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Revista
de estudos
ibericos
N. 14
2018
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Coordenação deste número
Rui Jacinto
Alexandra Isidro
Apoio à Coordenação
Ana Margarida Proença
Ana Sofia Martins
Impressão
Pride Colour
Edição
Centro de Estudos Ibéricos
Rua Soeiro Viegas, 8
6300-758 Guarda
cei@cei.pt
www.cei.pt
ISSN: 1646-2858
Depósito Legal:
dezembro 2018
Montes Sagrados: 43
um projeto mútuo de promoção e ordenamento da paisagem
Miguel Sopas de Melo Bandeira
Retratos 125
Alfredo Cunha
Volver sobre mis pasos 129
Rui Jacinto
Santiago Santos
O sentido dos lugares. 143
Património visual, memória local
Dulce Helena
Mundo português 153
Duarte Belo
RUI JACINTO
O Conhecimento, outro pilar que estrutura a atuação do CEI, tem sido su-
portado pelo apoio à investigação, dinamizando projetos indispensáveis para
alimentar a divulgação científica e a sociabilização do saber. A par de atividades
de ensino e formação, dos eventos, iniciativas de cooperação e edições, a Ibe-
rografias divulga outras iniciativas que resultam de projetos que tem vindo a ser
estimulado, designadamente do que foi intitulado Investigação, Inovação & Ter-
ritório (Prémio CEI – IIT). O projeto Investigação, Inovação & Território foi criado
para distinguir trabalhos, projetos de investigação e outras iniciativas inovado-
ras, que contribuam para divulgar estudos, experiências e boas práticas que con-
corram para reforçar a coesão, a cooperação e a competitividade dos territórios
fronteiriços e de baixa densidade, tendo sido distinguidos dois projetos na sua
primeira edição: “Iniciativas de “ageing in place” – Valorizar e Divulgar” (António
Manuel Godinho da Fonseca) e “Pontes entre agricultura familiar e agricultura
biológica” (Cristina Amaro da Costa). Estamos, pois, perante dois temas que fa-
zem parte de qualquer agenda que se debruce sobre o desenvolvimento dos
espaços mais débeis do interior.
O Seminário “Envelhecer no Lugar” foi a primeira iniciativa publica realizada
neste âmbito, tendo por objetivo apresentar “experiências inovadoras e boas
práticas de coesão social, designadamente, no que respeita ao combate ao iso-
lamento e à promoção da inclusão social dos cidadãos mais velhos nas respeti-
vas comunidades, valorizando o que é habitualmente designado por “ageing in
place” (envelhecer na comunidade)”. A par deste projeto importa destacar outros
projetos estruturantes, desenvolvidos com o patrocínio do CEI, cujos resultados
suportam os conteúdos deste número da Iberografias:
INTRODUÇÃO
O Programa de Geoparks Mundiais da UNESCO constitui, na atualidade, um
novo paradigma de valorização, promoção e desenvolvimento dos territórios,
ancorado na importância do património geológico. Neste sentido, um Geopark
é um território bem delimitado, detentor de uma notável história geológica que,
pela sua relevância, singularidade e significado, constitui um legado comum que
importa salvaguardar e valorizar para as gerações futuras. No corolário destas
preocupações, os Geoparks Mundiais da UNESCO defendem uma visão holística
do território, uma ação concertada entre os diferentes agentes de desenvolvi-
mento, uma estratégia de conservação e valorização dos seus locais de inte-
resse geológico e uma política de desenvolvimento de base territorial que seja
efetivamente integrada e participativa, centrada na sustentabilidade e na valori-
zação dos recursos endógenos de cada território.
*
Associação Geopark Estrela, Av. Francisco Sá Carneiro, n.º 50, 6300-559 - Guarda, PORTUGAL.
18 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
base que contribua para a mitigação destes. Assim, foram traçados objetivos a
implementar, num Plano de Ação desenvolvido pelo Geopark Estrela, onde foram
definidas áreas de atuação concretas com linhas estratégicas que permitissem
assegurar esta visão. Desta forma, as áreas definidas foram: Geoconservação e
Ambiente, Ciência, Educação e Formação, Turismo e Comunicação.
