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Abmael Furtado Oliveira

André Carneiro: A máquina de Hyerónimus (conto) e a literatura de Ficção Científica


no Brasil

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Técnico Celielson de Aguiar Brito
Chefe Pro Tempore do DACL
Portaria nº 144/2018/GR/UNIR, de 28/02/18

Banca Examinadora

___________________________________________________________________
Orientador: Prof. Dr. Edinaldo Flauzino de Matos (DACL - UNIR)

___________________________________________________________________
Membro: Profa. Ma. Janine Félix da Silva (DACL - UNIR)

______________________________________________________________________
Membro: Prof. Me. João Elói de Melo (DACA - UNIR)

Guajará-Mirim
2018
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“Quando faço qualquer arte, jamais penso nas outras; mergulho na criação como se somente
fizesse aquilo toda a vida. Por isso não consigo colocar níveis, dizer o que foi, ou o que é mais
importante para mim. Sei que viver é o mais importante”

(André Carneiro)
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André Carneiro: A máquina de Hyerónimus (conto) e a literatura de Ficção Científica


no Brasil1

Abmael Furtado Oliveira2

Resumo: No presente artigo objetiva-se analisar a temática sobre literatura de Ficção Científica
brasileira sob a compreensão conceitual teórica e ficcional estabelecida no conto “A Máquina
de Hyerónimus” de André Carneiro, da coletânea A Máquina de Hyerónimus e outras
histórias (1997). O estudo desenvolveu-se mediante pesquisa bibliográfica sobre a teoria da
literatura de Ficção Científica em conjunto à análise do conto proposto comparável aos
elementos essenciais de análises da narrativa. O artigo compõe-se de uma espécie de resenha
crítica, no que se refere à literatura de Ficção Científica (teórica), na qual valemo-nos do aporte
teórico, uma vez que ponderamos os pressupostos analíticos do ensaio crítico do próprio escritor
em pesquisa. Também, há um breve histórico biográfico e analítico sobre a vida e obra do autor
e a análise interpretativa do conto em proposição de leitura. Disto, conclui-se que estudar tema
“literatura de Ficção Científica” e avaliar o assunto por meio do conto de André Carneiro, sob
a perspectiva do próprio autor, possivelmente contribuirá para divulgação de estudos literários
sobre o tema.

Palavras-Chave: Carneiro. Hyerónimus. Ficção científica. Literatura.

1 Introdução:

No presente artigo, busca-se analisar os conhecimentos da literatura de Ficção Científica


brasileira no conto “A máquina de Hyerónimus”, da coletânea A Máquina de Hyerónimus e
outras histórias, do autor André Carneiro. Dessa maneira, tem-se como objetivo principal
identificar a presença da literatura desse assunto produzido no Brasil e o espaço que ocupa nos
textos literários ao modo de André Carneiro. Também buscamos inter-relacionar o assunto aos
elementos teóricos sobre Ficção Científica do teórico e ficcionista em proposta de estudo. Por
outro lado, tem-se como objetivos secundários inter-relacionar a análise do conto aos elementos
essenciais da narrativa ponderando a teoria da narrativa.
A pesquisa e análise do tema que avalia o conto “A Máquina de Hyerónimus”
inter-relacionado à literatura e a Ficção Científica em André Carneiro” justifica-se por
contemplar um dos eixos temáticos de formação do curso de Letras: Área de Teoria da

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TCC (artigo) apresentado ao DACL do curso de Letras do Câmpus da Unir de Guajará-Mirim como requisito
parcial para obtenção de título de Licenciatura em Letras Português e respectivas Literaturas sob a orientação
do prof. Dr. Edinaldo Flauzino de Matos.
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Acadêmico do Curso de Letras Português e respectivas Literaturas da turma 2014, do Câmpus de Guajará-
Mirim – Unir.
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Literatura e Literaturas de Língua Portuguesa, considerando também a escassez de


trabalhos analíticos (TCC) em assuntos relacionados à literatura de Ficção Científica no
Câmpus da Universidade Federal de Rondônia de Guajará-Mirim. Nesse sentido, o presente
trabalho, possivelmente, contribuirá aos futuros alunos de letras deste câmpus, pois servirá de
fonte de pesquisa para os graduandos e interessados em literatura voltada para o tema.
O referencial teórico para o desenvolvimento deste trabalho será constituído de material
ficcional, considerando a coletânea A máquina de Hyerónimus e outras histórias (1997), e
produção teórica sobre teoria de literatura de Ficção Científica, ambos os materiais analíticos
(ficcional e teórico) advêm do pensamento do próprio autor em estudo. Ainda, considerando
que o artista brasileiro André Carneiro (1922 - 2014), reconhecido internacionalmente por seus
diversos talentos, divulgamos que, o autor em proposta de pesquisa, recebeu uma generosa
homenagem em “memória” dos seus múltiplos trabalhos realizados, compartilhando de um
inestimável tesouro cultural para as futuras gerações. Diante disso, a editora CLFC – Clube de
Leitores de Ficção Científica –, junto com Ricardo Guilherme dos Santos, publicam o
SOMNIUM N° 111 (publicação anual de uma personalidade que se destaca na Ficção
Científica ou literatura fantástica brasileira), em março de 2015, na qual apresenta textos que
apresentam múltiplas inferências sobre o autor e seus trabalhos literários, com ênfase em sua
atuação como escritor desse tipo de literatura. Na referida homenagem, encontramos a extensa
e valiosa lista de publicações de André, incluindo, resenhas de algumas de suas obras, textos de
opinião e artigos diversos, além de entrevistas e textos do próprio autor homenageado (inclusive
uma noveleta inédita). São 140 páginas (no formato PDF), cada uma delas feitas com apreço,
gratidão, respeito e admiração, de seus leitores, por seu trabalho.
No que se refere aos elementos essenciais da narrativa, a análise será inter-relacionada
aos pressupostos teóricos de Yves Reuter em o livro: A Análise da Narrativa (2007),
no qual o autor discute os níveis de análise em conjunto as ações, a intriga, as sequências. O
estudioso também faz uma distinção da hierarquização das personagens, dos modos e funções
de análises do espaço, tempo e as instâncias narrativas.
O método de análise e fichamento de dados para o desenvolvimento desse projeto
ocorreu em forma de pesquisa que será desenvolvida em um estudo bibliográfico (análise)
estrutural e interpretativa, na qual os referenciais teóricos ajudarão a esclarecer o tema
proposto.
O trabalho encontra-se dividido nas seguintes partes:
a) A teoria científica sob perspectiva de André Carneiro;
b) Um breve histórico e homenagem sobre a vida e obra de André Carneiro;
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c) Uma breve resenha da coletânea: A máquina de Hyerónimus e outras histórias;


d) Análise dos elementos essenciais da narrativa no conto: “A máquina de Hyerônimus” de
André Carneiro.

