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Julho

Cipriano Vagaggini: monge, teólogo e liturgista


POSTADO POR ADMIN ÀS 08:02

Dom Cipriano Vagaggini, OSB Cam (1909 - 1999), pertence à fileira das preciosas testemunhas da
fé, suscitadas pelo Espírito na Igreja do nosso tempo, tão simples na postura, e ao mesmo tempo, tão
profundas no pensamento e na autenticidade da experiência do Senhor. Se alguém o tivesse
encontrado sem conhecê-lo, poderia identificá-lo com um bom camponês das colinas da Itália central,
tamanha a sua simplicidade de monge, sua postura nas relações e sua comunicação acolhedora. Mas
se o mesmo tivesse escutado uma aula sua na faculdade teológica ou lido um dos seus numerosos
ensaios e artigos, poderia afirmar ter encontrado um dos antigos sábios cuja memória não vai
perecer.

Em 2009 foi publicado em português seu livro mais conhecido, “O sentido teológico da liturgia”,
monumental obra de 843 paginas1, publicada no original italiano em 1957, na vigília do Concílio
Vaticano II e já traduzida há anos nas principais línguas européias.
O que suscitou o interesse da editora em apresentar aos leitores brasileiros este livro como um
precioso presente para o caminho litúrgico da Igreja e das comunidades hoje no Brasil? Na realidade
ao manusear estas intensas páginas encontra-se não só o pensamento de um experiente teólogo do
século 20, mas a consciência teológica e a experiência espiritual da Igreja, alimentadas desde
sempre pela tradição espiritual dos pais e mães da Igreja e pela liturgia “cume para o qual tende a
ação da Igreja e, ao mesmo tempo, fonte donde emana toda a sua força” (SC 10).

Por décadas, depois do Concílio, a atenção de muitos agentes de pastoral litúrgica focalizou com
generosidade e dedicação as mudanças nas formas rituais, como se isto tivesse sido o centro para
alcançar aquela“plena, consciente e ativa participação das celebrações litúrgicas, que a própria
natureza da liturgia exige e à qual, por força do batismo, o povo cristão (...) tem direito e
obrigação”(SC 14).
Hoje, sabemos pela experiência, que isto era e ainda é necessário, mas não suficiente. É preciso
descer mais profundamente no mistério de Cristo, celebrado com uma participação teologicamente
iluminada e eticamente comprometida no seguimento de Jesus. A catequese litúrgica precisa se
renovar e se fundamentar na riqueza teológica da Igreja para alimentar o caminho espiritual do povo,
apontando para a fecundidade vital das mesmas celebrações litúrgicas.
O livro de Dom Vagaggini nos abre os tesouros da rica tradição teológica e espiritual da Igreja e
ilumina os novos horizontes abertos pelo Concílio Vaticano II e as riquezas espirituais e pastorais
oferecidas pela reforma litúrgica por ele promovida. O Concílio recolheu em admirável síntese o
caminho da tradição da Igreja e abriu novos trilhos para que ela seja sempre “antiga e nova”, fonte
de vida e pão vivo para o povo de Deus a caminho, até a vinda gloriosa do Senhor.

1. Monge e teólogo

Mas quem é afinal este irmão capaz de partilhar conosco o caminho da fé e da esperança e de
iluminá-lo, neste momento em que a mesma reforma litúrgica está sofrendo desvios em
consequência de posições superficiais de alguns e de contestação violenta de outros em nome da
“tradição e da verdadeira reforma”?Quantos entre uns e outros conhecem de verdade e têm
interiorizado a tradição litúrgica da Igreja e o sentido profundo da reforma do Concilio? Dom
Vagaggini nos convida a levar a sério a herança da Igreja e seu caminho atual guiado pelo Espírito.

