You are on page 1of 28

A Implementação do Regime de

Metas para a Inflação no Brasil

Joel Bogdanski
Alexandre Antonio Tombini
Sérgio Ribeiro da Costa Werlang

Resumo

O Brasil adotou uma política monetária baseada em metas para a inflação


em meados de 1999, menos de seis meses depois de passar para o sistema de
câmbio flutuante. Este artigo apresenta o background macroeconômico que
levou a essa mudança no regime de política monetária e descreve os
mecanismos institucionais e as estruturas operacionais gerais que foram
adotadas. O trabalho discute, também, a modelagem básica que auxiliou no
processo de tomada de decisão na fase inicial de implantação das metas para
a inflação no Brasil. Descreve-se a família de modelos macroeconômicos
compactos que foi utilizada para informar e organizar as discussões sobre
política monetária no âmbito do Banco Central. Esses modelos contêm um
pequeno número de equações e de variáveis, mas possuem um conteúdo
teórico considerável e proporcionam uma representação estilizada do
mecanismo de transmissão da política monetária. São de fácil compreensão
e, por isso, especialmente adequados para fazer simulações de uma vasta
gama de tópicos. O artigo conclui apontando as principais lições que podem
ser extraídas da experiência inicial do Brasil com metas para a inflação.
A Implementação do Regime de
Metas para a Inflação no Brasil ◊

1. Introdução

O Brasil adotou recentemente um novo regime de política monetária. Após a passagem


para o sistema de câmbio flutuante, o governo definiu metas para a inflação dos
próximos anos e atribuiu ao Banco Central a responsabilidade de conduzir a política
monetária com independência operacional, de modo a atingi-las.

O regime de metas para a inflação exige que as autoridades monetárias assumam uma
postura prospectiva e adotem medidas antecipatórias, dada a existência de defasagens
temporais entre as decisões de política e seus efeitos sobre o produto e os preços. Nas
palavras de Alan Greenspan, “Há, implícita em qualquer ação ou inação de política
monetária, uma expectativa de como se desdobrará o futuro, ou seja, uma projeção”. De
fato, na nossa visão, os bancos centrais que têm metas para a inflação trabalham, na
verdade, com metas para a projeção da inflação. Em vez de reagir simplesmente aos
fatos do presente, os responsáveis pela política monetária tomam decisões com base nas
projeções condicionais da inflação futura – condicionais às diferentes trajetórias da taxa
de juros, à melhor estimativa do estado corrente da economia e à provável evolução
futura das variáveis exógenas, sobre as quais não se tem controle.

É crucial desenvolver uma estrutura básica de modelagem para que os formuladores de


política possam fazer suas análises e avaliações de modo fundamentado e quantificado.
Modelos econômicos constituem somente mais uma ferramenta disponível para orientar
as decisões de política em um cenário de incertezas sobre o estado da economia e sobre
a natureza e a magnitude dos choques que constantemente a atingem. Apesar disso,
modelos simples podem auxiliar a tornar mais claros os problemas econômicos,
concentrando-se em um pequeno número de fatores tidos como essenciais para o seu
entendimento. Neste artigo, apresentamos o enfoque básico de modelagem que tem


Agradecemos aos demais membros da equipe de pesquisa do Banco Central, em particular a Fábio
Araújo, Paulo Springer de Freitas e Marcelo Kfoury Muinhos. Os pontos de vista aqui apresentados e
eventuais incorreções permanecem de nossa inteira responsabilidade.

2
assistido à tomada de decisões de política monetária desde a fase inicial do regime de
metas para a inflação no Brasil.

A Seção 2 descreve os arranjos institucionais gerais e a estrutura operacional usada no


regime de metas para a inflação. A Seção 3 descreve a família de modelos
macroeconômicos de pequeno porte que tem sido usada para informar e organizar as
discussões de política monetária dentro do Banco Central. Esses modelos contêm
poucas equações e um número reduzido de variáveis, porém incorporam um conteúdo
teórico considerável e proporcionam uma representação estilizada do mecanismo de
transmissão da política monetária. Eles são de fácil compreensão e, assim, prestam-se
particularmente bem para a simulação de uma vasta gama de questões. A Seção 4 trata
das exigências básicas para efetuar simulações. A Seção 5 apresenta breves conclusões.

2. Estrutura do regime de metas para inflação no Brasil

2.1 Em busca de uma âncora nominal para a política monetária

No Brasil, o processo de estabilização iniciado em meados de 1994 foi bem sucedido


em reduzir a inflação para taxas de um único dígito em menos de três anos. Esse
processo incluiu um vasto programa de reformas econômicas. Por exemplo, o tamanho
do setor público foi reduzido no período por meio da privatização de empresas estatais
que operavam em setores como telecomunicações, química, transporte ferroviário,
bancos e mineração. Da mesma forma, a liberalização do comércio exterior foi
aprofundada por meio da redução de tarifas de importação e da eliminação de barreiras
não tarifárias. O sistema financeiro passou por uma ampla reestruturação, incluindo a
liquidação, fusão ou incorporação de instituições financeiras problemáticas e a
atualização da regulamentação prudencial.

A principal fonte de inércia inflacionária – a indexação automática de preços, salários e


outros contratos – foi substancialmente reduzida. O crescimento anual do produto
atingiu, em média, 3,4% em termos reais entre 1994 e 1998, embora o desemprego
tenha começado a aumentar em 1997.

3
Contudo, a despeito de seu relativo sucesso, o processo de estabilização envolveu um
enfoque gradualista de diversos problemas econômicos estruturais ainda não resolvidos.
O tão necessário ajuste fiscal definitivo foi continuamente postergado, em parte porque
a base de apoio ao governo não estava convencida da sua urgência. Desta forma, o
Brasil permaneceu vulnerável a uma crise de confiança, que se tornou realidade quando
a turbulência financeira internacional culminou com a moratória russa, em agosto de
1998. A crise de confiança causou uma grande fuga de capitais dos mercados
emergentes. O Brasil elevou suas taxas de juros de curto prazo e anunciou um forte
aperto fiscal. Ao mesmo tempo, o governo negociou um pacote preventivo de apoio
financeiro com o FMI, no valor de 41,5 bilhões de dólares.

O governo, inicialmente, implantou com sucesso as medidas fiscais, mas a confiança


dos mercados continuou a desintegrar-se até janeiro de 1999, como reflexo também das
dúvidas quanto ao compromisso dos governadores recém-eleitos com a promoção de
ajustes nas finanças de seus estados. Depois de experimentar fortes pressões sobre as
reservas em moeda estrangeira, o Banco Central foi forçado a abandonar o regime de
bandas cambiais deslizantes.1 Após breve tentativa de proceder a uma desvalorização
controlada, o real foi forçado a flutuar em 15 de janeiro. Como conseqüência dessa
abrupta mudança de regime, a maior parte da diretoria do Banco Central foi substituída.
Devido às peculiaridades brasileiras, a nova diretoria só tomou posse no início de
março.2

Na ausência de diretrizes definidas para a política monetária, a taxa de câmbio média


passou de R$ 1,52 por dólar em janeiro para R$ 1,91 em fevereiro, lembrando que
estava em R$ 1,21 imediatamente antes da mudança do regime cambial. A inflação
subiu abruptamente: o índice de preços por atacado aumentou 7,0% em fevereiro e o
índice de preços ao consumidor cresceu 1,4%. Isso levou alguns analistas privados a
preverem enorme deterioração de todos os fundamentos macroeconômicos.