2 A teoria científica sob perspectiva de André Carneiro

Silva3 em resenha sobre o livro Introdução ao estudo da science-fiction (1968) ressalta


que a publicação desse ensaio tem sido um dos mais procurados livros editorais desde o final
da década de 60. Isso, no que se refere à teoria sobre os gêneros fantásticos no Brasil, pois
apesar de títulos de textos voltados à ficção científica terem sido publicados ao longo do tempo,
sua presença nas livrarias foi breve, considerando a dificuldade de encontrar material teórico
acerca do tema, uma vez que, quando se encontra, normalmente o preço é muito alto.
Silva ainda observa que a carência por literatura científica foi atendida, ao longo das
décadas 80 e 90, principalmente, pela atividade crítica dos muitos fanzines4, ou seja,
publicações de ‘amadores’ que surgiram nesse período. Essa atividade, porém, era pouco
confiável, pois os textos não eram submetidos a um estudo minucioso, noutras palavras, não
eram revisados, pois o objetivo primordial era apenas o entretenimento dos próprios fãs. Vale
ressaltar que esses leitores – fãs – nem sempre estavam interessados no rigor do estudo teórico
científico. Entretanto, Carneiro observa que a perspectiva teórica só foi mantida nos trabalhos
dos críticos-fãs (pode-se exemplificar o próprio André Carneiro que, além de teórico, também
é escritor/leitor/fã de ficção científica). Disso advém o caráter diletante da atividade, pois era
sabido por todos que se os fãs não fizessem sua própria crítica, ninguém a faria em seu lugar.
Assim, quando houve o cancelamento da maior parte dos fanzines, no início do século,
a prática da crítica ganhou apreço dos livros. Nesse sentido, atende aos aspectos meramente
teóricos e científicos geralmente adquirido por meio de trabalhos universitários voltados para
graduação. Aos poucos, o aspecto acadêmico reaproximou a crítica dos atuais estudiosos de
ficção científica no Brasil em detrimento do que ocorria nos anos 60 e 70. É interessante
observar que o livro em destaque pode ser considerado um dos mais importantes ensaios da
história da crítica de ficção científica no Brasil.

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SILVA, Cesar. Introdução ao estudo da Science fiction. Disponível em:
<http://almanaqueafb.blogspot.com.br>. Acesso em: 04 mar. 2018.
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É uma publicação não profissional e não oficial, produzido por entusiastas de uma cultura particular fenômeno
(como de um gênero literário ou musical) para o prazer de outros que compartilham seu interesse.
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O volume está dividido em cinco capítulos. Sendo que na “Introdução”, Carneiro busca
definir o gênero, não sem alguma dificuldade, como todos que já o tentaram. Compara a ficção
científica à poesia (outro formato literário no qual Carneiro é fluente) e ressalta a
interdependência da ficção literária ao gênero e à ciência. Nessa conjuntura, Carneiro propõe
uma inversão, pois, salienta que a ficção tem que ser um pouco científica, enquanto que a
ciência tem que ser um pouco ficcional. O estudioso também pondera sobre os preconceitos ao
gênero, como um todo, normalmente dirigidos a certo tipo de ficção científica que de fato existe
e que, muitos afirmam ser dominante. Contudo, para carneiro, não passa de ficção científica de
má qualidade, a qual o estudioso ousou nomear de space opera.
Na opinião do crítico, a space opera é a ficção científica de objetivo comercial, ou seja,
produzida com objetivo de atender à necessidade de mercado (consumo). Sendo assim, esse
tipo de ficção não apresenta qualidade literária, no sentido de alcançar estilo e conteúdo.
Atualmente, esse termo é usado para designar um tipo específico de fantasia tecnológica, não
necessariamente, vazia de conteúdo, embora ainda seja o mote preferido dos autores que não
querem se comprometer para além dos resultados mercadológicos.
Carneiro também observa que a ficção científica de má qualidade se encontra aos
montes em todos os subgêneros, considerando que não há nenhum deles que esteja imune a
falta de talento, pois, segundo o estudioso, há muito já se tentou criar outros termos para
designar a ficção científica ruim e, por algum tempo, optou-se por usar o termo anglófono sci-
fi, mas o referido termo também pressupõe um tom pejorativo e preconceituoso, uma vez que
se refere a ficção científica praticada fora da literatura (cinema, tv, quadrinhos, teatro, etc), que
tem seus próprios padrões de qualidade. Então, uma definição sumária advinda do próprio
André Carneiro que, sem meias palavras, propõe o que considera o melhor termo para se referir
à ficção científica ruim: “o puro e simples lixo”.
No segundo capítulo, “Das raízes à s.f. atual”, o autor faz um levantamento histórico do
gênero, com exemplos de proto-fc, apresenta os fundadores do romance fantástico
(principalmente da literatura gótica) e os primeiros autores que deram formato ao gênero.
Carneiro não se furta em criticar a qualidade dos textos de Júlio Verne, em contraposição aos
de H. G. Wells, que considera muito superior, finalizando com a evolução do pulp nos EUA e
o desenvolvimento das revistas de ficção científica e fantasia, responsáveis pelo crescimento e
popularização do gênero.
O crítico também apresenta um arranjo cronológico sobre as raízes pré-históricas do
gênero desde a antiguidade. Desse modo, destaca os romances de utopia que fazem parte da
ficção científica desde Platão. Esses romances se destacam pela resistência apresentada como
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um meio de expor ideias e teorias, conforme entrecho: “É verdade que não é fácil a um romance
levar a sua tese a uma excessiva evidencia sem sufocar o interêsse humano ou a comunicação
dramática com o leitor” (CARNEIRO, 1968, p. 31).
O terceiro capítulo, “A ciência na vida contemporânea”, o estudioso avalia o impacto
dos avanços da ciência no cotidiano e o reflexo desse fenômeno na ficção fantástica moderna.
Carneiro divide o capítulo em subtópicos: “A moderna ficção científica”, em nove
subcategorias, comentadas e exemplificadas individualmente com a citação de diversos
exemplos em resenhas curtas. O autor demonstra no referido capítulo o quanto esse tipo de
ficção implica num leitor voraz e heterogêneo. O estudioso cita leituras tanto de livros de outros
autores brasileiros como de estrangeiros, traduzidos ou não do inglês, francês e outras línguas.
Ou seja, um verdadeiro guia de leitura que aponta muitos dos mais expressivos títulos do
gênero. Pode-se dizer que o crítico o valoriza o trabalho da Editora GRD, pois, entre suas
citações, constam praticamente todos os livros publicados pela editora até aquela data.
Também, nesse capítulo, há um destaque para os seguintes gêneros: o conto, a novela e
o romance, considerados pelo crítico como um pano de fundo para criação artística, pois
traduzem atualmente as inquietações do ser humano referente as divergências sociais, o meio
pelo qual os homens comunicam suas dúvidas, certezas e esperanças. Desse modo, define que
são “Estórias que fazem esboçar um sorriso, ou escalpêlo que penetra, mensagens de futuros ou
para o futuro, reminiscências de passados nostálgicos [...]” (CARNEIRO, 1968, p. 47). Ainda,
nesse capítulo, Carneiro destaca os pensadores e os cientistas do século dezenove como
responsáveis pelo desajuste entre a sociologia, a moral e a filosofia de hoje, cuja correntes de
pensamentos ainda não se ajustaram a época da cibernética, da parapsicologia e da conquista
espacial.
No quarto capítulo, o estudioso apresenta os temas principais e constantes situações
típicas do gênero: a) Guerra nuclear; b) Viagens espaciais; c) A Terra sendo invadida por outros
seres espaciais; d) Temas parapsicológicos; e) Mutantes; f) Robots e andróides; g) Viagem no
tempo; h) Temor a um mundo mecânico; i) O homem, as religiões e as filosofias sendo
confrontados por seres de outros planetas no futuro.
No quinto capítulo, “Valor e expansão da ficção científica”, Carneiro destaca a ficção
científica não-literária, mais uma vez, por meio de minuciosos exemplos, nos quais avulta a
presença do gênero no cinema, considerado como o melhor veículo para a expansão da ficção
científica depois da literatura. Nesse capitulo, é apresentado uma relação em conjunto a uma
lista de títulos que contempla unanimidades e raridades pouco lembradas. O crítico também
reserva uma parte desse capítulo, exclusivamente, à ficção científica no Brasil, na qual se detém,
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especialmente, na análise detalhada de O presidente negro de Monteiro Lobato. Mas também


