You are on page 1of 178

POR TRÁS DA NARRATIVA

CLÁUDIA RAFAEL GUIMARÃES


istituto europeo di design, 2018
CLÁUDIA RAFAEL GUIMARÃES

POR TRÁS DA NARRATIVA

Trabalho apresentado ao Istituto Europeo di Design, como exigência parcial


para a obtenção de grau de Técnologa em Design Gráfico

Orientador: Prof. Daniel Grizante

São Paulo, 2018


resumo
O objetivo desse projeto é explicar e acompanhar
o processo de criação de uma história em
quadrinhos que usa os signos da bruxaria como
uma metáfora para refletir sobre a importância do
exercício de empoderamento das mulheres tanto
quanto o empoderamento de outras identidades
de resistência.

Palavras-chave: História em quadrinhos,


Ilustração, Bruxaria

ABSTRACT
This project’s objective is to explain the creation
process of a graphic novel that uses witchcraft as a
metaphor to reflect on the importance of women’s
empowerment, as well as the empowerment of
other opressed identities.

Keywords: Graphic novel, Illustration, Witchcraft


SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................ 10

A MULHER E A BRUXA............................................ 15
............ 16
O ASPECTO HISTÓRICO GLOBAL E BRASILEIRO DA CONDIÇÃO FEMININA
A BRUXA COMO SIGNO................................................. 28
EMPODERAMENTO: COMUNIDADE, ESTRATÉGIA E AUTONOMIA................... 35

HISTÓRIA EM QUADRINHOS....................................... 44
................... 46
HISTÓRICO DA REPRESENTAÇÃO FEMININA NOS QUADRINHOS
LINGUAGEM DOS QUADRINHOS........................................... 56
CASOS ANÁLOGOS..................................................... 70

PÚBLICO ALVO E ESTRATÉGIAS................................... 76


MERCADO MUNDIAL E BRASILEIRO DOS QUADRINHOS ......................... 77
VIABILIZAÇÃO: CROWDFUNDING.......................................... 81
LEITORES............................................................ 83
UM POUCO SOBRE A NARRATIVA............................... 87
ROTEIRO............................................................. 88
PROTAGONISTAS....................................................... 92
MORGANA........................................................ 93
SABRINA.......................................................... 96
LUNA........................................................... 100
SERENA......................................................... 103
ANTAGONISTAS.......................................................104
SARGENTO LEAL...................................................104
FERNANDO SALGADO...............................................105
DOUTOR ZEMAN.................................................. 106
YGARTH......................................................... 107
UNIVERSO.......................................................... 110
SÉRIE.............................................................. 112
VOLUME I........................................................112
VOLUME II....................................................... 114
VOLUME III.......................................................114
VOLUME IV...................................................... 115
VOLUME V.......................................................116
VOLUME VI...................................................... 117
VOLUME VII...................................................... 117
VOLUME VIII......................................................118
VOLUME IX.......................................................119
VOLUME X .......................................................... 120

DESIGN............................................................. 122
DESENHO ............................................................124
ARTE FINAL..........................................................132
DIAGRAMAÇÃO E FLUXO DE LEITURA...................................... 140
PALETA DE CORES.....................................................144
COLORIZAÇÃO........................................................ 146
TIPOGRAFIA E BALONAGEM............................................. 154
PROJETO GRÁFICO.................................................... 156

CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................... 168

REFERÊNCIAS.......................................................170
INTRODUÇÃO
Como abordar os dilemas da identidade enfrentados por meninas
e mulheres na contemporaneidade? A pergunta pode soar complexa,
mas uma das hipóteses possíveis, na qual esse projeto é baseado, não
é surpreendente: por meio da representatividade e da construção e
conceituação, para os leitores, do que conhecemos por “empoderamento”.

Quando crianças, interagimos com revistas em quadrinhos


constantemente, e aprendemos diversas coisas lado a lado com o nosso
aprendizado cotidiano – desde os costumes sociais em geral até o caráter
de um único indivíduo. Crescendo, nem todos se mantêm fiéis aos
quadrinhos, mas improvavelmente esquecem o que leram - uma das
várias vantagens de aliar imagem a palavras. Foi graças a essa percepção
da linguagem dos quadrinhos que veio a inspiração de explorar a questão
de identidade feminina por dessa mesma linguagem.

Por trás de uma motivação passional, Triluna é construído a partir


de uma pesquisa histórica da condição feminina, do significado oculto
na conhecida caça às bruxas e da explicação do que é, de fato, o
empoderamento, principalmente para mulheres latino-americanas.

É decompondo uma estrutura histórica que já conhecemos para seguir


uma área pouco explorada – a figura da mulher, posta à sombra do homem
e suas conquistas – que se revela a necessidade de atacar as grandes
questões e problemáticas do patriarcado que vêm sendo carregadas pela
mulher ao longo dos séculos.

10
Não somente revela-se essa necessidade, mas expõe-se também um
grande descuido de certos setores e pesquisadores na hora de analisar
a grande conclusão da opressão de gênero, raça e religião que foi o
fenômeno conhecido por caça às bruxas que aconteceu durante o século
XIV até meados do século XVII - inclusive no Brasil. Esse projeto, logo,
trata de resgatar o significado por trás de um fenômeno que muitas vezes
é tratado como pouco importante para a situação atual da sociedade e
colocar luz em não somente o que o causou, mas o que influenciou outras
formas de opressão ao longo da história e perpetuou até os dias de hoje,
influenciando famílias da contemporaneidade.

Embasado em questões profundamente enraizadas na nossa sociedade,


propõe-se um universo fantástico com personagens fortes. Apesar do
conteúdo mágico, as protagonistas não se deixam ser ofuscadas e são
inspiradas pelo símbolo da bruxaria na história da mulher com o objetivo
de instigar o pensamento reflexivo nos leitores para com as diferentes
formas de opressão do feminino que ainda existem no nosso meio.

Morgana é uma bruxa extremamente forte, mas que vive nas sombras
de sua lendária mãe; Sabrina é uma garota que se descobre poderosa e
aparenta confiança, porém na verdade nunca deixa transparecer suas
fraquezas; Luna é uma menina focada e determinada que não se permite
ser sua versão mais forte e imponente; Serena é a bruxa que vive em medo
de se levantar contra as vontades dos outros sobre a sua própria vida. Juntas,
elas seguem numa jornada de autoconhecimento e empoderamento com
o grande objetivo de derrotar as pessoas responsáveis pela sua própria
opressão social e psicológica, e como consequência, inspirar e encorajar
os leitores a traçarem e desbravarem o mesmo caminho que elas.

Pode-se pensar nesse projeto como um corpo humano completo,


de modo que consiga andar por si próprio. Dessa forma, é montado
um esqueleto funcional, que dá à história a amplitude e complexidade
necessária para o sucesso da mesma.

Nessa metáfora, uma das pernas é o tema, aqui chamado de “a mulher


e a bruxa”, que parte de três pilares: a conceituação de empoderamento, a
historiografia da mulher e o símbolo que é a bruxaria.

11
A outra perna é a história em quadrinhos, subdividida de tal forma que
seja explicitado o histórico da representação feminina em quadrinhos, a
linguagem que será utilizada e casos análogos ao meu projeto.

Em seguida temos os dois braços, o capítulo chamado público alvo


e estratégias, que pretende analisar três parâmetros: o mercado dos
quadrinhos, o perfil dos meus leitores e a viabilização do projeto, ou seja,
como ele seria lançado no mercado.

A cabeça do meu projeto se encontra no capítulo quatro, onde se revela a


narrativa: o roteiro, as protagonistas, o antagonista, o universo, e o enredo.

Por último, o grande sistema do projeto é o capítulo cinco, onde são


explicadas as minhas escolhas de design, desde o desenho, diagramação,
arte final, paleta de cores, sequência visual narrativa etc. até o projeto
editorial de Triluna.

Durante esse projeto eu decidi utilizar diferentes argumentos para


comprovar a minha hipótese, no entanto, mais presente estão os métodos
de dedução e análise a partir dos materiais das minhas referências.

12
13
The Magic Circle, de John W.
Waterhouse
a mulher
e a bruxa

PARTE I: O ASPECTO HISTÓRICO


GLOBAL E BRASILEIRO DA
CONDIÇÃO FEMININA
Para o embasamento teórico da minha história, diversas coisas
precisam ser conceituadas – mas antes disso, há uma necessidade
histórica de traçar os passos da mulher ao longo dos séculos para
entender porque eu quero resolver o problema que foi explicitado na
introdução. Tudo começa com uma pergunta: quando e onde se iniciou o
termo designado para o regime de dominação-exploração das mulheres
(SAFFIOTI, 2004) conhecido por patriarcado?
É nos ensinado que, durante a pré-história, mulheres e homens viviam
em harmonia; mulheres tinham um papel destacado na sociedade por
acreditar-se que elas tinham um poder mágico, o dom da vida, devido
sua fecundidade. Sabe-se muito pouco da mulher nesse momento
histórico porque muitos historiadores desconsideraram as mulheres na
construção da história da humanidade (ALAMBERT, 2004, p.27).

É possível que a invenção do arado, que vem para substituir a enxada


primitiva utilizada pela mulher, tenha aberto um caminho para o início
do patriarcado. O arado, por ser mais pesado, precisava de tração animal e
da força do homem para dar direção ao seu movimento – neste momento,
o trabalho do homem passou a ser mais valorizado. A partir disso, os
grupos começaram a se tornar sedentários, dividindo a terra e formando
as primeiras plantações. Mais tarde, estabeleceram as primeiras aldeias,
que deram espaço as cidades, as cidades-estado, os primeiros Estados e
por fim impérios (MOREIRA, 2005, p. 18).

Gerda Lerner, citada por Saffioti (2004), chega a dizer que o


conhecimento do homem de seu papel na reprodução humana lhes dá
mais poder e finalmente dá início ao patriarcado – isto é, ao se descobrir
participante na reprodução da espécie, o homem passa a atribuir a si o
papel primordial e dá início a um problema demográfico: quanto mais
filhos, mais soldados e mais mão de obra barata para arar a terra.

Em um momento em que a superpopulação entra em cena, quando


bens começam a se acumular na mão de alguns, nasce o comércio – e
com isso, os dominados e seus dominadores.

A partir desse ponto, desaparecem a igualdade existente nos clãs e


consequentemente surge a necessidade de garantir a transmissão da
herança a mãos legítimas e daí a vigilância sobre as mulheres. “Um dos
elementos nucleares do patriarcado consiste no controle da sexualidade
feminina, a fim de assegurar a fidelidade da esposa ao marido” (SAFFIOTI,
2004, p.49). Edgar Morin, citado por Oliveira (1999), sugere que “a
afirmação da superioridade masculina coincide com o nascimento da
família quanto microestrutura social”.

16
Durante o nascer da Idade Média, o período da humanidade onde
predominavam os valores éticos cristãos, a mulher tinha seu papel
baseado no estereótipo que reforçava sua presença restrita no lar. A
mulher era atribuída ao símbolo da roca, uma atividade na vida privada,
enquanto o homem era atribuído à espada, denotando atividade no
campo de batalha (MACEDO, 2002).

Em Roma, mulheres foram excluídas de suas funções públicas. Suas


relações, limitadas ao lar, a tornaram submetidas ao poder do homem
dentro de sua família, seja este o pai, marido ou o sogro. Juridicamente,
eram consideradas incapazes e dificilmente podiam requerer à justiça.

Um dos códigos de leis mais antigos de que se tem notícia, chamado


Edito de Rotário, desenvolvido pelo povo Lombardo no século VII, continha
diversos dispositivos relacionados direto ou indiretamente à mulher. O
artigo 204, por exemplo:

A nenhuma mulher livre habitante do nosso reino e


governada pela Lei dos Lombardos seja permitido viver
de acordo com a sua vontade, como selpmundia, mas
que permaneça sob o poder de um homem ou um
rei. Não poderá vender ou dar nenhum dos seus bens
móveis ou imóveis sem a autorização daquele que
detém seu mundio. (MACEDO, 2002, p.18).

Nesse tipo de ordenamento, as mulheres também eram completamente


excluídas da sucessão de bens. Quando filhas, não tinham direito à
herança e quando viúvas, manteriam a posse apenas dos bens doados
pelo pai ou do marido quando dados por matrimônio ou contradote.

Outra estratégia clássica da época se baseava em mandar mulheres


para conventos, através da justificativa que essas sofriam por amor ou
desobedeciam seus “senhores”:

17
“Quando o valor do dote colocava em perigo a
estabilidade do patrimônio familiar, a fim de diminuir o
número de prováveis casamentos, os pais ou os chefes
de casa enviavam as jovens aos mosteiros para que se
tornassem freiras. (...) a diminuição de solteiras aptas
ao matrimônio protegia os bens, já que não haveria
necessidade de dotá-las para o casamento. (...) Assim,
de todos os lados, o processo de transmissão de bens
determinou o destino das mulheres” (MACEDO, 2002,
p.22).

Na percepção da Igreja, no matrimônio cabia ao homem a direção e


a mulher a submissão. Dentro da moral cristã, o prazer era pecaminoso
pois mantinha o espírito prisioneiro do corpo e longe de Deus. Dessa
forma a mulher acaba por ser considerada fraca e inferior, de “natureza
pérfidas, frívolas, luxuriosas, impulsionadas para a fornicação”. Por isso
lhes era tirado até mesmo a expressão de seu desejo sexual. Nesta época,
aos homens era permitido castigá-las com punições físicas em nome da
honra familiar.

Entre o final do século XIV até meados do século XVII, houve o


fenômeno conhecido como caça às bruxas – um emblemático fenômeno
de repressão do feminino. Nesse fenômeno nos aprofundaremos mais no
próximo subcapítulo.

Com a chegada do renascimento, houve um momento de renovação da


cultura e da moral clássica. Na Europa, muitas mulheres se destacaram
em diversas áreas, tal como Izabel, “a Católica” na Espanha, estimuladora
de viagens marítimas. Representada pelas grandes navegações, o
renascimento também é caracterizado por grandes conquistas no meio
artístico e científico, dos descobrimentos, da centralização monárquica
e o absolutismo, das guerras religiosas, da nova política econômica e
principalmente a formação de potências modernas e a expansão colonial.

18
Negra tatuada vendendo
caju, de Jean-Baptiste
Debret, 1827

19
No meio dessa efervescência, chegam ao Brasil Pedro Alvares Cabral e
seus navios. É a partir desse período que temos alguns poucos registros
das mulheres na colônia além de suas antepassadas.

(...) souberam estabelecer formas de sociabilidade e de


solidariedade que funcionavam, em diversas situações,
como uma rede de conexões capazes de reforçar seu
poder individual ou de grupo, pessoal ou comunitário
(PRIORE, 2003).

Na chegada ao Brasil, foi encontrado mulheres muito diferentes das que


os portugueses conheciam, não somente de aparência como também nos
hábitos. Seu cotidiano era marcado pelo cuidado com o corpo, os filhos e
a sobrevivência em geral; quando meninas seguiam suas mães e quando
mais velhas podiam ser oferecidas pelos pais aos colonizadores. Quando
casadas, acompanhavam os maridos nas longas jornadas, carregando
utensílios. Fiavam algodão, faziam redes, vasilhames e ainda cuidavam
da roça e das refeições.

Muitas índias somaram-se às mulheres portuguesas – algumas se


casavam com funcionários da coroa, outras viviam de costura e comércio.
Algumas chegavam a fabricar doces que eram vendidos pelas escravas.

A presença feminina no comércio, ressalta Figueiredo (2002), foi sempre


destacada no pequeno comércio no Brasil colonial, principalmente o
ambulante, onde se consumiam gêneros a varejo, produzidos na própria
região. Isso se deve às duas grandes referências culturais determinantes
no Brasil; a cultura africana, onde as mulheres tradicionalmente
desempenhavam tarefas de alimentação e distribuição, e a influência
portuguesa, onde as mulheres “mais poderosas negociavam gado e
escravos que iam buscar nas cidades litorâneas, montadas em lombo de
burro escoltadas por subalternos” (PRIORE, 2003, p.16).

É nesse momento na análise histórica que se faz necessário diferenciar


o tratamento que mulheres brancas e negras tinham no Brasil colonial;
onde as mulheres brancas eram enclausuradas, recatadas e guardiãs

20
da honra de sua família, as negras eram divertimento do “sinhozinho” e
deleite dos senhores. As africanas, embora reduzidas a objetos sexuais,
trabalhavam com a foice e enxada, semeavam, catavam ervas daninhas,
enfeixavam e moíam cana, cozinhavam o melado, manufaturavam o
açúcar, ocupavam-se das tarefas domésticas da casa-grande, lavavam,
cozinhavam, além de cuidarem de seus maridos e filhos, onde ainda por
cima serviam de parteiras e benzedeiras.

Nos centros das cidades, as conhecidas por “negras do tabuleiro”,


vendiam doces, bolos, queijos, hortaliças, leite, agulhas, alfinetes, polvilho,
sempre prestando contas do dia de trabalho aos seus senhores. Eram
alvo da preocupação das autoridades por levar recados dos quilombolas,
traficar ouro roubado e preveniam fugas. Muitas negras se prostituíam,
outras, através do comércio ambulante, economizaram para acumular
o suficiente para comprar sua liberdade e a partir do século XVIII, era
grande o número daquelas que eram livres e alforriadas (PRIORE, 2003,
p.20).

Além dessa situação e meio a um discurso moralizador sobre o corpo


da mulher, instaura-se a ideia de normalizar a sexualidade dentro do
casamento, e na colônia foi incentivada a multiplicação da família. Há,
logo, um modelo “ideal” da mulher – recatada, sem ardores sexuais,
submissa e católica. Esse modelo, entretanto, não atendia às mulheres
negras, mulatas e brancas pobres que apesar de livres, não deixavam de
ser escravas da sua precária condição de vida. E é assim que se criam
alternativas de superação, mecanismos para elaborar regras e éticas
próprias: algumas se prostituíam, outras viviam em concubinato – união
não formalizada pelo civil – e ligações transitórias, que, apesar de fora da
ordem, ainda mantinham espaço para maternidade (SEIXAS, 1998).

Foi a partir do século XVIII que o status da mulher começa a mudar em


função do desenvolvimento da sociedade. Ideias liberais começaram a
ser difundidas e homens e mulheres assumem novas atitudes no privado
e coletivo.