1
A política cambial oficial na época consistia em uma pretendida desvalorização nominal de 7,5% ao
ano, enquanto a inflação anual era próxima de 2%.
2
No Brasil, o Senado Federal precisa aprovar formalmente os indicados para a diretoria do Banco
Central. O processo consiste em duas etapas. A primeira é a sabatina do indicado em audiência pública na
Comissão de Assuntos Econômicos. A segunda é a votação em plenário, na qual os 81 senadores decidem
por maioria simples pela aprovação ou rejeição do indicado. Embora a coalizão do governo detenha
ampla maioria no Senado, o processo pode ser demorado.

4
A nova diretoria tomou posse em 4 de março e imediatamente atuou em duas frentes. A
primeira foi acalmar os nervos dos mercados financeiros. A expectativa de que uma
disparada da inflação pudesse trazer as taxas reais de retorno dos instrumentos da dívida
pública para o terreno negativo foi o primeiro item a ser atacado.

O Comitê de Política Monetária (Copom), cujos membros são o presidente e os


diretores do Banco Central, decidiu aumentar a taxa de juros básica de curto prazo
(Selic) de 39% para 45% ao ano, levando em conta que os contratos futuros para o
próximo vencimento já estavam sendo negociados a 43,5%. Uma novidade importante
foi introduzida, o viés da taxa de juros, delegando ao presidente do Banco Central a
prerrogativa de alterar a taxa de juros no período entre duas reuniões ordinárias do
Comitê (que costumavam ser de cinco semanas antes da adoção do regime de metas
para inflação). O Copom estabeleceu um viés de redução, significando que a taxa básica
de juros poderia ser reduzida a qualquer momento antes da reunião seguinte.3

Também pela primeira vez, o Comitê divulgou uma nota explicativa imediatamente
após a reunião (anteriormente, as atas das reuniões do Copom só eram divulgadas
depois de três meses). Suas palavras iniciais eram “o objetivo primeiro do Banco
Central é o de manutenção da estabilidade dos preços”. E continuava: “(1) a
estabilidade dos preços em regime de câmbio flutuante é garantida pela austeridade
fiscal sustentada e por austeridade monetária compatível; (2) como no curto prazo a
política fiscal está dada, o instrumento efetivo para controle das pressões
inflacionárias é de natureza monetária, ou seja, a taxa de juros; (3) a inflação
observada teve como causa básica a desvalorização do real, e as expectativas de
inflação para o mês eram de alta; (4) o nível da taxa de juros tinha que ser
suficientemente alto para fazer frente às pressões inflacionárias existentes, que são de
origem cambial; e (5) dessa forma, optou-se por uma taxa de 45% ao ano, mas com a
introdução de um viés de redução, pois se houver sinais evidentes de retorno sustentado
da taxa de câmbio a níveis mais realistas, não seria mais justificada a manutenção de
taxas de juros nominais tão elevadas”. De fato, o viés foi utilizado duas vezes antes da

3
Por outro lado, se houver necessidade de elevar a taxa de juros enquanto vigora um viés de redução,
deverá ser convocada uma reunião extraordinária do Copom para tomar a decisão.

5
reunião seguinte: a taxa de juros foi reduzida primeiro para 42% e depois para 39,5%,
sucedendo a reversão do overshooting do câmbio e a redução das taxas de inflação,
tanto observadas quanto esperadas.

A segunda frente foi a iniciativa de propor a adoção de metas para a inflação como novo
regime de política monetária. Embora a nota explicativa deixasse claro que a busca da
estabilidade de preços já era aspiração dominante entre os integrantes do Copom, havia
muito trabalho a ser feito na área institucional. Por exemplo, o Banco Central nunca
teve formalmente independência operacional para conduzir a política monetária.
Ademais, mesmo no próprio Banco, poucos funcionários conheciam bem a estrutura de
um regime de metas para a inflação. As habilidades técnicas exigidas para desenvolver
modelos adequados de previsão de inflação estavam distribuídas desigualmente pelos
departamentos do Banco. Em particular, não havia um departamento exclusivo de
pesquisa: cada departamento costumava empreender seus próprios esforços de pesquisa,
normalmente voltados para atender demandas imediatas e não devotados a pensar o
futuro sistematicamente.

Assim que esses problemas foram detectados, a solução foi direta e rápida. O novo
regime de câmbio flutuante claramente exigia uma nova âncora nominal para a política
econômica. A política monetária, em conjunto com um ajuste fiscal vigoroso e uma
política salarial firme no setor público, serviria de instrumento para prevenir a volta da
espiral inflacionária e assegurar uma rápida desaceleração da taxa de inflação. O regime
de metas para a inflação constituía a estrutura mais apropriada para alcançar a
estabilidade econômica no regime de câmbio flutuante, com as metas fazendo elas
mesmas o papel da âncora nominal. Com argumentos sólidos, não foi difícil convencer
o Presidente da República, o Ministro da Fazenda e seus principais conselheiros
econômicos de que o regime de metas poderia funcionar bem no Brasil. O quadro
técnico do Fundo Monetário Internacional (FMI) foi muito receptivo à nova estrutura
proposta para a política monetária, e mostrou interesse em organizar um seminário
internacional sobre o assunto, no qual o debate seria enriquecido com as experiências de
vários bancos centrais e especialistas acadêmicos.

6
Dentro do Banco Central, foi criado o Departamento de Estudos e Pesquisas no final de
março. Inicialmente, três áreas de pesquisa foram abertas: metas para a inflação, riscos
do mercado financeiro e microeconomia bancária. A equipe de metas para a inflação,
composta de quatorze pesquisadores, iniciou uma revisão da literatura existente.

Dois livros foram particularmente úteis: Bernanke et al. (1998), Inflation Targeting:
Lessons from the International Experience, Princeton University Press, e Taylor, John
B. (ed.) (1999), Monetary Policy Rules, University of Chicago Press. Alguns outros
artigos e livros formaram o “kit mínimo”, de leitura obrigatória para os participantes do
grupo. (i) Leitura geral e estudos de caso: King, Mervyn (1997), The Inflation Target
Five Years On; Massad, Carlos (1998), La Política Monetaria en Chile; Masson, P.R. et
al. (1997), The Scope for Inflation Targeting in Developing Countries; Taylor, John
(1999), A Historical Analysis of Monetary Policy Rules. (ii) Modelos de otimização:
Backus, David et al. (1986), The Consistency of Optimal Policy in Stochastic Rational
Expectations Models; Currie, David et al. (1993), Rules, Reputation and
Macroeconomic Policy Coordination; Svensson, Lars (1998), Open-Economy Inflation
Targeting. (iii) Trabalhos aplicados: Taylor, John (1993) Discretion versus Policy Rules
in Practice; Taylor, John (1994), The Inflation/Output Variability Trade-off Revisited.

