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PreviNE

Segundo Serviço Regional de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos


Boletim Informativo de Prevenção de Acidentes Aeronáuticos da Região Nordeste
Ano 6 - Edição nº 28 Agosto de 2018
A Cultura Organizacional e suas implicações na Segurança de Voo

Ao longo da história da aviação o tema Fatores Humanos vem se destacando de forma crescente
como importante questão para a segurança operacional pela sua expressiva participação como fator
contribuinte nos acidentes aéreos ao redor do mundo. No Brasil, as estatísticas apontam que 70% a 80%
dos fatores contribuintes em acidentes aéreos se relacionam com os Fatores Humanos (PAOLI et al.,
2007).

Para a ICAO (2003), o conceito de fator humano refere-se ao estudo das capacidades e das
limitações humanas oferecidas pelo local de trabalho. Ou seja, é o estudo da interação humana em suas
situações de trabalho e de vida: entre as pessoas e as máquinas e equipamentos utilizados, os
procedimentos escritos e verbais, as regras que devem ser seguidas, as condições ambientais ao seu
redor e as interações com as outras pessoas.

Ainda segundo a ICAO, o elemento humano é “a parte mais flexível, adaptável e valiosa dentro do
sistema aeronáutico, mas é também a que está mais vulnerável às influências externas que poderão vir a
afetar negativamente o seu desempenho” (ICAO, 2003, p.1-1). São justamente a flexibilidade, a
adaptabilidade e a vulnerabilidade em relação às influências externas que, enquanto características
inerentemente humanas, nos conduzem a refletir acerca de outro conceito indispensável à segurança
operacional: A Cultura Organizacional.

Figura 1 – O elemento humano na atividade aérea


Vale salientar que a evolução de paradigmas acerca do elemento humano na aviação
caracterizada pelo evidente movimento do foco que antes estava sob o indivíduo e foi não deslocado, mas
sim ampliado para o grupo e para a organização onde este está inserido, fez emergir importantes questões
que relacionam os fatores humanos à cultura organizacional e aos efeitos desta sobre as suas
capacidades e limitações.

Partindo de uma definição geral a cultura compreende os conhecimentos, as crenças, a arte, a


moral, as leis, os costumes ou outras capacidades ou hábitos adquiridos pelo ser humano como ser social
(ZANELLI, 2014, p. 492). A cultura no campo da psicologia organizacional e do trabalho constitui um
conjunto de significados compartilhados que, por sua vez, influencia pensamentos, sentimentos e,
sobretudo, comportamentos dos membros de uma comunidade organizacional (FERREIRA; ASSMAR,
2011; FREITAS, 2007 apud ZANELLI, 2014).

Prevenção, Investigação, Cuidar da Aviação é a nossa obrigação!!!


SERIPA II 1
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Boletim Informativo de Prevenção de Acidentes Aeronáuticos da Região Nordeste
Ano 6 - Edição nº 28 Agosto de 2018

As estatísticas brasileiras divulgadas pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes


Aeronáuticos – CENIPA, revelam que no período compreendido entre os anos de 2008 a 2017 a
contribuição dos fatores humanos nos acidentes aéreos coloca a cultura organizacional em posição
de destaque junto aos fatores processo decisório e atitude. A atitude é definida na MCA 3-6/2017
como ações ou omissões na forma de pensar, sentir e reagir, enquanto que o processo decisório é
definido no mesmo documento como capacidade para perceber, analisar, escolher alternativas e agir
adequadamente.

Desta forma, se entendemos que a atitude humana e seus critérios de análise, julgamento,
ação e reação são não apenas influenciados, mas também constituídos, forjados e originados nos
contextos ambientais, organizacionais e culturais a que o sujeito está submetido, podemos inferir que
a atitude e o processo decisório estão intimamente relacionados à cultura organizacional em sua
gênese e em seus desdobramentos.