Em 1791, na França, Olympe de Gouges escreveu a Declaração dos


Direitos da Mulher e da Cidadã, onde pede a abolição dos privilégios

21
Girl Reading, de Cochran
Lambdin

22
masculinos. Entretanto, foi guilhotinada dois anos depois.

No Brasil, a chegada da família real, em 1808, trouxe uma sequência de


reformas administrativas, culturais e socioeconômicas. Foram instaladas,
somente no Rio de Janeiro, indústrias, instituições de ensino superior,
a Imprensa Régia, a Biblioteca Nacional, o Jardim Botânico, e, acima de
tudo, o lifestyle europeu. Dessa forma, a vida da mulher de classe superior
muda radicalmente, principalmente as urbanas, que apesar de estarem
sempre acompanhadas, deixaram de ser enclausuradas no lar.

Ao final do século XIX e no início do século XX, novas transformações


ocorrem ao que se diz respeito à organização social. Há um aumento
crescente de trabalhadores assalariados; aumenta-se a migração
europeia; dissolve-se o trabalho escravo. Emerge ainda, mais na capital,
a nova classe média – médicos, advogados, militares, comerciantes e
burocratas – muitos dos quais trazendo de universidades europeias
ideias iluministas que vão de encontro com o processo de modernização
no Brasil. “Todas essas mudanças, que fortaleciam o poder do Estado,
acarretaram em um declínio da família patriarcal antiga, a instituição
mais importante para a formação da sociedade brasileira” (ROCHA-
COUTINHO, 1994, p.77).

É compreensível que a família conjugal tivesse seus papeis


transformados ao longo dessas mudanças nas relações sociais; e assim
funda-se a escolha livre de parceiro, além de um estímulo de novos
modelos comportamentais masculinos e femininos. Entretanto, é
importante ressaltar que tal processo não acontece homogeneamente
em todo o país, de forma que ainda encontramos na sociedade brasileira
diversos tipos de formação familiar (SAFFIOTI, 1994).

Durante as últimas décadas do século XIX, meninas ricas, de


escolarização atrasada em relação aos meninos, passaram a receber
aulas de piano, francês, canto e dança, com o objetivo único de fornecer
companhia atraente em funções sociais. Apesar disso, essas meninas
continuaram a ser tiradas da escola muito cedo, já que o objetivo que
jazia ao fundo era o casamento. De acordo com Rocha-Coutinho (1994), as
primeiras escolas igualitárias começaram a surgir ao final do século XIX.

23
No sertão nordestino, mulheres ricas, mesmo com certo grau de instrução,
eram restritas ao espaço privado e à vida doméstica – extremamente
diferente dos rapazes, que frequentavam escolas particulares e eram
encaminhados para os grandes centros para concluírem o ensino médio.

Apenas 22.776 pessoas na província - de um total de 202.222 habitantes


– eram alfabetizadas, e dessas pouco mais de 10 mil eram mulheres,
menos da metade. Apesar desses dados, é preciso destacar aquelas que
fugiram à regra no século XIX:

• Dionísia Gonçalves Pinto, através do do


pseudônimo Nísia Floresta Brasileira:
educadora, escritora, autora de vários
livros, entre eles Conselhos a Minha
Filha. Percursora de ideias de igualdade
e independência feminina, faleceu na
França em 1885.

• Maria Firmina dos Reis, escritora mulata


maranhense. Professora pública e autora
de contos e romances.

• Luíza Amélia de Queiroz Brandão, poetisa,


nascida em 1838 no Piauí: foi a primeira
mulher a ocupar a Academia Piauiense de
Letras.

Entretanto, não podemos nos esquecer de onde estavam as mulheres


pobres enquanto as mulheres de classes abastadas recebiam essas
mudanças. Estas, além de não saber dizer quem eram seus ancestrais
e não frequentar salões, ainda sofriam pressão para com que tivessem
o mesmo comportamento que as classes dominantes. Sendo assim
havia uma forte repressão com aquelas que não seguissem as regras
estabelecidas, e a violência estava muitas vezes presente.

24
Mulheres de classes populares tinham um padrão muito diferente de
comportamento, tendo em vista a sua condição de existência. Trabalhavam
para seu sustento e prole; logo, transitavam com menos inibição pelos
centros, uma vez que eram nas praças e largos que se reuniam-se para
conversar, discutir ou se divertir e onde “cotidianamente improvisavam
papéis informais e forjavam laços de solidariedade”. Vem naturalmente
que, em um contexto histórico que se preocupava cada vez mais com
afrancesar a cidade, essas mulheres pobres sofriam intensa repressão
somente por transitarem na rua. “Essa exigência era impossível de ser
cumprida pelas mulheres pobres que precisavam trabalhar e que, para
isso, deveriam sair à procura de possibilidades de sobrevivência” (SOIHET,
2002, p.367).

Em conclusão, ao fazer essa recapitulação da história da mulher


na sociedade, vemos o quanto sua condição social está ligada às
transformações econômicas e aos interesses políticos da classe dominante.
Dessa forma, com a expansão capitalista, alterações nas relações sociais
se refletem nas relações familiares e consequentemente nos papéis dos
homens e das mulheres, e faz sentido que esses papéis passam a ter mais
peso levando em consideração quem mais contribui economicamente na
renda familiar. É claro que esse efeito faz prevalecer a figura masculina,
e acaba por dando mais legitimidade ao masculino como provedor.

No Brasil, após a década de 30, o desenvolvimento capitalista gerou


uma sociedade urbana baseada na superconcentração de atividades
produtivas. Com isso vieram grandes aglomerados humanos – e tal
fato se tornou responsável por diversas contradições sociais e políticas
específicas que vemos hoje em dia: desemprego, miséria, falta de moradia
e violência.

Após meados dos anos 50, com a expansão industrial e a modernização


econômica, é criado novas expectativas para a mão de obra, impondo
demandas que crescem de acordo com o avanço tecnológico. Assim vai
criando-se um nível de ansiedade e outra série de enfermidades que
atacam o trabalhador, principalmente o popular. A incorporação da
mulher à força de trabalho gera uma necessidade de uma criação de
infraestrutura social de apoio à mulher e à criança, desde das creches às

25
escolas.

É a partir de uma observação nessa linha histórica que podemos


ver que o modo de produção capitalista resulta de mecanismos que o
antecederam, trazendo em seu cerne as mesmas determinações e
contradições. Dessa forma, apenas faz sentido que o patriarcado é
substancial ao modo de produção capitalista, centrada na propriedade
privada dos meios de produção. Posteriormente ao patriarcado, surge o
racismo – e é desses três sistemas (patriarcado-racismo-capitalismo) que
emerge o grande sistema de dominação/exploração que conhecemos nos
tempos atuais, que de uma forma ou de outra continua trabalhando sobre
essa tríade.

O maior dos efeitos do patriarcado nos dias de hoje se mostra no lar e


no ambiente de trabalho. Vide os Anais da I Conferência de Políticas para
as Mulheres (2004, p.212):

No Brasil, pesquisas recentes indicam que as mulheres


permanecem respondendo, em média, por cerca de 30
horas semanais de trabalho doméstico, contra menos
de 10 horas dos homens.

De acordo com Soihet (2000, p.15), “pelo efeito da dominação masculina,


(...) as mulheres são o objeto de uma manipulação particular no seio da
arte de governar. Essas artes (...) expressar-se-iam por variações dos
discursos e das práticas, ligadas aos interesses da família, do civil e do
Estado”. Muitas vezes tendo interiorizado esses interesses, as mulheres,
submetidas em códigos e deveres, de culpabilidade e vergonha, são
levadas à uma revolta que só consegue ser expressa através da loucura.
Vide as doenças mentais que antes eram consideradas particulares do
sexo feminino.

No dizer de Teles (2002, p.28):

26
Discriminação é o ato de distinguir ou restringir
que tem como efeito a anulação ou limitação do
reconhecimento de direitos fundamentais no campo
político, econômico, social, ou em qualquer outro
domínio da vida (...). É uma ação deliberada para excluir
segmentos sociais do exercício de direitos humanos. É
segregar, pôr à margem, pôr de lado, isolar.

Considerando o termo, pode-se dizer que a mulher e a figura feminina


tem sido discriminada durante o longo processo da vida humana, através
de constructos sociais que objetivaram sua submissão.

A importância de analisar a história da mulher se mostra evidente


no momento que vemos como essa discriminação tem sustentado e
justificado atos violentos contra as mulheres para além da violência física;
gradativamente vemos a introdução de mecanismos de discriminação
através da religião, da lei, da filosofia, cultura, ciência, política, etc. Vários
são os exemplos, desde a venda e troca de mulheres como mercadorias,
escravizadas, vendidas à prostituição até a “mutilação genital feminina
(amputação do clitóris) cuja prática deixou aleijadas 114 milhões de
mulheres em todo o mundo” (Ibid, p.29). Hoje em dia, o rendimento das
mulheres é 22,2% menor do que o dos homens, e apesar das mulheres
representarem mais da metade da população em idade de trabalhar,
homens preenchem 57,5% dos postos de trabalho (IBGE, 2017).

Entretanto, podemos ver muitos exemplos de mulheres que


transgrediram as regras e normas ao tomar consciência da discriminação
que sofriam, em diferentes épocas e lugares. Hoje se apresentam como
exemplos de mulheres que mudam o cotidiano e que vão à luta em busca
de melhores condições de vida, situação muito diferente da vivenciada
por milhares de mulheres que foram executadas por bruxaria na Europa
e colônias entre os séculos XV e XVIII.

27
PARTE ii: a bruxa
como signo
The Witch, de Luis Ricardo A famosa e infame caça às bruxas foi uma
Falero, 1882 perseguição religiosa e social que começou no
século XV e atingiu seu apogeu nos séculos XVI
a XVIII, principalmente na Europa, apesar de
também haver casos de execuções por bruxaria
no Brasil e outros países de terceiro mundo.
Mas o que realmente estava por trás de uma
perseguição desse âmbito?
Frederici (2017, p.300) começa a discussão sobre a origem do estudo
do fenômeno da caça às bruxas lembrando que os antigos estudiosos
as retratavam como miseráveis que sofriam de alucinações ou outros
distúrbios mentais. Dessa forma, muitos documentos que vemos até hoje
descrevem esse momento da história como um “pânico”, “loucura”, uma
“epidemia” que deslegitimam a culpa dos caçadores das bruxas. Não
apontado somente por Frederici mas também por Mary Daly, boa parte da
literatura deste tema foi escrita de um ponto de vista favorável à execução
das mulheres, desacreditando as vítimas e as retratando como fracassos
sociais – mulheres “desonradas” ou frustradas no amor (DALY, 1978, p.
213). Entretanto, foi somente com o início do movimento feminista que as
bruxas e o que elas representam na história emergiram da clandestinidade,
quando elas começaram a ser adotadas como um símbolo da revolta
feminina (BOVENSCHEN, 1978, p. 83).

Mas o que elas de fato representam? Historicamente falando, a caça às


bruxas constituiu um dos acontecimentos mais importantes na transição
e construção da sociedade capitalista, além da formação da estrutura do
proletariado moderno. Através do desencadeamento de uma campanha de
terror contra a figura da mulher, houve uma debilitação da capacidade da
resistência do campesinato europeu contra a dominação da aristocracia
latifundiária e o Estado, durante uma época na qual os camponeses já
sofriam devido ao impacto da privatização da terra, do aumento de impostos
e do controle estatal sobre os aspectos da vida social que já vimos no
subcapítulo anterior. No final, observamos um aprofundamento da divisão
entre homens e mulheres - quando os homens se encontram intimidados
pelo poder da mulher e, em consequência, destroem uma sequência de
práticas, crenças e indivíduos cuja existência era incompatível com a
disciplina e valores do trabalho capitalista – que se mostra responsável
pela redefinição dos principais elementos da estrutura social (FEDERICI,
2017, p.301).

Curiosamente, ao contrário do que pensam ou sugerem os estereótipos,


a caça às bruxas não foi somente um resultado do fanatismo religioso ou
das maquinações da Inquisição – considerando que essa sempre dependeu
da cooperação do Estado para levar adiante as execuções perante à corte.
A colaboração entre a Igreja e o Estado foi ainda maior nas regiões que a

30
Reforma levou o Estado a se tornar Igreja (como no caso da Inglaterra) ou
vice-versa (FEDERICI, 2017, p. 307).

Se levarmos em conta o contexto histórico no qual nasce a caça às


bruxas, como já visto no subcapítulo anterior, não é impossível concluir
que a caça às bruxas na Europa foi um ataque à resistência e identidade
que as mulheres apresentaram contra a difusão das relações capitalistas e
ao poder que obtiveram em virtude de sua sexualidade, seu controle sobre
a reprodução e suas capacidades em geral, principalmente a de curar.

Dessa forma, a caça às bruxas tornou-se um instrumento de construção


de uma nova ordem patriarcal onde os corpos das mulheres, seu trabalho,
sua sexualidade e reprodução foram reduzidos a objetos, colocados sob
o controle do Estado e transformados em recursos econômicos (FEDERICI,
2017, p. 310).

É significativo que a maior parte das acusadas de bruxaria eram mulheres


camponesas pobres e trabalhadoras assalariadas em contraposição com
os que as acusavam; abastados e prestigiosos membros da comunidade,
muitas vezes seus próprios empregadores ou senhores – indivíduos que
formavam parte das estruturas locais de poder e que, com frequência,
tinham laços estreitos com o Estado.

Na Inglaterra, as bruxas eram normalmente mulheres velhas que


viviam de assistência pública ou mulheres que sobreviviam indo de casa
em casa mendigando pedaços de comida, um jarro de vinho ou leite; se
estavam casadas, seus maridos eram trabalhadores diaristas, mas, na
maioria das vezes, eram viúvas e viviam sozinhas. Era em tempos de
necessidade que o diabo aparecia para elas, para assegurar-lhes que
a partir daquele momento “nunca mais deveriam pedir”, mesmo que o
dinheiro que lhes seria entregue rapidamente se transformasse em cinzas
– detalhe possivelmente relacionado com a experiência de hiperinflação
na época (LARNER, 1983, p. 95).

Quanto ao que se diz respeito aos crimes das bruxas, não se parece
nada mais que a luta de classes desenvolvida em escala de vilarejo: o
“mau-olhado”, a maldição do mendigo a quem se negou a esmola, a

31
inadimplência no pagamento de aluguel, a demanda por assistência
pública (MACFARLANE, 1970, p. 97). A luta de classes contribuiu na criação
da figura da bruxa inglesa, e tal hipótese pode ser observada nas acusações
contra Margaret Harkett, uma senhora viúva de sessenta e cinco anos
enforcada em Tyburn em 1585:

Ela colheu uma cesta de peras no campo do vizinho sem


pedir autorização. Quando pediram que as devolvesse,
atirou-as no chão com raiva; desde então, nenhuma
pera cresceu no campo. Mais tarde, o criado de William
Goodwin negou-se a lhe dar levedura, ao que seu
tonel para fermentar cerveja secou. Ela foi golpeada
por um oficial de justiça que a havia visto roubando
madeira do campo do senhor; o oficial enlouqueceu.
Um vizinho não lhe emprestou um cavalo; todos os
seus cavalos morreram. Outro pagou-lhe menos do que
ela havia pedido por um par de sapatos; logo morreu.
Um cavalheiro disse ao seu criado que não lhe desse
leitelho; ao que não puderam fazer nem manteiga nem
queijo.” (THOMAS, 1971, p. 556)

Esse mesmo padrão é encontrado nos relatos de mulheres que foram


apresentadas ante a corte em Chelmsford, Windsor e Osyth. Waterhouse,
enforcada em Chelmsford em 1566, por exemplo, era uma “mulher muito
pobre”, descrita como alguém que mendigava um pouco de bolo ou
manteiga e “brigada” com muitos dos seus vizinhos (ROSEN, 1969, p. 76).

Torna-se claro, então, que a caça às bruxas estava atrelada diretamente


com a revolta de classes. Dessa forma, pessoas que se voltavam à rituais
pagãos, de acordo com Stephen Wilson em The Magical Universe (O universo
mágico), eram majoritariamente pobres e lutavam para sobreviver, sempre
tentando evitar o desastre e com o desejo, portanto, de “aplacar, persuadir
e inclusive manipular essas forças que controlam tudo (...) para se manter
longe de danos e do mal, e para obter o bem, que consistia na fertilidade,
no bem-estar, na saúde e na vida” (WILSON, 2000, p. 18).

32
Witches Sabbath de Goya,
1798

33
Entretanto, e como já vimos anteriormente, aos olhos da nova classe
capitalista, uma concepção tão anárquica e distribuidora do poder no
mundo era, e ainda é, insuportável. É viável assumir que a magia era uma
espécie de rejeição do trabalho, de insubordinação, e um instrumento de
resistência de base ao poder.

Essa é apenas um dos diversos signos atrelados à imagem criada de


bruxaria, mas, como todas as outras, são um sinal de que é necessário
para a figura feminina uma base de força, de poder. E é justamente sobre
essa questão que se forma a discussão a seguir.

34
Sukeban é a cultura
japonesa que coloca
mulheres no poder

PARTE iii: empoderamento,


comunidade, estratégia e
autonomia
35
Empoderamento, até os dias de hoje, não é uma palavra formalizada no
dicionário português – e sim uma tradução livre do termo empowerment,
que significa, de acordo com dicionário Cambridge, “o processo de ganhar
liberdade e poder do que você quer ou controlar o que acontece com você”
(livre tradução).

A partir da perspectiva feminista, o empoderamento das mulheres


se trata tanto de um processo quanto um fim em si. Nesse processo,
é desenvolvido a autonomia da mulher, ao mesmo tempo que um
instrumento para a libertação das amarras da opressão de gênero como
vistas no primeiro subcapítulo.

Para as feministas latino-americanas, como explica Sardenberg (2006,


p.2), o objetivo geral do empoderamento é questionar, desestabilizar e, por
fim, acabar com a ordem que sustenta a opressão.

Uma das questões que o movimento traz é a união dos aspectos


individualistas de seu fim com o aspecto comunitário e cooperativos
de seu processo. Isto é, tanto quanto uma mudança individual, o
emponderamento também inclui ações coletivas. Magdalena Leon coloca
isso da seguinte forma:

Uma das contradições fundamentais do uso do termo


‘empoderamento’ se expressa no debate entre o
empoderamento individual e o coletivo. Para quem o
uso o conceito na perspectiva individual, com ênfase nos
processos cognitivos, o empoderamento se circunscreve
ao sentido que os indivíduos se autoconferem. Tomo um
sentido de domínio e controle individual, de controle
pessoal. E ‘fazer as coisas por si mesmo’, ‘ter êxito sem
a ajuda dos outros’. Esta é uma visão individualista,
que chega a assinalar como prioritários os sujeitos
independentes e autônomos com um sentido de domínio
próprio, e desconhece as relações entre as estruturas
de poder e as práticas da vida cotidiana de indivíduos
e grupos, além de desconectar as pessoas do amplo

36
contexto sócio-político, histórico, do solidário, do que
representa a cooperação e o que significa preocupar-se
com o outro (LEON, 2001, p. 95).