Após cuidadoso planejamento, o grupo de metas para a inflação começou a trabalhar no


desenho da estrutura institucional e na modelagem dos mecanismos de transmissão da
política monetária. O grupo beneficiou-se enormemente das discussões e consultas
mantidas durante o ‘Seminário sobre Metas para a Inflação’, organizado conjuntamente
pelo Banco Central do Brasil e pelo Departamento de Assuntos Monetários e Cambiais
do FMI, realizado no Rio de Janeiro (3-5 de maio de 1999).4 O consenso geral
resultante dessa reunião pode ser resumido da seguinte forma:
“Inflação baixa e estável foi apontada como o objetivo primário de longo prazo
da política monetária, e o regime de metas para a inflação foi considerado uma

4
O objetivo do seminário foi o de examinar a experiência de várias economias desenvolvidas e
emergentes na implementação de metas para a inflação, e oferecer aos economistas e formuladores de
política brasileiros a oportunidade de discutir planos para implementar uma estrutura semelhante no
Brasil. Especialistas da Austrália, Canadá, Chile, Israel, México, Nova Zelândia, Suécia, Reino Unido, e
Estados Unidos apresentaram as experiências de seus países. Os pesquisadores do Banco Central do
Brasil apresentaram seu trabalho inicial sobre metas para a inflação, intitulado “Issues in the Adoption of
an IT Framework in Brazil”, maio de 1999.

7
estrutura eficaz para orientar a política monetária. Em particular, o regime de
metas para a inflação foi entendido como capaz de: fornecer uma âncora
nominal tanto para a política monetária quanto para as expectativas de
inflação, tornando essa âncora idêntica ao objetivo de longo prazo da política
monetária; proporcionar maior transparência e responsabilidade ao
planejamento e à execução da política monetária; facilitar sua comunicação,
compreensão e avaliação; prover uma diretriz efetiva de política, concentrando
a atenção dos tomadores de decisão nas conseqüências de longo prazo das
ações de política de curto prazo.” (Brazil – Selected Issues and Statistical
Appendix – Fundo Monetário Internacional, 16 de julho de 1999).

8
2.1 Estrutura geral

Em 1º de julho de 1999, o Brasil adotou formalmente o regime de metas para a inflação


como diretriz da política monetária. Isso ocorreu por força do Decreto nº 3.088, editado
pelo Presidente da República em 21 de junho de 1999, cujos pontos principais são
listados a seguir:

• As metas para inflação são representadas por variações anuais de índice de preços de
ampla divulgação;
• As metas e os respectivos intervalos de tolerância serão fixados pelo Conselho Monetário
Nacional – CMN, mediante proposta do Ministro de Estado da Fazenda;
• A fixação das metas para os anos de 1999, 2000 e 2001 deverá ocorrer até 30 de junho de
1999; para os anos de 2002 e seguintes, até 30 de junho de cada segundo ano
imediatamente anterior;
• Ao Banco Central do Brasil compete executar as políticas necessárias para cumprimento
das metas fixadas;
• O índice de preços a ser adotado para a verificação das metas será escolhido pelo CMN,
mediante proposta do Ministro de Estado da Fazenda;
• Considera-se que a meta foi cumprida quando a variação acumulada da inflação – medida
pelo índice de preços adotado, relativa ao período de janeiro a dezembro de cada ano
calendário – situar-se na faixa do seu respectivo intervalo de tolerância;
• Caso a meta não seja cumprida, o Presidente do Banco Central divulgará publicamente,
por meio de carta aberta ao Ministro de Estado da Fazenda, descrição detalhada das
causas do descumprimento, as providências para assegurar o retorno da inflação aos
limites estabelecidos, e o prazo no qual se espera que as providências produzam efeito; e
• O Banco Central do Brasil divulgará, até o último dia de cada trimestre civil, relatório de
inflação abordando o desempenho do regime de metas para a inflação, os resultados das
decisões passadas de política monetária e a avaliação prospectiva da inflação.

Em 30 de junho de 1999, o Conselho Monetário Nacional (CMN) editou uma


Resolução5 tratando da definição do índice de preços, bem como das metas para a
inflação. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foi escolhido como referência das metas
para a inflação. As metas foram fixadas em 8% para 1999, 6% para 2000 e 4% para

5
Resolução nº 2.615.

9
2001 – variações acumuladas no ano. Foram definidos também intervalos de tolerância
de ±2% para cada ano.

O índice de preços escolhido, o IPCA, cobre uma amostra de famílias com renda mensal
entre 1 e 40 salários mínimos e possui grande abrangência geográfica. Inclui nove
regiões metropolitanas (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre,
Recife, Belém, Fortaleza, Salvador e Curitiba), bem como Goiânia e o Distrito Federal.

A razão para a escolha de metas decrescentes entre 1999 e 2001 teve a ver com a
evolução recente da inflação no Brasil. É importante distinguir um processo
inflacionário sistemático de uma alta temporária da inflação causada por um choque. No
primeiro caso, há uma contínua aceleração do nível de preços. No segundo, pode haver
uma única elevação, definitiva, no nível de preços, mas sem pressões altistas adicionais.
O caso brasileiro pertencia claramente à segunda categoria: a desvalorização da moeda
iniciada na metade de janeiro de 1999 foi um choque que colocou em marcha um
realinhamento dos preços relativos. Antes de sua ocorrência, porém, os preços no Brasil
mantinham-se estáveis: na média, a inflação ao consumidor foi de 1,7%6 em 1998.

Como não havia indícios de um processo inflacionário no Brasil, uma estratégia


gradualista de desinflação não parecia recomendável. A taxa de inflação ao consumidor
deveria retornar ao nível de 1998 tão logo se completasse o realinhamento de preços
relativos. Deste modo, era não só possível mas também desejável que o governo fixasse
uma trajetória declinante para a inflação.

Uma questão importante que gerou muitas discussões foi a escolha da taxa de inflação
‘cheia’ para servir de referência para as metas, ao invés de uma medida de núcleo da
inflação. Talvez o procedimento técnico mais adequado fosse expurgar alguns itens do
índice cheio, deixando-o imune aos efeitos de choques temporários e de ocorrência
única. Apesar disso, a escolha de um índice cheio tornou-se inevitável por razões de
credibilidade, pelo menos no início da implementação do regime de metas para a
inflação. Infelizmente, a sociedade brasileira havia testemunhado vários episódios de

6
No caso do índice de preços ao consumidor medido apenas na cidade de São Paulo (IPC/FIPE), a
inflação foi negativa (-1,8%) em 1998.

