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Se e como poderá
uma obra de arte
ser bela
Acerca das condições de possibilidade da
noção de bela arte na Crítica da Faculdade do Juízo
de Immanuel Kant
Hermeneutica Kantiana
CTK E-Books
Digital Library of Kantian Studies (DLKS)
Biblioteca Digital de Estudios Kantianos (BDEK)
Series
Translatio Kantiana (TK)
Quaestiones Kantianas (QK)
Hermeneutica Kantiana (HK)
Dialectica Kantiana (DK)
Ediciones Alamanda
General Zabala, 5 E-28002 Madrid
CTK E-Books▐ Serie Hermeneutica Kantiana
João Lemos
Se e como poderá
uma obra de arte
ser bela
Acerca das condições de possibilidade da
noção de bela arte na Crítica da Faculdade do Juízo
de Immanuel Kant
Agradecimentos
1
Não problematizaremos, na nossa tese, propostas de distinção entre Kraft e
Vermögen ou, mais especificamente, entre Urteilskraft e Vermögen zu urteilen. Note-
se, a este propósito, que, no §35, Kant identifica essas duas expressões,
nomeadamente ao afirmar que «[a] condição subjectiva de todos os juízos é a própria
faculdade de julgar ou a faculdade do juízo ([d]ie subjektive Bedingung aller Urteile
ist das Vermögen zu urteilen selbst, oder die Urteilskraft)» (Kant, 1998: 188).
Seguimos a opção dos responsáveis pela tradução portuguesa por nós usada para fazer
citações – traduzir “Kritik der Urteilskraft” por “Crítica da Faculdade do Juízo”. Tal
opção não terá qualquer influência sobre a questão de saber se e como poderá falar-se
de bela arte.
questão de saber o que será necessário para a produção de bela arte, isto
é, para a produção de belas obras de arte.
Embora de um modo intermitente, e numas vezes mais explicitamente
do que noutras, a noção de bela arte (schöne Kunst) é uma noção que
atravessa toda a “Crítica da Faculdade de Juízo Estética” da Crítica da
Faculdade do Juízo.2 Assim, no §14, Kant menciona explicitamente
«belas-artes (schöne Künste)» (Kant, 1998: 115); no §16, cita objectos
artísticos como sendo belos (cf. Kant, 1998: 120-121); no parágrafo
seguinte (§17) acerca do ideal da beleza, o nosso autor escreve uma nota
sobre aquele que ele virá a dizer tratar-se do talento para a produção de
objectos belos, a saber, o génio (cf. Kant, 1998: 268); mais à frente, na
“Observação geral sobre a primeira secção da analítica”, usando «parques,
decoração de aposentos, toda a espécie de utensílios de bom gosto, etc»
como exemplos, tal, de resto, como «o gosto inglês por jardins» ou «o
gosto barroco por móveis», Kant sublinha uma actividade que, como
posteriormente veremos, é indispensável à bela arte, a saber, o «jogo livre
das faculdades de representação» (Kant, 1998: 134); no §32, a propósito
da primeira peculiaridade do juízo de gosto, Kant, embora sem utilizar a
palavra génio, procede a uma primeira explicação daquilo pelo qual, como
mostraremos, esse talento precisa de ser acompanhado para que se
produzam obras de arte belas (cf. Kant, 1998: 183-185); dez parágrafos
depois, no §42, ele utiliza as expressões «belo da arte (Schöne der Kunst)»
2
Na tradução portuguesa por nós usada para fazer citações, a expressão “schöne
Kunst” é traduzida não apenas por “bela arte”, mas também por “arte bela”. Não
sabemos o que terá motivado essa opção. Não vemos nela qualquer problema, porém.
Aliás, na medida em que pelo menos não contribui para a assunção da possibilidade
de falar-se de bela arte enquanto algo independente do que seja a beleza e do que seja
a arte – bela arte que, nesse caso, estaria materializada nas obras das chamadas belas-
artes, das schöne Künste, das fine arts, mesmo que essa designação nada tivesse a ver
com o que seja a beleza ou a arte – a expressão “arte bela” poderá ajudar a ver a
relevância da questão de saber se a arte pode ser bela, se a beleza pode ser artística.
Devemos ressalvar, no entanto, que a emergência dessa pergunta em nada depende de
uma tradução de “schöne Kunst” por “arte bela”. Por essa razão – e porque, de facto,
Kant escreve unicamente “schöne Kunst” – tenderemos a usar a expressão “bela arte”
para traduzi-la.
3
Primeiro, Kant fala de um prazer cujo fundamento «se encontra na condição
universal, ainda que subjectiva, dos juízos reflexivos, nomeadamente na concordância
conforme a fins de um objecto (seja produto da natureza ou da arte (er sei Product der
Natur oder der Kunst)) com a relação das faculdades de conhecimento entre si, as
quais são exigidas para todo o conhecimento empírico (da faculdade de imaginação e
do entendimento)» (Kant, 1998: 76); seguidamente, assinala a «receptividade de um
prazer a partir da reflexão sobre as formas das coisas (da natureza, assim como da arte
(der Natur sowohl als der Kunst))» (Kant, 1998: 77); entretanto, na secção IX, o nosso
autor indica que «o juízo estético» que ocasiona o «conceito da faculdade do juízo de
uma conformidade a fins da natureza» refere-se a objectos «da natureza ou da arte
(der Natur oder der Kunst)» (Kant, 1998: 83).
para que, através dele, um objecto – natural ou não – seja declarado belo
e, por outro lado, as exigências que um juízo – que também se pretende de
gosto – tem de satisfazer para que, através dele, uma obra de arte
(Kunstwerk) seja declarada bela (schön). Esse conflito faz com que a
possibilidade de uma obra de arte ser declarada bela através daquilo que
Kant define como juízo de gosto (Geschmacksurteil) seja por nós
questionada. Estão em causa o significado e a legitimidade da noção de
bela arte. Na nossa indagação, tornaremos explícito o referido conflito e
verificaremos se e como poderá uma obra de arte ser considerada bela –
por outras palavras: se e como poderá falar-se de bela arte.
No “Capítulo I: Juízo de Gosto”, elencaremos os critérios através dos
quais algo é declarado belo, as exigências que um juízo tem de satisfazer
para que através dele se declare belo um objecto, as características do juízo
de gosto. Em primeiro lugar, caracterizá-lo-emos como um juízo estético
reflexivo (ästhetisches Reflexionsurteil). Fá-lo-emos na primeira secção,
“Juízo estético reflexivo”. Seguidamente, na secção “Juízo estético
universalmente válido a priori”, apresentaremos a argumentação de Kant
no sentido de caracterizá-lo como um juízo estético universalmente válido
a priori (allgemeingültig a priori).
Ao caracterizá-lo como um juízo estético reflexivo, necessariamente o
distinguimos de duas espécies de juízos que de modo breve também
caracterizaremos: o juízo acerca do agradável (das Angenehme), juízo
estético não reflexivo, juízo estético dos sentidos, e o juízo acerca do bom
(das Gute), que nem sequer é um juízo estético. Na caracterização do juízo
de gosto como juízo estético reflexivo, daremos destaque ao princípio
próprio da faculdade do juízo, a saber, o princípio da conformidade a fins
da natureza para as nossas faculdades de conhecimento (Prinzip der
Zweckmäßigkeit der Natur für unser Erkenntnisvermögen)4:
4
António Marques e Valério Rohden traduzem o termo “Zweckmäßigkeit” por
“conformidade a fins”; Rubens Rodrigues Torres Filho tradu-lo por “finalidade”. A
desvantagem da primeira opção prende-se com a composição da palavra
“conformidade”, que a liga necessariamente à palavra “forma”, sendo que, no
contexto da Crítica da Faculdade do Juízo, nem toda a conformidade a fins se
relaciona com a forma. A opção por “finalidade”, por seu turno, tem a desvantagem
de o significante não ter qualquer relação com a palavra “forma”, sendo que,
igualmente no âmbito da terceira Crítica, a noção de forma é de importância capital.
Por essa razão, e por uma questão de uniformidade, considerando que a tradução que
utilizamos do texto de Kant (a Kritik der Urteilskraft, com a excepção da primeira
Einleitung) é a efectuada por Marques e Rohden, optaremos por aplicar o termo
“conformidade a fins” para nos referirmos a Zweckmäßigkeit. Mais difícil é a tradução
de “Zweckmäßigkeit” para Língua Inglesa. Nem “purposiveness” nem “finality” são
expressões inteiramente satisfatórias – a primeira, porque não carrega qualquer
referência à forma (form); a segunda, por não envolver referências seja à forma, seja
a fins (ends, purposes).
5
Tal envolverá também uma primeira referência explícita às considerações de Kant
acerca da bela arte.
6
Se se preferir: obras de arte podem e não podem ser livremente declaradas belas,
objectos artísticos podem e não podem ser declarados belos através de puros juízos de
gosto, pode e não pode falar-se de bela arte enquanto arte livremente declarada bela,
pode e não pode falar-se de bela arte enquanto arte declarada bela através de puros
juízos de gosto.
7
Nos parágrafos imediatamente anteriores, §44 e §45, Kant apresenta definições
explícitas de bela arte. O problema é que, consideradas antes da explicitação do
significado de bela arte como arte do génio, tais definições são simplesmente
contraditórias com aquilo que teremos concluído no segundo capítulo da nossa tese.
de bela arte antes de ser mostrado que a arte pode ser bela, que uma obra
de arte pode ser declarada bela, que pode ajuizar-se um objecto artístico
através de um juízo de gosto. A relevância dessas três secções revelar-
se-á numa quarta, denominada “Beleza aderente como beleza”.
Concretamente, revelar-se-á indispensável termos indicado que o
exercício da faculdade da imaginação pode ser um exercício livre mesmo
que haja consideração de conceitos da parte daquele que ajuíza. A partir
de uma reflexão acerca das várias possibilidades de interpretação do
termo representação (Vorstellung), começaremos por apontar em
relação a que conceito pode, no juízo através do qual se declara bela uma
obra de arte, ser tida em conta uma perfeição. Igualmente indicaremos
que num juízo no qual é considerada uma conformidade a fins objectiva
interna a faculdade da imaginação pode exercer-se livremente e que o
juízo através do qual se declara bela uma obra de arte não deixa de ser
fundado na observação de uma conformidade a fins subjectiva por
ocasião da representação do objecto artístico. Seguidamente, mediante
uma proposta de interpretação da distinção estabelecida por Kant entre
beleza livre e beleza aderente, que nessa altura recuperaremos, caber-
nos-á defender que e como a última pode ser uma beleza. Também aí
serão consideradas as condições do exercício livre da faculdade da
imaginação. Ora, por intermédio da legitimação da beleza aderente como
espécie de beleza – e, por conseguinte, do juízo de gosto aplicado como
juízo de gosto – será legitimada a noção de bela arte, enquanto arte
condicionadamente declarada bela, enquanto arte declarada bela através
de juízos de gosto aplicados. Poderá falar-se de bela arte.8 É essa
possibilidade que justificaremos na subsecção “Beleza da arte como
beleza aderente”. Não obstante a referida subsecção eliminar algumas
das dificuldades com que nos confrontamos, nem todas são eliminadas
por ela. Se recordarmos a razão principal que apresentamos, na secção
“Belas obras de arte”, para justificar a necessidade de continuarmos a
8
Tal legitimação não será efectuada sem uma consequência para o texto de Kant no
concernente aos requisitos que um juízo tem de satisfazer para ser um juízo de gosto.
9
Será relevante, nessa altura, fazer uma chamada de atenção para a independência da
validade quer do juízo de gosto, quer do sentimento do sublime, relativamente ao
desenvolvimento da faculdade do juízo.
10
Logo na primeira nota da “Crítica da Faculdade de Juízo Estética”, Kant diz que
«[a] definição do gosto ([d]ie Definition des Geschmacks), posta aqui como
fundamento, é de que ele é a faculdade de julgamento do belo (er sei das Vermögen
der Beurteilung des Schönen)» (Kant, 1998: 267). Num comentário a essa nota,
António Marques e Valério Rohden anunciam a tradução de “Urteil” e “Beurteilung”
por “juízo” e “julgamento”, respectivamente. Quando se trata de citações, manteremos
essa distinção. Dela depende, no entender de Donald W. Crawford e de Paul Guyer, a
inteligibilidade da Crítica da Faculdade do Juízo (cf. Crawford, 1974: 71 e Guyer,
1997: 98). Apesar disso, ela não é usada de uma maneira absolutamente coerente ao
longo do texto de Kant. A este propósito, Guyer reconhece, primeiro, que «embora
haja grande evidência para atribuir esta distinção a Kant, ele não lhe manifesta o seu
comprometimento adoptando uma terminologia consistente para a sua expressão» e,
a seguir, que o nosso autor «não sugere que está a introduzir uma distinção em
terminologia técnica (…) nem usa esta terminologia em todos os lugares onde
poderia» (Guyer, 1997: 98). Talvez seja o mesmo reconhecimento aquilo que leva
Marques e Rohden a fazerem equivaler “urteilen” a “julgar”, não a “ajuizar”, quando,
na sua tradução do §35, identificam “das Vermögen zu urteilen selbst” com “a própria
faculdade de julgar” (cf. Kant, 1998: 188). Também nós não deixaremos, em alguns
casos, nos quais se trata da nossa letra, de usar indistintamente os verbos “ajuizar” e
“julgar” e de referir a faculdade de julgamento do belo como “a faculdade através da
qual se ajuíza o belo”. Esta opção resultará apenas numa maior uniformidade
terminológica do nosso texto, não tendo qualquer influência sobre a resposta à questão
de saber se e como poderá falar-se de bela arte.
11
No início do §17, Kant nota que «todo o juízo proveniente desta fonte [isto é, do
gosto] é estético (ästhetisch)» (Kant, 1998: 122).
12
Esta posição é afirmada desde logo na Primeira Introdução à Crítica da Faculdade
do Juízo. Aí, assinala Kant que «há somente uma única assim chamada sensação
(Empfindung) que jamais pode tornar-se conceito de um objecto, e esta é o sentimento
de prazer e desprazer» (Kant, 1995: 60). O sentimento de prazer é, como continua o
nosso autor, uma sensação «meramente subjetiva (bloß subjektiv), enquanto toda
demais sensação pode ser usada para conhecimento» (Kant, 1995: 60-61). O juízo
estético é «aquele cujo fundamento-de-determinação está em uma sensação que esteja
imediatamente vinculada com o sentimento de prazer e desprazer (dasjenige, dessen
Bestimmungsgrund in einer Empfindung liegt, die mit dem Gefühle der Lust und
Unlust unmittelbar verbunden ist)» (Kant, 1995: 61).
13
Para uma discussão detalhada acerca das afinidades e diferenças entre o agradável
e o objecto do juízo de gosto sugere-se a leitura do texto de David Berger, Kant’s
Aesthetic Theory – The Beautiful and Agreeable (cf. Berger, 2009).
14
A este propósito é de fazer duas notas. Em primeiro lugar, importa notar que é
preciso evitar aquilo que, no §3, Kant assinala como sendo «uma confusão bem usual
(…) relativamente ao duplo significado que a palavra sensação (Empfindung) pode
ter» (Kant, 1998: 92), a saber, a confusão entre «a representação de uma coisa (pelos
sentidos, como uma receptividade pertencente à faculdade do conhecimento)», em
que «a representação é referida ao objecto (auf das Objekt)», podendo servir para o
conhecimento, caso, por exemplo, da «cor verde dos prados», que, portanto, «pertence
à sensação objectiva (objektive Empfindung), como percepção de um objecto dos
sentidos», e, por outro lado, algo «totalmente diverso», em que «a representação é
referida (…) meramente ao sujeito (auf das Subjekt), e não serve para nenhum
conhecimento, tão pouco para aquele pelo qual o próprio sujeito se conhece» (Kant,
1998: 93). Assim, ainda no mesmo parágrafo, Kant chama «aquilo que sempre tem
que permanecer simplesmente subjectivo, e que absolutamente não pode constituir
nenhuma representação de um objecto (das, was jederzeit bloß subjektiv bleiben muss
und schlechterdings keine Vorstellung eines Gegenstandes ausmachen kann), pelo
nome aliás usual de sentimento (Gefühl)» (Kant, 1998: 93). Trata-se daquilo no qual,
como afirma o nosso autor, logo no §1 da Crítica da Faculdade do Juízo, «o sujeito
se sente a si próprio do modo como ele é afectado pela sensação» (Kant, 1998: 90).
Em segundo lugar é importante notar que a confusão supracitada não equivale a uma
eventual confusão entre o agradável (das Angenehme) e o belo (das Schöne). A
distinção entre sensação (Empfindung) (sensação objectiva (objektive Empfindung)) e
sentimento (Gefühl) (sensação subjectiva (subjektive Empfindung)), e a associação,
errada, do juízo estético acerca do agradável com a primeira, poderia levar a que se
recusasse o facto de qualquer das duas espécies de juízo ser uma subespécie dos juízos
estéticos – e, assim, a distinguir uma da outra erradamente. Tal como o juízo de gosto,
também o juízo através do qual se decide se algo é agradável é, como vemos no §8,
um juízo estético «sobre um objecto simplesmente com respeito à relação da sua
representação com o sentimento de prazer e desprazer (über einen Gegenstand bloß
in Ansehung des Verhältnisses seiner Vorstellung zum Gefühl der Lust und Unlust)»
(Kant, 1998: 102). É certo que, no §3, depois de referir que «[a]gradável é o que apraz
aos sentidos na sensação» (Kant, 1998: 92), Kant acrescenta que «[n]a definição
acima, entendemos (…) pela palavra sensação uma representação objectiva dos
sentidos» (Kant, 1998: 93). No entanto, com isso prevê-se apenas que a representação
da coisa pelos sentidos, a percepção do objecto dos sentidos, a sensação objectiva, a
sensação sensorial, provoque uma outra sensação, subjectiva, o sentimento, que é um
prazer do sujeito e que, por o ser, leva a que ele considere agradável o objecto. Por
essa razão, pode Kant afirmar, como efectivamente afirma, no mesmo parágrafo, que
o agrado da cor verde dos prados «pertence à sensação subjectiva (zur subjektiven
Empfindung), pela qual nenhum objecto é representado: isto é, ao sentimento (zum
leis determinadas a priori, pelas quais se devesse guiar o gosto dos juízos» (Kant,
2001: 62), sendo essa a razão para que deva reservar-se para a doutrina da estética
transcendental o termo mencionado ou simplesmente prescindir dele. No entanto, se,
como Kant pretende, a terceira Crítica mostrar que o juízo de gosto – subespécie do
juízo estético – se fundamenta num princípio a priori, então o uso do termo estética
deixará de limitar-se à doutrina da estética transcendental. São alterações como esta
que servem de ocasião para Maria Filomena Molder chamar a atenção para o «modo
admirável como Kant desenvolve novas interpretações e implicações no que respeita
a conceitos que forjaram o nó central da primeira Crítica e se constituíram
imediatamente como autêntica herança, por exemplo, o conceito de estética enquanto
estética transcendental» (Molder, 2007: 377). Como continua a intérprete, «[é] de
lembrar, aliás, que em toda a Crítica da Faculdade de Julgar o termo “estética”, e não
é de mais sublinhá-lo, determinado como transcendental (a expressão é “a estética
transcendental da faculdade de julgar”) seja utilizado uma única vez, na “Observação
geral sobre a exposição dos juízos reflexivos estéticos”, e que estético apareça sempre
como qualificação» (Molder, 2007: 377-378). O fim da redução do termo estética à
doutrina da estética transcendental não significa, porém, que Kant passe a estar de
acordo com Baumgarten, para quem a beleza é «a perfeição do conhecimento sensível
enquanto tal» (Baumgarten, 1988: 11). No entender de Kant, a beleza não é uma
perfeição – o juízo de gosto não é um juízo de conhecimento. Assim, como, na
Primeira Introdução, ele explicitamente reitera: «não pode haver uma estética do
sentimento como ciência» (Kant, 1995: 58).
17
Na Primeira Introdução à Crítica da Faculdade do Juízo, Kant afirma que «um
juízo-de-sentidos estético (…) refere uma representação dada (mas não por intermédio
do Juízo e de seu princípio (nicht vermittelst der Urteilskraft und ihrem Prinzip)) ao
sentimento de prazer» (Kant, 1995: 61).
18
Continuando a recorrer à Primeira Introdução à Crítica da Faculdade do Juízo,
devemos salientar que, no caso do juízo estético dos sentidos, «o predicado exprime
a referência de uma representação imediatamente ao sentimento de prazer, e não à
faculdade-de-conhecimento (nicht aufs Erkenntnisvermögen)» (Kant, 1995: 60). Esta
espécie de juízo estético «absolutamente não se refere à faculdade-de-conhecimento
(sich gar nicht aufs Erkenntnisvermögen bezieht), mas imediatamente, através do
sentido, ao sentimento de prazer» (Kant, 1995: 61). No juízo estético dos sentidos, a
«sensação que [está] imediatamente vinculada com o sentimento de prazer e
desprazer» é «aquela sensação que é imediatamente produzida pela intuição empírica
do objecto (welche von der empirischen Anschauung des Gegenstandes unmittelbar
hervorgebracht wird)» (Kant, 1995: 61), sendo esta a razão pela qual um tal juízo
pertence «ao campo meramente empírico (bloß empirisches Fach)» (Kant, 1995: 66).
Mas a singularidade do juízo estético dos sentidos não é assinalada apenas na Primeira
Introdução; ela é sublinhada ao longo de toda a “Crítica da Faculdade de Juízo
Estética” – vejam-se, por exemplo, o §4, no qual Kant afirma que o agradável «assenta
inteiramente na sensação (beruht ganz auf der Empfindung)» (Kant, 1998: 94), o §8,
onde o nosso autor denomina o gosto do juízo estético sobre o agradável «gosto dos
sentidos (Sinnen-Geschmack)» (Kant, 1998: 102), a investigação que ocupa o §9, na
qual Kant caracteriza o prazer do agradável como «simples agrado na sensação
sensorial (bloße Annehmlichkeit in der Sinnenempfindung)» (Kant, 1998: 105), ou,
finalmente, o §39, onde o nosso autor lhe chama «prazer do gozo (Lust des Genusses)»
(Kant, 1998: 193).
19
Kant indica-o no início do §14: «Juízos estéticos podem, assim como os teóricos
(lógicos), ser divididos em empíricos e puros (empirische und reine). Os primeiros
são os que afirmam agrado ou desagrado (Annehmlichkeit oder Unannehmlichkeit),
([d]as Wohlgefallen am Angenehmen ist mit Interesse verbunden)» (Kant, 1998: 92);
e dois parágrafos a seguir, no §5, Kant justifica a sua afirmação ao referir que no caso
do agradável, assim, de resto, como no caso do bom (das Gute), «[n]ão simplesmente
o objecto apraz, mas também a sua existência ([n]icht bloß der Gegenstand, sondern
auch die Existenz desselben gefällt)» (Kant, 1998: 96-97).
22
Kant chama a atenção para o facto de que «do agradável não se diz apenas: ele apraz
(es gefällt), mas: ele deleita (es vergnügt). Não é uma simples aprovação (ein bloßer
Beifall) que lhe dedico, mas através dele é gerada inclinação (Neigung)» (Kant, 1998:
94). Há, como o nosso autor refere, desta feita no §5, «um comprazimento
patologicamente condicionado (por estímulos) (ein pathologisch-bedingtes (durch
Anreize, stimulos) Wohlgefallen)» (Kant, 1998: 96).
23
Na Primeira Introdução à Crítica da Faculdade do Juízo, Kant afirma que «os
juízos-de-reflexão estéticos (die ästhetischen Reflexionsurteile)» futuramente serão
desmembrados «sob o nome de juízos de gosto (Geschmacksurteile)» (Kant, 1995:
77).
24
Será sem demasiadas preocupações concernentes à importância desse princípio para
o sistema kantiano que reproduziremos como a ele Kant chega. Comungamos da tese
de Eva Schaper, segundo a qual «[m]esmo que Kant igualmente tivesse outros e
maiores fins sistemáticos em mente quando escreveu a terceira Crítica, eles podem
ser guardados na retaguarda e a sua inteligibilidade deixada indecidida enquanto
assuntos pertinentes para a estética estiverem a ser considerados» (Schaper, 2007:
368). Para um estudo acerca da influência que a descoberta do princípio da faculdade
do juízo poderá ter sobre o sistema da filosofia crítico-transcendental de Kant, sugere-
se a leitura do texto de Marques, Organismo e Sistema em Kant – ensaio sobre o
sistema crítico kantiano (cf. Marques, 1987), assim como “A Terceira Crítica como
Culminação da Filosofia Transcendental Kantiana”, que o mesmo autor escreve para
prefaciar a tradução da Kritik der Urteilskraft que ele próprio e Rohden realizaram
(cf. Marques, 1998), e o artigo “Do Estético ao Teleológico: a colecção de objectos
naturais”, de Maria Filomena Molder, no qual é sugerida «uma alteração no próprio
projecto transcendental» (Molder, 1981: 228). O artigo “La Crítica del Juicio a sólo
dos años de la Crítica de la Razón Práctica”, de José Gómez Caffarena, aborda o
mesmo assunto mas a partir de uma incidência especial na história da terceira Crítica
(cf. Caffarena, 1992).
25
Se quisermos recorrer directamente à Crítica da Razão Pura, recordaremos que
«[p]or natureza (em sentido empírico), entendemos o encadeamento dos fenómenos,
quanto à sua existência, segundo regras necessárias, isto é, segundo leis» e que «[h]á
pois certas leis e, precisamente, leis a priori, que, antes de mais, tornam possível uma
natureza» (Kant, 2001: 236). De resto, ainda na primeira Crítica, Kant afirmará, mais
simplesmente, que se dá «o nome de natureza» ao «encadeamento de fenómenos que
se determinam necessariamente uns aos outros por leis universais» (Kant, 2001: 411).
26
Note-se, recorrendo, de novo, às palavras da Crítica da Razão Pura, que o
entendimento realiza «a unidade da apercepção a priori apenas mediante as
categorias» (Kant, 2001: 145) e que a natureza «como objecto do conhecimento numa
experiência, com tudo o que pode conter, é apenas possível na unidade da apercepção»
(Kant, 2001: 169).
27
O nosso autor reforça-o mais à frente: «é só através dessas leis que obtemos um
conceito daquilo que é o conhecimento das coisas (da natureza) e que elas pertencem
necessariamente à natureza como objecto do nosso conhecimento» (Kant, 1998: 71).
28
Desde logo na primeira Crítica, Kant ressalva que «a capacidade do entendimento
puro de prescrever leis a priori aos fenómenos, mediante simples categorias, não
chega para prescrever mais leis do que aquelas em que assenta a natureza em geral,
considerada como conformidade dos fenómenos às leis no espaço e no tempo. Leis
particulares, porque se referem a fenómenos empiricamente determinados, não podem
derivar-se integralmente das categorias, embora no seu conjunto lhes estejam todas
sujeitas» (Kant, 2001: 168).
29
As palavras citadas são da secção IV da Introdução à Crítica da Faculdade do Juízo.
O nosso autor repete a argumentação, com mais detalhe, na secção V: «naturezas
especificamente diferentes, para além daquilo que em comum as torna pertencentes à
natureza em geral, podem ainda ser causa de infinitas maneiras», sendo que «cada
uma dessas maneiras tem que possuir (segundo o conceito de uma causa em geral) a
sua regra, que é lei, e por conseguinte acarreta consigo necessidade, ainda que nós, de
acordo com a constituição e os limites das nossas faculdades de conhecimento, de
modo nenhum descortinamos esta necessidade»; ora, tal implica «pensar na natureza
uma possibilidade de uma multiplicidade sem fim de leis empíricas, em relação às
suas leis simplesmente empíricas, leis que no entanto são contingentes para a nossa
perspiciência (não podem ser conhecidas a priori)» (Kant, 1998: 66). Assim, além de
possuir a priori leis universais da natureza, o entendimento «necessita também de uma
certa ordem da natureza nas regras particulares da mesma, as quais para ele só
empiricamente podem ser conhecidas e que em relação às suas são contingentes»
(Kant, 1998: 68). Essas regras particulares, «sem as quais não haveria qualquer
progressão da analogia universal de uma experiência possível em geral para a analogia
particular, tem o entendimento que pensá-las como leis (isto é como necessárias),
porque doutro modo não constituiriam qualquer ordem da natureza, ainda que ele não
conheça a sua necessidade ou jamais a pudesse descortinar» (Kant, 1998: 68).
30
Novamente, as palavras citadas são da secção IV da Introdução. Na secção V,
Kant refere que «uma tal unidade tem que ser necessariamente pressuposta e
admitida, pois de outro modo não existiria qualquer articulação completa de
conhecimentos empíricos para um todo da experiência, na medida em que na
verdade as leis da natureza universais sugerem uma tal articulação entre as coisas
segundo o seu género, como coisas da natureza em geral, mas não de forma
específica, como seres da natureza particulares» (Kant, 1998: 67). Assim, como
continua o nosso autor, «a faculdade do juízo terá que admitir a priori como
princípio que aquilo que é contingente para a perspiciência humana nas leis da
natureza particulares (empíricas), contém mesmo assim para nós uma unidade
legítima, não para ser sondada, mas pensável na ligação do seu múltiplo para uma
experiência em si possível» (Kant, 1998: 67).
31
Assinale-se, neste contexto, que «só a faculdade de juízo reflexiva (nur die
reflektierende Urteilskraft) pode dar a si mesma um tal princípio como lei e não retirá-
lo de outro lugar (porque então seria faculdade de juízo determinante (bestimmende
Urteilskraft))» (Kant, 1998: 62). Logo no início da secção IV, Kant afirma que «[a]
não pode ser senão este: assim como as leis universais têm o seu
fundamento no nosso entendimento, que as prescreve à natureza (ainda
que somente segundo o conceito universal dela como natureza) assim
têm as leis empíricas particulares, a respeito daquilo que nelas é deixado
indeterminado por aquelas leis, que ser consideradas segundo uma tal
unidade, como se (als ob) igualmente um entendimento (ainda que não
o nosso) as tivesse dado em favor da nossa faculdade de conhecimento
(zum Behuf unserer Erkenntnisvermögen), para tornar possível um
sistema de experiência segundo leis da natureza particulares (Kant, 1998:
63).32
verdade, o universal para cada espécie)» (Kant, 1998: 70). Na secção VI, Kant
designa-o por «princípio da adequação da natureza à nossa faculdade de conhecimento
(Prinzip der Angemessenheit der Natur zu unserem Erkenntnisvermögen)» (Kant,
1998: 73). Na Primeira Introdução, ele é referido como o conceito da «natureza como
arte, em outras palavras, o da técnica da natureza quanto a suas leis particulares»
(Kant, 1995: 39).
33
Nota ele, imediatamente antes, que «[e]sta concordância da natureza com a nossa
faculdade de conhecimento é pressuposta a priori pela faculdade do juízo em favor
da sua reflexão sobre a mesma, segundo as suas leis empíricas, na medida em que o
entendimento a reconhece ao mesmo tempo como contingente e a faculdade do juízo
simplesmente a atribui à natureza como conformidade a fins transcendental (em
relação à faculdade de conhecimento do sujeito) (transzendentale Zweckmäßigkeit (in
Beziehung auf das Erkenntnisvermögen des Subjekts))» (Kant, 1998: 69). As palavras
citadas são da secção V. Quer ainda na secção V, na sua parte final, quer na secção
VI, Kant reforça esta tese: diz ele, primeiro, que «só na medida em que [o princípio
da conformidade a fins da natureza para a nossa faculdade de conhecimento] exista,
nos é possível progredir, utilizando o nosso entendimento na experiência, e adquirir
conhecimento» (Kant, 1998: 70); acrescenta, já na secção VI, que «[a] concebida
concordância da natureza na multiplicidade das suas leis particulares com a nossa
necessidade de encontrar para ela a universalidade dos princípios, tem que ser
ajuizada, segundo toda a nossa de perspiciência como contingente, mas igualmente
como imprescindível para as nossas necessidades intelectuais (als zufällig, gleichwohl
aber doch für unser Verstandesbedürfnis als unentbehrlich), por conseguinte como
conformidade a fins, pela qual a natureza concorda com a nossa intenção, mas
somente enquanto orientada para o conhecimento» (Kant, 1998: 70). Ainda nessa
secção, Kant, fornece a sua explicação: «tanto quanto nos é possível descortinar, é
contingente o facto da ordem da natureza segundo as suas leis particulares, com toda
a, pelo menos possível, multiplicidade e heterogeneidade que ultrapassa a nossa
faculdade de apreensão, ser no entanto adequada a esta faculdade»; de acordo com o
nosso autor, «[a] descoberta de uma tal ordem é uma actividade do entendimento, o
qual é conduzido com a intenção de um fim necessário do mesmo, isto é a intenção
de introduzir nela a unidade dos princípios»; assim, como ele conclui, o princípio em
questão «tem então que ser atribuído à natureza pela faculdade do juízo, porque aqui
o entendimento não lhe pode prescrever qualquer lei (die Urteilskraft der Natur
beilegen muss, weil der Verstand ihr hierüber kein Gesetz vorschreiben kann)» (Kant,
1998: 71). Na parte final da secção VI, Kant afirma que «proceder segundo o princípio
da adequação da natureza à nossa faculdade de conhecimento, tão longe quanto for
possível, sem (pois que não se trata de uma faculdade de juízo determinante, que nos
dê esta regra) descobrir se em qualquer lugar existem ou não limites» é «um
imperativo da nossa faculdade do juízo (ein Geheiß unserer Urteilskraft)» (Kant,
1998: 73). Ele já o tinha assinalado na secção V: «este conceito transcendental de uma
conformidade a fins da natureza (…) representa somente a única forma, segundo a
qual nós temos que proceder na reflexão sobre os objectos da natureza com o objectivo
de uma experiência completamente consistente ([d]ieser transzendentale Begriff einer
Zweckmäßigkeit der Natur vorstellt nur die einzige Art, wie wir in der Reflexion über
die Gegenstände der Natur in Absicht auf eine durchgängig zusammenhängende
Erfahrung verfahren müssen), por conseguinte é um princípio subjectivo (máxima)
da faculdade do juízo (ein subjektives Prinzip (Maxime) der Urteilskraft)» (Kant,
1998: 67). Trata-se, então, de um princípio a priori que tem de colocar-se «como
fundamento de toda a reflexão (aller Reflexion zum Grunde legen)» sobre as leis
particulares da natureza (Kant, 1998: 68).