Leon chega a acrescentar que, se esse tipo de empoderamento individual


não se relaciona com ações coletivas, pode se tratar de uma ilusão, tendo
em mente que o verdadeiro empoderamento traz os elementos individuais
e coletivos como indivisíveis:

O empoderamento como autoconfiança e autoestima


deve-se integrar-se em um sentido de processo com a
comunidade, a cooperação e a solidariedade. Ao ter em
conta o processo histórico que cria a carência de poder,
torna-se evidente a necessidade de alterar as estruturas
sociais vigentes; quer dizer, se reconhece o imperativo
da mudança (LEON, 2001, p. 97).

Considerando este um dos grandes pilares para a definição do termo


base para este projeto, ainda há um grande espaço para ser definido
quanto ao que significa. Isso dá-se porque há muita divergência, até
mesmo dentro do próprio movimento feminista, em relação ao que venha
a ser empoderamento. Sarah Mosedale (2005, p. 243-244) delineia alguns
pontos que ajudam a trazer ainda mais luz a questão.

Entre eles, não se “empodera” outrem – ou seja, trata-se de um ato


auto-reflexivo. Entretanto, pode-se facilitar o desencadear desse processo,
através da criação das condições para tal. Esse processo culmina na
construção de autonomia, da capacidade de tomar decisões e enfim
assumir controle sobre suas vidas.

Tendo isso em vista, podemos levar em conta também a semântica


do termo para percebermos que a questão do poder é central ao seu
significado, mas somente dividindo a ideia do termo “poder” em partes.
Mosedale (2005, p. 249) separa esses de tal forma que temos:

37
• Poder sobre: como conhecemos, a exemplificar como A tem
poder sobre B, referindo-se à dominação, o que Luciano
dos Santos (2011, p.150) considera como um dos lado da
polaridade entre dominação-resistência.

• Poder de dentro: o que se refere a autoestima, autoconfiança.

• Poder para: ou seja, o que se refere a capacidade de fazer


algo; do poder que alarga os horizontes do que pode ser
conquistado por uma pessoa, sem necessariamente estreitar
os limites de outrem. Um exemplo pode ser aprender a
pintar.

• Poder com: uma espécie de poder solidário, dividido por


entre uma comunidade.

A partir dessa divisão, é compreensível o porquê das feministas


escolherem o termo empoderamento em preferência à poder; segundo
Shirin Rai, citada por Stromquist (2002, p.134), o termo foca mais nos
oprimidos ao invés dos opressores; além disso, há mais ênfase no “poder
para” ao invés de começar com “poder sobre”, e, portanto, sua insistência
em poder como algo que capacita, que cria competência.

É importante ressaltar o importante papel das feministas do chamado


Terceiro Mundo para o desenvolvimento do termo, e as críticas e debates
que elas trouxeram para a mesa. O mesmo diz Srilatha Batliwala (1994,
p.127); para ela, as origens do empoderamento estão na proposta das
feministas com os princípios da educação popular, o que Paulo Freire
chama de “pedagogia do oprimido” em seu livro. Freire (1987, p. 45)
fundamenta o diálogo educativo no amor e também aborda a práxis,
tendo como dimensões a ação, a reflexão e a ação transformadora. “Nosso
papel não é falar ao povo sobre nossa visão do mundo, ou tentar impô-
la a ele, mas dialogar com ele sobre a sua e a nossa” (FREIRE, 1987, p.
49). Além disso, Batliwala também traz a importância de criar mecanismos
participativos para se construir democracias mais equitativas.

A partir desse ponto, torna-se evidente que o conceito de empoderamento

38
se atrela também a essa noção de interesses estratégicos. Molyneux
destaca a importância da organização e mobilização das mulheres para a
conquista dos seus interesses, ou seja, uma conquista resultante da ação
comunitária.

Esse aspecto político do movimento foi ainda mais articulado quando


Gita Sen e Caren Grown escreveram um livro que culminou na ideia de
que o empoderamento das mulheres implicava numa transformação de
estruturas de subordinação através de mudanças radicais na legislação,
direitos de propriedade, e outras instituições que reforçam e reproduzem a
dominação masculina, como a Igreja ou até mesmo instituições de ensino.
(1987, p.129).

Para Batliwala, “poder” é definido como “controle sobre recursos


materiais, intelectuais e ideológicos”, onde:

Recursos materiais – incluem recursos físicos, humanos,


financeiros, tais como: terra, água, corpos, mão de
obra, dinheiro, acesso à dinheiro, crédito; Recursos
intelectuais – conhecimento, informação, ideias;
Ideologia – capacidade de gerar, propagar, sustentar
e institucionalizar determinados quadros de crenças,
normas, valores, atitudes e comportamentos – ou
seja, praticamente controlando como as pessoas se
percebem e agem dentro de determinados contextos
socioeconômicos e políticos (1994, p.125).

Segundo a autora, grande parte do controle sobre esses recursos tem


estado sob o controle masculino. E é a partir dessa percepção que dá-se
início ao processo que é, em base, o empoderamento:

O termo empoderamento se refere a uma gama de


atividades, da assertividade individual até a resistência,
protesto e mobilização coletiva, que questionam as bases
das relações de poder. No caso de indivíduos e grupos

39
cujo acesso aos recursos e poder são determinados por
classe, casta, etnicidade e gênero, o empoderamento
começa quando eles não apenas reconhecem as forças
sistêmicas que os oprimem, como também atuam no
sentido de mudar as relações de poder existentes.
Portanto, o empoderamento é um processo dirigido
para a transformação da natureza e direção das forças
sistêmicas que marginalizam as mulheres e outros
setores excluídos em determinados contextos (1994,
p.130).

Logo, empoderamento é tanto o processo quanto o resultado desse


mesmo. Falando em mulheres, esse processo tem os seguintes objetivos: a)
questionar a ideologia patriarcal; b) transformar as estruturas e instituições
que reforçam e perpetuam a discriminação de gênero e desigualdades
sociais e c) criar condições para que as mulheres pobres possam ter acesso
– e controle – sobre recursos materiais e informacionais (SARDENGERG,
2006, p.6).

Outro ponto crucial que definitivamente deve ser levantado é como este
processo deve se dirigir a todas as estruturas e fontes de poder relevantes,
do mais alto ao mais baixo. Nelly Stromquist cruza esse caminho quando
traz a existência de dimensões ao termo:

O empoderamento consiste de quatro dimensões, cada


uma igualmente importante, mas não suficiente por
si própria para levar as mulheres para atuarem em
seu próprio benefício. São elas a dimensão cognitiva
(visão crítica da realidade), psicológica (sentimento de
autoestima), política (conscientização das desigualdades
de poder e a capacidade de se organizar e se mobilizar) e
a econômica (capacidade de gerar renda independente)
(2002, p.232).

Outra forte perspectiva que Naila Kabeer (1999) introduz é a importância

40
Joana D’Arc é
considerada uma
das mulheres mais
poderosas da história,
e foi condenada por
bruxaria

41
da construção de autonomia. De acordo com ela, empoderamento é o
processo através do qual aqueles a quem escolhas eram negadas adquirem
a capacidade estratégica para tal. Kabeer divide em três dimensões que
vem com a possibilidade de fazer escolhas de maiores consequências –
recursos (pré-condições), agência (processo) e realizações (resultados e
consequências).

Quando se fala de recursos, aqui, não se deve entender somente


recursos materiais, mas também recursos humanos e sociais que criam as
condições para se fazer escolhas. De acordo com Kabeer, o acesso a esses
recursos reflete as normas e regras que governam a distribuição e troca
em diferentes arenas institucionais – família, comunidade, etc. (1999,
p. 437). Entretanto, é preciso ter em mente que esse acesso depende da
nossa posição no grupo – seja como chefe de família, tribo, etc. – como é
chamado os “recursos de autoridade”.

Voltando a linha de pensamento de Batliwala, independentemente da


definição para o termo, o empoderamento e seu processo deve questionar
relações patriarcais e, portanto, implica em mudanças no que se refere ao
controle dos homens sobre as mulheres. Logo, o empoderamento se baseia
completamente na implicação da perda da posição e privilégio concedido
aos homens pelo patriarcado (1994, p.131). É plausível que esse processo
culmine justamente em conflito.

O empoderamento das mulheres representa um desafio


às relações patriarcais, em especial dentro da família, ao
poder dominante do homem e a manutenção dos seus
privilégios (...). Significa uma mudança na dominação
tradicional dos homens sobre as mulheres, garantindo-
lhes a autonomia no que se refere ao controle dos seus
corpos, da sua sexualidade, do seu direito de ir e vir,
bem como um rechaço ao abuso físico e a violação sem
castigo, o abandono e as decisões unilaterais masculinas
que afetam toda a família (COSTA, 2000, p. 9).

Existem uma sequência de fases para o processo de empoderamento,

42
mas podemos também subtrair esses para conseguir uma versão resumida
dos passos necessários para uma mulher obter sua autonomia empoderada.

De acordo com Batliwala (1994) e pontuado novamente por Sardenberg


(2006), para uma mulher questionar sua situação subordinada, ela deve
reconhecer a existência de uma ideologia que legitima a dominação
masculina e compreender como a opressão é perpetuada através dela. Logo
concluímos que o primeiro passo é a conscientização. Isso é fundamental
e até certo ponto muito difícil, levando em conta que a interiorização da
opressão é um elemento muito forte na sociedade.

Para tal acontecer, é necessários agentes do empoderamento que


facilitem esse processo trazendo informações e ideias que não somente
conscientizem como encorajem a ação. Como já foi levantado anteriormente,
esse processo não é individual pois mudanças não ocorrem sem ações
coletivas. A partir de um apoio comunitário e de um elemento facilitador,
mulheres podem desenvolver uma consciência crítica e se mobilizar para
a ação. “Conscientizando, identificando áreas para mudança, planejando
estratégias, atuando para mudança, e analisando a ação e os resultados,
que levam a estágios mais elevados de conscientização e a ações mais
pontuais” (BATLIWALA, 1994, p.132).

Transformação das estruturas requer movimento em


várias frentes: de ações individuais a coletivas, de
negociações no âmbito privado à públicas, e da esfera
informal para as arenas formais de lutas nas quais o
poder é exercido legitimamente (KABEER, 2005, p.16).

43
história em
quadrinhos
PARTE I: histórico da
representação femina nas
revistas em quadrinhos

Mística na capa
do quadrinho do
Capitão América, por
Kevin Wada

44
45
Aliando o contexto do meu projeto com sua forma, é inicialmente
necessário aprofundar ainda mais a importância da figura feminina para
com o mesmo. Para tal, precisamos mergulhar no contexto histórico dos
comics para entender exatamente de onde veio a figura feminina e onde
ela está agora.

Voltemos aos anos 30 até os anos 50, época conhecida como os anos
de ouro dos quadrinhos. O arquétipo do super-herói é criado e vários
personagens famosos são introduzidos, desde o Superman até a Wonder
Woman – ou Mulher Maravilha. De acordo com historiadores, uma das
principais funções dos quadrinhos na época da pós-guerra era acalmar
o medo de jovens de guerras nucleares e neutralizar a ansiedade sobre
questões voltadas ao poder atômico, dessa forma atribuindo a imagem de
um super herói a possibilidade e esperança de paz. (ZEMAN, 2004, p. 11).

Entretanto, nessa mesma época, as personagens mulheres que não


tinham a sorte de serem super-heroínas, eram primariamente retratadas
em papéis secundários - colegas de trabalho, heroínas de romance ou
simplesmente adolescentes alegres (TRINA, 1999, p. 7). Heroínas de romance
tipicamente eram divididas entre “garotas boas” e “garotas más”, famosas
no gênero de romance. Foram exploradas pela primeira vez por Joe Simon
e Jack Kirby entre os anos 30 e 40 em Nova Iorque; Betty e Veronica é um
exemplo, com duas protagonistas obcecadas por garotos e que brigavam
constantemente por um encontro com Archie.

Mulheres vigilantes também estavam entre as personagens dessa


época. Uma das primeiras super-heroínas apareceu em tiras de jornal
do Chicago Daily em 1940 - a Invisible Scarlet O’Neil, antiga assistente de
Chester Gould em Dick Tracy. Uma editora em particular, a Fiction House,
publicou diversas heroínas progressivas como a rainha da selva Sheena,
cujo sex appeal foi responsável pela venda e inicial sucesso da série.

Apesar de várias outras super-heroínas pioneiras, a personagem que


de fato ficou para a história foi a Mulher Maravilha em Outubro de 1941 da
All-American Publications – uma das três companhias que mais tarde se
uniriam para formar a DC Comics. Max Gaines, co-editor da All-American
teve sua atenção atraída por um artigo escrito por William Moulton

46
Marston que descrevia o que ele via de um grande potencial educativo
nos quadrinhos (RICHARD, 1942) e acabou contratando Marston como um
consultor educacional para a All-American Publications. Foi ideia de sua
esposa, Elizabeth, de criar uma mulher super-heroína (LAMB, 2007). Dessa
forma nasceu a Mulher Maravilha, quem Marston acreditava ser o modelo
da mulher não-convencional e liberal para a época. Deve-se levar em
conta que a Mulher Maravilha é uma princesa amazona, grupo criado por
Afrodite para serem mais fortes e inteligentes que homens.

Algumas das histórias originais de Marston incluíam a Mulher


Maravilha como a presidente dos EUA (Wonder Woman #7), uma deusa
do sol inca dos tempos modernos (“The Secret City of the Incas”, Sensation
Comics #18), entre outros papeis não-tradicionais para mulheres.

Porém o editor Sheldon Mayer não apreciava as imagens recorrente de


bondage (DANIELS, 2000, p. 6) que apareciam ao longo das histórias. Se os
braceletes da Mulher Maravilha fossem acorrentados, ela se tornava tão
fraca quanto outras mulheres – em uma revista, a Mulher Maravilha perde
o controle porque seus braceletes quebraram. Ela perde o controle porque
os braceletes representavam a limitação e fala, “power without self-control
tears a girl to pieces” - “poder sem autocontrole destrói uma menina” (“The
Unbound Amazon”, Sensation Comics #19). Em outra revista, a Mulher
Maravilha diz a uma mulher que ela tem inveja da vida de mãe e esposa
(LEPORE, 2014).

Durante a Segunda Guerra Mundial, muitas mulheres assumiram


trabalhos uma vez tomados por homens – caminhoneiras, estiradoras e
soldadoras. Isso se refletiu na indústria dos quadrinhos quando heróis
precisavam de ajuda e se voltavam para suas esposas ou namoradas,
criando mais uma possibilidade de heroínas, como é o caso de Hawkeye e
sua esposa, Mockingbird, que chegam a combater o crime juntos (MADRID,
2009). Após a guerra, muitas mulheres recusaram voltar as suas vidas de
donas de casa, gerando uma crise nas antigas formadas definições de
feminilidade e masculinidade. A femme fatale (recorrente nos quadrinhos
do Spirit de Will Eisner) é um exemplo dessa crise - um arquétipo de
mulher forte, sexualmente agressiva que paulatinamente recusava ficar
em seu espaço tradicional, o lar (ANDRAE, 2006, p. 95).

47
No que ficou conhecido como os anos de prata dos quadrinhos,
entre 1956 e 1970, a popularidade dos quadrinhos de super-heróis caiu
e quadrinhos dos gêneros de horror, crime e romance tomaram conta
do mercado. Quando nasce uma controvérsia que ligava quadrinhos à
delinquência juvenil, é implementado, em 1954, o Código de Autoridade
dos Quadrinhos, que proibia a apresentação de policiais, juízes, oficiais
do governo e instituições respeitadas “de maneira a criar desrespeito
pela autoridade estabelecida”, mas, mais relevante ainda, ditava como
mulheres deveriam ser desenhadas e portadas dentro de suas próprias
histórias e narrativas.

Depois de implementado o código, a DC Comics aplicou suas próprias


regras editoriais ao que diz respeito à reprodução de personagens
mulheres, onde relata:

A inclusão de mulheres nas histórias é especificamente


desencorajada. Mulheres, quando usadas em estruturas
de enredos, dever ter importância secundária, e devem
ser desenhadas realisticamente, sem exagero das
qualidades físicas femininas (USLAN, 2002, p.5).

A maior parte dos super-heróis da DC durante os anos de prata tinham


uma importante personagem feminina ao seu lado; Lois Lane para o
Super-homem, Jean Loring para Ray Palmer a.k.a O Átomo, Carol Ferris
para o Lanterna Verde, e assim em diante.

Nessa época, os quadrinhos publicados pela Marvel e DC eram


suficientemente diferentes para que, caso você gostasse de uma, a outra
não fosse do seu gosto. Se você era fã dos super-heróis clássicos dos anos
40, você estaria inclinado às publicações da DC. Se você era fã de ação
rápida misturada com questões sociais da época, era mais provável que
fosse ler as publicações da Marvel (THOMAS, 2004, p. 5).

Quando a Atlas Comics se tornou a Marvel Comics, em 1961, uma série


de novas super-heroínas foram introduzidas. A primeira super-heroína
da Marvel foi Susan Storm, a.k.a. Garota Invisível, membra do Quarteto

48
49
Fantástico. Inicialmente um objeto de obsessão do vilão Dr. Doom, Susan
era constantemente usada como a donzela em perigo. Entretanto, ao longo
da sua história, começa a desenvolver uma confiança assertiva, além de
poderes mais defensivos, como quando ela começa a projetar campos de
energia extremamente fortes.

Apesar de personagens femininas um dia se tornarem pilares do


universo da Marvel, seu tratamento inicial pode ser definido como uma
luta para serem reconhecidas como iguais em relação aos personagens
masculinos. Enquanto isso, na DC Comics, a Supergirl passava por uma luta
similar enquanto tentava apagar o título de “prima caçula do Superman”
para adquirir seu próprio nome (MADRID, 2009).