10
manipulação de índices de preços no passado não muito distante, e assim qualquer
mudança relacionada com a supressão de itens do índice-meta despertaria desconfiança.

Outra questão relacionada é a ausência de cláusulas de exceção no mecanismo


institucional. No caso de descumprimento da meta, exige-se do presidente do Banco
Central uma carta aberta endereçada ao Ministro da Fazenda, explicando as causas do
descumprimento, detalhando as medidas a serem adotadas para garantir a convergência
da inflação para a meta e o período de tempo que se supõe necessário para que essas
medidas produzam efeito.

A combinação do uso da inflação cheia com a ausência de cláusulas de exceção justifica


a adoção do intervalo de tolerância relativamente amplo, de dois pontos percentuais em
torno da meta central, e certamente torna as metas anunciadas bem mais apertadas do
que podem parecer à primeira vista.

É importante enfatizar que as decisões de política monetária devem ser tomadas com
base no conjunto de informações mais abrangente que estiver disponível. Da mesma
forma, tanto na busca por uma função de reação adequada quanto na produção de
projeções de inflação e suas respectivas distribuições de probabilidade, devem ser
considerados diversos modelos econômicos. Toda informação que ajude a projetar a
inflação precisa ser levada em conta, incluindo as expectativas do setor privado quanto à
trajetória das variáveis econômicas, informações extramodelo, indicadores antecedentes
e quaisquer outros conhecimentos ou juízos relevantes.

Uma última questão diz respeito à transparência do regime de metas para a inflação.
Como parte da estrutura inicial, foi estabelecido um processo eficaz de comunicação,
para facilitar à sociedade a compreensão e o monitoramento das decisões do Banco
Central, bem como para dar conhecimento dos motivos pelos quais supõe-se que a
inflação observada ou a projetada pode estar-se desviando da meta.

O Copom reúne-se regularmente a cada mês, e as decisões são tomadas por maioria de
votos. As decisões são anunciadas imediatamente após o término das reuniões, sendo às
vezes acompanhadas de um comunicado sucinto das razões pelas quais as decisões

11
foram tomadas. No segundo semestre de 1999, as atas do Copom eram publicadas duas
semanas após as reuniões. No início de 2000, esse intervalo foi reduzido para apenas
uma semana.

Ainda no esforço de comunicação, passou-se a publicar um relatório trimestral de


inflação, discutindo as principais questões relacionadas ao regime de metas para a
inflação.7 O relatório inclui explicações detalhadas dos resultados alcançados pelas
decisões passadas da política monetária e uma análise prospectiva da inflação futura,
com grande ênfase nas hipóteses adotadas no processo de projeção e que informaram a
decisão mais recente sobre os instrumentos monetários. As atas das reuniões anteriores
do Copom são republicadas nesse relatório.

2.2 Estrutura operacional

O Departamento de Estudos e Pesquisas do Banco Central do Brasil vem desenvolvendo


e aperfeiçoando um conjunto de ferramentas técnicas de apoio ao processo de decisão
da política monetária. Entre essas ferramentas, destacam-se os modelos estruturais de
pequeno porte que tratam do mecanismo de transmissão da política monetária para os
preços, complementados com modelos de previsão da inflação no curto prazo,
indicadores antecedentes de inflação e medidas do núcleo da inflação. Há também
levantamentos sistemáticos das expectativas do setor privado quanto a inflação,
crescimento do PIB e outras variáveis econômicas importantes, realizados pelo
Departamento Econômico.

Para construir modelos macroeconômicos estruturais, o Banco Central estudou os


diversos canais de transmissão da política monetária. Esses incluem a taxa de juros (que
é o principal instrumento da política monetária), a taxa de câmbio, a demanda agregada,
os preços de ativos, as expectativas, os agregados monetários e de crédito, os salários e
o estoque de riqueza. Dadas as características macroeconômicas da economia brasileira,
as principais conclusões são as seguintes: (i) as taxas de juros afetam o consumo de
bens duráveis e os investimentos com defasagem de 3 a 6 meses. Além disso, o hiato do

7
O Copom já publicou três Relatórios de Inflação – em 30 de junho, 30 de setembro e 30 de dezembro.
Os relatórios estão disponíveis na página do Banco Central na Internet, http://www.bcb.gov.br.

12
produto demora outros 3 meses para ter impacto significativo sobre a inflação. Em
resumo, a transmissão da política monetária através do canal da demanda agregada tarda
6 a 9 meses para completar-se; (ii) através de um canal direto: mudanças na taxa
nominal de juros afetam simultaneamente a taxa nominal de câmbio; esta afeta, também
simultaneamente, a taxa de inflação por meio da inflação ‘importada’; (iii) dada a
alavancagem historicamente baixa do setor empresarial brasileiro, em conjunto com as
políticas creditícia e monetária extremamente restritivas praticadas durante o Plano
Real, o mecanismo de transmissão via crédito não tem operado e sua importância em
termos de canalizar os impactos da taxa de juros para a inflação tem sido desprezível.8

Os modelos estruturais são complementados por um conjunto de modelos de curto


prazo. Esses modelos complementares incluem modelos de vetores auto-regressivos
(VAR) e modelos de séries temporais de médias móveis auto-regressivas (ARMA), que
se prestam a três propósitos básicos: (i) fornecer uma previsão alternativa de curto prazo
para a taxa de inflação e, assim, permitir testar a consistência das previsões resultantes
dos modelos estruturais; (ii) permitir o uso das previsões de inflação resultantes desses
modelos tanto na estimação (com o modelo estrutural) da taxa de juros ex ante (que é
uma variável explicativa na equação da demanda agregada em alguns dos modelos
estruturais), quanto na avaliação das regras forward-looking de taxa de juros (que são
uma das equações dos modelos estruturais); e (iii) permitir a simulação de choques em
componentes específicos do IPCA como, por exemplo, mudanças no preços
administrados.

3 O enfoque básico da modelagem

Beneficiando-se da experiência internacional obtida durante o Seminário de Metas para


a Inflação e de consultas com o Banco da Inglaterra, o Banco Central estimou/calibrou
um grupo de modelos estruturais com o objetivo principal de identificar e simular o

8
Com as recentes medidas voltadas para a redução do spread bancário, o canal do crédito certamente se
tornará importante para a operação da política monetária no regime de metas para a inflação. Vide o
estudo publicado pelo Departamento de Estudos e Pesquisas do Banco Central do Brasil “Juros e Spread
Bancário no Brasil” Outubro de 1999 (disponível na página http://www.bcb.gov.br).

13
mecanismo de transmissão da política monetária no Brasil, incluindo os principais
canais de transmissão e suas respectivas defasagens.