Nascido na Itália em 1909, Dom Cipriano foi iniciado na vida monástica na abadia beneditina de
Bruges na Bélgica e formado nos estudos de filosofia e teologia nas universidades de Louvain
(Bélgica), de Santo Anselmo e do Pontifício Instituto Oriental em Roma. Lecionou teologia dogmática
e Liturgia no Pontifício Ateneo Santo Anselmo em Roma quase sem interrupção de 1942 a 1978, e
por alguns anos na Faculdade de Teologia da Itália do Norte em Milão. Na faculdade de Santo
Anselmo promoveu a fundação do Instituto Monástico (1952), do Pontifício Instituto Litúrgico (PIL -
1961) e da Especialização em teologia sacramentária (1971 -72). Em 1959 deu início aos Encontros
entre monges e monjas beneditinos italianos, para promover um trabalho de colaboração para
reelaborar as raízes teológicas e espirituais da vida monástica em diálogo com as novas perspectivas
da cultura moderna e da vida da Igreja. Em 1968 promoveu a fundação da Faculdade Teológica da
Itália do Norte em Milão para “abrir de maneira mais ampla as faculdades de teologia também aos
que não são clérigos, homens e mulheres”2.

Na pesquisa e no ensino da teologia ele procurou harmonizar os aspectos filosóficos e históricos


com a experiência espiritual, uma teologia sapiencial que reflete sobre a vida como primeiro lugar
da manifestação de Deus, e é capaz de iluminá-la e alimentá-la.
Em 1977 se retirou definitivamente no Mosteiro e Sacro Eremitério de Camaldoli (Arezzo),
continuando uma intensa pesquisa teológica na linha sapiencial, numa vida, circundada de silêncio e
contemplação, animada pela oração e pela caridade fraterna. Nele o monge modelou o teólogo e o
teólogo fundamentou o caminho espiritual do monge e ambos respiraram com o ritmo do coração da
Igreja. A experiência cotidiana da liturgia das Horas (ofício divino) e da celebração da eucaristia, na
comunidade monástica, alimentou o caminho de uma profunda elaboração teológica e espiritual
sobre a mesma.
Ser monge, teólogo e liturgista, ser monge e professor, foi para Dom Cipriano uma experiência de
progressiva unificação interior e de fecundidade intelectual e pastoral que o colocou em sintonia
com o caminho de renovação espiritual, teológica e pastoral da Igreja e fez dele um autêntico
animador do mesmo. Em seus escritos destaca, muitas vezes, que para tornar-se verdadeiros
“mestres de liturgia” é preciso que os professores, assim como todo agente de pastoral, tenham não
só uma boa preparação profissional mas sobretudo uma autêntica experiência interior.

2. O liturgista: O sentido teológico da liturgia


.
Ao concluir um trabalho de pesquisa e de ensino durante 25 anos, em 1957, quando ainda ninguém
imaginava o Concílio preanunciado pelo Bem-aventurado papa João XXIII no mês de janeiro de 1959,
Dom Cipriano publicava “O sentido teológico da liturgia”.

Nesta obra ele apresenta a fundamentação teológica mais orgânica da liturgia, totalmente
enraizada na tradição da Igreja e aberta a possível desenvolvimento. Verdadeiro anel de conjunção
entre o movimento litúrgico anterior, a encíclica “Mediator Dei” do papa Pio XII (1947) e a
Sacrosanctum Concilium (1963), apareceu como “novidade”, após séculos de esquecimento da
dimensão teológica da liturgia que deu lugar a uma abordagem devocional da vida espiritual. O
movimento litúrgico tinha aberto a estrada com um trabalho de quase um século, mas faltava uma
proposta orgânica. Este foi o mérito primeiro de Vagaggini que antecipou as linhas fundamentais do
Concilio.
“A Igreja vive uma história sagrada que é a história de Cristo, em Cristo mesmo e nos seus fieis.
Cristo aparece sempre como o motivo fundamental de toda a liturgia, de toda a bíblia, de toda a
história e de toda a vida do fiel”3. À base desta afirmação está a consciência de fé, elaborada pelos
padres da Igreja desde o início, que a revelação de Deus é a história do seu amor e da sua aliança
com Israel e através de Israel com toda a humanidade.
Ela alcança seu cumprimento em Cristo Jesus e no seu mistério pascal, que a Igreja celebra e vive
na liturgia enquanto espera a vinda gloriosa do seu Senhor. Na liturgia a Igreja e cada um dos fieis
participam no mistério pascal de Cristo e entra no movimento desta história de salvação, operando
com a caridade de Cristo a transformação de si mesmo e do mundo, antecipando na esperança o
cumprimento escatológico do reino de Deus. A vida das pessoas, assim reconduzida ao projeto
original de Deus, se torna ela mesma um canto de louvor, uma eucaristia vivente para a glória de
Deus Pai, Filho e Espírito Santo.
Existe perfeita unidade e continuidade entre AT e NT e a vida da Igreja: é a mesma e única história
de amor de Deus para conosco, proclamada na escritura, celebrada na liturgia, realizada na vida
fraterna. Os movimentos bíblico, patrístico e litúrgico, tinham progressivamente redescoberto esta
visão da fé da Igreja. Dom Cipriano Vagaggini com sua visão genial, sustentada pela experiência
monástica e por coerente argumentação teológica e histórica, a conduziu à unidade orgânica
elaborando os fundamentos teológicos da liturgia no seu conjunto, como a salvação em ato, no hoje
da história.