Para a Geoconservação e Ambiente, pretende-se estabelecer uma estraté-
gia de geoconservação em que deverão ser incluídos todos os valores naturais,
abrangendo não só a biodiversidade, mas também a geodiversidade, trabalhan-
do todo este património de uma forma holística e assegurando que os procedi-
mentos de gestão tenham em consideração a vulnerabilidade deste património
natural.
Sobre a Ciência, é necessário implementar no território uma estratégia que
vise o incremento do conhecimento científico, permitindo desta forma tornar o
Geopark Estrela um polo competitivo ao nível da investigação em áreas de mon-
tanha. Pretende-se estabelecer parcerias com as instituições de ensino superior
já presentes no território, bem como com outras que possuem um historial de
estudos na serra da Estrela. Assim, e com um foco em diversas áreas, como
geologia, biologia ou turismo, poderão ser postas em prática novas estratégias,
melhor fundamentadas, que contribuirão para o desenvolvimento sustentável
do território.
No que diz respeito à Educação, ou Geoeducação no contexto dos Geo-
parques, esta constitui uma ferramenta fundamental para a sensibilização de
crianças, jovens e adultos para a importância do património geológico e para
a necessidade da sua preservação, uma vez que só se pode valorizar e, conse-
quentemente, preservar aquilo que verdadeiramente se conhece. Neste sentido,
a Educação é essencial para estimular o sentimento de pertença, em relação ao
seu território e ao património natural e cultural que este encerra, contribuindo
desta forma para a sua conservação.
Sobre o Turismo, e tendo em conta que este é um dos pilares de um Geopark
Mundial da UNESCO, foram selecionadas ações que visam, entre outros: dinami-
zar o turismo no território Geopark Estrela; reforçar as parcerias; contribuir para
a continuidade da identidade da Estrela; contribuir para a criação de uma marca
turística forte, assente no património e na cultura; incitar o aumento do nº de
visitantes e da despesa média/dia por visitante; além de contribuir para colmatar
a sazonalidade turística.
Por fim, relativamente à Comunicação, este aspirante a integrar a rede Mun-
dial de Geoparques da UNESCO assume que a comunicação possui um papel de
destaque na sua estratégia transversal de desenvolvimento. Em cada um dos
seus eixos vitais, o turismo, a ciência, a educação e a sustentabilidade, a comuni-
cação procura atingir três objetivos essenciais: em primeiro lugar uma maior no-
toriedade da marca Geopark e do seu próprio conceito, em segundo uma maior
A CANDIDATURA DA ESTRELA A GEOPARQUE MUNDIAL DA UNESCO
25
Castro, E., Fernandes, M., Loureiro, F.
NOTAS FINAIS
Claramente marcada pela presença da mais alta montanha de Portugal Conti-
nental, o território do Geopark Estrela apresenta um inequívoco património geo-
lógico, sendo o seu foco as mais importantes formas associadas ao glaciarismo,
periglaciarismo e fluvioglaciarismo em Portugal, algumas delas de relevância
internacional. As suas paisagens e ambiente de montanha tornam a Estrela um
laboratório vivo para o estudo das dinâmicas ligadas às alterações climáticas e
riscos naturais, ecossistemas de montanha e turismo.
No entanto, apesar deste património geológico, nem só de rochas é feito um
Geopark, sendo o restante património natural bem como a antiquíssima história
de ocupação humana elementos que enriquecem esta candidatura, sendo exem-
plo a ancestral prática da transumância, que faz parte da cultura deste território
e que está na origem do próprio nome desta serra.
Assim, esta candidatura a Geopark Mundial da UNESCO proporciona uma
oportunidade de promoção de um desenvolvimento sustentável que de forma
transversal irá ao encontro daquilo que são as necessidades desta região e das
suas gentes. Mais do que alcançar uma classificação internacional, esta é uma
oportunidade para encontrar novas estratégias de desenvolvimento, novas abor-
dagens de sustentabilidade, fomentando o trabalho em rede entre os diferentes
agentes do Território. Esta candidatura é, de facto, o espelho da ambição desta
serra, traduzindo-se numa enorme viagem pela geologia e geografia de uma
Montanha que é muito mais do que isso, é sinónimo de identidade e de pertença.