Um modelo estrutural representativo dessa família conteria as seguintes equações


básicas9:
(i) uma curva IS, que descreve o hiato do produto em função de suas próprias
defasagens (seus valores em períodos passados), da taxa real de juros (ex
ante ou ex post) e da taxa real de câmbio10;
(ii) uma curva de Phillips, exprimindo a taxa de inflação corrente em função de
suas próprias defasagens e das expectativas de inflação, do hiato do produto,
e da taxa nominal de câmbio (sem esquecer de impor a condição de
neutralidade monetária no longo prazo);
(iii) uma condição de equilíbrio no mercado de câmbio − a paridade descoberta
da taxa de juros (uncovered interest parity) − relacionando o diferencial
entre as taxas de juros domésticas e externas com a taxa esperada de
desvalorização cambial e o prêmio de risco; e
(iv) uma regra de taxa de juros, que pode ser uma trajetória futura exógena de
taxas de juros nominais ou reais, ou uma regra de reação do tipo Taylor (com
pesos para os desvios da inflação esperada em relação à meta), ou ainda uma
regra de reação ótima, calculada determinística ou estocasticamente.

Essa família de modelos permite diversas especificações de forma reduzida,


dependendo de quais aspectos o Copom queira discutir em detalhe. Um exemplo pode
ajudar a esclarecer essa flexibilidade. Suponhamos que o governo esteja firmemente
comprometido com a promoção de um ajuste fiscal, de modo que seja válida a hipótese
de que as metas para o superávit primário do setor público consolidado serão atingidas.
Nesse caso, a política fiscal produzirá efeitos importantes sobre a demanda agregada,
que devem ser levados em consideração explicitamente.

9
Esse mesmo enfoque de modelagem é vastamente utilizado em análises de política monetária. Ball
(1997) apresenta um modelo ilustrativo com duas equações. Ball (1998) e Battini e Haldane (1999)
mostram extensões compactas para economias pequenas e abertas, destacando os principais canais de
transmissão em operação.
10
A taxa real de câmbio não apresentou significância estatística nas estimações devido a dois motivos:
primeiro, que no período amostral utilizado vigorou um regime de câmbio administrado; segundo, que o

14
Uma forma possível de incorporar essa informação é incluir uma variável fiscal
diretamente na curva IS. Nessa especificação, duas variáveis representam instrumentos
de política: a taxa de juros e o superávit primário. O primeiro é o instrumento do Banco
Central e o segundo, o do Tesouro. O diagrama apresentado na figura 1 resume essas
hipóteses, mostrando as relações básicas envolvidas.

Variáveis que afetam o


risco do País

Resultado primário
Prêmio de Risco /PIB

PDTJ IS

IS
Taxa de Câmbio Demanda Agregada

Curva de
Phillips

PDTJ Inflação

Regras de Juros / Trajetórias


exógenas

Taxa de Juros

Figura 1

Curva IS
A especificação típica de uma curva IS poderia ser, em freqüência trimestral:
(I) ht = β 0 + β1ht −1 + β 2 ht − 2 + β 3rt −1 + ε th
onde:

peso relativo das exportações líquidas é pequeno se comparado aos outros componentes da demanda

15
h → logaritmo (log) do hiato do produto
r → log da taxa real de juros [log(1+R)]
εh → choque de demanda.

Para levar em conta a política fiscal, pode-se incluir um termo pr → log (1+ PR), onde
PR é a necessidade de financiamento do setor público (NFSP) no conceito primário, em
percentagem do PIB:
(II) ht = β 0 + β1ht −1 + β 2 ht − 2 + β 3rt −1 + prt −1 + ε thf

εhf → choque de demanda.

Antes de tudo, é preciso construir uma série histórica do hiato do produto.


Normalmente, inicia-se com uma medida do produto potencial. Para calcular o produto
potencial, as técnicas mais comuns são: 1) extração de uma tendência temporal linear
dos dados históricos do PIB; 2) “suavização” (smoothing) da série do PIB por meio de
filtros, como o de Hodrick-Prescott; 3) filtros de Kalman; e 4) estimação de funções de
produção. No caso brasileiro, a tendência linear e o filtro Hodrick-Prescott tiveram
preferência, uma vez que produziram resultados parecidos. O hiato do produto é então
obtido pela diferença entre o PIB observado e o potencial, o que permite a estimação
direta da curva IS “fiscal”.

Calibração de longo prazo da curva IS


Para estimar o lado da demanda do modelo estrutural na forma reduzida, foram
selecionados dados trimestrais entre 1992:I e 1999:III. Desse modo, a estimação ficou
muito influenciada pelos dados do período posterior ao Plano Real (1994:III a 1998:IV).
Deve-se notar que o Plano Real foi implementado em conjunto com um regime de
câmbio administrado, que foi um instrumento muito efetivo para reduzir e manter baixa
a inflação. Isso, porém, fazia com que as taxas de juros domésticas fossem fixadas
basicamente com o objetivo de sustentar a paridade administrada da taxa de câmbio.

Nesse “regime antigo”, a taxa de câmbio funcionava como âncora nominal para
estabilizar a inflação, enquanto a política monetária era conduzida para manter uma

agregada.

16
posição de balanço de pagamentos compatível com a paridade desejada. Em suma,
independentemente do julgamento que se faça sobre o sucesso do regime antigo em
termos de estabilização inflacionária e sua sustentabilidade no tempo, é razoável
concluir que a taxa de juros real de equilíbrio era necessariamente alta. Este não é
necessariamente o caso em um ambiente de alta liquidez internacional. De qualquer
forma, entre o final de 1994 e o início de 1999, as economias emergentes enfrentaram
vários episódios de piora nas condições de financiamento externo.

No regime de câmbio flutuante (em vigor desde janeiro de 1999), e com metas para a
inflação (desde julho de 1999), é razoável esperar que a taxa de juros real de equilíbrio
seja bem diferente do que era no regime antigo. Em conseqüência do novo nível de
equilíbrio da taxa real de juros, os efeitos da transição de um regime para o outro
exigiram uma calibração de longo prazo para a parte da demanda na forma reduzida do
modelo.

A calibração é simples e imediata. No steady state (estado estacionário) de longo prazo,


a relação entre a dívida líquida do governo e o PIB deve permanecer constante, com um
orçamento equilibrado (superávit primário igual a zero) e hiato de produto nulo. Isso
implica que a taxa de juros de equilíbrio de longo prazo deve ser igual à taxa de
crescimento do PIB potencial. Na especificação “fiscal” da curva IS, isso equivale a
r = − β 0 β3 . Desse modo, a calibração de longo prazo pode ser feita estimando-se a curva

IS “fiscal” com a restrição adicional sobre o par (β0,β3), cuja razão deve ser igual à taxa
de juros real de equilíbrio de longo prazo.

Curva de Phillips
O lado da oferta da economia é costumeiramente modelado com uma especificação de
curva de Phillips, que relaciona diretamente a inflação com uma medida de
desequilíbrio do setor real (tipicamente o hiato do produto), expectativas de inflação e
mudanças no câmbio real. Três variantes são apresentadas abaixo. Impõe-se sobre os
coeficientes α do lado direito de todas as equações, exceto o do hiato do produto, a
condição de que sua soma seja unitária. O objetivo é assegurar a verticalidade da curva

17
de Phillips no longo prazo, ou seja, garantir que a inflação seja neutra com respeito ao
produto real no longo prazo.