34
Explicaremos mais à frente como se processa essa mediação, essa referência. Por
ora, apenas nos importa notar que tal não significa que o juízo de gosto (juízo estético
reflexivo) seja um juízo de conhecimento (Erkenntnisurteil). Ele é um juízo estético.
A maneira como o sujeito é afectado, portanto o sentimento de prazer ou desprazer,
mesmo que podendo resultar de um conhecimento, não é um conhecimento. O juízo
de gosto – e, mais geralmente, o juízo estético – não é, então, um juízo de
conhecimento. Tal é indicado ao longo de toda a “Crítica da Faculdade de Juízo
Estética” da Crítica da Faculdade do Juízo, numas vezes mais explicitamente,
noutras, menos. Veja-se, nesse sentido, desde logo o §1, onde Kant escreve que «[o]
juízo de gosto não é (…) nenhum juízo de conhecimento (kein Erkenntnisurteil), por
conseguinte não é lógico e sim estético», pois pelo sentimento de prazer e desprazer,
que é o fundamento de determinação do juízo estético e, portanto, do juízo de gosto,
«não é designado absolutamente nada no objecto (gar nichts im Objekte bezeichnet
wird)» (Kant, 1998: 89). Observem-se também o §15, no qual é sugerido que um juízo
de gosto não é um juízo de conhecimento e explicitamente afirmado que «um juízo
estético é único em sua espécie e não fornece absolutamente conhecimento algum (e
tão pouco um confuso) do objecto (schlechterdings keine Erkenntnis (auch nicht eine
verworrene) vom Objekt gebe)» (Kant, 1998: 119), os §18 e §32, nos quais Kant
reforça, respectivamente, que «um juízo estético não é nenhum juízo objectivo e de
conhecimento (kein objektives und Erkenntnisurteil)» (Kant, 1998: 128) e que «o
juízo de gosto (…) não é em caso algum um conhecimento (überall nicht Erkenntnis),
mas somente um juízo estético» (Kant, 1998: 183), a observação ao §38, na qual é
sublinhado que «o juízo de gosto não é nenhum juízo de conhecimento (kein
Erkenntnisurteil)» (Kant, 1998: 192), e, finalmente, o §58, onde Kant repete que «um
juízo de gosto [não] é um juízo de conhecimento (kein Erkenntnisurteil)» (Kant, 1998:
255). Uma anterior consideração de Kant a este propósito é tecida no Prólogo à
primeira edição da Crítica da Faculdade do Juízo, quando o nosso autor assinala que
os juízos «que se chamam estéticos e dizem respeito ao belo e ao sublime da natureza
ou da arte (…) por si só em nada [contribuem] para o conhecimento das coisas (für
sich allein zur Erkenntnis der Dinge gar nichts beitragen)» (Kant, 1998: 48). Essa
tese está em absoluta concordância com algo que Kant afirma na Primeira Introdução,
a saber, que «[u]m juízo estético, em universal, pode (…) ser explicado como aquele
juízo cujo predicado jamais pode ser conhecimento (conceito de um objeto) – embora
possa conter as condições subjetivas para um conhecimento em geral (dasjenige Urteil
dessen Prädikat niemals Erkenntnis (Begriff von einem Objekte) sein kann (ob es
gleich die subjektive Bedingungen zu einem Erkenntnis überhaupt enthalten mag))»
(Kant, 1995: 60) e que denominar «estético um juízo, porque não refere a
representação de um objeto a conceitos e, portanto, não refere o juízo ao conhecimento
(das Urteil nicht auf die Erkenntnis bezieht) (…) não deixa temer nenhum mal-
entendido; pois, para o juízo lógico, as intuições, embora sejam sensíveis (estéticas),
têm de ser previamente elevadas a conceitos, para servir ao conhecimento do objeto,
o que, no juízo estético, não é o caso» (Kant, 1995: 86).
35
A partir desta propriedade do juízo de gosto, Kant chega a esboçar uma exclusão
do juízo acerca do agradável do âmbito do juízo estético. Diz ele que «por estéticos,
são entendidos somente os juízos-de-reflexão, os únicos que se referem a um princípio
do Juízo, como faculdade-de-conhecimento superior (welche sich allein auf ein
42
Desde logo, no título do §2, é destacada a independência do juízo de gosto
em relação a interesses: «O comprazimento que determina o juízo de gosto é
independente de todo o interesse (Das Wohlgefallen, welches das
Geschmacksurteil bestimmt, ist ohne alles Interesse)» (Kant, 1998: 91).
43
Na explicação do belo inferida do “Primeiro momento do juízo de gosto,
segundo a qualidade” e, logo a seguir, no §6, caracteriza-se o objecto belo como
o objecto de um comprazimento «independente de todo o interesse (ohne alles
Interesse)» (Kant, 1998: 99); no §24, descrevendo o comprazimento envolvido
nos juízos «da faculdade de juízo estético-reflexiva (ästhetischen
reflektierenden Urteilskraft)», Kant indica que esse comprazimento «tem que
ser (…) segundo a qualidade sem interesse (ohne Interesse)» (Kant, 1998: 140);
na “Observação geral sobre a exposição dos juízos reflexivos estéticos”, o nosso
autor afirma que o belo «tem de comprazer sem nenhum interesse (ohne alles
Interesse gefallen müsse)» (Kant, 1998: 165); no §41, Kant, referindo, a
propósito do interesse empírico pelo belo, um eventual comprazimento na
existência de um objecto belo, não deixa de assinalar que previamente esse
objecto «aprouve por si sem consideração de qualquer interesse (für sich und
ohne Rücksicht auf irgend ein Interesse gefallen hat)» (Kant, 1998: 199); no
§59, finalmente, distinguindo o belo do moralmente bom, ele reforça que o
primeiro «apraz independentemente de todo o interesse (gefällt ohne alles
Interesse)» (Kant, 1998: 263).
44
No §5, é indicado que o comprazimento no belo se refere a favor e é
explicitamente afirmado que «favor é o único comprazimento livre (Gunst ist
das einzige freie Wohlgefallen)» (Kant, 1998: 97). Na “Crítica da Faculdade de
Juízo Teleológica”, numa referência à “Crítica da Faculdade de Juízo Estética”,
é assinalado que nesta «foi dito que consideraríamos a bela natureza com favor
(mit Gunst), na medida em que tivéssemos um comprazimento totalmente livre
(desinteressado) (ein ganz freies (uninteressirtes) Wohlgefallen) na sua forma»
(Kant, 1998: 422). No artigo “El Sentimiento como Fondo de la Vida y del
Arte”, Félix Duque fala de uma anterioridade ontológica d o sentimento
enquanto sentido interior, enquanto receptividade – enquanto inwendiger Sinn,
portanto, enquanto Empfänglichkeit, não como recepção, não como
sensibilidade, externa ou interna – e associa-a à noção de favor (Gunst) (cf.
Duque, 1992: 83-84). Mais à frente no seu artigo, entretanto, o comentador
conclui que precisamente «a reflexão pura, o sentimento da beleza» é «o
sentimento por antonomásia» (Duque, 1992: 87) e que a beleza e o juízo de
gosto são «os baixos fundos de toda a experiência possível, cognoscitiva ou
prática» (Duque, 1992: 98).
45
Veja-se o que está escrito no §2: «aquele juízo sobre a beleza, ao qual se mescla o
mínimo interesse é muito faccioso (sehr parteilich) e não é nenhum juízo de gosto
puro» (Kant, 1998: 92). A razão do proferimento desta afirmação aparece repetida no
início do §13, onde Kant afirma que «[t]odo o interesse vicia (verdirbt) o juízo de
gosto e tira-lhe a imparcialidade (nimmt ihm seine Unparteilichkeit)» (Kant, 1998:
112).
46
Envolvendo os mesmos termos, nuns casos, envolvendo outros, noutros casos, essa
tese é repetida em várias passagens da Crítica da Faculdade do Juízo. Cite-se, por
exemplo, o fim do §13, onde Kant afirma que «atractivo e comoção (Reiz und
Rührung) não têm nenhuma influência (keinen Einfluß)» sobre o puro juízo de gosto
(Kant, 1998: 113), o fim do §14, onde ele sublinha que a comoção (Rührung) é uma
sensação que «não pertence absolutamente (gehört gar nicht) à beleza» (Kant, 1998:
116) e que «um juízo de gosto puro não possui nem atractivo nem comoção (weder
Reiz noch Rührung) como princípio determinante (zum Bestimmungsgrunde), numa
palavra, nenhuma sensação enquanto matéria do juízo estético (keine Empfindung, als
Materie des ästhetischen Urteils)» (Kant, 1998: 117), e o §28, no qual o nosso autor
assinala que «não pode absolutamente julgar (…) sobre o belo quem é tomado de
inclinação e apetite (welcher durch Neigung und Appetit eingenommen ist)» (Kant,
1998: 157).
47
As palavras de Paulo Tunhas seguem no mesmo sentido – o juízo através do qual
se declara belo um objecto é, no entender do intérprete, «o único a testemunhar uma
inteira liberdade, devido ao facto de que não se encontra submetido nem à necessidade
de uma inclinação, como o juízo relativo ao agradável, nem à coerção do dever, como
o juízo concernente ao bem» (Tunhas, 2011: 76).
48
A sensação de prazer no belo é, no entanto, «referida a conceitos, se bem que
sem determinar quais (auf Begriffe, obzwar unbestimmt welche, bezogen wird)»
(Kant, 1998: 137). Sempre que mencionamos a independência do juízo de gosto
– da beleza, portanto – em relação a conceitos, estamos a referir-nos, então, a
conceitos determinados. Ao tomarmos essa opção, concordamos com o próprio
Kant – quando menciona a independência da beleza relativamente a conceitos, ele
refere-se a conceitos determinados.
49
Na Primeira Introdução à Crítica da Faculdade do Juízo, Kant defende que os
juízos reflexivos estéticos «de nenhum modo podem ser fundados sobre conceitos
(durchaus nicht auf Begriffe gegründet) e, portanto, derivados de nenhum
princípio determinado (von keinem bestimmten Prinzip abgeleitet), porque senão
seriam lógicos» (Kant, 1995: 77).
gar nicht auf Begriffe)» (Kant, 1998: 183). Esta posição é, aliás, inúmeras
vezes afirmada ao longo da Crítica da Faculdade do Juízo.50
No §15, o nosso autor salienta que o fundamento de determinação do
juízo de gosto «não pode ser nenhum conceito, por conseguinte tão pouco
o de um fim determinado (kein Begriff, mithin auch nicht der eines
bestimmten Zwecks sein kann)» (Kant, 1998: 118). Se assim é, um juízo
deste tipo não pode basear-se na conformidade do objecto a um tal fim,
isto é, na conformidade objectiva da coisa a fins, seja, essa conformidade
a fins objectiva, uma conformidade a fins objectiva externa, seja interna,
pela simples razão de que o juízo de gosto é um juízo estético e, como tal,
um juízo cuja referência da representação do objecto é dirigida apenas ao
sujeito e ao seu sentimento de prazer ou desprazer. 51 No juízo de gosto, a
50
Numas vezes, isso acontece explicitamente; noutras, implicitamente. Kant ostenta
a sua posição no §4, ao referir que, para encontrar a beleza num objecto, não é
necessário saber «que tipo de coisa o objecto deva ser, isto é, ter um conceito do
mesmo (einen Begriff von dem Gegenstand)» (Kant, 1998: 94), e mesmo nos
exemplos que dá de objectos belos, ao assinalar que «[f]lores, desenhos livres, linhas
entrelaçadas sem intenção sob o nome de folhagem, não significam nada, não
dependem de nenhum conceito determinado (hängen von keinem bestimmten Begriffe
ab) e contudo aprazem» (Kant, 1998: 94); fá-lo também no §5, ao indicar que, no
juízo de gosto, a contemplação «é tão pouco dirigida a conceitos (ist auch nicht auf
Begriffe gerichtet)» (Kant, 1998: 97), no §16, ao salientar que o prazer no belo «não
pressupõe nenhum conceito (keinen Begriff voraussetzt)» (Kant, 1998: 121), na
“Analítica do sublime”, concretamente no §28, ao identificar o juízo estético como
um juízo «sem conceito (ohne Begriff)» (Kant, 1998: 157), e no §35, ao dizer
explicitamente que o juízo de gosto «não subsume absolutamente num conceito (gar
nicht unter einen Begriff subsumiert)» e «não é determinável por conceitos (nicht
durch Begriffe bestimmbar ist)» (Kant, 1998: 188).
51
Kant identifica a conformidade a fins externa com a utilidade e a conformidade a
fins interna com a perfeição: «A conformidade a fins objectiva (objektive
Zweckmäßigkeit) é ou externa (äußere), isto é a utilidade (die Nützlichkeit), ou interna
(innere), isto é a perfeição do objecto (die Vollkommenheit des Gegenstandes)»
(Kant, 1998: 117). A conformidade a fins objectiva «é a referência do objecto a um
fim determinado (die Beziehung des Gegenstandes auf einen bestimmten Zweck)»
(Kant, 1998: 117). Essa definição é reforçada quando Kant afirma que «para nos
representarmos uma conformidade a fins objectiva numa coisa, o conceito do que esta
coisa deva ser precedê-la-á (der Begriff von diesem, was es für ein Ding sein solle,
voran gehen)» (Kant, 1998: 118). Acontece que, como é salientado no início do §11,
o juízo de gosto nem sequer pode fundamentar-se num «fim subjectivo (subjektiver
Zweck)» (Kant, 1998: 110), pois «[t]odo o fim, se é considerado como fundamento do
comprazimento, traz sempre consigo um interesse como fundamento de determinação
do juízo sobre o objecto do prazer» (Kant, 1998: 110). Note-se, no entanto, que tal
não é o mesmo que recusar que o juízo de gosto «se baseia sobre fundamentos
subjectivos (auf subjektiven Gründen beruht)» (Kant, 1998: 118). A primeira
afirmação ligaria a determinação do juízo de gosto a uma finalidade determinada; a
segunda não o faz.
52
Observa-se neste título um distanciamento do nosso autor em relação a uma
abordagem racionalista da crítica do gosto. No entender de Kant, a abordagem em
causa, alicerçada em Descartes, mas plasmada em Leibniz ou Wolff, entre outros,
encara o juízo de gosto como sendo «propriamente um oculto juízo da razão sobre a
descoberta perfeição de uma coisa e a referência do múltiplo nele a um fim», juízo
esse que «por conseguinte somente é denominado estético em virtude da confusão que
é inerente a esta nossa reflexão, embora no fundo ele seja teleológico» (Kant, 1998:
254). Uma tal abordagem anula à partida a possível especificidade do juízo de gosto
ou da beleza. A beleza é, nesse âmbito, uma perfeição. O juízo de gosto é, nesse
contexto, um juízo de conhecimento – conhecimento confuso, não distinto, mas, ainda
assim, conhecimento.
53
A segunda ocorrência da palavra “possibilidade” na tradução para Português
constitui um erro e deve ser simplesmente eliminada.
54
É isso que acontece quando o conceito de um objecto é dado: «nesse caso a
actividade da faculdade do juízo, no seu uso com vista ao conhecimento, consiste na
apresentação (exhibitio) (Darstellung (exhibitio)), isto é no facto de colocar ao lado
do conceito uma intuição correspondente, quer no caso disto acontecer através da
nossa própria faculdade da imaginação, como na arte, quando realizamos um conceito
de um objecto antecipadamente concebido que é para nós fim (wie in der Kunst, wenn
wir einen vorhergefassten Begriff von einem Gegenstande, der für uns Zweck ist,
realisieren), quer mediante a natureza na técnica da mesma (como acontece nos
corpos organizados), quando lhe atribuímos o nosso conceito do fim para o
julgamento dos seus produtos» (Kant, 1998: 78).
55
Aquilo que fica por explicar devidamente é como esse movimento se inicia, como se
colocam as faculdades de conhecimento em jogo. Ainda na secção VII da Introdução, Kant
assinala que «aquela apreensão das formas na faculdade da imaginação nunca pode
suceder, sem que a faculdade de juízo reflexiva, também sem intenção, pelo menos a possa
comparar (vergliche) com a sua faculdade de relacionar intuições com conceitos» (Kant,
1998: 74-75). Tal tinha sido já anunciado pelo nosso autor na Primeira Introdução. Dizia
ele, aí, que «imaginação e entendimento são considerados na proporção em que têm de
estar no Juízo em geral em relação um ao outro, comparada (verglichen) com a proporção
em que efetivamente estão» (Kant, 1995: 56). Ambas as passagens dão a entender que a
reflexão ocorre sem intenção e compara a representação da apreensão que está a suceder
com a disposição das faculdades de conhecimento quando se trata de determinar. Além
disso, elas estão de acordo com a definição de reflectir dada na Primeira Introdução:
«comparar e manter-juntas dadas representações, seja com outras, seja com sua faculdade-
de-conhecimento, em referência a um conceito tornado possível através disso (gegebene
Vorstellungen entweder mit andern, oder mit seinem Erkenntnisvermögen, in Beziehung
auf einen dadurch möglichen Begriff, zu vergleichen und zusammen zu halten)» (Kant,
1995: 47). Entretanto, de novo na Introdução, Kant afirma que «se nesta comparação (in
dieser Vergleichung) a faculdade da imaginação (como faculdade das intuições a priori) é
sem intenção posta de acordo com o entendimento (como faculdade dos conceitos)
mediante uma dada representação e, desse modo, se desperta um sentimento de prazer,
nesse caso o objecto tem que então ser considerado como conforme a fins para a faculdade
de juízo reflexiva (als zweckmäßig für die reflektierende Urteilskraft)» (Kant, 1998: 75).
Kant não refere que a comparação constata o acordo entre as faculdades de conhecimento;
ele indica que as faculdades de conhecimento se dispõem harmonicamente na comparação
– isto é, na reflexão. A questão que se coloca, neste contexto, é a de saber como podem as
faculdades de conhecimento dispor-se harmonicamente a partir de uma apreensão sem
conceito. Mais exactamente, perguntar-se-á como pode sugerir-se uma apreensão sem
conceito se a Crítica da Razão Pura nos informa que «toda a síntese, pela qual se torna
possível a própria percepção, está submetida às categorias; e como a experiência é um
conhecimento mediante percepções ligadas entre si, as categorias são condições da
possibilidade da experiência e têm pois também validade a priori em relação a todos os
objectos da experiência» (Kant, 2001: 163-164). A este respeito – e em face da ausência
de uma explicação dada pelo próprio Kant – as propostas são variadas. Admitindo o
carácter controverso da sua proposta, Guyer, por exemplo, sugere que na teoria kantiana
56
Na Primeira Introdução, Kant cita uma «proporção» na qual «imaginação e
entendimento (…) têm de estar no Juízo em geral em relação um ao outro» (Kant,
1995: 56) e refere «a concordância daquelas duas faculdades entre si» como sendo
«uma proporção de ambas as faculdades-de-conhecimento, que constitui a condição
subjetiva, meramente sensível, do uso objetivo do Juízo» (Kant, 1995: 60). Acabámos
de mencioná-la. Mais explicitamente, numas vezes, menos noutras, ele reforça-o ao
longo da Crítica da Faculdade do Juízo. Fá-lo desde logo na Introdução, onde cita a
«unidade da faculdade de imaginação com o entendimento» como sendo «a
conformidade a leis no uso empírico da faculdade do juízo em geral» (Kant, 1998:
75). Precisamente nessa passagem, Kant assinala ser unicamente com essa
conformidade a leis «que a representação do objecto na reflexão concorda» (Kant,
1998: 75). Entretanto, o reforço da tese segundo a qual o acordo entre as faculdades
de conhecimento constitui a condição formal do uso objectivo da faculdade do juízo
prolonga-se quando Kant menciona, ainda na Introdução, a «relação das faculdades
de conhecimento entre si, as quais são exigidas para todo o conhecimento empírico
(da faculdade de imaginação e do entendimento)» (Kant, 1998: 76), no §9, como
vimos, a «consonância proporcionada, que exigimos para todo o conhecimento»
(Kant, 1998: 108), no §21, a «disposição das faculdades de conhecimento para um
conhecimento em geral, e na verdade aquela proporção que se presta a uma
representação (pela qual um objecto nos é dado), para fazer dela um conhecimento»
como sendo a assinalada «condição subjectiva do conhecer» sem a qual «o
conhecimento como efeito não poderia surgir» (Kant, 1998: 130), no §35, como
igualmente vimos, a «condição formal subjectiva de um juízo em geral», e diz que
«[u]tilizada com respeito a uma representação pela qual um objecto é dado, [a
faculdade do juízo] requer a concordância de duas faculdades de representação, a
saber da faculdade da imaginação (para a intuição e a composição do múltiplo na
mesma) e do entendimento (para o conceito como representação da unidade desta
compreensão)» (Kant, 1998: 188), numa nota ao §38, a «relação das faculdades de
conhecimento (…) postas em actividade com vista a um conhecimento em geral»
como sendo «a condição formal da faculdade do juízo» (Kant, 1998: 268), e,
finalmente, no §39, a «apreensão comum de um objecto pela faculdade da imaginação
enquanto faculdade da intuição, em relação com o entendimento como faculdade dos
conceitos» como «um procedimento da faculdade do juízo, o qual esta tem de exercer
(…) com vista à experiência mais comum (…) para perceber um conceito objectivo
empírico» (Kant, 1998: 194) e a «proporção destas faculdades de conhecimento (…)
exigida para o são e comum entendimento que se pode pressupor em qualquer»,
acrescentando, aliás, que essa proporção também «é requerida para o gosto» (Kant,
1998: 195). Se o fundamento de determinação do juízo de gosto é o prazer sentido por
ocasião do alcance, livre, dessa proporção, então admitir-se-á, com António Marques,
que «do ponto de vista da motivação e até da estrutura do juízo o objectivo cognitivo
deixa de ser o mais relevante» e que «[o] conceito de jogo passa a estar na primeira
linha, sublinhando certamente a presença do anímico, do inventivo e até do inesperado
que caracteriza afinal a experiência estética» (Marques, 1998: 22). Mais do que isso,
Kant levar-nos-á «muito mais longe do que esperávamos», como nota Maria Filomena
Molder, indo «até ao ponto de considerar que nesse jogo se engendra qualquer forma
de conhecimento, pois na proporção entre as faculdades, que configura a sua relação
como jogo livre, surpreendemos a matriz de qualquer movimento compreensivo»
(Molder, 2007: 373-374). A este propósito, é igualmente de observar a posição de
Olivier Chédin (cf. Chédin, 1982).
57
Sem prejuízo do que acabámos de afirmar, importa notar que Kant não esgota a
explicação da representação de uma conformidade a fins formal da natureza no
aspecto que salientámos. O nosso autor faz assentar a possibilidade de uma
representação formal da conformidade a fins na forma do objecto. No que diz respeito
à Introdução à Crítica da Faculdade do Juízo, isso é evidente não apenas nas
passagens que citámos da secção VII, mas em toda essa secção e, de resto, na secção
seguinte – aí, Kant sugere que a conformidade a fins da natureza é formal porque e na
medida em que é representada «nas suas formas (in ihren Formen)», isto é, «na forma
da coisa (in der Form des Dinges)» (Kant, 1998: 78), «na forma de uma coisa (an der
Form eines Dinges)» (Kant, 1998: 79). O nosso autor já o tinha feito na Primeira
Introdução e voltará a fazê-lo ao longo de toda a Crítica da Faculdade do Juízo. A
própria “Analítica do sublime” é, de certo modo, elaborada por relação à importância
que, na sua explicitação da noção de beleza, Kant atribui à noção de forma (Form).
Desde logo no parágrafo inaugural do segundo livro da “Analítica da faculdade de
juízo estética” (§23) o nosso autor indica-o: diz ele, primeiro, que «o sublime,
contrariamente [ao belo] pode também ser encontrado num objecto sem forma
(formlosen), na medida em que seja representada nele uma ilimitação ou por ocasião
desta e pensada além disso na sua totalidade» (Kant, 1998: 137); acrescenta, depois,
que o objecto «pode quanto à forma (Form) aparecer contrário a fins para a nossa
faculdade de juízo, inadequado à nossa faculdade de apresentação e por assim dizer
violento para a faculdade da imaginação, mas apesar disso e só por isso é julgado ser
tanto mais sublime» (Kant, 1998: 138). É esta diferença, em relação ao belo, que leva
a que, tal como é anunciado na Introdução, «o juízo estético [esteja] ligado ao belo,
não simplesmente como juízo de gosto, mas também ao sublime» e, portanto, a que
«aquela crítica da faculdade de juízo estética [tenha] que se decompor em duas partes
principais conformes àqueles», ou seja, na “Analítica do belo” e na “Analítica do
sublime” (Kant, 1998: 77). No que concerne à “Crítica da Faculdade de Juízo
Teleológica”, destacamos como paradigmática a seguinte passagem: «Temos boas
razões para aceitar, segundo princípios transcendentais, uma conformidade a fins
subjectiva da natureza nas suas leis particulares, relativamente à sua compreensão
para a faculdade do juízo humana e à possibilidade da conexão das experiências
particulares num sistema dessa mesma natureza; é assim que entre os seus muitos
produtos podemos esperar que sejam possíveis alguns contendo formas específicas
que lhe são adequadas, como se afinal estivessem dispostas para a nossa faculdade do
juízo. Tais formas, através da sua multiplicidade e unidade, servem para
simultaneamente fortalecer e entreter as faculdades do ânimo (que estão em jogo por
ocasião do uso desta faculdade) e às quais por isso atribuimos o nome de formas belas
(schöne Formen)» (Kant, 1998: 273). Considerando que, como indicámos, Kant faz
assentar a possibilidade de uma representação formal da conformidade a fins na forma
do objecto, daremos o relevo devido à noção de forma em secção própria.
58
Fica, assim, respondida a «questão menor» do §9 (Kant, 1998: 107), a questão de
saber «de que modo nos tornamos conscientes de uma concordância subjectiva
recíproca das faculdades de conhecimento entre si no juízo de gosto» (Kant, 1998:
107). Esse modo é estético. Essa consciência é adquirida «[e]steticamente pelo
simples sentido interno e sensação (ästhetisch durch den bloßen innern Sinn und
Empfindung)» (Kant, 1998: 107). O sentimento do movimento simultaneamente livre
e harmónico entre as faculdades de conhecimento por ocasião da representação do
objecto é um sentimento sentido através do sentido interno.
59
Note-se que a sensação que está «imediatamente vinculada com o sentimento de
prazer e desprazer» é «aquela sensação (…) que o jogo harmonioso das duas
faculdades-de-conhecimento do Juízo, imaginação e entendimento, efetua no sujeito,
na medida em que, na representação dada, a faculdade-de-apreensão de uma e a
faculdade-de-exposição do outro são mutuamente favoráveis uma à outra, proporção
esta que, em tal caso, efetua por essa mera forma uma sensação (eine Empfindung)»
(Kant, 1995: 61).
60
Ela «decide, não através da concordância com conceitos, mas sim através do
sentimento (durch das Gefühl)» (Kant, 1998: 80).
61
É por isso que o juízo de gosto (o juízo reflexivo estético) é um juízo estético. Veja-
se o que Kant afirma no §15: «[o] juízo chama-se estético (ästhetisch) também
precisamente porque o seu fundamento de determinação não é nenhum conceito, mas
sim o sentimento (do sentido interno) (das Gefühl (des innern Sinnes)) daquela
unanimidade no jogo das faculdades do ânimo, na medida em que ela pode ser
somente sentida» (Kant, 1998: 119). Recordemos as palavras da Primeira Introdução:
«um juízo estético é aquele cujo fundamento-de-determinação está em uma sensação
que esteja imediatamente vinculada com o sentimento de prazer e desprazer (in einer
Empfindung, die mit dem Gefühle der Lust und Unlust unmittelbar verbunden ist)»
(Kant, 1995: 61).
62
Neste contexto é de citar Tunhas. Segundo o comentador, a faculdade «que
determina a autonomia da faculdade de julgar» é «a faculdade de julgar estética»
(Tunhas, 2011: 70), a beleza é «o grau zero da filosofia» e a propedêutica à filosofia
é «uma crítica da beleza, ou, mais exactamente, das condições de possibilidade dos
juízos acerca da beleza» (Tunhas, 2011: 71).
63
Vejamos, de resto, o que Kant afirma mais à frente: «a faculdade do juízo usada
teleologicamente indica de forma precisa as condições sob as quais algo (por exemplo
um corpo organizado) deve ser ajuizado segundo a ideia de um fim da natureza; no
entanto ela não pode aduzir qualquer princípio a partir do conceito da natureza como
objecto da experiência que autorize atribuir àquela a priori uma referência a fins e que
leve a admitir, ainda que de forma indeterminada, esses fins a partir da experiência
efectiva desses produtos» (Kant, 1998: 80). O nosso autor justifica-o indicando que
«muitas experiências particulares têm que ser examinadas e consideradas sob a
unidade do seu princípio, para poder conhecer de forma somente empírica, num certo
objecto, uma conformidade a fins objectiva» (Kant, 1998: 80).
64
É precisamente «[p]or isso, e segundo a sua aplicação» que ela «pertence à parte
teórica da filosofia», embora «por causa dos princípios particulares que não são
determinantes – tal como tem que acontecer numa doutrina», ela tenha de «constituir
uma parte particular da crítica» (Kant, 1998: 80).
65
Já vimos que a relação de harmonia livre entre as faculdades da imaginação e do
entendimento advém à consciência daquele que ajuíza por intermédio de um
sentimento de prazer. No entanto, o comprazimento só é sentido porque a relação
livremente alcançada – a saber, a harmonia das faculdades de conhecimento entre si,
que, enquanto não resultante da submissão das intuições em conceitos, no caso do
juízo de gosto, é estabelecida de um modo extraordinário, sendo, portanto, inesperada,
surpreendente – constitui a condição subjectiva do conhecimento. Aquele que ajuíza
sente um comprazimento porque o objecto que representa independentemente de
conceitos serve de ocasião para o cumprimento do objectivo geral do conhecimento:
a unificação do diverso.
66
Na primeira observação que se segue ao §57, Kant refere-se a este conceito como
sendo «o conceito racional de substracto supra-sensível de todos os fenómenos em
geral» (Kant, 1998: 251); na segunda, o conceito de «um substracto inteligível (algo
supra-sensível, do qual o conceito é somente ideia e que não admite nenhum autêntico
conhecimento)» (Kant, 1998: 252), isto é, o conceito de um «substracto inteligível da
natureza fora de nós e em nós (…) enquanto coisa em si mesma» (Kant, 1998: 253);
no §78, já, portanto, na “Crítica da Faculdade de Juízo Teleológica”, Kant refere-o
como o conceito do «supra-sensível», conceito «que temos que pôr na base da
natureza como fenómeno» (Kant, 1998: 338); ainda na segunda parte da Crítica da
Faculdade do Juízo, no §81, finalmente, o nosso autor refere-o como tratando-se do
conceito do «substracto supra-sensível da natureza, àcerca do qual nada podemos
positivamente determinar, a não ser que é o ser em si do qual apenas conhecemos o
fenómeno» (Kant, 1998: 350).
2.1. Enquadramento
Na secção anterior, caracterizámos o juízo de gosto como juízo estético
reflexivo. Ao fazê-lo, elencámos um requisito que abrange todas as
exigências a satisfazer pelo juízo através do qual se declara belo um
objecto, a saber, basear-se apenas na observação de uma conformidade a
fins formal da representação do objecto para as nossas faculdades de
conhecimento, observação que depende de uma referência ao conceito
racional transcendental do supra-sensível. De facto, ao anunciar-se que o
juízo de gosto assenta unicamente no princípio dado pela faculdade do
juízo a si mesma (o princípio da conformidade a fins formal da natureza
para as nossas faculdades de conhecimento) anuncia-se ao mesmo tempo
67
Note-se, finalizando esta secção, que, no §57, Kant estabelece uma identificação
precisamente entre a ideia do supra-sensível e o conceito «de um fundamento em
geral da conformidade a fins subjectiva da natureza para a faculdade do juízo (einem
Begriffe eines Grundes überhaupt von der subjectiven Zweckmäßigkeit der Natur
für die Urteilskraft)» (Kant, 1998: 247). É sobre esse conceito que o juízo de gosto
se funda.
que um tal juízo não se funda naquilo que atrai, nem se funda em fins, em
conceitos determinados.