A partir dos anos 70, é dado início aos anos de bronze dos quadrinhos,
exatamente quando as tensões feministas começaram a ser refletidas nas
histórias. O número de personagens mulheres aumentou substancialmente
nessa época, tanto como resposta à essa tensão quanto numa tentativa de
diversificar leitores. Entretanto não se pode esquecer que muitas dessas
personagens eram estereotipadas, como a detestadora de homens Thundra
ou a paródia antifeminista Man-killer (WRIGHT, 2001, p. 250).

Durante maior parte das eras de prata e bronze, mulheres nos


quadrinhos não tinham posições de liderança. Foi a partir dos anos 80, sob
direção do escritor e artista John Byrne que Susan, antes Garota Invisível,
encontra novas funções para seus poderes e desenvolve a autoconfiança
necessária para usar seus poderes mais agressivamente, e eventualmente
muda seu pseudônimo para Mulher Invisível. Futuramente, se tornaria
líder do Quarteto Fantástico, enquanto nos Avengers, a Vespa toma controle
do grupo.

Um grande impacto toma conta da indústria dos quadrinhos com


o relançamento da série Uncanny X-Men. Às personagens mulheres
existentes, foram dadas incríveis aumentos quanto aos níveis de seus
poderes, novos nomes, novas roupas e personalidades fortes e assertivas -
Jean Grey foi de Marvel Girl para a onipotente Fênix, uma das personagens
mais poderosas do universo da Marvel; Lorna Dane virou a Polaris, filha do
Magneto. A nova personagem Tempestade, Ororo Monroe, foi inovadora de

50
diversas formas, sendo a mais famosa super-heroína negra na história e
uma personagem incrivelmente poderosa e assertiva desde sua primeira
aparição em 1976; sendo filha de uma princesa de uma tribo no Kenya
e um fotojornalista americano, Ororo nasce em Nova Iorque e muda-se
para o Egito, onde seus pais morrem e a deixam orfã e claustrofóbica.
Apesar disso, Ororo acaba se tornando uma ladra exemplar em Cairo, e
mais tarde é adorada como uma deusa por seus poderes. A partir dos anos
2000 foi revelado que Ororo se casaria com Pantera Negra, a tornando uma
verdadeira rainha de Wakanda.

Jovens e adolescentes femininas com poderes quando antes só eram


retratadas como ineptas ou limitadas quanto a seus poderes foram
alteradas com a chegada de Kitty Pryde, que se junta aos X-Men com 13
anos e mostra-se muito poderosa e capaz de evolução e amadurecimento
quanto sua personalidade ao enfrentar adversidades (MADRID, 2009).

Muitas das mudanças quanto a representação feminina nos


quadrinhos se deve ao escritor dos X-Men, Chris Claremont; seus retratos
de Tempestade, Jean Grey, Emma Frost, Kitty Pryde, Rogue e Psylocke no
The Uncanny X-men (além de seus trabalhos sobre Ms. Marvel, Mulher-
aranha, Misty Knight e Coleen Wing) ficou conhecido na indústria e entre
fãs como as “Mulheres Claremont”: super-heroínas inteligentes, poderosas,
capazes e multifacetadas. Entretanto, até muito recentemente, ao que se
diz sobre o desenho, essas mesmas personagens eram representadas de
forma extremamente sexualizada.

Enquanto isso, na DC Comics, durante o trabalho icônico de Alan Moore


em Batman: A Piada Mortal, Barbara Gordon, a.k.a. Batgirl é aleijada pelo
Coringa e eventualmente faz o melhor de sua situação para se tornar
Oráculo, uma personagem vital no universo da DC para a reprodução de
informações entre super-heróis e também líder de seu próprio grupo,
Birds of Prey.

Chegando aos anos 90, a era moderna dos quadrinhos é marcada pela
popular Tank Girl, criada por Jamie Hewlett e Alan Martin, recheada de
influências punk além de uma cabeça raspada. Sua popularidade foi tanta
que um filme acabou sendo feito, representando a nova mulher moderna

51
que não mais tem que viver sob os signos tradicionais da sociedade.
Tank Girl, ou Rebecca Buck, fazia uma série de missões para uma certa
organização até ser decretada como uma criminosa por suas inclinações
sexuais e abuso de substâncias. Os quadrinhos focam, em grande parte, suas
aventuras ao lado de seu namorado Booga, um canguru mutante. O estilo
do quadrinho, fortemente influenciado por arte visual punk, era muito
diferente do que havia no mercado anteriormente, com quadros caóticos
e desorganizados, além de extremamente psicodélicos. O conteúdo muitas
vezes não se preocupava com narrativas convencionais,escorando-se em
técnicas surrealistas, colagens e metaficção, entre outros.

Durante o século 21, como já vimos anteriormente, os papeis de


muitas mulheres mudaram; mães solteiras, mulheres LGBT e reflexos
como posições de poder no trabalho e na família se tornaram cada vez
mais comuns no meio social. Como efeito, esses papeis entraram para os
quadrinhos também.

Lesbianidade também se tornou um tema crescente nos quadrinhos


modernos. Em 2006, a DC Comics anunciou uma nova reencarnação
lésbica da famosa Batwoman (FERBER, 2006). Isso tomou as rédeas do
mercado pois, apesar de já existirem personagens secundárias LGBT, como
é o caso da policial Renee Montoya na cidade de Gotham, nenhuma delas
foi personagem principal.

Em 1999, Gail Simone lançou um site chamado Womens In Refrigerators,


ou Mulheres Em Geladeiras. Esse site tem como objetivo listar personagens
mulheres nos quadrinhos que foram torturadas, machucadas,
assassinadas ou que perderam seus poderes e enviar para criadores de
quadrinhos. Além disso, Gail oferece alguns possíveis motivos de porque
isso acontecia tão frequentemente: poucas leitoras em comparação com o
público masculino; personagens femininas que eram apenas spin-offs de
heróis masculinos que serviam como ‘bagagem’, entre outros.

Representação feminina como objetos sexuais perpetuam na indústria,


porém atraindo mais controvérsia; em 2007, a Sideshow Collectibles
produziu uma estatueta extremamente sexualizada desenhada por Adam
Hughes retratando Mary Jane lavando a roupa do Homem-Aranha à mão,

52
53
em uma pose objetificadora. Harley Quinn da DC Comics é famosa não
por suas habilidades, mas sim por seu romance com o Coringa e seu sex
appeal exagerado para a audiência – tanto nos quadrinhos quanto nos
filmes.

Entretanto, a caracterização de mulheres como objetos sexuais


diminuiu nas décadas recentes desde os anos 80, assim como o retrato
de mulheres como vítimas de brutalidade física. De fato, quadrinhos
recentes indicam uma possível reversão dessa tendência de representar
personagens de acordo com estereótipos de gênero, ou, pelo menos,
aumentar a quantidade de personagens femininas nas grandes editoras,
como é analisado nesse gráfico sobre a porcentagem de personagens
femininas por década (HICKEY, 2014).

Apesar da pressão do público, entretanto, se focarmos na quantidade


de personagens femininas introduzidas por ano, podemos ver que, na

54
realidade, tanto a Marvel quanto a DC não estão nem perto de equalizar a
porcentagem de personagens femininas e masculinas, como é amostrado
nesse outro gráfico (ibid).

Em conclusão, mesmo batendo recordes de décadas anteriores, a


representação popular feminina nos quadrinhos ainda está muito longe
de se parecer com a realidade, onde tanto mulheres quanto homens fazem
metade da população mundial.

55
PARTE II: LINGUAGEM DOS
QUADRINHOS
Neste subcapítulo é importante explicar como os quadrinhos funcionam
em seus meios e fins e no caso do meu projeto, justificar minhas escolhas
para alcançar um modelo de quadrinho onde todos os elementos
funcionam em união e encaixam-se entre si, formando uma revista
que consegue comunicar sua proposta de forma única, compreensível
e especial. Podemos dividir de tal forma que seja discutido a linguagem
imagética proposta e também a linguagem temporal e como as duas se
combinam uma vez que é criado o quadrinho.

Para falar de imagem, começa-se a discussão a partir do desenho.


O traçado, mais especificamente. A escolha do traçado se mostra
extremamente importante na hora de desenhar, pois, como já mostraram
os expressionistas, o traçado é uma das melhores formas de expressar
sentimentos e transferi-los para quem vê a obra – um exemplo é Van Gogh,
com linhas dramáticas, pessoais e emocionais. Outro exemplo diferente,
mas que vem do mesmo lugar sinestésico, seria Kandinsky com formas

56
que poderiam ser interpretadas como barulhentas, frias, rápidas, entre
outras. Essa era uma ciência que ele queria explorar; unir formas e traços
para atrair os sentidos humanos.

É possível concluir que, quando aliamos essa ciência à história em


quadrinhos, todas as linhas e traçados carregam um potencial expressivo
(MCCLOUD, 2004, p. 124). Ou seja, uma linha pontiaguda pode exprimir o
sentimento de perigo ou dor, enquanto uma linha redonda e rechonchuda
pode passar o sentimento de conforto e maciez. Todo quadrinho passa
um sentimento através de seu traço; nas obras da Marvel de Jack Kirby, os
arte-finalistas procuravam traços dinâmicos, enquanto nos trabalhos de
Rob Liefeld vemos linhas hostis e perigosas.

Tendo em vista que as linhas em si têm um poder de expressão,


podemos passar a assumir que o traço pode tomar diferentes símbolos, ou
signos. Como coloca Daniele Barbieri:

57
1. a linha (o signo) pode representar ela mesma o corpo
do objeto, como no caso de uma linha que representa
uma corda ou o braço de uma pessoa em um desenho
infantil; 2. a linha (o signo) pode representar o
contorno de um objeto; pensemos em um círculo que
representa uma bola ou na linha do perfil de um rosto;
3. a linha (o signo) pode, enfim, ser usada para criar
um preenchimento, uma retícula que dê uma ideia da
intensidade luminosa de uma superfície (...) (BARBIERI,
2017, P. 32)

Dessa forma, o traçado se torna responsável por muito se não todo o


conteúdo do quadrinho. Aqui podemos explorar até mesmo o fundo sob
um personagem no quadrinho, uma ferramenta importante para indicar
ideias invisíveis, principalmente ao que diz respeito ao mundo das
emoções. Enquanto é possível distorcer um personagem, o fundo distorcido
pode falar muito mais sobre o estado do personagem para o espectador.
Isso acontece muito nos quadrinhos japoneses, que se utilizam muito de
fundos expressionistas para expressar emoções.

Outra ferramenta importante que vem junto com o pacote do traçado é o


balão de fala, que contém inúmeras possibilidades tanto de forma quanto
de conteúdo. Se por um lado as figuras podem induzir sensações fortes
no leitor, as palavras podem oferecer a especificidade que a primeira não
consegue alcançar – entretanto, as palavras não contêm a carga emocional
imediata das figuras, e, juntas, oferecem uma experiência única com
somente o traçado (MCCLOUD, 2004, p. 134).

O traçado não somente é encarregado do conteúdo do quadro, mas


também do traçado do quadro, ou o que é chamado de requadro, em
si. É importante, principalmente neste projeto, que o traçado do quadro
converse com o traçado do conteúdo, de tal forma que se o desenho for
frio e reto, que o requadro responda da mesma forma, para criar um
sentimento de organicidade, onde o conteúdo e a forma sejam um só.

Quanto ao requadro - um dos mais essenciais elementos na criação

58
dos quadrinhos - há uma responsabilidade de resolver e “trabalhar com o
problema da disciplina de leitura” (EISNER, 1999, p. 52). A disposição dos
requadros tem como função auxiliar o leitor na compreensão do conteúdo
e enredo – dessa forma, tomando as rédeas de uma sequência de outras
questões; tempo, espaço, expressão e emoção. A partir do requadro,
podemos borrar a linha que divide imagem e tempo – por exemplo, ao
colocar uma sequência de pequenos requadros um ao lado do outro,
criamos uma sensação de rapidez. Da mesma forma, ao colocarmos um
longo requadro em baixo desses, criamos um contraste que faz com
que a mente do leitor entenda como se esse quadro representasse uma
passagem de tempo mais longa (MCCLOUD, 2004, p. 101).

A ausência do requadro em si também tem um significado. Quando


retiramos o requadro, estamos expressando espaço ilimitado, de tal forma
a “abranger o que não está visível, mas que tem existência reconhecida”
(EISNER, 1999, p. 45).

Além de tudo, o requadro também pode ser utilizado como um recurso


narrativo em si mesmo, como coloca Will Eisner:

O propósito do requadro não é tanto estabelecer um


palco, mas antes mudar o envolvimento do leitor
com a narrativa. Enquanto o requadro tradicional,
de contenção, mantém o leitor distanciado – ou fora
do quadrinho, por assim dizer -, o requadro (...) pode
convidar o leitor a entrar na ação ou permite que a ação
“irrompa” na direção do leitor (EISNER, 1999, p. 46).

59
Tanto na fotografia quanto no cinema e televisão, os enquadramentos
(ou o que chamamos de requadro nos quadrinhos) foram classificados
e denominados de acordo com a distância que captam seus objetos. Os
mais distantes e, por consequência, mais amplos, são chamados de plano
geral e plano de conjunto – onde as figuras humanas aparecem muito
menores que toda a imagem. No plano médio e total, figuras humanas
erguidas adquirem uma dimensão significativa em relação à imagem,
enquanto na figura inteira preenchemos toda a imagem da cabeça aos
pés. O plano americano recorta a figura na altura dos joelhos, ao passo
que o meio primeiro plano recorta na cintura. Por assimilação, o primeiro
plano recorta a figura à altura do peito, e o primeiríssimo plano enquadra
somente o rosto. O plano detalhe é autoexplicativo. O que se pode tirar dessa
informação é que muitos desses planos podem ser explorados por meio de
diferentes angulações (BARBIERI, 2017, p. 116). Dessa forma podemos ver
cenas de cima para baixo, como do topo de uma escada olhando para os
pés, ou também o contrário, como um pedestre olhando para um arranha-
céu. Cada uma dessas escolhas tem um peso diferente na narrativa, e dão
um significado para a imagem que está sendo representada. Por exemplo,
o plano geral pode ocorrer para passar um sentimento de pequenez de
uma pessoa em oposição a grandiosidade do mundo tanto quanto o plano
detalhe pode ser utilizado para mostrar a importância das pequenas
coisas, ou como um pequeno gesto se mostra extremamente relevante
para uma história.

Plano detalhe em
Pulp Fiction
60
Nos quadrinhos, a perspectiva tem como função primordial “manipular
a orientação do leitor para um propósito que esteja de acordo com o plano
narrativo do autor” (EISNER, 1999, p. 89). Dessa forma, ao vermos diversas
formas diferentes de captar o mesmo evento, é preciso saber as diferentes
opções de expressar sentimentos ao leitor. O que advém de uma teoria
de que a reação do espectador é influenciada pela sua posição em uma
determinada cena resulta no poder do autor de produzir vários estados
emocionais na audiência. Dessa forma quadrinhos estreitos evocam uma
sensação de encurralamento tanto quanto um quadrinho largo sugere
espaço de sobra, ou uma oportunidade de fuga.

Entretanto não podemos contar somente com a perspectiva ou


enquadro para contar uma história; e é aqui que entra a importância da
anatomia e do gesto expressivo nos quadrinhos. Como dito na introdução,
uma das partes mais importantes das histórias em quadrinhos é como
as imagens são aliadas às palavras. Dessa forma vêm naturalmente que
a maneiras como são empregadas as imagens modificam e definem o
significado das palavras; ou seja, você pode usar as palavras de um certo
modo, e desacreditá-las de acordo com o maneirismo da expressão do
personagem; por meio da sua relevância, “podem invocar uma nuance de
emoção e dar inflexão audível à voz do falante” (EISNER, 1999, p. 103).

Aliando essa informação ao que já sabemos a respeito do enquadramento,


mostra-se importante escolher a posição certa do personagem na hora
de contar uma história, de tal forma que se, por exemplo, “a narrativa
exigir que o impulso final do escudo do guerreiro seja o ponto principal
nesse segmento de narrativa, então a postura selecionada é o desenho
final neste movimento de 30 segundos” (EISNER, 1999, p. 106). É preciso
considerar que os quadrinhos não necessariamente precisam mostrar
cada movimento de uma ação, portanto é preciso capturar quadros que
façam com que as ações intermediárias – isto é, as ações não desenhadas
– sejam subentendidas através de cada pose que é desenhada de fato.

Isso nos leva aos diferentes tipos de transição possíveis nos quadrinhos,
ou seja, o tempo que o autor escolhe para ser explorado entre requadros,
ou o que os aficionados de quadrinhos chamam de sarjeta. É a partir do
espaço da sarjeta que a imaginação do leitor entra em cena, em uma

61
conclusão mental automática que conecta os requadros. Scott McCloud
(2004, p. 70) divide seis tipos de transições:

1. Momento-a-momento: exige pouquíssima conclusão;

2. Ação-pra-ação: transições que apresentam um único tema


em progressão distinta;

3. Tema-pra-tema: permanece dentro de uma cena ou ideia,


mas dá um certo grau de envolvimento para o leitor dar sentido
a essas transições;

4. Cena-a-cena: é exigido maior raciocínio dedutivo na leitura,


que nos levam através de distâncias significativas de tempo e
espaço;

5. Aspecto-pra-aspecto: supera o tempo em grande parte e


estabelece um olho migratório sobre diferentes aspectos de um
lugar, ideia ou atmosfera;

6. Non-sequitur: não oferece nenhuma sequência lógica entre


os quadros.

Após falar de transições podemos abrir espaço para falar da importância


da cor nos quadrinhos. É bom relembrar quando foi abordado Kandinsky
e suas formas e traços para falar que sua paixão também se estendia às
cores; ele acreditava que as cores exerciam efeitos físicos e emocionais
nas pessoas, bem como hoje, quando escolhemos cores para pintar nossas
paredes, refletimos nos efeitos que elas podem nos causar.

Enquanto no começo da história da impressão em cores nos Estados


Unidos as cores primárias se tornaram um poder icônico para simbolizar
personagens, na Europa, onde a impressão era superior, artistas como
Claveloux Caza e Moebius encontraram uma oportunidade de paletas
subjetivas e intensas, criando várias possibilidades que alcançaram os
Estados Unidos nos anos 70 – quando as cores passaram a assumir um
papel central onde expressavam desde estados de espírito até sensações.

