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Vítor Caldeirinha
A Feitoria de Abul
© Vítor Caldeirinha
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A Feitoria de Abul
Índice
Prefácio ................................................................................................ 7
Nota do Autor ....................................................................................... 9
Capítulo I A Frente Egípcia ........................................................ 13
Capítulo II Evenor II .................................................................. 17
Capítulo III Misterioso Vulto ........................................................ 21
Capítulo IV Ruínas de Tróia ......................................................... 25
Capítulo V Metro do Sul ............................................................. 29
Capítulo VI A Congregação Secreta ............................................... 31
Capítulo VII A Descoberta ............................................................ 33
Capítulo VIII Preparativos da Expedição............................................ 35
Capítulo IX A Hesitação de Andrade ............................................. 37
Capítulo X Conselho Atlante ........................................................ 39
Capítulo XI Despedidas ................................................................ 43
Capítulo XII Início da Expedição ................................................... 45
Capítulo XIII Dificuldades Inesperadas ............................................. 49
Capítulo XIV Encontro Indesejado ................................................... 53
Capítulo XV A Pirâmide Giratória ................................................. 57
Capítulo XVI Novo Mundo ............................................................. 61
Capítulo XVII A Aldeia de Chibanes ................................................. 65
Capítulo XVIII O Monte Sagrado ...................................................... 71
Capítulo XIX A Feitoria de Abul ..................................................... 75
Capítulo XX A Tragédia ................................................................. 77
Capítulo XXI A Cidade de Antília ................................................... 83
Capítulo XXII A Ilha de Aea ............................................................ 87
Capítulo XXIII A Expedição de Seden ................................................ 89
Capítulo XXIV Volta pela Cidade ....................................................... 91
Capítulo XXV A Ilha de Urz ............................................................ 93
Capítulo XXVI O Velho de Azaes ...................................................... 97
Capítulo XXVII A Civilização Antiga ................................................... 99
Capítulo XXVIII Os Homens Primitivos ............................................... 103
Capítulo XXIX O Templo dos Céus ................................................... 107
Capítulo XXX A fuga dos Atlantes .................................................... 109
Capítulo XXXI O Fim da Atlântida .................................................... 113
Capítulo XXXII Batalha Final ............................................................. 115
A Feitoria de Abul (Parte II) ................................................................... 119
Parte Final ............................................................................................. 121
Nomes da PB (anos 80/90 do século XX) ........................................... 123
Algumas Pequenas Histórias da PB .......................................................... 125
Poemas do Autor ................................................................................... 133
Bibliografia com interesse ....................................................................... 141
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Vítor Caldeirinha
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A Feitoria de Abul
Dedicado à minha querida esposa Sandra, que suportou horas e horas sem me ver,
enquanto escrevia, aos meus lindos filhos gémeos Pedro e Diogo, aos meus pais José
Caldeirinha e Maria de Lurdes Costa, ao meu irmão Luís e sua esposa Ana e aos meus
sobrinhos Sara, Tiago e Laura.`
À restante família e amigos da Praça do Brasil e colegas de trabalhos.
Vítor
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A Feitoria de Abul
Prefácio
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Vítor Caldeirinha
procura agarrar o céu num simples pedaço de espelho, então eu sei e tenho a
certeza que:
❖ Como Atlantes, e povo superior, nada podiam ou queriam ter!
❖ E por isso, e porquê o que nos mata é o que temos!
❖ Então cada Atlante teve que morrer, por nada mais possuir para além do
chão onde vivia!
E se… de entre todos eles, alguns sobreviveram, e em nós estão diluídos pelo
tempo?
O que os salvou, só pode ter sido, estarem entre os poucos desprezíveis que
possuíam algo.
Enfim, não serem verdadeiros Atlantes, serem como nós, porque só assim,
somos eles!
Angelo Campos
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A Feitoria de Abul
Nota do Autor
Words by sting
Music by sting and kipper
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A Feitoria de Abul
poderia explicar tudo, a saudade, o som do mar, do fado e continuamos a amar o mar.
Logo que pudémos, saímos por ele fora à procura da nossa origem no mar e
achámos a América, a rota do Cabo Africano, a passagem Sul para o Pacífico. Está-
nos no sangue certamente. Mas porquê?
Este livro tem por base uma mistura salutar entre a realidade histórica, o
misticismo e a ficção científica. Não pretendo dizer que foi assim. Aliás, sei bem
que não foi. Mas sentir-me-ia bem se tivesse sido.
Os lugares históricos que refiro não estão, propositadamente, situados no tempo
correcto e no seu devido enquadramento dos povos que os habitaram. Os lugares
antigos foram utilizados de forma livre para terem lógica com o que se pretendia
contar.
Demorei o ano de 2003 a aprender como criar um enredo e escrever um guião
com interesse. Não é coisa simples.
Não posso negar que o estilo do livro de Dan Brown, "O Código Da Vinci",
foi uma inspiração, pela ligeireza dos seus capítulos, pelo suspense que mantém
no final de cada um deles e pela simplicidade com que prende e está escrito.
Depois tentei utilizar a mesma envolvente dos livros de Júlio Verne. O meu
guia espiritual foi mesmo o livro de banda desenhada "Raio U", que li muitas
vezes, quando jovem, e me fez sonhar com mundos em ilhas misteriosas e estra-
nhas, ideais para o meu enredo.
A ligação à região de Setúbal e Lisboa, ao rio Sado e ao rio Tejo e aos locais
com ruínas de antigos povoados era inevitável, devido ao meu interesse sobre a
região e sobre o tema da pré-história, que aumentou com as minhas viagens de
bicicleta de montanha pelo meio da Serra da Arrábida e com os fósseis e restos
de casas que encontrei.
A Feitoria de Abul foi um local de partida para todo o livro. A partir dela andei
para trás e para a frente. Tinha que passar por ela. É central em todo o livro. Mais
que a Atlântida, que provavelmente nunca terá existido. A Feitoria de Abul existiu.
Foi o primeiro porto de Setúbal no rio Sado, explorado pelos fenícios, no momen-
to posterior ao descrito neste livro, estando muito bem documentada e descrita
numa publicação à venda no Museu Arqueológico e Etnográfico do distrito de
Setúbal.
Ainda que a Atlântida não seja o verdadeiro elo de ligação que responde às
questões sobre Portugal e sobre a região de Setúbal, que coloquei de início, existe
certamente algum elo milenar, com características muito semelhantes. Algo nos
atrai para o mar. Viemos de lá certamente e por estas praias ficámos, sempre com
saudade de a ele voltar.
No final, o Códice do Conhecimento Antigo de Urz, motor de desenvolvimen-
to de todo o enredo deste livro e objectivo final das personagens, revela ao leitor
os mais recentes segredos sobre quem somos, de onde viemos e para onde vamos.
Recorrendo às mais recentes descobertas científicas da física, da cosmologia e da
arqueologia, procura-se uma solução imaginativa, mas não totalmente científica,
sobre a razão da existência do universo e do ser humano.
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Demorei o tempo que foi preciso e poderá não agradar a todos, mas deu-me
muito gosto e gozo escrever um livro não técnico desta vez e com alguma imagi-
nação. Espero que gostem. Aconselho-vos a colocarem também a vossa imagina-
ção a trabalhar e a escreverem sobre o que vos agrade, mas de forma organizada
e continuada.
No final, juntei algumas pequenas recordações sobre a Praça do Brasil, em
Setúbal, onde vivi a infância e a juventude.
E depois alguns versos que escrevi quando andava no Liceu de Setúbal, de 1985
a 1987.
Localização da Atlântida
no Banco do Gorringe
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A Feitoria de Abul
Capítulo I
A Frente Egípcia
D ecorre o ano 2050 d.C., nas planícies intermináveis dos desertos do Egipto
profundo, junto às margens do rio Nilo, que corre azul, sem qualquer agitação,
num ritmo lento até ao Mar Mediterrâneo. Nas margens, um vento constante
arrasta grãos de areia fina, que ondulam nas dunas do rio. O Nilo é a única fonte
da vida nestas paragens secas e, há muito, motivo de disputa.
O corpo de intervenção internacional da União Europeia, constituído por alguns
milhões de soldados, apoiados por voluntários da Nato, americanos e asiáticos,
defrontam há vários anos as tropas da Liga Árabe, com sucessivos avanços e recuos
em torno do Nilo, sem que se vislumbre sinal de vitória para qualquer um dos
lados.
Após vinte anos de lutas, que dizimaram e mutilaram muitos homens, a União
Europeia conseguiu, progressivamente, expelir todos os seus inimigos árabes do
continente Europeu, mais uma vez na história, e entrou no Norte de África.
Ocupou as zonas do antigo Império Bizantino, onde pretende agora instalar
governos muçulmanos aliados, não radicais, que se integrem no espírito demo-
crático da Europa, ainda que com uma religião diferente. Trata-se de replicar o
modelo de sucesso da Turquia.
Apesar de já não possuir o poder que outrora o petróleo lhe concedia, a Liga
Árabe logrou acumular vastas riquezas durante dezenas de anos, fruto da venda do
seu ouro negro. Essa riqueza tem chegado para sustentar um longo esforço de
guerra santa com o resto do mundo e manter intactos os estados árabes no médio
oriente e os seus governos religiosos extremistas, mesmo com os regulares
bombardeamentos que as suas grandes cidades têm sofrido.
............................
Ao longe ouve-se o rebentar das granadas e bojardas, que parece entrar nos
ouvidos, e explosões luminosas que enchem o azul celeste de múltiplos pequenos
sóis e de pontos negros e fumo, gases e resíduos. Os aviões, jactos, balões, pro-
jécteis e naves rasgam o céu e compõem o cenário de horror.
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Capítulo II
Evenor II
S ete mil e cem anos antes, em 5050 a.C, exactamente no mesmo local, o Rei
Evenor II, "O Poderoso", comandava os seus exércitos de milhares de soldados
atlantes e outros oriundos dos reinos aliados, que, de Ocidente - da Atlântida - para
Oriente, pretendiam alargar o império e dominar os povos do Mediterrâneo,
prosseguindo o velho sonho do Império Atlanto-Mediterrânico.
Enquanto o seu irmão, Mestor, conquistara a Europa mais a norte, Evenor II
e os seus exércitos apoderaram-se de África. Mas, após muitos anos de aliança
estratégica e tolerância mútua, os irmãos estavam agora desavindos e lutavam
pelos territórios orientais do Mediterrâneo, tentando entrar cada um nos domí-
nios do outro.
- Vamos vencer esta batalha contra o teu irmão e os seus aliados Sumers, do
oriente longínquo. Mesmo em menor número, estamos melhor armados, com o
moral elevado e o terreno e o tempo são favoráveis aos nossos homens, habituados
ao deserto.
- Vamos a ver general, vamos a ver - vociferou o Rei.
- Não podíamos estar melhor colocados no terreno para vencer, mas eles são
muitos - lembrou excitado, mas contido, o principal general de Evenor, mantendo
a sua postura erecta, da qual apenas dissonavam os seus cabelos brancos ao vento.
- Que os deuses do mar nos ajudem nesta luta pelo bem. O meu irmão enver-
gonhou a memória das nossas famílias. Dividiu o reino dos nossos antepassados
e levou o nosso povo para uma luta fratricida, que tem deixado muitas famílias
enlutadas e os campos por lavrar. Agora, apoia estes povos bárbaros do Leste. Mas
nós vamos vencer e fazer o império do bem, ocupando este deserto, depois o rio
Nilo e mais tarde conquistaremos as cidades portuárias ao Norte do grande mar
e na Elenia, da Etalia Tirrania.
Do alto de uma duna de areia gigantesca, prostrado no seu belo, mas pequeno,
cavalo castanho atlante, precursor do cavalo português lusitano e do cavalo árabe,
levantou a sua bandeira verde listada, fazendo sinal para que os exércitos avanças-
sem, conforme havia sido planeado com os generais, na tenda do Estado Maior.
Recorrendo às grandes jangadas de canas construídas no dia anterior, os exér-
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quase que inexpugnável, farta em perigos, criaturas e monstros, que davam azo
a longas e arrepiantes histórias contadas nas praças e portos do império. Ao centro
da ilha, para lá das áreas impenetráveis, existia um vulcão, onde se dizia estar
localizado o grande templo de Urz e onde provavelmente se escondia o segredo do
Códice de Urz.
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Capítulo III
Misterioso Vulto
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sua cor. O corpo demorou alguns segundos a cair no chão fofo, quase sem ruído.
Aquela alcatifa era uma mais valia para qualquer criminoso.
Dirigiu-se calmamente para o cadáver, certificando-se da morte e retirando a
arma do casaco.
De seguida, deu dois toques na porta do quarto.
- João?
- Sim.