A independência de um juízo relativamente a atractivos ou conceitos
não esgota, no entanto, a sua caracterização enquanto juízo de gosto. Para
ser um juízo de gosto, um juízo tem de ser, no entender de Kant,
universalmente válido a priori. Assim, para caracterizarmos plenamente
o juízo de gosto, para caracterizarmos por completo o juízo através do qual
se declara belo um objecto – algo indispensável à elaboração de uma
resposta suficientemente justificada à questão de saber se é legítimo falar-
se de bela arte, questão que desde o início nos propusemos tratar – é
necessário mostrar em que termos o nosso autor considera o juízo de gosto
um juízo estético dotado de validade universal a priori
(Allgemeingültigkeit a priori).68 Tendo em vista a satisfação dessa
necessidade, a nossa próxima tarefa é a de explicitar a tentativa de
legitimação do juízo de gosto como juízo estético universalmente válido
a priori elaborada na Crítica da Faculdade do Juízo.
Antes de procedermos a uma tal explicitação, devemos enquadrar a
referida tentativa, notando que a sua pertinência se prende com o carácter
insuficiente das propostas estéticas quer do empirismo, quer do
racionalismo. De facto, as propostas apresentadas pelos empiristas são
entendidas por Kant como insuficientes para sustentar devidamente a
validade universal a priori do juízo de gosto: se aquilo que serve de
fundamento de determinação ao juízo de gosto for o prazer dos sentidos,
o comprazimento do gozo, então um tal juízo jamais pode ser
universalmente válido a priori. Mesmo que haja unanimidade entre todos
aqueles que ajuízam, essa unanimidade é uma unanimidade meramente
68
Embora, no §9, Kant fale várias vezes de «comunicabilidade universal (allgemeine
Mitteilbarkeit)» (Kant, 1998: 105, 106 e 108), não há, ao longo do seu texto, qualquer
indício de que comunicabilidade não seja sinónimo de validade. Precisamente no §9,
aliás, Kant contrasta a comunicabilidade universal com a validade privada (cf. Kant,
1998: 105), o que nos faz pensar que a relação entre comunicabilidade e validade é,
efectivamente, uma relação de sinonímia.
69
Ressalve-se, a este propósito, que Hume não deixa de sugerir um «estado são do
órgão» que pode ser suposto providenciar-nos um verdadeiro padrão de medida de um
gosto e sentimento» e «uma ideia da beleza perfeita» (Hume, 1997: #12). No entanto,
essa sugestão não é derivada do seu empirismo. Por essa razão, Paul Guyer coloca
Hume a par de Hutcheson, Burke e Home e indica que qualquer das soluções para o
problema do gosto apresentadas por esses autores assenta no apelo «a uma concepção
metafísica da humanidade como uma espécie única, com certas propriedades
essenciais, normais ou ideais, e incluindo um acordo básico no gosto entre estas
propriedades» (Guyer, 1997: 4). Ora, plasmando uma metafísica transcendente, uma
concepção desse tipo não poderá ser bem recebida pelo autor da Crítica da Razão
Pura.
70
Outros intérpretes há que questionam a necessidade de a Crítica da Faculdade do
Juízo envolver uma dedução transcendental. Rolf-Peter Horstmann é um deles (cf.
Horstmann, 1989).
71
Crawford é partidário da tese segundo a qual a dedução transcendental do juízo de
gosto depende de algo que será transversal à Crítica da Faculdade do Juízo, a saber,
a ligação entre o gosto e a moralidade, a conexão entre o estético e o ético, a analogia
entre o juízo estético e o juízo moral. Essa tese é partilhada por R. K. Elliott, entre
outros, e assenta particularmente na afirmação de Kant, no §59, de acordo com a qual
«o belo é o símbolo do moralmente bom; e também somente sob este aspecto (uma
referência que é natural a qualquer um e que também se exige de qualquer outro como
dever) ele apraz com uma pretensão ao assentimento de todo o outro (das Schöne ist
das Symbol des Sittlich-Guten; und auch nur in dieser Rücksicht (einer Beziehung,
die jedermann natürlich ist, und die auch jedermann andern als Pflicht zumutet)
gefällt es mit einem Anspruche auf jedes andern Bestimmung)» (Kant, 1998: 262).
Elliott entende esta passagem como significando que «somente através da conexão
analógica entre o belo e o bom é que o juízo de gosto tem algum direito a exigir
universalidade e necessidade» (Elliott, 1968: 255). Crawford, por sua vez, indica que
«[a] assunção kantiana é claramente que a sensibilidade moral é o mesmo que, ou pelo
menos implica, uma sensibilidade para a base da moralidade» e que «[a]ssim, para
completar a dedução, Kant tem de argumentar ou assumir que a sensibilidade moral
implica uma sensibilidade para aquilo que simboliza a base da moralidade»
(Crawford, 1974: 149). Uma tal conclusão pode ser contestada. O seu problema mais
imediato prende-se com a ilegitimidade da exigência de sensibilidade a um mero
símbolo da moralidade. Apesar de podermos exigir a qualquer outro o cumprimento
da lei moral, não temos o direito de dele exigir sensibilidade para algo que meramente
simboliza a moralidade. Como nota Guyer, «a sensibilidade a um símbolo da
moralidade não é ela mesma um estado requerido para a performance moral, e assim
não é algo que pode ser exigido como parte de uma exigência para a acção moral»
(Guyer, 1997: 339). Concordamos, então, com as palavras que Guyer profere mais à
frente na sua obra: «Se uma representação simbólica de algo fosse a única
representação possível, e o conhecimento dessa matéria fosse justificadamente
exigido de todos, então talvez a sensibilidade ao seu símbolo pudesse também ser
universalmente exigida. Mas supor que isto é assim no caso da simbolização da
moralidade da beleza entraria em conflito com uma das mais fundamentais teses da
filosofia moral de Kant, a tese de que todos são imediatamente conscientes da sua
obrigação sob a lei moral. Na medida em que Kant mantém que esta consciência é
equivalente à consciência da sua liberdade, ele está então comprometido com a visão
de que todo o ser humano é imediatamente consciente do facto da sua liberdade; no
mínimo, Kant está certamente comprometido com a visão de que qualquer um pode
tornar-se consciente da sua liberdade simplesmente por reflexão acerca da sua
obrigação sob a lei moral. Mas então nenhuma representação meramente indirecta ou
simbólica do imperativo categórico ou do facto da liberdade pode efectivamente ser
requerida para cumprimento das exigências da moralidade. Argumentar o contrário
seria minar uma parte básica da filosofia moral de Kant» (Guyer, 1997: 342). Note-se
que essa parte básica da filosofia moral de Kant não acaba com a segunda Crítica – é
de observar, a propósito, o que Kant afirma a fechar a Crítica da Faculdade do Juízo:
«É possível pensar que seres racionais se vissem rodeados por uma tal natureza que
não mostrasse qualquer traço claro de organização, mas somente efeitos de um
simples mecanismo da matéria bruta e de tal modo que, por ocasião da mudança de
algumas formas e relações finais simplesmente contingentes, não pareça existir algum
fundamento para inferir um autor do mundo inteligente. Não haveria nesse caso
qualquer oportunidade para uma teologia física e mesmo assim a razão – que não
recebe neste caso qualquer orientação através de conceitos da natureza – encontraria,
na liberdade e nas ideias morais que nela se fundam, um fundamento prático suficiente
para postular o conceito de ser originário a si adequado, isto é, de uma divindade, e a
natureza (mesmo da nossa própria existência) como um fim terminal, adequado àquele
e às suas leis e, na verdade, em consideração ao mandamento inevitável da razão
prática» (Kant, 1998: 413).
72
Ao longo do seu estudo, ele indica que as tentativas principais efectuadas por Kant
se localizam no §21, a primeira, e nos §38, intitulado “Dedução dos juízos de gosto”,
e §39, a segunda, sendo que, entre elas, no §30, está o título “Dedução dos juízos
estéticos puros”; quanto à tentativa final, essa é efectuada sob o título “Resolução da
antinomia do gosto”, na “Dialéctica da faculdade de juízo estética”.
mesmo depois do §21» (Guyer, 1997: 247) e, além disso, «os §38 e
§39 não fazem menção à questão aberta do §22, ou mesmo à distinção
entre princípios regulativos e constitutivos» (Guyer, 1997: 281).
Obviamente, estes factores tornam particularmente difícil a defesa da
tese de acordo com a qual na Crítica da Faculdade do Juízo há um
argumento único para justificar que o juízo de gosto é um juízo
estético universalmente válido a priori.
Independentemente da diversidade e da localização da
argumentação de Kant em prol da validade universal a priori do juízo
de gosto, facto é que ele recorre a vários elementos para tentar sustentar
uma tal validade. Tendo como objectivo mostrar em que termos o nosso
autor considera o juízo de gosto um juízo estético universalmente
válido a priori, reconstruiremos a sua argumentação através de um
percurso pelos diferentes elementos por ele mencionados, e assim a
explicitaremos. Começaremos precisamente pelo elemento com o qual
terminámos a secção anterior: o conceito racional transcendental do
supra-sensível.
73
Na observação que se segue ao §57, Kant informa que um tal conceito «é já, quanto
à espécie, um conceito indemonstrável e uma ideia da razão» (Kant, 1998: 251), pois
«não pode em si ser dado na experiência absolutamente nada que lhe corresponda
quanto à qualidade» (Kant, 1998: 251). Entretanto, na “Crítica da Faculdade de Juízo
Teleológica”, no §78, o nosso autor indica que desse conceito «não podemos realizar
o menor conceito definido positivamente numa intenção teórica» (Kant, 1998: 338).
74
Assim, segundo o comentador, a tentativa de Kant é uma «tentativa final mas
infeliz» (Guyer, 1997: 11) que consiste numa «adenda completamente ilegítima à
dedução» (Guyer, 1997: 247) e que, como tal, poderá constituir uma das principais
«infelicidades expositivas da Crítica da Faculdade do Juízo» (Guyer, 1997:
277). Guyer afirma-o admitindo ser o próprio Kant quem, logo no §58, «coloca
algumas restrições ao voo do §57 na metafísica» (Guyer, 1997: 309).
75
Kant afirma-o e explica-o no §8: «No que concerne à quantidade lógica, todos
os juízos de gosto são, juízos singulares (einzelne Urteile). Pois, porque tenho de
ater o objecto imediatamente ao meu sentimento de prazer, e contudo não através
de conceitos, assim aqueles não podem ter a quantidade de um juízo objectiva e
comummente válido» (Kant, 1998: 103). Entretanto essa tese é repetida nos §33
e §37, onde o nosso autor nota, respectivamente, que «o juízo de gosto é sempre
proferido como um juízo singular (als ein einzelnes Urteil) sobre o objecto»
(Kant, 1998: 186) e que «todos os juízos de gosto são juízos singulares (einzelne
Urteile), pois eles ligam o seu predicado do comprazimento, não a um conceito,
mas a uma representação empírica singular dada» (Kant, 1998: 191).
76
Esta tese é sublinhada, mais explicitamente, nuns casos, ou menos explicitamente,
noutros, ao longo de toda a Crítica da Faculdade do Juízo, por exemplo quando
está escrito, na Introdução, que o «sentimento de prazer (…) mediante o juízo de
gosto deve ser exigido a cada um (jedermann zugemutet werden soll)» (Kant, 1998:
76), no §6, que «[o] belo é o que é representado sem conceitos como objecto de
um comprazimento universal (eines allgemeinen Wohlgefallens)» e que «tem que se
atribuir ao juízo de gosto (…) uma reivindicação de validade para qualquer um (ein
Anspruch auf Gültigkeit für jedermann)» (Kant, 1998: 99), no já citado §7, que «se
[alguém] toma algo por belo, então atribui a outros (mutet andern) precisamente o
mesmo comprazimento» (Kant, 1998: 100) e «exige (fordert)» dos outros «o acordo
unânime (Einstimmung)» (Kant, 1998: 101), no também citado §8, «que pelo juízo
imediatamente a seguir às duas passagens por nós citadas, Marques e Rohden voltam
a traduzir “ansinnen” por “imputar” (cf. Kant, 1998: 105). Finalmente, devemos
aproveitar esta nota para referir o principal problema da tese de Crawford, segundo a
qual completar a dedução transcendental do juízo de gosto supõe a asserção de que a
sensibilidade para o que simboliza a base da moralidade é necessária à sensibilidade
moral. Mesmo que se justificasse que, enquanto indispensável à sensibilidade moral, a
sensibilidade para o que simboliza a base da moralidade é exigida de todos, tal apenas
reforçaria o valor da experiência da beleza – não serviria de suporte à afirmação do
juízo de gosto como juízo estético universalmente válido a priori. Daí a crítica de
Jeffrey Maitland, para quem uma tal tese não distingue «o problema de justificar
a possibilidade de juízos estéticos e o problema de justificar a importância da
experiência estética» (Maitland, 1976: 347). Os argumentos alicerçados no estatuto
simbólico do belo não justificam, assim, a imputação de acordo no gosto.
77
Remetendo para a parte final da “Observação geral sobre a exposição dos juízos
reflexivos estéticos”, diremos que uma tal unanimidade plasma meramente uma
«concordância acidental» (Kant, 1998: 178); remetendo para a segunda observação
que se segue ao §57, diremos que ela reside nas situações nas quais «os sujeitos
casualmente estejam uniformemente organizados» (Kant, 1998: 254).
78
Vejam-se, nesse sentido, o §8, onde Kant afirma que «esta reivindicação de
universalidade pertence tão essencialmente a um juízo pelo qual declaramos algo
belo, que sem aí pensar aquela universalidade, ninguém teria ideia de usar essa
expressão (dieser Anspruch auf Allgemeingültigkeit so wesentlich zu einem Urteil
gehöre, wodurch wir etwas für schön erklären, daß, ohne dieselbe dabei zu denken,
es niemand in die Gedanken kommen würde, diesen Ausdruck zu gebrauchen), mas
tudo o que apraz sem conceito seria computado como agradável» (Kant, 1998:
102), o §32, onde ele assinala que «[o] juízo de gosto determina o seu objecto com
respeito ao comprazimento (como beleza) com uma pretensão do assentimento de
qualquer um, como se fosse objectivo (bestimmt seinen Gegenstand in Ansehung des
Wohlgefallens (als Schönheit) mit einem Anspruche auf jedermanns Bestimmung,
als ob es objektiv wäre)» e que «[d]izer “esta flor é bela” significa apenas o mesmo
que dizer dela a sua própria pretensão ao comprazimento de qualquer um (ihren
eigenen Anspruch auf jedermanns Wohlgefallen ihr nur nachfragen)» (Kant,
1998: 182), e o §33, no qual nota que «unicamente aquilo pelo qual considero
uma tulipa singular bela, isto é, pelo que considero o meu comprazimento nela
válido universalmente, é um juízo de gosto (dasjenige, wodurch ich eine einzelne
gegebene Tulpe schön, d. i. mein Wohlgefallen an derselben allgemeingültig,
finde, ist allein das Geschmacksurteil)» (Kant, 1998: 186).
79
São várias as passagens da Crítica da Faculdade do Juízo que o sublinham. No
§9, Kant nota que «se denominamos algo belo, imputamos o prazer que sentimos a
todo o outro como necessário (muten wir jedem andern als notwendig zu) no juízo
de gosto» (Kant, 1998: 107); no primeiro parágrafo do “Quarto momento do juízo
de gosto segundo a modalidade do comprazimento no objecto”, §18, assinala que
«[d]o belo (…) se pensa que ele tenha uma referência necessária ao comprazimento
(eine notwendige Beziehung auf das Wohlgefallen)» (Kant, 1998: 128); mais à
frente, na explicação do belo que infere do momento citado, Kant conclui que
«[b]elo é o que é conhecido sem conceito como objecto de um comprazimento
necessário (notwendigen Wohlgefallens)» (Kant, 1998: 132); no §24, já, portanto,
na “Analítica do sublime”, o nosso autor afirma que o comprazimento no sublime é,
segundo a modalidade, como o comprazimento no belo, ou seja, tem de representar a
conformidade a fins subjectiva «como necessária (als notwendig)» (Kant, 1998: 140);
no §36, Kant diz que o juízo de gosto é «um juízo formal de reflexão, que imputa [o
comprazimento que acompanha a representação do objecto] como necessário (als
notwendig) a qualquer um» (Kant, 1998: 190); no parágrafo imediatamente a seguir
(§37) identifica a declaração de um objecto como belo com a imputação do
comprazimento «em qualquer um como necessário (als notwendig)» (Kant, 1998:
191); finalmente, no §57 o nosso autor refere que «no juízo de gosto está sem dúvida
contida uma referência ampliada à representação do objecto (ao mesmo tempo
também do sujeito), sobre a qual fundamos uma extensão desta espécie de juízos como
necessária (als notwendig) para qualquer um» (Kant, 1998: 247).
80
É isso que é reforçado nos §31 e §35 (cf. Kant, 1998: 182 e 188), por exemplo; mas,
desde logo na Primeira Introdução à Crítica da Faculdade do Juízo, Kant
repetidamente indica que os juízos reflexivos estéticos «têm pretensão à necessidade
(machen auf Notwendigkeit Anspruch)» (Kant, 1995: 77).
81
De acordo com o §18, «ela não é uma necessidade objectiva teórica (eine
theoretische objektive Notwendigkeit) na qual pode ser conhecido a priori que
qualquer um sentirá este comprazimento no objecto que denomino belo», pois,
«[v]isto que um juízo estético não é nenhum juízo objectivo e de conhecimento»,
então a necessidade que lhe é inerente «não pode ser deduzida de conceitos
determinados e não é pois apodíctica (apodiktisch)» (Kant, 1998: 128); não é, além
disso, e de acordo com o que está escrito no mesmo parágrafo, «uma necessidade
prática (praktisch), na qual através de conceitos de uma vontade racional pura, a qual
serve de regra a entes que agem livremente, este comprazimento é a consequência
necessária de uma lei objectiva e não significa senão que simplesmente (sem intenção
ulterior) se deve agir de um certo modo» (Kant, 1998: 128). Finalmente, tendo em
conta não tanto «que a experiência dificilmente conseguiria documentos
suficientemente numerosos» para inferir a necessidade que o juízo de gosto afirma,
mas, acima de tudo, que «nenhum conceito de necessidade pode fundamentar-se sobre
juízos empíricos», então «[m]uito menos pode ela ser inferida da universalidade da
experiência (de uma unanimidade universal dos juízos sobre a beleza de um certo
objecto)» (Kant, 1998: 128). De resto, na Primeira Introdução, Kant chama «disparate
manifesto» à afirmação segundo a qual um juízo «deve valer universalmente porque
efetivamente, como a observação prova, ele vale universalmente, e vice-versa, que,
de que cada qual julga de certa maneira, se segue que ele deve também julgar assim»
(Kant, 1995: 77).
82
Por o gosto reivindicar simplesmente autonomia, e, portanto, por o seu juízo, isto é,
o juízo através do qual se declara belo um objecto, um juízo estético, ser um juízo
autónomo, por isso é que «[n]ão há» (Kant, 1998: 208), como é dito no §44, «nem
pode haver» (Kant, 1998: 264), como é acrescentado no §60, «uma ciência do belo»
(Kant, 1998: 208 e 264). Se houvesse ou pudesse haver uma ciência do belo, então
«deveria (…) ser decidido nela cientificamente, isto é por argumentos, se algo deve
ser tido por belo ou não; portanto se o juízo sobre a beleza pertencesse à ciência, ele
não seria nenhum juízo de gosto» (Kant, 1998: 208).
83
Tal como Kant assinala na Primeira Introdução, «a referência a um princípio a
priori pode e deve ter lugar, sempre que o juízo tem pretensão a necessidade (die
Beziehung auf ein Prinzip a priori kann und muss immer noch statt finden, wo das
Urteil auf Notwendigkeit Anspruch macht)» (Kant, 1995: 77).
84
Ele sublinha essa tese no §36, ao referir que o princípio a priori que tem de situar-
se no fundamento de um juízo formal de reflexão que imputa o comprazimento que
allgemeiner Standpunkt)» (Kant, 1998: 198) que faz com que o sujeito
pense «no lugar de todo o outro ([a]n der Stelle jedes andern)» (Kant,
1998: 196) e assim cumpra a máxima «da faculdade do juízo» (Kant,
1998: 198), a saber, a «segunda máxima da maneira de pensar
(Denkungsart)» (Kant, 1998: 197), a «maneira de pensar alargada
(erweitert)» (Kant, 1998: 196-197).
No caso de, ao fazê-lo, o sujeito adquirir consciência de que as
faculdades da imaginação e do entendimento se exercitam reciprocamente
num jogo subjectivamente conforme a fins, nesse caso ele reivindicará de
todos os outros a aprovação, reclamará deles, forem eles quem forem, sem
excepção, o assentimento ao seu juízo, singular, presumirá em qualquer
um deles a adesão a esse juízo, imputar-lhes-á, atribuir-lhes-á, o mesmo
comprazimento, como se esse fosse um predicado do conhecimento do
objecto, exigir-lhes-á o seu acordo. Tal acontecerá porque a disposição
consonante entre as faculdades do juízo, mais livremente alcançada, como
acontece no juízo de gosto, ou menos, é universalmente comunicável.86
86
No §21, Kant defende que o conhecimento é universalmente comunicável:
«[c]onhecimentos e juízos, juntamente com a convicção que os acompanha, têm que
poder comunicar-se universalmente (müssen allgemein mitteilen lassen); pois de
contrário eles não alcançariam nenhuma concordância com o objecto: eles seriam em
suma um jogo simplesmente subjectivo das faculdades de representação,
precisamente como o cepticismo o reclama» (Kant, 1998: 129-130). O conhecimento
tem como condição indispensável a sua comunicabilidade universal. Sabemos, além
disso, que, de acordo com Kant, o que se requer para um conhecimento em geral é
uma relação de unanimidade entre as faculdades da imaginação e do entendimento
por ocasião da representação de um objecto. Essa tese é, como já notámos, reforçada
pelo nosso autor ao longo da Crítica da Faculdade do Juízo, concretamente na
Primeira Introdução, na Introdução, no §9, no §21, que agora citamos, e nos §35, §38,
§39 e §58. Pois bem, se o conhecimento é universalmente comunicável e se para se
conhecer é condição subjectiva a referida relação das faculdades de conhecimento
entre si, então essa relação é algo que, segundo Kant, pode ser pressuposto em
qualquer pessoa. Se «conhecimentos devem poder comunicar-se», então, defende o
nosso autor, «também o estado do ânimo, isto é a disposição das faculdades de
conhecimento para um conhecimento em geral, e na verdade aquela proporção que se
presta a uma representação (pela qual um objecto nos é dado), para fazer dela um
conhecimento, tem que poder comunicar-se universalmente (muss sich auch der
Gemütszustand, d. i. die Stimmung der Erkenntniskräfte zu einer Erkenntnis
überhaupt, und zwar diejenige Proportion, welche sich für eine Vorstellung (wodurch
uns ein Gegenstand gegeben wird) gebührt, und daraus Erkenntnis zu machen,
allgemein mitteilen lassen); porque sem esta condição subjectiva do conhecer o
conhecimento como efeito não poderia surgir» (Kant, 1998: 130). Importa notar,
finalmente, que, embora, por questões metodológicas, tenhamos seguido o raciocínio
plasmado no §21, a posição exposta na passagem transcrita tinha sido já assumida por
Kant, no §9, enquanto aí era sugerido que se o conhecimento determinado, baseado
na mencionada relação subjectiva como condição subjectiva, é universalmente
comunicável, então «esta relação subjectiva própria do conhecimento em geral tem de
valer também para todos e consequentemente ser universalmente comunicável (díeses
zum Erkenntnis überhaupt schickliche subjektive Verhältnis eben so wohl für
jedermann gelten und folglich allgemein mitteilbar sein müsse)» (Kant, 1998: 106-
107). Essa posição é reforçada quer ainda no mesmo parágrafo, no qual Kant refere
que, por ser exigida «para todo o conhecimento», a «consonância proporcionada» é
por nós considerada «válida para qualquer um que está destinado a julgar através do
entendimento e sentidos coligados (para todo homem) (für jedermann, der durch
Verstand und Sinne in Verbindung zu urteilen bestimmt ist (für jeden Menschen),
gültig)» (Kant, 1998: 108), quer no §38, quando o nosso autor assinala que é
«requerido para o conhecimento possível em geral» que a «condição subjectiva» possa
ser pressuposta «em todos os homens (in allen Menschen)» (Kant, 1998: 192).
87
Esta nossa afirmação está plasmada nos próprios títulos dos §19, §20 e §22,
respectivamente: «A necessidade subjectiva que atribuímos ao juízo de gosto é
condicionada (bedingt)» (Kant, 1998: 128), «A condição (Die Bedingung) da
necessidade que um juízo de gosto pretende é a ideia de um sentido comum» (Kant,
1998: 129) e «A necessidade do assentimento universal que é pensada num juízo de
gosto, é uma necessidade subjectiva, que sob a pressuposição de um sentido comum
é representada como objectiva (eine subjektive Notwendigkeit, die unter der
Voraussetzung eines Gemeinsinns als objektiv vorgestellt wird)» (Kant, 1998: 130).
88
Veja-se o título do parágrafo: «Do gosto como uma espécie de sensus communis
(Vom Geschmacke als einer Art von sensus communis)» (Kant, 1998: 195). Numa
nota a esse parágrafo, Kant afirma mesmo que se pode «designar o gosto como sensus
communis aestheticus (durch sensus communis aestheticus)» (Kant, 1998: 269).
Lembremos que o gosto é a «faculdade do juízo estética», como é assinalado na
Introdução, e que através dos juízos de gosto se ajuíza «a conformidade a fins formal
91
Esta é a primeira das passagens do §8 nas quais Kant usa especificamente o verbo
“postulieren”.
2.7. Um princípio
Regressemos, agora, ao princípio do gosto. Importa fazer um
esclarecimento concernente à relação entre o sentido comum e o princípio
da conformidade a fins formal da natureza para as nossas faculdades de
92
Igualmente no §8, Kant acrescenta as expressões validade comum
(Gemeingültigkeit) e universalidade estética (ästhetische Allgemeinheit) para
designar essa universalidade subjectiva e distingui-la da universalidade lógica: de
acordo com Kant, o juízo de gosto é dotado de uma «validade comum, a qual designa
a validade não da referência de uma representação à faculdade de conhecimento, mas
ao sentimento de prazer e desprazer para cada sujeito» (Kant, 1998: 103); a sua
universalidade é uma «universalidade estética», que «não conecta o predicado da
beleza ao conceito do objecto, considerado em sua inteira esfera lógica, e no entanto
estende o mesmo sobre a esfera inteira dos que julgam» (Kant, 1998: 103); aquilo que
ele traz consigo é não uma «quantidade objectiva do juízo, mas somente uma
subjectiva (nur eine subjektive)» (Kant, 1998: 103), ou seja, «uma quantidade estética
da universalidade, isto é, da validade para qualquer um (eine ästhetische Quantität der
Allgemeinheit, d. i. der Gültigkeit für jedermann)» (Kant, 1998: 104).
93
É como condição do entendimento da legalidade do princípio da conformidade a
fins formal da natureza para as nossas faculdades de conhecimento que se situa a ideia
do supra-sensível na argumentação de Kant em prol da validade universal a priori do
juízo de gosto. Indicará Guyer, neste contexto, que Kant parece supor que a
conformidade a fins na qual consiste o movimento livre e harmónico das faculdades
de conhecimento entre si, estabelecida para nós pela nossa própria natureza, só pode
ser explicada «se transcendermos os limites do mundo empírico e as faculdades
necessárias para compreendê-lo e, em vez disso, invocarmos alusões à realidade
numénica» (Guyer, 1997: 304). À questão de saber se uma tal explicação é necessária
e, portanto, à questão de saber se a recorrência à ideia do supra-sensível é
indispensável, ou, sequer, útil, a essa questão podemos abster-nos de responder
enquanto o nosso objectivo for o de meramente explicitar como tenta Kant assegurar
que o juízo de gosto é um juízo estético universalmente válido a priori.
94
Para uma compreensão esquemática deste processo, remetemos o leitor para o anexo
“2. Articulação”.
essa dedução «é tão fácil» (Kant, 1998: 192) pelo facto de o juízo de gosto
afirmar
somente que estamos autorizados a pressupor universalmente em cada
homem as mesmas condições subjectivas da faculdade do juízo que
encontramos em nós, e ainda, que sob estas condições subsumimos
correctamente o objecto dado (wir unter diesen Bedingungen das
gegebene Objekt richtig subsumiert haben) (Kant, 1998: 192),
e, logo a seguir, no §39, onde o nosso autor acrescenta que
aquele que julga com gosto (contanto que ele não se engane nesta
consciência e não tome a matéria pela forma, o atractivo pela beleza
(wenn er nur in diesem Bewusstsein nicht irrt und nicht die Materie für
die Form, Reiz für Schönheit nimmt)) pode postular em todo o outro a
conformidade a fins subjectiva, isto é o seu comprazimento no objecto,
e admitir o seu sentimento como universalmente comunicável e na
verdade sem mediação dos conceitos (Kant, 1998: 195).95
A questão que emerge, neste contexto, é a de saber se aquele que ajuíza
pode estar certo de fazer a subsunção correcta, de subsumir correctamente
o objecto dado, de ajuizar com gosto – poderá ele ter a certeza de que
ajuíza através do gosto, de que profere um juízo de gosto, de que o seu
juízo é alicerçado num comprazimento desinteressado?
Na Fundamentação da Metafísica dos Costumes, a propósito da acção
moral, Kant indica que
não se pode (…) provar com exactidão a partir de nenhum exemplo que
a vontade seja aqui determinada unicamente pela lei sem qualquer outro
móbil para além dela, ainda que o pareça, pois é sempre possível que o
temor do opróbio, talvez mesmo uma obscura premonição de outros
perigos, tenham sobre a vontade uma secreta influência (Kant, 2003:
89).96
95
Tendo em conta a argumentação por nós anteriormente apresentada, consideramos
que, também nesta passagem, “ansinnen” seria melhor traduzido por “imputar” – e
não por “postular”, como é o caso.
96
A questão em causa é a de saber «[c]omo provar através da experiência a não
realidade de uma causa, se a experiência nada nos ensina para além do facto de que
somos incapazes de apreender essa mesma causa?» (Kant, 2003: 89). Antecipando
essa questão, Kant, na mesma obra, assinala que «é perfeitamente impossível
98
Trata-se – usando novamente as palavras de Guyer – de um «juízo empírico acerca
do seu próprio estado mental», de uma «hipótese acerca de um troço da sua própria
história mental, onde há sempre espaço para erro e motivação escondida» (Guyer,
1997: 134), trata-se de «um juízo acerca de uma ligação causal particular na minha
própria história mental» (Guyer, 1997: 147), trata-se de um juízo caracterizado por
«hipóteses e conjecturas acerca de conexões causais na história mental da pessoa»
(Guyer, 1997: 182), trata-se de um juízo empírico acerca da própria história mental
de alguém» (Guyer, 1997: 292).
auf einen besondern Fall)», sendo que «com isso a autorização em geral
não é suprimida (wodurch die Befugnis überhaupt nicht aufgehoben
wird)» (Kant, 1998: 268). Não existirá, neste contexto, aquilo a que, no
§8, Kant chama «juízo de gosto erróneo (irriges Geschmacksurteil)»
(Kant, 1998: 105). Um juízo de gosto erróneo não é um juízo de gosto; é
um juízo que assenta em algo que não o sentimento de prazer na harmonia
livre das faculdades de conhecimento entre si por ocasião da representação
de um objecto.99 Tal não significa que aquele que ajuíza esteja ou sequer
possa estar certo de que o juízo de gosto que profere é efectivamente um
juízo de gosto – significa apenas que esse juízo é um juízo de gosto,
independentemente de se estar ou não estar certo de que o é, de poder-se
ou não se poder estar certo de que o é. Não é colocada em causa, assim,
através da introdução da possibilidade de ajuizar-se erradamente, a
argumentação de Kant em prol da validade universal a priori do juízo de
gosto. Se aquele que ajuíza profere um juízo de gosto, então, segundo
Kant, ele reivindica de todos os outros a aprovação, reclama deles, sejam
eles quem forem, sem excepção, o assentimento ao seu juízo, singular,
presume em qualquer um deles a adesão a esse juízo, imputa-lhes, atribui-
lhes, o mesmo comprazimento, como se este fosse um predicado do
conhecimento do objecto, exige-lhes o seu acordo.