Uma vez discutido a questão da cor nos quadrinhos, entramos em um


novo pilar existente em todo quadrinho: a composição gráfica. Isso é, o

62
1. Momento-a- 2. Ação-pra-
momento; ação;

3. Tema-pra-
4. Cena-a-cena;
tema;

5. Aspecto-pra-
6. Non-sequitur
aspecto

63
planejamento gráfico das páginas.

Há uma responsibilidade do artista, ou designer, que consiste em


organizar sobre a página as formas, cores e textos de forma que resulte num
conjunto de clareza e harmonia (ou não, se for essa a proposta) adequada
à mensagem que se quer passar. Tradicionalmente, o equilíbrio da página
se dá pela organização e decisões gráficas acerca da tira e página (ou
lâmina). A tira é relativamente simples, geralmente composta por quatro
ou três vinhetas (quadros contendo desenhos). A forma mais tradicional da
vinheta é quadrada ou retangular, e por conseguinte as lâminas costumam
ser constituídas por sequências de vinhetas retangulares organizadas em
tiras horizontais - um esquema que pode ser quebrado por vinhetas mais
largas ou estreitas (BARBIERI, 2017, p. 131).

Considerando somente essa lâmina tradicional, já encontramos


diversos tipos de esquemas de equilíbrio desenvolvidos por quadrinistas
ao longo dos séculos. A página de três tiras se torna comum com o início
das revistas em quadrinhos no final dos anos 1930. Quando lembramos
que antes só haviam lâminas em jornais com quatro tiras, com um
grande espaço à disposição para o artista, faz sentido que as revistas em
quadrinhos diminuissem para três - considerando o formato tradicional
de 26 cm por 17 cm, razoavelmente menor do que um jornal ou tabloide.
Um exemplo clássico são as primeiras revistas do Batman que, em 1939,
apresentam uma estrutura em quatro tiras que acabam se reduzindo a
três, como na imagem ao lado, na primeira aparição do Coringa, em 1940
(ibid, p. 133).

Nesse movimento transitório de jornal para cadernos, autores de


revista chegam a reduzir até duas as tiras por lâmina. Gene Colan, por
exemplo, desenhou a lâmina da página 66 trabalhando com primeiros e
primeiríssimos planos usando enquadramentos de angulação única. Colan
fez isso porque sabia que usando a estrutura de três tiras, seus desenhos
ficariam muito limitados. Sua escolha de planejamento gráfico está, logo,
intimamente ligada com a escolha de um enquadramento a privilegiar
suas escolhas artísticas, além do tipo de plano a ser utilizado (BARBIERI,
2017, p. 133).

64
65
66
Tendo analisado essa forma de organização de lâminas, é possível
perceber que, de forma tradicional, os esquemas de página tem uma
finção de organização essencialmente estática. Foi a partir dos anos 60
e 70 que muitos autores reagiram contra essa forma, desenvolvendo
novas formas de construí-la, com cortes de vinhetas diagonais, circulares,
dentados, entre outros. Graficamente isso trouxe muita dinamicidade
muito maior ao quadrinho, mas, por outro lado, acentuava-se o impacto
visual e diminuia-se a preocupação com a narração tradicional, como é o
caso do trabalho de Philippe Druillet (BARBIERI, 2017, p.141).

Adiante, foi durante meados dos anos 70 que jovens desenhistas


argentinos e italianos subverteram o que construíram nos anos 60 para
buscar formas mais delicadas, porém tão expressivas quanto. Dessa
experiência muito se aprendeu na indústria, como vemos na lâmina da
página 68, de François e Luc Schuiten, no final dos anos 70. É a partir
desse tipo de trabalho que se começa a jogar com a dimensionalidade
do espaço da lâmina; dessa forma, há uma tridimensionalidade entre
as próprias imagens, não apenas em seu interior, alcançando um nível
de dinamização da página gráfica que nçao havia sido desenvolvida até
então (ibid).

Agora comparemos o trabalho na página 65 com o a lâmina da página


69, também desenhada por Gene Colan em 1984 para a edição #373 do
Batman, com mais de 10 anos de diferença entre ambos, e podemos ver
como as últimas experiências com lâmina fortaleceram a dinamicidade
das narrativas envoltas pelo desenho e vinhetas. Criando uma estrutura
tridimensional dentro da lâmina, é fornecido ao leitor um modo geral de
ler a situação (BARBIERI, 2017, p. 145).

Para explorar mais exemplos da linguagem em quadrinhos com


profundidade, trago uma sequência de exemplos no próximo subcapítulo.

67
68
69
PARTE IIi: CASOS ANÁLOGOS

1. Bruxaria, por James Robinson

Publicado em 1994 pela Vertigo, escrito por James Robinson e ilustrado


por Teddy Kristiansen, Bruxaria acompanha a jornada por vingança de
uma bruxa após seu clã ser estuprado e massacrado por bárbaros. Ela vai
atrás da Deusa Tríplice, representado por três mulheres, a donzela, mãe e
anciã, tal como na religião Wicca. Em três edições, a bruxa reencarna com
um único objetivo, que é matar a reencarnação do bárbaro responsável
pelo ataque ao seu clã, enquanto é guiada pela Deusa.

Bruxaria é uma série dotada de um roteiro incrível, mas, talvez pelo


baixo número de edições, é executada rápida demais, não fornecendo o
tempo necessário para os leitores se identificarem com as personagens.
Além disso, cenas muito gráficas se repetem em algumas edições,
deixando a desejar no que se diz respeito à compreensão da narrativa
e dos personagens. Apesar disso, todos os personagens possuem uma
personalidade única, além de uma forte reflexão sobre a mulher, poder e
vingança.

70
71
72
2. monstress, de marjorie liu

Publicado em 2015 pela Image Comics, escrito por Marjorie Liu e


ilustrado por Sana Takeda, Monstress conta a história de Maika Halfwolf,
uma adolescente que mantém uma estranha conexão psiquíca com
um monstro poderoso. A série ocorre em uma sociedade matriarcal
baseada na Ásia na década de 18. Maika sobreviveu a uma guerra entre
arcânicos, criaturas mágicas que podem se passar por humanos, e bruxas
que escravizam os arcânicos para alimentar seus poderes. Maika é uma
arcânica que se parece humana, e é devota a aprender sobre sua falecida
mãe e vingá-la. O monstro que consome seu corpo e mente é uma incrível
fonte de poder e sabedoria, mas também representa um grande desafio
quando se trata de entendê-lo e controlá-lo.

Dentre os temas estão a força necessária para aguentar a constante


desumanização, tanto quanto a importância da amizade entre mulheres.
Racismo, guerra e escravagismo também são questões latentes. As
personagens, geralmente mulheres, são extremamente complexas, com
grandes defeitos, camadas e pequenas, mas incríveis nuances.

A execução gráfica é extremamente equilibrada, e cada lâmina funciona


organicamente, criando uma dinamicidade que conversa com a narrativa.

73
3. SNOTGIRL, DE BRYAN LEE O’MALLEY

Publicado em 2017 pela Image Comics, escrita por Bryan Lee O’Malley
e ilustrado por Leslie Hung, Snotgirl é uma história em quadrinhos de
fantasia contemporânea que conta a história de Lottie Person, uma
blogueira de moda que vive uma vida perfeita - ou pelo menos é isso que
ela quer que acreditem. Na realidade, Lottie tem alergias fortes, péssimos
amigos e ela pode ou não ter matado alguém acidentalmente.

Quando coisas estranhas começam a acontecer, Lottie começa a


questionar a realidade em que ela vive. É com esse lado escuro de uma
narrativa questionavelmente humorístico que se constrói o universo de
Snotgirl, como uma crítica à vida contemporânea.

De execução gráfica razoavelmente simples, Snotgirl segue um formato


clássico do quadrinho americano, com desenhos naturais e orgânicos
reminiscentes de mangá, mas equilibrado com o estilo colorido americano.
Chama a atenção, também, o fato de Leslie Hung ser uma artista nova no
mercado de quadrinhos.

74
75
público alvo
e estratégias
PARTE I: O ATUAL MERCADO
BRASILEIRO DE QUADRINHOS

76
Tendo em vista todo o conceito do meu projeto e das histórias em
quadrinhos, é importante delinear aqui o contexto do mercado acerca do
meu produto para saber exatamente como o projeto se posiciona.

Para entender os dias de hoje, mostra-se necessário uma rápida


análise sobre os aspectos históricos que circulam o mercado e indústria
da linguagem gráfica sequencial.

Nos últimos anos, em um panorama ocidental, as histórias em


quadrinhos passaram por várias transformações relacionadas em grande
parte a um novo entendimento sobre o papel dos quadrinhos na sociedade,
derrubando assim antigos preceitos que circunstancialmente direcionaram
as histórias em quadrinhos somente ao público infantojuvenil. Isso tudo
ao mesmo passo que o desenvolvimento das tecnologias de informação
e comunicação criou uma série de concorrências que veio junto com o
advento da televisão em meados do século XX. Dessa forma, a indústria
dos quadrinhos viu-se forçada a buscar alternativas para responder de
forma eficiente à concorrência midiática, diversificando seus produtos e
redirecionando seus esforços para disseminar os públicos que pudessem
ser mais receptivos a eles (VERGUEIRO, 2017, p. 143).

É a partir do impacto da inovação tecnológica sobre o entretenimento


que a indústria brasileira de quadrinhos passou a conviver mais com
os produtos provenientes da indústria oriental - os mangás, com suas
proposições e temáticas variadas, além de uma estratégia de marketing
ousada baseada no inter-relacionamento de diversos produtos de
entretenimento, desde desenhos animados até jogos e brinquedos
(VERGUEIRO, 2017, p. 144). Um exemplo famoso é o mangá da “Sailor Moon”,
que deu origem ao anime e centenas de outros produtos.

Dessa tendência, gera-se um impacto na realidade da indústria


quadrinística brasileira, que passou a ir além dos públicos tradicionais dos
quadrinhos, além de também implicar no nascimento de outros pontos de
vendas:

77
Assim, as tradicionais bancas de jornal vieram se
juntar as gibiterias - adaptação, em língua portuguesa,
da denominação dada às lojas especializadas norte-
americanas, as comic stores ou comic shops - e as
grandes livrarias, que se transformaram em espaços
privilegiados para alcançar um consumidor de maior
idade e maior nível de exigência (VERGUEIRO, 2017, p.
146).

Levando em conta essas questões, pode-se observar que a maior


mudança no mercado de quadrinhos brasileiro se deu no segmento
destinado ao público adulto. Com essa mudança, durante as últimas duas
décadas, houve uma intensificação da tendência de lançamentos de
quadrinhos para públicos diferenciados.

Entretanto, deve-se levar em conta que a entrada no mercado vem


ocorrendo pelo formato de álbuns ou graphic novels. Por um lado, isso é um
aspecto bom, porque autores têm a possibilidade de imprimir edições em
papel de maior qualidade, melhor diagramação de páginas e quadrinhos,
o que traz mais atrativos para o público adulto, que geralmente é mais
exigente quanto à essas questões em um comparativo com o público
infantojuvenil. Por outro lado, essa opção limita o círculo de vendas
desses trabalhos, que costumam ser vendidos a um preço muito superior
da margem, e quase exclusivamente em livrarias, com pequenas tiragens
(VERGUEIRO, 2017, p. 147).

Nos últimos anos, essa opção de publicação para um público com


maiores condições financeiras tornou-se mais comum entre o mercado e
certas editoras, acompanhando uma tendência mundial. Algumas editoras
chegaram até mesmo a somente publicar graphic novels e álbuns (idem).

Autores brasileiros também optaram por esse formato como seu formato
preferencial para o trabalho artístico, excluindo as outras possibilidades. O
autor Lourenço Mutarelli, um dos mais aclamados artistas de quadrinhos
do país, foi um exemplo dessa opção; antes de perseguir outras áreas,
Mutarelli lançava uma graphic novel por ano, recebendo muitos prêmios

78
por seu trabalho (VERGUEIRO, MUTARELLI, 2002).

Uma análise do mercado brasileiro de quadrinhos nas últimas duas


décadas permite constatar que o número de quadrinhos direcionados aos
segmentos do público adulto aumentou substancialmente. Isso se mostra
importante na hora de desenvolver um panorama para o futuro do mercado
no Brasil, pois apresenta um atendimento a uma demanda que até algumas
décadas atrás se encontrava órfã, representada pelos leitores de histórias
em quadrinhos que, tendo passado a adolescência, não mais se satisfazem
com as temáticas dos produtos voltados para o público infantojuvenil. A
partir dessa análise, podemos identificar a presença de uma sequência
de obras estrangeiras no mercado composta de graphic novels e mangás
para adultos, tal como os trabalhos de Neil Gaiman (Sandman), Will Eisner
(Ao coração da tempestade, Avenida Dropsie), Alan Moore (Watchmen,
Do Inferno), Keiji Nakazawa (Gen), Osamu Tekuza (Adolf, Buda) e Hayao
Miyazaki (Nausicaä). Além disso, também temos um crescimento regular de
publicações vindas da indústria europeia, aumentando a disponibilidade
de obras para o público interessado. Falando em produção brasileira em
si, o mercado emergente cresce e se divide em diferentes obras ligadas
ao estilo underground, com suas temáticas irreverentes, e coletâneas de
vários artistas - além disso, aparece o teor educacional dos quadrinhos,
com o lançamento de quadrinizações de grandes obras literárias, como O
Alienista por Fábio Moon e Gabriel Bá (VERGUEIRO, 2017, p. 160).

Podemos, ainda, estabelecer uma perspectiva para o futuro do mercado


das histórias em quadrinhos no Brasil baseado nessa rápida análise do
atual panorama no país. Na realidade, podemos dividir dois fenômenos;
um voltado para a ampliação dos estudos acadêmicos e de pesquisas
científicas sobre histórias em quadrinhos no Brasil - e outro voltado para
a emergência de eventos de massa de grandes proporções, que situam
as histórias em quadrinhos no espectro conhecido por cultura pop
(VERGUEIRO, 2017, p. 164).

Observando os movimentos de eventos voltados à Nona Arte ao longo


dos anos, pode-se dizer que nenhum alcançou o tamanho da Comic
Con, que teve sua primeira edição no Brasil em 2014 duas vezes, sob o
nome: Brasil Comic Con e Comic Con Experience. Atualmente, a Comic Con

79
Experience, em São Paulo, é o evento mais influente em termos de mídia
e frequência de público;

(...), atraindo quase 200 mil visitantes em sua última


edição. Com dezenas de convidados nacionais e
internacionais, mesas de autógrafos, eventos paralelos,
oficinas e palestras, lançamentos de livros, apresentação
de filmes, concursos de fantasias, exposições, ela se
denomina ‘o maior evento da cultura pop da América
Latina (VERGUEIRO, 2017, p. 165)

Tendo incorporado autores nacionais nesse mesmo circuito como


agentes importantes do processo de produção cultural, essas convenções
oferecem um certo desenvolvimento de um sentimento de valor do
público brasileiro para com seus próprios autores nacionais. Dessa forma,
visitantes desses eventos já não se prendem mais apenas aos convidados
internacionais, mas também demonstram interesse em autores
brasileiros - que por sua vez, comparecem com novas obras, estreitando
o relacionamento desenvolvido tanto por produções impressas como
também por atividade de promoção pessoal via redes sociais.

É importante assinalar aqui o processo que ocorre a partir das redes


sociais, que constrói coletivos de autores acerta certa preferência temática
ou ainda, como vem se desenvolvendo mais e mais ao longo dos anos,
uma preferência de gênero. O que vemos recentemente é a ampliação de
produção de quadrinhos realizados e destinados a mulheres, com artistas
que refletem sobre sua própria realidade e produzem quadrinhos com
características próprias e inovadoras dentro do próprio mercado. Destacam-
se aqui diversas autoras como Adriana Melo, Lu Cafaggi, Bianca Pinheiro,
Fefê Torquato, Priscilla, Chiquinha (Fabiane Langona), Pryscila Vieira,
Germana Viana, entre outras, cada qual com seus projetos consistentes
dentro da área dos quadrinhos e refletindo as preocupações femininas
que também salientam a relevância da arte em quadrinhos dentro do
mercado de entretenimento e educação (VERGUEIRO, 2017, p. 167).

80
PARTE II: VIABILIZAÇÃO:
CROWDFUNDING

Crowdfunding, também conhecido em português como financiamento


coletivo, é uma forma de conseguir recursos para a realização de projetos.
Projetos esses que podem ser voltados para diversas causas, desde a
criação de uma empresa, apoio a uma causa social, realização de eventos,
desenvolvimento de produtos, entre outros.

O crowdfunding funciona na seguinte ordem: o dono do projeto


apresenta sua ideia ao público, diz o quanto precisa para financiar aquela
ideia e estipula um prazo limite para a arrecadação de fundos.

Entretanto, o dono do projeto precisa motivar o público para colaborar


com um projeto; para isso, a maior parte das plataformas de crowdfunding
(Catarse, Kickante, Benfeitoria, etc) oferece brindes, desde produtos até
um acesso antecipado ao serviço, por exemplo, aqueles que se oferecem à
doar para a ideia.

Dessa forma, o crowdfunding também ajuda projetos de outras formas


além da viabilização. Por exemplo, valida um conceito, isso é, prova que
além das pessoas terem um interesse em um projeto, elas também estão

81
dispostas a gastar com isso. Ao validar uma ideia, o financiamento coletivo
também faz com que empresários e investidores se livrem da preocupação
de correr riscos com o lançamento de uma idea. Além disso, através dos
sites de financiamento coletivo, projetos recebem mais visibilidade, novos
fãs e clientes em potencial. Por fim, os sites de crowdfunding oferecem
maneiras para que colaboradores tragam suas opiniões e sugestões em
uma espécie de feedback em tempo real, ajudando com insights para a
realização do projeto.

Entre as plataformas mais conhecidas de crowdfunding, encontra-se


o Catarse, a maior plataforma de crowdfunding no país. O site já ajudou a
financiar mais de 1,8 mil projetos, arrecadando R$31 milhões por meio de
216 mil pessoas.

O financiamento coletivo é uma viabilização famosa nos meios


quadrinísticos, considerado um dos melhores caminhos para a publicação
de obras, livros e tirinhas. Felipe Cagno, por exemplo, já fez quase 15
campanhas de financiamento coletivo, dentre todas as plataformas
disponíveis no País e algumas no exterior. O crowdfunding tornou-se o
seu principal meio de publicação. “Eu tenho portas abertas em algumas
das editoras do país, mas prefiro continuar no financiamento coletivo. Ali,
eu tenho contato direto com os meus leitores” (MANS, 2017).