A porta destrancou-se e o vulto deu-lhe um firme pontapé para a frente, ati-
rando Barroso para o chão do interior do quarto, que partiu de imediato o osso
da bacia, já desgastado pelos seus sessenta e oito anos.
Barroso soltou um grito de dor agudo e o vulto entrou no quarto, disparando
três vezes para ter a certeza do sucesso da sua missão.
O mundo estava agora a salvo daquele fraco. A segurança da Europa estava
garantida. A guerra iria continuar.
No dia seguinte, para seu espanto, o Professor Andrade foi chamado à pressa
ao local do crime, tendo sido obrigado pela Europolice a abandonar os trabalhos
no Egipto.
- Afinal em que posso ajudar? - perguntou ao sargento da polícia alemã, enquan-
to subiam juntos o elevador do hotel.
- Já vai perceber.
- Mas como posso ajudar a desvendar o assassínio do futuro presidente da
União Europeia, três dias antes das eleições? Sabia que as sondagens lhe davam
cinquenta e cinco porcento ?
- Sim, sabia. Eu ia votar nele. Estou farto da guerra. Se querem ocupar os países
árabes, que o façam os chineses ou os americanos sozinhos.
O elevador parou no andar 32 e as portas abriram-se de uma só vez, com o
habitual tilintar.
Caminharam passo a passo, pelo corredor vermelho, até depararem com as
manchas de sangue já seco no local, onde tombara o corpo do guarda-costas, na
noite anterior.
- Que tenho eu a ver com isto? - tornou a questionar Andrade.
- Já vai ver. Já vai ver. Mais do que imagina. Deixe-se estar aí sossegado - disse
o polícia com o ar de quem faz troça, com um sorriso de orelha a orelha, deixando
o Professor boquiaberto.
- Está a ver este papel? - o polícia apontou para uma pequena folha branca que
saía da carteira de Barroso, no quarto onde fora assassinado.
O papel tinha duas frases enigmáticas:
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Capítulo IV
Ruínas de Tróia
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antecessora das civilizações grega, suméria, minoíca e egípcia, que já fazia o comércio
global com o mundo então conhecido, até à África e Ásia, e quem sabe também
América, tendo um porto de base continental localizado nesta área entre Setúbal,
Tróia e Lisboa, e quem sabe à América, eventualmente na conjugação do delta dos
dois grandes rios, Sado e Tejo. A partir daqui, saíam as expedições comerciais para
o Norte da Europa, Mediterrâneo e África - teorizou Andrade.
Adorava esta teoria e os novos achados vinham confirmá-la. E continuou -
penso mesmo que o povo português é descendente dos atlantes, que restaram da
destruição das ilhas pelas forças naturais. Não percebem? A saudade normal no
povo português, não é mais do que a saudade das ilhas e das suas terras, sem as
pessoas saberem. E o fado é uma forma de a alma portuguesa cantar e recordar
o mar e a sua ligação milenar. O som do fado parece o som do mar e das ondas.
- É por isso que somos diferentes dos espanhóis. Por isso tivemos o chama-
mento para o descobrimento do mar em 1500. Por isso temos um futuro traçado
ligado aos oceanos.
Acabaram de contornar uma das ruínas, onde ainda decorriam trabalhos de
escavação, quando, de repente, surgiu um dos funcionários da estação arqueoló-
gica.
- Prof., já cá está afinal? - Disse Manuel - temos estado à sua espera. Tem uma
mensagem importante de Lisboa.
- O que se passa Manuel?
- Parece que descobriram vestígios muito estranhos no centro da cidade do
Pinhal Novo, a dez metros de profundidade, quando escavavam o túnel da linha
polvo do metro do Sul. Pedem para lá ir uma equipa imediatamente - gritou,
enquanto se afastava em direcção aos escritórios, caminhando por cima de uma
passadeira de madeira, localizada dois metros acima das ruínas, por onde circu-
lavam, habitualmente, as centenas de turistas que visitavam o empreendimento
todos os dias, provenientes dos sete cantos do mundo.
- Ainda agora cheguei - lamentou Andrade, caminhando com a equipa para
a área de estacionamento de veículos. Estava irritado. Queria ir a ver a mulher a
casa, mas isso teria que ficar para depois.
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Capítulo V
Metro do Sul
D uas horas antes, no Pinhal Novo, a escavação do túnel da nova linha Polvo,
do metro do Sul, avançava continuamente. As escavações realizadas com uma
máquina afunilada, que ocupava toda a frente do túnel, com dez metros de diâ-
metro, progrediam milimetricamente, quando de repente se ouviu um estrondo.
- Bolas. Embateu numa rocha mais dura outra vez. Vou ter que ligar o perfu-
rador - gritou irritado o funcionário operador.
Ao olhar, verificou que a rocha em que tinha batido tinha colocado a desco-
berto um pequeno túnel que trespassava o túnel do metro perpendicularmente,
permitindo-lhe vislumbrar pinturas de embarcações, peixes, plantas e símbolos
desconhecidos:
- Ó Sr. Engº Bandeira, ó Sr. Engº Bandeira!
- Sim - a voz cansada do encarregado respondeu secamente, do outro lado do
telecomunicador. As obras deviam avançar depressa, para que os prazos estipu-
lados fossem cumpridos sem penalizações e o funcionário estava sempre a inter-
romper o trabalho. Quando não era por isto, era por aquilo.
Mais algumas interrupções e podia desaparecer a margem de lucro daquele dia.
- Encontrei algo muito estranho aqui no fundo.
- Deixe estar - retorquiu o encarregado - como vai a obra? Temos que acabar
este mês a ligação entre o Montijo e Setúbal.
- Pois temos. E estava tudo a ir muito bem. Mas isto é mesmo muito estranho.
Venha cá ver - pediu o funcionário. - Não me parece que os inspectores do Estado
permitam que avance a obra hoje. Descobri uma espécie de ruínas antigas. Um
túnel cheio de desenhos nas paredes e que avança para o interior da terra.
- Bolas. Bolas. Caraças.
- Os desenhos estão em muito bom estado… impressionam…
- Está bem. Acalme-se. Vou avisar as autoridades para mandarem cá a equipa
de arqueólogos, para avaliar a situação e vou avisar o dono da obra.
Decorridas três horas depois da descoberta, a equipa de Andrade chega ao
local.
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Capítulo VI
A Congregação Secreta
B ruges, Bélgica.
No salão nobre da Câmara Municipal da cidade, decorre uma reunião secreta
com trinta pessoas encapuçadas, que não se conhecem, mas que possuem interes-
ses comuns e muito poder.
- ... Em conclusão, o mundo ocidental civilizado continua ameaçado pela
ignorância extremista religiosa e terrorista árabe - anunciava bem alto um dos
encapuçados que ocupava o lugar central da mesa rectangular do salão - temos que
ajudar a manter o actual presidente da União Europeia e aumentar-lhe os seus
poderes. Temos que combater o terrorismo.
Ouviu-se então uma forte salva de palmas ecoando pela sala e todos os encapuçados
vestidos de negro se levantaram abanando positivamente as cabeças.
- Agradeço a todos a presença nesta reunião - continuou o encapuçado - Agora,
vão para as vossas regiões, para os vossos países e continuem a apoiar financei-
ramente as campanhas do nosso futuro presidente da União. A nossa rede secreta
de empresas participadas possui uma longa existência e meios de financiamento
suficientes para continuarmos a ter uma palavra final sobre o poder na Europa,
como sempre aconteceu na história do mundo.
E continuou:
- Desde a descoberta da biblioteca de Alexandria, as nossas origens ficaram
visíveis. Depois, em consequência, descobriram-se os vestígios da verdadeira
civilização da Atlântida, da qual somos herdeiros. Mas, como sabem, ainda não
reencontrámos a bibliografia e a base fundamental da nossa civilização, que se
perdeu, e que pensamos terá estado na origem dos escritos do antigo testamento,
na época da antiga civilização Suméria, e que só mais tarde atingiu apogeu seme-
lhante.
- Temos vindo a financiar o centro português de arqueologia, do Prof. Andrade,
para que se descubram mais vestígios da nossa pátria. E talvez estejamos perto.
Acabámos com a concorrência ao nosso candidato à presidência da União Euro-
peia. Estamos no bom caminho. Depois, só temos que derrotar os árabes e alargar
a Europa democrática. É só uma questão de tempo. Pela paz.
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Capítulo VII
A descoberta
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Capítulo VIII
Preparativos da Expedição
Capítulo IX
A Hesitação de Andrade
me agrada nada a violência. Não me parece que possamos fazer mais nada. O Ministro
decidiu quem era a equipa expedicionária. A equipa já partiu. Tentaram matar-me
por qualquer motivo relacionado com esta expedição. Não quero envolver-me mais.
Não quero.
- Mas Professor, penso que deveríamos ir, apesar de tudo. Para quê esse medo
todo? O senhor é o maior especialista na matéria. É quem pode interpretar e avaliar
melhor cada uma das descobertas. Há muito que quer descobrir todos os segredos
da Atlântida - argumentou Pedro.
- Não, não posso. Não me venhas com medos. Se te tivessem acertado com uma
bala, queria ver como estavas.
Sara ouvia tudo atentamente e estava a ficar muito preocupada. Tinha motivos,
que só ela sabia, para querer que o Professor não desistisse. Queria muito ir naquela
expedição. Talvez a salvação da Europa, ou mesmo do mundo, estivesse em jogo
naquela expedição...
- Professor ! - exclamou enquanto parava na frente dos dois colegas de passeio,
já perto da casa do Professor. - Tenho algo para lhe dizer...
- Sim ?
- Penso que tenho o argumento que o fará não desistir.
- Que quer dizer?
- O meu pai...
- Diga.
- O meu pai faz parte de um grupo secreto, que pratica o bem em todo o mundo.
- A Maçonaria?
- Não. Um grupo mais secreto, mais antigo e mais restrito. E pratica mesmo o
bem. Influencia a política mundial e é descendente de famílias muito antigas. Talvez
as mais antigas de que há memória.
- O quê? Que dizes? E que tem isso a ver com esta expedição? Não vou, já disse.
Detesto violência.
- Não posso dizer mais nada, mas gostaria que estivesse hoje, ao final da tarde,
no castelo de Palmela. Encontramo-nos no restaurante.
- Não gosto desses grupos secretos. Só servem os interesses económicos e po-
líticos de alguns. Mas vou, só porque o pedido vem da menina e confio em si. E já
nos conhecemos há muito tempo. Embora desconheça a sua família.
- Vai perceber tudo hoje à tarde.
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Capítulo X
Conselho Atlante
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- Sou pai dela e faço parte de uma organização muito antiga, que prossegue o bem
no mundo.
- Muito antiga? Que organização?
- Não posso revelar o nome, mas posso contar-lhe uma história. Há milhares de
anos, existia um continente com uma antiga civilização que veio a desaparecer com
um terramoto, seguido de um tsunami.
- Bem sei, a Atlântida. Se sei.
- Muito bem. Adivinhou. As três ilhas estavam localizadas a sudoeste de Portugal
e desapareceram. A Península de Setúbal era o bastião e principal porto de ligação
entre as ilhas e o continente europeu, essencialmente com o Mediterrâneo. O porto
de Abul. Era uma próspera comunidade que se estendia entre o Tejo e o Sado, e que
aproveitava os cais nos dois rios.
- O que me diz???
- Sim, e a Tróia era uma zona industrial de apoio. Nessa altura existiam dois reis,
irmãos gémeos em disputa, Evenor e Mestor. Evenor tinha as terras da África e
Mestor as terras europeias. Os seus impérios estendiam-se até ao Egipto, a Sul, e
até Itália, a Norte. Evenor era um Rei bom que queria a convivência pacífica dos
povos. Mestor era um Rei dominado pelo poder, que dividia e gerava conflitos, para
poder reinar.
- Como sabe tanto?
- Espere. O terramoto veio fazer desabar os dois impérios irmãos, que se gladiavam
na altura. No entanto, os descendentes de Mestor construíram e expandiram, até
aos nossos dias, um império de empresas que tem como objectivo semear a guerra
e governar, secretamente, o maior número de países e territórios, para que no futuro
voltem a refazer o antigo império europeu-atlante, para dominar os restantes povos
do mundo.
O outro homem continuou - Em contraponto, os descendentes do Rei Evenor,
o bom, criaram uma organização igualmente secreta, que tem combatido a de Mestor
e tem como objectivo a convivência harmoniosa de todos os povos, credos e raças,
em paz e com a autonomia que cada um pretenda. Andamos nestas lutas há milhares
de anos, desfazendo todos os impérios que os Mestorianos têm formado: Egípcio,
Grego, Romano, Francês, Inglês, Espanhol, Português, Alemão, Holandês, Russo,
Árabe, etc. Eles deram uma ajuda a formar estes impérios e dominaram-nos.