3. Precursor e colaborador do Concilio Vaticano II

Chamado a fazer parte da Comissão preparatória ao Concilio, Dom Vagaggini contribuiu na


preparação da parte inicial do documento que tratava do “mistério da liturgia e da sua relação com
a vida da Igreja”. Durante o Concilio participou ativamente na preparação da SC como assessor da
Comissão de bispos encarregada de recolher e avaliar as sugestões dadas pelos bispos em
assembleia.

O Proêmio e os primeiros sete números da SC constituem uma espécie de admirável síntese da


teologia e da espiritualidade litúrgica. Aí se pode identificar com facilidade a direta e significativa
contribuição de Dom Vagaggini, eco das suas ideias teológicas fundamentais4. No centro está a
afirmação que na raiz da fé e da experiência espiritual da Igreja encontra-se a participação no
mistério pascal de Cristo, centro da história da salvação, através da celebração memorial da
eucaristia, dos sacramentos e da liturgia das horas.

Deste mistério a Igreja nasce e continuamente se alimenta (SC 5), na dupla mesa da Palavra e do
pão eucarístico (SC 14), para que, como povo de Deus peregrino rumo à plenitude escatológica do
Reino (SC 2 e 14), possa anunciar a todo mundo a palavra libertadora e renovadora do evangelho e
transformar os fieis em evangelizadores viventes (SC 5-7). Por isso, a liturgia constitui o cume para o
qual tende o caminho e a atividade apostólica e pastoral da Igreja, e a fonte de onde recebe a força
vital do Espírito (cf. SC 10).

É a partir desta renovada visão teológica que se percebe como “a plena, consciente e ativa
participação na celebração” (SC 14), constitua o objetivo da atividade pastoral da comunidade cristã
e o lugar privilegiado da formação espiritual e do seu desenvolvimento, tanto para os presbíteros
como para os leigos (SC 41). Pela mesma razão a comunidade paroquial e diocesana, encontram na
celebração presidida pelo bispo, ou pelo presbítero a expressão mais significativa da sua unidade,
alimentada pelo Espírito do Senhor (SC 41 e 43). A adoção da língua viva do povo assim como a
reforma dos ritos foi julgada pelo Concílio como um instrumento indispensável para favorecer a
participação profunda dos fieis (SC 48), todavia, destaca Vagaggini, a língua falada não basta para
chegar ao objetivo da participação plena, pois é necessário que a pessoa na sua totalidade esteja
sintonizada com o clima de oração e de disponibilidade ao Espírito do Senhor5.

Em dois capítulos fundamentais da sua obra, ele oferece elementos decisivos para encarar
corretamente a vital questão da relação entre a liturgia e a espiritualidade. Tal questão tinha
atormentado o movimento litúrgico sob os ataques dos que afirmavam que só nas práticas de
piedade se podia experimentar a verdadeira devoção, pois, segundo estes, a liturgia com sua
ritualidade constitui mais uma distração da mente. Hoje novos opositores da renovação litúrgica,
representados por certos“grupos de oração”, afirmam ser a liturgia fria e impessoal. Dom Vagaggini
oferece os critérios teológicos e pastorais da liturgia, se corretamente entendida e praticada, como
lugar natural do caminho espiritual, até às experiências místicas mais elevadas, como o testemunha
a história da espiritualidade, com alguns exemplos de excepcional valor, como o de Santa Gertrude,
grande mística do séc. XIII6.