De acordo com Cagno, é esse contato que faz com que ele possa adaptar
seus projetos ao gosto dos fãs, criando uma comunidade ainda mais
engajada e fiel - em um de seus projetos, mais de 90% dos apoiadores já
tinham participado de projetos passados. De acordo com o autor, a cena
dos quadrinhos independentes nunca esteve tão forte no país, e muito se
deve ao financiamento coletivo (ibid).

Para o Catarse, os quadrinhos já se tornaram uma das principais


plataformas de arrecadação. Nos seis anos de existência do Catarse, são
mais de R$ 5,1 milhões arrecadados com mais de 43 mil apoiadores únicos
em 300 projetos financiados. De acordo com Geraldo Aleandro, líder de
projetos do Catarse, as pessoas se sentem mais próximas de autores e
projetos através do financiamento coletivo, e essa dessa forma que a cena
dos quadrinhos independentes se reinventou (MANS, 2017).

82
PARTE Iii: leitores

1. grl pwr!

A GRL PWR! é, em outros termos, a leitora que em primeiro lugar procura


por obras alternativas que exploram a representatividade de minorias, com
personagens diversificados, especialmente quando se trata de mulheres.
A GRL PWR! está cansada da representação feminina na mídia popular, e
aprecia obras que saem do espectro hollywoodiano - da mulher magra, da
mulher submissa, da mulher ultra sexualizada. Ela procura trabalhos com
os quais ela possa vir a se identificar tanto quanto ela procura trabalhos
com os quais outras minorias que ela pode ou não fazer parte possam se
identificar também. A GRL PWR! é uma leitora extremamente empática, que
gosta de se colocar no ponto de vista de minorias e aprender sobre outras
culturas.

83
2. neo-fÃS DE QUADRINHOS

Esse leitor é o novo leitor de quadrinhos. Enquanto a GRL PWR! não


consume especificamente as histórias em quadrinhos, esse leitor
costuma investir grande parte do seu tempo em conhecer o mercado e
novos autores. É chamado Neo-fã porque ele é a próxima geração do leitor
clássico de quadrinhos - isso é, o leitor que se limita a ler quadrinhos das
grandes editoras como a Marvel e DC. O neo-fã não necessariamente vai
atrás de quadrinhos sobre empoderamento de classes, mas ele os inclui
para entender o novo movimento dos quadrinhos alternativos. Ele é o leitor
que se joga no desconhecido e investe seu tempo em conhecer histórias
e escritores que trabalham com temas e personagens não-convencionais.

84
3. investidores

Esses são os leitores que encontram Triluna através do crowdfunding,


e decidem, por motivos que podem ser semelhantes ao da GRL PWR! e o
Neo-fã, que vão colocar dinheiro para obter o projeto.

Esses investidores podem se dividir entre investidores que somente


investem capital o suficiente para comprarem uma cópia, investidores
que podem investir mais capital para obter recompensas variadas (pôsters,
camisetas, etc) e investidores que querem investir o suficiente para garantir
a continuidade da revista.

85
86
UM POUCO SOBRE
A NARRATIVA

87
parte i: roteiro
O ano é 2018, e Morgana é a última de uma notória linhagem de bruxas,
sendo a mais notória de todas sua mãe, Ana. Após o fim da guerra contra
os dragões e uma longa era de convivência tranquila com a raça humana,
Morgana nasce e apenas alguns anos depois sua mãe é brutalmente
assassinada enquanto dormia, assim como diversas de suas cúmplices
e irmãs. Ela crê que teria sido assassinada também não fosse pela sua
tia, Eva, que usou dos seus poderes para esconder e levar não somente
ela, mas diversas de outras crianças cujas mães foram assassinadas na
conhecida Noite Escura. Entre essas outras crianças, também foram salvas
Sabrina, Luna e Serena.

Após esse evento, as bruxas passaram a ser marginalizadas pela


sociedade e tratadas como criminosas e mulheres cruéis. Dessa forma,
muitas bruxas migraram para outras cidades ou países com maior
aceitação, e as que ficaram tomaram um posicionamento de resistência,
buscando a igualdade que um dia tiveram. As crianças salvas cujas mães
foram assassinadas, foram mandadas para a adoção de famílias humanas
para serem protegidas, e, consequentemente, não terem conhecimento de
sua ancestralidade mística.

Morgana e sua tia Eva fazem parte da resistência, morando em partes


afastadas do centro da cidade, enquanto Sabrina, Luna e Serena vivem
mais para o centro, envolvidas com os humanos como se fossem parte
deles, raramente sendo vítimas do preconceito contra o místico.

Morgana, entretanto, alimenta um latente ódio pelos humanos,


principalmente aqueles que tem poder sobre as massas, e desde criança
jura encontrar quem foi responsável pelo massacre não só de sua mãe,
mas também de todas as outras bruxas da época. Seu desejo por vingança
é tão forte que consegue conjurar a atenção da Deusa Triplíce, e se mostra
determinada a formar um pacto para destruir as pessoas responsáveis

88
pela morte da sua mãe, contanto que Morgana entenda que tudo isso vem
com o seu preço.

A Deusa promete retornar no seu 18o aniversário com as diretrizes


necessárias para sua missão, e assim o faz. Na data marcada, a Deusa
instrui Morgana a encontrar três garotas, mas que ela só pode fornecer o
nome de cada uma delas e um lugar, um de cada vez, e o resto é por parte
dos seus próprios poderes. A primeira delas é Sabrina, e o lugar é chamado
simplesmente de Brechó Cherry. Com um pouco de pesquisa e utilizando
seus poderes, Morgana encontra Sabrina e entra em detalhes sobre a sua
desconhecida ancestralidade. Sabrina passa por um choque ao descobrir
a brutalidade que sua mãe biológica passou, e mais tarde aceita participar
da missão de Sabrina.

Ao passo dessa união, uma explosão ocorre na cidade, nas proximidades


de onde Morgana e sua tia Eva moram. Isso invariavelmente causa um
efeito nos poderes de Morgana que a fazem desmaiar e, mais tarde, ela
descobre que sua tia estava na área e agora está em coma. Após isso,
Sabrina oferece sua casa para Morgana ficar enquanto sua tia não acorda.
Uma ação tática militar anti-bruxa é responsável por isso, e Morgana,
extremamente abalada e fraca, segue com sua missão quando a Deusa
reaparece com as próximas diretrizes. Antes de tomar qualquer decisão
brusca, é preciso encontrar a segunda garota; um nome, Luna, e um outro
nome, A Crescente. Revelado que esse é o nome de uma banda, Morgana
usa seus poderes novamente para saber exatamente onde ela está, e
Morgana e Sabrina saem em busca dela.

Luna é abordada pelas garotas no intervalo de seu show em um clube


e se mostra extremamente desinteressada em qualquer coisa que elas
poderiam falar. Mesmo com uma tentativa desesperada de convencer
Luna a se interessar por seu lado bruxa, Morgana não consegue convencê-
la a ver sua ancestralidade, e é contra seu código moral e ético usar seus
poderes em alguém que não a permitiu. Isso a leva a quase abandonar sua
missão, já fraquejando desde o ataque à sua tia, e lhe traz de volta uma
sequência de memórias de sua mãe e pensamentos autodestrutivos que a
deixam em um estado deprimido, se não suicida. É com a ajuda e impulso
de Sabrina que Morgana, mais sensibilizada, vai atrás de Luna e a conta

89
sobre o que aconteceu com sua mãe e tia, além de o porquê de estar atrás
dela. É somente com essa estratégia que Morgana consegue acordar o lado
empático de Luna, que finalmente concorda em ver o que aconteceu com
sua mãe.

Luna se mostra chocada com as imagens que ela vê, mas não surpresa,
e se conecta com os ideais de sua mãe, reforçando seu apoio à missão de
Morgana que, por sua vez, está mais confiante que tudo vá da forma que
ela espera. Faltando somente uma menina, a Deusa reaparece com mais
um nome, Serena, e uma universidade. Morgana usa seus poderes mais
uma vez, mas está visivelmente mais fraca e seu nariz sangra.

Encontrando com Serena, torna-se claro que ela é uma pessoa muito
ocupada, e as meninas a veem no telefone com sua mãe, chorando
enquanto abria mão de sair no final de semana. Isso deixa Sabrina muito
abalada, que impulsivamente vai atrás dela e tenta a convencer que isso
não estava certo, e a convida para ficar com as outras meninas. Serena,
envergonhada, sai correndo para o banheiro mais próximo.

Para a surpresa das outras garotas, Luna se oferece para ir sozinha ao


banheiro, e conversa tranquilamente com Serena através da porta, o que a
acalma profundamente. Serena topa passar a tarde com Luna, que acaba
abordando a questão da bruxaria, de suas mães, da Morgana e, mais tarde,
a importância da rebelião. Serena, maravilhada com Luna e sua força de
vontade, volta a chorar enquanto fala dos seus medos infundados de
desapontar seus pais e da frustração que é sua vida e como, apesar de
tudo, não chega nem aos pés do sofrimento que pessoas como Morgana
passam. Luna a abraça e, impulsivamente, Serena a beija. Isso choca Luna,
mas ela retribui antes de trocar números e pedir para Serena a ligar.

No dia seguinte, Serena aparece na casa de Sabrina, determinada a


entender a vida de sua mãe biológica e carregando uma mala. Após ver
quem era sua mãe Serena fica quieta ao lado de Luna. Mais uma tática
anti-bruxa ocorre e muitas acabam feridas. Em seguida a Deusa reaparece,
dessa vez com o nome de um homem, Sargento Leal, e uma justificativa.
As garotas bolam uma estratégia e unem seus poderes para derrotar o
homem responsável pelas ordens das táticas, além do exército anti-bruxa.

90
Após ser derrotado, Luna está ferida e várias notícias entram para um
certo canal de reportagens alegando terrorismo por parte das bruxas, e
um terror em massa começa a se espalhar entre os humanos, até mesmo
aqueles que um dia apoiaram a igualdade de suas raças. Isso leva
Morgana a pensar que seu plano está indo por água a baixo, apenas para
ser lembrada por Serena que, algumas vezes, as coisas precisam piorar
para poderem melhorar novamente.

A Deusa reaparece mais uma vez para anunciar o nome de Fernando


Salgado, político e dono de diversos canais de comunicação responsáveis
por pintar bruxas como mulheres vis e cruéis contra humanos, além de
usar muito do seu dinheiro para fundar pesquisas em armas químicas que
não somente neutralizam poderes de bruxas, mas também as torturam
e as matam. Mais uma vez as garotas constroem uma estratégia para
derrotar o inimigo.

Uma vez derrotado, Sabrina é quem é abatida, porém canais menores


de notícias começam a repassar os crimes horrendos que Fernando
Salgado fundava, causando a massa a ter sentimentos mais empáticos
com as bruxas dado o sofrimento que isso trazia. Morgana está feliz,
mas visivelmente bem mais fraca do que anteriormente, o que leva as
outras garotas a começarem a questionar o destino de Morgana até o final
dessa empreitada. Ao abordarem a questão, Morgana não quer responder
e apenas se mostra determinada a chegar ao fim, o que as angustia
terrivelmente.

A Deusa faz mais uma aparição, apenas para soltar o nome do Dr. Zeman,
culpado por criar as armas que Salgado fundava, além de experimentos
ilegais e cruéis em bruxas de todas as idades. O resultado desse encontro
é uma Serena abatida, e todas as garotas extremamente cansadas –
principalmente Morgana, que consegue sentir que o fim está próximo.

Ao receber o último nome, Ygarth, Morgana sabe o que tem que fazer,
e, com a ajuda das outras garotas, consegue derrotá-lo. Após isso, a Deusa
revela que o preço a ser pago por tamanha mudança na história da
humanidade é a sua própria vida, e Morgana já sabia.

91
parte II:
PERSONAGENS

MORGANA

Morgana é a última de uma notória linhagem de bruxas, sendo a mais


notória de todas sua mãe, Ana. Após o fim da guerra contra os dragões e
uma longa era de convivência tranquila com a raça humana, Morgana
nasce e apenas alguns anos depois sua mãe é assassinada enquanto
dormia. Ela crê que teria sido assassinada também não fosse pela sua
tia, Eva, que usou dos seus poderes para esconder e levar não somente
ela, mas diversas de outras crianças cujas mães foram assassinadas na
conhecida Noite Escura.

Seu temperamento é severo como a de uma séria professora o que faz


dela inicialmente intimidadora para Sabrina. Entre a comunidade bruxa
revolucionária ela é muito respeitada, apesar de muitas vezes ela sentir
uma pressão por isso e crer que todo o respeito é direcionado à sua mãe
e não a ela. Apesar de parecer muito séria e estoica, Morgana é muito
empática e cuidadosa com outras pessoas, principalmente bruxas, por
mais que ela não reconheça essa parte de si. Ela acidentalmente se torna
uma figura materna para muitas pessoas da sua comunidade e mais tarde,
das meninas que ela encontra. Seu maior desafio é reconhecer que ela
não precisa fazer tudo sozinha.

Morgana é uma bruxa psíquica, um dos tipos de bruxa mais poderosos


que existem. Ela é capaz de vários níveis de poderes e encantamentos que

92
93
94
se tornam mais fortes a medida que ela treina.
Através de sua telepatia ela pode manipular
a mente de outras pessoas para diversos fins,
desde comunicação até controlá-los contra
sua vontade. Além disso ela pode lançar raios
psiônicos para atordoar seus inimigos. Morgana
também possuí o poder de telecinese, e, de
acordo com Eva, é a única bruxa viva que tem
esse poder. Ela pode mover objetos com a força
de sua mente, incluindo ela mesma. Quando
não em controle de seus poderes, o que pode
acontecer em um momento de fraqueza
emocional, física ou psicológica, Morgana recebe
uma carga psíquica de pessoas ao seu redor que
a atordoam, podendo ser possível até matá-la.

Morgana é e significa, principalmente, o


agente moderador que, sem saber, ativa o poder
de dentro explicitado na página 38, acionando
a autoconfiança necessária para as outras
protagonistas se empoderarem. Ela também é
a líder do poder comunitário liberado por ela e
as outras garotas para perseguirem a raíz da sua
opressão. Na conclusão da história, Morgana é
forçada a perceber o que é citado na página 39;
“nosso papel não é falar ao povo sobre nossa
visão do mundo, ou tentar impô-la a ele, mas
dialogar com ele sobre a sua e a nossa” - ou seja,
não há orgulho no genocídio de uma raça de
dragões, mesmo dadas as circunstâncias de uma
guerra.

95
SABRINA

Sabrina faz parte do grupo das protagonistas


que não tem total conhecimento de sua
ancestralidade bruxa, mas é uma das únicas
que já conhece, aceita e testa seus poderes. Ela é
uma das crianças salvas por Eva na Noite Escura
e que é colocada para a adoção com o intuito
de a proteger colocando-a entre os humanos.
Sua mãe foi uma das legendárias e mais fortes
guerreiras que lutaram ao lado de Ana, e era
conhecida somente pelo nome de Nimuê, como a
deusa das águas nas lendas arturianas. Adotada
por pais extremamente liberais e bem abastados,
Sabrina tem um nível de independência muito
forte, e formou-se em uma universidade de
moda no exterior, somente para voltar à cidade
e abrir seu próprio brechó com um investimento
dos pais.

Quando criança naturalmente seus poderes


vieram à tona, e sua mãe a disse para “manter
segredo”. Desde então ela soube que não estaria
segura caso alguém soubesse do que ela é capaz.

96
97
De personalidade alegre e brincalhona, Sabrina
é aparentemente uma menina engraçada e de bem
com a vida, além de muito vaidosa. Entretanto,
talvez por ter carregado o fardo de um segredo
grande como o do seu poder, Sabrina também é
inclinada a esconder seus verdadeiros sentimentos
e inseguranças. Ela é propensa a criar fachadas
para o conforto alheio e deixar de lado seu próprio
bem-estar.

98
Sabrina é uma bruxa elemental, a segunda
bruxa mais poderosa da série, podendo controlar
todos os quatro elementos; fogo, água, ar e vento,
dessa forma podendo criar, manipular e absorver
todos esses. O que a faz uma bruxa excepcional
é o fator de ter um controle muito grande de seu
poder, que vem a ela quase naturalmente apesar
da complexidade. Apesar da grandiosidade do
seu poder, quanto mais tempo ela o usa, maior a
probabilidade do corpo dela sofrer as consequências
do elemento utilizado.

99
luna

Luna é outra das crianças que foram resgatadas pela tia de Morgana
e a segunda das personagens que não tem nenhum conhecimento
de sua ancestralidade devido ter sido mandada para adoção enquanto
nova. Fazendo parte de uma família muito grande e tendo 4 irmãos mais
novos, Luna sempre deteve muita independência em seu meio, sem muita
vigilância por parte de seus pais. Entretanto isso não significa que ela seja
menos responsável, muito pelo contrário; sua independência é tão forte
que é como se ela vivesse num mundo somente de suas ambições. Sua
maior ambição sendo o sucesso de sua banda, de qual ela participa como
guitarrista.

Com uma personalidade mais fechada e introspectiva, Luna não se deixa


levar por outras coisas que não sejam sua própria ambição profissional,
o que acaba chegando a extremos – no caso, Luna usa sua banda como
uma válvula de escape para qualquer coisa que exija de seu lado pessoal
mais do que ela quer deixar transparecer – o que faz dela uma pessoa
difícil para Morgana trazer para a causa, e eventualmente leva Morgana a
questionar sua capacidade de cumprir com sua promessa à Deusa Tríplice.

Luna é uma bruxa metamorfa, ou seja, ela pode assumir qualquer


forma desde uma pedra até um elefante, desde que ela canalize a energia
necessária para tal. Sua única adversidade é a possibilidade de ela perder
completamente sua mentalidade quando passa muito tempo hospedando
um corpo animal.

100
101
102
serena

Serena é a terceira bruxa que foi enviada para a adoção, e, por


conseguinte, a última personagem que desconhece sua ancestralidade,
apesar de ter conhecimento de seus poderes. Adotada por um casal de pais
exigentes e superprotetores, Serena é filha única e vive integralmente em
função de agradar sua família. Se por um lado isso faz dela uma garota
muito organizada, eficiente, perfeccionista e disciplinada, pelo outro isso
a torna vulnerável à abusos de poder e a faz abandonar suas verdadeiras
ambições: a carreira que ela gostaria de seguir, passatempos, amizades,
sua própria sexualidade e, principalmente, entrar em contato com seu
lado bruxa. Enquanto isso, Serena foca suas energias aos seus estudos,
sendo uma notável aluna de medicina e ao volêi, esporte na qual atua
como capitã do time.