- Mantivemos a diversidade milenar dos povos da Europa. Mas os Mestorianos
não nos dão tréguas, nem olham a meios. Ainda recentemente eliminaram o nosso
candidato a Presidente da União Europeia. O Bush no EUA, apoiado por deles, teve
anos no poder da América e lançou a guerra e o caos por todo o lado. Lembre-se
de Hitler, Napoleão. O nosso bastião da liberdade e da responsabilidade tem sido
a Inglaterra. Em tempos foi a Grécia - explicou o pai de Sara.
- É verdade o que dizem?
- Sim. Mas há mais. Existia um segredo guardado na ilha de Urz, na antiga Atlântida,
... o códice do conhecimento antigo de Urz.
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- Consta que nesse códice estavam revelados, pelos antigos deuses, os cinco
grandes segredos do mundo sobre a Matéria, a Energia, a Mente, a Vida e o Amor.
Esse códice desapareceu com a catástrofe e nunca mais ninguém o viu.
- Já ouvi falar nesse códice.
- Pois é isso que está em jogo nessa sua expedição. Diz-se que antes da catástrofe,
uma das expedições que os dois irmãos reis mandaram à ilha poderá ter encontrado
o códice e depositado em local seguro. Mas não se sabe. Nunca mais se ouviu falar
dessas expedições. No entanto, o túnel que agora encontraram poderá levar a alguma
pista sobre o códice. Quem possuir o códice poderá vencer esta batalha secreta
milenar e dominar o mundo - fez uma pausa... - então, pode fazer a expedição fi-
nanciado por nós? Tem que ser já, pois o Conde de Sagres, que trabalha para eles,
já avançou com a sua expedição financiada pelo Governo português. Eles têm gente
em todos os partidos e países.
- Bolas, que revelação - o Professor estava atordoado - não sei se consigo acreditar
em tudo. Deixem-me pensar e dormir sobre o assunto.
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Capítulo XI
Despedidas
N o dia seguinte, logo de manhã, Sara e Andrade batem à porta da casa de Pedro,
no sopé da encosta Norte do monte Formosinho, na Serra da Arrábida, à qual se
acede a partir da estrada entre Setúbal e Azeitão.
Ao chegarem, a serra estava encoberta de nuvens baixas, sobressaindo o verde
escuro dos arbustos carrasco nas curvas redondas de montes e vales.
Do cimo do monte Formosinho desciam largas cascalheiras formadas pela ero-
são do mar, quando este esteve duzentos metros acima.
A floresta em redor da casa era quase mágica, escura com ramagens entrelaçadas
e com a terra bordada de folhas secas de várias cores, formando uma larga camada
de húmus fofo e húmido.
- Pedro acorde! - gritou Andrade em tom alegre. - Acorde que temos muito que
fazer.
- Quem é? - Pedro aparece à janela do primeiro andar, com a cara ensonada.
- Vamos embora para o Pinhal Novo, que temos muito que explorar. Faça a mala.
- Mas mudou de ideias Prof.? Que se passa?
- Não posso dizer mais nada por agora. Mais tarde perceberá. Mas mudei de
ideias e quero ir já hoje e ainda de manhã.
- Nós já temos as malas no carro - gritou Sara - prepara a tua.
- Está bem.
Voltou à cama e avisou a mulher. Esta, apesar de muito alarmada, começou a
preparar a mala do marido. Com a cara ensombrada, foi-lhe pedindo que tivesse
muito cuidado. Que não tinha vida para essa coisa das expedições. E tinha medo
de ficar sozinha. Pedro lá a acalmou com um abraço.
Passados vinte e cinco minutos, Pedro sai disparado pela porta, passando à corrida
o pequeno jardim frente à casa. Ao fundo, em tons de verde forte, a serra da Arrábida
continuava a erguer-se majestosa e bela, no meio da neblina matinal, já parcialmente
banhada pelo sol em algumas das suas colinas.
- Vamos embora - diz entrando no carro, depois de atirar a bagagem para a mala
traseira do Renault Laguna, modelo 2050.
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- Pedro, sabes que a serra já foi uma ilha muito distante de terra? E que fazia
conjunto com a ilha da serra vulcânica de Sintra? Sabes que no estuário do Tejo foram
encontrados fósseis de peixes das profundezas, com luzes, e de rinocerontes, croco-
dilos, tubarões, peixes-boi, dinossauros, entre outros animais hoje estranhos ao local?
E que a serra teve ursos há poucos séculos? Que antes de se erguer devido aos
movimentos tectónicos da terra, por pressão da placa africana, a serra esteve debaixo
de água muito tempo e que, no cimo, ainda hoje se podem achar fósseis de animais
marinhos?
- Sei, Professor.
- Bem sei que sabes, mas não me canso de o dizer e pensar. Tão maravilhoso que
acho toda a história geológica desta região ao longo de milhões de anos.
- Professor, não sei porque mudou de ideias, mas fico muito feliz. Trago todo o
material e alimentos que precisamos para uma semana.
- Espero que não precisemos de tanto tempo.
- E essa sua ferida na perna?
- Foi só de raspão. Coxeio, mas posso fazer qualquer esforço, desde que me
ofereçam uma ajudinha nas situações mais difíceis.
- Não tenha problemas.
Sara tinha um fraquinho por Pedro. Mas este já era bem casado. Agora ia poder
passar uma semana inteira com ele. Não sendo possível mais, só desejava poder estar
junto a ele, usufruindo da sua companhia e do seu sorriso, sem concorrência femi-
nina. Eram afinal apenas bons amigos.
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A Feitoria de Abul
Capítulo XII
Início da Expedição
- Não precisa de nos dizer mais nada, Professor. Não o podemos deixar entrar.
Aliás, temos ordens específicas em relação ao senhor.
- O quê? Vou fazer queixa ao Ministério e serão demitidos.
- Faça como entender, caro senhor. Tenha um bom dia.
Andrade ficou desesperado. Aqueles dois trabalhavam certamente para a orga-
nização de Francisco e do Conde de Sagres. Como ultrapassar esta dificuldade?
Os três amigos afastaram-se ligeiramente, ficando fora do alcance da visão dos
guardas e debateram irritados o problema que tinham pela frente, sem perspectivas
de resolução. Mas não iriam desistir.
- Como saímos desta? Bolas - avançou Sara.
- Sei lá - disse Pedro desanimado, sentando-se no empoeirado chão do túnel.
- Só vejo uma saída - o Professor olhava em volta, para o tecto do túnel, de forma
enigmática.
Pedro pousou a mala e arrastou o corpo cinco metros para a fora, deixando a pas-
sagem totalmente livre.
- Vamos embora que já estamos atrasados.
- Vamos a isso - Andrade estava visivelmente satisfeito e com muita pressa. Por
vezes os rótulos não traduzem a verdade e os efeitos são diferentes de pessoa para
pessoa, pelo que era melhor se apressarem antes que os guardas acordassem.
E lá iniciaram a descida pelo mesmo túnel que anteriormente tinham percorrido,
arrastando as mochilas, atrás de cada um, deixando vários rastos no chão de areia
escura.
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Vítor Caldeirinha
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A Feitoria de Abul
Capítulo XIII
Dificuldades Inesperadas
- Lá à frente, desci por um dos túneis destas catacumbas da antiga cidade. Havia
duas hipóteses para prosseguir e escolhi o túnel da esquerda. Mas, um pouco depois,
o percurso estava armadilhado com uma mina robot detectora de movimento. Senti
a luz vermelha de detecção no meu corpo e só lentamente consegui sair sem despoletar
o engenho. Já conhecia este tipo de armas na frente egípcia, onde estive recentemente.
- Vamos ver como podemos ultrapassar isto agora - disse Sara imobilizada com
o medo - parece mesmo impossível.
- Avancemos. A solução surgirá depois - disse o Professor começando a caminhar
com as mochilas.
Iniciaram o caminho, chegando rapidamente à bifurcação de que o Professor
havia falado.
- Desta vez, vamos pelo caminho da direita. A armadilha robotizada está no da
esquerda.
- Ok.
E lá foram avançando, passo a passo, por um túnel largo e comprido, com as luzes
das lanternas dançando nas paredes. De repente, encontraram à sua frente uma
parede que bloqueava o caminho e que parecia ser constituída por rochas caídas
recentemente.
- Calma ! - grita cauteloso o Professor - cuidado que as rochas podem resvalar
para cima de nós. Fiquem aí que eu vou ver.
O Professor avançou, pé ante pé, e esgueirou-se junto às rochas. Mas, num abrir
e fechar de olhos, abriu-se um buraco estreito por debaixo do Professor, suficiente
para engolir o seu corpo pela terra adentro. Nem teve tempo para gritar.
Pedro saltou para o buraco em pânico e desatou a gritar para o seu interior.
- Professor! Professor!
- Professor!! - gritaram Pedro e Sara desesperados.
Mas nenhuma resposta se ouviu. Teria falecido na queda? Estaria inconsciente?
Logo que recomposto, Pedro apontou a lanterna para o escuro do túnel, mas nem
conseguia vislumbrar o fundo, pois o túnel inclinava-se em cotovelo.
- Que fazemos agora? - pergunta Sara.
- Vamos fazer uma descida com cordas. Tira-as do saco.
- Não. Não. Não parece seguro.
- Atamos a corda a uma destas rochas maiores. E é só ter calma.
Pedro laçou uma das rochas e iniciou a descida em rappel. Não desceu mais que
três metros, quando deparou com o final do túnel, sem saída.
- Como está o Professor? - gritou Sara lá de cima.
- Ele...Ele.. - Pedro aterrorizado nem sabia o que dizer.
- O quê?
- Ele não está aqui. O túnel deve ter-se fechado através de algum mecanismo, à
passagem do corpo do Professor e não parece possível forçar a grande pedra que o
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A Feitoria de Abul
Capítulo XIV
Encontro Indesejado
P edro esgueirou-se pela esquina da última parede que os separava da mina assi-
nalada pelo Professor, só colocando um olho de fora para poder ver sem ser visto.
A mina estava a cinco metros de distância. De imediato o marcador luminoso vermelho
do sistema de detecção da mina apontou para Pedro, procurando sinais do ritmo
cardíaco humano, para poder cumprir a sua missão.
Mal sentiu a luz ofuscando o seu olho a descoberto, Pedro recolheu a cabeça
assustado.
- Nem podemos espreitar. É muito sensível. Está a cinco metros, em cima de uma
espécie de banco de pedra. Mas não disparou quando espreitei. Deve necessitar de
detectar a presença humana por mais tempo.
- E se procurássemos pedras e lhe atirássemos? - arriscou Sara.
- Bom, podíamos tentar. Mas é provável que despoletemos o mecanismo interno
e "pum". Finito.
Fez-se uma pausa silenciosa. Tinham perdido o seu mentor... Provavelmente
estava morto ou a morrer, e eles ali estavam num impasse, sem poderem fazer nada.
Se calhar o melhor seria regressarem lá a cima e avisarem as autoridades.
- Vamos lá então experimentar atirar pedras, conforme disseste - decidiu Pedro.
- Como evitamos que a mina venha ao nosso encontro?
- Vamos esconder-nos atrás daquela rocha mais afastada e jogaremos bilhar nas
paredes. E com um pouco de sorte e o ângulo certo. "Zás". Se tentarmos várias vezes,
pode ser que dê resultado.
E assim fizeram. Foram ao local onde o Professor tinha desaparecido e recolhe-
ram diversas pequenas pedras. Depois voltaram e iniciaram o lançamento dos ca-
lhaus contra as paredes, tentando vários ângulos de ricochete e diferentes níveis de
força. Cada vez que tentavam, esperavam um pouco e espreitavam para verificar os
resultados. Mas nada.
Só após mais de vinte tentativas, Sara pareceu ouvir a pedra bater em algo metálico.
Seguiu-se um ruído ligeiro de detonação e a mina deflagrou sem consequências que
chegassem ao local onde se encontravam. Felizmente estas minas ainda não eram
suficentemente inteligentes.
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Vítor Caldeirinha
resto, fui eu que acendi o fogo. Usei um combustível fóssil qualquer que ali estava,
já muito velho.
- Ainda bem que está vivo Professor. Estávamos muito preocupados. Decidimos
procurá-lo, destruímos a mina do outro corredor e chegámos aqui - disse Pedro.
- Muito bem, filmem e registem tudo e continuaremos a viagem dentro de pouco
tempo.
Após descansarem, comerem e filmarem tudo o que havia nas salas, preparavam-
se para ir embora, quando alguém apareceu.
- Não se mexam. Deitem-se no chão - Francisco e outro homem tinham voltado
atrás para confirmar algumas das inscrições nas paredes, quando depararam com
o grupo expedicionário.