No mesmo Proêmio da SC se antecipam também alguns dos critérios teológicos centrais da


eclesiologia da LG: natureza sacramental da Igreja em continuidade com a estrutura humana e
divina de Cristo verbo encarnado (SC 2 e LG 1); centralidade do mistério pascal na vida da Igreja e
no caminho espiritual do cristão (SC 5; 41 e LG 25). Aqui também se pode ver a mão de Vagaggini.

4. Contribuições para a atuação da reforma litúrgica

Quando o Concilio acabou, o monge beneditino foi nomeado pelo papa Paulo VI entre os membros do
“Consilium” encarregado de viabilizar as linhas dadas pelo Concílio a respeito da reforma dos ritos.

Junto com outros teólogos e pastoralistas contribuiu na elaboração da instrução de Paulo VI,
Eucaristicum mysterium (o mistério eucarístico), 1967, na qual o papa oferece preciosas indicações
teológicas, espirituais e pastorais para colocar em prática na vida das pessoas e comunidades o
ensino da sua precedente carta encíclica Mysterium fidei (o mistério da fé), 1965, sobre a eucaristia.
Os dois documentos de Paulo VI põem com muita clareza e sabedoria a celebração da eucaristia no
centro da vida pessoal e comunitária, e indicam as modalidades apropriadas para valorizar as
variadas formas do culto eucarístico fora da missa, como continuidade e extensão da celebração.

No âmbito da reforma dos ritos da missa Dom Vagaggini deu quatro contribuições de alto valor.

a) Novas Orações Eucarísticas. Ofereceu as linhas fundamentais para a elaboração das Orações
eucarísticas 3 e 4, depois que Paulo VI considerou ser melhor solução pastoral deixar o venerável
Cânon Romano na sua estrutura histórica atual, apesar dos seus limites do ponto de vista litúrgico, e
acrescentar novas Orações eucarísticas que melhor respondessem aos critérios litúrgicos e
expressassem mais claramente a consciência teológica sobre a eucaristia evidenciada pelo Concilio.7
A proposta mais significativa de Vagaggini é sem dúvida a Oração eucarística 4 que, como as
anáforas das Igrejas orientais, apresenta uma síntese da história da salvação e coloca a páscoa de
Jesus e a celebração da eucaristia no seu centro e como sua meta. A constante celebração da páscoa
na eucaristia sustenta a Igreja no seu caminho rumo à vinda gloriosa do Senhor que nela é
antecipada na esperança. Infelizmente a oração eucarística 4 é pouco conhecida e menos ainda
celebrada dando lugar “às mais breves” 2 e 3, enquanto pelo contrário seria uma fonte inesgotável
de espiritualidade e de catequese eucarística e sobre o mistério da Igreja 8.

b) Novo Lecionário para a celebração da eucaristia. A contribuição de Vagaggini foi a indicação dos
princípios teológicos e pastorais que inspiram a escolha e o uso das leituras na missa, segundo o
pedido da SC 35 e 51:”para mais ricamente preparar a mesa da palavra de Deus para os fieis... os
tesouros bíblicos sejam mais largamente abertos de tal forma que... se leiam ao povo as partes mais
importantes da sagrada escritura”. O primeiro e fundamental critério é a unidade do AT e NT na
pessoa de Jesus, centro e cume da história da salvação, que agora encontra sua plena realização na
celebração do mistério pascal e na vida da Igreja e de cada fiel, por ele alimentado. Exemplo clássico
desta relação vital: AT-NT (Cristo) – IGREJA, e da hermenêutica bíblica segundo o principio da
leitura tipológica dos textos do AT, é a estrutura das três leituras dos domingos e das solenidades: a
primeira leitura do AT, a terceira, um trecho do Evangelho lido com o critério da leitura
semi-continua que determina a escolha do texto do AT na primeira leitura, e a segunda leitura
habitualmente do apostolo ou de outro escritor do NT9.

c) Introdução da concelebração no rito romano e a comunhão sob as duas espécies do pão e do vinho.
Os dois ritos estavam presentes de modo habitual no rito da Igreja grego-bizantina desde a
antiquidade. Dom Vagaggini vivenciou durante anos esta tradição quando, jovem monge, foi
vice-reitor do colégio grego-católico em Roma. Na discussão sobre a introdução da concelebração e
a recuperação da comunhão sob as duas espécies teve a oportunidade de oferecer não somente seus
conhecimentos científicos, mas também sua experiência.