Dotada de uma personalidade amigável e inocente, muitas vezes pende


a acreditar no lado bom das pessoas, mesmo quando isso significa que
o seu bem-estar esteja em jogo. Entretanto, é determinada e raramente
desiste dos seus objetivos ou dos objetivos das pessoas mais próximas e
prova-se uma pessoa muito fiel.

Serena é uma bruxa ilusionista que consegue criar diversas imagens


e situações para as pessoas que, por mais surreal que sejam, levam as
pessoas a acreditar. Quando era criança, Serena inventava animais de
estimação imaginários e se tocou que tinha poderes quando outras crianças
passaram a ver seus animais também. Entretanto, como já foi provado
algumas vezes em sua vida, Serena pode imergir-se muito profundamente
em suas ilusões e desanexar-se completamente do mundo real.

103
parte IIi:
antagonistas

sargento leal

Sargento Leal é o primeiro antagonista a ser derrotado e o braço esquerdo


de Ygarth, fomentado pelo seu extremo ódio e inveja das bruxas, capazes
de poderes que ele jamais poderia ter. Ele foi diretamente responsável
pelo genocídio das bruxas durante a Noite Escura e também pela criação
de grupos táticos de caças as bruxas sob o argumento de “proteção ao
povo”. Sua busca por poder é tão forte que ele foi alterado geneticamente
para obter mais força física, o que o tornou um homem grande com muita
resistência, mas com um temperamento muito explosivo. Pouca coisa
se sabe da vida pessoal dele, Morgana sendo uma das poucas pessoas
capazes de ver as coisas que ele esconde.

Sargento Leal era, na verdade, apaixonado por uma bruxa, mas ao


descobrir que ela era apaixonada por outra bruxa, passou a ver todas as
bruxas como adeptas de rituais satânicos – a única coisa que ele aliava
ao homossexualismo. Tornou o extermínio de bruxas seu maior objetivo;
um resultado da mistura de rejeição, o sentimento de fraqueza e sua
homofobia.

104
Isso o torna alvo de Luna na batalha, principalmente quando ele vê em
Serena a bruxa com o qual ele um dia se apaixonou e abertamente tenta
destruí-la.

FERNANDO SALGADO

Fernando Salgado é um famoso político, conhecido por seu


posicionamento anti-bruxas e também por ser dono de diversos canais
de comunicação, alguns dos quais responsáveis pela passagem de
informações as massas. Fernando é um homem de grandes riquezas, que
não tem medo de gastar em vícios, mas que principalmente as usa para
fundar armas e maquinarias em prol do controle e desempoderamento das
bruxas. Ele é muito próximo do Dr. Zeman, sendo o homem que o indicou
para trabalhar sob o nome de Ygarth. Por ser dono de uma quantidade
enorme de carisma, muitas vezes faz o papel da voz do seu grupo na hora
de falar sobre sua agenda anti-bruxa, além de ser a ponte entre Ygarth e
os outros.

Também sendo um homem muito fechado quanto sua vida pessoal,


não é segredo aos tabloides que é extremamente mulherengo, dotado
de uma grande falta de respeito quando o assunto são mulheres. É
justamente desse ideal machista que nasce seu ódio às mulheres, onde
ele secretamente acredita num mundo onde nenhuma mulher detenha

105
maior poder ou força que um homem.

Isso o faz o alvo dos ataques de Sabrina, que crê com muita força, e até
ódio, que não há espaço no seu mundo para um pensamento desse calibre
– isso além de se enfurecer com os comentários machistas dele durante a
batalha.

DOUTOR ZEMAN

Dr. Zeman, ao contrário dos outros de seu grupo, não fomenta um


ódio contra as bruxas. Ele, na verdade, é motivado por sua curiosidade
dos poderes místicos, e uma obsessão em conseguir ser e tornar pessoas
comuns em pessoas tão fortes quanto uma bruxa. Esse personagem é
tomado por uma forte vontade de agir como um deus e ter a capacidade
de escolher quem enfraquecer, quem fortalecer e quem morrerá. Ele tem
uma grande admiração pelas capacidades místicas das bruxas, mas não
as vê como seres vivos ou merecedoras de direitos – tanto que é o homem
responsável pela tortura, experimentação e execuções cruéis de bruxas –
tudo com o objetivo de testar os seus limites.

Interessantemente, ele não tem nenhuma conexão – nenhuma esposa,


nenhum filho, nenhum parente vivo. Isso o faz um homem completamente
absorvido pelo seu trabalho, o que o leva ao ponto da loucura.

Dr. Zeman não somente experimentou em bruxas, mas secretamente


usou seus conhecimentos para experimentar em si mesmo e por fim

106
conseguiu obter o poder de magnetismo, o que o torna um dos antagonistas
mais extenuantes de derrotar.

Ele é alvo de Serena, que não suporta crueldades de qualquer tipo.

Ygarth, o dragão

Ygarth é o último dragão sobrevivente no país após a guerra, que


vivenciou o extermínio de toda sua raça pelas bruxas. Após viver tempos
em cavernas, Ygarth estudou algumas figuras públicas humanas e foi
atrás de Fernando Salgado, sabendo de sua aversão a figura das bruxas. A
partir desse encontro, Ygarth tornou-se a cabeça do evento que mais tarde
ficou conhecido como Noite Escura, arquitetando sua vingança em um
momento em que as bruxas pensassem estar seguras.

Sua maior motivação é o extermínio de todas as raças, e construir um


país onde dragões possam viver em comunhão sem terem que viver em
reclusão nas montanhas, como viviam até então.

De natureza extremamente estratégica, Ygarth não dá valor a vida dos


humanos que trabalham para o seu ideal e apenas os usa para suas próprias
finalidades. Entretanto, os homens, cegados por seus próprios luxos e
emoções, são facilmente convencidos a fazer parte de suas maquinações.

Ygarth é o último inimigo, e é derrotado por Morgana.

107
108
109
parte Iv:
universo

Todo o contexto que é utilizado no universo de Triluna é embasado


na pesquisa temática que se deu no primeiro capítulo desta monografia.
Dessa forma, as bruxas funcionam como uma metáfora para identidades
de resistência, principalmente as mulheres, apesar de ser uma metáfora
que se aplica à diversos outros micro setores da sociedade contemporânea.

As protagonistas são mulheres, adolescentes, que representam


exatamente o que elas são: mulheres. Enquanto Morgana imaginava que
as três meninas não tinham um conhecimento sequer de seus poderes,
cada uma possuia uma forma diferente de lidar com seus diferenciais
- algumas tentam fingir que não existe (Luna), outras usam os poderes
como uma válvula de escape (Serena), ou também os usam como uma bela
fachada para esconder seus defeitos (Sabrina). O desenrolar da história
para essas três meninas após o encontro da Morgana é um símbolo do
processo de empoderamento - quando elas reconhecem quem elas são,
percebem que não são melhores ou piores por isso, ajudam umas as outras
e, com a Morgana como uma guia, buscam a mudança.

110
Cada antagonista representa uma das instituições citadas anteriormente,
responsáveis pela dominação (patriarcal, racial, sexual) que sustenta um
sistema falho. Os antagonistas em geral são formas diferentes do “poder
sobre”, explicitado na página 38, além de diferentes tipos de poderes de
dominação de recursos materiais, intelectuais ou ideológicos como citados
na página 39.

Ygarth, entretanto, é o antagonista que representa o risco que a sociedade


se coloca ao passo que nos desumanizamos e passamos a não dar valor
às vidas na sociedade que vivemos. O dragão representa o trauma que a
guerra e a perda condena os humanos. Dessa forma, a raça dos dragões, na
minha história, fornece uma visão para ambos os humanos e as bruxas do
preço que pagamos a cada momento que não damos uma chance à paz e
nos entregamos aos horrores da destruição e dominação.

Em Triluna, me afasto da dicotomia entre o “bem” e o “mal”, onde tanto


dragões quanto humanos e bruxas possuem membros com diferentes
visões e planos para sua raça; um exemplo é a mãe de Morgana, que apesar
de ser conhecida pelas novas gerações como um guerreira exemplar, foi
responsável pelo genocídio dos dragões (quase) completamente. Isso
choca Morgana porque ela não compartilha das mesmas ideias extremas
que a mãe, e é assim que ela conclui sua jornada que se inicia como uma
vingança e acaba se tornando uma busca por autoconhecimento e empatia
que idealmente ecoaria na mente do leitor de Triluna.

A história se dá nos dias de hoje em uma São Paulo alternativa: muitas


das estruturas arquitetônicas podem ser assimiladas com a arquitetura da
cidade de São Paulo e regiões próximas.

111
parte v: série

VOLUME I

Esse é o único volume a ser desenhado no lançamento desse projeto.

Na primeira edição da série, Morgana relembra o pacto que fez com


a Deusa quando criança e a missão que lhe foi dada na noite anterior,
durante o seu aniversário de 18 anos. Com somente um papel escrito
“SABRINA: BRECHÓ CHERRY”, Morgana mente para sua tia e vai ao encontro
da primeira garota e a convence a entrar em contato com suas raízes, vendo
sua mãe e as últimas memórias de sua vida antes de ser covardemente
executada. Sabrina, aparentemente muito diferente de sua personalidade
normal e claramente abalada, pede um tempo sozinha para processar as
informações de uma maneira que choca Morgana. Entretanto, mais tarde,
Sabrina se mostra apta a participar dos seus planos e pede desculpas pelo
choque causado, abrindo-se para Morgana. O volume termina com uma
explosão ocorrendo através do vidro do elevador do prédio de Sabrina,
que, para o suspense do leitor, causa os poderes de Morgana a saírem de
controle e consequentemente causam seu desmaio.

112
113
VOLUME Ii

O segundo volume começa com a revelação que a explosão ocorreu


exatamente na parte da cidade em que Eva, tia da Morgana, trabalha –
consequentemente a atingindo e a levando a entrar em um estado de
coma. Isso abala Morgana profundamente, mas, principalmente movida
pela raiva, segue com sua missão. Sabrina convida Morgana a morar com
ela enquanto sua tia não acorda, e ela aceita. Em seguida a Deusa aparece
com um novo nome, Luna, e o nome de uma banda, A Crescente. Morgana
tenta convencer Luna a entrar para o seu grupo e ajudar na missão, mas sua
abordagem fria e técnica não consegue convencer Luna. Isso leva Morgana
a entrar em ainda outra depressão mais forte após a hospitalização de sua
tia, e a leva a praticamente abandonar a missão – e é assim que acaba o
segundo volume.

VOLUME Iii

O segundo volume começa com a revelação que a explosão ocorreu


exatamente na parte da cidade em que Eva, tia da Morgana, trabalha –

114
consequentemente a atingindo e a levando a entrar em um estado de
coma. Isso abala Morgana profundamente, mas, principalmente movida
pela raiva, segue com sua missão. Sabrina convida Morgana a morar com
ela enquanto sua tia não acorda, e ela aceita. Em seguida a Deusa aparece
com um novo nome, Luna, e o nome de uma banda, A Crescente. Morgana
tenta convencer Luna a entrar para o seu grupo e ajudar na missão, mas sua
abordagem fria e técnica não consegue convencer Luna. Isso leva Morgana
a entrar em ainda outra depressão mais forte após a hospitalização de sua
tia, e a leva a praticamente abandonar a missão – e é assim que acaba o
segundo volume.

VOLUME iIi

O terceiro volume começa com Sabrina tomando a liderança na situação


e usando seu carisma e convencimento para convencer Morgana que nem
tudo está perdido, e que muito provavelmente o que fez com que Luna
não entrasse em acordo com sua missão foi a sua estratégia e abordagem.
É somente assim que Morgana tenta se aproximar de Luna novamente,
e dessa vez a convence falando da situação de sua tia e sua motivação
passional para com sua missão. Dessa forma Luna entra em contato com
sua ancestralidade, e em seguida a Deusa reaparece com mais um nome;
Serena, e o nome de uma universidade de medicina. O nariz de Morgana
sangra enquanto ela usa seus poderes, mas ela esconde esse fato. Ao
encontrarem Serena, a veem chorando no telefone falhando a convencer
seus pais de algo que ela quer, e claramente abrindo mão do seu desejo
entre abusos verbais, emocionais e manipulação. Isso enfurece Sabrina e
ela se aproxima de forma agressiva, intimidando e envergonhando Serena,

115
que foge. O volume acaba com as meninas repreendendo Sabrina pela
atitude impensada.

VOLUME IV

O quarto volume se inicia com algo que choca as meninas; Luna se


oferecendo para ir atrás de Serena e a convencer. Ninguém se opõe,
e Luna segue para acalmar Serena através da porta de um banheiro.
Serena, inspirada por Luna, passa a tarde com ela – a ouvindo falar sobre
a importância da rebeldia, a imposição de nossas vontades e também
bruxaria. Serena então admite seus poderes e também se abre chorando
para falar de suas frustrações familiares. Luna a abraça e, entre palavras,
é surpreendida por um beijo de Serena, uma Serena mais em contato com
seus sentimentos e desejos. No dia seguinte, Serena aparece às portas
de Sabrina, se mostrando determinada a ajudar na causa de Morgana.
Entretanto, para o choque das meninas e ao final do volume, mais uma
explosão ocorre e é televisionada positivamente, deixando várias bruxas
feridas, mortas e aprisionadas.

116
VOLUME V

Ao começo da quinta edição, Morgana está visivelmente enfraquecida,


mas furiosa e determinada a vencer agora que ela tem todas as garotas.
A Deusa reaparece com o nome de um Sargento, o Sargento Leal, e o
endereço de sua casa. Usando seus poderes, Morgana e as meninas bolam
uma estratégia para derrotá-lo. Sargento Leal, em combate, foca seu ódio
em Serena e usa um discurso homofóbico que mais tarde é desmascarado
por Morgana. Luna é a garota que derrota Leal e o leva ao julgamento
divino da Deusa, mas sofre os efeitos colaterais de seu poder. Entretanto,
apesar da sua vitória, notícias alegam sua morte como sendo resultado de
um ato terrorista por parte das bruxas, o que leva Morgana a ainda outra
depressão quanto aos seus planos.

VOLUME Vi

Ao buscar Luna da casa de uma bruxa curandeira, Serena percebe


a desmotivação em Morgana e traz sua luz de volta com palavras de
incentivo. A Deusa reaparece com o nome de Fernando Salgado, que mais
tarde revela ter usado seu dinheiro para fundar experimentos cruéis em
bruxas para absorver seus poderes e construir armas químicas, o que
enfurece Sabrina. Sabrina o derrota, mas ao descobrir que sua mãe foi

117
uma das cobaias desses experimentos, seus poderes saem de controle e a
fazem desmaiar. Luna, que já havia se preparado para a batalha, deixou
uma gravação na cena, e por consequência vários canais de notícia
passaram a reportar os crimes hediondos de Fernando Salgado. Morgana
está feliz, mas ao final do volume mostra-se fraca e tosse sangue, o que
choca suas colegas.

VOLUME VII

O sétimo volume começa com as meninas abordando Morgana,


preocupadas com a sua saúde. Entretanto, Morgana é evasiva e pede para
as garotas não perderem o foco da missão em mãos, o que as deixa confusa.
A Deusa então reaparece com um novo nome, o Dr. Zeman, e o nome de
um laboratório. Ao enfrentarem o homem, Morgana se mostra chocada ao
descobrir que ele não tem nenhum motivo além de uma obsessão com os
poderes das bruxas e que ele não passa de um cientista sociopata. Serena,
ao perceber os medos de Dr. Zeman, utiliza seus poderes para derrotá-lo,
mas ao tomar uma vida se sente extremamente aterrorizada e se volta
a suas próprias ilusões. Ao final da edição, Morgana tem uma visão no
escuro de sua mãe, e sente que o fim está próximo. A preocupação das
meninas com a saúde de Morgana reaparece.

118
VOLUME VIII

A oitava edição é voltada para um universo alternativo onde todas as


raças vivem em harmonia e não há guerras, enquanto todas as mães das
meninas estão vivas e convivendo felizes durante o dia do casamento de
Serena e Luna.

VOLUME ix

Nessa penúltima edição, a Deusa reaparece com o nome de um dragão,


Ygarth, e também o nome de uma floresta onde se encontra sua caverna.
O resto da edição se volta à aventura das meninas na floresta enquanto
procuram pelo dragão, e refletem sobre as diferentes coisas, boas e ruins,
que aconteceram em suas vidas desde que elas iniciaram essa missão. No
geral, elas se mostram contentes e felizes com o crescimento espiritual e
pessoal que lhes aconteceram desde que entraram em contato com seus
verdadeiros e respectivos eus.

119
VOLUME X

Na décima e última edição da série, as meninas


se encontram com Ygarth, que começa notando
a semelhanças entre Morgana e sua mãe, Ana.
Dessa forma, Ygarth relembra o massacre de
sua raça e relembra a vida que viviam como
andarilhos do mundo, consequentemente
revelando seus motivos para com o extermínio
de tanto os humanos quanto as bruxas. Morgana
mostra-se chocada com as decisões e estratégias
mórbidas de sua mãe, finalmente não mais a
idealizando e reconhecendo tanto a ela quanto
a mãe como diferentes líderes. Entretanto, Ygarth
recusa qualquer oferta de paz e Morgana se vê
forçada a derrotá-lo em duelo.

A série é concluída com ambos Morgana


e Ygarth entregando-se para o julgamento da
Deusa em alma, deixando seus corpos para trás
e unindo suas sabedorias em outro plano de
existência.

120
121
DESIGN

122
123
parte i: desenho

O desenho, em Triluna, tem suas raízes não somente fortemente ligadas


com a minha arte pessoal, mas também ligada ao trabalho de diversas
artistas igual ou razoavelmente novas no cenário dos quadrinhos, como é
o caso de Leslie Hung, artista de Snotgirl. Outra forma de analisar o desenho
nesse projeto é pela sua singularidade, bebendo de diversas fontes mas
não se atendo nem a um estilo asiático de mangá, nem de um estilo
ocidental de comics, dessa forma podendo ser comparado até mesmo com
a arte de Sana Takeda em Monstress, obra já citada anteriormente.