No contexto da aviação, tendo como foco a segurança operacional, Reason (1998) destaca que a
cultura organizacional se revela através da forma como a organização lida com as falhas de segurança
identificadas. A ICAO em sua circular número 10 que trata dos Fatores Humanos (COELHO; MAGALHÃES,
2001) define cultura de segurança:

Conjunto de crenças, normas, atitudes, funções e práticas sociais e técnicas que visam
reduzir ao mínimo a exposição de empregados, diretores, clientes e membros do
público em geral a condições avaliadas como perigosas ou de risco (p. 43).

Dados divulgados pelo CENIPA comprovam a contribuição da cultura organizacional nos acidentes
aeronáuticos brasileiros ao longo dos últimos 10 anos, conforme figura abaixo.

Figura 2 – Gráfico da contribuição da cultura organizacional nos acidentes

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Reason (2000) define a cultura de segurança de uma organização como:

O produto de valores individuais e de grupo, atitudes, competências e padrões de


comportamento que determinam o comprometimento para o estilo e proficiência
de um programa de saúde e segurança da organização (REASON, 2000, p. 194).

Para Reason (1998), as organizações funcionam como organismos que se adaptam de forma
adequada ou não dentro de um contexto e evoluem gradualmente em resposta às condições do ambiente,
aos acontecimentos, ao tipo de gestão e à forma como as pessoas se posicionam em relação à
organização e os valores nela compartilhados.

O mesmo autor ressalta que os valores compartilhados correspondem ao que é realmente


importante para a organização e estes estão diretamente relacionados às crenças que se traduzem na
forma como as pessoas entendem que as coisas funcionam. Valores e crenças juntos produzem normas e
padrões comportamentais que Reason (1998) traduz como “a forma como as pessoas fazem as coisas”
em uma organização.

Assim, em uma cultura de segurança adequada, as pessoas sabem exatamente quais são os
comportamentos aceitáveis ou inaceitáveis, seguros ou não seguros. Pois, uma cultura organizacional
deficiente no aspecto da segurança cria e sustenta lacunas nas defesas através das quais passa a
trajetória de um acidente.

Diante dos aspectos aqui discutidos e sem a pretensão de esgotar as discussões sobre o tema,
evidenciamos a necessidade de ações preventivas e mitigadoras de risco voltadas aos aspectos
organizacionais, visto que estes se revelaram determinantes na atitude humana e nos seus critérios de
análise, julgamento, ação e reação na busca incessante de uma aviação segura.

Referências:

COELHO, E. C.; MAGALHÃES F. G. A influência dos aspectos psicológicos na segurança de voo.


In: PEREIRA, M. C. e RIBEIRO, S. L. O. (Orgs.) Os voos da psicologia no Brasil: estudos e práticas na
aviação. Rio de Janeiro: NUICAF, DAC, 2001. P. 39-46
INTERNACIONAL CIVIL AVIATION ORGANIZATION. Safety Management Manual. 3ª Edição.
Canadá/Montreal. 2013.
PAOLI, E. T et al. Investigação de acidentes aeronáuticos: contribuições para segurança de voo.
2007. 101 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização) – Instituto Tecnológico de Aeronáutica,
São José dos Campos, 2007.
REASON, J. Achieving a Safe Culture: Theory and Practice. Work & Stress, 12(3), pp. 293-306.
Manchester: University of Manchester.
REASON, J. Managing the risks of organizational accidents. Aldershot: Ashgate, 2000.
ZANELLI, J. C.; BORGE-ANDRADE, J. E; BASTOS, A. V. B. (Org.). Psicologia, Organizações e
Trabalho no Brasil. Porto Alegre: Artmed, 2004.

Figuras:

Air France Flight Attendant, 2016 . Disponível em :<https://clarionproject.org/air-france-wants-


stewardesses-wear-hijab-iran-16/>. Acesso em: 30 ago. 2018.

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SERIPA II 3

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