Se a concelebração destaca a unidade do corpo dos presbíteros com o bispo, entre si e com o
inteiro corpo da Igreja, a comunhão no pão e o vinho, também por parte dos fieis, em determinadas
circunstâncias, restitui à celebração eucarística sua plenitude de sinal ritual de participação na ceia
do Senhor e no seu sacrifício pascal.

5. Uma herança e uma tarefa para hoje

A intensa atividade acadêmica desenvolvida ao longo de 60 anos por Dom Vagaggini na pesquisa e
no ensino da teologia, da liturgia e da espiritualidade, é um exemplo de quanto foi sério o seu estudo,
profundo o seu caminho espiritual e viva a sua sensibilidade pastoral para a vida da Igreja e para a
cultura do nosso tempo. Indica a via mestra para superar por um lado o risco de abordar de maneira
meramente intelectual a teologia e o estudo da liturgia, e do outro a ilusão de um caminho espiritual
que procure o próprio estimulo nos elementos mais exteriores dos ritos - novos ou tradicionais - ou
num devocionalismo emocional sem profunda conexão objetiva com o mistério pascal de Cristo,
fonte de toda vida no Espírito.

“O coração vivo da reforma litúrgica -escrevia Vagaggini - é exatamente a questão das relações
entre liturgia e espiritualidade de um lado, e liturgia e pastoral do outro”10. E destacava ainda:
“Enquanto o professor de liturgia não descobrir o seu valor espiritual, não conseguirá recolher
pessoalmente seus verdadeiros frutos, nem se tornará autêntico apóstolo da liturgia” 11.
A experiência pessoal de Vagaggini, monge e teólogo, mostra que a unidade interior da pessoa, a
partir da experiência pascal de Cristo a nós proporcionada pela escritura e pela liturgia, é possível
não somente para os monges e religiosos(as), mas para cada cristão que procure mergulhar
interiormente na palavra viva de Deus e no seu mistério celebrado.
No horizonte unitário das três grandes constituições do Concilio, DV, LG, SC, o mistério do Senhor
morto e ressuscitado, interiorizado na Palavra recebida com fé e celebrado na liturgia, atua no corpo
vivo da Igreja e da história para o crescimento contínuo das pessoas e do mundo num processo de
transformação até o mundo novo do éscaton.
No meio das dificuldades para enraizar mais profundamente no tecido da vida das comunidades a
árvore da reforma litúrgica, historicamente ainda jovem, e na espera de recolher frutos maduros, o
testemunho de Dom Cipriano mostra que a tradição litúrgica e espiritual da Igreja iluminada pelos
critérios teológicos que a geraram e a animaram, é um corpo vivo. Ao longo dos séculos e nos
diferentes lugares a liturgia mudou muitas vezes suas formas rituais, segundo as circunstancias
históricas e culturais, ao passo que desenvolveu em admirável continuidade a riqueza da fé e a
reflexão teológica sobre a mesma.
O precioso tesouro da reforma do Vaticano II espera ainda ser explorado em profundidade e
traduzido em pão para alimentar a fé e a vida do povo de Deus. Precisamos de homens e mulheres
que, como Dom Vagaggini, animados por grande zelo pelo reino de Deus e iluminados pelo Espírito,
dediquem suas energias intelectuais e sua paixão pastoral à uma inteligência sábia e saborosa da
liturgia, em vez de procurar fáceis soluções em “novidades”ou na saudade de ritos antigos.
O mundo acadêmico e a Igreja do Brasil durante as últimas décadas têm produzido obras originais
significativas e traduzido outras de autores estrangeiros, que são expressão da sua vitalidade e da
sua busca para ampliar os horizontes da reflexão e fundamentar sua atividade pastoral.
A recente publicação, em português, de sérios estudos acadêmicos e pastorais de autores que
contribuíram em grande medida com o movimento litúrgico que preparou o Concilio ao longo dos
anos 30 - 50, é um sinal que a consciência da exigência de um novo aprofundamento do caminho
litúrgico está ainda bem presente12. Cada um pode aproveitar desta nova possibilidade e contribuir
com a parte que lhe cabe para o seu desenvolvimento.
Dom Emanuele Bargellini , OSB Cam. Mestre em Liturgia no Pontifício Ateneo Santo Anselmo em
Roma (PIL). Prior do Mosteiro da Transfiguração, Mogi das Cruzes (SP).