REFERÊNCIAS
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A CANDIDATURA DA ESTRELA A GEOPARQUE MUNDIAL DA UNESCO
27
Castro, E., Fernandes, M., Loureiro, F.
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A CLASSIFICAÇÃO DOS JARDINS
HISTÓRICOS PORTUGUESES: EVOLUÇÃO
E CARACTERIZAÇÃO
SUSANA SILVA*
INTRODUÇÃO
Os jardins históricos constituem um tipo particular de património cultural e
paisagístico onde a componente natural e cultural se conjugam de forma har-
moniosa. A eles lhe é imputada uma importância maior resultante do seu papel
enquanto documentos culturais e históricos uma vez que são presença assídua
nas diferentes civilizações, sociedades e territórios. Ao tamanho da sua riqueza
intrínseca corresponde, na mesma proporção, a vulnerabilidade a que estão su-
jeitos, devido a fatores vários.
Não obstante ter constituído durante largas décadas um património menor,
secundarizado e tratado de forma superficial nos amplos e vastos debates inter-
nacionais sobre património, resultando, tal descaso e inércia, em perdas irrepa-
ráveis, a partir do final da década de 60 assiste-se a uma nova atitude face aos
jardins. A salvaguarda, a conservação, a investigação e a valorização de jardins
históricos torna-se assim mais efetiva através da definição e aplicação de várias
medidas decorrentes sobretudo da fundação do Comité Internacional de Jardins
e Sítios Históricos, da realização de diversos eventos com destaque para o Sim-
pósio de Fontainebleau ou ainda da assaz defesa deste património comandada
por René Pechère. As orientações presentes na Carta de Florença vêm reforçar
a necessidade de preservação dos jardins históricos uma vez que o seu artigo
9º reitera que aquela depende da identificação e da classificação destes. Uma
premissa que é de igual modo assumida pela atual Lei do Património Cultural
Português.
Embora as preocupações nacionais relativamente ao património jardins ti-
vessem despontado tardiamente, sobretudo no meio académico, e apenas na
década de 60 ter sido realizado um levantamento de jardins históricos, estes têm
*
CEGOT – Universidade de Coimbra (Portugal) [susanageog@sapo.pt].
Doutora em Geografia pela Universidade de Coimbra, Investigadora do Centro de Estudos de Geografia e
Ordenamento do Território (Universidades de Coimbra, Porto e Braga) e Assistente Convidada da Escola
Superior de Educação do Instituto Politécnico de Bragança.
30 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
sido alvo da medida de salvaguarda que lhes confere estatuto de bem protegido
– a classificação.
Este artigo propõe assim analisar e refletir sobre o percurso de mais de um
século da classificação de jardins em Portugal e a sua evolução em termos quan-
titativos e qualitativos chamando a atenção, por um lado, para a evolução do
conceito de património, no sentido de uma cada vez maior abrangência e inclu-
são, como fator determinante nesta evolução, por outro, para a necessidade de
mais classificações face ao imenso espólio de jardins históricos existente em
Portugal e para a sua capitalização.
%
45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
1910
1920
1930
1940
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1970
1980
1990
2000
2010
Fonte: Elaboração própria com base nos dados da DGPC (2018a, 2018b)/Considerado o ano da 1ª classificação.
45
40
35
30
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20 Outras
CIP
15
IM
10 IIP
5 MIP
MN
0
1910
1920
1930
1940
1950
1960
1970
1980
1990
2000
2010
Fonte: Elaboração própria com base nos dados da DGPC (2018a, 2018b)
Arq. Mista
1%
Arq.