- Esta pistola está carregada e sei usá-la muito bem - garantiu o colega de Fran-
cisco.
- Vocês são muito teimosos. Como passaram pelos nossos guardas? E pela mina
anti-vida?
- Que devemos fazer com eles? Vamos matá-los.
- Não. Podem vir a ser úteis para decifrar algumas das inscrições - Francisco e
o colega não podiam acreditar que o Professor ali estivesse e que pudesse ter chegado
tão rápido.
- Francisco. És um malfeitor, um assassino. Não ficaste com a missão a bem,
ficaste a mal e ias-me matando. E nem sabes para quem estás a trabalhar realmente,
nem o que está em causa - diz o Professor enraivecido e vermelho.
- Só te queria ferir e não matar - respondeu Francisco.
- Mas se quiseres, continuamos juntos e partilhamos os louros. O que já desco-
briste? - Andrade atirou o barro à parede.
- Nem queiras saber. Mas não vamos fazer nada em conjunto. Vocês não vão fazer
mais nada até precisarmos. Vamos prendê-los aqui.
- Ok - respondeu o amigo de Francisco - passa-me as cordas. Vou atá-los em redor
daquela coluna larga.
- Sim, deixamo-los aqui e amanhã passamos por cá para os alimentar e para nos
ajudarem na parte de decifração.
Depois de terem atado os três amigos, muito bem, sem se poderem mexer, em
pé e em redor da larga coluna principal, Francisco e o seu colega reexaminaram os
escritos e as gravuras nas paredes e nas estátuas e, passada uma hora, voltaram a sair
pela mesma pequena passagem por onde haviam surgido.
- Desta vez é que estamos tramados Professor - confessou Pedro, que estava
imobilizado entre Sara e o Professor.
- Só nos resta esperar. Vocês não têm objectos de vidro ou lâminas nos bolsos
das calças? Desculpem não ter tomado atenção ao surgimento daqueles malandros.
- Bolas - disse Sara.
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Capítulo XV
A Pirâmide Giratória
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o acampamento.
- Não faço a mínima ideia querida. Mas vou investigar. Também acho muito
estranho.
Os dois jovens deitaram-se, cada um no seu saco de cama e adormeceram.
Passaram-se quatro horas.
- Amigos, amigos, acordem. Vamos - gritava o Professor. - Venham, venham.
O Professor nem tinha dormido. Tinha passado o tempo todo a observar, em
detalhe, objecto a objecto e desenho a desenho, toda a sala, sem nunca entrar na
esfera. Tinha feito descobertas impressionantes.
- Amigos, pelo que consegui entender da linguagem e dos desenhos das paredes,
estamos perante algo gigantesco para a humanidade. Era nesta sala que os atlantes
sobreviventes guardavam uma das maiores heranças dos antepassados, as tecnolo-
gias dos Lemures, que não fazemos ideia quem eram, mas que os escritos afirmam
ter sido um povo antigo muito avançado tecnologicamente, mas cujo conhecimento
se perdeu nos tempos.
A herança materializou-se nesta pirâmide metálica, com a bola de fogo ao meio,
que simboliza o sol. Parece uma espécie de templo e percebi que se relaciona com
os antepassados e com os descendentes. Mas não percebi mais nada.
- E Francisco? Onde estará?
- Nem vivalma. Desapareceram. Mas não encontro saída desta sala que não seja
o túnel pelo qual viemos ou...
- Ou...??
- A pirâmide!
Um silêncio de morte invadiu-os a todos.
- Vamos entrar na pirâmide e na bola para investigar? Parece uma máquina de
qualquer espécie.
Sara estava receosa. Tinha um forte pressentimento negativo.
Que perigos inesperados os aguardavam lá dentro? Onde estavam Francisco e o
colega? Dúvidas que sobressaltavam as suas mentes num rodopio sem resposta.
- Vamos entrar e que Deus nos proteja.
Avançaram cautelosamente para o interior da pirâmide.
- Esta pirâmide deve estar relacionada com as do antigo Egipto e do México.
Pensava alto o Professor, sem tirar os olhos da frente. Talvez seja o túmulo de um
antigo Rei ou esteja relacionado com a vida depois da morte.
O interior da bola era liso e igualmente da cor de metal-fogo, sem vestígios de
corrosão.
Tinham acabado de entrar, quando repentinamente a porta se fecha nas suas
costas, quase por magia, e a esfera começa a girar lentamente. Para se manterem de
pé, os três amigos, assustados, começaram a andar no seu interior, em direcção
contrária ao movimento. Mas a velocidade ia rapidamente aumentando.
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Capítulo XVI
Novo Mundo
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Capítulo XVII
A Aldeia de Chibanes
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Os gritos do homem atraíram os outros homens que seguiam mais à frente, que
surgiram pela cumeada abaixo em forte corrida, com as lanças empunhadas. Segu-
raram-nos e tiraram-lhes tudo o que tinham. A arma manteve-se no bolso do Pro-
fessor. De seguida levaram-nos para Chibanes.
À frente do grupo iam três homens anunciando a captura na aldeia com o som
longo e grave dos cornos de animais, que ecoava pelos vales adjacentes, carregados
de neblina. Atrás vinha o Professor agarrado por dois homens, seguido por Pedro
igualmente preso e Sara. Mais atrás vinham os restantes homens, descalços e meio
vestidos com peles, sujos e armados.
Ao aproximarem-se da aldeia, começaram a ver qual era a origem do fumo que
subia ao céu, dia e noite. Uma fogueira no meio de casas pequenas esculpidas nas
pedras com formatos redondos, aglomeradas desde a cumeada até cerca de vinte
metros pela encosta Norte abaixo. A encosta Sul era muito íngreme.
O caminho da cumeada passava a meio da aldeia, deixando uma fileira de casas
mais nobres no cimo, de um lado, e as restantes casa no outro, pela encosta abaixo.
Algumas mulheres e crianças de cabelos negros e longos vieram receber a comi-
tiva, atraídas pelo ruído e pela caça fresca. Depois de passada a confusão, gerada na
aldeia pela chegada de tão estranhas pessoas, o grupo parou num pequeno largo junto
a uma pedra maior, que servia de trono ou cadeira a um membro mais velho da
comunidade. Um Ancião, que empunhava o seu imponente e trabalhado báculo de
pedra esculpida, símbolo do poder na região, falou:
- Quem são? O que querem? - perguntou o velho em tom forte e na língua que
só Andrade entendia. O que querem daqui?
- Amigo, Amigo! Não queremos problemas. Viemos em Paz. Paz. Somos estran-
geiros do Norte - respondeu o Professor.
- O que querem daqui?
- Estamos apenas de passagem. Em viagem.
- Para onde?
- Queremos ir à ilha do império Atlante. Conhece? O reino do Mar. Queremos
falar com o Rei e com o sacerdote da Ilha.
- O reino do Mar?
- Atlântida.
- Reino da Atlântida. Sim. Senhores de toda a terra conhecida junto ao mar, até
ao Egipto.
- Sim.
- Não é bom ir à grande ilha. Muita gente. Muita confusão. Não é bom.
- Temos uma missão de paz em nome dos nossos reis.
- Que reis?
- De Portugal e da Europa.
- Nunca ouvi falar. Deve ser para além das montanhas da neve.
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- Sim.
- Isso explica as vossas estranhas vestimentas.
- Tenho algumas ofertas - disse Andrade tirando da mochila uma lanterna pequena
e uma bússola.
- Agradeço - e voltou-se para os homens da aldeia - libertem-nos e dêem-lhes de
comida. Eles vão para a grande ilha.
Ainda desconfiados, os homens levaram os três amigos para junto da fogueira
onde estavam a ser assados vários grandes pedaços de carne e se secavam algumas
peles de diversos animais. Depois de comerem e esperarem várias horas, o ancião
e dois homens vieram juntar-se a eles perto da fogueira.
- Queremos falar. Sentem-se - ordenou o ancião.
- Diga - respondeu Andrade sentando-se e fazendo sinal aos seus amigos para lhe
seguirem o exemplo.
- O nosso povo vive aqui há mais de quinhentos invernos. Somos descendentes
de antigos capitães da feitoria de Abul inicial, que vieram do oriente e aqui se es-
tabeleceram neste rico rio, para comercializarem o peixe diferente e o sal que en-
viavam para as suas terras de origem. O oceano tem estas maravilhas diferentes.
Mais tarde vieram os atlantes, que floresceram a partir do seu império das ilhas do
mar e ocuparam todas as terras e feitorias marítimas, passando a dominar o comér-
cio por mar. Os nossos avós longínquos tiveram que subir às montanhas e defende-
rem-se. A nossa tribo divide-se por duas aldeias. Chibanes e Rotura. Nós domina-
mos o Norte até ao grande rio e Rotura domina para sul, até ao Sado. Agora estamos
todos em paz com os atlantes e ganhamos com o comércio. O império atlante é
principalmente constituído por feitorias, fortes e pequenas cidades junto aos mares,
por todo o mundo conhecido.
- Compreendo - o Professor estava maravilhado com o que ouvia. - Vivem muitas
pessoas na região?
- Em Chibanes cerca de cento e cinquenta. Na Rotura cem e na Feitoria e na
fábrica de Abul, vivem cinquenta atlantes e cinquenta dos nossos. Na serra sagrada
vivem dez pessoas. Junto ao grande rio a Norte também existem seis famílias da
nossa raça. Mas a Norte daquele rio só vivem indígenas, brutos e agressivos. Sel-
vagens. Às vezes juntam-se em ordas e vêm até aqui atacar-nos, a nós e à Feitoria
de Abul.
- Como podemos chegar às grandes ilhas? Há barcos na Feitoria?
- Sim, mas têm que pagar com mercadorias.
- Onde fica a Feitoria?
- Ali - o ancião apontou para o rio, entre a serra de S. Luís e o monte de Palmela
- O velho do monte sagrado, que vive naquela casa lá em cima, vai partir amanhã
para a Feitoria. Ele pode ajudar-vos a negociar a vossa ida. Os atlantes são muito
difíceis para negociar. Vou mandar levar-vos lá a cima, para irem falar com ele.
- Obrigado, obrigado - agradeceu Andrade em fenício antigo.
- Mas vão levar uma oferenda de Chibanes para o Rei Atlante. Existem dois reis
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que disputam o poder. Levam duas oferendas. Queremos paz com todos.
O ancião e os seus dois homens levantam-se e partiram para o centro da aldeia.
- De que falaram Professor? - perguntou Pedro, que estivera calado todo o tempo
com Sara, percebendo que a coisa estava a correr favoravelmente.
- Vou contar-vos. Vamos para a Atlântida. Vamos procurar a máquina do tempo
e, quem sabe, o códice do conhecimento - depois o Professor contou-lhe toda a
conversa que acabara de ter com o ancião.
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Capítulo XVIII
O Monte Sagrado
N aquela noite, ficaram pela aldeia dormindo na tenda que montaram ao centro,
numa zona mais aberta perto da fogueira. Os resultados da expedição de caçada
foram comemorados em grande pelos habitantes da aldeia, com uma festa em que
homens, mulheres, crianças e cães participaram activamente. Todos se juntaram
perto da fogueira comunitária, onde se começou por assar carne, a parte que não
tinha sido conservada em sal de Abul.
Um sumo de frutos meio alcoólico foi distribuído aos homens, enquanto várias
mulheres dançavam no meio da população. Os nossos amigos, um pouco distantes
de toda esta festa, foram deitar-se mais cedo na tenda. Dormitaram com dificuldade,
enquanto a festa durava até amanhecer.
Já de manhã, desmontaram a tenda, prepararam as suas mochilas e pediram ao
ancião que mandasse alguém para os acompanhar até ao cimo do Monte Sagrado,
que ficava a meia hora de distância a pé, pelo mato. Logo desceram a cumeada
olhando em volta os belos vales verdejantes, não vislumbrando qualquer casa ou sinal
de presença humana, habitual naquela zona em 2050 d.C.
Mais à frente iniciaram a subida ao Monte Sagrado, num caminho serpenteando
por entre a espessa e alta vegetação. Já perto do cimo surgiu-lhes, do lado esquerdo,
um pequeno muramento, que os guiou até à casa de orações onde vivia o velho que
procuravam. Viam-se bustos de deuses animais esculpidos em algumas pedras junto
ao muro.
Um velho de longa barba branca e vestes de tecido amareladas com o tempo, veio
recebê-los no final da última subida.
- Sejam benvindos ao Monte Sagrado, estrangeiros. Já sei que vão para as Ilhas.
Entrem - ordenou, apontando para um edifício alto, feito de pedras e barros. - Curvem-
se perante a deusa Inana e os bois sagrados.