registra livros de Orígenes Lessa, Jerônimo Monteiro, Menotti Del Picchia, Afonso Schmidt,
Dinah Silveira de Queiróz, Fausto Cunha, Rubens Teixeira Scavone, Guido Wilmar Sassy,
Levy Menezes, entre outros, além de uma grande relação de críticos que dedicaram atenção ao
gênero. Vale ressaltar que é uma lista que merece ser pesquisada pois guarda ensaios
desconhecidos pelos leitores de hoje.
Em suma, Carneiro é, sem sombra de dúvida, o mais importante nome da ficção
científica no Brasil, tendo assinado alguns dos trabalhos mais expressivos da bibliografia
nacional, como os contos “A escuridão” (Diário da vave perdida, Edart, 1963) e “A espingarda”
(O homem que adivinhava, Edart, 1966), além do excelente romance Piscina Livre (Editora
Moderna, 1980). Além de escritor talentoso, André Carneiro, foi um verdadeiro visionário.
Introdução ao estudo da “science fiction” foi o primeiro estudo sério em língua portuguesa
sobre a ficção científica, abrangendo o gênero de forma ampla, no seu aspecto nacional e
internacional. O que se observa na leitura de Introdução ao estudo da “Science Fiction” é como
as opiniões de Carneiro são perfeitamente atuais, mesmo considerando que sua publicação está
há mais de 40 anos no passado. São opiniões corajosas e contundentes, sem deixar de ser
elegantes e apoiadas em posturas muito claras e objetivas. Sendo assim, pode-se ponderar que
é leitura obrigatória a todos os interessados em Ficção Científica.
Carneiro avalia a ficção científica como algo ilusório, no qual a palavra designa uma
classificação complexa, para que se consiga condensar os diversos e discordantes caminhos em
que se pode chegar. Para Pierre Versins, Ficção Científica está ligado a “Literaturas
Conjecturais”; Jacques Bergier associa a “Literaturas Diferentes”; Damon Knight intitulou
“Ficção Especulativa”; e o crítico brasileiro Fausto Cunha de “Néo-Gótico”. Dentre essas
categorias, não houve nenhuma que conseguiu ser generalizada publicamente. Segundo o autor,
“Ciência é a forma de pesquisa e conhecimento que exige raciocínio preciso, dados exatos, onde
a especulação sem base é praticamente impossível. Ficção é criada pela imaginação [...]”
(CANEIRO, 1968, p. 05 - 06). O autor argumenta que, pela falta de precisão, a ficção científica
não se delimita somente em uma literatura inspiradora baseada na ciência. Para esse gênero
moderno, a melhor construção pode ser a extrapolação de realidades reveladas pela ciência, ou
seja, uma elaboração na imaginação de um mundo futuro, ou distinto, porém com uma grande
base intelectual que não foge, naturalmente, nem na profundidade, na argúcia filosófica ou
psicológica, nem no sutil ou no poético.
Para Francis Le Lionais:
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[...] um gênero cuja caracterização estética será constituída por dois fatores: a) Uma
renovação e uma expansão da capacidade imaginativa dos escritores. b) Um nôvo
campo com enriquecimento de nossa capacidade de emoção. (CANEIRO, 1968, p. 7)