1VAGAGGINI, Cipriano. O sentido teológico da liturgia.


São Paulo: Loyola, 2009. Edição original italiana: Il senso teologico della liturgia. Saggio di liturgia
teologica generale, Edizioni Paoline, Roma 1957.
2VAGAGGINI, Cipriano. Perché la nuova facoltá teologica di Milano? Archivio del Monastero di
Camaldoli.
3VAGAGGINI, Cipriano. O sentido teológico da liturgia, São Paulo: Loyola, 2009, p. 417.
4Lo spirito della Costituzione sulla liturgia. Rivista Liturgica 51 (1964) 5-49; C. VAGAGGINI - S.
MARSILI (ed), Costituzione sulla sacra liturgia. Texto latino e italiano.
Torino: LDC, Leumann, 1964.
5VAGAGGINI, Cipriano. O sentido teológico da liturgia.
São Paulo: Loyola, 2009, p. 439-444.
6VAGAGGINI, Cipriano. O sentido teológico da liturgia. São Paulo: Loyola, 2009: cap. 21, Liturgia e
espiritualidade (pp. 555 - 629); cap. 22, O exemplo de uma mística: Santa Gertrude e a
espiritualidade litúrgica (pp. 631 -684).
Neste mesmo sentido vai o repetido ensino espiritual do papa Bento XVI nas audiências da
quarta-feira, sobre os excelentes exemplos de grandes místicas e místicos da idade media, como
Santa Hildegarda de Binguen (1 de setembro 2010); santa Matilda de Hackemburg (29 de setembro
2010); Guilherme de Saint Thierry (2 de dezembro 2009); São Bernardo de Claraval (21 de outubro
de 2009). Ele destaca sempre que tais experiências de profunda unidade com o Senhor e consigo
mesmos/as, constituem o fruto de toda participação autêntica na liturgia. A mesma consciência da
liturgia como lugar privilegiado para o encontro da intimidade transformadora com a palavra de
Deus e o mistério pascal de Cristo permeia a exortação Apostólica póssinodal, Verbum Domini, sobre
a Palavra do Senhor (30 de setembro 2010), na ampla seção Liturgia lugar privilegiado da palavra de
Deus (n. 50-71).
7VAGAGGINI, Cipriano. Il Canone della messa e la riforma litúrgica. Problemi e progetti. Torino:
LDC Leumann,1966.
8DI NAPOLI, G. Dall’ipotesi di revisione del Canone Romano all’elaborazione di nuove preghiere
eucaristiche: l’apporto determinante di Cipriano Vagaggini. Rivista Liturgica 96 (2009), pág
385-396.
9Veja Introdução ao Lecionário nn. 1-10.
10Spiritualitá sacerdotale e spiritualitá liturgica. Rivista Liturgica 52 (1965), 285-312; p. 285.
11 Liturgia e storia della spiritualitá: un campo di indagine.
CAL (ed), Introduzione agli studi liturgici, Roma 1962, 225-267; p. 226.
12 Além de “O sentido teológico da liturgia” de Vagaggini, ver como exemplo : B. NEUNHEUSER,
História da liturgia através das épocas culturais (última edição 1999), Loyola, 2007; O. CASEL, O
mistério do culto cristão (1935), Loyola, 2009; J. JUNGMANN; Missarum Sollemnia (1954), Paulinas
2009.

Fonte: Liturgia da Igreja

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