- Pedro, Sara, curvem-se perante aquelas figuras - Andrade apontava para uma
rocha grande esculpida com um rosto feminino de deusa suméria e para as figuras
de bois alados que rodeavam a deusa. Compreendia agora que o culto da mulher em
Portugal era muito mais antigo do que imaginara, tendo culminado no culto à virgem
Maria.
O velho fez sinal para que entrassem no templo, local escuro e retiro de culto,
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Capítulo XIX
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Capítulo XX
A Tragédia
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de imediato.
Depois de alguma hesitação entre os guardas, um deles correu para dentro do
edifício da feitoria, tendo decorrido um bom tempo sem que nada acontecesse, mas
todos esperavam sem mais alarido.
De repente, a porta da feitoria abriu-se e saiu de lá o vice-rei acompanhado por
vários guardas. - O que querem daqui?
- Liberta de imediato o nosso sacerdote ou destruiremos a feitoria.
- Só se trouxerem a minha filha.
- Não podemos. Seria contra a vontade dela.
- O velho só sairá daqui com vida nessa condição.
- Então vamos matar os teus homens e destruir tudo.
- Poderemos perder agora, mas já sabem que depois virão frotas e homens do
reino que destruirão vocês e as vossas famílias. Não haverá mais paz.
- Temos que aí ir libertar o velho que de nada tem culpa.
- Não foi ele que a casou sem nada me dizer?
O impasse estava criado. A tensão era enorme. Quem daria o primeiro passo?
E seria de cedência ou de ataque? Embora os atlantes estivessem melhor equipados
com armamento e armaduras, eram apenas cerca de vinte guardas contra mais de
cinquenta Chibanes.
- Chibanes, preparar para atacar quando eu disser...
- Não, não - Ritma tinha seguido a orda de Chibanes e mantivera-se escondida
até não aguentar mais a pressão. Levantou-se detrás da vegetação e correu em di-
recção ao seu marido que estava no grupo de ataque. - Não te quero morto Jadeu!
Não. Parem - e correu como uma louca, deixando todos os presentes, de um lado
e de outro, de boca aberta.
- Que fazes aqui? Vai-te mulher.
- Ritma, vem ter com o teu pai já. Vem para casa.
Ao chegar ao pé do marido desatou num pranto acompanhado de berros bem
altos.
- Não vás, não quero que morras, nem que mates o meu pai.
- Vai-te embora daqui. Volta para Chibanes.
- Não, Não. Só se vieres comigo.
- Não posso, o teu pai raptou o nosso sacerdote.
- Vai ser uma tragédia e tudo por minha causa.
- Vai para casa, já te disse.
- Não, vou desfazer esta tragédia.
- O quê?
- Sim. Adeus amor - e dizendo isto, correu rapidamente por entre os guardas
atlantes para o pé do seu pai - liberta já o velho.
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E nisto, para espanto de todos, o marido de Ritma saltou sozinho por cima do
muro de defesa e correu em direcção a Ritma e ao seu pai, furioso e com um machado
nas mãos.
No espaço de poucos segundos, Ritma olhou incrédula para a reacção que des-
pertara no marido, gritando um profundo "NÃOOOOO".
Jadeu chegou perto do vice-rei que, antecipando o seu acto, o atravessou com
a sua lança, obrigando o corpo a cair imóvel no chão.
Todos ficaram sem saber o que fazer, estupefactos, e Ritma desfeita atirou-se ao
corpo do marido desfalecido.
O único que teve reacção foi o pai de Ritma que acenou para dentro edifício,
de onde saiu em liberdade o velho sacerdote.
- Vês o que provocaste, velho casmurro.
Este gesto serviu para anular o outro, deixando os Chibanes imóveis sem re-
acção.
Após dois dias e meio de choro absoluto e ruidoso pelas planícies de Abul, Ritma
decidiu abandonar de imediato o local na barca que partia para a capital do reino
atlante, com mercadoria da região, com os três amigos Andrade, Pedro e Sara e com
o gigante Ogo.
A tripulação queria partir o quanto antes. Mas Ritma iria sem antes enterrar o
seu amado na bela ilha de Tróia, junto à fábrica de peixe, mandando erguer uma
coluna de pedra em sua honra, com a frase "Esposo Óptimo".
Sem se despedir do pai, a barca largou do cais de Abul no final de uma tarde em
que o sol se punha no cimo da serra da Arrábida, deixando ensombrada toda a
planície verdejante da futura cidade de Setúbal, recortada por braços do rio que
entravam pela terra adentro.
Deixando atrás de si um pequeno rasto na água calma, passou lentamente de velas
erguidas à brisa suave e guiada por três golfinhos saltitantes. A barca seguiu, passan-
do pelo complexo industrial de salga de peixe de Tróia, de onde recebeu um caloroso
adeus oferecido pelos trabalhadores atlantes, para quem a barca levava saudades da
sua terra tão distante.
Por fim saiu da barra do rio, embrenhando-se no oceano guiado pelo sol poente
e, mais tarde, pelas estrelas do céu aberto estrelado.
No dia seguinte, Ritma manteve-se isolada toda a manhã, não falando com ninguém
e choramingando de quando em vez, talvez recordando a vida que podia ter tido em
Chibanes com o seu marido.
Pedindo a Andrade que servisse de interprete, Sara foi-se aproximando lenta-
mente de Ritma.
- Não comes nada Ritma?
- Não tenho fome.
- Esta viagem vai ser muito cansativa e vais ter que comer para teres forças.
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- Depois.
- Vais levar alguns meses ou anos para te sentires melhor, mas a vida continua
e não podes deixar de comer.
- Não me importa morrer e que os deuses me levem.
- Sei que não é o mesmo, mas também sofri muito com a morte da minha mãe,
mas continuei a alimentar-me.
- Mas ele era o meu amor, o meu companheiro de vida. Agora não tenho futuro.
Vou ter com a minha mãe em Antília. Poderão ficar na casa dela. Serão bem vindos.
- Obrigada, mas temos uma missão a cumprir e depois quero voltar para a minha
terra.
- Vamos ter muito tempo para me contares a tua vida. Podes ser minha amiga?
- Sim, claro. Quantos dias costuma ser de viagem?
- Entre sete e quinze dias, dependendo do tempo que fizer.
- A viagem é muito complicada?
- Não, se tiver bom tempo, como é habitual de Verão. Só temos que ter cuidado
com as feras do mar, que atacam os barcos.
- Que feras? Peixes?
Ritma estava outra vez receosa e chorava.
- Tem calma, onde é a tua terra?
- São umas ilhas muito verdes no oceano. Lindas. Aea é governada pelo rei-
Mestor I, um Rei mau que está em guerra com o seu irmão. A outra ilha é Seden,
governada pelo Rei bom, Evenor II. A terceira ilha é Urz, uma ilha misteriosa, onde
ninguém quer ir e onde quem vai não volta mais. Dizem que é onde está guardado
o segredo dos nossos antepassados que povoaram as ilhas.
- Então há guerra entre atlantes irmãos?
- Sim, dantes o nosso império estendia-se a toda a terra dos dois lados do mar
mediterrâneo, mas agora o Sul é dominado pelo Rei Evenor II e o lado Norte é
dominado pelo Rei Mestor I e as batalhas continuam no mar, nas cidades costeiras
e lá longe, na zona onde se encontram as duas terras e acaba o mar. Morrem muitos
homens ao que dizem. Há intriga, traição. Irmão mata irmão. Por isso eu queria
viver o amor longe desta confusão.
- Quero-te confessar, eu tenho uma missão.
- Sim?
- Bom, nós viemos de muito longe e para voltarmos precisamos do códice do
conhecimento da ilha de Urz, de que falaste e de ver um engenho dos vosso antepas-
sados. É para lá que queremos ir.
- Mas é muito perigoso!
- Eu já sei, mas não temos escolha.
- Tenho que vos apresentar ao meu Rei que vos ajudará de certeza.
De repente, um estrondo fez estremecer fortemente todo o barco, fazendo cair
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Capítulo XXI
A Cidade de Antília
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Após uma semana de navegação calma, avistaram a terra. Era a ilha de destino.
Contrastando com o balancear rangido pelas madeiras da barca, a ilha de Seden
apresentava-se muito fixa e estável à linha do horizonte, surgindo como uma longa
costa a perder de vista, para um lado e para o outro, recortada por montanhas ao
longe, que ondulavam sem saírem do lugar.
Seria agradável a sensação de pisar chão firme depois de tantos dias a balouçar,
sem condições de conforto e sujeitos aos perigos daquele oceano pré-histórico.
Ao aproximarem-se começou a ver-se a estreita faixa de areal que bordejava toda
a costa e o fumo que saía certamente de fogueiras das aldeias e lugares.
Mais próximo, podia ver-se que a ilha possuía uma longa planície fértil, decorada
com culturas agrícolas em tons de verde e castanho, tendo ao centro a entrada do
porto, estreita, ladeada por altas torres de vigia e espessas muralhas de defesa de
pedra branca e telhados laranjas de ouricalco, um metal cor de fogo.
Feitos os devidos sinais pelo comandante da embarcação e reconhecidas as pessoas,
levantaram-se as defesas da entrada para o primeiro porto interior, o porto de co-
mércio.
Com a lenta passagem dos barcos, os guardas, trajando armaduras de ouricalco,
tinham oportunidade de observar atentamente os tripulantes e passageiros, procu-
rando qualquer indício de perigo.
Passadas as primeiras muralhas, apresentou-se um porto interior carregado de
embarcações de comércio em plena operação de troca de mercadorias de todo o
Mediterrâneo, nos cais em redor.
A bacia e o porto ladeavam todo o palácio real numa extensão de cerca de vinte
quilómetros.
Ritma pretendia ir ter com a mãe à corte real, pelo que a barca se dirigiu às torres
de entrada do segundo porto interior, o porto militar.
As torres e as respectivas muralhas fortificadas eram de pedra de cor negra,
rodeando todo o segundo porto interior, e estavam cobertas com telhados de cobre
brilhante.
Aqui, a barca foi obrigada a parar para ser revistada, tendo os tripulantes sido
interrogados sobre a sua identidade e intenções. Ritma responsabilizou-se pelos seus
quatro amigos.
Passadas as defesas de madeira da entrada, o porto apresentava-se cheio de
embarcações militares muito semelhantes às futuras embarcações egípcias. No porto,
soldados e artífices andavam para lá e para cá, muito atarefados.
O segundo porto interior tinha cerca de mil e quinhentos metros de largo e
também rodeava todo o edifício real. A caminho do palácio real, a barca aproximou-
se das últimas torres de defesa, onde terminavam as muralhas muito mais altas que
as anteriores.
A entrada estava encerrada por uma porta gigante, que se abria em duas partes,
para os lados. As muralhas e as torres eras feitas de pedra vermelha e os telhados no
seu interior eram dourados de ouro maciço, luzente.
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A Feitoria de Abul
No seu interior, um pequeno canal com cem metros de largo rodeava o edifício
portuário real, que era circular ao centro, com diversos cais interiores quase para-
lelos uns aos outros.
- Chegámos - Ritma parecia estar satisfeita por mostrar a grandeza de Antília aos
amigos estrangeiros, a capital do reino e do império, embora tivesse facilmente
disposta a trocar tudo aquilo por uma vida pacata em Chibanes.
- Maravilhoso, é tal como foi descrito por Platão nos seus textos antigos - excla-
mou o Professor Andrade.
- Sempre pensei que fosse apenas imaginação, mas afinal sempre existiu este
famoso e antigo império - disse Pedro.
- Vamos lá conhecer a terra dos nossos antepassados gloriosos - Sara estava muito
emocionada.
A embarcação acostou a um dos cais livres e foi amarrada. Aqui as pessoas
andavam mais calmas e mais bem vestidas que nos outros portos. Este era o porto
real.
- Venham comigo, vou levar-vos à minha mãe. Vai ficar muito interessada nas
vossas histórias, vão ver. Ela gosta muito de saber sobre mundos longínquos e des-
conhecidos do nosso.
Saíram do porto por uma ponte em estacaria, chegando rapidamente à entrada
do palácio real. Uma grande escadaria, mais larga em baixo que em cima, era guar-
dada por dois soldados trajados com ouro.
Subiram os longos degraus da escada e cumprimentaram os guardas.
- Por aqui - disse Ritma.
Ao passarem por um corredor, ouviram alguém a chamar:
- Ritma! Ritma!
- Sim, meu Rei. Sou eu.
Era Evenor II.
Mas alguém espreitava, boquiaberta, por detrás de uma grande coluna de pedra
cinza...