Dos argumentos citados, ainda se pode integrar as considerações de Reginald Bretnor,


na qual enfatiza a Ficção Cientifica como “um gênero muito mais vasto do que o resto da
literatura em seu conjunto” (CARNEIRO, 1968, p. 7). Normalmente visto como um gênero
espacial, muita das vezes surreal, essa literatura nos proporciona abranger um espaço temporal,
no presente ou no futuro, propiciando ampliar novas possibilidades na interpretação dos “fatos
anormais”.
O herói aventureiro, até mesmo o “cow-boy” do “far-west”, podem ser transformados
em homens espaciais. Veículos os mais diversos substituem o seu cavalo e o antigo
revólver calibre 45 passa a expelir chamas ou raios atômicos (CARNEIRO, 1968, p.
09).

Carneiro fala sobre os preconceitos que o gênero literário suscitou como ficção
científica, tendo especificação a literatura de cordel. A ficção científica (Ficção Científica)
analisada (de preferência, nos países norte-americanos) com um aprofundamento maior,
salientando um entendimento social, com atribuições específicas; considerando que recebe uma
denominação exclusiva de “space-opera” (ópera espacial). O autor critica essa Ficção
Científica (space-opera) como de má qualidade, na qual possui uma finalidade comercial,
infiltrando características publicitárias empresariais ou corporativistas, ausente da essencial
importância literária. Em outras palavras, a crítica considera a Ficção Científica, embora não
havendo definições claras e exatas, em contrapartida muito menos sendo ficção, constituirá em
uma literatura de cordel. Disto, pode-se observar que na Ficção Científica, os personagens
possuem menos relevância que as ideologias que a obra produz, pois de acordo com Carneiro,
deve-se haver uma liberdade completa.
A ficção científica em comparação com a ciência, não exige raciocínios precisos ou
rigorosos, mas propositalmente ficcional. Na ciência, as ideologias da FC devem ser aceitas,
assim como as crenças através da fé. Já na ficção, não se deve analisar de uma única forma
(imaginária), mas com a perspectiva de se alcançar uma possível concretização científica. Dessa
proposição, Carneiro destaca que no começo das inovações cinematográficas, novos meios de
comunicação das artes evidenciavam-se com a performance de expressão estética. As
tecnologias avançaram e propiciaram facilitar cada vez mais a vida do homem. Dessa forma,
todo esse desenvolvimento científico induzirá ou transformará a direção dos dispositivos
literários.
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3 Homenagens ao escritor André Carneiro: vida e obra

O artista brasileiro André Carneiro (1922 - 2014), reconhecido internacionalmente por


seus diversos talentos, recebe uma generosa homenagem em memória dos seus múltiplos
trabalhos realizados, compartilhando de um inestimável tesouro cultural para as futuras
gerações. Diante disso, a editora CLFC – Clube de Leitores de Ficção Científica –, junto com
Santos5, publicam o SOMNIUM6 N° 111 (publicação anual de uma personalidade que se
destaca na ficção científica ou literatura fantástica brasileira), em março de 2015, na qual
apresenta textos que exprimem considerações positivas sobre o autor e seus trabalhos literários,
com ênfase em sua atuação como escritor de ficção científica.
Alexandre, em homenagem a André Carneiro, nos traz uma imponente bibliografia
atualizada do estudioso, no qual relata a vida e as obras do talentoso escritor de ficção científica.
Conforme Alexandre7, André Granja Carneiro nasceu no dia 09 de maio de 1922, no
município de Atibaia, interior paulista, e vindo a falecer em 04 de novembro de 2014, aos 92
anos de idade, em Curitiba (PR), deixando a esposa Evelina, os dois filhos Maurício e Henrique
e um neto Michel. Entretanto, permanece em nossas lembranças através de depoimentos de
autores, editores e leitores; assim como nas diversas obras produzidas.
Historicamente, Carneiro foi considerado o pioneiro e um dos mais importantes
escritores de ficção científica do Brasil. Também foi pintor, fotógrafo, cineasta, artista plástico,
publicitário, crítico, hipnotizador clínico, entre outras profissionalidades. Segundo o crítico
espanhol, Augusto Uribe que denominou-o como “O melhor autor de literatura fantástica da
América Latina” (SOMNIUM, 2015, p. 08). Alexandre, ao analisar seus feitos marcantes, em
1946, destaca que Carneiro criou a primeira biblioteca pública da cidade de Atibaia, a qual é
atualmente, a Biblioteca Municipal. Além disso, também fundou o Clube de Cinema junto com
César Mêmolo Júnior. E como membro do Conselho de Turismo, iniciou os primeiros guias e
cartazes ilustrados com fotos divulgados na cidade. Em um de seus marcantes projetos, criou,
em 1949, o melhor jornal literário do Brasil da época, o jornal Tentativa junto com César
Mêmolo Jr. e sua irmã Dulce Carneiro (também poetisa), em que foi apresentado por Oswald
Andrade e ilustrado por Aldemir Martins. Nesse jornal, contou com publicações de obras

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SANTOS, Ricardo Guilherme. In: SOMNIUM: Homenagem para André Carneiro. Ed. CLFC, edição especial
111. São Paulo. mar. 2015.
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É uma publicação oficial do Clube de Leitores de Ficção Científica.
7
ALEXANDRE, Silvio. In: SOMNIUM: Homenagem para André Carneiro. André Carneiro: o decano da ficção
científica brasileira. Ed. CLFC, edição especial 111. São Paulo. mar. 2015.
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inéditas de Graciliano Ramos, Hilda Hilst, José Lins do Rego, Otto Maria Carpeaux e Sérgio
Milliet, além do próprio André Carneiro.
A respeito das suas obras, especificamente, as prosas da literatura de ficção científica,
seus reconhecimentos foram pouco manifestados no Brasil. No entanto, era mais destacado
nacionalmente com suas poesias.

