conseguimos “nomear” o que está aconte- sonagens, e como esta percepção é muito impor-
cendo em cada uma , mas existe a compreensão tante que é construir esta base de confiança entre
do que é. Ainda se despertando tudo no grupo.” o ator e o personagem e a identificação que o ator
Diego tem para com o personagem, criando muito mais
empatia por ele e a relação com tudo o que tem a
“Hoje fizemos cenas de algo que poderia estar minha volta, para Joe dar um adeus não é uma coi-
no texto do Tennessee e foi muito bom ver as pos- sa fácil, assim como para qualquer ser humano,
sibilidades de cenas e acontecimentos. Consegui- pois nos apegamos a muitas coisas e queremos
mos entender mais sobre os personagens e ver até proteger estas coisas que são muito importante
onde podemos mergulhar nesse texto.” para nós.”
Vitória Laércio

“Tudo o que percebi foi a evolução do aprendi- “A cada vivência uma experiência a cada experi-
zado referente aos personagens e os acontecimen- ência uma descoberta de quantas fomas podemos
tos que rodeiam cada um, especificamente sobre transformar uma cena, como a relação de afetivi-
o Joe e a Myra, onde as circunstâncias podem dade e dificuldade que trouxemos de aproximação
mostrar as ações que mostram o que o persona- dos irmãos que foi apresentado. As nossas per-
gem está sentindo e principalmente quais são as cepções sobre os personagens ampliando nossa
suas motivações sobre algo importante, assim po- visão, aprendendo o texto sem estar com ele nem
demos criar novas perspectivas para os persona- mãos.
gens. Falando do Joe e da Myra, as experiências Colocar-se no lugar do personagem transferin-
que pude presenciar feitas pelas apresentações, do-se para situação e para as circunstâncias pro-
foi de que tudo o que pode acontecer irá depender posta da peça.
de nossa criação e descoberta para entendermos Tudo isso é executado por todas as forças ra-
o que os personagens estão fazendo e sentindo, cionais, emocionais, psíquicas e físicas da nossa
pois toda ação que é feita possui um propósito natureza…”
para revelar algo, assim demos bastante ênfase Rafaela

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Encarnação o quanto é importante o ensaio, com ele podemos nova perspectiva de cena, buscando um olhar
- Síntese do vivido trabalhar as ações que devemos ter em cada cena. mais subjetivo para as ações e deixando que as
- Voltando para cena Temos que pegar firme na ação, pois alguns de pausas reverberem e se tornem novas ações. As
- Espacialização nós na hora de mostrar as cenas, não sabíamos cenas foram feitas no modelo de arena e fomos
- Sempre na busca de novos olhares o que fazer e nos perdemos um pouco. Devemos confrontados a um novo preenchimento de cena e
- Aprofundando imagens e relações nos doar mais as ações e nos apegar menos as uma nova movimentação que exige um corpo que
falas.” se comunique de maneira diferente.”
Reflexões - encarnação Ligia Yago