***
99
De resto, apesar de usar a expressão juízo de gosto erróneo e de indicar que aquele
que ajuíza profere juízos de gosto erróneos, Kant não deixa de referir «aquele que crê
proferir um juízo de gosto (der, welcher ein Geschmacksurteil zu fällen glaubt)», e
não aquele que efectivamente profere um juízo de gosto (Kant, 1998: 105).
100
Talvez o principal problema da argumentação de Kant em prol da validade
universal a priori do juízo de gosto se prenda com a suposição de que a relação livre
e harmónica das faculdades de conhecimento daquele que ajuíza ocorre sob as mesmas
condições em todos aqueles que ajuízam. Essa ocorrência é contingente. Aliás, como
alerta Guyer, é precisamente por ser contingente que «a ocorrência desta harmonia
ocasiona um prazer que não é sentido em todos os casos de conhecimento» (Guyer,
1997: 288). Assim, «se há um problema para a dedução de Kant do juízo estético, é
que uma similaridade geral das faculdades de conhecimento humanas não parece
implicar que nós temos todos de responder da mesma maneira a objectos particulares»
(Guyer, 1997: 305). É essa implicação, contudo, que uma dedução transcendental do
juízo de gosto exige.
101
O nosso autor escreve também os termos latinos correspondentes, respectivamente
effectus e opus.
102
Uma eventual distinção entre artístico (künstlich) e artificial (künstlich) prender-
se-á unicamente com o carácter não casual das obras de arte. Todos os objectos
artísticos são objectos artificiais – não naturais, portanto – mas nem todos os objectos
artificiais são objectos artísticos: entre os objectos artificiais, uns há que são obras de
arte; outros, produtos do acaso. Ainda assim, devemos salientar que os termos por nós
referidos partem de uma única e mesma palavra: künstlich.
103
Não só no §43, mas também no §90, já na “Crítica da Faculdade de Juízo
Teleológica”, concretamente numa nota às inferências segundo a analogia, Kant
recusa qualquer identificação da arte com aquilo que ele designa por «instinto artístico
(Kunstinstinkt)» (Kant, 1998: 372) ou «faculdade artística animal (tierischen
Kunstvermögen)» (Kant, 1998: 425), vedando o acesso dos animais ao terreno da
primeira. Isso não significa, contudo, que ele os considere máquinas – de acordo com
o nosso autor, os animais estão, aliás, «unidos ao homem (enquanto seres vivos)
segundo o género», pois «também agem segundo representações» (Kant, 1998: 426);
o que, no entanto, não se pode concluir é que os animais têm uma razão igual à dos
homens ou sequer uma razão (cf. Kant, 1998: 425-426).
104
Salvaguarde-se, entretanto, a possibilidade de eventuais cruzamentos entre
algumas das referidas ramificações: a arte mecânica, por exemplo, pode
simultaneamente ser um ofício (arte remunerada).
105
Na primeira alínea do §43, não obstante não usar a palavra fim (Zweck), Kant
sugere que no caso de uma obra de arte o efeito é «pensado pela causa» (Kant, 1998:
207).
106
Se quisermos citar a parte final do §45, diremos que essas são as «regras segundo
as quais unicamente o produto pode tornar-se aquilo que ele deve ser» (Kant, 1998:
211).
real de sua possibilidade) (Zweck ist der Gegenstand eines Begriffs, sofern
dieser als die Ursache von jenem (der reale Grund seiner Möglichkeit)
angesehen wird)», concluindo que «[o]nde pois não é porventura pensado
simplesmente o conhecimento de um objecto mas o próprio objecto (a
forma ou existência do mesmo) como efeito, enquanto possível somente
mediante um conceito do último, aí se pensa um fim ([w]o also nicht etwa
bloß die Erkenntnis von einem Gegenstande, sondern der Gegenstand
selbst (die Form oder Existenz desselben) als Wirkung, nur als durch
einen Begriff von der letztern möglich gedacht wird, da denkt man sich
einen Zweck)» (Kant, 1998: 109); finalmente, numa terceira passagem, no
§15, Kant escreve que «fim em geral é aquilo cujo conceito pode ser
considerado como fundamento da possibilidade do próprio objecto (Zweck
überhaupt dasjenige ist, dessen Begriff als der Grund der Möglichkeit des
Gegenstandes selbst angesehen werden kann)» (Kant, 1998: 117-118).
Em qualquer das três passagens citadas a noção de fim é apresentada em
estreita ligação com a noção de conceito (Begriff).107 O produto artístico
constitui-se, neste contexto, como efeito de um conceito do objecto, isto
é, como efectivação, enquanto objecto, do conceito que orientou a sua
107
Na Primeira Introdução à Crítica da Faculdade do Juízo, Kant afirma,
respectivamente, que fins são «representações que têm de ser, elas mesmas,
consideradas como condições da causalidade de seus objet os (como efeitos)»
(Kant, 1995: 69) e que «somente em produtos da arte podemos tomar
consciência da causalidade da razão em relação a objetos que por isso se
chamam finais ou fins e, quanto a eles, denominar técnica à razão é adequado à
experiência da causalidade da nossa própria faculdade» (Kant, 1995: 72); na
“Crítica da Faculdade de Juízo Teleológica”, o nosso autor dirá que «chamamos
fim o produto de uma causa, cujo fundamento de determinação é simplesmente
a representação do respectivo efeito» (Kant, 1998: 332) e que «o efeito
representado, cuja representação é ao mesmo tempo o fundamento de
determinação da causa inteligente actuante, chama-se fim» (Kant, 1998: 354).
Embora nestas passagens não seja usado o termo conceito, é evidente o acordo
de qualquer uma delas com as três anteriormente transcritas. Ressalvemos, no
entanto, que não deve ser lida nas nossas palavras qualquer identificação entre
as noções de conceito e de fim. Aliás, nem sequer pode ser afirmado que um
conceito é sempre pensado como um fim.
criação. Há, na criação artística, um nexus finalis, uma conexão das causas
ideais.108
Consideremos, complementarmente, algo que Kant escreve numa nota
à explicação do belo deduzida do “Terceiro momento do juízo de gosto,
segundo a relação dos fins que neles é considerada”. A propósito de
«coisas nas quais se vê uma forma (Form) conforme a fins, sem
reconhecer nelas um fim», isto é, de objectos que «em sua figura (Gestalt)
[denunciam] claramente uma conformidade a fins, para a qual não se
conhece o fim», o nosso autor assinala que «o facto de que se os considera
uma obra de arte é já suficiente para ter que admitir que a gente refere a
sua figura a alguma intenção qualquer e a um fim determinado (dass man
sie für ein Kunstwerk ansieht, ist schon genug, um gestehen zu müssen,
dass man ihre Figur auf irgend eine Absicht und einen bestimmten Zweck
bezieht)» (Kant, 1998: 268). Se assim é, temos de concluir não apenas que
o artista refere a figura do seu objecto à intenção que orientou a sua
construção, isto é, à «determinada intenção de produzir algo (bestimmte
Absicht etwas hervorzubringen)» que, no §45, Kant sublinhará que «a arte
tem sempre (hat Kunst jederzeit)» (Kant, 1998: 210), mas também que a
própria declaração desse objecto como artístico pressupõe a referência da
sua figura ao conceito de um fim – ao ajuizarmos um objecto como obra
de arte, somos obrigados a considerar um fim determinado, somos
108
Vejamos o que significa conexão das causas ideais (die
Idealenursachenverknüpfung). Trata-se de «uma ligação causal segundo um conceito
da razão (de fins), ligação que, se a considerarmos como uma série, conteria tanto no
sentido descendente, como no ascendente uma forma de dependência, na qual a coisa,
que uma vez foi assinalada como efeito, passa então no sentido ascendente a merecer
o nome de uma causa daquela coisa de que ela fora o efeito» (Kant, 1998: 289-290).
Apesar de Kant só referir uma tal conexão já na “Crítica da Faculdade de Juízo
Teleológica”, pelo menos utilizando exactamente essa expressão, ele refere-a
sugerindo tratar-se de uma conexão que facilmente se encontra no domínio da arte.
Observe-se, a propósito, o exemplo do objecto casa: «a casa (…) na verdade é a causa
dos rendimentos que são recebidos pelo respectivo aluguer, porém também
inversamente foi a representação deste possível rendimento a causa da construção da
casa» (Kant, 1998: 290). É neste âmbito que nos parece relevante assinalar a noção de
conexão das causas ideais.
109
Facilmente se observa, nas nossas palavras, um uso indistinto dos termos forma,
eleito por António Marques e Valério Rohden para traduzir Form, e figura, eleito
pelos mesmos tradutores para abarcar os termos Gestalt e Figur. A possibilidade de
ser o próprio Kant a permitir-nos tal uso poderá ser atestada na secção “Forma”,
nomeadamente através da recorrência a passagens dos §14 (cf. Kant, 1998: 116), §16
(cf. Kant, 1998: 120-121), §30 (cf. Kant, 1998: 179-180) e §48 (cf. Kant, 1998: 216-
217). Por ora, não precisamos de citar essas passagens. Em si mesma, a
supramencionada nota à explicação do belo deduzida do “Terceiro momento do juízo
de gosto, segundo a relação dos fins que neles é considerada” envolve um uso
indistinto dos termos Form, Gestalt e Figur.
110
De acordo com o §15, como já vimos, a conformidade a fins objectiva «é a
referência do objecto a um fim determinado (die Beziehung des Gegenstandes auf
einen bestimmten Zweck)» (Kant, 1998: 117).
111
É igualmente no §15, como também já vimos, que Kant identifica a conformidade
a fins objectiva interna com a perfeição, assim como identifica a conformidade a fins
objectiva externa com a utilidade (cf. Kant, 1998: 117).
112
Na Primeira Introdução à Crítica da Faculdade do Juízo, lê-se, no mesmo sentido,
que «perfeição, como mera completude da pluralidade na medida em que constitui
Assim, na parte final desse parágrafo, Kant afirma que «[u]m juízo de
gosto seria puro com respeito a um objecto com fim interno determinado
somente se aquele que julga não tivesse nenhum conceito desse fim ou se
abstraísse dele em seu juízo ([e]in Geschmacksurteil würde in Ansehung
eines Gegenstandes von bestimmtem innern Zwecke nur alsdann rein sein,
wenn der Urteilende entweder von diesem Zwecke keinen Begriff hätte,
oder in seinem Urteile davon abstrahierte)» (Kant, 1998: 122). O mesmo
é dizer que um tal objecto pode ser declarado belo. Podemos declará-lo
como tal se ignorarmos a finalidade interna determinada que está no seu
fundamento ou se no nosso juízo abstrairmos dela.
Considerando aquilo que expusemos até agora, podemos concluir que
a declaração de um objecto como belo nada tem a ver com a representação
de uma conformidade a fins objectiva, seja essa interna ou externa.
Artístico ou natural, o objecto será declarado belo se, por ocasião da sua
representação, aquele que ajuíza sentir uma harmonia livre das suas
faculdades de conhecimento entre si, por conseguinte, se ele observar uma
conformidade a fins sem fim, uma conformidade a fins subjectiva, uma
conformidade a fins formal.
No que diz respeito aos objectos da natureza, mais do que ignorarmos
qual o fim interno determinado a que a sua criação poderá ter estado
submetida, não temos conhecimento de que essa criação tenha estado
submetida a um conceito de um fim. Assim, no caso do «belo na figura
humana», de acordo com a “Observação geral sobre a exposição dos juízo
reflexivos estéticos”,
não temos que recorrer a conceitos de fins, como fundamentos
determinantes do juízo e em vista dos quais todos os seus membros
existem, nem deixar a concordância com esses conceitos influir sobre o
nosso (então não mais puro) juízo estético (Kant, 1998: 169).
Mesmo que, aliás, concebêssemos um eventual fim interno determinado que
teria regido a criação de um objecto da natureza, essa possibilidade não
impediria que sobre um tal objecto proferíssemos um puro juízo de gosto e
que livremente pudéssemos declará-lo belo. Para que como tal pudéssemos
ajuizá-lo, teríamos de abstrair de qualquer conformidade a fins objectiva, isto
Se (…) o objecto é dado como um produto da arte e como tal deve ser
declarado belo, então tem que ser posto antes no fundamento um
conceito daquilo que a coisa deva ser, porque a arte sempre pressupõe
um fim na causa (e na sua causalidade); e visto que a consonância do
múltiplo numa coisa com vista a uma determinação interna da mesma
enquanto fim é a perfeição da coisa, assim no julgamento da beleza da
arte tem que ser tida em conta ao mesmo tempo a perfeição da coisa
(Wenn (…) der Gegenstand für ein Produkt der Kunst gegeben ist und
als solches für schön erklärt werden soll: so muss, weil Kunst immer
einen Zweck in der Ursache (und deren Kausalität) voraussetzt, zuerst
ein Begriff von dem zum Grunde gelegt werden, was das Ding sein soll;
und da die Zusammenstimmung des Mannigfaltigen in einem Dinge zu
einer innern Bestimmung desselben als Zweck die Volkommenheit des
Dinges ist, so wird in der Beurteilung der Kunstschönheit zugleich die
Volkommenheit des Dinges in Anschlag gebracht werden müssen) (Kant,
1998: 216).
De acordo com esta passagem, ajuizar um objecto artístico como belo
supõe a representação de uma conformidade a fins objectiva interna desse
objecto, representação que, como sabemos, assenta na constatação de que
o objecto exibe adequadamente o conceito de fim que o causou, isto é, na
constatação de que o objecto apresenta para esse conceito uma intuição
que lhe corresponde. Aquele que ajuíza acerca da beleza de um objecto
artístico tem de ter em conta, no seu juízo, a finalidade interna determinada
que está na causa desse objecto, não podendo, portanto, abstrair do
conceito dessa finalidade.
A questão à qual desde o início da nossa investigação nos propusemos
responder é a de saber se e sob que condições será legítimo falar-se de
bela arte, isto é, se e como poderá uma obra de arte ser declarada bela.
Contrariamente aos requisitos indispensáveis à declaração de um objecto
como artístico, a exigência que agora apresentamos parece impedir que
possa declarar-se bela uma obra de arte, pois, como vimos, o juízo
através do qual se declara belo um objecto é o juízo de gosto, juízo que,
segundo o título do §15, «é totalmente independente do conceito de
perfeição (ist von dem Begriffe der Vollkommenheit gänzlich
unabhängig)» (Kant, 1998: 117). A possibilidade de proferimento de um
juízo de gosto com respeito a um objecto com fim interno determinado
2.2. Perfeições
Regressemos ao §15. Nesse parágrafo, Kant estabelece uma distinção
entre dois tipos de perfeição, a saber, perfeição qualitativa (qualitative
114
Sublinhe-se a inexistência de qualquer incompatibilidade entre as condições
indispensáveis à declaração de um objecto como belo e os requisitos a preencher para
se declarar um objecto como artístico. Nem sequer há uma incompatibilidade entre as
mencionadas condições e a necessidade de na declaração de um objecto como artístico
se referir o objecto em causa à finalidade determinada que orientou a sua criação, isto
é, ao conceito precedente daquilo que o objecto deva ser.
115
Se «[o] juízo de gosto é totalmente independente do conceito de perfeição» (Kant,
1998: 117), então, visto que «no julgamento da beleza da arte tem que ser tida em
conta ao mesmo tempo a perfeição da coisa» (Kant, 1998: 216), a bela arte ou não é
exactamente bela ou não é exactamente artística.
gosto e, por conseguinte, que uma obra de arte não pode ser declarada
bela, que não é legítimo falar-se de bela arte.
116
Kant escreve igualmente os termos latinos correspondentes, a saber, pulchritudo
vaga e pulchritudo adhaerens.
que um juízo tem de cumprir para que se declare que algo é belo – o que
nos é permitido concluir se admitirmos que a beleza pode ser aderente, ou,
melhor, que a beleza aderente é, de direito, uma espécie de beleza – então é
permitido falar-se de bela arte.
O problema não é, no entanto, de tão fácil solução. Será legítima a
introdução de uma espécie de beleza cujos critérios entram em conflito
com os critérios da própria beleza? Admitir a beleza aderente como uma
espécie de beleza obrigaria a admitir que o juízo através do qual se declara
belo um objecto não é necessariamente o juízo de gosto, pois o juízo de
gosto é totalmente independente do conceito de perfeição. 117 Kant não
admite que o juízo através do qual se declara belo um objecto não é
necessariamente o juízo de gosto. No entanto, ele estabelece uma distinção
entre juízos de gosto que é análoga à distinção entre beleza livre e beleza
aderente, a saber, a distinção entre puro juízo de gosto (reines
Geschmacksurteil) e juízo de gosto aplicado (angewandtes
Geschmacksurteil). Assim, na parte final do §16, sugerindo a
possibilidade de dois indivíduos discordarem acerca da beleza de um
objecto, o nosso autor afirma que
[a]través desta distinção pode-se dissipar muita dissenção dos juízos de
gosto sobre a beleza, enquanto se lhes mostra que um considera a beleza
livre, o outro a beleza aderente, o primeiro profere um juízo de gosto
puro, o segundo um juízo de gosto aplicado (der erstere ein reines, der
zweite ein angewandtes Geschmacksurteil fälle) (Kant, 1998: 122).
A questão que emerge é a de saber se a noção de juízo de gosto aplicado é,
ela mesma, legítima, ou, melhor, a questão de saber se é legítimo admitir
uma espécie de juízo de gosto cujos critérios entram em conflito com os
critérios do próprio juízo de gosto enquanto juízo estético. Nada do que até
agora expusemos sustenta uma tal admissão. Um juízo de gosto é um juízo
estético, portanto um juízo cujo fundamento de determinação é o sentimento
de prazer ou desprazer que se liga à representação do objecto. O juízo de
117
Repetimo-lo: «O juízo de gosto é totalmente independente do conceito de
perfeição» (Kant, 1998: 117).
Não deixa de ser relevante salientar, por outro lado, os exemplos que, no §16,
Kant dá de objectos que são do âmbito da beleza aderente. Aí, o nosso autor
fornece exemplos não apenas de objectos artísticos, mas também de objectos
naturais, cuja beleza é aderente, nomeadamente seres humanos e cavalos:
a beleza de um ser humano (e dentro desta espécie a de um homem ou
uma mulher ou uma criança), a beleza de um cavalo, de um edifício
(como igreja, palácio, arsenal ou casa de campo) pressupõe um conceito
do fim que determina o que a coisa deve ser, por conseguinte um
conceito da sua perfeição, e é portanto beleza simplesmente aderente
(setzt einen Begriff von Zwecke voraus, welcher bestimmt, was das Ding
sein soll, mithin einen Begriff seiner Vollkommenheit, und ist also bloß
adhärirende Schönheit) (Kant, 1998: 121).
A inclusão de objectos naturais no âmbito da beleza aderente – e, portanto,
dos juízos de gosto aplicados ou dos juízos estéticos logicamente
condicionados – não pode ser compreendida sem a introdução da noção
de ideal da beleza (Ideale der Schönheit). Kant explicita-a no §17. De
acordo com o que está escrito nesse parágrafo, ideal (Ideal) significa «a
representação de um ente individual como adequado a uma ideia (die
Vorstellung eines einzelnen als einer Idee adäquaten Wesens)», isto é,
como adequado a «um conceito da razão» (Kant, 1998: 123). Embora
«certamente repousando sobre a ideia indeterminada da razão de um
máximo», o ideal da beleza «não pode no entanto ser representado
mediante conceitos (doch kann nicht durch Begriffe vorgestellt werden)»
118
Logo depois de assinalar isso mesmo, Kant afirma que o referido ideal «não
repousa sobre conceitos (nicht auf Begriffen beruht)» (Kant, 1998: 123).
119
Esta é a maneira mais simples de responder à questão. Se, porém, quisermos
responder-lhe utilizando as distinções estabelecidas por Kant entre, respectivamente,
beleza livre e beleza aderente ou fixada e puro juízo de gosto e juízo de gosto aplicado,
juízo estético logicamente condicionado ou juízo de gosto em parte intelectualizado,
nesse caso diremos o seguinte: se por bela arte se entende uma arte cuja beleza é
declarada livremente, isto é, através de um puro juízo de gosto, então, não pode falar-
se de bela arte. Só condicionadamente, portanto através de um juízo de gosto aplicado,
de um juízo estético logicamente condicionado ou de um juízo de gosto em parte
intelectualizado, poderia declarar-se belo um objecto artístico – nesse caso a obra de
arte seria condicionadamente bela. Tal, porém, significaria confundir o juízo de gosto
com um juízo acerca da perfeição.
***
120
Ainda assim, não deixa de ser de destacar a separação que, na passagem
supracitada, Hughes estabelece entre gosto, por um lado, e beleza aderente, por outro.
121
Numa abordagem que faz do §42, a comentadora refere mesmo que «o puro
juízo de gosto (…) é agora explicitamente estendido para incluir a resposta à
beleza na arte» (Schaper, 2007: 388); mais à frente, ela acrescenta que a beleza
dos produtos do génio «pode ser ajuizada como puramente formal em puros juízos
de gosto» (Schaper, 2007: 392).
122
Para tal, a intérprete aborda a questão de saber se «os fundamentos para a distinção
entre duas espécies de beleza são os mesmos para a natureza e para a arte» (Schaper,
2003: 102), isto é, «se Kant pretende dar as mesmas razões ou aplicar os mesmos
critérios para a atribuição da beleza pura a objectos naturais e a objectos feitos pelo
homem» (Schaper, 2003: 105). Mas ela não estabelece qualquer relação entre a sua
abordagem e o que é escrito no §48 da Crítica da Faculdade do Juízo.
123
Não elencaremos as ocorrências da expressão bela arte na Crítica da Faculdade
do Juízo. Algumas dessas ocorrências foram enunciadas na introdução a esta tese.
Citemos apenas o título do §44: «Da bela arte (Von der schönen Kunst)» (Kant, 1998:
208).
124
Ora, nós temos vindo a sustentar que tais juízos não são juízos de gosto, que a
beleza livre não é uma beleza.
para que se afirme a possibilidade de uma obra de arte ser declarada bela
através de um (puro) juízo de gosto, a aptidão das obras de arte para a
beleza (livre), a possibilidade de as obras de arte serem (livremente)
declaradas belas, a legitimidade de falar-se de bela arte enquanto arte
que é (livremente) declarada bela. Se esse for efectivamente o caso,
então um objecto artístico não pode ser ajuizado através de um juízo de
gosto, uma obra de arte não pode ser declarada bela, não é legítimo falar-
se de bela arte.
Esse poderá não ser o caso, no entanto. Henry E. Allison, por exemplo,
considera que «[m]esmo quando passa para a natureza da produção
artística e sua relação com o génio (…) Kant continua a orientar-se em
direcção ao juízo de gosto» (Allison, 2001: 271). Nesse sentido, em Kant’s
Theory of Taste, o comentador assinala que «a preocupação básica» de
Kant «poderá ser descrita como contribuir para a possibilidade de um puro
juízo de gosto relativo à bela arte» (Allison, 2001: 271).125 Ainda que a
interpretação de Allison possa ser incorrecta e que, ao falar de bela arte,
Kant possa remeter apenas para uma arte condicionadamente bela, facto é
que Kant menciona objectos artísticos como sendo livremente declarados
belos. Fá-lo no §16, ao afirmar, explicitamente, que «os desenhos à la
grecque, a folhagem para molduras ou sobre papel de parede (die
Zeichnungen à la grecque, das Laubwerk zu Einfassungen oder auf
Papiertapeten)», objectos artísticos, «são belezas livres (sind freie
Schönheiten)» (Kant, 1998: 120). Fá-lo, igualmente, no seguimento dessa
afirmação, ao referir «o que na música se denomina fantasias (sem tema),
125
Entretanto, as considerações de Allison a este propósito reaparecem mais à frente
na sua obra: do seu ponto de vista, «é precisamente o problema de justificar a
possibilidade da produção de uma bela obra de arte» aquilo «que leva Kant de um
foco exclusivo na questão do gosto (ou de uma “recepção estética”) a uma
preocupação com a produção artística (ou de uma “criação estética”)» (Allison, 2001:
279). Por essa razão, no entender do intérprete, «só à luz desse problema é que
podemos compreender a função sistemática da discussão de Kant acerca da bela arte
no interior da Crítica da Faculdade do Juízo» (Allison, 2001: 279). Note-se, de resto,
que os parágrafos da terceira Crítica directamente concernentes à bela arte se situam
na chamada “Dedução dos juízos estéticos puros”.
e até toda a música sem texto (das, was man in der Musik Phantasieen
(ohne Thema) nennt, ja die ganze Musik ohne Text)», também, esses,
objectos artísticos, como exemplos de objectos que «se pode contar como
da mesma espécie (man kann das zu derselben Art zählen)» (Kant, 1998:
120). Nestes excertos, do §16, de facto, Kant apresenta exemplos de
objectos artísticos que são livremente declarados belos, exemplos de
objectos artísticos que são declarados belos através de puros juízos de
gosto. É este o terceiro e mais decisivo facto que devemos salientar do
texto de Kant. De maneira nenhuma podemos ignorá-lo. A sua aceitação
tem como consequência a aceitação de que uma obra de arte pode ser
(livremente) declarada bela, a aceitação de que uma obra de arte pode ser
declarada bela através de um (puro) juízo de gosto. De outra maneira: a
sua aceitação tem como consequência a aceitação de que um objecto
artístico pode ser ajuizado através de um juízo de gosto, de que uma obra
de arte pode ser declarada bela, de que é legítimo falar-se de bela arte.
Paul Guyer reconhece o seu carácter decisivo. Em Kant and the Claims of
Taste, ele assinala que os próprios exemplos dados por Kant «tornam claro
que pelo menos algumas obras de arte podem ser consideradas belezas
livres» (Guyer, 1997: 222). Resta-nos descobrir como podem obras de arte
ser consideradas belezas livres.
126
Não defendemos, com esta afirmação, que, a partir do §44, Kant tem como
objectivo a sustentação da possibilidade de falar-se de bela arte.
127
Assim, de acordo com o que Guyer propõe, «uma obra de bela arte é um objecto
intencionalmente produzido pela capacidade humana com o objectivo de produzir
prazer nos elementos do seu público ocupando as suas faculdades de conhecimento
superiores e induzindo um jogo harmónico entre a sua imaginação e o seu
entendimento» (Guyer, 1997: 355).
(muss zuerst ein Begriff von dem zum Grunde gelegt werden, was das Ding
sein soll)» e «tem que ser tida em conta ao mesmo tempo a perfeição da
coisa (wird zugleich die Volkommenheit des Dinges in Anschlag gebracht
werden müssen)» (Kant, 1998: 216). Se consideramos essa informação,
não devemos deixar ficar a nossa indagação pelo §44, pois o que é
afirmado nesse parágrafo não anula nem sequer diminui, por si só, as
dificuldades causadas por aquele outro.128
Como título do §45, Kant escreve: «Bela arte é uma arte enquanto ao
mesmo tempo parece ser natureza (Schöne Kunst ist eine Kunst, sofern
sie zugleich Natur zu sein scheint)» (Kant, 1998: 210). No caso da beleza
da natureza, como já vimos, a representação da conformidade a fins do
objecto não envolve um conceito daquilo que esse objecto deva ser.
Parecer ser natureza (Natur zu sein scheinen), de acordo com o que nos é
dado a entender no §45, significa que a conformidade a fins do produto
parece livre, parece não intencional, parece não submetida às «regras
segundo as quais unicamente o produto pode tornar-se aquilo que ele deve
ser (Regeln, nach denen allein das Produkt das werden kann, was es sein
soll)» (Kant, 1998: 211).129 Assim, no caso da bela arte, esconde-se «a
forma escolástica (die Schulform)» e qualquer «vestígio de que a regra
tenha pairado diante do artista e tenha algemado as faculdades do ânimo
(Spur, dass die Regel dem Künstler vor Augen geschwebt und seinen
Gemütskräften Fesseln angelegt habe)» (Kant, 1998: 211).
128
Neste estádio da nossa investigação, continuamos obrigados a afirmar que não pode
declarar-se belo um objecto artístico, que um objecto artístico não pode ser ajuizado
através de um juízo de gosto. No entanto, devemos notar desde já que, analisados por
relação com os conteúdos de outros parágrafos da Crítica da Faculdade do Juízo, os
conteúdos do §44 revelar-se-ão importantes na compreensão das condições de
possibilidade de falar-se de bela arte. O mesmo pode ser assinalado relativamente aos
conteúdos do §45.
129
Segundo Allison, isso quer dizer que o objecto tem de «comprazer de uma certa
maneira, nomeadamente, no simples julgamento ou reflexão independentemente de
um conceito», de uma maneira «que preserve a liberdade da imaginação», por outras
palavras, que o objecto tem de «ocasionar uma harmonia das faculdades em jogo
livre» (Allison, 2001: 276).
Aquilo que se impõe saber, porém, é se uma tal condição para que a
arte seja bela tem, por si só, alguma utilidade para sustentar a hipótese de
uma resposta afirmativa à questão acerca da legitimidade da noção de bela
arte. Ao longo do §45, Kant salienta que a beleza da arte depende não
apenas de essa arte parecer ser natureza, mas também da consciência de
que se trata de arte, de que é arte.130 Se assim é, então nós sabemos que a
conformidade a fins do objecto é efectivamente intencional e, de acordo
com o §48, que somos obrigados a tê-la em conta no julgamento da beleza
do objecto (cf. Kant, 1998: 216). Nesse caso, o movimento das faculdades
de conhecimento entre si por ocasião da representação do objecto será um
movimento conforme a fins, mas que, não sendo um movimento livre, não
será conforme a fins sem fim. Nem o juízo será um juízo de gosto, nem o
objecto poderá ser declarado belo. Assim, na ausência de mais
explicações, não pode aceitar-se a afirmação de Kant, de acordo com a
qual «quer se trate da beleza da natureza ou da arte, podemos dizer de um
modo geral: belo é aquilo que apraz no simples julgamento (não na
sensação sensorial nem mediante um conceito) (wir können allgemein
sagen, es mag die Natur- oder die Kunstschönheit betreffen: schön ist das,
was in der bloßen Beurteilung (nicht in der Sinnenempfindung, noch durch
einen Begriff) gefällt)» (Kant, 1998: 210). No caso da arte, aquilo a que se
chama beleza não parece poder aprazer no simples julgamento. Logo, a
isso não pode chamar-se beleza. Não pode declarar-se bela uma obra de
arte. A resposta à questão de saber se pode falar-se de bela arte é, então,
uma resposta negativa: não pode falar-se de bela arte.
130
Kant repete-o, insistentemente, no mesmo parágrafo: afirma, primeiro, que «[f]ace
a um produto da bela arte temos que tomar consciência que ele é arte e não natureza
([a]n einem Produkte der schönen Kunst muss man sich bewusst werden, dass es
Kunst sei und nicht Natur)» (Kant, 1998: 210); reitera, depois, que «a arte somente
pode ser denominada bela se temos consciência de que ela é arte e que ela apesar disso
nos parece ser natureza (die Kunst kann nur schön genannt werden, wenn wir uns
bewusst sind, sie sei Kunst, und sie uns doch als Natur aussieht)» (Kant, 1998: 210);
sublinha, finalmente, que «a bela arte tem que passar por natureza, conquanto na
verdade tenhamos consciência dela como arte (schöne Kunst muss als Natur
anzusehen sein, ob man sich ihrer zwar als Kunst bewusst ist)» (Kant, 1998: 211).
131
No entender de S. Körner, esta passagem indica que a perspectiva segundo a qual
«não há quaisquer padrões de medida ou critérios conceptuais da beleza quer na arte
quer na natureza é absolutamente incompatível com o espírito e mesmo com a letra
da filosofia do gosto kantiana» (Körner, 1984: 194)
132
Não anunciamos com esta frase qualquer recusa do que Kant afirma no §48.
Limitamo-nos a indicar que, mais à frente, retomaremos as afirmações de Kant nesse
parágrafo. De resto, voltaremos igualmente àquilo que o nosso autor escreve nos §15-
§16.
2.1. Génio
Começámos por indicar, no capítulo inaugural da nossa tese, que o juízo
através do qual se declara belo um objecto é o juízo de gosto. Ainda na
primeira parte desse capítulo, transcrevemos o título do §15: «O juízo de
gosto é totalmente independente do conceito de perfeição (Das
Geschmacksurtheil ist von dem Begriffe der Vollkommenheit gänzlich
unabhängig)» (Kant, 1998: 117). A questão de saber se e sob que
condições será legítimo falar-se de bela arte – questão que guia esta nossa
investigação – foi suscitada quando se adicionou, às afirmações
supracitadas, a tese, do §48, segundo a qual no julgamento da beleza da
arte «tem que ser posto antes no fundamento um conceito daquilo que a
coisa deva ser (muss zuerst ein Begriff von dem zum Grunde gelegt
werden, was das Ding sein soll)» e «tem que ser tida em conta ao mesmo
tempo a perfeição da coisa (wird zugleich die Volkommenheit des Dinges
in Anschlag gebracht werden müssen)» (Kant, 1998: 216). Suspendámo-
la provisoriamente. Centremo-nos no primeiro parágrafo directamente
concernente à noção de génio (Genie). O §46 afigura-se indispensável
para a elaboração de uma resposta suficientemente fundamentada à
questão de saber se e como poderá falar-se de bela arte. Fá-lo desde logo
por intermédio da frase que o intitula. Ei-la: «Bela arte é arte do génio
(Schöne Kunst ist Kunst des Genies)» (Kant, 1998: 211).133 Se, no
entender de Kant, bela arte é arte do génio, então, compreender o que é o
génio anuncia-se incontornável para compreender a concepção kantiana
de bela arte.