[...] a revalorização da palavra, a criação de novas imagens, a revisão dos ritmos e a


busca de novas soluções formais. O poeta ver na poesia, mais do que produto intuitivo,
o resultado da experiência da linguagem e da existência humana. (ALEXANDRE,
2015, p. 08).

Em 1949, publicou o primeiro livro de poesia Ângulo e Face (Clube de Poesia, 1949),
na qual, com grande admiração pelo público, ganhou prêmios e homenagens com o sucesso
nacional. Mais tarde, em 1963, divulgou sua outra produção de poesias, Espaçopleno (Clube
de Poesia, 1963), que também conseguiu ganhar o público sendo comtemplado com o prêmio
“Pen Clube” de São Paulo e, com a mesma obra, recebeu o prêmio “Alphonsus de Guimaraens”,
em 1966, da Academia Mineira de Letras. Com o livro Pássaros Florescem de 1988, também
ganhou o Prêmio Nacional Nestlé. E, por fim, em seu último livro de poesia, André Carneiro
apresenta a coletânea Quânticos da Incerteza (Redijo, 2007), com a organização do professor
Osvaldo Duarte da Universidade Federal de Rondônia, expondo suas poesias mais maduras.
Carneiro foi mais representado no exterior por suas produções de ficção científica,
salientando o romance colaborativo de ficção científica internacional Tales from the Planet
Earth (St. Martins, 1986). No que se refere aos seus contos, o primeiro livro literário em prosa
foi Diário da Nave Perdida (Edart, 1963), pelo qual ganhou o prêmio de Melhor Livro do ano,
do Departamento Cultural da Prefeitura de São Paulo. Um dos seus mais importantes romances
foi Amorquia (Aleph, 1991), no qual, uma minuciosa análise do pesquisador Alexandre, relata:

[...] uma sociedade onde o amor exclusivo é uma doença. A fidelidade é o primeiro
indício de desagregação e insanidade. As mães já não são importantes. O sexo
ensinado nas escolas é praticado livremente. A morte só ocorre por acidente físico,
sendo apenas motivo de curiosidade (SOMNIUM, 2015. p. 11).

O estudioso, para complementar ainda mais suas obras, organiza o primeiro estudo, em
língua portuguesa, sobre ficção científica, o livro que se tornou referencial básico para o
presente trabalho Introdução ao Estudo da Science Fiction, no qual apresenta e discute,
alguns dos principais conteúdos teóricos referente a Ficção Científica nacional, em que,
também, recebeu o Prêmio Literário Câmara Municipal de São Paulo. Também, é importante
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salientar que, além de escritor de contos de Ficção Científica, Carneiro se destaca como
roteirista no cinema profissional, onde desenvolveu seu trabalho ao lado de talentosos
profissionais do cinema brasileiro como Abílio Pereira de Almeida, Roberto Santos e Walter
Hugo Cury. Vale ressaltar, também, que ele foi um dos primeiros fotógrafos artísticos do
Modernismo brasileiro, tendo marcos fotográficos expostos no Tate Gallery, em Londres.
No que se refere aos conhecimentos sobre hipnose, André Carneiro realizou pesquisas
no Instituto Quevedo, no qual se destacou em seu aprendizado e análise na parapsicologia e
hipnose, tornando-se um dos membros brasileiros de uma importante instituição internacional,
a Parapsychological association nos Estados Unidos. Segundo o escritor Roberto Causo,
Carneiro
[...] trouxe para a ficção científica não apenas textos de qualidade, mas questões
importantes e de peso junto ao mainstream8 literário, como a denúncia do
conservadorismo social, a referência à cultura das drogas, a impermanência do real e
as dificuldades de comunicação na modernidade, rendendo-lhe comparações com
Franz Kafka e os mágicos realistas latino-americanos (SOMNIUM, 2015, p. 15).

As edições em prosa publicadas por Carneiro no Brasil foram, os textos literários


ficcionais: Diário da neve perdida (1963), O homem que adivinhava (1966), Piscina livre
(1981), Amorquia (1991), A máquina de Hyerónimus e outras histórias (1997) e Confissões
do Inexplicável (2007) e o livro teórico: Introdução ao estudo da science fiction (1967), de
sua autoria. Esse é o primeiro volume teórico-crítico sobre ficção científica no Brasil.
Sobre seus textos ficcionais literários, em uma entrevista com José Carlos Neves, em
2006, André Carneiro enfatiza que buscava trabalhar em desenvolver literatura de qualidade e
não percebia que seus contos se enquadravam dentro da denominada ficção científica, em que,
para a época. O escritor ressalta analisava Ficção Científica como inútil adequação para as
obras. Nesse caso, o estudioso enfatiza que, se alguém sugestionasse que suas produções eram
Ficção Cientíifca, concluiriam que jamais Carneiro escreveria uma “porcaria” dessas. Contudo,
mais tarde, esse gênero ganhou o público e o autor o denominou como Ficção Científica de
qualidade.
Na entrevista, Carneiro argumenta:

Sem a Literatura acumulada nos séculos, o ser humano estaria muito mais próximo da
animalidade que ainda o caracteriza nas páginas policiais. Em minhas oficinas
ninguém gasta muito tempo com aquela americana lista de soft, hard etc. Falamos em
cenas que não saem da memória, em emoções que derramam lágrimas, falamos em

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Mainstream é utilizado para designar a tradicional ou mimética ficção realista, em oposição ao gênero ficção
(como ficção científica), romances e mistérios, bem como a ficção experimental.
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ideias e como expressá-las com eficiência. Quem entra em um Museu não fica
procurando renascentistas, impressionistas, dadaístas, cubistas ou abstracionistas. O
espectador inteligente não procura escolas ou datas, procura obras primas.
(SOMNIUM, 2015, p. 28).