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Capítulo XXII
A Ilha de Aea
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A Feitoria de Abul
Capítulo XXIII
A Expedição de Seden
E lna ouviu, por detrás de uma coluna, o seu Rei chamar Ritma e sentiu voltar
aquele sentimento antigo de ciúme e raiva pelo qual havia anos que tinha passado,
devido a Ritma. E colocou-se em escuta...
- Querida Ritma, há quantos anos não te via.
- Meu Rei ! - disse Ritma surpreendida, fazendo uma larga vénia.
- Então, como te deste por terras atlânticas, do continente? E quem são esses teus
amigos estrangeiros?
Ritma contou todo o drama que havia passado, mas não sem soltar algumas
lágrimas.
- Estes meus amigos são de longe, das terras do Norte do continente e querem
encontrar o códice do conhecimento antigo de Urz, para poderem conhecer o ca-
minho de volta à terra deles. Sabes, a lenda do livro!
- Esse é um códice sagrado. Mas não é nenhuma lenda, é real. Pertence aos
antepassados dos atlantes, que vieram dos céus. E só nós, atlantes, podemos possuir
esse códice, lê-lo e compreendê-lo. O que querem do códice? - perguntou admirado
Evenor.
- Eu sou descendente de atlantes que foram para o Norte - disse Sara. - Assim,
poderei ler?
- Sim. Reconheço os traços ilhéus na tua face. Mas, o que pretendem do códice?
- Estamos perdidos há muitos anos, vagueando pelo continente, sem sabermos
onde fica a nossa terra. E um ancião avisou-nos que encontraríamos o caminho de
volta nas palavras do códice, ou junto ao local onde está guardado, em Urz - avançou
cautelosamente Andrade, como explicação aceitável, uma vez que o Rei nunca
compreenderia o que era uma máquina do tempo, que era na verdade o que eles mais
queriam encontrar, para além do códice.
- Pois então vieram no momento exacto em que eu preparo uma expedição a Urz.
Um velho também me disse que precisava do códice do conhecimento antigo para
fazer voltar a paz à Atlântida. E acabar com esta guerra de irmãos.
- Podemos ir convosco? Temos muitos conhecimentos mágicos que poderão ajudar
contra os perigos da ilha - Andrade acendeu um fósforo, deixando os atlantes estu-
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Vítor Caldeirinha
pefactos.
- Muito bem, mesmo o que eu precisava. Está formada a equipa. Vocês e o
gigante, eu, Elna - a minha escrava - e uma equipa de dez homens da minha guarda
pessoal. Os meus exércitos estão em batalha no Mediterrâneo e não me poderão
acompanhar.
- Muito bem - disse o Professor.
- Mas muitos perigos desconhecidos nos esperam, dos quais só parte nos chegam
a partir de histórias que se ouvem. Muitos tentaram, mas nunca ninguém conseguiu
descobrir o códice do conhecimento antigo de Urz.
- Temos que ter muito cuidado - disse Andrade, vendo alguém na sombra da
coluna de pedra.
Elna, que tudo ouvira, manteve-se imóvel e imperceptível, ao que pensou. Sentiu
uma grande satisfação por Ritma não ir, mas ficou preocupada com as artes mágicas
dos forasteiros. Talvez a sua missão viesse a ser dificultada por aqueles intrusos.
- Bom, ficam duas noites em Seden para descansar da viagem e conhecerem a
cidade. Mas, depois partiremos. Ficam na minha casa real. E tu Ritma, ficas por
aqui?
- Sim, vou ver a minha mãe e voltar a percorrer a cidade, para ver se ainda está
igual. Farei de cicerone dos meus amigos durante a sua estadia.
- Está bem.
- Venham comigo.
Chegados à zona dos quartos de hóspedes do palácio real, uma serva indicou o
quarto de cada um.
- Descansem um par de horas e depois encontramo-nos aqui para fazermos uma
visita à nossa capital imperial, Seden.
- Até já.
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Capítulo XXIV
Volta pela Cidade
A música dos tambores, que ecoava pelas ruas apinhadas de atlantes e gentes de
todas as raças, provinha da praça central da cidade, onde vários músicos e artistas
tentavam afincadamente ganhar o dia com o que de melhor sabiam fazer. Em redor
da praça, ao som de várias músicas misturadas, vendia-se peixe fresco em bancadas,
fruta, legumes, animais vivos e em carcaça, peças de artesanato, cestos e loiças.
O mercado diário do centro da cidade era o ponto de encontro para venda do
que se produzia na terra e nos arredores ou do que se trazia de além mar e para a
compra do que é necessário às pessoas. A cidade estendia-se por mais de três qui-
lómetros.
Bandos de miúdos corriam divertidos em redor dos artistas. Muitas pessoas
atarefadas carregavam cestos e sacos cheios à cabeça e em carroças, com as merca-
dorias para vender e trocar ou que já tinham comprado. Parecia uma medina árabe,
apertada e com um mar de gente e cheiros.
Andrade mal podia acreditar no que via. Sempre tinha tentado sonhar como seria
a vida numa cidade atlante e agora ali estava, no centro da capital, em 5050 a.C.
Os três amigos e Ogo, o gigante, percorreram a cidade guiados por Ritma, passando
pelo emaranhado de pessoas, que circulavam indiferentes aos desconhecidos. Era
uma grande metrópole, onde as pessoas estavam habituadas a ver de tudo.
- Há muito que não vinha a Seden e já não estou habituada a tanta gente, tanta
confusão - referiu Ritma fascinada e meio estonteada.
As casas tinham quase todas dois andares e telhados arredondados laranjas de
ouricalco, como que descrevendo "ns" pequenos em contínuo. No centro, todas as
casas tinham grandes portas abertas ao comércio, onde desfilavam mercadorias de
todo o império. Era o mercado das lojas.
Cada família do centro da cidade tinha uma loja onde vendia os produtos do mar,
do campo e as mercadorias que os navios traziam diariamente de todo o império.
Os amigos continuaram a andar e saíram da zona central da cidade, por entre
templos e monumentos, chegando aos arrabaldes de Seden.
No final da cidade fortificada, subiram à muralha e, do alto da torre, puderam
observar toda a planície fértil que circundava a cidade, a perder de vista, e que era
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Capítulo XXV
A Ilha de Urz
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Capítulo XXVI
O Velho de Azaes
-O
Azaes.
que querem daqui? Vão-se embora enquanto é tempo. São mal vindos a
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No dia seguinte, o grupo dividiu-se como Rei dissera, tendo partido Ogo, Andrade,
Pedro, Sara, Evenor e quatro guardas.
Depois de andarem com grande dificuldade durante alguns minutos, voltaram
a ver o velho ao longe, que os observava a boa distância, de cajado na mão. Gritaram
e correram durante algum tempo no seu encalço, novamente sem sucesso.
Entretanto, chegaram a uma zona mais húmida e escura, onde não se ouvia o
cantar de qualquer pássaro, mas apenas o movimento e o vergar da árvores.
Seguiram passo a passo, por onde pensavam que o velho teria ido. Surgiu então
um clareira, no sopé de um grande monte rochoso cinzento. Foi nessa altura que
viram algo que os deixou boquiabertos.
Destroços de vários navios espalhados pela terra, num espaço de cem metros.
- O que será isto? - perguntava-se Pedro baixinho, fascinado e extremamente
assustado.
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Capítulo XXVII
A Civilização Antiga
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Capítulo XXVIII
Os Homens Primitivos
O animal não mostrava qualquer receio quer das lanças quer do número de
inimigos humanos que tinha pela frente. Estava criada uma situação difícil de im-
passe em que cada lado avaliava cuidadosamente o outro, com elevado nível de
adrenalina.
Sem dizerem nada, os homens de Evenor juntaram-se à sua frente, em formação
de "V", defendendo o seu Rei e tentando atacar o animal. Mas o bicho atacou primeiro.
O homem que estava mais à frente nem teve tempo de se aperceber, quando o
animal se atirou à sua cara e lhe sugou rapidamente o cérebro pelos orifício dos olhos,
num abrir e fechar destes.
De imediato, Andrade sacou a sua arma que guardara durante este tempo todo,
pedindo para que funcionasse como deve de ser, e disparou um tiro certeiro bem
na cabeça do animal, o qual fugiu muito depressa, largando líquidos de várias cores
pelo chão e procurando um local para morrer escondido.
Todos estavam horrorizados como que tinham visto pela primeira vez nas suas
vidas e alguns espantados com o tiro que os salvou.
- Assustaste-o com o ruído dessa coisa pequena - disse Evenor.
- É uma pistola que lança pontas de seta metálicas - explicou - mas de onde veio
este bicho, há certamente muitos mais.
- Sim fujamos daqui enquanto é tempo - pediu Sara.
- Vamos, vamos - disse Evenor.
E fugiram dali muito rapidamente, entrando pela floresta adentro, sem saberem
o que mais iriam encontrar, mas retomando a direcção ao centro da ilha.
- Andrade, que será aquele animal? - perguntou Pedro.
- Penso que é um ser extraterrestre, deixado pela antiga civilização, por engano
ou de propósito. Talvez tenha destruído a comunidade que aqui vivia. Por isso fu-
giram. Não sei. Mas percebi que o animal não se arrisca a ir à aldeia junto ao mar.
Talvez não goste de água salgada.
- Para a próxima trazemos água para ver o que sucede.
- Sim - respondeu Andrade a Pedro.
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Capítulo XXIX
O Templo dos Céus
um livro com um metro por um metro e a espessura de uma mão aberta, permanecia
aberto dentro de uma espécie de redoma de vidro inquebrável, protegido.
- Que maravilha!- exclamou Andrade.
- É o Códice do Conhecimento Antigo de Urz! - gritou Evenor - levem-no.
Mas verificaram que era impossível quebrar o vidro e arrancar o livro para o
levarem.
- Esperem.- O professor começou a ler as inscrições antigas e a tentar decifrar.
- Penso que consigo. Preciso de tempo.
- Professor, o códice está aberto numa página com o desenho da máquina do
tempo - disse Sara.
- Já vejo.
Passados alguns minutos, o Professor começou a carregar em vários locais da
parede e, repentinamente, o vidro subiu.
- Já está.
- Obrigado Professor - Francisco surgiu por uma porta com o seu colega, com
uma arma automática nas mãos. - Ninguém se mexa e ponha a sua arma no chão.
Explique-lhes o que é uma arma Professor.
- Evenor, não se mexa, pois é uma arma de fogo como a minha, mas mais po-
derosa - disse, enquanto deitava a sua pistola para o chão.
- Tenho cem guerreiros que rodeiam o convento. Foram os que sobraram de
trezentos com que chegámos. Os outros foram mortos por criaturas estranhas da
ilha. Não podem sair daqui com vida. Mestor vai ter a sua vingança familiar. Nem
precisa do Códice. Mas eu preciso.
Enquanto dizia isto, disparou contra os dois guardas de Evenor, que estavam
imobilizados no chão do salão.
- Professor, Evenor fica, mas se quiser podem vir connosco para 2050 d.C, mas
levamos o códice nós. Preciso de si para o ler. A parte em que estava aberto diz que
a máquina do tempo está já colocada na zona do Pinhal Novo, num templo dentro
de uma gruta. Tem ali o mapa.
- Nem pense. Nós vamos, mas você não sairá jamais deste tempo.
- Não têm hipótese - disse Francisco.
Entretanto, os homens de Mestor foram entrando e prenderam os amigos, levan-
do-os de volta para a costa marítima, onde os navios os esperavam.
- Ok. Ganharam Francisco. Que quer de nós.
- Estude o livro durante a viagem e depois diga-me coisas. Tem pouco tempo.
Agora vamos voltar apara a ilha Aea, para a cidade de Atlas. Evenor estava desolado
por ficar à mercê dos homens do seu irmão.
Mas, já na praia, durante a noite, Evenor conseguiu fugir ajudado pelos seus
restantes homens, que perceberam o que se passava e acorreram com um plano de
fuga para o seu Rei.
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Capítulo XXX
A fuga dos Atlantes
A ilha de Aea surgiu no horizonte do mar azul escuro, como uma pequena faixa
negra balanceando ao ritmo da embarcação. Aos poucos foi-se aproximando.
A ilha era rochosa, impenetrável por mar, sem praias, excepto numa bacia com
uma pequena entrada entre duas altas rochas. Lá dentro, uma grande bacia com uma
extensa praia e um porto comercial e militar, ao centro.
A cidade de Atlas, capital do império de Mestor, estava localizada por detrás do
porto, protegida com muralhas negras. Os telhados negros das casas contrastavam
com as paredes brancas caiadas.
O céu estava escuro e o tempo ameaçava piorar a qualquer momento.
Enquanto se aproximavam do porto, Francisco questionou Andrade sobre o que
tinha aprendido com o códice, durante toda a viagem.
- Desembuche Professor. Que segredos tem o livro para nos revelar?