Especificação backward-looking (inercial)


(III) π t = α1bπ t −1 + α 2bπ t − 2 + α 3b ht −1 + α 4b ∆( ptF + et ) + ε tb
Especificação forward-looking
(IV) π t = α1f π t −1 + α 2f Et (π t +1 ) + α 3f ht −1 + α 4f ∆( ptF + et ) + ε t f
Especificação mista (média)
(α 1f +α 1b ) α 2f α 2b (α 3f +α 3b ) (α 4f + α 4b )
(V) πt = 2
π t −1 + 2
Et (π t +1 ) + 2
π t −2 + 2
ht −1 + 2
∆( ptF + et ) + ε tn
onde:
π → log da taxa de inflação
h → log do hiato do produto
pF → log do índice de preços ao produtor externo
e → log da taxa de câmbio
∆ → operador de primeira diferença
Et(⋅) → operador de expectativa, condicional à informação disponível em t
εb,εf, εn → choque de oferta.

A especificação backward-looking pode ser motivada pela hipótese de expectativas


adaptativas de inflação. É de estimação simples e, com apenas dois lags (defasagens), é
capaz de reproduzir razoavelmente bem a dinâmica inflacionária observada nos dados
do passado. Entretanto, é vulnerável à crítica de Lucas. Seu poder preditivo tende a ser
baixo devido às recentes mudanças nos regimes de política monetária e de câmbio, que
provavelmente alteraram a formação das expectativas de inflação e o trade-off de curto
prazo entre inflação e produto.

A especificação forward-looking é uma tentativa de superar a instabilidade de


parâmetros normalmente encontrada após quebras estruturais. É, também, motivada pela
hipótese natural de que, à medida que o regime de metas para a inflação conquista
credibilidade, as expectativas tendem a convergir para o valor da meta. Entretanto, essa
especificação traz sérias dificuldades de estimação, como por exemplo encontrar

18
medidas adequadas de expectativas, especialmente quando não há séries históricas
disponíveis ou confiáveis.

Diversas hipóteses sobre o mecanismo de formação das expectativas foram testadas,


mas em geral as estimações apontaram para a combinação convexa da inflação passada
e esperada, com peso mínimo de 60% para o componente forward-looking. Nem a
equipe de pesquisadores nem os integrantes do Copom sentiram-se confortáveis com
esses resultados por duas razões. Primeiro, porque eles implicam um grau de
credibilidade na política monetária que não se esperava alcançar tão cedo, além de não
coincidirem com os levantamentos recentes das expectativas de mercado. Segundo,
porque eles geram uma dinâmica inflação/produto praticamente sem inércia e, por
conseqüência, um ajustamento rápido tanto nas variáveis reais quanto nas nominais, o
que não parece ser uma representação razoável da realidade.

O dilema da escolha entre as variantes backward e forward-looking foi resolvido


combinando-as. A média das duas especificações da curva de Phillips (juntamente com
as outras equações do modelo completo) reproduz as principais propriedades dinâmicas
observadas na economia, com a persistência da inflação advindo do ajustamento gradual
forçado pelos termos backward-looking, enquanto a presença do componente forward-
looking reflete a importância crescente que esse termo deve adquirir no período de
transição após as mudanças nos regimes de política monetária e de câmbio.

Quando se deseja rodar simulações para investigar os efeitos de regras de política


monetária sobre a inflação e o produto, essa especificação facilita testar diferentes
hipóteses sobre o mecanismo de formação das expectativas. Por exemplo, as
expectativas podem ser obtidas exogenamente, por meio de pesquisas de mercado, e
complementadas com uma hipótese adicional sobre seu modo de reação a novas
informações. Ou, alternativamente, as expectativas podem ser calculadas de forma
recursiva para serem consistentes com o modelo (expectativas racionais).

O repasse cambial
O repasse das variações da taxa de câmbio para a inflação doméstica é uma questão
chave na configuração da curva de Philips. Foram testadas várias especificações lineares

19
e não lineares para os coeficientes de repasse, reduzindo a quatro as alternativas
implementadas na ferramenta de simulação selecionada. A primeira alternativa é utilizar
um coeficiente constante de repasse, estimado a partir de uma amostra adequada de
dados passados. A segunda é utilizar uma função quadrática para a transferência das
variações do câmbio para a inflação. A terceira é utilizar um coeficiente de repasse que
dependa também do nível (do logaritmo) da taxa de câmbio nominal. A última é uma
função quadrática do nível da taxa de câmbio nominal, motivada por um modelo
simples de equilíbrio parcial, no qual as desvalorizações da taxa de câmbio deslocam a
curva de oferta dos produtores competitivos de bens comercializáveis com o exterior.11
Todas as variantes não lineares tentam captar de modo mais preciso os efeitos de um
overshooting temporário da taxa de câmbio.12 Para o pequeno número de observações
disponíveis em freqüência trimestral, entretanto, os resultados ficaram muito próximos
da variante linear e foram consistentes com a evidência internacional de que o
coeficiente de repasse é inversamente proporcional ao grau de apreciação real da taxa de
câmbio no momento anterior à desvalorização. As equações abaixo resumem as quatro
especificações mencionadas.

α 4 = constante

α 4 = (α 41 + α 42 ∆( ptF−1 + et −1 ))
α 4 = (α 41 + α 42 et −1 )

Et2−1 − α 42
α 4 = α 41
Et2−1 + α 42
onde:
pF → log do índice de preços ao produtor externo
e → log da taxa de câmbio
E → taxa de câmbio (R$/US$).

Taxa de câmbio – paridade descoberta da taxa de juros


A taxa de câmbio nominal é determinada por uma condição de equilíbrio financeiro do
mercado cambial – a condição de paridade descoberta da taxa de juros, que relaciona

11
Vide Goldfajn e Werlang (1999), Apêndice.
12
Dornbusch (1976) apresenta as conseqüências de overshooting em um contexto diferente.

20
mudanças esperadas na taxa de câmbio entre dois países com o respectivo diferencial de
taxas de juros e um prêmio de risco:
(VI) Et et +1 − et = it − itF − xt
onde:
e → log da taxa de câmbio
i → log da taxa de juros doméstica
iF → log da taxa de juros externa
x → log do prêmio de risco.

Tomando primeiras diferenças Et et +1 − Et −1et − ∆et = ∆it − ∆itF − ∆xt e supondo, por
simplicidade, que a mudança de expectativas siga um processo estocástico de ruído
branco13, Et et +1 − Et −1et = ηt , a dinâmica cambial pode ser descrita como:

(VII) ∆et = ∆itF + ∆xt − ∆it + ηt .