“O que um ator faz ? Ouvi essa pergunta no meu “O caminho está sendo trilhado de forma “Começamos a aula com nosso aquecimento
primeiro dia de aula do iniciante, e me lembrei objetiva, produtiva e crescente.” matinal, e logo depois fizemos o jogo do samurai
dela quando comecei a pensar sobre como tinha Diego com o texto da obra ‘O longo adeus’, usando tempo
sido a aula, algumas cenas, incluindo a minha, se ritmo e trabalhando a atenção. Além de muito
aproximaram do texto na mesma proporção que “O ator precisa estar ativo no aqui e agora, e dinâmico e divertido, conseguimos trazer para o
se afastaram das ações. Mas aos poucos estamos estar preparado para qualquer mudança, isto é o corpo a linha de ação contínua. Prosseguimos
melhorando, estamos encontrando uma direção aprendizado mais difícil para nós atores, mas se com as vivências onde o ator tem total liberdade
coletiva. As orientações após as apresentações não tivermos consciência disto desde o início, não para trabalhar com suas sensações. Porém
tem mostrado resultado, nos faz ver a partir de um conseguiremos progredir com o aprendizado para desta vez fora reforçado o trabalho do círculo da
outro ponto de vista.” nosso ator criador.” atenção, onde corpo e pensamento caminham
Marcos Laércio juntos levando à percepção do eu comigo, eu
com o outro, e eu com o todo, no hoje aqui e
“Na aula de quinta vivenciamos mais uma vez “A peça é definitivamente um desafio, o trabalho agora. Para isso usamos três cadeiras, onde não
cada personagem, primeiro vivenciamos sozinhos, na montagem é extenso e minucioso, as cenas deveriam estar vazias. Assim sempre que alguém
depois tivemos que trabalhar todos juntos mas estão sendo apresentadas e reapresentadas aula se levantasse outro se sentaria sem deixar de
cada um com seu parceiro, com cenas feitas após aula, e todos aparentam enfrentar algumas estar concentrado no que estava fazendo, para
de longe e perto, com poucas palavras e mais dificuldades. As cenas apresentam uma carência que na mudança de foco de objeto estivéssemos
ação, percebendo como o seu parceiro te afeta, de ações físicas mesmo quando as ações internas ciente da intensificação de observação, que com
aprendemos a ter um olhar maior para o espaço parecem existir. isso surgia a ação. Para tudo isso acontecer era
cênico e trabalhamos a ação e reação, vimos que ‘’Arriscar’’ talvez seja o verbo de ação mais necessária a precisão. No fim da aula conversamos
somente a ação dos personagem já falam por si conveniente no momento, pra que o resultado sobre nossas descobertas e dificuldades e nos
só, e que repetição faz com que a gente trabalhe da criação seja mais interessante. Continuamos deparamos que muitas pessoas compartilhavam
melhor os personagens.” trabalhando…” das mesmas. O que mostra que não devemos ter
Ana Sara Marcos Antonio medo de errar porque ser ator não é esconder-se
e sim revelar-se.”
“Na aula trabalhamos novamente as cenas, “Nas experimentações fomos tirados da Janaina
afim de aperfeiçoa-las. Cada dia mais percebemos zona de conforto quando desafiados a uma

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Comunicação Descobri que não existe certo ou errado, e sim


um tempo certo para cada coisa.
- Fazer mais pensar menos O ator precisa estar aberto para coisas novas.
- Fazer para o outro As mudanças são necessárias.
- Deixar ser afetado
- Criar ação MUDAR FAZ BEM!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
- Prestar atenção
- Escutar PA2 - Manhã - 2º Semestre de 2017
- Jogar
- Tudo é vivo na arte

O que descobriu de você


na obra?

Pensar como a obra nos afeta e as relações


de nossas experiências de vida com a peça,
nos faz relacionar com toda a bagagem que
temos, criando um vinculo com a obra e um
posicionamento mais intimo diante a ela.

Novos significados para mudanças; quanto é


importante abrir espaço para o novo.

Estamos sempre em constante mudança.

O que descubro de mim nesta obra é que tudo


pode mudar, de um momento para outro sem nem
percebemos, pois a vida é um mistério e nunca
sabemos logo o que virá a acontecer, dar adeus é
o que nos faz mudar para melhor.

Eu descobri não só com a obra, mas com


Tennesse Williams, que a vida é um grande Mise
en scène e que absolutamente tudo é criação.
O “eu” ator conversa incessantemente com
a personagem, e suas vidas em um passe de
mágica se relacionam como se fosse uma, onde o
ator não deixa de ser o “eu” ator, mas ganha o “eu”
na circunstância.

Pensando na pergunta investigativa muitas


vezes as coisas ficam mais claras, investigando a
obra e descobrindo coisa sobre mim que me leva
para mais próximo da obra/ para dentro dessa
atmosfera.

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ISSN 2238-9334

macunaima.com.br

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