- Nada do que julgas. Não fala sobre tecnologia. Bom, mas não tenho nada a
perder. Precisamos de trabalhar em conjunto para sairmos daqui - Andrade não
confiava em Francisco, mas achou que face à situação, esta seria a melhor estratégia
no momento.
- Então, Professor? - Sara queria saber.
- O livro relata a origem do universo e a origem da vida. E prediz o futuro.
- É uma espécie de Bíblia? - perguntou Pedro.
- Não. Faz revelações muito interessantes. Primeiro refere que o nosso universo
está cheio de estrelas e planetas plenos de vida. O nosso universo é um entre muitos
que ora competem, ora se unem uns com os outros, para sobreviverem e se repro-
duzirem. O nosso próprio universo formou-se de uma explosão fruto de um "encontrão"
físico entre as membranas externas dois universos pré-existentes, já maduros, de
forma premeditada.
- Como é possível Professor? Isso é treta - disse Francisco.
- Cada universo tem as suas leis físicas, diferentes uns dos outros, funcionando
em dimensões e noções de tempo diferentes. O nosso universo é ainda muito novo.
Primeiro formou-se a parte física das partículas, depois evoluiu a parte química, das
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Vítor Caldeirinha
moléculas compostas por relações mais complexas entre partículas, depois surgiram
as grandes estrelas tipo Pop III, as galáxias e os planetas e só depois apareceram os
seres vivos, compostos de relações mais complexas entre moléculas, o ADN, etc.
Finalmente surgiu a inteligência, os seres inteligentes e as sociedades organizadas
tecnológicas de seres, compostas de uma relação mais complexa entre seres vivos e
entre os seres vivos e a matéria, a química e a vida.
- Mas a vida surgiu onde?
- Espontaneamente em muitos lugares do universo, com diversos formatos, mas
com traços comuns. A vida saltou de planeta em planeta, não se conteve face às
distâncias. Quer na sua forma celular, quer na sua forma de sociedades de seres
inteligentes, a vida expandiu-se de planeta para planeta e de galáxia para galáxia,
dominando a matéria, a química, a vida e, cada vez mais, o próprio universo.
- E na terra, como surgiu a vida? - perguntou Sara novamente.
- Ao que parece, foi trazida por cometas ou flutuou pelo espaço até aqui na forma
mais primitiva, tendo-se desenvolvido até ao ser humano arcaico. Mais tarde, os
seres que estiveram na Atlântida, há trinta mil anos, deixaram mestiços, que deram
origem ao homem moderno. O objectivo deles foi colonizar a terra com seres in-
teligentes. No futuro virão aqui buscar reforços para colonizar outras galáxias e
vencer algumas outras formas de vida inimigas que também colonizam planetas.
- Mas tudo isto vai-nos levar onde? - Pedro estava admirado.
- Segundo o Códice do Conhecimento Antigo, os seres vivos que consigam
colonizar o universo todo sofrerão alterações de determinada ordem e dimensão que
não consigo perceber e ficarão a comandar os destinos deste universo, então já
maduro, e as suas relações com outros universos, sejam de luta, de sobrevivência
ou de reprodução dos universos. Quem escreveu o livro desconhece o objectivo final
dos universos que não seja de aumento do seu número, a expansão da área ocupada
pelos do mesmo tipo e a obtenção da maior quantidade de recursos e de energia
possível. Provavelmente, ultrapassado um certo patamar, o códice refere que deverá
haver um salto de alteração para uma nova dimensão de "vida superior", fruto do
aumento da complexidade das relações entre universos. A esse patamar poderá ser
formada uma nova unidade física básica gigantesca, composta por universos unidos,
uma corda vibrante gigante, e começará tudo de novo: física, química, vida, inte-
ligência, universos maduros e nova corda básica.
- Ficamos na mesma, mas a uma escala maior, não é? - diz Francisco.
- Sim. Não existe objectivo, mas apenas energia e criar mais complexidade a cada
vez maior escala, testando, seleccionando e procurando a melhor forma para esta-
bilizar, dominar e expandir-se sobre o espaço da não energia.
- Já tinha ouvido falar na teoria das cordas que une as forças todas da natureza:
a forte, a fraca, a electromagnética e a gravidade. É uma partícula muito pequena,
uma corda vibratória, que constitui todos os quarks e a própria energia - disse Pedro.
- Sim - confirmou Andrade. - O nosso objectivo é contribuir para fazermos parte
de uma corda gigante, que por sua vez fará parte de partículas maiores de um uni-
verso gigantesco. É a luta da energia para vencer a não energia.
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A Feitoria de Abul
Capítulo XXXI
O Fim da Atlântida
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Capítulo XXXII
A Batalha Final
trar a máquina.
- É ali - ouviu-se.
- Onde Pedro?
- Ali naquelas rochas. Vejo uma espécie de entrada tapada com arbustos.
- Vamos até lá.
Desviaram a vegetação e entraram num túnel estreito em escadaria para baixo.
Depois de muito descerem, depararam com a sala onde tinham estado anteriormen-
te. "Aí está!"
Era uma sala redonda com dez metros de altura e cerca de vinte metros de di-
âmetro, sendo visíveis inscrições e símbolos em toda a parte. Era sem dúvida a
mesma sala.
Ao centro a mesma pirâmide metálica que ocupava quase toda a sala. Dentro da
pirâmide gigante, lá estava a esfera feita de uma espécie de metal vermelho, que se
ligava à pirâmide através de um mecanismo giratório.
- Sim, cá está! - disse Francisco.
O acesso ao interior da bola vermelha estava outra vez franqueado. Entraram de
imediato. Com isto, a porta fechou-se e a esfera começou novamente a girar cada
vez mais depressa, mais depressa, até que os nossos amigos desmaiaram.
Passados alguns minutos, o Professor acordou. Foi o primeiro a acordar. Silen-
ciosamente, acordou o amigos. Mas não Francisco, nem o seu cúmplice, que dor-
miam profundamente.
Estavam no interior do túnel do Metro do Sul. Teriam voltado a 2050 d.C.?
- Vamos confirmar. Vamos fugir de imediato.
Saíram a correr dos túneis, certificaram-se que estavam no tempo correcto e
foram encontrar-se com o Conselho Atlante.
Depois de contarem todas as aventuras ao pai de Sara e aos seus conselheiros,
Andrade abriu o jogo:
- Mas tenho mais uma coisa para lhes dizer.
- Estou admirado e espantado com a epopeia a que acabaram de viver. Viram
a morte da terra natal dos nossos antepassados. Mais deslumbrado estou com o
segredos que revelou o Códice do Conhecimento Antigo. Que mais há?
- Nem queira saber. O livro secreto tinha mais. Mas isto eu não revelei a Fran-
cisco.
- Mas o que é?- questionou Pedro.
- Tenho o segredo do Poder das Cordas, a energia que une as partículas mais
pequenas que há. É uma arma que quebrará qualquer inimigo.
- Muito bem, isso é fundamental. Escreva os planos dessa arma que os nossos
cientistas vão trabalhar de imediato nela.
Nisto, Francisco e dez homens armados de metralhadoras de laser entraram no
pavilhão onde a Conselho Atlante se encontrava e começaram aos tiros.
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A Feitoria de Abul
FIM
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A Feitoria de Abul
N este momento já estou a escrever a parte dois da série "A Feitoria de Abul".
Desta vez a história passa-se no tempo de Império Romano.
Na fase final da vida da Grande Roma, em 350 d.C., no século IV d.C., Cons-
tante, um co-imperador, é contestado na sua competência para governar o Mar
Mediterrâneo, que começa a estar cheio de piratas e frotas de cidades inimigas.
Para demonstrar ao povo romano o seu controlo perfeito sobre todo o mar
conhecido, o imperador, cuja mulher havia dado à luz recentemente, prometeu perante
o Senado que, no prazo de seis meses, uma embarcação com duas mulheres e um
homem iria à ponta do império, à Feitoria de Abul e a Cetóbriga (a nossa actual
Tróia), na Lusitânia, e trariam Garum, uma pasta de peixes raros do Atlântico, para
a sua esposa degustar durante os jogos de Roma. Assim, ficaria provado que qual-
quer romano poderia navegar o Mediterrâneo mais profundo sem medo.
Paralelamente, incumbiu o grupo de missão à Lusitânia de saber mais sobre a
localização da Atlântida de Platão e de procurar o Códice do Conhecimento Antigo,
cujos escritos afirmam ter sido recuperado do fundo do mar e escondido naquela
zona.
A parte dois da série “A Feitoria de Abul” trata desta viagem de aventura e das
dificuldades que este grupo terá que enfrentar.
Em 2051 d.C., o professor Andrade descobre escritos sobre esta aventura em
Tróia. Uma vez que a máquina do tempo atlante já estava a ser estudada pela Uni-
versidade de Lisboa, Andrade solicitou autorização do Governo para empreender
uma nova viagem, para procurar o Códice do Conhecimento Antigo. Andrade não
decorara todo o livro na sua primeira leitura e queria saber mais sobre os seus segredos.
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A Feitoria de Abul
Parte Final
S endo este o meu primeiro livro de ficção e uma edição de autor, não podia deixar
de aproveitar para incluir alguns dos melhores poemas escritos durante a minha ado-
lescência, alguns dos quais publicados pelo Clube dos Poetas de Setúbal, nos anos 80.
A quem não gostar de poesia, aconselho a parar por aqui.
Esta parte queria dedicar à "Malta da PB - Praça do Brasil", de Setúbal, que ali
brincou, namorou e casou, e que fazia quase tudo em grupo. Ainda hoje nos jun-
tamos muito, já cada um com as suas famílias.
Éramos sempre cerca de 20, um grupo bem conhecido em Setúbal nos anos 80
e 90, não porque praticássemos actos de grande vandalismo como outros, mas porque
apesar de seremos sérios, honestos e bons estudantes (nem todos), conseguíamos
impor respeito com firmeza ao pessoal dos restantes bairros, através da união, da
solidariedade total e do desenvolvimento de actividades, divertimentos e brincadei-
ras constantemente em grupo.
Não passávamos uns sem os outros. Mas éramos todos muito homens.
Antes de entrar nos poemas, quero deixar os seus nomes para a memória e o
resumo de algumas histórias mais divertidas.
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Angelo Luís II
Alberto Manuel
Carlos Nuno
Couto Nuno II
Elsa Paulo
Eduardo Paulinho
Eduardo II Pedro
Filipe Rogério
Henrique Rui
João Pedro António
João Valter
Jorge Vítor (eu)
José
Luís (irmão)
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A Feitoria de Abul
N ão são histórias, nem contos, mas apenas pedaços de lembranças que ficam
registados nestas poucas páginas, para que os meus amigos possam recordar a partir
daqui e para que as restantes pessoas possam conhecer um pouco destas infâncias
e juventudes felizes, sem se enfadarem. Fica a faltar muito, que talvez publique num
livro próprio um dia.
a ) Lá Atrás
Lá atrás, era o termo utilizado para designar as traseiras norte dos prédios da
Praça do Brasil, onde havia um largo de terra para brincarmos em pequenos.
Havia um campo de futebol antigo, do tempo do meu primo Tozé. Havia ainda
a cabana do velho Badio, guarda dos prédios em construção nas imediações, e que
andava sempre a correr atrás de nós.
Para lá de lá atrás, estavam pequenos quintais de agricultura de entretenimento
de moradores dos prédios, como era o caso do avô do Jorge, consentidos pelo Tavares
da Quinta.
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Vítor Caldeirinha
ii. As Bicicletas
Houve um momento em que aprendi a andar de bicicleta, na que a minha avó
me tinha dado, laranja e moderna. Não sem cair muitas vezes. Tinha sempre os
joelhos com sangue.
Depois começámos todos a ir mais longe de bicicleta, até ao Bonfim, até ao
Liceu. Andávamos sempre de bicicleta.
O Couto tinha uma bicicleta especial com guiador em "V" elevado para trás e
com banco de encosto e mudanças ao meio. Era um sucesso. Chegávamos a dar
voltas ao campo do vitória e a ir ver a estação ou até à beira-mar.
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A Feitoria de Abul
borboletas. Mas a melhor parte, era ir, em grupo, apanhar folhas de amoreira para
os bichos. Só conhecíamos uma árvore junto a um tanque de água, muito bonito,
no interior das quintas para lá de lá atrás. Eram belas tardes passadas a subir às
árvores.
iv. Os Micheys da PB
Como todos os grupos de bairro, na Praça do Brasil também tínhamos os nossos
rivais. Por exemplo, um grupo de miúdos das traseiras Oeste da Praça do Brasil,
onde raramente íamos, mas muito semelhante às nossas, também com lixo. O Ciga
liderava aquele grupo. Muito simpático e sempre cheio de ideias e de energia.
