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HERMANN HESSE SOBRE O AMOR. Para ler e guardar.

Quanto menos confio em nosso tempo; quanto mais digo que vejo a humanidade estiolar-se e perder-se; tanto
menos me proponho revoltar-me contra sua ruína e tanto mais acredito na magia do amor.

Segundo a mentalidade indiana, isto é, segundo os Upanishads e toda a filosofia pré-budista, meu próximo não
é apenas “uma pessoa como eu”. Ele é eu mesmo, é um só comigo, pois a separação entre mim e ele, entre “Eu
e Tu” é mera ilusão, é “Maya”. Esta explicação esgota por completo o sentido ético do amor ao próximo. De
fato, quem percebe que o mundo forma uma só unidade percebe também nitidamente que se ofenderem
mutuamente as partes e os membros deste todo é um absurdo.

A nada pode o homem amar como a si próprio. A nada pode temer como a si mesmo. Assim surgiu, juntamente
com outras mitologias, mandamentos e religiões primitivas, também aquele sistema de tradições e ritos,
segundo o qual o amor de cada pessoa a si mesma – amor sobre que repousa a vida – pareceu coisa proibida ao
homem, algo a ser, portanto, escondido, ocultado e, de algum modo, mascarado. Amar aos outros passou a ser
coisa melhor, moralmente mais certa, mais nobre do que amar-se a si mesmo. E já que o amor a si próprio era o
exercício do instinto primitivo e, a seu lado, jamais podia o amor ao próximo ser retamente cultivado, descobriu
o homem uma espécie de amor próprio mascarado, sublimado, estilizado, sob a forma de amar o próximo, às
avessas... E assim a família, o clã, a aldeia, a comunidade religiosa, o povo, a nação transformaram-se numa
espécie de santuário.

O mandamento do amor, tenha sido ensinado por Jesus ou por Goethe, foi sempre mal interpretado no mundo.
Não era, afinal, nenhum mandamento. Não existem mandamentos. Mandamentos são verdades erroneamente
entendidas. A base de toda sabedoria é que a felicidade só vem pelo amor. Se digo: - “ama teu próximo!” –
estou simplesmente ensinando uma doutrina falsa. Seria talvez melhor dizer: “Ama-te a ti mesmo como a teu
próximo!” A origem de todos os erros foi, quem sabe, o fato de querermos sempre começar pelo próximo...

Devemos manter nosso amor o mais livre possível, para a cada momento o podermos comunicar.
Sobreestimamos sempre os objetos a que amamos, e isto é causa de muito sofrimento.

O que me traz vantagens no pensamento e na arte traz-me também, não raro, incômodo na vida, especialmente
junto às mulheres. É que eu não consigo fixar meu amor nem amar uma só coisa ou uma só pessoa. Ao
contrário, preciso amar a vida, preciso amar o próprio amor.

Os artistas e os poetas são, com freqüência, amantes apaixonados, mas raramente bons maridos. É que o artista
vive antes de tudo para sua obra. O amor que lhe resta para dar aos outros é, antes, bastante escasso, visto o
muito que dele exige a dedicação ao trabalho artístico.

Sem personalidade não existe amor, não existe amor realmente profundo.

Sofremos o amor, mas quanto mais generosamente o sofremos, mais fortes ele nos faz.

Sabemos todos, por experiência, quão fácil é nos apaixonar e quão difícil e belo é amarmos realmente. Como
todos os valores reais, não se pode vender o amor. Há prazeres que se vendem; o amor, não.

Podereis sempre ter tudo e o que se pode comprar com dinheiro. Mas sois forçados a admitir que o que é
melhor, o que é mais belo, o que é mais cobiçável, nunca e em parte alguma pode o dinheiro comprá-lo! A coisa
melhor, mais bela e mais cobiçável do mundo, só se pode pagá-la com a própria alma, pois ela, como o amor,
não se deixa comprar dinheiro. Aquele cuja alma não é pura, nem capaz do bem, incapaz até mesmo de crer na
bondade, a este nem mesmo o bem melhor e mais sublime lhe parece de todo rico e bom. E para sempre terá
de contentar-se com a imagem pequenina, deturpada e triste do mundo, esta imagem que ele próprio se criou
para ser o seu tormento e a fonte de sua miséria.

O mal surge sempre lá onde não chega o amor.

Que felicidade é podermos amar!

Bela coisa é a sinceridade! Sem o amor, perde entretanto, todo o seu valor. Amar é sermos superiores, é
sabermos compreender, é podermos sorrir no sofrimento.

A meditação não é pesquisa nem crítica. É apenas amor. É o mais sublime e desejável estado de nossa alma: o
amor desinteressado.

As resistências à admissão de nosso amor físico é que criam a maioria das neuroses. Delas geralmente nasce
também, em toda a nossa vida, uma grande mentira, aparentemente boa, porém de péssimas conseqüências.
Isto ocorre, por exemplo, no campo do patriotismo e da política.

Toda pessoa humana é digna de ser amada, tão logo comece realmente a falar-nos.

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