Religiosa
9%
Arq. Militar
Arq. Civil 0%
75% Não
Sem
tipo 1./categ. Definida
15% 0%
Fonte: Elaboração própria com base nos dados da DGPC (2018a, 2018b)
%
20%
18%
16%
14%
12%
10%
8%
6%
4%
2%
0
Área urbana
Casa
Conjunto
Edifício
Jardim
Paço
Palacete
Palácio
Parque
Quinta
Solar
Outras
Conjunto
Convento
Igreja
Mosteiro
Paço
Outras
Castelo
Conjunto
Sem tip./cat.
Fonte: Elaboração própria com base nos dados da DGPC (2018a, 2018b)
Outras
2%
CIP
4% IM MN
7% 13%
MIP
33%
IIP
41%
Fonte: Elaboração própria com base nos dados da DGPC (2018a, 2018b)/ Considerada classificação atual.
100%
90%
80%
70%
60%
50% Outras
40% CIP
30% IM
IIP
20%
MIP
10%
MN
0%
Norte
Centro
AMLisboa
Alentejo
Algarve
Madeira
Fonte: Elaboração própria com base nos dados da DGPC (2018a, 2018b) Açores
NOTAS FINAIS
Os jardins, em particular os que se identificam como históricos, constituem
uma CA(U)SA Comum num duplo sentido: por um lado, são um elemento presen-
te em todas as sociedades e territórios, por outro, a proteção/salvaguarda deste
património é um dever de todos. Neste contexto, constata-se que há um efeti-
vo reconhecimento da importância deste património, sendo crucial conhecê-lo,
identificá-lo e localizá-lo para o desenvolvimento de políticas de ordenamento
do território.
Portugal possui um conjunto rico de jardins históricos com características ím-
pares e portanto com argumentos capazes de justificar a sua classificação, à qual
estão afetas várias premissas de salvaguarda e proteção. De acordo com a Lei
do Património Cultural Português, a classificação constitui “o acto final do proce-
dimento administrativo mediante o qual se determina que certo bem possui um
inestimável valor cultural”. Deste modo, este processo assume-se como meio de
salvaguarda, de qualificação e de valorização do património, pelo menos em ter-
mos teóricos, já que por vezes, na prática, tal não acontece e estes são alvo de
alienações e transformações várias. Veja-se os casos da Quinta de Villar d’Allen,
da Quinta da Prelada (Porto), da Quinta da Bacalhoa (Azeitão) ou da Quinta do
Relógio (Sintra). Não obstante os progressos nesta matéria, é necessário apontar
40 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, I. (1962). A Arte Paisagista e a Arte dos Jardins em Portugal. Lisboa:
Ministério das Obras Públicas, Direção Geral dos Serviços de Urbanização
(Centro de Estudos de Urbanismo).
CALDEIRA CABRAL, F. (1993). Fundamentos da Arquitectura Paisagista. Lisboa: Ins-
tituto da Conservação da Natureza.
CARAPINHA, A. (1995). Da essência do Jardim Português. Tese de Doutoramento
em Arquitetura Paisagista. Évora: Universidade de Évora.
CARITA, H., & CARDOSO, A. H. (1987). Tratado da Grandeza dos Jardins em Por-
tugal ou da originalidade e desaires desta arte. Lisboa: Edição dos Autores.
CASTEL-BRANCO, C. (Dir.) (2002). Jardins Históricos. Poesia atrás dos Muros. Lis-
boa: Inapa.
CASTEL-BRANCO, C. (2010). O jardim português e a história da água nos jardins.
In C. Castel-Branco (Ed.), A água nos jardins portugueses (pp. 7-21). Lisboa:
SCRIBE.
DGPC (2018a). Património Imóvel classificado ou em vias de classificação. Lisboa:
Direção-Geral do Património Cultural. Disponível em: http://www.patrimonio-
cultural.pt/pt/patrimonio/patrimonio-imovel/pesquisa-dopatrimonio/classifi-
cado-ou-em-vias-de-classificacao/geral/.
A CLASSIFICAÇÃO DOS JARDINS HISTÓRICOS PORTUGUESES: EVOLUÇÃO E CARACTERIZAÇÃO
41
Susana Silva
LEGISLAÇÃO:
(1938). Decreto-Lei n.º 28468, D.G. n.º 37/1938, Série I de 15 de fevereiro de 1938.