Na altura, formámos um clube de futebol e fomos pedir quotas aos vizinhos,
tínhamos o campo nas traseiras, lá atrás. Eram os Mickeys e havia equipamento de
camisola branca e calções vermelhos, se bem me lembro, que íamos sempre comprar
às sete de manhã lá frente. Também lá combinávamos para jogar à bola. No final já
ninguém aparecia.
Tínhamos a sede do clube no edifício do junta de freguesia, depois do colégio
Santana, e não deixávamos mais nenhum menino entrar. Foi então que o grupo rival
de lá trás formou o clube dos Pelezinhos, que cresceu e hoje é um grande clube da
cidade de Setúbal. Os Mickeys desapareceram, pois nós também passámos a ter
outros interesses com o tempo.
Lembro-me que, na altura, se chegou a fazer um foguetão movido com pólvora
de fósforos e levantou voo.
b) Lá à Frente
Lá à frente, era o termo que utilizávamos para designar a Praça do Brasil pro-
priamente dita.
Antes, era toda ela um jardim verde e passava uma estrada mesmo junto ao café
da Brasília. Tinha um largo de piso vermelho, com um muro branco descente, com
o busto de Olavo Bilac na parte mais alta e um banquinho de pedra em volta. Havia
caminhos pelo meio da relva e cavalinhos e baloiços a Norte. E uma árvore que eu
gostava muito subir.
Após passar a parque de estacionamento, fizeram os bancos lá da frente, onde
nos encontrávamos habitualmente, junto ao café Bilac.
Lá atrás fizeram o novo parque infantil e um pequeno campo de futebol com um
muro, onde não podíamos jogar depois dos 11 anos. Uma vez mudei o sinal com
tinta e gozei o pagode. Era o tempo da velha da Sopa.
i. A Baixa de Setúbal
Lá à frente nos encontrávamos e de lá partíamos para a baixa, pelo Bonfim ou
pelo Bairro Salgado. Vi os primeiro filmes de cinema na esplanada no Bairro Salgado
e um filme do Bucha e do Estica no antigo cinema Bocage, no centro comercial com
o mesmo nome.
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Vítor Caldeirinha
De lá à frente íamos em grupo à baixa e às escolas uns dos outros. Não falarei
aqui da escola, pois separava já muito bem esses dois mundos, que nada tinham um
a ver com o outro. Na PB era um rapaz da rua e na escola era um bom aluno.
Lá em baixo procurávamos conhecer miúdas. Fazíamos voltas sem fim à baixa.
Piscinas. Sempre a olhar para as miúdas, mas poucas conhecíamos. Acabava-se por
ir à beira-mar, para o castelo de S. Filipe ou para os conventos de S. Paulo, brincar.
Nesta altura, tínhamos sempre muitos inimigos na rua. Cães, ciganos, tipos
chanfrados, pedófilos e grupos de miúdos de outros bairros.
iv. Praia
De vez enquanto íamos à praia todos juntos. Íamos para Tróia todos juntos, em
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A Feitoria de Abul
grande grupo, com cerca de 20 miúdos, tudo rapazes. Levávamos a bola e sandes.
Em grupo, na praia, ocupávamos uma grande superfície e escolhíamos estas ou
aquelas raparigas para conhecer. Mas como éramos muitos, descambava quase sempre
para a parvoíce e acabávamos por não conhecer nenhuma. Mas chateávamo-las. Só
tropelias.
No Verão, íamos todos os dias para a Figueirinha à boleia. Formávamos um
grupo grande junto ao esporão, de onde nos atirávamos para a água. O pessoal em
volta ia-se afastando para não levar com nada, na guerra de conchas e de areia que
era normal acontecer.
Divertíamo-nos muito e ouvíamos o Tonight I'm Yours, do Rod Stewart. As
boleias por vezes eram perigosas.
v. Festas
Muitas vezes íamos a festas. A primeira que fui, foi numa discoteca da tarde que
havia junto à antiga sede da judiciária, em Setúbal. O Stringfellows.
Depois começámos a ir à Cubata a pé, onde havia sempre confusão e porrada.
Também íamos ao "10" e depois ao Seagull. Íamos ao Leo Taurus, a antiga Ostra,
a Tróia, ao Rosamar e ao Montijo. Por vezes íamos ao Bairro Alto. Dependendo de
que alguém do grupo se lembrasse e da boleia que tivéssemos.
No Seagal nadávamos na pista. Passávamos pela Varanda onde se namorava ou
vomitava. O regresso de carro era sempre muito perigoso e alguns carros caíam na
ravina. Por vezes íamos ao Bingo à noite, mas não jogava.
vi. Droga
A droga sempre foi um dos problemas de 3 ou 4 rapazes da nossa rua, mas que
não andavam tanto com o nosso grupo de amigos. Alguns resistiram poucos anos,
apesar de serem dos mais duros da rua. Outros ainda estão nesse flagelo.
c) A Barraca
Estas histórias não podiam passar sem a barraca, marco fundamental da vida da
nossa geração na PB. Construída pelo Carlos, Couto, Nuno, Jorge, etc., enfim por
todos, aos poucos, tinha um poço de água e um quintal com portão e horta. Tinha
um poste ao meio e quatro postes em redor. Nunca caiu. Alguns dos construtores
tornaram-se engenheiros civis. Tinha tábuas nos lados e em cima, onde o plástico
e as alcatifas protegiam da chuva. No chão estava um pavimento de cimento, que
por vezes levava creolina para desinfectar. Localizava-se onde hoje está uma bomba
de gasolina da Repsol, junto à Praça do Brasil.
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Vítor Caldeirinha
nossas casas. Além disso, ali estávamos sós. Ali nos encontrávamos, jogávamos às
cartas e dali partíamos para todo o lado.
Lembro das tardes de domingo de chuva na barraca.
Uma vez discutíamos e destruímos as cercas do quintal. Jogávamos a dinheiro.
Ao escudo e a vinte e cinco tostões. Ouvíamos música, contávamos histórias. Tí-
nhamos bancos e velas para a noite. Uma vez até tivemos um sofá. As nossas namo-
radas também lá iam.
Havia os cães, nossos grandes amigos. O Capeto e o Beizi (baptizado com letras
que cada um disse). Era sempre muito osso e arroz aguado que levávamos p'ró cão.
Adoravam-nos.
ii. Capeto
O Capeto era um cão muito inteligente, preto, mas arraçado de pastor alemão
e merece um capítulo especial.
Andava sempre com a gente, defendia-nos. Era o cão da PB, uma companhia e
muito meigo. Até que um dia lhe deram com uma paulada na cabeça, saindo os olhos
e ficou cego. Nada via, mas conseguia andar por todo o lado sem bater em nada,
levantando as patinhas da frente.
d) O Palmeiras
O café Palmeira foi a nossa segunda casa um pouco mais tarde. Íamos todos os
dias para lá. O Couto fazia parte do mobiliário da casa e depois veio a casar com
a São, dona do café. Bebíamos, estudávamos, conversávamos lá. Era o local de en-
contro. Estava por nossa conta. "aquece-me uma sopa" era a frase da época. Era ao
almoço, à noite, de manhã.
i. Jantares
Por essa altura começaram as namoradas e os jantares com bebidas alcoólicas.
Era sempre até não poder mais ou ficar com a dupla. Ou seja ficar outro.
Muitas, muitas histórias. Conto apenas aquela em que fiquei todo mordido por
mosquitos nos pés. A primeira vez foi na Barraca com o Jorge, durante a tarde e a
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A Feitoria de Abul
noite toda.
Depois algumas farra em Lisboa, na casa do Couto. A famosa casa. Na Cubata
e nas jantaradas dos Melros ou a acampar em Milfontes ou Santo André, a ver a via
láctea. O pior eram as misturas, que acabavam sempre mal.
ii. Carnaval
O carnaval era sempre em Tróia ou em Sesimbra, para onde o pessoal ia de
véspera, para uma pensão. À noite, juntávamo-nos num restaurante ou num bar e
andávamos pela Avenida com pistolas de água e máscaras. Por fim já só ia eu e o
Manuel. Lembro-me de salvar o Couto de cair do muro para a praia, e de ele ter
ficado com o braço roxo.
iii. Almoçajantas
Numa fase mais final da PB, juntávamo-nos nas almoçajantas, numa quinta para
lá da Bela Vista. Febras e sangria corriam ao som de conjuntos que tocavam. Era um
concerto da PB.
O melhor de tudo era quando juntávamos o dinheiro de todos e íamos ao Jumbo
comprar carne e bebidas. Era uma festa de rir e rir.
Pode ser que um dia escreva um livro com as histórias contadas por cada um.
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Vítor Caldeirinha
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A Feitoria de Abul
Poemas do Autor
Desilusão
1985
Julgava estar
Num Mundo perfeito,
Onde Tudo Para mim
Tinha Sido feito.
O Mundo cresceu,
O Filtro Parou,
Olhei em volta
E tudo Mudou.
O medo veio
E a Raiva também ,
A esperança ficou
De um mundo além.
Cá vou estando
No passar do dias,
Sentado à espera
Talvez de um Messias.
Corredores x passarinho
1987
Deusa
1987
Religiosos
1987
Saltam juntos
De ramo em ramo,
Tratam de assuntos
Do seu amo.
Pombinhos meus,
Ide depressa,
Pois Deus
Pode não estar nessa.
E lá iam,
De árvore em árvore,
Juntos sorriam,
Mas nunca o viam,
De árvore em árvore.
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Vítor Caldeirinha
Aulas
1987
Padrinho Zé
1987
Olho o presente
E vejo o futuro,
Que não está ausente,
Mesmo que escuro.
E olho as gentes
Que foram como nós,
Que estão cientes
E não perderam a vós.
Tenho esperança em nós
E num futuro melhor,
Com Deus ou sós.
Mas com muito suor,
Chegaremos à paz.
Ainda que sem nós.
Fernando Pessoa
1987
Prisão Social
Reflexão
1987
Ao tomar conhecimento
Que já era homem,
Veio ao meu pensamento:
O que é que eles comem?
Porque tenho de ser
Tão forte e mau?
Nuclear
1987
Cavalo
1987
Setúbal
1987
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A Feitoria de Abul
Hospitais
- Minha senhora, senhora enfermeira !
Disse ao ver passar a matraquear as socas chulerentas a largar pêlo, abrigando
os presuntos deformados de banha descaída em camadas de sedimentos cronológi-
cas e couratão esbranquiçado privado de humidade do roçar contínuo nas costas das
alpergatas, em horas passadas nas veredas a pé entre o bairro, nos arredores de vilas
periféricas, e aquele hospital central, onde ainda se usam máquinas, paredes e camas
de sem anos atrás.
Os pés adivinhavam um rabo fora das cuecas a três quartos e a querer rebentar
do saco de células que o sustinha, e uma cara de passadora a ferro de cabeça pelada
pelo calor tropical do vapor do suor e detergente de camisas e casacos de criaturas
sem tempo, mulher que tinha evoluído orgulho da família de pastores da Estrela e
havia entrado por baixo do médico chefe, como ajudanta de enfermagem, única
esperança constante não concretizada da atenção que aqueles doentes terminais
tinham, abandonados pelas famílias.
- Minha senhora, que aparelho...que aparelho é este?
À sua volta paredes doentes apresentavam bolhas alérgicas de bolor empolado,
infecções latentes no antigo branco, que apenas aguardavam uma pequena distrac-
ção sua para o fazerem seu manjar, entre novelos de tubos flexíveis que nasciam de
tubos de ferro pintados a cores por cima de camas de criança em aço bege, com
lençóis de flanela debotados e borbotados com logótipos feios de hospitais não
conhecidos.
Mesas decrépitas faziam o possível por destoar dos diferentes tipos de cadeiras
gastas desconfortáveis de almoços de rabos cansados com chinelos a arrastar e canjas
de peixe a cheirar a mau bife, em tabuleiros cinzentos de bactérias expectantes,
familiares das do chão passado vezes a fio com o esfregão sujo de anos de mijo,
defecação e sangue jorrados, onde assentavam os pés da máquina farta de botões e
luzes, números e dizeres que o aqueciam e em quem confiava uma solução milagrosa,
esperança remota de cura, das horas que passavam juntos e em que ela o media em
noites longas de gemidos e dor. Ela sabia.
- Como funciona? Para que é o botão?
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A Feitoria de Abul
Chibanes
http://www.moinhosvivos.com/
defaultArticleViewOne.asp?categoryID=305&articleID=390&lId=1
Atlântida
http://lendasdeportugal.no.sapo.pt/distritos/madeira.htm
Horm holes
http://en.wikipedia.org/wiki/Wormhole
Raio U
http://pt.wikipedia.org/wiki/Edgar_P._Jacobs
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