No início do §46, Kant assinala que o génio é uma «faculdade
produtiva (produktives Vermögen)» (Kant, 1998: 211). Recordemos algo
que salientámos no primeiro capítulo da nossa tese: o juízo através do qual
se declara belo um objecto não se funda em conceitos. O belo não pode
ser determinado mediante conceitos. Se assim é, a regra da bela arte não
pode fundar-se num conceito. Ela não pode ser uma regra determinada.
Ora, na primeira conclusão que apresenta acerca da noção de génio,
precisamente no §46, Kant descreve-o como «um talento para produzir
aquilo para o qual não se pode fornecer nenhuma regra determinada (ein
Talent sei, dasjenige, wozu sich keine bestimmte Regel geben
hervorzubringen lässt)» (Kant, 1998: 212). O génio é um talento para a
produção da beleza, um talento para criar obras de arte belas, um talento,
portanto, para a bela arte. Embora apenas gramaticalmente, vemo-lo
antecipado no já citado título do §46 (cf. Kant, 1998: 211).134
Ainda no início do §46, Kant assinala que «o próprio talento enquanto
faculdade produtiva inata do artista pertence à natureza (das Talent als
angebornes produktives Vermögen des Künstlers selbst zur Natur
gehört)» e que «[g]énio é a inata disposição do ânimo (ingenium), pela
133
Se quisermos ser exactos, diremos que a primeira referência que na “Crítica da
Faculdade de Juízo Estética” é feita à noção de génio ocorre numa nota do §17, acerca
do ideal da beleza. Aí, o nosso autor menciona aquilo «que se denomina génio
(Genie)» para dizer que, nisso que como tal é designado, «a natureza parece afastar-
se das relações normais das faculdades do ânimo em benefício de uma faculdade só»
(Kant, 1998: 268). Daremos o devido destaque a essa referência no último capítulo da
nossa dissertação.
134
As razões não meramente gramaticais para que a bela arte seja a arte do génio –
assim como as consequências que podemos extrair dessa afirmação, e mesmo as
condições para o seu proferimento – serão abordadas mais à frente.
135
Ainda nos §46 e §47, Kant nota, respectivamente, que é «como natureza (als
Natur)» que o génio «fornece a regra (die Regel gebe)» (Kant, 1998: 212) e que «o
dom natural tem de dar a regra à arte (enquanto bela arte) (die Naturgabe der Kunst
(als schönen Kunst) die Regel geben muss)» (Kant, 1998: 214). Na medida em que
essas indicações nada ostentam no que diz respeito a uma proporção especial das
faculdades do ânimo, elas não são por nós consideradas tão relevantes quanto as outras
que citámos. Mesmo assim, elas ajudam a compreender que aquele que é dotado de
génio dá a regra à bela arte através da sua natureza, genial.
136
No §47, Kant adjectiva de «preferidos pela natureza (Günstlinge der Natur)
relativamente ao seu talento para a arte bela» (Kant, 1998: 213) os homens dotados
de génio, isto é, «[a]queles que merecem a honra de chamar-se génios» (Kant, 1998:
214). Mais à frente, no olhar retrospectivo que lança sobre a explicação desse talento,
afirma que «o génio é um favorito da natureza, que somente se pode considerar como
aparição rara (ein Günstling der Natur ist, dergleichen man nur als seltene
Erscheinung anzusehen hat)» (Kant, 1998: 224). A proporção das faculdades provida
aos génios é, então, algo raro. Ela não corresponde à proporção «requerida para o
gosto (zum Geschmack erfordert wird)», referida por Kant no §39, e que «também é
exigida para o são e comum entendimento que se pode pressupor em qualquer (auch
zum gemeinen und gesunden Verstande erforderlich ist, den man bei jedermann
voraussetzen darf)» (Kant, 1998: 195). De resto, no §17, Kant afirma que «se
nenhuma das disposições do ânimo é saliente sobre aquela proporção que é requerida
para constituir simplesmente um homem livre de defeitos, nada se pode esperar
daquilo que se denomina génio (wenn keine von den Gemütsanlagen über diejenige
Proportion hervorstechend ist, die erfordert wird, bloß einen fehlerfreien Menschen
auszumachen, nichts von dem, was man Genie nennt, erwartet werden darf)» (Kant,
1998: 267-268). Entretanto, o nosso autor reforça essa tese no §49, nomeadamente ao
assinalar que a reunião das faculdades da imaginação e do entendimento constitui o
génio somente «em certas relações (in gewissem Verhältnisse)» (Kant, 1998: 222).
137
Veja-se a terceira conclusão acerca do génio que é apresentada no §46, a saber, que
«o próprio autor de um produto, que ele deve ao seu génio, não sabe como para isso
as ideias se encontram nele e tão pouco tem em seu poder imaginá-las arbitrária ou
planeadamente e comunicá-las a outros em tais prescrições, que as põem em condição
de produzir produtos homogéneos (der Urheber eines Produkts, welches er seinem
Genie verdankt, selbst nicht weiß, wie sich in ihm die Ideen dazu herbei finden, auch
es nicht in seiner Gewalt hat, dergleichen nach Belieben oder planmäßig auszudenken
und anderen in solchen Vorschriften mitzutheilen, die sie in Stand setzen,
gleichmäßige Produkte hervorzubringen)» (Kant, 1998: 212). De resto, terá sido essa
a razão, no entender de Kant, por que «presumivelmente a palavra génio foi derivada
de genius, o espírito peculiar, protector e guia, dado conjuntamente a um homem por
ocasião do nascimento, e de cuja inspiração aquelas ideias originais procedem (von
dessen Eingebung jene originale Ideen herrührten)» (Kant, 1998: 212). Essas ideias
originais são as ideias estéticas, às quais daremos o devido destaque na subsecção
seguinte.
138
A esse propósito, é de citar não apenas o início da conclusão mencionada na nota
anterior, a saber, «o génio (…) ele próprio não pode descrever ou indicar
cientificamente como realiza o seu produto (es, wie es sein Produkt zu Stande bringe,
selbst nicht beschreiben, oder wissenschaftlich anzeigen könne)» (Kant, 1998: 212),
mas também a referência que, no parágrafo seguinte, Kant faz a dois génios, ou,
melhor, a dois homens com génio: «nenhum Homero ou Wieland pode indicar como
as suas ideias imaginosas, e contudo ao mesmo tempo cheias de pensamento, surgem
e se reunem na sua cabeça, porque ele mesmo não o sabe e portanto também não o
pode ensinar a nenhum outro (kein Homer oder Wieland anzeigen kann, wie sich seine
phantasiereichen und doch zugleich gedankenvollen Ideen in seinem Kopfe hervor
und zusammen finden, darum weil er es selbst nicht weiß und es also auch keinen
andern lehren kann)» (Kant, 1998: 213). Notemos, de resto, que a regra da bela arte
«não pode ser surpreendida numa fórmula e servir como preceito; pois de contrário o
juízo sobre o belo seria determinável segundo conceitos (kann in keiner Formel
abgefasst zur Vorschrift dienen; denn sonst würde das Urteil über das Schöne nach
Begriffen bestimmbar sein)» (Kant, 1998: 214), que o génio «é um talento para a arte,
não para a ciência, a qual tem que ser precedida por regras claramente conhecidas que
têm que determinar o seu procedimento (ein Talent zur Kunst sei, nicht zur
Wissenschaft, in welcher deutlich gekannte Regeln vorangehen und das Verfahren in
derselben bestimmen müssen)» (Kant, 1998: 223) e que a bela arte (arte do génio) não
é «um produto do entendimento e da ciência (ein Produkt des Verstandes und der
Wissenschaft)» (Kant, 1998: 260).
139
Por exemplo, «não se pode aprender a escrever com engenho, por mais minuciosos
que possam ser todos os preceitos da arte poética e por mais excelentes que possam
ser os meus modelos (man kann nicht geistreich dichten lernen, so ausführlich auch
alle Vorschriften für die Dichtkunst und so vortrefflich auch die Muster derselben sein
mögen)» (Kant, 1998: 213).
140
Tal como acontece no que concerne à noção de génio, também a primeira
ocorrência da noção de ideia estética na “Crítica da Faculdade de Juízo Estética” se
dá no §17, acerca do ideal da beleza. Aí, porém, estava em causa «a ideia normal
estética (die ästhetische Normalidee)» (Kant, 1998: 124). A ideia normal estética é
«uma intuição singular (da faculdade da imaginação), que representa o padrão de
medida do [julgamento de uma coisa] como de uma coisa pertencente a uma espécie»
(Kant, 1998: 124), é «a regra», é «somente a forma, que constitui a condição
imprescindível de toda a beleza, por conseguinte simplesmente a correcção na
exposição da espécie» (Kant, 1998: 126). Como tal, ela «não pode conter nada
especificamente característico; pois de contrário não seria ideia normal para a
espécie» (Kant, 1998: 126). Não é a esse tipo de ideia estética que o nosso autor faz
referência no §49 e na primeira observação que se segue ao §57.
141
Kant utiliza mais do que uma vez a mesma denominação. Veja-se a primeira
observação que se segue à resolução da antinomia do gosto, observação na qual o
nosso autor diz crer «que se pode denominar a ideia estética uma representação
inexponível da faculdade da imaginação (eine inexponible Vorstellung der
Einbildungskraft)» (Kant, 1998: 250) e acrescenta que «visto que conduzir a conceitos
uma representação da faculdade da imaginação equivale a expô-los, assim a ideia pode
denominar-se uma representação inexponível da mesma (em seu jogo livre) (eine
inexponible Vorstellung derselben (in ihrem freien Spiele))» (Kant, 1998: 251).
142
A inadequabilidade essencial entre as ideias estéticas e os conceitos do
entendimento também é repetidamente referida por Kant. Atente-se, nesse sentido, ao
que ele afirma no §49, a saber, que «[t]ais representações da faculdade da imaginação
podem chamar-se ideias (…) principalmente, porque nenhum conceito lhes pode ser
plenamente adequado enquanto intuições internas (ihnen als innern Anschauungen
kein Begriff völlig adäquat sein kann)» (Kant, 1998: 219-220), e, igualmente, à
primeira observação que se segue ao §57, na qual Kant assinala que «[u]ma ideia
estética não pode tornar-se um conhecimento porque ela é uma intuição (da faculdade
da imaginação), para a qual jamais pode encontrar-se adequadamente um conceito
(eine Anschauung (der Einbildungskraft) ist, der niemals ein Begriff adäquat
gefunden werden kann)» (Kant, 1998: 249-250) e que «numa ideia estética o
entendimento jamais alcança através dos seus conceitos a inteira intuição interna da
faculdade da imaginação, que ela liga a uma representação dada (erreicht bei einer
ästhetischen Idee der Verstand durch seine Begriffe nie die ganze innere Anschauung
der Einbildungskraft, welche sie mit einer gegenenen Vorstellung verbindet)» (Kant,
1998: 251).
tanto que pensar que, como é referido no §49, «nenhuma linguagem [a]
alcança inteiramente nem [a] pode tornar compreensível (keine Sprache
völlig erreicht und verständlich machen kann)» (Kant, 1998: 219), dá
tanto que pensar que «jamais deixa compreender-se num conceito
determinado (sich niemals in einem bestimmten Begriff zusammenfassen
lässt)» (Kant, 1998: 220).
Não obstante o génio poder ser explicado pela faculdade de ideias
estéticas, a faculdade responsável pela produção de tais ideias é, ressalve-
se, a faculdade da imaginação.143 A faculdade da imaginação produ-las
«enquanto faculdade de conhecimento produtiva (als produktives
Erkenntnisvermögen)» (Kant, 1998: 219). Na bela arte, em vez de
proceder-se a uma apresentação lógica de um conceito, o que se faz, de
acordo com as palavras do §49, é ligar à «representação da faculdade da
imaginação associada a um conceito dado (eine einem gegebenen Begriffe
beigesellte Vorstellung der Einbildungskraft)» uma «multiplicidade de
representações parciais no uso livre das mesmas (eine Mannigfaltigkeit
der Teilvorstellungen in dem freien Gebrauche derselben)», naquilo que
constitui um insuflar de «espírito à linguagem enquanto simples letra
(Geist mit der Sprache, als bloßem Buchstaben)» (Kant, 1998: 222). Um
tal procedimento depende da recorrência aos atributos estéticos dos
objectos.144 É através da recorrência a esses atributos que a imaginação se
143
Como nota Lambert Zuidervaart, «[a] fonte mais precisa de ideias estéticas é não
o génio, no entanto, mas a imaginação criativa» (Zuidervaart, 2003: 200).
144
Segundo Kant, os atributos estéticos (ästhetiche Attribute) são «[a]quelas formas
que não constituem a apresentação de um dado conceito, ele mesmo, mas somente
expressam, enquanto representações secundárias da faculdade da imaginação, as
consequências conectadas com elas e o parentesco do conceito com outros (diejenigen
Formen, welche nicht die Darstellung eines gegebenen Begriffs selber ausmachen,
sondern nur als Nebenvorstellungen der Einbildungskraft die damit verknüpften
Folgen und die Verwandtschaft desselben mit andern ausdrücken)» (Kant, 1998:
220). Exemplos de atributos estéticos dados por Kant são «a águia de Júpiter com o
relâmpago nas garras» (Kant, 1998: 220) ou «o pavão da esplêndida rainha do céu»
(Kant, 1998: 220-221). Os conceitos em causa são os «da sublimidade e majestade da
criação» (Kant, 1998: 221). As ideias estéticas são Júpiter, o «poderoso rei do céu»
(Kant, 1998: 220), e Juno, a «esplêndida rainha do céu» (Kant, 1998: 220-221).
145
Rudolf A. Makkreel caracteriza a faculdade da imaginação da primeira e terceira
Críticas, respectivamente, como «faculdade de produzir e reproduzir representações
(Vorstellungen)» e como «faculdade de criar apresentações (Darstellungen)»
(Makkreel, 1994: 128). Note-se, no entanto, que a faculdade da imaginação não cria
ex nihilo. Tal como assinala o intérprete, «[a] criação envolvida nas ideias estéticas
não é uma Urbildung, ou formação original, mas uma espécie de Umbildung, ou
processo remodelador. Mediante a criação de outra natureza pela imaginação, nós
“remodelamos” a experiência de acordo com leis analógicas e os princípios superiores
da razão. No processo de remodelação, a imaginação é libertada da lei da associação
de maneira que a matéria que nos é dada pela natureza segundo essa lei “pode ser
reelaborada por nós para algo diverso (…) que ultrapassa a natureza”» (Makkreel,
1994: 120).
146
Veja-se a descrição que Vítor Moura dá daquilo a que chama vaivém cognitivo
entre as faculdades: «quando o entendimento conquista uma nova ordenação do
material fornecido pela imaginação (e. g., tal como uma águia, a majestade estende o
seu raio de acção sobre todo um território, não deixando lugar para nenhum
competidor), a imaginação responde, fornecendo uma nova imagem (e. g., a soberania
como águia vigilante pronta a atacar com o raio que traz nas suas garras) à qual o
entendimento é aplicado uma e outra vez» (Moura, 2006: 341). Ora, «quando o
entendimento tenta encontrar um conceito determinado capaz de organizar o material
proposto pela imaginação, falha e balança de novo em direcção à imagem» (Moura,
2006: 343-344). Tal acontece «[p]orque não existe nenhum conceito determinado ao
qual o entendimento se possa agarrar» (Moura, 2006: 342). Sendo assim, o
entendimento «regressa recorrentemente à imagem proposta pela imaginação e tenta
pensar a imagem qua conceito, justapondo os atributos estéticos e os atributos lógicos
de ambos os termos» (Moura, 2006: 342). Segundo Moura, esse «feedback constante
e o vaivém cognitivo entre as faculdades constituem-se como a característica mais
importante tanto da criação como da compreensão das ideias estéticas. Avaliado
enquanto sensação, este vaivém é caracterizado como “agradável”. Considerado do
ponto de vista gnoseológico, ele fortalece a consciência do nosso próprio poder de
pensar e agir. Dá-nos uma “sensação de vida” que deriva do facto de o poder intrínseco
de cada faculdade cognitiva estar a ser desenvolvido na sua máxima extensão, porque
não condicionado pela empiria» (Moura, 2006: 341).
147
Se, para reiterar que num juízo de gosto a faculdade da imaginação tem de exercer-
se livremente, quisermos abster-nos de elencar novamente as referências que fizemos
à liberdade da faculdade da imaginação quando, no primeiro capítulo da nossa tese,
descrevemos o juízo de gosto, podemos limitar-nos a mencionar o §9, no qual Kant
usa quatro vezes a expressão jogo livre (freies Spiel) para referir-se ao movimento das
faculdades da imaginação e do entendimento entre si por ocasião da representação de
um objecto quando se trata de proferir um juízo de gosto (cf. Kant, 1998: 106).
148
Em nome do rigor, devemos recordar que, para um juízo estético – como é o caso
do juízo de gosto – ser um juízo livre, ele também não pode ser um juízo estético dos
sentidos, um juízo acerca da agradabilidade. Esta condição não tem, no entanto,
qualquer relevância para o que agora nos interessa averiguar.
149
Já o tínhamos citado.
150
Veja-se o que afirma Paul Guyer a este propósito: «o prazer na resposta estética»
assenta na maneira como a imaginação é induzida «a ir além de qualquer conceito
determinado, mas ao mesmo tempo este prazer não pode sequer ser sentido a não ser
que o conceito seja de facto reconhecido» (Guyer, 1997: 359).
151
Se a aferição da adequabilidade das ideias estéticas à apresentação do conceito
consistisse na observação da sua contribuição para o conhecimento objectivo, então,
tendo em conta que, no âmbito desse conhecimento, o entendimento apenas considera
as intuições objectivamente correspondentes aos seus conceitos, e quaisquer outras
são tidas como meramente inadequadas, as ideias estéticas seriam tidas como
meramente inadequadas. A aplicação de um tal critério, porém, ou levaria a que se
ignorasse que há uma vivificação recíproca das faculdades de conhecimento ou
simplesmente impediria que se compreendesse a participação do entendimento na
manutenção desse movimento entre as faculdades.
152
De resto, dessa vivificação do ânimo, enquanto subjectivamente conforme a fins,
só pode tomar-se consciência esteticamente, através de um sentimento de prazer. Ora,
é num tal sentimento que o juízo de gosto se funda.
153
Estas são as passagens nas quais a posição de Kant é mais evidente. Seja como for,
ela é indiciada desde a introdução da noção de bela arte, no §44. De resto, o simples
facto de Kant falar de uma arte que é bela constitui um indício de que, no juízo através
do qual uma obra de arte é declarada bela, a faculdade da imaginação se exerce
livremente. A razão pela qual não podemos usar esse facto para prová-lo é óbvia –
aquilo que estamos a avaliar é precisamente a legitimidade de falar-se de bela arte,
isto é, a possibilidade de uma obra de arte ser declarada bela, a possibilidade de
ajuizar-se uma obra de arte através de um juízo de gosto.
154
Guyer assinala que «a caracterização de Kant de ideias estéticas torna evidente que
a nossa resposta a obras de arte que manifestam tais ideias é sempre ligada a conceitos
mas nunca determinada ou esgotada por esses conceitos» (Guyer, 1997: 359).
155
Fizemo-lo mantendo entre parêntesis a tese, do §48, de acordo com a qual no juízo
através do qual se declara bela uma obra de arte têm de ser tidos em conta um conceito
daquilo que o objecto deva ser e a perfeição da obra de arte segundo esse conceito (cf.
Kant, 1998: 216).
apresentada pelo nosso autor por ocasião do olhar retrospectivo que ele
lança sobre a explicação da noção de génio. Afirma Kant, aí, que o génio
se mostra não tanto na realização do fim proposto na exibição de um
conceito determinado, mas muito mais na exposição ou expressão de
ideias estéticas, que contêm uma rica matéria para aquele fim, por
conseguinte ele representa a faculdade da imaginação na sua liberdade
relativamente a toda a instrução de regras e no entanto como conforme a
fins para a exibição do conceito dado (es sich nicht sowohl in der
Ausführung des vorgesetzten Zwecks in Darstellung eines bestimmten
Begriffs, als vielmehr im Vortrage, oder dem Ausdrucke ästhetischer
Ideen, welche zu jener Absicht reichen Stoff enthalten, zeige, mithin die
Einbildungskraft in ihrer Freiheit von aller Anleitung der Regeln
dennoch als zweckmäßig zur Darstellung des gegebenen Begriffs
vorstellig mache) (Kant, 1998: 223-224).
Esta passagem torna evidente a posição de Kant: mesmo quando envolve
expressão de ideias estéticas, e não apenas a produção, o fornecimento
dessas ideias, a faculdade da imaginação exerce-se livremente. Além
disso, na medida em que menciona a representação da faculdade da
imaginação como conforme a fins, ela torna também evidente a posição
do nosso autor quanto à harmonia das faculdades de conhecimento entre
si.156 É a essa harmonia, a essa concordância, que agora pretendemos
dedicar a nossa atenção.
Tendo uma tal pretensão em conta, devemos regressar à parte final do
§49. Imediatamente a seguir ao excerto por nós citado no início desta
subsecção, Kant indica que o talento através do qual se encontra a
expressão de ideias estéticas adequada à beleza é o espírito: «[o] último
talento é propriamente aquilo que se denomina espírito ([d]as letztere
Talent ist eigentlich dasjenige, was man Geist nennt)» (Kant, 1998: 223).
No início do mesmo parágrafo, a propósito da noção de espírito, o nosso
autor declara o seguinte:
156
De resto, na quarta conclusão que apresenta por ocasião do olhar retrospectivo que
lança sobre a explicação da noção de génio, Kant refere uma «concordância livre da
faculdade da imaginação com a legalidade do entendimento (freien Übereinstimmung
der Einbildungskraft zur Gesetzlichkeit des Verstandes)» (Kant, 1998: 224).
157
Conceitos da razão de «entes invisíveis, o reino dos bem-aventurados, o reino do
inferno, a eternidade, a criação, etc», os «nossos conceitos da sublimidade e majestade
da criação», a «ideia racional de intenção cosmopolita» (Kant, 1998: 221) – eis alguns
exemplos de ideias da razão que a bela arte, enquanto expressão de ideias estéticas,
pode tentar apresentar. Brigitte Sassen faz assentar o carácter estranho da concepção
kantiana de ideia estética na unificação, pela terceira Crítica, de duas noções outrora
afastadas, a saber, a noção de ideia e a noção de estético. Na «teoria de conhecimento de
Kant», afirma Sassen, «uma ideia é um conceito da razão. Exemplos de tais conceitos
são os conceitos de Deus, liberdade ou imortalidade. Como conceitos supra-sensíveis,
eles não podem ser intuídos ou conhecidos, e dado que conceitos sem intuições são
vazios, eles podem ter no máximo uma função reguladora. No entanto, na medida em
que “estético” tem a ver com a maneira na qual nós intuímos, a conjunção peculiar
de estético e ideia sugere que as ideias estéticas fornecem a contraparte intuitiva e o
conteúdo das ideias intelectuais. Ao chamar “estéticas” tais ideias, Kant torna bastante
claro que o que quer que sejam mais, elas constituem um diverso intuído. Como
tal, podem fazer sensíveis ideias supra-sensíveis e fornecer material intuitivo para
ideias abstractas que similarmente não podem ser compreendidas por um conceito»
(Sassen, 2003: 173). A propósito da sensibilização das ideias da razão, Moura indica
que a ideia estética «funciona como interface entre a ideia racional e a imagética
da imaginação (e. g., a ideia imaginativa da águia como encarnação da encarnação
de Júpiter das ideias de sublimidade e majestade)» (Moura, 2006: 342), serve de
«mediação entre o material imaginativo e uma ideia racional» (Moura, 2006: 343). No
contexto da arte do génio, a apresentação das ideias da razão é, utilizando as palavras
de Gilles Deleuze, uma apresentação «positiva, mas secundária» e feita «por criação
de outra natureza» (Deleuze, 2000: 64). Igualmente devemos notar, entretanto, que
uma tal apresentação envolve necessariamente a concessão de deformidades. Na
sequência do olhar retrospectivo que lança sobre a explicação dada por ele próprio
acerca do génio, Kant refere algo que «enquanto deformidade o génio somente teve
que conceder, porque não podia eliminá-la sem enfraquecer a ideia (was das Genie
als Missgestalt nur hat zulassen müssen, weil es sich, ohne die Idee zu schwächen,
nicht wohl wegschaffen ließ)» e acrescenta que esse «desvio da regra comum
(Abweichung von der gemeinen Regel)» permanece «em si sempre um erro que se
tem que procurar extirpar (immer an sich ein Fehler, den man wegzuschaffen suchen
muss)» (Kant, 1998: 224). Quando se trata da apresentação de ideias da razão pela via
artística, quando se trata de torná-las sensíveis numa obra de arte, o erro é inevitável.
Um mesmo tipo de inevitabilidade é esboçado por Longino, no seu tratado sobre
o sublime. Podemos abordá-lo por intermédio de Jean-François Lyotard. No texto
“Représentation, présentation, imprésentable”, compilado em L’inhumain – Causeries
sur le temps, Lyotard afirma que «[q]uando procuramos apresentar que existe algo que
ligações entre o belo e o sublime, não contempladas de modo explícito pela Crítica
da Faculdade do Juízo, mas, ainda assim, sugeridas – sublinhe-se, por exemplo,
que «a apresentação do sublime (…) pertence à bela arte (die Darstellung des
Erhabenen gehört zur schönen Kunst)» (Kant, 1998: 232). A nossa tese é movida
pela questão de saber se e como poderá falar-se de bela arte no contexto da terceira
Crítica de Kant. É a essa questão que nos propomos responder satisfatoriamente.
Nesta fase, importa continuar a explicitar a noção de bela arte, enquanto arte
do génio, e clarificar quer a denominação da beleza artística como expressão
de ideias estéticas, quer a importância do espírito nessa expressão.
158
De resto, se, no âmbito da bela arte, aquilo que o espírito expressa, através da
expressão de ideias estéticas, são ideias da razão, então, nesse mesmo âmbito, pode
falar-se não de uma concordância objectiva entre ideia estética e conceito dado, pois
este é uma ideia da razão, mas de uma concordância das faculdades de conhecimento
entre si no seu jogo livre. Afirmar o contrário significaria colocar em causa não
apenas a definição de ideia estética como «representação inexponível da faculdade da
imaginação (inexponible Vorstellung der Einbildungskraft)» (Kant, 1998: 250), mas
igualmente a definição de ideia da razão como «conceito ao qual nenhuma intuição
(representação da faculdade da imaginação) pode ser adequada (Begriff, dem keine
Anschauung (Vorstellung der Einbildungskraft) adäquat sein kann)» (Kant, 1998:
219), como «conceito» que «não pode ser apresentado adequadamente (nicht adäquat
dargestellt werden kann)» (Kant, 1998: 220), como «conceito indemonstrável
da razão (indemonstrabeln Begriff der Vernunft)» (Kant, 1998: 250).
acordo com a qual no juízo através do qual se declara bela uma obra de
arte têm de ser tidos em conta um conceito daquilo que o objecto deva ser
e a perfeição da obra de arte segundo esse conceito (cf. Kant, 1998: 216),
estamos em condições de afirmar que é possível ajuizar-se um objecto
artístico através de um juízo de gosto, que uma obra de arte pode ser
declarada bela, que é legítimo falar-se de bela arte. O talento necessário
para que o movimento das faculdades de conhecimento daquele que ajuíza
seja, por ocasião da representação que ele faz de uma obra de arte de génio,
um movimento conforme a fins, embora sem fim, é o espírito – é-o
precisamente enquanto talento por intermédio do qual o génio encontra,
para as representações inexponíveis que a sua faculdade da imaginação
produz, uma maneira de apresentá-las, uma expressão, mediante a qual «a
disposição subjectiva do ânimo daí resultante, enquanto acompanhamento
de um conceito, pode ser comunicada a outros» (Kant, 1998: 223). O
espírito é, assim, a faculdade através da qual o génio cumpre um dos
aspectos essenciais do seu carácter, a saber, a exemplaridade.
Desde logo nos primeiros parágrafos centrados na noção de génio
(§46 e §47) Kant assinala que a «originalidade (Originalität)» é a
«primeira propriedade (erste Eigenschaft)» (Kant, 1998: 212) e, por
conseguinte, um «aspecto essencial do carácter do génio (wesentliches
Stück vom Charakter das Genies)» (Kant, 1998: 215). Aquele que é
dotado de génio é original se, através da capacidade produtiva da sua
faculdade da imaginação, fornecer ideias estéticas para um conceito
dado. Ser original não é, no entanto, o único aspecto essencial da
genialidade (cf. Kant, 1998: 215). Perante a possibilidade de uma
«extravagância original (originalen Unsinn)», o nosso autor ressalva que
os produtos do génio «têm que ser ao mesmo tempo modelos, isto é
exemplares (Muster, d. i. exemplarisch)» e, portanto, «têm que servir a
outros como padrão de medida ou regra de julgamento (Richtmaße oder
Regel der Beurteilung)» (Kant, 1998: 212)159. A originalidade do génio
159
Já o tínhamos indiciado na subsecção “Génio”. Kant fá-lo precisamente no
parágrafo no qual introduz a noção de génio (§46).
tem de ser, então, exemplar – no §49, Kant define mesmo o génio como
«a originalidade exemplar do dom natural de um sujeito no uso livre
das suas faculdades de conhecimento (die musterhafte Originalität
der Naturgabe eines Subjekts im freien Gebrauche seiner
Erkenntnisvermögen)» (Kant, 1998: 224). Pois bem, mediante a
introdução da noção de espírito, o nosso autor dá ao génio o instrumento
em falta para que os seus objectos artísticos sejam exemplares.160 Cada
um dos elementos da feliz relação na qual o génio consiste corresponde,
então, a um dos aspectos essenciais do carácter do génio: a capacidade
de fornecer ideias estéticas para um conceito dado, através da faculdade
produtiva da imaginação, corresponde à originalidade; a capacidade de
apresentar essas ideias de uma maneira adequada à beleza, por
intermédio do espírito, corresponde à exemplaridade. Carecendo de
espírito, o génio produziria extravagâncias originais. Ele seria original,
mas a sua originalidade seria extravagante. As ideias estéticas seriam
apresentadas de uma maneira inadequada à beleza. Se assim fosse, o
génio não daria a regra à bela arte. Ele seria um talento para a produção,
mas não aquilo que o nosso autor diz que ele é, a saber, «um talento para
produzir aquilo para o qual não se pode fornecer nenhuma regra
determinada» (Kant, 1998: 212).
A não introdução da noção de espírito colocaria imediatamente em
causa o título do §46: «Bela arte é arte do génio (Schöne Kunst ist Kunst
des Genies)» (Kant, 1998: 211). Se o génio não fosse dotado de espírito,
a bela arte não seria a arte do génio. Dotado de espírito, porém, o génio
produz necessariamente belas obras de arte.
160
Makkreel explica a necessidade da introdução do espírito na proporção das
faculdades de conhecimento inerente ao génio: «Não há garantia de que as proporções
especiais das faculdades mentais características do génio possam ser relacionadas com
a proporção normal necessária para o conhecimento intersubjectivo. Assim, a
originalidade do génio na produção de ideias estéticas tem de ser conciliada com um
poder para comunicá-las. Para tal, o génio requer um talento especial a que Kant
chama “espírito”» (Makkreel, 1994: 122). Nesse sentido, «o espírito é o “talento” para
dar expressão concreta às ideias estéticas de maneira a que a vida da mente possa ser
partilhada» (Makkreel, 1994: 122).
161
Referindo-se à arte do génio, à bela arte, Fernando Gil afirma que «a obra de arte
autêntica só pode ser um bom exemplo» (Gil, 1998: 276) e que relativamente à sua
beleza «a exigência de adesão é imperiosa» (Gil, 1998: 277). No entanto, naquilo que
pode ser entendido como uma salvaguarda, imediatamente a seguir a indicar que «o
gosto pode ser exemplar», Gil assinala que «o génio é-o em princípio sempre» (Gil,
1998: 273). A razão pela qual podemos dizer que só em princípio é que o génio é
sempre exemplar será apresentada no último capítulo da nossa dissertação,
precisamente por relação ao que nesta fase estamos a alegar.
intermédio de um juízo de gosto pode ser ajuizado como belo, mas aquilo
que por intermédio de um juízo de gosto só pode ser ajuizado como belo.