Há duas variáveis exógenas nessa equação: a taxa de juros externa e o prêmio de risco.
A taxa de juros externa é relativamente estável e pode, portanto, ser projetada com
razoável precisão a partir dos contratos futuros. Já o prêmio de risco – que pode ser
medido pelo spread da dívida soberana sobre a remuneração dos títulos do Tesouro
americano de mesmo prazo − costuma apresentar alta volatilidade, pois está
normalmente associado a fundamentos macroeconômicos e a outros fatores subjetivos
de difícil estimação. Assim, duas abordagens alternativas foram consideradas no tocante
ao prêmio de risco. A primeira é estabelecer hipóteses para sua evolução futura, que
sejam consistentes com o restante do cenário analisado, gerando uma trajetória exógena
para ser usada nas simulações. A segunda é modelar o prêmio de risco em função dos
principais fatores objetivos que o afetam. Nesse caso, seu comportamento será
determinado endogenamente.

Uma hipótese consistente com a especificação “fiscal” da curva IS é que o prêmio de


risco responda à situação fiscal, com os avanços fiscais conduzindo a reduções
adequadas do prêmio. Além disso, outros fatores alteram as expectativas e

13
Isso é equivalente a um passeio aleatório (random walk) com surpresa monetária, onde a surpresa é
caracterizada por mudanças nos diferenciais de taxa de juros e na percepção do risco.

21
conseqüentemente, o prêmio de risco: as condições de liquidez e o nível das taxas de
juros no exterior, o desempenho dos mercados de capitais, os preços de commodities, as
perspectivas do balanço de transações correntes, a classificação de risco do País pelas
agências especializadas etc. O vínculo com a condição de paridade poderia ser:
n
(VIII) ∆X t = γ 1∆X t −1 + γ 2 ∆PRt − 3 + ∑ γ j ∆Z j , t − t j
j =3

onde:
X → prêmio de risco em pontos-base (SoT)
PR → resultado primário do setor público, em porcentagem do PIB
Z → variáveis que afetam o prêmio de risco.

Regras de política monetária


O principal instrumento da política monetária é a taxa de juros de curto prazo, fixada
pelo Banco Central. Para rodar simulações com alguma das variantes dos modelos14, é
necessário escolher uma regra de política monetária. As regras podem ser classificadas
em três famílias básicas: trajetórias de taxas de juros integralmente exógenas,
combinações lineares das variáveis do sistema, e funções ótimas de resposta.

Trajetórias de taxa de juros exógenas


Essa família de regras proporciona um modo direto de introduzir uma trajetória de taxa
de juros no modelo. Isso é útil, por exemplo, na análise das conseqüências de uma
trajetória esperada de juros, como por exemplo a trajetória implícita nos instrumentos
negociados no mercado financeiro ou a trajetória considerada no orçamento do governo.

Uma regra específica dessa família pode ser de muita ajuda para a comunicação
institucional. O Relatório de Inflação trimestral tradicionalmente apresenta projeções de
inflação e de crescimento do produto construídas sob a hipótese de que a taxa de juros
de curto prazo permanecerá constante em seu nível corrente durante todo o período da
projeção. Essa projeção é apresentada também por meio de um gráfico em leque da
inflação, que mostra, para cada trimestre, a distribuição de probabilidades em torno da

14
Blanchard and Kahn (1980) traz inúmeras referências sobre como resolver para a frente um sistema de
equações em diferenças finitas com expectativas racionais.

22
projeção central. Por simples inspeção visual, é possível inferir se a política monetária
deve ser alterada, e em que direção.15

Combinação linear das variáveis do sistema


A regra de taxa de juros desta família é uma função linear de algumas variáveis do
sistema. Por exemplo, a política monetária pode reagir contemporaneamente ao hiato do
produto e aos desvios da inflação de sua meta, como na equação (IX) abaixo. Quando
λ=1, a função torna-se uma regra de Taylor padrão; quando λ∈(0,1), é uma regra de
Taylor com “suavização” da taxa de juros. Os valores dos coeficientes α podem ser
fixados arbitrariamente ou mediante procedimentos específicos de otimização
disponíveis na ferramenta de simulação.
(IX) it = (1 − λ )it −1 + λ (α 1 (π t − π * ) + α 2 ht + α 3 )
onde:
π → log da inflação
π* → log da meta de inflação
h → log do hiato do produto
i → log da taxa de juros.

Esse tipo de regra é instrumental para analisar o comportamento do sistema depois de


selecionado um conjunto particular de α’s. Entretanto, os conjuntos de α’s obtidos por
procedimentos de otimização podem freqüentemente ser muito anti-intuitivos.16

Trajetórias ótimas
Uma regra ótima de reação pode ser encontrada utilizando dois métodos básicos de
otimização disponíveis para as simulações. O primeiro é uma otimização determinística,
na qual as expectativas das variáveis do sistema são consideradas como equivalentes às
suas próprias realizações previstas no modelo. O segundo método utiliza simulação
estocástica. No caso determinístico, a função-objetivo (a função perda que se deseja
minimizar) é dada pela equação (X) e, no caso estocástico, pela equação (XI). Note-se

15
Britton, Fischer and Whitley (1998) explicam como interpretar projeções gráficas de inflação
apresentadas na forma de leque. Haldane (1997) mostra de que forma a inclusão explícita de uma
distribuição de probabilidade parcialmente subjetiva pode ajudar a entender a avaliação feita pelos
tomadores de decisão sobre a situação econômica corrente.

23
que, devido ao princípio da equivalência em certeza, as equações (X) e (XI) serão
equivalentes sempre que as restrições forem lineares.

N
L = ∑ [λ1 ( E (π t + r ) − π t*+ r ) 2 + λ 2 [E (ht + r )] + λ 3 (∆it + r ) 2 ]
2
(X)
r =1

N
(XI) L = ∑ [λ1 E[(π t + r − π t*+ r ) 2 ] + λ 2 E (ht2+ r ) + λ 3 (∆i t + r ) 2 ]
r =1

Os dois métodos de otimização podem ser utilizados com uma trajetória de taxa de juros
exógena arbitrária17, ou com uma trajetória definida em função da inflação, do hiato do
produto e da taxa de juros defasada.

O caso determinístico é útil para simular diversos cenários alternativos durante uma
reunião da equipe de projeção, pois o procedimento é rápido. Por outro lado, embora o
caso estocástico seja mais preciso e forneça os intervalos de probabilidades para a
trajetória de taxa de juros calculada, ele requer um tempo de computação substancial, o
que torna o procedimento inviável durante uma reunião do Copom.

Estrutura básica
A estrutura básica para rodar simulações e fazer projeções consistentes com as relações
mostradas na figura 1 consiste nas equações (II), (V), (VII) e (VIII), em conjunto com
a escolha de um mecanismo de formação das expectativas inflacionárias, uma
especificação de repasse e uma regra de política monetária.

4. Exigências para simulação

Os integrantes do Copom discutem a avaliação conjuntural com a equipe técnica e


selecionam os choques relevantes que consideram possíveis e desejam investigar. Esses
choques são então estilizados e introduzidos nos modelos estruturais. É importante notar

16
Vide Svensson (1997).
17
Em ambos os casos, a otimização é sujeita ao modelo em uso.

24
que, dada a natureza simplificada dos modelos macroeconômicos, é necessário extremo
cuidado na identificação da forma, intensidade e cronologia dos choques.