4 A Coletânea A máquina de Hyerónimus e outras histórias

O livro A Máquina de Hyerónimus e outras histórias foi publicada em São Carlos-


SP, pela Editora da Universidade Federal de São Carlos – EDUFSCar, Editora Universitária –
e pelo Clube Jerônymos Monteiro de Literatura. Coleção Visão vol. 1, 1977. O livro é uma
coletânea de André Carneiro, composto por dezoito contos, sendo um deles, o que dá o título
ao livro. Seus variados contos apresentam-se com seus diversos gêneros ou temáticas, dentre
os quais retratam o humor, o sexo e o drama. Em síntese, no conto: “Minha filha, pelo amor de
Deus”, Carneiro nos mostra as dúvidas e as inseguranças de dois jovens em sua primeira noite
juntos. Já no conto, objeto de nossa pesquisa, um cientista que inventa uma máquina de realizar
desejos; sequestradores em luta contra a ditadura, perdidos por sua própria humanidade; as
pequenas e grandes violências, angústias e alegrias que fazem os dias de cada um. Nisso,
percebe-se que alguns contos estão enraizados na ficção científica, ao passo que outros implica
no gênero fantástico ou, ainda, tem seu estilo fixado na realidade. Embora, Carneiro instaure
sua ficção no simples, uma vez que procurou sempre evitar o exagero estilístico seus contos são
de uma certa literariedade surpreendente.
Certos elementos que intercalam com profundidade a obra de Carneiro estão ligados,
aos casos envolvendo o sexo, as reflexões entre o a loucura e a normalidade, na observação da
incompreensão, na segregação social ou no obstáculo de comunicação entre as pessoas. Dentre
esses, enfatiza-se as boas cenas literárias do sexo envolvidas em “A Máquina de Hyerónimus”.
Tais cenas não demonstram algo anormal, esquisito ou atípico, mas tudo aquilo que é natural e
essencial para o ser humano, acerca do sexo e seus diversos aspectos. Ademais, esse tema é
também abordado em inúmeras obras do autor, na qual é tratado com boa qualidade na
proposição literária que incide do sexo na ficção cientifica brasileira.

4.1 Análise do conto “A Máquina de Hyerónimus”

O conto “A máquina de Hyerónimus” trata da relação dupla amorosa de dois casais que
envolve a invenção de uma máquina de desejos. Conforme o texto, a invenção, “[...] a máquina
seria uma tentativa para... influenciar à distância... seres humanos, ou... a transmissão de
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mensagens diretas...” (CARNEIRO, 1997, p. 41). Assim, a temática do conto apresenta uma
máquina manipulada por um inventor. Porquanto, a máquina tinha o objetivo primordial,
explorar o drama experienciado pelo narrador-personagem na obra. O texto é narrado em
primeira pessoa. Desse modo, quando o contexto é direcionado a momentos vivenciados, e
opiniões próprias do narrador-personagem, percebe-se o claramente o envolvimento do
narrador-personagem. Conforme o entrecho: “Meu amigo sempre trabalhava na máquina de
Hyerónimus, que dobrara de tamanho. Quando eu perguntava o que pretendia com ela, já que
nunca vira colocar insetos lá dentro, ele desconversava” (CARNEIRO, 1997, p. 39, grifo
nosso).
O narrador-personagem atua como protagonista, e, é precisamente, o que está mais
próximo do universo transcrito. Esse narrador personagem pode ser analisado com maior
notoriedade, pois ele narra na primeira pessoa a trama na qual está envolvido igualmente como
personagem. Há vários pronomes que autenticam a presença forte desse narrador-personagens
e suas ações dentro da história. “Roberto colocou cuidadosamente uma espécie de capacete em
minha cabeça. Eu sentia um formigamento, mas ele disse que era sugestão.” (CARNEIRO,
1997, p. 42, grifo nosso). Em outro entrecho do conto, pode-se observar essa representação
efetiva desse narrador-personagem.

Essa possibilidade de minha promoção eu cultivava há anos e sempre manobrei


nesse sentido quando tinha a oportunidade de me reunir com os executivos
estrangeiros da firma. Havia pensado no emprego quando pusera o capacete? A
memória recusava-se a funcionar. Me deu um branco, como se aquilo tivesse
acontecido anos atrás (CARNEIRO, 1997, p. 45, grifo nosso).

Ao observar uma narrativa do tipo narrador-personagem, percebe-se que os modos


narrativos estão diretamente ligados à figura do narrador, já que é ele quem conta a história.
Nisso, analisa-se os aspectos do texto, na qual a história é narrada na primeira pessoa, e, ainda
explícito por características subjetivas, de opiniões em vinculado aos fatos acontecidos.
Conforme Reuter:

Esta combinação é tipicamente a das autografias das confissões, dos relatos nos quais
o narrador conta sua própria vida retrospectivamente. Possui, em consequência, um
saber mais significativo de cada uma das etapas anteriores de sua vida e pode,
portanto, prever, quando fala dos seus cinco, dez ou quinze anos, o que acontecerá
mais tarde. Pode também ter reunido conhecimentos sobre pessoas que encontrou
anteriormente e não hesita em intervir em sua narrativa para explicar ou comentar sua
vida e a maneira como ela a conta. (p. 82, 2007).
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O narrador-personagem, no conto em análise, é o melhor amigo de Roberto, na qual é o


que sempre está ao lado, apoiando na sua vida profissional e compartilhando de seus segredos,
ou melhor, seus projetos secretos. Casado com Angélica, com quem compactua um
relacionamento conjugal particularmente diferente da sociedade em geral. Ao decorrer da
trama, acaba se tornando amante de Marina (mulher de Roberto).
Conforme trecho a seguir:

Roberto era diferente daquilo que se convencionou chamar de ‘cientista louco’. Ex-
publicitário, autor de um livro sobre física dos ‘quanta’, sem nenhum sucesso, era
rico, vivia de rendas. Casado pela segunda vez com mulher bonita, bem vestido, falava
pouco, era o oposto dos paranoicos talentosos descrevendo planos mirabolantes”
(CARNEIRO, 1997, p. 40, grifo nosso).