Compreende-se, dada a explicação que acabámos de dar, a afirmação de
Kant, de acordo com a qual «belas-artes necessariamente têm que ser
consideradas como artes do génio (schöne Künste notwendig als Künste
des Genies betrachtet werden müssen)» (Kant, 1998: 211) e «para a
própria arte, isto é para a produção de [objectos belos], requer-se génio
(zur schönen Kunst selbst, d. i. der Hervorbringung solcher Gegenstände,
wird Genie erfordert)» (Kant, 1998: 215)162. O gosto ajuíza a beleza; o
espírito é o talento através do qual o inefável é expressado de uma maneira
adequada à beleza; se, numa obra de arte de génio, por ocasião do
fornecimento e de uma certa expressão de ideias estéticas para um
conceito dado, esse conceito é apresentado de uma maneira adequada à
beleza, então aquele que ajuíza através do gosto tem de declarar bela a
mencionada obra de arte. Pode repetir-se, por conseguinte, e
convictamente, aquilo que está escrito no título do §46: «Bela arte é arte
do génio» (Kant, 1998: 211).163
162
Em bom rigor, no texto de Kant está escrito que o génio é requerido para a bela
arte. Esta lacuna da tradução por nós utilizada não é, no entanto, origem de qualquer
problema, pois a identificação da referida arte com a produção de objectos belos faz
com que aquilo que está em causa seja necessariamente a bela arte, não toda a arte.
Ora, por esta altura não temos qualquer dificuldade em reconhecer que não é para toda
a arte que se requer génio. Mais importante é acrescentar que, dada a explicação
supramencionada, também se compreendem as afirmações segundo as quais «se
considera o génio como o talento para a arte bela (man das Genie als Talent zur
schönen Kunst betrachtet)» (Kant, 1998: 215) e a «possibilidade (Möglichkeit)» da
beleza da arte «requer génio (Genie erfordert)» (Kant, 1998: 216).
163
Ainda assim, é nossa obrigação ressalvar que a convicção que sentimos está
condicionada pela colocação entre parêntesis da tese, do §48, de acordo com a qual
no juízo através do qual se declara bela uma obra de arte têm de ser considerados um
conceito daquilo que o objecto deva ser e a perfeição da referida obra de arte segundo
esse conceito (cf. Kant, 1998: 216). Só depois de retomarmos a passagem mencionada
é que estaremos em condições de apresentar uma resposta suficientemente justificada
à questão de saber se e como poderá um objecto artístico ser ajuizado através de um
juízo de gosto, se e como poderá uma obra de arte ser declarada bela, se e como será
legítimo falar-se de bela arte. Ainda não é este o momento no qual retomaremos essa
passagem.
164
De resto, acerca dessas formas, ele acrescentará que «através da sua multiplicidade
e unidade, servem para simultaneamente fortalecer e entreter as faculdades do ânimo
(que estão em jogo por ocasião do uso desta faculdade)» e que, por isso, atribuir-lhes-
emos «o nome de formas belas (schöne Formen)» (Kant, 1998: 273). Citámo-lo no
primeiro capítulo deste estudo.
165
Note-se, de resto, ser o próprio Kant quem, ainda na Introdução, estende à arte o
âmbito de aplicação do princípio de uma conformidade a fins formal da natureza. Em
primeiro lugar, na secção VII, ele nota que o fundamento para o prazer na beleza «se
encontra na condição universal, ainda que subjectiva, dos juízos reflexivos,
nomeadamente na concordância conforme a fins de um objecto (seja produto da
natureza ou da arte (er sei Produkt der Natur oder der Kunst)) com a relação das
faculdades de conhecimento entre si, as quais são exigidas para todo o conhecimento
empírico (da faculdade de imaginação e do entendimento)» (Kant, 1998: 76); ainda
na mesma secção, ao afirmar que «[a] receptividade de um prazer a partir da reflexão
sobre as formas das coisas» assinala «uma conformidade a fins dos objectos», Kant
identifica essas coisas como sendo «da natureza, assim como da arte (der Natur
sowohl als der Kunst)» (Kant, 1998: 77); finalmente, na secção IX, ao indicar que «[o]
conceito da faculdade do juízo de uma conformidade a fins da natureza pertence ainda
aos conceitos desta, mas somente como princípio regulativo da faculdade de
conhecimento» e que «o juízo estético» que ocasiona esse conceito é «um princípio
constitutivo com respeito ao sentimento do prazer ou desprazer», o nosso autor adianta
que esse juízo estético pode ser sobre objectos «da natureza ou da arte (der Natur oder
der Kunst)» (Kant, 1998: 83).
3. FORMA
166
Kant usa as expressões conformidade a fins (meramente) formal ((bloß) formale
Zweckmäßigkeit) (cf. Kant, 1998: 64, 74, 112 e 117) e (simples) forma da
conformidade a fins ((bloße) Form der Zweckmäßigkeit) (cf. Kant, 1998: 110, 111,
112 e 187).
167
Sublinhe-se, nesse sentido, o segundo requisito que, numa nota do §38, Kant
apresenta para que se tenha «direito a reivindicar um assentimento universal num juízo
da faculdade de juízo estética, baseado simplesmente sobre fundamentos subjectivos»,
a saber, que no juízo se considere somente «a condição formal da faculdade do juízo
(die formale Bedingung der Urteilskraft)» e que este não esteja «mesclado nem com
conceitos do objecto nem com sensações enquanto razões determinantes» (Kant,
1998: 268). Essa condição formal é «a relação das faculdades de conhecimento aí
postas em actividade com vista a um conhecimento em geral» (Kant, 1998: 268). Já o
tínhamos sugerido, na secção “Juízo estético reflexivo”. Nessa secção, tivemos
oportunidade de assinalar que, constituindo a «consonância proporcionada, que
exigimos para todo o conhecimento» (Kant, 1998: 108), a relação mencionada
corresponde à «condição subjetiva, meramente sensível, do uso objetivo do Juízo»
(Kant, 1995: 60), à «condição subjectiva do conhecer» (Kant, 1998: 130), à «condição
formal subjectiva de um juízo em geral (subjektive formale Bedingung eines Urteils
überhaupt)» (Kant, 1998: 188). De resto, tivemos também oportunidade de chamar a
atenção para as várias passagens nas quais o nosso autor, mais explicitamente, nuns
casos, menos, noutros, faz referência a essa condição.
168
Importa recordar, neste contexto, que as ideias estéticas são representações da
faculdade da imaginação associadas a conceitos dados (cf. Kant, 1998: 222).
169
Kant reforça esta tese não apenas na Introdução, ao afirmar que «o
fundamento do prazer é colocado simplesmente na forma do objecto (der Grund
der Lust bloß in der Form des Gegenstandes)» (Kant, 1998: 75), que aquele que
ajuíza «sente prazer na simples reflexão sobre a forma de um objecto (in der
bloßen Reflexion über die Form eines Gegenstandes Lust empfindet)» (Kant,
1998: 76) ou que a representação da conformidade a fins «assenta no prazer
imediato na forma do objecto na simples reflexão sobre ela ( auf der
unmittelbaren Lust an der Form des Gegenstandes in der bloßen Reflexion über
sie beruhe)» (Kant, 1998: 78), mas também na “Crítica da Faculdade de Juízo
Estética”, nomeadamente nos §14, §30 e §38, ao indicar, respectivamente, que
no juízo de gosto há um «comprazimento na forma (Wohlgefallen an der Form)»
(Kant, 1998: 116), que o «comprazimento ou desagrado concerne à forma do
objecto (Wohlgefallen oder Missfallen an der Form des Objekts betrifft)» (Kant,
1998: 179) ou que «o comprazimento no objecto (das Wohlgefallen an dem
Gegenstande)» está «ligado ao simples julgamento da sua forma (mit der bloßen
Beurteilung seiner Form verbunden)» (Kant, 1998: 191). No §15, o nosso autor
faz referência a «uma satisfação para captar uma forma dada na faculdade da
imaginação (eine Behaglichkeit eine gegebene Form in die Einbildungskraft
aufzufassen)» (Kant, 1998: 118).
170
Veja-se algo que, na Introdução, Kant afirma acerca do juízo de gosto, a
saber, que nesta espécie de juízo «a forma do objecto é conforme a fins ( die
Form des Objekts zweckmäßig ist)» (Kant, 1998: 77).
171
Considere-se o §13, no qual Kant diz que um puro juízo de gosto «tem como
fundamento de determinação simplesmente a conformidade a fins da forma (bloß die
Zweckmäßigkeit der Form zum Bestimmungsgrunde hat)» (Kant, 1998: 113), e o §31,
onde o nosso autor refere que essa espécie de juízo «expressa a conformidade a fins
subjectiva de uma representação empírica da forma de um objecto (die subjektive
Zweckmäßigkeit einer empirischen Vorstellung der Form eines Gegenstandes
ausdrückt)» (Kant, 1998: 181). Além disso, recorde-se a seguinte referência que, na
secção VIII da Introdução, é feita ao princípio do gosto: este princípio «consiste em
representar uma conformidade a fins da natureza, na relação subjectiva às nossas
faculdades de conhecimento, na forma de uma coisa (an der Form eines Dinges)»
(Kant, 1998: 79). Como tivemos oportunidade de notar, Kant também lhe chama
«conceito de uma conformidade a fins subjectiva da natureza, nas suas formas (in
ihren Formen) segundo leis empíricas» (Kant, 1998: 78).
172
Na “Analítica do sublime”, Kant sugere que no belo «o juízo estético dizia respeito
à forma do objecto (das ästhetische Urteil die Form des Objekts betraf)» (Kant, 1998:
141). Igualmente no segundo livro da “Analítica da faculdade de juízo estética”, ao
distinguir entre a sublimidade e beleza, o nosso autor afirma que naquela «não se
[situa] no fundamento [do julgamento] nenhuma conformidade a fins da forma do
objecto (como no belo) (hier keine Zweckmäßigkeit der Form des Gegenstandes (wie
beim Schönen) der Beurteilung zum Grunde liegt)» (Kant, 1998: 148). Em jeito de
comentário lateral, devemos notar que, de facto, a ausência de forma ou de figura pode
ser conveniente ao sentimento do sublime – como nota Kant, no §23: «a natureza (…)
no seu caos ou na sua desordem e devastação mais selvagem e desregrada é que suscita
as ideias do sublime, quando somente magnitude e poder se deixam ver» (Kant, 1998:
140).
173
Se, no §13, Kant afirma que a beleza «deveria concernir propriamente só à forma
(eigentlich bloß die Form betreffen sollte)» (Kant, 1998: 113), no §16, o nosso autor
diz explicitamente que a beleza livre «propriamente só concerne à forma (eigentlich
nur die Form betrifft)» (Kant, 1998: 121). No mesmo parágrafo, Kant já tinha referido
que a beleza é ajuizada «segundo a mera forma (der bloßen Form nach)» (Kant, 1998:
120); no §14, tinha assinalado que ela é «atribuída ao objecto em virtude da sua forma
(die dem Gegenstande seiner Form wegen beigelegte Schönheit)» (Kant, 1998: 115).
Entretanto, no primeiro parágrafo da “Analítica do sublime”, ele sublinhará que «[o]
belo da natureza concerne à forma do objecto, que consiste na limitação ([d]as Schöne
der Natur betrifft die Form des Gegenstandes, die in der Begrenzung besteht)» (Kant,
1998: 137).
3.2. Figura
Procuremos saber a que corresponde a noção forma (Form) na Crítica da
Faculdade do Juízo. Desde logo no §16, encontra-se uma passagem que
satisfaz a nossa inquietação:
No julgamento de uma beleza livre (segundo a mera forma) o juízo de
gosto é puro. Não é pressuposto nenhum conceito de qualquer fim, para
o qual o múltiplo deva servir ao objecto dado e o qual este último deva
representar, mediante o que unicamente seria limitada a liberdade da
faculdade da imaginação, que joga por assim dizer na observação da
figura (In der Beurteilung einer freien Schönheit (der bloßen Form nach)
ist das Geschmacksurteil rein. Es ist kein Begriff von irgend einem
Zwecke, wozu das Mannigfaltige dem gegebenen Objekte dienen und
was dieses also vorstellen sole, vorausgesetzt, wodurch die Freiheit der
Einbildungskraft, die in Beobachtung der Gestalt gleichsam spielt, nur
eingeschränkt warden würde) (Kant, 1998: 120-121).
Forma corresponde a figura (Gestalt). De acordo com esta passagem, no
juízo de gosto, o movimento livre e harmónico das faculdades de
conhecimento entre si por ocasião da representação do objecto é activado
através da observação da figura.174 Esta tese vem a ser reforçada, no §30,
quando o nosso autor afirma que no juízo através do qual se declara belo
um objecto natural
a conformidade a fins tem então o seu fundamento no objecto e na sua
figura, conquanto ela não indique a relação do mesmo a outros objectos
segundo conceitos (para o juízo de conhecimento), mas concerne
simplesmente em geral à apreensão desta forma, enquanto ela no ânimo
174
Considerando a posição que sustentámos na secção “Juízo através do qual se
declara bela uma obra de arte”, continuamos a usar indistintamente as expressões juízo
de gosto puro (reines Geschmacksurteil) e juízo de gosto (Geschmacksurteil), assim
como beleza (Schönheit) e beleza livre (freie Schönheit). Note-se, além disso, que
mantemos entre parêntesis a afirmação, do §48, de acordo com a qual no juízo através
do qual se declara bela uma obra de arte têm de ser tidos em conta um conceito daquilo
que o objecto deva ser e a perfeição da obra de arte segundo esse conceito.
175
Vejam-se, nesse sentido, as seguintes passagens: «[u]ma simples cor, por exemplo
a cor [verde] da relva, um simples som (à diferença do eco e do ruído), como
porventura o de um violino, é em si declarado belo pela maioria das pessoas, se bem
que ambos pareçam ter por fundamento simplesmente a matéria das representações, a
saber pura e simplesmente a sensação e por isso mereceram ser chamados somente
agradáveis ([e]ine bloße Farbe, z. B. die grüne eines Rasenplatzes, ein bloßer Ton
(zum Unterschiede vom Schalle und Geräusch), wie etwa der einer Violine, wird von
den Meisten an sich für schön erklärt; obzwar beide bloß die Materie der
3.3. Jogo
Ainda no parágrafo no qual exclui as cores e os sons do âmbito do
fundamento do juízo de gosto (§14) Kant associa a noção de forma não
apenas à noção de figura, mas também à noção de jogo (Spiel). Afirma ele
que «[t]oda a forma dos objectos dos sentidos (dos externos assim como
mediatamente do interno) é ou figura ou jogo; no último caso, ou jogo das
figuras (no espaço: a mímica e a dança); ou simples jogo das sensações
(no tempo) ([a]lle Form der Gegenstände der Sinne (der äußern sowohl
als mittelbar auch der innern) ist entweder Gestalt, oder Spiel; im letztern
Falle entweder Spiel der Gestalten (im Raume die Mimik und der Tanz);
oder bloßes Spiel der Empfindungen (in der Zeit))» (Kant, 1998: 116). A
forma de um objecto dos sentidos pode ser ou figura ou jogo. No caso de
a forma ser figura, aquilo que importa no juízo de gosto é o desenho
(Zeichnung); se a forma for jogo – seja jogo das figuras, seja jogo das
sensações – o que importa na declaração do objecto como belo é a
composição (Komposition): «o desenho na primeira e a composição no
último constitui o verdadeiro objecto do juízo de gosto puro (die
Zeichnung in der ersten und die Komposition in dem letzten machen den
eigentlichen Gegenstand der reinen Geschmacksurteil aus)» (Kant, 1998:
116). Nesse último caso, o juízo de gosto centra-se na maneira como as
berechtigt halten, als beide rein sind; welches eine Bestimmung ist, die
schon die Form betrifft, und auch das einzige, was sich von diesen
Vorstellungen mit Gewissheit allgemein mitteilen lässt) (Kant, 1998:
114).176
Quanto às cores mescladas, elas «não têm esta prerrogativa
precisamente porque, já que não são simples, não possuímos nenhum
padrão de medida para o julgamento sobre se devemos chamá-las puras
ou impuras (haben diesen Vorzug nicht: eben darum weil, da sie nicht
einfach sind, man keinen Maßstab der Beurteilung hat, ob man sie rein
oder unrein nennen solle)» (Kant, 1998: 115). Sem prejuízo do que
acabámos de assinalar, salvaguarde-se, ainda assim, que mesmo as
cores puras só podem contribuir para a beleza enquanto podem
contribuir para a forma:
o facto que a pureza das cores assim como a dos sons, mas também
a multiplicidade dos mesmos e o seu contraste, pareçam contribuir
para a beleza, não quer significar que é como se produzissem um
acréscimo homogéneo ao comprazimento na forma, porque são por
si agradáveis, mas somente porque elas tornam esta última mais
exacta, determinada e completamente intuível, e além disso
vivificam pelo seu atractivo as representações, enquanto despertam
e mantêm a atenção sobre o próprio objecto (das die Reinigkeit der
Farben sowohl als der Töne, oder auch die Mannigfaltigkeit
derselben und ihre Abstechung zur Schönheit beizutragen scheint,
will nicht so viel sagen, dass sie darum, weil sie für sich angenehm
sind, gleichsam einen glaichartigen Zusatz zu dem Wohlgefallen an
der Form abgeben, sondern weil sie diese letztere nur genauer,
bestimmter und vollständiger anschaulich machen und überdem
durch ihren Reiz die Vorstellung beleben, indem sie die
Aufmerksamkeit auf den Gegenstand selbst erwecken und erhalten)
(Kant, 1998: 116).
176
O mesmo se passa com «aquilo a que se chama ornamentos (parerga) (Zierraten
(Parerga)) isto é, [com aquilo] que não pertence à inteira representação do objecto
como parte integrante internamente, mas só externamente como acréscimo» (Kant,
1998: 116). É «somente pela sua forma (nur durch seine Form), como as molduras
dos quadros, ou as vestes em estátuas, ou as arcadas em torno de edifícios
sumptuosos» que um ornamento «aumenta o comprazimento do gosto (das
Wohlgefallen des Geschmacks vergrößert)» (Kant, 1998: 116).
Por isso é que pode falar-se – como Kant efectivamente fala, no §41 – de
«flores, conchas, penas de pássaros belamente coloridas (schönfarbige)»
(Kant, 1998: 200). Outras haverá que são coloridas, mas não belamente,
isto é, que não tornam a forma mais exacta, determinada e completamente
intuível, que não despertam nem mantêm a atenção sobre o próprio objecto
e que não vivificam pelo seu atractivo as representações.
Mais à frente, no §42, Kant retomará as teses defendidas no §14. No
parágrafo acerca do interesse intelectual pelo belo, o nosso autor afirma
que «[o]s atractivos ([d]ie Reize)» que «pertencem às modificações da luz
(na coloração) ou às do som (em tons) (sind entweder zu den
Modifikationen des Lichts (in der Farbengebung) oder des Schalles (in
Tönen) gehörig)» são «tão frequentemente (…) encontrados como que
amalgamados com a forma bela (so häufig mit der schönen Form
gleichsam zusammenschmelzend angetroffen)» (Kant, 1998: 205) porque
aquelas
são as únicas sensações que não permitem simplesmente um sentimento
sensorial, mas também reflexão sobre a forma destas modificações dos
sentidos, e assim contêm com que uma linguagem que a natureza nos
dirige e que parece ter um sentido superior (sind die einzigen
Empfindungen, welche nicht bloß Sinnengefühl, sondern auch Reflexion
über die Form dieser Modifikationen der Sinne verstatten und so
gleichsam eine Sprache, die die Natur zu uns führt, und die einen höhern
Sinn zu haben scheint, in sich enthalten) (Kant, 1998: 205).
O mesmo se passa no §51. Aí, Kant nota que o ouvido e a vista
com excepção da receptividade para sensações, na medida do que é
requerido para obter por intermédio delas conceitos de objectos
exteriores, são ainda capazes de uma sensação particular ligada a eles,
sobre a qual não se pode decidir com certeza se ela tem por fundamento
o sentido ou a reflexão (außer der Empfänglichkeit für Eindrücke, so viel
davon erforderlich ist, um von äußern Gegenständen vermittelst ihrer
Begriffe zu bekommen, noch einer besondern damit verbundenen
Empfindung fähig sind, von welcher man nicht recht ausmachen kann,
ob sie den Sinn, oder die Reflexion zum Grunde habe) (Kant, 1998: 230),
ou seja, que «não se pode dizer com certeza se uma cor ou um tom (som)
são simplesmente agradáveis, ou se já é em si um jogo belo de sensações
177
Veja-se, a este propósito, o que afirma Deleuze: «Acontece por vezes a Kant
perguntar: uma cor, um som, podem ser ditos belos por si mesmos? Talvez o fossem
se, em lugar de apreendermos materialmente o seu efeito qualitativo sobre os nossos
sentidos, fôssemos capazes de reflectir pela nossa imaginação as vibrações de que eles
se compõem. Mas a cor e o som são demasiado materiais e acham-se demasiado
impregnados nos nossos sentidos para se reflectirem assim na imaginação: são
adjuvantes, mais do que elementos da beleza. O essencial é o desenho, é a composição,
os quais são precisamente manifestações da reflexão formal» (Deleuze, 2000: 54).
178
Recordemos a salvaguarda que é feita na parte final do §13, segundo a qual
«atractivo e comoção (Reiz und Rührung)» se deixam «ligar ao comprazimento no
belo (mit dem Wohlgefallen am Schönen verbinden)» (Kant, 1998: 113).
179
No entender de Kant, ainda assim, se «[a]juizada pela razão (durch Vernunft
beurteilt)», a arte do som «possui valor menor que qualquer outra das belas-artes (hat
weniger Wert, als jede andere der schönen Künste)», pois, apesar de mover «o ânimo
de modo mais variado e, embora só passageiramente, no entanto mais intimamente
(das Gemüt mannigfaltiger und, obgleich bloß vorübergehend, doch inniglicher)»,
essa arte «é certamente mais gozo que cultura (o jogo de pensamento, que
incidentemente é com isso suscitado, é simplesmente o efeito de uma associação por
assim dizer mecânica) (ist freilich mehr Genuß als Kultur (das Gedankenspiel, was
nebenbei dadurch erregt wird, ist bloß die Wirkung einer gleichsam mechanischen
Assoziation))» (Kant, 1998: 234).
180
No entender do intérprete, é nesse momento do juízo de gosto que Kant «dá
substância à sua teoria estética» (Crawford, 1974: 96).
181
Tal não significa que entre a intuição pura e a representação sensorial não existe
uma conexão. A intuição pura está relacionada com a percepção através da forma do
fenómeno.
182
A própria distinção entre juízo empírico e juízo puro está dependente da divisão do
fenómeno em matéria e forma – isto é, em constituintes materiais, dados pela
sensação, e constituintes formais – pois o primeiro tipo de juízo depende de intuições
empíricas e o segundo depende de intuições puras.
183
Sem prejuízo das definições de forma e de matéria que aqui transcrevemos,
devemos salvaguardar, com Crawford, que o uso dado por Kant à distinção entre essas
duas noções é, na Crítica da Razão Pura, um «uso amplo» (Crawford, 1974: 97).
Segundo Crawford, Kant aplica essa distinção (forma-matéria, ou, alternativamente,
forma-conteúdo) a quatro níveis (cf. Crawford, 1974: 97-98). Assim, como o
comentador ressalva, «o elemento material de uma aplicação da distinção pode ele
mesmo num outro nível de aplicação ser analisado nos seus elementos formais e
materiais. Por exemplo, ao nível de uma dada cognição ou experiência, o elemento
formal consiste em categorias e conceitos e o elemento material consiste nas intuições
(apercepções particulares) dadas através da faculdade da sensibilidade. Mas qualquer
destas intuições pode ela mesma ser analisada nos seus componentes formais e
materiais. Logo, o que pode ser dito ser o elemento formal ou material depende do
nível de aplicação da distinção forma-conteúdo» (Crawford, 1974: 97). No entanto,
Crawford não deixa de assinalar – e isso é o que mais nos interessa sublinhar – que,
em qualquer das quatro aplicações da distinção referida, «a matéria ou conteúdo
consiste em certos elementos e a forma é a maneira na qual, ou a estrutura em termos
da qual, estes elementos são relacionados entre si» (Crawford, 1974: 98). A forma é
mencionada como «ordenando a matéria, relacionando os elementos de uma maneira
que lhes dá unidade» (Crawford, 1974: 98).
184
Na tradução que fazem da primeira Crítica, Manuela Pinto dos Santos e Alexandre
Fradique Morujão fazem corresponder “Gemüte” a “espírito”; na tradução por nós
citada da terceira Crítica, assim como ao longo da nossa tese, “espírito” corresponde
única e exclusivamente a “Geist”. Importa não confundir o Geist da terceira Crítica,
que apresentámos na subsecção “Expressão de ideias estéticas”, com o espírito da
tradução que citamos da primeira Crítica – esse espírito tem o ânimo como termo
correspondente na nossa tese.
objectos dos seus aspectos materiais. O juízo puro a priori incide sobre
essa «forma pura das intuições sensíveis em geral (reine Form
sinnlicher Anschauungen überhaupt)» que «deverá encontrar-se
absolutamente a priori no espírito (im Gemüte a priori angetroffen
werden)» e «na qual todo o diverso dos fenómenos se intui em
determinadas condições (worin alles Mannigfaltige der Erscheinungen
in gewissen Verhältnissen angeschauet wird)» (Kant, 2001: 62).
Em terceiro lugar, importa notar que Kant nos informa acerca das
referidas condições: de acordo com o nosso autor, se apartarmos da
intuição empírica «tudo o que pertence à sensação (…) se apurará que há
duas formas puras da intuição sensível, como princípios do conhecimento
a priori, a saber, o espaço e o tempo (alles, was zur Empfindung gehört
(…) wird sich finden, dass, es zwei reine Formen sinnlicher Anschauung
als Prinzipien der Erkenntnis a priori gebe, nämlich Raum und Zeit)»
(Kant, 2001: 63). A forma a priori de todos os fenómenos é, então, espaço
e tempo. É por isso, aliás, que
quando separo da representação de um corpo o que o entendimento pensa
dele, como seja substância, força, divisibilidade, etc., e igualmente o que
pertence à sensação, como seja impenetrabilidade, dureza, cor, etc., algo
me resta ainda dessa intuição empírica: a extensão e a figura (wenn ich
von der Vorstellung eines Körpers das, was der Verstand davon denkt,
als Substanz, Kraft, Teilbarkeit etc., imgleichen was davon zur
Empfindung gehört, als Undurchdringlichkeit, Härte, Farbe, etc.,
absondere, so bleibt wir aus dieser empirischen Anschauung noch etwas
übrig, nämlich Ausdehnung und Gestalt) (Kant, 2001: 62).
Segundo Kant, a extensão e a figura «pertencem à intuição pura, que se
verifica a priori no espírito, mesmo independentemente de um objecto real
dos sentidos ou da sensação, como forma da sensibilidade (gehören zur
reinen Anschauung, die a priori, auch ohne einen wirklichen Gegenstand
der Sinne oder Empfindung, als eine bloße Form der Sinnlichkeit im
Gemüte stattfindet)» (Kant, 2001: 62). O objecto do juízo puro a priori é,
por conseguinte, constituído pelos aspectos espaciais e temporais dos
objectos: no que concerne ao sentido externo, a extensão e a figura; no que
concerne ao sentido interno, o jogo.
185
Cf. Crawford, 1974: 102-105, para observar detalhadamente a descrição que
Crawford apresenta das referidas distinção e modificação.
186
Crawford considera ser precisamente a atribuição de um estatuto epistemológico
inferior às chamadas qualidades secundárias, por parte de Kant, aquilo que leva à
exclusão dessas qualidades do âmbito do gosto (cf. Crawford, 1974: 110).
187
A este propósito, Crawford ressalva que «dizer que qualquer conjunto particular
de relações espaciais ou temporais (isto é, um conjunto de relações determinadas) é
objectivo de uma qualquer maneira que as cores, os tons, os paladares e os cheiros não
são, é uma alegação adicional e mais forte» do que a simples alegação de que «espaço
e tempo são as formas necessárias dos fenómenos» (Crawford, 1974: 105-106). Como
continua o intérprete, «[a] posição geral de Kant é que qualquer fenómeno tem de ter
algumas propriedades espaciais e temporais, não que qualquer fenómeno dado tem
determinadas propriedades espaciais e temporais que podem ser verificadas a priori»
(Crawford, 1974: 106).
188
Neste contexto, Guyer sugere mesmo que «precisamente o facto de que tais
características dos objectos não são elementos puros a priori do seu fenómeno e assim
não susceptíveis ao esquematismo dos conceitos a priori do entendimento faz com
que seja mais provável que eles possam servir para a síntese sem conceitos sentida
que funda a resposta estética» (Guyer, 1997: 205).
189
Como afirma Guyer, «[a]tribuir finalidade formal a um objecto é reivindicar que
ele é adequado para ocasionar este estado [de jogo livre], mas não é reivindicar que
ele o faz em virtude de quaisquer propriedades específicas» (Guyer, 1997: 195).
Assim, «[o] conceito de mera forma da finalidade (…) não é idêntico a qualquer noção
particular de forma estética, e ele mesmo não implica uma restrição do gosto aos tipos
de propriedades que Kant dá como exemplos de forma estética» (Guyer, 1997: 195).
190
Lembremos, uma vez mais, que as ideias estéticas são representações associadas a
conceitos dados.
191
É a atribuição de uma tal importância a diferentes elementos, de resto, aquilo que
serve de base à censura que Guyer faz das «teorias reducionistas da bela arte, mais
obviamente [daquelas] que colocariam a essência da arte apenas na forma
perceptiva, mas também [daquelas] que restringiriam a essência da arte a qualquer
outro factor singular» (Guyer, 1997: 353). No entender de Guyer, «a concepção de
bela arte de Kant deve servir de inspiração àqueles que encontrariam o poder e o
valor da arte precisamente na complexidade da resposta que ela pode provocar»
(Guyer, 1997: 353).
192
Consequentemente, ele coloca em causa a posição de D. W. Gotshalk, de acordo
com a qual Kant tem duas teorias: uma, formalista, acerca da beleza da natureza; outra,
expressionista, acerca da beleza da arte. Recordemos as palavras de Gotshalk:
«enquanto a forma é absolutamente essencial para a Arte Bela, ela não é suficiente e
é de facto a necessidade menor no que concerne a satisfazer valor estético na arte»
(Gotshalk, 1967: 259). Deleuze prefere referir uma «estética formal do gosto», isto é,
a estética «da linha e da composição», e uma «meta-estética material», a «meta-
estética das matérias, das cores e dos sons», concluindo que «o classicismo acabado e
o romantismo nascente encontram um equilíbrio completo» precisamente na Crítica
da Faculdade do Juízo (Deleuze, 2000: 64).
193
Obviamente, nesta passagem, de Guyer, “espírito” não corresponde ao Geist por
nós explicitado na subsecção “Expressão de ideias estéticas”.
194
Não nos preocupemos, agora, com as consequências a retirar do facto de esse
talento ser o gosto. Abordaremos esse assunto na última secção deste capítulo.
195
Kant igualmente considera possível que assim se denomine a beleza da natureza,
como tivemos oportunidade de assinalar. No entanto, para responder à questão de
saber se e como poderá falar-se de bela arte, importa-nos mais imediatamente saber
que a beleza da arte pode denominar-se, segundo o nosso autor, expressão de ideias
estéticas.
196
Tanto no caso da confrontação com uma medida maximamente grande, como no
caso da confrontação com um poder e uma força irresistíveis, parece não haver (e de
facto, sob um certo ponto de vista, não há) uma conformidade a fins das coisas da
natureza.
197
No caso do sublime, as faculdades em movimento são a faculdade da imaginação
e a razão.
198
Kant afirma que «se ampliamos metemática ou dinamicamente a nossa faculdade
empírica de representação para a intuição da natureza, então inevitavelmente se
juntará a ela a razão como faculdade da independência da totalidade absoluta e produz
o esforço do ânimo, se bem que vão, de lhes tornar adequada a representação dos
sentidos (wenn wir unser empirisches Vorstellungsvermögen (mathematisch, oder
dynamisch) für die Anschauung der Natur erweitern: so tritt unausbleiblich die
Vernunft hinzu, als Vermögen der Independenz der absoluten Totalität, und bringt
die, obzwar vergebliche, Bestrebung der Gemüts hervor, die Vorstellung der Sinne
dieser angemessen zu machen)» (Kant, 1998: 166).
199
Na “Observação geral sobre a exposição dos juízos reflexivos estéticos”, Kant
refere precisamente uma «conformidade a fins subjectiva do nosso ânimo no uso da
faculdade da imaginação para o seu destino supra-sensível (subjektiven
Zweckmäßigkeit unseres Gemüt im Gebrauche der Einbildungskraft für dessen
übersinnliche Bestimmung)» (Kant, 1998: 166) e um «sentimento de um destino [do
ânimo], que ultrapassa totalmente o domínio da faculdade da imaginação (quanto ao
sentimento moral), com respeito ao qual a representação do objecto é ajuizada
subjectivamente conforme a fins (Gefühle einer Bestimmung desselben, welche das
Gebiet der ersteren gänzlich überschreitet (dem moralischen Gefühl), in Ansehung
dessen die Vorstellung des Gegenstandes als subjektiv-zweckmäßig beurteilt wird)»
(Kant, 1998: 167).
200
Kant diz mesmo que «[o] sublime consiste simplesmente na relação em que o
sensível, na representação da natureza, é ajuizado como apto a um possível uso supra-
sensível do mesmo ([d]as Erhabene besteht bloß in der Relation, worin das Sinnliche
in der Vorstellung der Natur für einen möglichen übersinnlichen Gebrauch desselben
als tauglich beurteilt wird)» (Kant, 1998: 165).