(2001). Lei nº 107/2001, D.R. n.º 209/2001, Série I-A de 8 de setembro de 2001.
(2012). Lei n.º 53/2012, D.R. n.º 172, Série I de 5 de setembro de 2012.
(2014). Portaria n.º 124/2014, D.R. n.º 119, Série I de 24 de junho de 2014.
.
MONTES SAGRADOS: UM PROJETO
MÚTUO DE PROMOÇÃO E ORDENAMENTO
DA PAISAGEM
MIGUEL SOPAS DE MELO BANDEIRA*
4
Freguesia de Longos (Guimarães) e União de Freguesias de Nogueira, Fraião e Lamaçães (Braga).
5
Decreto n.º 1/2017, DR, 1.ª série, n.º 1, de 2-01-2017.
MONTES SAGRADOS: UM PROJETO MÚTUO DE PROMOÇÃO E ORDENAMENO DA PAISAGEM
45
Miguel Sopas de Melo Bandeira
de Sabroso e de Santa Marta das Cortiças. Tal não bastasse, faz ainda parte
da ampla área alvo o Santuário de Nossa Senhora do Sameiro, segundo centro
mariano de peregrinação no País, a Capela de Santa Marta do Leão e, ainda,
diversas explorações agrícolas e núcleos de património vernacular rural, como
cruzeiros, alminhas, levadas, tanques, e moinhos, dos quais sobressai o sistema
de moinhos de Portuguediz. Uma nota também para a densa rede de caminhos
que trilha toda a área e que vem sendo objeto de um trabalho de identificação
e preservação, nos quais se releva a reconstituição do Caminho Real que liga a
Capela de Santa Maria Madalena da Falperra a Guimarães.
Finalmente não podemos deixar de aludir aos fatores circunstanciais que
vieram a potenciar o presente Programa Intermunicipal. Por um lado, as candi-
daturas europeias de Guimarães, Capital Verde Europeia 2020 e Braga, Capital
Europeia da Cultura 2027, e o imperativo de se proceder ao ordenamento do ex-
tenso coberto florestal, cuja emergência operativa veio a ser dramatizada pelos
terríveis fogos de 15 de outubro de 2017.
6
Previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 61.º do RJIGT.
46 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
7
Exigido no DLnº. 232, de 15 de junho de 2007, alterado pelo DL nº. 58, de 4 maio de 2011.
INVENTÁRIO DO GEOPATRIMÔNIO
DE JOÃO PESSOA E CABEDELO (PARAÍBA),
NORDESTE DO BRASIL
INTRODUÇÃO
A temática acerca do Patrimônio Natural é relativamente nova nas Geociên-
cias e não há unanimidade em sua definição e caracterização. A partir da Confe-
rência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizado nos mês de
junho de 1972, em Estocolmo, os problemas ambientais passaram a ser discuti-
dos em uma escala amplificada e adentrando personagens que até então esta-
vam secundarizados nesta pauta de discussões. Assim, em outubro e novembro
do mesmo ano, em Paris, a temática ambientalista foi inserida na visão patrimo-
nial do espaço, através da Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial,
Cultural e Natural, sob a égide da UNESCO, onde os aspectos da natureza foram
separados dos humano-culturais, pelo menos na prática, pois sabe-se que o re-
conhecimento e proteção de uma cultura nacional se dá pela “integração dos
elementos naturais e sus processo com as ações humanas, devido à identidade,
sensibilidade e significados (religiosos, míticos, históricos, simbólicos, afetivos,
entre outros)” (PINTO e OLIVEIRA FILHO, 2014, p. 23), estabelecidos entre o ser
humano e a natureza.