Roberto, como diz, seu melhor amigo, o Narrador: “inteligente, culto, discreto, e
entendia de cibernética” (Carneiro, 1997, p. 39). Um inventor que se aproveita de uma máquina
que mata insetos, a fim de aperfeiçoá-la para uma ‘máquina dos desejos’. É ex-publicitário,
escritor de um livro pouco reconhecido, rico e vive de rendas da bolsa de valores. Não era um
cientista famoso, uma vez que, falava pouco e mantinha-se retraído e, mesmo casado com
Marina, não argumentava abertamente, ao contrário de seu amigo, sobre suas invenções. A sua
importância no texto o coloca dentre um dos protagonistas, considerando a invenção da
máquina. Sob a teoria de Reuteniana, os personagens “[...] permitem as ações, assumem-nas,
vivem-nas, ligam-nas entre si e lhes dão sentido. De certa forma, toda história é história de
personagens” (REUTER, 2007, p. 41, grifo do autor).
Marina, companheira de Roberto, sempre o ajudava em suas invenções no laboratório e
tinha um certo conhecimento, uma vez que sabia montar e ligar alguns aparelhos. Todavia, não
tinha nenhuma ideia sobre a máquina de Hyerónimus e/ou para o que servia, mas percebia um
zelo maior do seu marido sobre essa máquina misteriosa. Logo, mais tarde, acabará envolvida
em um romance proibido com o ‘Narrador’. Na trama, Marina, sendo uma mulher atraente, é a
primeira pessoa que promove a infidelidade, na trama, com o Narrador. Sua atitude sedutora,
por conseguinte, termina, o desejo concupiscente nele que, posteriormente, se deixa envolver
no ato profano. Ademais, com o auxílio da máquina, em sua segunda utilização, ao que tudo
indica, “o desejo” ocasionará a suposta morte de Roberto e a concretização de um triângulo
amoroso.
Angélica, cônjuge do ‘Narrador’, cursa inglês e leva uma vida conjugal divergente; ora
morando com o marido, ora em um apartamento diferenciado. Isso, segundo o autor, como uma
forma de evitar a rotina repetitiva das pequenas brigas. É, também, amiga de Roberto e,
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conforme algumas ocasiões, se torna amiga de Marina. Ao tratar da própria companheira, o


narrador faz juízos de valor sobre temas relativos ao próprio relacionamento. “Minha
companheira tinha um apartamento e não ficávamos todos os dias e noites juntos, o que era
excelente. O amor não resiste à rotina, à repetição de pequenas brigas” (CARNEIRO, 1997, p.
43). Na trama, Angélica participa como uma suposta amante de Roberto, vindo assim a se
enquadrar no círculo amoroso vivido no conto entre os quatro personagens. Embasando-se
nisso, pode-se analisar, segundo teoria narrativa, que “[...] a personagem, com efeito, é um dos
elementos-chave da projeção e da identificação dos leitores” (REUTER, 2007, p. 41).
Os personagens secundários também têm sua relevância na trama, pois segundo teoria
da narrativa, “[...] a personagem poderá ser situada na ficção de “maneira simples”: vemo-la
dizer, agir, fazer de maneira mais ou menos importante” (REUTER, 2007, p. 44). O gerente, no
conto em leitura, é o chefe do ‘Narrador’ que possui um nível abaixo a do gerente sendo assessor
da gerência. No decorrer da história, sofre um acidente e acaba morrendo. Irene, irmã mais nova
de Marina, morava sozinha e raramente visitava sua irmã. Esta, por sua vez, tem sua
participação nas últimas partes do conto, na qual sua influência está em se envolver,
parcialmente, com o Narrador, realçando apenas uma atração de desejo sexual e proporcionando
a sensação ao leitor de uma possível nova trama de amor proibido que, no entanto, não se
estendeu de forma concreta entre os dois.
Há, também, no conto em pesquisa, os figurantes. Destaca-se a viúva e filho do gerente:
Fazem uma participação rápida no conto, recebendo as condolências – fingida – do ‘Narrador’,
devido a morte do gerente. Também é interessante observar que há três casais, amigos de
Roberto; pode-se observar uma rápida aparição desses casais na festa de aniversário de Marina.
Ainda sobre figurantes, tem-se a presença da empregada que trabalhava na casa de Roberto e
era uma conhecida do ‘Narrador’. Também, no conto, são apresentados dois médicos, porém
um deles dá a notícia ao ‘Narrador’ de que Roberto sofreu um choque hipovolêmico, resultando
na sua morte. A presença dos médicos, no enredo do conto, é importante porque contrapõe o
paradoxo entre ciência (medicina) e a invenção científica atrelada a elementos do fantástico,
pois conforme Todorov, em sua obra: Introdução à literatura fantástica:

O fantástico se funda essencialmente na hesitação do leitor – um leitor que se


identifica com o personagem principal – quanto à natureza de um acontecimento
estranho. Esta hesitação pode se resolver, seja porque admitimos que o acontecimento
pertence à realidade, seja porque decidimos que ele é fruto da imaginação ou o
resultado de uma ilusão (1975, p. 165).
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No que se refere a ciência destaca-se os seguintes nomes: Hyerónimus: engenheiro


Thomas Galen Hierónymus, inventor da máquina em que recebe seu nome. Professor Pardal,
um personagem de ficção, é o inventor mais famoso de Patópolis, criado em 1952 por Carl
Barks para a Walt Disney Company que surgiu originalmente nos quadrinhos Disney como um
amigo de Pato Donald, Tio Patinhas, Escoteiros-Mirins e todos que se associam a eles. O Físico
Fischbach, pois Ephraim Fischbach, Professor de física da Universidade Purdue em West
Lafayette, EUA. Ele e os seus coautores publicam um estudo que deixava em aberto a tentadora
possibilidade de uma quinta força no universo. O nome de Einsten, ou melhor, de Albert
Einstein com ênfase para A Teoria Geral da Relatividade (1916). Essa é uma teoria da
gravidade capaz de explicar a força de atração pela geometria tempo-espaço. Também é
interessante lembrar de Mesmer, Franz Anton Mesmer, médico e magnetizador, nascido em
1744, na Suábia, território que atualmente é ocupado pela Alemanha. Vale ressaltar as
peculiaridades desse médico, “Mesmer, que usava imãs para provocar fenômenos ‘magnéticos’
em seus clientes ricos de Paris e descobriu um dia, exatamente como Hyerónimus, que sem os
imãs os fenômenos aconteciam no mesmo jeito, e foi o começo dos estudos sobre hipnotismo
[...]” (CARNEIRO, 1997, p. 41).
Ainda, acerca que questão física científica, destaca o paradoxo Einstein-Podolsky-
Rosen: À primeira vista, isto vai contra os princípios da relatividade especial, pois estabelece
que a informação não possa ser transmitida mais rapidamente que a velocidade da luz em
conjunto ao “Princípio da Incerteza de Heisenberg: Em 1927, Werner Heisenberg formula um
método que, segundo ele, pares de variáveis interdependentes como tempo e energia,
velocidade e posição, não podem ser medidos com precisão absoluta.
No que compete analisar o tempo, no conto em destaque, pode-se observar que tempo é
psicológico, visto que o tempo cronológico dos acontecimentos no conto, encontra-se sob certo
seguimento progressivo dos fatos narrados. Apesar disso, constata-se alguns fragmentos, no
texto, em que se faz menção a episódios vividos pelo narrador relatado através de uma
lembrança. Ex.: “Lembro-me de que, muito jovem, me impressionara o capítulo de um livro
que o autor chamava de ‘Teoria do prefácio’.” (Carneiro, 1997, p. 52). Assim, conforme teoria
da narrativa, o tempo elaborado no texto narrativo é considerado:

- As categorias temporais convocadas: correspondem ou não àquelas utilizadas em


nosso universo; sua natureza (minutos, dias, séculos); àquilo a que se aplicam (uma
pessoa, uma família, uma nação);
- O modo de construção do tempo: explícito ou não; detalhado ou não; identificável
ou “embaralhado”;
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- A importância funcional do tempo: simples moldura; fator de importância em


diferentes momentos da história, personagem constante. (REUTER, 2007, p. 56, grifo
do autor).

No que concorre destacar a importância do espaço, no conto em interpretação, pode-se


salientar os seguintes ambientes: A casa de Roberto é o espaço mais vivenciado, no qual, está
dividido em três partes: O salão, conhecido como “laboratório”, localizado no interior da casa, é
o ambiente onde, provavelmente, está mantido a máquina de Hyerónimus, coberto por um veludo
negro. A sala, lugar em que, ao que tudo indica, ocorreu algumas comemorações, bem como, o
primeiro ato de concupiscência9 entre o Narrador e Marina. O quarto, local em que acontece a
primeira relação amorosa entre o Narrador e Marina. Vale ressaltar que o móvel era uma cama
vibradora construída por Roberto. Tem-se, também, a casa do narrador-personagem, retratada no
conto, poucas vezes, porém a sua importância se deu na etapa em que o Narrador dorme com sua
mulher, após ter experiência com a máquina e ter ficado pensativo sobre isso. Desse estado,
consegue distinguir a casa de sua mulher (Angélica), vendo que eles consistem seus costumes
conjugais diferenciado. Também pode-se observar que os momentos em que o Narrador
comemora, com a esposa sua promoção para o cargo de gerente. A firma é o local de trabalho do
Narrador, onde se apresenta o gerente da trama e, na qual estabelece-se a suposta preocupação
do Narrador devido a sua ocupação de subordinado dentro da empresa. Há, também, a elevação
de cargo, inicialmente, de assessor gerencial e depois para gerente, almejada ao narrador-
personagem no decorre da história. Além disso, percebe-se a incidência da secretária envolvida
na trama, na qual retrata o narrador deixando um recado à ela, e partindo para casa de Marina,
dando início à relação proibida. Também, destacamos, o hospital, ambiente em que Roberto é
conduzido por sua mulher após sofrer um problema de saúde, e, posteriormente, não resistindo
depois de três dias na UTI, chegando a falecer no local.
Dessa conjuntura, o espaço apresenta atribuições nas histórias, no qual, analisa-se por
meio de eixos fundamentais que contribuem para a narrativa. Dentre estes, destacam-se as
categorias de lugares convocados, equivalendo-se ao mundo na qual vivemos e conhecemos,
ou, a um ambiente ficcional, desconhecido; Num lugar estrangeiro, novo, ou, até mesmo,
comum. Em um âmbito nobre de elevada classe ou de classe inferiorizada, ou seja, na cidade
ou no campo. Também, referindo-se ao número de lugares convocados, sendo apenas um
exclusivo local ou correspondendo a diversas localidades, tanto homogêneas quanto
heterogêneas (na cor, na raça, na cultura, etc.). Ainda, no que se refere ao modo de construção

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Concupiscência: anseio pelos prazeres sensuais; desejo sexual exagerado.
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dos lugares, pode-se estar subtendido ou expresso, considerando que se exposto


detalhadamente ou sem nenhuma especificação, promove o compreensível reconhecimento e
consistente ou de difícil identificação, levando em consideração apenas a identificação, sem
classificar se está no mesmo local. “Os lugares também vão determinar a orientação temática
e genérica das narrativas” (REUTER, 2007, p. 54, grifo do autor). Por último, tratando-se da
importância funcional dos lugares, de fácil e simples análise, item complementar em diversas
ocasiões no desenvolvimento da narrativa.

5 Considerações Finais

Através das leituras sobre Ficção Científica e a análise do conto “A máquina de


Hyerónimus”, no qual tem-se a invenção de uma máquina que capta e realiza desejos podemos
ponderar que o autor e crítico André Carneiro pode ser classificado como um autêntico “escritor
de Ficção Científica”, porque tanto o conto em leitura quanto sua teoria sobre Ficção Científica
representam certa profundidade de pensamentos envoltos em aspectos inerentes à sociedade
vigente. Disto, podemos salientar que a Ficção Científica, através do pensamento de André
Carneiro, assume e defende a ideia de que a Literatura de Ficção Científica é realmente uma
promissora proposta de fazer literário, pela qual o contista aprofunda-se na criação de Ficção
Científica que promove os instrumentos de cultura, ética de uma sociedade contemporânea.
Assim, a Ficção Científica promovida pelo autor, em estudo, envolve a perspectiva literária e,
possivelmente, ocupará espaço de relevância nos estudos acadêmicos de literatura com temática
voltada para o assunto investigado.

Referências Bibliográficas

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