201
É certo que, enquanto comoção, o sentimento do sublime envolve «seriedade na
ocupação da faculdade da imaginação (Ernst in der Beschäftigung der
Einbildungskraft)» (Kant, 1998: 138). Kant nota-o logo no §23. Não podemos
esquecer, porém, que é igualmente o próprio Kant quem, mais à frente, no §27, e
referindo-se ao juízo estético acerca do sublime, fala de um «jogo subjectivo das
faculdades do ânimo (imaginação e razão) (subjektive Spiel der Gemütskräfte
(Einbildungskraft und Vernunft))» e diz que esse jogo é representado «como
harmónico (als harmonisch)» (Kant, 1998: 154).
202
Acerca da disposição das faculdades anímicas, veja-se o §27, no qual é dito que
«faculdade da imaginação e razão produzem aqui, através do seu conflito, a
conformidade a fins subjectiva das faculdades do ânimo (bringen Einbildungskraft
und Vernunft hier durch ihren Widerstreit subjektive Zweckmäßigkeit der
Gemütskräfte hervor)» (Kant, 1998: 154-155); a propósito do juízo, note-se, no
mesmo parágrafo, que «o próprio juízo estético torna-se subjectivamente conforme a
fins para a razão como fonte das ideias, isto é de uma tal compreensão intelectual,
para a qual toda a compreensão estética é pequena (wird das ästhetische Urteil selbst
subjektiv-zweckmäßig für die Vernunft, als Quell der Ideen, d. i. einer solchen
intellektuellen Zusammenfassung, für die alle ästhetische klein ist)» (Kant, 1998:
156).
maior é não a das coisas da natureza, por mais poderosas que sejam, mas
«a nossa força (que não é natureza) (unsere Kraft (die nicht Natur ist))»
(Kant, 1998: 159). Trata-se da maneira de pensar adequada: o
fundamento para o sublime tem de ser procurado «simplesmente em nós
e na maneira de pensar que introduz sublimidade (bloß in uns und der
Denkungsart, die Erhabenheit hineinbringt)» (Kant, 1998: 140). Kant
chega mesmo a dizer, na “Observação geral sobre a exposição dos juízos
reflexivos estéticos”, que «o sublime sempre tem que se referir à
maneira de pensar, isto é a máximas, para conseguir o domínio do
intelectual e das ideias da razão sobre a sensibilidade (muss das
Erhabene jederzeit Beziehung auf die Denkungsart haben, d. i. auf
Maximen, dem Intellektuellen und den Vernunftideen über die
Sinnlichkeit Obermacht zu verschaffen)» (Kant, 1998: 173).
Assim, o prazer do sentimento do sublime «só é possível mediante um
desprazer (nur vermittelst einer Unlust möglich ist)» (Kant, 1998: 156).
Embora alcançado mediante um prévio desprazer 203, o sentimento de que
o nosso ânimo pode ultrapassar a sensibilidade, o sentimento de que no
nosso ânimo há algo de superior à natureza, esse sentimento da nossa
superioridade em relação à natureza 204, é, então, um sentimento de prazer.
Trata-se de um prazer indirecto, de um prazer que, para surgir, implica que
no julgamento do objecto haja um movimento do ânimo. 205 Esse
203
Há um desprazer na medida em que há um apercebimento de uma inadequação da
imaginação à exigência da razão, dado que a primeira é incapaz de cumprir o que a
última lhe exige.
204
Há um sentimento de superioridade em relação à natureza na medida em que há
um despertar da nossa determinação supra-sensível. É, aliás, precisamente nessa
medida que, quer o objecto, quer o juízo e a relação entre as faculdades, são
considerados conformes a fins.
205
Em jeito de comentário lateral, devemos lembrar que, em A Philosophical Enquiry
into the Origin of our Ideas of the Sublime and the Beautiful, Burke associa o sublime
não a um prazer positivo, um prazer que simplesmente é, sem qualquer relação, mas
a um «prazer relativo», um prazer que só existe por relação, particularmente por
relação com as ideias de dor ou perigo (Burke, 2008: 34). Ora, a noção burkeana de
deleite (Delight) expressa precisamente «a sensação que acompanha a remoção de dor
ou perigo» (Burke, 2008: 34). Entretanto, Burke acabará por afirmar que o deleite é
«não um prazer, mas uma espécie de horror delicioso, uma espécie de tranquilidade
tingida com terror» (Burke, 2008: 123). Embora a afecção seja «indubitavelmente
positiva», a causa é «um tipo de Privação» (Burke, 2008: 33): é a dor ou perigo de
nos vermos privados de algo de extrema importância (a luz, o som, as coisas, os
outros, a saúde, a vida, etc). Note-se que, em seu entender, «o terror é em qualquer
caso, de modo mais aberto ou latente, o princípio regulador do sublime» (Burke, 2008:
54), isto é, «o tronco comum de tudo o que é sublime» (Burke, 2008: 59). Sem prejuízo
do que é afirmado neste comentário lateral, não cedamos, no entanto, a qualquer
eventual tentação de aproximar demasiado as posições de Burke e de Kant: no
entender deste, a permanência na «exposição meramente empírica do sublime»
elaborada por Burke, que faz assentar o comprazimento no sublime inteiramente no
facto de que ele deleita mediante comoção, impede a pretensão de que qualquer outro
«dê seu assentimento ao juízo estético que nós proferimos» e o conhecimento de
«como se deve julgar» (Kant, 1998: 177-178).
als solches für schön erklärt werden soll: so muss, weil Kunst immer
einen Zweck in der Ursache (und deren Kausalität) voraussetzt, zuerst
ein Begriff von dem zum Grunde gelegt werden, was das Ding sein soll;
und da die Zusammenstimmung des Mannigfaltigen in einem Dinge zu
einer innern Bestimmung desselben als Zweck die Volkommenheit des
Dinges ist, so wird in der Beurteilung der Kunstschönheit zugleich die
Volkommenheit des Dinges in Anschlag gebracht werden müssen) (Kant,
1998: 216).
Temo-lo feito com o objectivo, específico, de tornar clara a possibilidade
de a faculdade da imaginação quer do criador de uma obra de arte, quer
daquele que a ajuíza como bela, se exercer livremente mesmo que ele
tenha de reconhecer o conceito dado a partir do qual se inicia esse
exercício. Se retomarmos o excerto transcrito, ver-nos-emos obrigados a
recusar a possibilidade de uma obra de arte ser ajuizada através de um
juízo de gosto, de um objecto artístico ser declarado belo, de falar-se de
bela arte.206 No entanto, na secção “Belas obras de arte”, tivemos
oportunidade de mencionar vários factos que favorecem a aceitação dessa
possibilidade. Devemos continuar a procurar saber sob que condições
poderá ela ser aceite.
Imediatamente antes do excerto supracitado, Kant afirma o seguinte:
«Um beleza da natureza é uma coisa bela; a beleza da arte é uma
representação bela de uma coisa (Eine Naturschönheit ist ein schönes
Ding; die Kunstschönheit ist eine schöne Vorstellung von einem Dinge)»
(Kant, 1998: 216). Aceitemos ambas as passagens do §48 e adoptemos a
identificação da beleza da arte como representação bela de uma coisa
como novo ponto de partida para pensar o juízo através do qual se declara
bela uma obra de arte. Suspendamos, então, a total independência do juízo
de gosto em relação à perfeição, imposta pelo título do §15 (cf. Kant, 1998:
117). No juízo através do qual se declara bela uma obra de arte têm de ser
206
Se aquele que ajuíza tem de considerar a conformidade a fins objectiva interna da
coisa, então a sua imaginação não se exerce livremente. O exercício livre dessa
faculdade é, contudo, condição indispensável ao proferimento de um juízo de gosto.
Um juízo no qual se considera necessariamente a perfeição não é um juízo totalmente
independente do conceito de perfeição; logo, ele não é um juízo de gosto.
207
De resto, quando se trata de conceitos da razão, há uma segunda explicação para a
impossibilidade de observar-se uma perfeição. Já a tínhamos referido: nenhuma
intuição pode ser inteiramente adequada a um conceito da razão, pois, como vimos,
um tal conceito é indemonstrável.
208
De resto, esta conclusão contribui para alicerçar a tese, considerada na secção
“Forma”, segundo a qual há uma reciprocidade entre as noções de forma e de
expressão. A forma das ideias estéticas adequada à beleza é a expressão de ideias
estéticas adequada à beleza. Ambas são representações adequadas à beleza –
representações belas.
apenas a forma de arte ou género» (Allison, 2001: 296). Uma obra de arte
representa (exemplifica) necessariamente um tipo, uma forma, um género
de arte. No juízo através do qual ela é declarada bela, o conceito desse tipo
e a conformidade objectiva interna da obra a esse conceito têm de ser
considerados. No entender de Allison, «sem algum conhecimento desse
tipo, que em muitos casos pode ser praticamente minimal, não pode
começar a avaliar-se uma obra de arte, pois não se está consciente do que
o artista está a tentar fazer» (Allison, 2001: 295).209
Pensemos, então, numa forma de arte – a poesia, por exemplo. Como
arte que é, a poesia obedece a regras determinadas. No §43, Kant faz
referência a algumas dessas regras: «a correcção e a riqueza da
linguagem, igualmente a prosódia e a métrica (die Sprachrichtigkeit und
der Sprachreichtum, imgleichen die Prosodie und das Silbenmaß)»
(Kant, 1998: 208). Só cumprindo essas regras é que a obra de arte pode
ser uma representação poética de uma coisa. Assim, se o fim pressuposto
na causa da obra de arte for que ela seja uma bela representação poética
de uma coisa, então no juízo através do qual se declara bela essa obra de
arte tem de ser tida em conta a perfeição da mesma segundo o conceito
de poesia. Suponhamos, então, que o conceito daquilo que o objecto deva
ser corresponde à forma de arte. Mantendo entre parêntesis a afirmação
que intitula o §15, a primeira questão que se coloca é a de saber se quanto
a ser uma poesia pode ser observada uma conformidade a fins objectiva
209
Embora não lhe chamando sentido exemplificativo, Schaper propõe claramente um
tal sentido de representação. Sem deixar de referir que, em algumas passagens do
texto de Kant, representar pode ser identificado com descrever ou retratar, e,
portanto, que «[o] sentido estreito de “representação” como “descrever” ou “retratar”
tem algum tipo de aplicação» (Schaper, 2003: 114), a comentadora acrescenta que «o
significado central seria reservado para a exemplificação do que quer que seja que
uma coisa pudesse ser considerada capaz de ser, isto é, a sua perfeição» (Schaper,
2003: 117). Assim, representar pode significar «encarnar [um] fim de maneira a que
a sua possível perfeição, “o que o objecto deva ser”, brilhe através disso» (Schaper,
2003: 111). Neste contexto, Schaper fala de um «sentido alargado» de representação
(Schaper, 2003: 115). No sentido alargado, os objectos representarem algo significa
os objectos representarem «aquilo que eles podem ser vistos como sendo,
nomeadamente retratos, narrativas e por aí em diante» (Schaper, 2003: 115).
interna por ocasião da representação que aquele que ajuíza faz da obra
de arte. A resposta a essa questão não envolve dificuldade: se o objecto
cumprir as regras que um objecto tem de cumprir para ser uma poesia –
se nele não houver falhas quanto à correcção e à riqueza da linguagem,
se nele não houver erros respeitantes à prosódia e à métrica, se ele
satisfizer essas e todas as outras condições indispensáveis à poesia –
então ele é considerado perfeito. No concernente ao conceito daquilo que
o objecto deva ser enquanto forma de arte – ele ser uma representação
poética, por exemplo – pode ser tida em conta uma perfeição. Assim, no
juízo através do qual se declara bela uma representação poética de uma
coisa, têm de ser tidos em conta um conceito daquilo que o objecto deva
ser e a perfeição da representação segundo esse conceito – têm de ser
tidos em conta, respectivamente, o conceito de poesia e a conformidade
objectiva da obra de arte a esse conceito. Além disso, para declarar bela
a obra de arte, poética, aquele que ajuíza terá de sentir um
comprazimento num movimento simultaneamente livre e harmónico das
suas faculdades de conhecimento entre si por ocasião da representação
que faz dessa mesma obra.
A segunda questão a colocar – ainda antes de regressarmos ao título do
§15 – prende-se com a possibilidade ou impossibilidade de aquele que
ajuíza observar uma conformidade a fins subjectiva mesmo quando tem
de observar uma conformidade a fins objectiva interna. Mais
concretamente, importa saber se a faculdade da imaginação daquele que
ajuíza pode exercer-se livremente mesmo tendo ele em conta,
necessariamente, um conceito daquilo que o objecto deva ser e a perfeição
da obra de arte segundo esse conceito. Decidir acerca desta questão
reveste-se de importância capital para a questão de saber se e como poderá
falar-se de bela arte porque só um juízo no qual o exercício da faculdade
da imaginação é livre pode ser um juízo de gosto. A liberdade da faculdade
da imaginação é, como temos vindo a repetir, uma condição necessária
para o proferimento de um juízo de gosto.
Acerca daquilo que se requer para que o exercício da faculdade da
imaginação seja um exercício livre, tecemos algumas considerações por
210
Para o justificarmos, citámos várias passagens da Crítica da Faculdade do Juízo
que mostram ser essa a posição do nosso autor. A este propósito, Guyer nota que «a
discussão detalhada da bela arte mostra que no caso paradigmático de uma obra de
génio (por exemplo, a encarnação infinitamente sugestiva de uma ideia da razão
inesgotável num poema ou símbolo visual) nós podemos ser conscientes da concepção
que é encarnada numa obra de arte e dos conceitos que tipicamente constituem o seu
conteúdo sem sacrificarmos a liberdade da imaginação, que é a fonte do nosso prazer
na beleza» e «que a liberdade da imaginação tanto do artista como do público de uma
obra assenta precisamente na maneira como a forma de uma obra de arte dá expressão
a um conceito mas vai além do que quer que seja que pudesse ser deduzido de alguma
regra providenciada por esse ou qualquer outro conceito» (Guyer, 1996: 149).
211
É assim que aquele que é dotado de génio torna universalmente comunicável o
conceito dado, independentemente de a expressão consistir «na linguagem, na pintura
ou na arte plástica (in Sprache, oder Malerei, oder Plastik)» (Kant, 1998: 223).
212
De resto, como lembra Guyer, «a descrição de Kant de beleza dependente não está
longe da explicação da beleza típica da estética racionalista e de pelo menos alguma
estética empirista» (Guyer, 1997: 400).
213
Schaper identifica claramente o que está em causa. Ela afirma, primeiro, que «[o]
que é surpreendente não é que, tendo distinguido dois tipos de beleza, Kant devesse
estabelecer uma distinção entre dois tipos de juízo, mas que ele devesse estabelecer
uma distinção entre dois tipos de juízo de gosto», e prossegue, logo a seguir,
registando que «[a] ideia de que apreciações estéticas de um objecto sejam conectadas
ou mesmo baseadas num conceito do seu fim ou propósito pareceriam uma
contradição nos termos (cf. §15)» (Schaper, 2003: 104). Em The Genesis of Kant’s
Critique of Judgment, John H. Zammito coloca explicitamente a questão: «O
problema é, em que sentido é a “beleza aderente” (pulchritudo adhaerens) ainda
beleza?» (Zammito, 1992: 126). Infelizmente, o intérprete não lhe dá resposta.
limitada por esse conceito de fim. Tal, porém, não quer dizer que seja
esgotada. A explicação proposta sugere que, podendo a faculdade da
imaginação exercer-se livremente em alguma medida, pode o juízo não
ser totalmente determinado pela consideração do conceito daquilo que o
objecto deva ser e da perfeição desse objecto segundo o mesmo conceito,
podendo, por essa razão, ser ainda um juízo estético e, não sendo um juízo
estético dos sentidos, ser um juízo de gosto, apesar de condicionado,
precisamente pela consideração do conceito daquilo que o objecto deva
ser e da perfeição desse objecto segundo um tal conceito.
Esta explicação tem a vantagem imediata de legitimar as noções de
juízo de gosto aplicado e de beleza aderente: o chamado juízo de gosto
aplicado é um juízo de gosto e a chamada beleza aderente é uma beleza.
No proferimento de um juízo de gosto aplicado – e, equivalentemente, na
declaração condicionada de algo como belo, na declaração de algo como
condicionadamente belo – presta-se «atenção ao fim do objecto (auf den
Zweck des Gegenstandes sieht)», considera-se o que se «tem no
pensamento (in Gedanken hat)» (Kant, 1998: 122). Nada disso impede,
contudo, que o exercício da faculdade da imaginação daquele que ajuíza
seja um exercício livre. Trata-se da explicação sugerida por Guyer para a
manutenção dos termos beleza e juízo de gosto quando estão em causa
juízos nos quais é considerado um conceito daquilo que o objecto deva ser
e a conformidade a fins interna do objecto a esse conceito. Guyer sublinha
que Kant «não nega de todo que a beleza aderente seja um tipo de beleza»
(Guyer, 1996: 155). Assim, no entender do intérprete, não obstante o
conceito daquilo que o objecto deva ser impor «algum constrangimento
na liberdade da imaginação com respeito ao fenómeno [do objecto]», ele
«ainda deixa a essa faculdade uma tal latitude dentro deste
constrangimento que o prazer pode ainda ser produzido pela sua livre
harmonia com a exigência do entendimento por unidade» (Guyer, 1997:
219). Ora, se o comprazimento é sentido por ligação a um movimento
recíproco livre e harmónico das faculdades de conhecimento daquele que
ajuíza por ocasião da representação que ele faz do objecto, então o juízo
será um juízo estético e, não sendo um juízo acerca do agradável, será um
214
Entretanto, o comentador prosseguirá afirmando que «os conceitos são manifestos
mas nunca sentidos como constrangedores ou determinantes. Apesar da sugestão
enganadora da discussão de Kant acerca da beleza livre e da beleza aderente (§16),
então, a arte não tem de carecer de conteúdo para que produza uma resposta puramente
estética, nem nós temos de abstrair desse conteúdo para desfrutar de uma tal resposta»
(Guyer, 1997: 357-358).
215
Se quisermos remeter para o §57, afirmaremos que o juízo de gosto aplicado
não se funda num «conceito intelectual confuso como o de perfeição (verworrener
Verstandesbegriff etwa von Vollkommenheit)» (Kant, 1998: 247).
216
Remetendo para o §46, confirmamos, agora, que o juízo através do qual se
declara belo um objecto artístico não é «deduzido de qualquer regra que tenha
um conceito como fundamento determinante, por conseguinte que ponha no
217
Se tivermos em conta os critérios apresentados no início do §14, podemos afirmar
que o juízo através do qual se declara bela uma obra de arte é um puro juízo estético
e, por conseguinte, um autêntico juízo de gosto.
218
Pode falar-se de arte aderentemente bela, se preferirmos.
219
Note-se, lateralmente, que, como salvaguarda Allison, «não há contradição entre a
posição [de Kant] relativamente ao génio e a [sua] concepção de beleza natural como
expressando ideias estéticas. Uma contradição emergiria unicamente se o génio fosse
tido como sendo uma condição para a produção de ideias estéticas, mas Kant não está
comprometido com qualquer tese desse tipo» (Allison, 2001: 286-287).
220
O próprio Allison o assinala: «na medida em que quer a beleza natural, quer a
beleza artística, consiste na expressão de ideias estéticas, toda a beleza (incluindo a
variedade natural) “representa” neste sentido. Consequentemente, ele não providencia
um meio para compreender a distinção entre uma “coisa bela” e uma “representação
bela de uma coisa”, na qual supostamente é baseada toda a referência de Kant à bela
arte» (Allison, 2001: 295).
221
Kant afirma-o por oposição àquilo que afirma relativamente à arquitectura, bela-
arte na qual «o principal é um certo uso do objecto artístico a cuja condição as ideias
estéticas são limitadas (ist ein gewisser Gebrauch des künstlichen Gegenstandes die
Hauptsache, worauf als Bedingung die ästhetischen Ideen eingeschränkt werden)»
(Kant, 1998: 228). Segundo o nosso autor, «a conformidade do produto a um certo
uso constitui o essencial de uma obra de construção (die Angemessenheit des Produkts
zu einem gewissen Gebrauche das Wesentliche eines Bauwerks ausmacht)» (Kant,
1998: 229).
222
Devemos admitir, porém, que, no §53, as referências feitas à música dão a entender
que Kant está a abordar música com tema, não a música sem tema ou a música sem
texto, mencionadas no §16.
223
A proposta de Schaper não é minimamente satisfatória. A comentadora limita-se a
aceitar que «[m]esmo os papéis de parede têm uma função – a de cobrirem as nossas
paredes prazenteiramente e apropriadamente» e que essa função «não tem lugar na
nossa avaliação deles como livremente belos» (Schaper, 2003: 110), isto é, que «os
padrões dos papéis de parede têm um propósito ou uma função como papéis de
parede», mas «sem que esses fins sejam relevantes para a avaliação» (Schaper, 2003:
111). Nesse caso, segundo Schaper, «[a]valiar como livremente belo um objecto feito
pelo homem seria, como é no caso dos objectos naturais, avaliá-lo sem consideração
do conceito de um fim sob o qual ele pode ou pode não se encontrar, e
consequentemente como nada representando» (Schaper, 2003: 111). No entanto, tal
não pode ser aceite se considerarmos a passagem, do §48, de acordo com a qual no
juízo através do qual se declara bela uma obra de arte têm de ser tidos em conta um
conceito daquilo que o objecto deva ser e a perfeição da obra de arte segundo esse
conceito. Ora, como já referimos, Schaper não relaciona a sua análise da distinção
entre beleza livre e beleza aderente – nem sequer o seu estudo acerca do uso feito por
Kant da noção de representação – com o que está escrito no §48 da Crítica da
Faculdade do Juízo.
224
Esta é a vertente mais ambiciosa da proposta em causa. Também importante é
perceber que, no segundo sentido exemplificativo de representação, a saber, o que
comporta apenas propósitos e constrangimentos estéticos, apenas as obras de arte
representam algo: esse sentido «é aplicável a todas as obras de bela arte, mas não às
belezas naturais» (Allison, 2001: 296). Tal é importante porque preserva a distinção
entre beleza da natureza e beleza da arte. Recorde-se que, enquanto expressando
ideias estéticas, qualquer objecto belo – natural ou artístico, portanto – é
representativo. Ora, se entendermos representação como exemplificação de algo
submetida a propósitos e constrangimentos meramente estéticos, «mesmo um desenho
à la grecque é representativo neste sentido (há algo que o artista tem de ser visto como
tentando fazer), enquanto um belo pôr-do-sol não o é» (Allison, 2001: 296).
4.3. Gostos
Sem prejuízo dos seus méritos, a proposta de Allison carece de uma
explicação relativa aos critérios segundo os quais propósitos e
constrangimentos podem ser divididos em estéticos e extra-estéticos.
Devemos recordar, antes de mais, que, na Crítica da Faculdade do Juízo,
estético (ästhetisch) é «aquilo cujo fundamento de determinação não pode
ser senão subjectivo (dasjenige, dessen Bestimmungsgrund nicht anders
als subjektiv sein kann)» (Kant, 1998: 89). Por conseguinte, para algo ser
designado estético tem de ter como fundamento de determinação o
sentimento de prazer ou desprazer ligados à sua representação. O que são
propósitos e constrangimentos estéticos? Por que é que o são? Por que é
que tais propósitos e constrangimentos permitem que o juízo seja um puro
juízo de gosto? A explicação supracitada é indispensável, pois, no interior
da tese de Allison, é a partir da distinção entre propósitos e
constrangimentos estéticos, por um lado, e propósitos e constrangimentos
extra-estéticos, por outro, que o juízo através do qual se declara bela uma
obra de arte considera um conceito daquilo que essa obra de arte deva ser,
tem em conta a perfeição do objecto e, ainda assim, pode não deixar de
ser um puro juízo de gosto.
225
Nesse contexto, o nosso autor acrescenta que aquele que «fala e decide como um
génio até em assuntos da mais cuidadosa investigação da razão, então torna-se
completamente ridículo (sogar in Sachen der sorgfältigsten Vernunftuntersuchung
wie ein Genie spricht und entscheidet, so ist es vollends lächerlich)» (Kant, 1998:
215). Quando assim é, diz Kant que «não se sabe bem se se deve rir mais do impostor
que difunde tanto fumo em torno de si e em que não se pode ajuizar nada claramente,
mas muito mais se imagina, ou se se deve rir mais do público, que candidamente
imagina que a sua incapacidade de reconhecer e captar claramente a obra-prima da
perspiciência provém de que verdades novas lhe são lançadas às mãos cheias e contra
o que a minúcia (através de explicações pontuais e exame sistemático dos princípios)
lhe parece ser somente obra de ignorante (man weiß nicht recht, ob man mehr über
den Gaukler, der um sich so viel Dunst verbreitet, wobei man nichts deutlich
beurteilen, aber desto mehr sich einbilden kann, oder mehr über das Publicum lachen
soll, welches sich treuherzig einbildet, dass sein Unvermögen, das Meisterstück der
Einsicht deutlich erkennen und fassen zu können, daher komme, weil ihm neue
Wahrheiten in ganzen Massen zugeworfen werden, wogegen ihm das Detail (durch
abgemessene Erklärungen und schulgerechte Prüfung der Grundsätze) nur
Stümperwerk zu sein scheint)» (Kant, 1998: 215).
226
A matemática será, neste contexto, a condição indispensável da beleza.
non) der schönen Kunst)» (Kant, 1998: 264). Todas estas passagens
exprimem uma associação da componente mecânica, coerciva e
escolástica da arte à beleza. De resto, elas são concordantes com a
designação que Kant dá, no §48, da forma da apresentação de um
conceito, pela qual este é comunicado universalmente (Form der
Darstellung eines Begriffs, durch welche dieser allgemein mitgeteilt
wird), forma que dissemos requerer apenas gosto. Nas palavras de Kant,
ela é a «forma da arte bela (Form der schönen Kunst)» (Kant, 1998: 218).
Tendo em conta a maneira como iniciámos a nossa tese, a saber,
salientando que a faculdade através da qual se ajuíza o belo é o gosto e
que os juízos provenientes do gosto são juízos estéticos, afirmaríamos,
agora, que, estando associada ao gosto e à beleza, a componente mecânica,
coerciva e escolástica da bela arte é geradora de constrangimentos
meramente estéticos. Por serem concernentes ao gosto, à beleza, os
constrangimentos derivados do tipo, género ou forma de obra de arte que
uma obra de arte particular é suposto ser podem chamar-se estéticos. Uma
tal afirmação pode ser proferida. No entanto, ela tem de envolver uma
salvaguarda.
Considerando aquilo que mostrámos na secção “Juízo através do qual
se declara artístico um objecto”, torna-se claro que, antes de associar a
componente mecânica, coerciva e escolástica da bela arte ao gosto e à
beleza – algo que faz a partir do §48 – Kant associa-a ao lado artístico da
bela arte. No §43, Kant lembra que nas artes livres – e, portanto, na bela
arte – todavia (dennoch) se requer uma componente coerciva, mecânica
(cf. Kant, 1998: 208). De acordo com o §47, essa componente mecânica,
escolástica, é condição essencial não da vertente bela da beleza da arte,
não da beleza da bela arte, mas da sua vertente artística, da sua arte (Kunst)
(cf. Kant, 1998: 215). É para designar-se artístico (künstlich), segundo as
palavras do §46, e não para designar-se belo, que um objecto pressupõe
regras (cf. Kant, 1998: 211). Assim, a questão que importa colocar é a de
saber que gosto e que beleza são esses, associados por Kant ao lado
artístico da bela arte, que gosto e que beleza são esses, apresentados pelo
nosso autor como determinando toda uma componente mecânica, coerciva
227
Zammito apercebe-se da dificuldade em causa. Em primeiro lugar, ele assinala o
seguinte: «Espírito e vida, na ordem das coisas kantiana normal, deveriam condizer
com forma. Mecanismo e “corpo” deveriam, na ordem das coisas kantiana normal,
condizer com “matéria”. Mas mecanismo tem sido associado com gosto, e gosto com
“forma”, enquanto génio tem sido associado com “matéria”. No entanto, “espírito” e
“vida” claramente caem para o lado do génio» (Zammito, 1992: 144-145). Depois,
afirma que «tomando o gosto isoladamente» apenas pode produzir-se «um produto
“mecânico”, academicamente correcto, mas sem vida» (Zammito, 1992: 145).
Entretanto, em nota de rodapé, Zammito acrescenta que «isso que tem apenas gosto,
mas nenhum vestígio de génio, é, certamente, na medida em que se conforma a regras,
“correcto” e, Kant parece mesmo sugerir, belo» (Zammito, 1992: 381). De facto, é
isso que uma parte significativa da Crítica da Faculdade do Juízo nos leva a concluir.
O problema é que, mais preocupado com a consistência da descrição kantiana do génio
e do gosto, o intérprete não pensa qualquer consequência da associação da beleza ao
carácter coercivo, mecânico e escolástico da arte.
228
Na Primeira Introdução à Crítica da Faculdade do Juízo, imediatamente antes de
mencionar a «perspectiva surpreendente (auffallende Aussicht)» e «muito promissora,
em um sistema completo de todos os poderes-da-mente (viel verheißende in ein
vollständiges System aller Gemütskräfte)» que uma tal crítica «abre, ao preencher uma
lacuna no sistema de nossas faculdades-de-conhecimento (eröffnet, dadurch, dass sie
eine Lücke im System unserer Erkenntnisvermögen ausfüllt)», Kant refere-a como
«usada para o aprimoramento ou consolidação do próprio gosto (zur Verbesserung
oder Befestigung des Geschmacks selbst gebraucht wird)» (Kant, 1995: 83).
229
Já citámos algumas dessas regras: «por exemplo na poesia a correcção e a riqueza
da linguagem, igualmente a prosódia e a métrica» (Kant, 1998: 208).
230
É também enquanto tal que essas ciências são tão importantes para a bela arte
como, na passagem citada, Kant afirma que elas são.
declarada bela através de um puro juízo de gosto, uma obra de arte tem de
satisfazer constrangimentos ligados ao gosto. 231 Mas o gosto a que tais
constrangimentos estão associados não corresponde ao gosto enquanto
faculdade de juízo estética.
Ainda assim, devemos notar ser o próprio Kant quem usa
indistintamente a palavra gosto. Esse facto, por si só, possibilita que a
beleza de alguma arte seja uma beleza livre, uma beleza declarada através
de puros juízos de gosto. Talvez seja essa a razão pela qual, na Crítica da
Faculdade do Juízo, nunca é colocada – pelo menos explicitamente – a
questão de saber se pode falar-se de bela arte enquanto arte livremente
declarada bela, isto é, enquanto arte declarada bela através de puros juízos
de gosto.232 No entanto, é pertinente ressalvar que aceitá-lo significa
resolver através de uma coincidência meramente terminológica uma
questão cuja dificuldade assenta nas exigências estabelecidas pelo gosto
enquanto faculdade de juízo estética.
***
231
Não constituindo uma condição suficiente para tal, essa condição é, ainda assim,
uma condição necessária.
232
De resto, de modo explícito, Kant não coloca sequer a questão de saber se pode
falar-se de bela arte enquanto arte condicionadamente declarada bela, enquanto arte
declarada bela através de juízos de gosto aplicados.
233
Para uma compreensão esquemática das condições de possibilidade de se declarar
livremente bela uma obra de arte, remetemos o leitor para o anexo “3. Livre
Declaração da Obra de Arte como Bela”.
1. EDUCAÇÃO DO GÉNIO
234
Essa expressão – assinalámo-lo – é encontrada pelo espírito.
235
Daí assinalar Gilles Deleuze que «[o] acordo da imaginação e do entendimento,
nas artes, só é vivificado pelo génio, e sem ele ficaria incomunicável» (Deleuze,
2000: 63).
236
Henry E. Allison chega a considerar que o §50 pode ser interpretado como uma
parte do texto de Kant na qual o nosso autor parece insinuar que o gosto constitui
condição suficiente para que se produzam obras de arte belas. Diz o comentador que
«Kant parece sugerir ao mesmo tempo que o génio é necessário para a produção de
bela arte (§46) e que o gosto sem génio é suficiente (§50)» (Allison, 2001: 273).
237
Os conflitos para os quais aqui chamamos a atenção ocorrem no interior da Crítica
da Faculdade do Juízo, mediante a contraposição de algumas passagens da obra. Num
âmbito mais alargado, a saber, o do inteiro trabalho filosófico de Kant, a plurivocidade
de sentido da noção de génio é ainda mais evidente. A nossa intenção não passa,
contudo, por descrever o desenvolvimento da noção de génio ao longo do trabalho
filosófico de Kant. Àqueles que pretendam satisfazer um tal fim, sugere-se desde logo
a leitura do artigo “Kant’s Early Theory of Genius (1770-1779)”, no qual Giorgio
Tonelli tenta «reconstruir o desenvolvimento das ideias de Kant acerca do génio
utilizando os materiais contidos no seu Nachlass, publicado por Adickes» (Tonelli,
1966: 109), assim como de Kants Lehre von Genie und die Entstehung der “Kritik
der Urteilskraft”, texto no qual Otto Schlapp recorre aos Kolleghefte.