A introdução de choques no processo de simulação envolve ainda um esforço prévio


para avaliar em que medida os agentes econômicos já os anteciparam. Isso é
particularmente válido para as variáveis nominais. Os integrantes do Copom devem,
então, analisar cuidadosamente o conjunto de choques propostos nos exercícios de
simulação.

Uma vez que o Copom tenha definido os choques relevantes e a equipe técnica os tenha
preparado adequadamente para serem introduzidos nos modelos macro, restam apenas
algumas definições adicionais para fins de simulação. Por exemplo, é necessário fazer
as seguintes escolhas: (i) a regra de taxa de juros (uma taxa nominal fixa, ou uma regra
do tipo Taylor, ou uma regra baseada nos desvios da inflação esperada em relação à
meta, ou uma trajetória predeterminada para as taxas nominais ou reais); e (ii) um
mecanismo para a formação das expectativas de inflação.

Dadas essas definições, os seguintes resultados podem ser obtidos: (i) projeções de
inflação (trajetória central e intervalos de probabilidade em torno da mediana), com
definições de uma medida de dispersão (variância) e dos riscos associados (assimetrias);
(ii) projeções de crescimento do produto e as distribuições de probabilidades
correspondentes; (iii) trajetória das taxas de juros (nominais e reais) resultantes das
funções de reação; e (iv) simulações dinâmicas de choques exógenos.

As simulações permitem visualizar o mecanismo de transmissão da política monetária


que está implícito nesses modelos simplificados. Uma mudança na taxa de juros influi
sobre a taxa de câmbio nominal imediatamente, ou seja, no mesmo trimestre, mas só
afeta o hiato do produto com alguma defasagem. A taxa de câmbio nominal, por sua
vez, impacta a inflação importada e, portanto, a taxa de inflação, também no mesmo
trimestre. Os efeitos do hiato do produto sobre a taxa de inflação só se manifestam com
nova defasagem.

25
A simulação dos modelos estruturais é realizada com base em um cenário principal, que
contém as hipóteses tidas como mais prováveis, e um conjunto de cenários alternativos,
que representam os riscos percebidos de afastamento das hipóteses básicas. A avaliação
cuidadosa das várias hipóteses é condição necessária para decisões equilibradas sobre o
instrumento de política monetária.

Naturalmente, os resultados dos exercícios de simulação são apenas um dos ingredientes


do processo de tomada de decisão. Em particular, as projeções não podem ficar restritas
àquelas produzidas pelos modelos. Fontes alternativas, tais como levantamentos de
opiniões e previsões de mercado, ou informações sobre as expectativas de inflação
embutidas nos instrumentos negociados no mercado financeiro, também devem ser
consideradas no processo decisório.

5. Observações e conclusões

O Brasil implementou seu regime de metas para a inflação em um período de tempo


bastante curto. Embora a meta estabelecida para 1999 tenha sido cumprida, ainda é
muito cedo para discutir o sucesso do regime. Mas há alguns pontos cruciais que
merecem menção. Primeiro, o regime de metas para a inflação envolve vários elementos
que precisam ser adequadamente tratados: uma meta quantitativa bem definida para a
taxa de inflação no médio prazo; um compromisso institucional com a meta como
objetivo primordial da política monetária, que se sobrepõe a todos os demais; crescente
transparência da estratégia de política monetária por meio da comunicação ao público e
aos mercados sobre os planos das autoridades monetárias; e responsabilização final do
banco central pelo cumprimento das metas para a inflação.

Segundo, a equipe técnica do banco central que presta assessoria de política monetária
deve concentrar sua atenção inicialmente nos seguintes pontos: obter uma visão clara do
mecanismo de transmissão da política monetária e decidir quais os canais mais
apropriados para se explorar com o objetivo de atingir a meta para a inflação;
desenvolver modelos estruturais simples e compactos desses canais de transmissão, que
permitam entender e explicar o comportamento das principais variáveis

26
macroeconômicas; utilizar um modelo básico preferido, que seja de conhecimento
comum e possa servir de referência para as discussões com os tomadores de decisão;
monitorar em tempo real os dados da economia e incorporar a avaliação dos
especialistas em determinadas variáveis às projeções para os trimestres mais próximos.

Os esforços de comunicação são vitais no regime de metas para a inflação. É


fundamental explicar claramente para o público em geral, para os participantes do
mercado financeiro e para os políticos os objetivos e as limitações da política monetária
(o que o banco central pode fazer no longo prazo é controlar a inflação; o que ele não
pode fazer é aumentar o crescimento econômico por meio de expansão monetária); os
valores numéricos das metas para a inflação e os motivos pelos quais foram
selecionados; e as medidas necessárias para que as metas sejam alcançadas, dada a
situação corrente da economia e as expectativas sobre sua evolução futura.

No Brasil, as autoridades monetárias escolheram a estratégia de plena transparência de


informações, na mesma linha do Banco da Inglaterra. A publicação dos Relatórios de
Inflação constitui parte integral dos esforços de comunicação, permitindo ao público em
geral compreender e avaliar a qualidade das decisões de política monetária, em um
processo contínuo que, em última análise, conduz à conquista paulatina de credibilidade
e possibilita, assim, atingir as metas para a inflação a custos cada vez menores.

27
Referências bibliográficas

Backus, D.K., and J. Drifill. 1985. “Inflation and Reputation.” American Economic
Review, 75, no. 3 (June).

Ball, L. 1997. “Efficient Rules for Monetary Policy”. NBER Working Paper No. 5952.

Ball, L. 1998. “Policy Rules for Open Economies”, NBER Working Paper No. 6760.

Batini, N., and A.G. Haldane.1999. “Forward-Looking Rules for Monetary Policy”.
Bank of England Working Paper no. 91.

Blanchard, O.J., and C.M. Kahn. 1980. “The Solution of Linear Difference Models
under Rational Expectations”. Econometrica, 48, no. 5 (July).

Britton, E., Fischer, P. and Whitley, J. 1998. “The Inflation Report Projections:
Understanding the Fan Chart”. Bank of England Quarterly Bulletin, no. 38.

Central Bank of Brazil, 1999. “Inflation Report”. June, September, and December
issues.

Dornbusch, R. 1976. “Expectations and Exchange Rate Dynamics”. Journal of Political


Economy, 84, no. 6 (December).

Goldfajn, I. and Werlang, S.R.C. 2000. “The Pass-through from Depreciation to


Inflation: A Panel Study”, PUC-Rio Working Paper no.423.

Haldane, A.G. 1997. “Some Issues in Inflation Targeting”. Bank of England Working
Paper no. 74.

Svensson, L.E.O. 1997. “Inflation Forecast Targeting: Implementing and Monitoring


Inflation Targets”. European Economic Review, 41, no. 6 (June).

28

You might also like