O traço geralmente é curvilíneo, até mesmo na hora de desenhar linhas


retas, de forma a criar uma organicidade ao desenho que o torna mais
natural, casual e, em certos momentos, agradável. Quando não agradável,
é imprevisível.

Em Triluna, o traço está presente em grande parte do conteúdo das


vinhetas, algumas vezes representando a si mesma (como foi citado na
página 58), como no pavio de uma vela ou nos cabos de um poste, algumas
vezes funcionando como linhas em uma parede ou no nariz para criar
uma certa profundidade e, na maior parte das vezes, atribuindo-se o papel
de contorno de formas, com as únicas excessões sendo a luz do sol e a
fumaça de uma vela de aniversário.

124
125
126
127
128
129
130
131
132
parte ii: arte final

Na hora de arte finalizar, em Triluna, a


expressura variável da linha de contorno teve
um papel muito importante ao longo de todo
o desenho, fornecendo uma modularidade
a profundidade da forma, tanto para os
personagens quanto para o cenário.

O cenário recebe, em geral, um tratamento


mais detalhado quando falamos em arte final;
a linha, aí, também trabalha com texturas e
pequenas imperfeições como rachaduras em
paredes, arranhões em metal, entre outras
alterações feitas com o propósito de trazer uma
semelhança com o mundo real.

133
134
135
136
137
138
139
parte iii:
diagramação e
fluxo de leitura

Para diagramar, inicialmente a lâmina foi


dividida no formato clássico de 3 vinhetas
retangulares por 3 tiras. Esse formato foi
quebrado algumas vezes, mas sempre mantendo
a regra do espaçamento que foi definida: 3cm
de distância entre uma vinheta e outra, sempre.
Esse espaço foi definido para aliviar o peso do
desenho na página e mais tarde também calhou
para a balonagem.

O fluxo de leitura se mantém fiel ao clássico


fluxo ocidental, da esquerda para a direita e de
cima para baixo e o mesmo se aplica à leitura
dos balões de fala.

140
parte iv:
paleta de cores

144
Em Triluna, a paleta de cores foi organizada
de acordo com a sua temperatura, de forma que
quando o plano de fundo fosse razoavelmente
frio, o primeiro plano fosse colorido de forma a ser
razoavelmente quente.

Ou seja, o elemento a ser destacado na vinheta


quase sempre está colorido em outra temperatura
em contraposição com o plano de baixo.

Tons de cinza são misturados para dar uma


neutralidade às cores, além de conformar um
senso de semelhança com o mundo real.

145
parte v:
colorização

Para evitar um plano duro e sem nuances


foi definido de início que a paleta de cores seria
aplicada em diversos tons em certas partes do
desenho. Isso acontece através do pincel a óleo,
para fortalecer ainda mais o conceito que foi
desenvolvido anteriormente na hora de traçar; a
casualidade e organicidade.

Essa escolha foi pontual pois traz um aspecto


mais complexo à lâmina, mas de forma natural
e sempre dialogando com a mensagem a ser
passada, relembrando o que já foi explicitado na
página 62, levando em conta o potencial expressivo
e emocional das cores.

146
147
148
149
150
151
152
153
parte v:
tipografia
e balonagem

DK SUSHI BAR
Para a fala da Deusa
Criada por Hanoded,
disponível em dafont

DK THE CAT WHISKERS Criada por Hanoded,


disponível em dafont
Para falas normais

MOON FLOWER
Para subtítulos
Criada por Denise Bentulan,
disponível em dafont

154
Ao desenvolver a balonagem, me utilizei dos
espaços em branco entre as vinhetas para não
aplicar os balões sobre elementos essenciais do
conteúdo da vinheta - isto é, quando não havia
espaço sobrando.

Dessa forma, acaba-se criando uma


dinamicidade à lâmina tal como a lâmina de Gene
Colan na página 69.

155
parte vi:
projeto gráfico
LOGOTIPO
O mais importante sentimento, que eu queria
trazer para o logotipo da HQ, era a vingança. Após
perceber isso, outras definições apareceram; a
determinação, o erro, a imperfeição, a marca, o
corte, entre outros.

O segundo desafio foi escolher um nome para


a HQ. Minha pesquisa mais bem sucedida, antes
mesmo de iniciar a história, foi quando fui atrás da
história da bruxaria. Para alcançar o logotipo que
eu queria, bastou voltar a essa mesma pesquisa,
porém por um viés visual.

Já me era comum a existência da Deusa Tríplice


pela pesquisa que já tinha feito anteriormente, mas
ao tornar a Deusa um dos grandes pilares que fazem
com que a jornada de Morgana se torne possível,
minha atenção se tornou para a descoberta de um
símbolo representativo dessa mesma Deusa.

156
Acima é uma das diversas formas de estilizar o
símbolo da Deusa Tríplice - a donzela, mãe e anciã.
Foi desse símbolo que me veio a ideia de fazer meu
logotipo sobre a Deusa.

Por último uni minha ideia inicial do sentimento


que queria passar com o símbolo e seu nome
informal; Triluna.

157
A aplicação ideal do
logo é sobre tons frios com
pelo menos 70% de preto.

158
Aplicação do logo ideal
sobre branco, em tons
de cinza (luas) e preto
(lettering).

Aplicação do logo
ideal sobre preto, em tons
de cinza (lua), e branco
(lettering).

159
capa
Foi definido, à princípio, que as capas de todas as edições seriam
inspiradas por esculturas clássicas que tragam o sentimento ou tema que
é explorado em algum momento da edição.

A primeira edição foi representada pela escultura de Michelangelo,


Pietá, que reside a basílica de São Pedro no Vaticano. A escultura mostra
Jesus no colo de sua mãe, a Virgem Maria. Pietá, em português, significa
piedade.

Menos pelo tema original e mais pelo sentimento que a Pietá evoca (de
piedade, compaixão, parceria, o calor da mãe) que decidi utilizá-la para
essa edição - é quando Morgana encontra não somente uma guerreira
para sua causa, mas também uma amiga com quem ela pode confiar.

160
161
162
Nessa linha de raciocínio, a Bela Adormecida
de Louis Sussman seria ideal para a terceira
edição, representando Serena.

163
A capa da quarta edição
seria baseada na escultura
de Psyche com o cupido, de
Antonio Canova, com Serena
e Luna.

164
A capa da décima edição seria baseada
em São Jorge, como nessa estátua da
biblioteca do estado de Victoria em
Melborne, com Morgana e Ygarth.

165
166
formato
O formato escolhido foi de 31cm x 29,1cm,
maior do que encontramos no mercado popular
de quadrinhos, mas próximo de algumas obras
independentes - o caso de Triluna.

Um formato maior do que o normal foi escolhido


para não diminuir muito a qualidade do desenho
e pintura original, que foram feitos no clássico
formato A3.

A impressão da capa será feita no couchê fosco


laminado de 300g enquanto o miolo será feito no
alta alvura de 120g.

167
considerações
FInais

Escrever essa parte é muito estranho pra mim, porque significa que eu
estou realmente concluindo o projeto, coisa que eu sinto que estou longe
de fazer. Mas isso não é ruim; muito pelo contrário. Para explicar melhor,
eu sinto que esse projeto é uma parte de algo muito maior na minha vida
profissional. E por quê?

Eu sinto isso porque eu tive o prazer de ter sido acompanhada ao longo


desse processo que é o TCC por pessoas que de fato trouxeram o melhor
de mim e me ajudaram a canalizar minhas energias em fazer algo que eu
acredito, algo que eu posso levar para o resto da vida caso esse seja meu
desejo.

Não significa que eu não tive momentos ruins, momentos que eu


simplesmente quis desistir ou noites mal dormidas. Inclusive, da última
tive várias. Mas significa que eu alcancei o objetivo que eu invisionei
um ano atrás; estar satisfeita com o que eu estou entregando. É seguro

168
afirmar, e muitas pessoas que me conhecem vão concordar, que eu nunca
entregaria algo que eu me envolveria tanto quanto no nível de Triluna
simplesmente por entregar. Eu sempre tenho que fazer o melhor possível.

Eu tenho aqui professores que me viram cair e mesmo assim me


ajudaram a levantar e seguir em frente. Professores que me ensinaram
muito mais do que o conteúdo escrito no título das suas matérias na grade
(será que eles sabem?). Eu tenho professores que me proporcionaram
experiências que vão valer muito mais na minha vida do que eles
imaginam.

Eu tenho amigos que me aguentaram por quase um ano inteiro saindo


e falando só de TCC. Meus amigos de coração enorme que me deram
centenas de inspirações para o meu projeto, desde tema até o roteiro.
Amigos (e motoristas de uber) que me aguentaram chorando dentro de
carros pensando nesse projeto. Tenho amigos que fiz pela faculdade que
me mostraram um suporte imenso nos meus momentos mais frágeis,
porque não tem nada que uma conversa emocional com um par de
hambúrgueres não resolva.

Eu tenho uma família de pessoas talentosas que se ofereceram pra


me ajudar do que pudessem, e quando não tinham como me ajudar,
ofereceram a pequena mudança de rotina que sempre alimentam a minha
motivação - tomar um chá, comer um bolo, dar uma volta.

Mas acho que a mais importante coisa que eu levei comigo esse semestre
foi a vontade de produzir algo que eu me orgulho, algo que signifique algo
pra mim, e principalmente algo que orgulharia a Cláudia de 10 anos que
alimentava um fascínio com personagens que eram mulheres.

169
referências

ALAMBERT, Zuleika. A Mulher na História: A História da Mulher. Brasília:


Fundação Astrojildo Pereira/FAP; Abaré. 2004.

ANDRAE, Thomas. Carl Barks and the Disney Comic Book: Unmasking the
Myth of Modernity. Mississippi, University Press of Mississippi. 2006.

BARBIERI, Daniele. A linguagem dos Quadrinhos. São Paulo, Peirópolis.


2017.

BATLIWALA, Srilatha. The meaning of women’s empowerment: new concepts


from action. In. G. Sen, A. Germain & L. C. Chen (eds.), Population policies
reconsidered: health, empowerment and rights, pp. 127-138. Boston,
Harvard University Press. 1994.

BURTON, Mark; KAGAN, Carolyn. Rethinking empowerment: shared action


against powerlessness in Psychology and Society: Radical Theory and
Practice London: Pluto Press. 1996.

BRASIL, Presidência da República. Secretaria Especial de Políticas


para as Mulheres. Anais da Conferência-Brasília: Secretaria Especial de
Políticas para as Mulheres, Brasília. 2004.

COSTA, Ana Alice. “Gênero, Poder e Empoderamento de Mulheres”.


Disponível em: https://pactoglobalcreapr.files.wordpress.com/2012/02/5-
empoderamento-ana-alice.pdf. 2000.

CROWDFUNDING: O QUE É E COMO FUNCIONA O FINANCIAMENTO COLETIVO.


Disponível em: <https://quickbooks.intuit.com/br/blog/empreendedorismo/
crowdfunding-o-que-e-como-funciona-financiamento-coletivo/> Acesso
em: 3 maio. 2018.

170
DALY, Mary. Gyn/Ecology: The MetaEthics of Radical Feminism. Boston,
Beacon. 1978.

DANIELS, Les. Wonder Woman: The Complete History. Washington, DC


Comics. 2000.

EISNER, Will. Quadrinhos e Arte Sequencial. 3a ed. São Paulo, Martins


Fontes. 1999.

FEDERICI, Silvia. Calibã e a Bruxa. São Paulo, Elefante. 2017.

FIGUEIREDO, L. Mulheres nas Minas Gerais. In História das Mulheres no


Brasil, 6ª ed. SP.: Contexto, 2002.

FERBER, Lawrence. “Queering the Comics” The Advocate. 2006. Disponível


em <https://www.advocate.com/politics/commentary/2006/07/03/queering-
comics.> Acesso em: 16 mar. 2018.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17ª. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1987.

HICKEY, Walt. “Comic Books Are Still Made By Men, For Men And About Men”.
Disponível em: <https://fivethirtyeight.com/features/women-in-comic-
books/#fn-2> Acesso em 3 maio. 2018.

KABEER, Naila. “Resources, Agency, Achievements: Reflections on the


measurement of women’s empowerment”. Development and Change, Vol.
30, no. 3, pp.435-465. 1999.

KABEER, Naila. “Gender equality and women’s empowerment: a critical


analysis of the Third Millennium Development Goals”. Gender and
Development, 13.1, Março.

LAMB, Marguerite. Who was Wonder Woman? Boston, Boston University


Alumni Magazine. 2007. Disponível em < https://web.archive.org/
web/20071208045132/http://www.bu.edu/alumni/bostonia/2001/fall/
wonderwoman/> Acesso em: 16 mar. 2018.

LARNER, Christina. Witchcraft and Religion: The Politics of Popular Belief.

171
Oxford, Basil Blackwell. 1983.

LEÓN, Magdalena de. “El empoderamiento de las mujeres: Encuentro del


primer y tercer mundos em los estúdios de género”. La Ventana, no. 13,
pp.94-106. 2001.

LEPORE, Jill. The Secret History of Wonder Woman. New York, Vintage books.
2014.

MACEDO, José Rivair. A mulher na Idade Média. 5a ed. São Paulo, Contexto.
2002.

MACFARLANE, Alan. Origins of English Individualism: The Family, Property


and Social Transition. Oxford, Basil Blackwell. 1978.

MADRID, Mike. The Supergirls: Fashion, Feminism, Fantasy, and the history
of Comic Book Heroines. Exterminating Angel Press, USA. 2009.

MANS, Matheus. Quadrinhos encontram apoio na internet. Estadão, 2017.


Disponível em: <http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,quadrinhos-
encontram-apoio-na-internet,70001852192> Acesso em: 3 maio. 2018.

MCCLOUD, Scott. Desvendando os Quadrinhos. São Paulo, Makron Books.


2004.

MOLYNEUX, Maxine. Change and Continuity in Social Protection in Latin


America: Mothers at the Service of the State?. Gender and Development
Paper, no 1. Geneva, UNRISD. 2007.

OLIVEIRA, Rosiska D. de. Elogio da Diferença: O feminino emergente. 3a ed.


São Paulo, Brasiliense. 1999.

PRIORE, Mary Del. Mulheres no Brasil Colonial. 2a ed. São Paulo, Contexto.
2003.

RICHARD, Olive. Our Women Are Our Future. New York, Family Circle. 1942.
Disponível em:< https://web.archive.org/web/20060727002702/http://www.
wonderwoman-online.com/articles/fc-marston.html> Acesso em: 16 mar.
2018.

172
ROCHA-COUTINHO, Maria Lucia. Tecendo por trás dos panos: a mulher
Brasileira nas relações familiares. Rio de Janeiro, Rocco. 1994.

ROSEN, Barbara. Witchcraft in England, 1558-1618. Amherst, University of


Pennsylvania Press. 1969.

Sabrina the Teenage Witch, disponível em: < http://www.toonopedia.


com/sabrina.htm> Acesso em: 15 jan. 2018.

SANTOS, Luciano dos. As Identidades Culturais: Proposições Conceituais e


Teóricas. Revista Rascunhos Culturais, Coxim/MS, v.2, n. 4, p. 141 – 157, jul/
dez. 2011.

SAFFIOTI, Heleieth I. B. Gênero, Patriarcado, Violência. São Paulo, Fundação


Perseu Abramo. 2004.

_________, Heleieth I. B.; MUNOZ-VARGAS, Monica (org.). Mulher Brasileira é


Assim. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos: NIPAS; Brasília, D.F.: UNICEF. 1994.

SARDENBERG, Cecília M. B. “Conceituando Empoderamento na Perspectiva


Feminista”. In: I Seminário Internacional: Trilhas de Empoderamento
de Mulheres – Projeto TEMPO – NEIM/UFBA, 2006, Salvador, BA (on-
line). Disponível: https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/6848/1/
Conceituando%20Empoderamento%20na%20Perspectiva%20Feminista.
pdf. Acesso em 05/01/2018.

SEIXAS, Ana Maria Ramos. Sexualidade Feminina: História, cultura, família-


personalidade e psicodrama. São Paulo, SENAC. 1998.

SEN, Guita and GROWN, Caren. Development, crisis, and alternate visions:
Third World Women’s Perspectives. DAWN. 1987.

SOIHET, Raquel. Mulheres Pobres e Violência no Brasil Urbano. In: História


das Mulheres no Brasil. 6ª ed. São Paulo, Contexto. 2002.

_______, Raquel; SOARES, Rosana M. A.; COSTA, Suely Gomes. A História


das Mulheres. Cultura e Poder das Mulheres: Ensaio de Historiografia. In:
GÊNERO. Revista do Núcleo Transdiciplinar de Estudos de Gênero - NUTEG
V.2-N. 1. Niterói: EdUFF, 2000, p. 7-30.

173
STROMQUIST, Nelly P. “Education as a means for empowering women”. In
J. Parpart, S. Rai & K. Staudt (eds), Rethinking empowerment: gender and
development in a global/local world. London: Routledge, pp.22-38. 2002.

TELES, Maria Amélia de A.; MELO, Mônica de. O Que é a Violência contra a
Mulher. São Paulo, Brasiliense. 2002.

THOMAS, Roy. Foreword in Doom Patrol Archives. Vol. 2. Washington, DC


Comics. 2004.

THOMAS, Keith. Religion and the Decline of Magic. New York, Charles
Scribner’s Sons. 1971.

TRINA, Robbins. From Girls to Grrrlz: A History of Women’s Comics from


Teens to Zines. San Francisco, Chronicle Books. 1999.

USLAN, Michael. Batman in the Fifties: Introduction. Washington, DC


Comics. 2002.

VERGUEIRO, Waldomiro. Panorama das histórias em quadrinhos no Brasil.


São Paulo, Peirópolis. 2017.

VERGUEIRO, Waldomiro; MUTARELLI, Lucimar Ribeiro. Forging a sustainable


comics industry: a case study on graphic novels as a viable format for
developing countries, based on the work of a brazilian artist. International
Journal of Comic Art, v. 4, n. 2, p. 157-167, Fall 2002.

WILSON, Stephen. The Magical Universe: Everyday Ritual and Magic in Pre-
Modern Europe. London e New York, Hambledon. 2000.

WRIGHT, Bradford W.. Comic Book Nation: the transformation of youth


culture in America. Baltimore, John Hopkins University Press. 2001.

ZEMAN, Scott C.; AMUNDSON, Michael A. Atomic Culture: How We Learned


to Stop Worrying and Love the Bomb. Boulder, Colorado; University Press of
Colorado. 2004.

174
175
176

You might also like