238
Já tivemos o cuidado de assinalar que, no concernente a esta passagem, a tradução
elaborada por António Marques e Valério Rohden é incompleta. O génio é requerido
unicamente para a bela arte, não para toda e qualquer arte.
É essa a tese de Allison, de novo, para quem no texto de Kant podem observar-se
239
duas concepções de génio: uma «concepção grossa» e uma «concepção fina» (Allison,
2001: 301).
240
Por isso é que deve afirmar-se que só em princípio é que o génio é sempre exemplar
(cf. Gil, 1998: 273).
241
Segundo Kant, o exercício do génio nem sequer deve envolver «uma precaução
receosa (ängstliche Behutsamkeit)» (Kant, 1998: 224). Ele deve envolver coragem,
mesmo que tal resulte na concessão de deformidades (Missgestalten): «Unicamente
num génio esta coragem é mérito; e uma certa audácia na expressão e em geral algum
desvio da regra comum fica-lhe bem (Dieser Mut ist an einem Genie allein Verdienst;
und eine gewisse Kühnheit im Ausdrucke und überhaupt manche Abweichung von der
gemeinen Regel steht demselben wohl an)» (Kant, 1998: 224). Esta tese pode ser
encarada como de alguma maneira já sugerida em O Belo e o Sublime, de 1764, onde
Kant refere os «movimentos livres e naturais do génio, cuja beleza resultaria somente
desfigurada por uma correcção trabalhosa dos defeitos» (Kant, 1943: 74).
242
Como é dito no §17, acerca do ideal da beleza, «quem (…) imita um modelo, na
verdade mostra, na medida em que o consegue, habilidade (wer ein Muster nachahmt,
zeigt, sofern als er es trifft, zwar Geschicklichkeit)» (Kant, 1998: 123).
243
Uma espécie de macaquice é o maneirismo (das Manierieren), imitação «da
simples peculiaridade (originalidade) em geral, para distanciar-se o mais possível dos
imitadores, sem contudo possuir o talento para ser ao mesmo tempo exemplar (der
bloßen Eigentümlichkeit (Originalität) überhaupt, um sich ja von Nachahmern so
weit als möglich zu entfernen, ohne doch das Talent zu besitzen, dabei zugleich
musterhaft zu sein)» (Kant, 1998: 224-225). Trata-se de um produto «amaneirado
unicamente se a apresentação da sua ideia visar nele a singularidade e não for
adequada à ideia ([a]llein manieriert nur alsdann, wenn der Vortrag seiner Idee in
demselben auf die Sonderbarkeit angelegt und nicht der Idee angemessen gemacht
wird)» (Kant, 1998: 225).
244
Notam Marques e Rohden, que «[n]o manuscrito de Kant constou Nachahmung …
Nachahmung (imitação … imitação)», sendo que «“[c]ópia” e “imitação” são
expressões devidas a Kiesewetter» (Kant, 1998: 214). A edição da Preußische
Akademie der Wissenschaften preserva o que se lê no manuscrito. O mais importante,
porém, é assinalar, precisamente como fazem os autores da tradução por nós utilizada
da Kritik der Urteilskraft para o Português, que «Kant teria querido escrever
245
A clarificação da distinção entre método e maneira é apresentada por Kant no final
da revisão da noção de génio, depois do §49: «Na verdade há na exposição dois modos
(modus) em geral de composição dos seus pensamentos, um dos quais chama-se
maneira (modus aestheticus) e o outro, método (modus logicus), que se distinguem
entre si no facto que o primeiro modo não possui nenhum outro padrão que o
sentimento da unidade na apresentação, enquanto que o outro segue princípios
determinados; para a arte bela vale portanto só o primeiro modo (Zwar gibt es
zweierlei Art (modus) überhaupt der Zusammenstellung seiner Gedanken des
Vortrages, deren die eine Manier (modus aestheticus), die andere Methode (modus
logicus) heißt, die sich darin von einander unterscheiden: dass die erstere kein
anderes Richtmaß hat, als das Gefühl der Einheit in der Darstellung, die andere aber
hierin bestimmte Prinzipien befolgt; für die schöne Kunst gilt also nur die erstere)»
(Kant, 1998: 225).
246
Respondemos deste modo à questão, lançada por Fernando Gil, de sabe r
«[c]omo se concilia a exemplaridade do gosto e do génio com a
“subjectividade” do juízo de gosto e com a “originalidade” do génio» (Gil, 1998:
273).
247
Tal vai ao encontro do parágrafo anterior (§13) no qual Kant refere um gosto «ainda
bárbaro (noch barbarisch)» (Kant, 1998: 113).
248
A afirmação de um gosto que se desenvolve não é uma novidade da Crítica da
Faculdade do Juízo. Em O Belo e o Sublime, Kant refere um «gôsto que por vezes se
afina» (Kant, 1943: 60). Esse gosto, inicialmente «rude» (Kant, 1943: 60), pode
transformar-se num «gôsto muito apurado» (Kant, 1943: 63).
249
A propósito da noção de exemplo – ou, melhor, a propósito das noções de Exempel
e Beispiel, traduzidas para Português através do termo “exemplo” – é de observar a
distinção identificada por Fernando Gil. Sem prejuízo da admissão de que Kant «não
é sempre fiel ao princípio da distinção», e notando que «a existência, em alemão, de
um só adjectivo, exemplarisch, para os dois nomes do exemplo presta à confusão»
(Gil, 1998: 267), Gil considera que, enquanto Exempel «está ligado à exemplificação
entendida como simples instanciação de uma regra geral, como “caso particular” da
regra», tratando-se, portanto, «somente de uma quantificação existencial, sem
qualquer acréscimo de inteligibilidade relativamente à regra», Beispiel,
diferentemente, «não representa a instanciação de uma regra», tratando-se «antes a
invenção de um modelo» (Gil, 1998: 266-267). Nesse sentido, o Beispiel é
«“introduzido” (o verbo é anführen) – isto é, produzido, comparado com outros
exemplos possíveis» (Gil, 1998: 266). Ele está estreitamente ligado ao objectivo de
«contribuir para a “compreensão de uma expressão” (zur Verständlichkeit eines
Ausdrucks)», e por isso é requerido «quando há um défice de compreensão» (Gil,
1998: 266-267).
históricas mencionadas por Kant no §44 (cf. Kant, 1998: 208-209). Assim
sendo, as habitual mas equivocadamente chamadas ciências belas podem
contribuir para o gosto enquanto faculdade de juízo estética de que cada
indivíduo é dotado, para o cultivo dessa faculdade em cada indivíduo, para
o seu exercitamento, para a sua correcção.
Uma chamada de atenção poderá ser-nos feita imediatamente. Ela
apontará para a eventualidade de surgir uma contradição se à nossa tese
juntarmos a afirmação de que o gosto (faculdade de juízo estética)
reivindica simplesmente autonomia. De facto, no §32, como já citámos,
Kant afirma que «[o] gosto reivindica simplesmente autonomia ([d]er
Geschmack macht bloß auf Autonomie Anspruch)» (Kant, 1998: 183).
Essa afirmação é, de resto, reforçada nos parágrafos seguintes (§33 e §34).
O prazer que aquele que ajuíza tem por ocasião da representação do
objecto é um prazer imediato; logo, não é através de um argumento, seja
esse um argumento empírico ou um argumento a priori, que ele o sente.
O fundamento do juízo de gosto é a «reflexão do sujeito sobre o seu
próprio estado (de prazer ou desprazer), com rejeição de todos os preceitos
e regras (Reflexion des Subjekts über seinen eigenen Zustand (der Lust
oder Unlust) mit Abweisung aller Vorschriften und Regeln)» (Kant, 1998:
187). No próprio §44, antes de usar a expressão ciências belas, Kant
sustenta a tese segundo a qual não pode haver uma ciência do belo (cf.
Kant, 1998: 208).250 Entretanto, nos §58 e §59, o nosso autor assinala,
respectivamente, que o juízo de gosto é «livre (frei)» e tem «autonomia
250
Nesse parágrafo, Kant diz apenas que «[n]ão há ([e]s gibt weder)» uma tal ciência,
assim como não há «uma ciência bela (noch schöne Wissenschaft)» (Kant, 1998: 208).
Veja-se, no entanto, a sua justificação: se houvesse uma ciência do belo, «deveria
então ser decidido nela cientificamente, isto é por argumentos, se algo deve ser tido
por belo ou não; portanto se o juízo sobre a beleza pertencesse à ciência, ele não seria
nenhum juízo de gosto (so würde in ihr wissenschaftlich, d. i. durch Beweisgründe,
ausgemacht werden sollen, ob etwas für schön zu halten sei oder nicht; das Urteil
über Schönheit würde also, wenn es zur Wissenschaft gehörte, kein Geschmacksurteil
sein)» (Kant, 1998: 208). Por essa razão, não só não há, como também não pode haver
uma ciência do belo. É exactamente isso que Kant salienta no §60: «não há nem pode
haver uma ciência do belo (es keine Wissenschaft des Schönen gibt noch geben kann)»
(Kant, 1998: 264). Já tínhamos transcrito estas passagens.
251
No mesmo sentido, veja-se a seguinte passagem do texto Ideia de uma História
Universal com um Propósito Cosmopolita, de 1784: «A razão numa criatura é uma
faculdade de ampliar as regras e intenções do uso de todas as suas forças muito além
do instinto natural, e não conhece limites alguns para os seus projectos. Não actua,
porém, instintivamente, mas precisa de tentativas, de exercício e aprendizagem,
para avançar de modo gradual de um estádio do conhecimento para outro» (Kant,
2004: 23).
uma certa espécie ([w]enn jemand ein Gebäude, eine Aussicht, ein
Gedicht nicht schön findet, so kann er sogar zu zweifeln anfangen, ob er
seinen Geschmack durch Kenntnis einer genugsamen Menge von
Gegenständen einer gewissen Art auch genug gebildet habe) (Kant,
1998: 185).
Um tal conhecimento pode contribuir para o gosto precisamente na
medida em que pode contribuir para que aquele que ajuíza se questione
quanto à correcção do seu juízo, isto é, quanto ao fundamento, aos
princípios, no qual o seu juízo se baseia – ou, por outras palavras, quanto
a estar a proferir um juízo de gosto ou um juízo de outro tipo.252 É nesse
sentido que «[o] juízo de outros que nos é desfavorável na verdade pode
com razão tornar-nos hesitantes com respeito ao nosso ([d]as uns
ungünstige Urteil anderer kann uns zwar mit Recht in Ansehung des
unsrigen bedenklich machen)» (Kant, 1998: 185). Esse juízo,
desfavorável, pode tornar-nos hesitantes no que concerne ao nosso,
precisamente enquanto pode levar a que questionemos se, de facto,
estaremos a ajuizar segundo os princípios do gosto.
Não é unicamente para o gosto, no entanto, que os conhecimentos
sublinhados por Kant, no §44, podem contribuir. Melhor: não é
directamente que eles podem fazê-lo. Antes de mais, esses conhecimentos
252
É também no interior deste contexto que pode compreender-se algo afirmado por
Kant no §60, a saber, «parece evidente que a verdadeira propedêutica para a fundação
do gosto seja o desenvolvimento de ideias morais e a cultura do sentimento moral
(leuchtet ein, dass die wahre Propädeutik zur Gründung des Geschmacks die
Entwicklung sittlicher Ideen und die Kultur des moralischen Gefühls sei)» (Kant,
1998: 266). Na medida em que também no caso da moralidade se requer que o sujeito
supere aquilo que meramente agrada aos sentidos e, portanto, que ele não se deixe
levar por inclinações, nessa medida, o desenvolvimento de ideias morais e a cultura
do sentimento moral podem ser úteis no encaminhamento daquele que ajuíza para a
procura e descoberta em si mesmo dos princípios do gosto. O mesmo se passa – e, de
resto, de maneira ainda mais clara – relativamente ao juízo acerca do sublime. Na
medida em que o seu fundamento reside precisamente «na disposição ao sentimento
para ideias (práticas), isto é ao sentimento moral (in der Anlage zum Gefühl für
(praktische) Ideen, d. i. zu dem moralischen)» (Kant, 1998: 163), a preparação para
ajuizar acerca do sublime deverá consistir no desenvolvimento de ideias morais e na
cultura do sentimento moral.
253
Como assinala Maria Filomena Molder: «eis que a apreciação estética se descobre
susceptível de ser aperfeiçoada, capaz de afinação» (Molder, 2007: 381). É certo que
«[a] autonomia, isto é, a indiferença à apreciação alheia, é a regra da apreciação
estética», mas «[s]e a apreciação estética deve ser de cada vez autónoma, a fim de que
o juízo seja verdadeiramente puro, isso não quer dizer que não haja possibilidade
legítima de alteração, isso não impede a inversão do juízo» (Molder, 2007: 381).
Referindo-se especificamente à passagem que acabámos de citar da Crítica da
Faculdade do Juízo, Molder acrescenta que «a autonomia do juízo é integrada, e não
ameaçada» e que «ela é mesmo vivificada no campo tensional baptizado como
exercício, o elemento da Ausübung, cujos efeitos se mostram no gesto de colocar-se
no caminho dos outros poetas» (Molder, 2007: 381). Assim, no entender de Molder,
«é da Ausübung, do exercício, que deriva a legitimidade da mudança da apreciação»,
o que significa que «[s]e o jovem poeta se comprometer num verdadeiro exercício
poético, então a mudança de opinião mostra-se legítima» (Molder, 2007: 382).
254
Em 1785, na Fundamentação da Metafísica dos Costumes, a propósito das leis a
priori, Kant assinala que elas «exigem, para além do mais, uma faculdade de juízo
aguçada pela experiência que, por um lado, permita discernir em que situações elas se
tornam aplicáveis e, por outro, lhes faculte um acesso à vontade humana e eficácia no
seu exercício prático, pois que o homem, afectado como é por tantas inclinações, é
bem capaz de conceber a ideia de uma razão pura, mas não terá tão facilmente o poder
§44 levar a que aqueles que os ignoram discordem dos que conhecem tais
conteúdos, aquilo de que deveremos falar é não de uma discórdia patente
em juízos de gosto, mas simplesmente de uma incorrecção, por parte de
um dos grupos, na aplicação da faculdade do juízo. A diferença que um
nível superior de desenvolvimento da faculdade do juízo pode fazer em
relação a um nível inferior resume-se à maior probabilidade de, quando
pretende ajuizar se um objecto é belo, aquele que possui uma faculdade
menos desenvolvida ajuizar através de algo que não o gosto e os princípios
do gosto, o que constitui tão-só e apenas uma incorrecção quanto àquilo
mediante o qual se ajuíza. 256
256
Esta tese pode ser perspectivada como estando presente desde logo em O Belo e o
Sublime, de 1764, ainda que noutros termos. Afirma Kant, aí, que «[q]ualquer que
seja o género das sensações tam delicadas de que tratamos até aqui, sublimes ou belas,
sofrem o destino comum de aparecerem como falsas e absurdas aos olhos de todo
aquêle cuja sensibilidade não concorda com elas» (Kant, 1943: 36). Tal acontece
porque «[a]inda que não falte por completo uma sensibilidade apropriada, existem
graus muito diferentes, e vê-se que um encontra nobre e digno uma coisa que para
outros é extravagante» (Kant, 1943: 37). Mas o que está em causa é sempre aquilo no
qual o juízo é baseado. Daí o nosso autor acrescentar que «[n]ão se tem razão quando
se acusa de não entender a quem não vê o valor ou a formosura do que nos comove
ou encanta», pois «[t]rata-se aqui não tanto do que o entendimento compreende como
do que o sentimento experimenta» (Kant, 1943: 38). Coerentemente, no texto
Investigação sobre a Clareza dos Princípios da Teologia Natural e da Moral, também
de 1764, Kant assinala que «[o]s erros (…) não decorrem unicamente do facto de não
se saber certas coisas, mas de se ousar julgar, mesmo que ainda não se saiba tudo o
que para tal seria necessário» (Kant, 2006: 87). A este propósito, é igualmente
relevante fazer uma referência a Donald W. Crawford. Questionando-se acerca do
lugar que a apresentação de razões poderá ter na teoria estética de Kant, Crawford
propõe a possibilidade de discórdia relativamente à beleza de um objecto sem que os
juízos em causa deixem de ser juízos de gosto. Segundo Crawford, essa discórdia
parece ser «o resultado não do tipo de atenção errado ou da atitude (“impura” como
oposta a “pura”, “interessada” como oposta a “desinteressada”), mas de uma atenção
ou de um apercebimento incompleto das características esteticamente relevantes da
obra a ser considerada» (Crawford, 1974: 168). Exemplificando, o comentador afirma
que «alguém pode ter falhado em notar e incorporar nos fundamentos do seu juízo
acerca da Nona Sinfonia de Beethoven a importante estrutura da abertura do
movimento final – a justaposição do baixo de cordas recitativo com o tema principal
de cada um dos movimentos precedentes em jogo, dando espaço a uma voz baixa
recitativa e finalmente a uma afirmação completa do tema principal do movimento
final» (Crawford, 1974: 168). No entanto, como o próprio Crawford bem acaba por
sugerir, a discórdia pode ser meramente aparente – cada um dos juízes pode referir-se
a um objecto diferente: «o “este” em cada um dos seus juízos de gosto refere-se a
diferentes objectos de apercebimento» (Crawford, 1974: 168), não havendo, portanto,
«uma base comum de juízo», isto é, «um objecto comum (intersubjectivo) de
experiência e por conseguinte de avaliação» (Crawford, 1974, 169). Citando S.
Körner, diríamos que nestes casos há uma «falha para identificar o todo final, com o
qual se é confrontado com alguma obra de arte cuja estrutura se nos desvenda apenas
depois de muita atenção, trabalho e paciência» (Körner, 1984: 187-188).
257
Essa posição é reforçada, ainda no mesmo parágrafo, quando Kant assinala que o
juízo acerca do sublime necessita «cultura (mais do que o juízo sobre o belo) (Kultur
(mehr als das über das Schöne)» (Kant, 1998: 163).
258
É a universalidade subjectiva a priori do comprazimento no sublime, aliás, aquilo
que, segundo Kant, nos leva a dizermos que «não tem nenhum sentimento aquele que
permanece insensível junto ao que julgamos ser sublime (von dem, der bei dem, was
wir erhaben zu sein urteilen, unbewegt bleibt, er habe kein Gefühl)» (Kant, 1998:
163).
auf irgend ein (subjektives) Prinzip a priori)» (Kant, 1998: 180). Essa
presunção estará legitimada precisamente enquanto o postular em
qualquer outro do comprazimento no sublime somente é possível,
conforme salvaguardado no §39, «através da lei moral, que é por sua vez
fundada sobre conceitos da razão (vermittelst des moralischen Gesetzes,
welches seinerseits wiederum auf Begriffen der Vernunft gegründet ist)»
(Kant, 1998: 194).
A dispensa de uma dedução para o caso do juízo acerca do sublime é
explicada por Kant no primeiro parágrafo da “Dedução dos juízos
estéticos puros”, o já citado §30, cujo título é, precisamente, «A dedução
dos juízos estéticos sobre os objectos da natureza não pode ser dirigida
àquilo que nesta chamamos sublime (Die Deduktion der ästhetischen
Urteile über die Gegenstände der Natur darf nicht auf das, was wir in
dieser erhaben nennen, sondern nur auf das Schöne gerichtet werden)»
(Kant, 1998: 179). Embora logo no primeiro parágrafo da “Analítica do
sublime” (§23) Kant adiante que o fundamento para o sublime tem de ser
procurado «simplesmente em nós e na maneira de pensar que introduz
sublimidade (bloß in uns und der Denkungsart, die Erhabenheit
hineinbringt)» (Kant, 1998: 140), apesar de, além disso, na “Observação
geral sobre a exposição dos juízos reflexivos estéticos”, o nosso autor
afirmar que «o sublime sempre tem que se referir à maneira de pensar,
isto é a máximas, para conseguir o domínio do intelectual e das ideias da
razão sobre a sensibilidade (muss das Erhabene jederzeit Beziehung auf
die Denkunsart haben, d. i. auf Maximen, dem Intellektuellen und den
Vernunftideen über die Sinnlichkeit Obermacht zu verschaffen)» (Kant,
1998: 173); é só no §30, porém, que ele concretiza essa afirmação: «o
sublime da natureza só impropriamente é chamado assim e propriamente
só tem que ser atribuído à maneira de pensar, ou muito antes ao
fundamento da mesma na natureza humana (das Erhabene der Natur nur
uneigentlich so genannt werde und eigentlich bloß der Denkungsart, oder
vielmehr der Grundlage zu derselben in der menschlichen Natur beigelegt
werden müsse)» (Kant, 1998: 180). Essa maneira de pensar é, como já
vimos, a maneira de pensar consequente, e a sua máxima, que incita a
259
Esta tese está plasmada na “Observação geral sobre a exposição dos juízos
reflexivos estéticos”, onde Kant nota que o sublime, como explicação «do julgamento
estético universalmente válido (ästhetischer allgemeingültiger Beurteilung)», refere-
se «a fundamentos subjectivos (…) em oposição à sensibilidade para os fins da razão
prática (sich auf subjektive Gründe wie sie wider dieselbe, dagegen für die Zwecke
der praktischen Vernunft bezieht)» (Kant, 1998: 166).
260
De acordo com Maria Filomena Molder, aquilo que um poeta tem de fazer «para
se tornar poeta» é «[a]prender a reconhecer a poesia graças à leitura dos outros poetas,
conseguir a maestria do talento, desdobrá-lo, expandi-lo» (Molder, 2007: 383).
Molder está a falar «da educação, do progresso do sentimento naquele que produz
obras poéticas, obras de arte» (Molder, 2007: 382). Diz ela que «[o] poeta tem de
cultivar a poesia a fim de purificar, firmar, afinar o seu próprio juízo, quer dizer,
educar o seu próprio sentimento» (Molder, 2007: 382). Trata-se de «educação
sentimental», trata-se daquilo que a intérprete diz ser «a tarefa mais humana: aprender
a aceitar a beleza» (Molder, 2014: 118), pois «[m]esmo se sabemos ler, mesmo se
ouvimos e vemos muito bem, mesmo se os nossos ouvidos e os nossos olhos
preenchem a sua função, podemo-nos descobrir surdos e cegos, incapazes de ouvir a
palavra dos poetas, incapazes de ver uma pintura ou uma escultura» (Molder, 2014:
116). O poeta educa-se no plano sentimental através de um «movimento de olhar para
trás [que] se manifesta como descoberta do outro, procura das fontes, acto de
rememoração: o sentido de realizar um gesto, de acenar para o sentido, de receber e
de transmitir» (Molder, 2007: 383). No entender de Molder, «a tradição é a atmosfera
nutritiva da actividade poética e, além disso, a actividade poética apresenta-se como
a imagem originária da história; dito de outro modo, a poesia como tradição revela ser
o modelo da história sob todas as suas formas» (Molder, 2007: 383).
261
Nesse sentido, eles, assim como as ciências que os mencionam, plasmam o gosto
enquanto corpus. O conhecimento das referidas regras, através do conhecimento de
objectos que as cumprem, promove a criação de obras de arte nas quais essas regras
igualmente são cumpridas.
262
Compreende-se, também neste contexto, algo que Kant afirma no último parágrafo
da “Crítica da Faculdade de Juízo Estética” (§60), a saber, que «[a] propedêutica a
toda a bela arte, na medida em que está disposta para o mais alto grau da sua perfeição,
não parece encontrar-se em preceitos, mas na cultura das faculdades do ânimo através
daqueles conhecimentos prévios que se chamam humaniora ([d]ie Propädeutik zu
aller schönen Kunst, sofern es auf den höchsten Grad ihrer Vollkommenheit angelegt
ist, scheint nich in Vorschriften, sondern in der Kultur der Gemütskräfte durch
diejenigen Vorkenntnisse zu liegen, welche man humaniora nennt)» (Kant, 1998: 265).
Ajudando a que aquele que ajuíza se questione quanto à correcção do seu juízo, isto
é, quanto a estar a ajuizar através da faculdade adequada e considerando os princípios
dessa faculdade, o conjunto de conhecimentos supracitado possibilita-lhe o
aguçamento da sua capacidade de ajuizar e, por conseguinte, se ele, além de fruidor,
é criador, um embelezamento da sua arte. Note-se, aliás, que no mesmo parágrafo,
ainda antes das palavras que acabámos de citar, Kant indica que a efectivação do
processo de sucessão entre artistas dotados de génio requer uma «crítica penetrante
(scharfe Kritik)» (Kant, 1998: 265).
***
263
Embora seja a letra da Crítica da Faculdade do Juízo, nomeadamente o título do
§15, a possibilitar essa resposta, negativa, é igualmente a letra da terceira Crítica,
nomeadamente a manutenção dos termos beleza e juízo de gosto, no §16, quando se
trata, respectivamente, de beleza aderente e de juízos de gosto aplicados, a indiciar a
carência de justificações satisfatórias para uma tal resposta. O espírito da obra de Kant
dá força à tese segundo a qual pode falar-se de bela arte.
264
Igualmente se consideram ilegítimas as noções de beleza fixada e juízo de gosto
em parte intelectualizado, introduzidas no §17, e de juízo estético logicamente
condicionado, mencionada no §48.
265
Tivemos oportunidade de salientar esse facto do texto de Kant como segundo facto
a ter em conta para não limitar a resposta à questão de saber se pode falar-se de bela
arte a uma consideração do título do §15 e da passagem, do §48, de acordo com a qual
no juízo através do qual se declara bela uma obra de arte têm de ser tidos em conta
um conceito daquilo que o objecto deva ser e a perfeição da obra de arte segundo esse
conceito.
266
No lugar de “sensibilidade”, deve escrever-se “faculdade da imaginação”. A
palavra usada por Kant é “Einbildungskraft”, como pode ser confirmado por
intermédio da transcrição que fazemos do texto da Preußische Akademie der
Wissenschaften.
267
No §47, Kant assinala que «[o]s modelos da bela arte são (…) os únicos meios de
orientação para conduzir a arte à posteridade ([d]ie Muster der schönen Kunst sind die
einzigen Leitungsmittel, diese auf die Nachkommenschaft zu bringen)», como já
notámos, e acrescenta que «no ramo das artes do discurso (…) somente podem tornar-
se clássicos os modelos em línguas antigas, mortas e agora conservadas apenas como
línguas cultas (im Fache der redenden Künste können nur die im alten, toten und jetzt
nur als gelehrte aufbehaltenen Sprachen klassisch werden)» (Kant, 1998: 214). Antes,
numa nota a uma passagem do §17, o nosso autor refere que «[m]odelos do gosto com
respeito às artes elocutivas têm que ser compostos numa língua morta e culta:
primeiro, para não ter que sofrer uma alteração, a qual atinge inevitavelmente as
línguas vivas, de modo que expressões habituais tornam-se arcaicas e expressões
recriadas são postas em circulação por somente um curto período de tempo; segundo,
para que ela tenha uma gramática que não seja submetida a nenhuma mudança
caprichosa da moda, mas possua a sua regra imutável ([M]uster des Geschmacks in
Ansehung der redenden Künste müssen in einer toten und gelehrten Sprache abgefaßt
sein: das erste, um nicht die Veränderung erdulden zu müssen, welche die lebenden
unvermeidlicher Weise trifft, dass edle Ausdrücke platt, gewöhnliche veraltet und
neugeschaffene in einen nur kurz dauernden Umlauf gebracht werden; das zweite,
damit sie eine Grammatik habe, welche keinem mutwilligen Wechsel der Mode
unterworfen sei, sondern ihre unveränderliche Regel hat)» (Kant, 1998: 267).
268
Recordemos que no processo de sucessão a arte obtém «uma nova regra (eine neue
Regel)» (Kant, 1998: 224) através de cada nova obra produzida pelo artista dotado de
génio, regra essa «que não pôde ser inferida de quaisquer princípios ou exemplos
anteriores (die aus keinen vorhergehenden Prinzipien oder Beispielen hat gefolgert
werden können)» (Kant, 1998: 223).
Obras de Kant
A edição alemã das obras completas de Kant usada nesta tese é a seguinte:
Kants gesammelte Schriften. Herausgegeben von der Königlich
Preußischen Akademie der Wissenschaften. Berlin: Walter de Gruyter,
1902-1983. Foram usadas as seguintes traduções:
Outras obras
ADORNO, Theodor W. (2008). Aesthetische Theorie [1970], trad. Artur
Morão, Teoria Estética. Lisboa: Edições 70.
BARTHES, Roland (1984). Degré zero de l’écriture [1953], trad. Maria
Margarida Barahona, O Grau Zero da Escrita. Lisboa: Edições 70.
_____
(1997). Leçon [1978], trad. Ana Mafalda Leite, Lição. Lisboa:
Edições 70.
_____
(1984). Mythologies [1957], trad. José Augusto Seabra. Mitologias.
Lisboa: Edições 70.
_____
(1997). Plaisir du text [1973], trad. Maria Margarida Barahona. O
Prazer do Texto. Lisboa: Edições 70.
LONGINO (1984). Peri Hýpsous [ca. séc. I], trad. Custódio José de
Oliveira, Tratado do Sublime. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da
Moeda.
LYOTARD, Jean-François (1979). Discours, figure [1971], trad. Carlota
Hesse e Josep Elias. Discurso, Figura. Barcelona: Gustavo Gili.
_____
(1997). L’Inhumain. Causeries sur le temps [1988], trad. Ana Cristina
Seabra e Elisabete Alexandre, O Inumano – Considerações sobre o
Tempo. Lisboa: Editorial Estampa.
MORLEY, Simon (ed.) (2010). The Sublime – Documents of
Contemporary Art. London and Cambridge: Whitechapel Gallery and The
MIT Press.
NIETZSCHE, Friedrich (1984). Das Philosophenbuch [1872-1875], trad.
Ana Lobo. O Livro do Filósofo. Porto: Rés.
_____
(1997). Über Wahrheit und Lüge im außermoralischen Sinn [1873],
trad. Helga Hoock Quadrado. Acerca da Verdade e da Mentira no Sentido
Extramoral. Lisboa: Relógio d’Água.
PARSONS, Glenn; Carlson, Allen (2008). Functional Beauty. Oxford:
Clarendon Press.
PERNIOLA, Mario (2005). Contro la comunicazione [2004], trad.
Manuel Ruas, Contra a Comunicação. Lisboa: Editorial Teorema.
RICOEUR, Paul (1995). Interpretation Theory: discourse and the surplus
of meaning [1976], trad. Artur Morão, Teoria da Interpretação. Porto:
Porto Editora.
_____
(1983). La Métaphore Vive [1975], trad. Joaquim Torres Costa e
António M. Magalhães, A Metáfora Viva. Porto: Rés.
SCHOPENHAUER, Arthur (s.d.). Die Welt als Wille und Vorstellung
[1819], trad. M. F. Sá Correia. O Mundo como Vontade e Representação.
Porto: Rés.
TOWSEND, Dabney (2001). Hume’s Aesthetic Theory – Taste and
sentiment. London and New York: Routledge.
* Não existe uma primeira secção da analítica; existe uma “primeira secção” da “Crítica
da Faculdade de Juízo Estética” e um “primeiro livro” da “Analítica da faculdade de juízo
estética” (cf. Kant, 1998: 469 e 471). A “Observação geral sobre a primeira secção da
analítica” é uma observação geral sobre o primeiro livro da “Analítica da faculdade de
juízo estética”, denominado “Analítica do belo”.
Prazer
Obra de Arte
Perfeição
- cumprimento das exigências inerentes ao tipo de obra
Advisory Board
Maria Lourdes Borges (UFSC, Brazil)
Monique Castillo (Univ. Paris XII, France)
Alix Cohen (Univ. of Edimburgh, UK)
Adela Cortina (Univ. Valencia, Spain)
Bernd Dörflinger (Univ. of Trier, Germany)
Jean Ferrari (Univ. de Bourgogne, France)
Claudia Jáuregui (UBA, Argentina)
Joel Klein (UFRN, Brazil)
Heiner Klemme (Univ. of Halle, Germany)
Efraín Lazos (IIF/UNAM, Mexico)
Robert Louden (Univ. of Southern Maine, USA)
Carlos Mendiola (Univ. Iberoamericana, Mexico)
Pablo Oyarzún (Univ. of Chile, Chile)
Lisímaco Parra (Univ. Nacional de Colombia, Colombia)
Claude Piché (Univ. of Montreal, Canada)
Hernán Pringe (UBA, Argentina)
Gérard Raulet (Univ. Paris IV, France)
Claudio La Rocca (Univ. of Genua, Italy)
Margit Ruffing (Univ. of Mainz, Germany)
Paulo Tunhas (Univ. of Porto, Portugal)
Howard Williams (Univ. of Aberystwyth, United Kingdom)
Translatio Kantiana E-Book Series
The Translatio Kantiana Series seeks to make available to Kant
scholars and PhD students commented translations of different Kant’s
Writings into Spanish, German, English, French, Italian and
Portuguese.