O Geopatrimônio (do inglês, ‘Geoheritage’) corresponde à porção abiótica do
Patrimônio Natural, podendo ser subdividido em Patrimônio Geológico, Geomor-
fológico, Pedológico e Hidrológico (RODRIGUES, 2009). Assim, neste trabalho, foi
dissociado do patrimônio geológico, que consideramos corresponder a concei-
tos complementares, mas distintos, sendo ambos enquadrados no patrimônio
natural abiótico, conjuntamente com os elementos do património hidrológico e
pedológico. O termo sítio foi introduzido nas Geociências por Panizza (2001),
consistindo em uma porção do geopatrimônio que possui uma importância
*
Doutoramento em Geografia Física, Departamento de Geografia, Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra,
Portugal. [ischaefer2@gmail.com]
**
Departamento de Sociologia, Faculdade de Economia, Universidade de Coimbra, Portugal. [ingrydymota@hotmail.pt]
48 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
MATERIAIS E MÉTODOS
O presente trabalho envolve três fases sequenciais. São elas:
Figura 2. Foto de satélite mostrando as praias e o entorno dos terraços marinhos holocêni-
cos, na sua retaguarda, em sua porção meridional, mais estreita. Vê-se a localização da falésia
inativa urbana florestada (flechas), que delimita a planície costeira,
representada pelos terraços e os baixos planaltos, mais a oeste (linha tracejada).
Vê-se também o assentamento da população de baixa renda da Comunidade São José,
entre o sopé da falésia e o Rio Jaguaribe.
Legenda: *localização do mirante do geomorfossítio. [Fonte: modificado do Google Earth (Junho/2016)]
A falésia do Cabo Branco é uma das várias representantes deste tipo de for-
ma de relevo no litoral paraibano, sendo formado pelos sedimentos Plio-pleisto-
cênicos da Formação Barreiras.
54 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
Parte das camadas das rochas desta falésia apresentam um dobramento an-
ticlinal, com eixo sub-horizontal, o que evidencia a ação neotectônica nesta for-
mação, influenciando em sua deposição e afetando os sedimentos quaternários
sobrepostos. Esta atividade neotectônica é importante para desmistificar que
as bacias marginais brasileiras, em especial as nordestinas, são essencialmente
do tipo passivo, como durante muito tempo foi propagado nos meios científicos
(ASMUS, 1982; MOHRIAK, 2003, entre outros).
Apesar de pertencer a um parque municipal, pouco se faz para preservar a
falésia, que sofre intenso solapamento marinho. Um somatório de fatores (naturais
e antrópicos) acabou por causar o desabamento de parte desta, em janeiro de
2018, atingindo, inclusive, as proximidades do Farol do Cabo Branco (figura 4a).
Segundo cálculos executados por professores da UFPB e da Universidade Estadual
da Paraíba (UEPB), a erosão avança cerca de um metro por ano (figura 4b). Assim,
se a inércia do poder público continuar, a tendência é que em 20 anos este farol,
símbolo importante da capital paraibana, deixará de existir.
Pelo excepcional valor cultural, aliado aos altíssimos valores científico e esté-
tico, a falésia do Cabo Branco é um exemplo de geopatrimônio na área.
Figura 4 – Situação atual da falésia de Cabo Branco. a) Foto aérea do farol do Cabo Banco,
mostrando o desabamento de parte da falésia. Foto: Portal Correio; b) base da falésia,
com placa advertindo a possibilidade de desmoronamento da área.
Foto: do autor.
pelas águas do mar por ocasião das marés altas e que é ponto turístico de inten-
sa visitação pela sua beleza cênica.
Ali, uma infraestrutura de bares foi montada em meio aos coqueirais e sobre
a areia fina, para receber os turistas que aportam em grande número, especial-
mente no verão (figura 5). A palavra ‘Gramame’ é derivativa de grama, ou onde
houver grama (MACHADO, 1993), provavelmente associada à presença de uma vas-
ta planície intertidal, que se prolonga vários quilômetros rio adentro, preenchida
por frondosos manguezais, que dão aspecto de um alto gramado.
Desde o encontro com o Rio Mumbaba, no curso médio-inferior, o Rio Gra-
mame adquire um sentido oeste-leste e um padrão fortemente meandrante, em
contraste com seu padrão linear no curso superior e intermediário. Furrier (2007)
sugere que a mudança no curso do Rio Gramame, após o encontro com o Rio
Mumbaba, de sudoeste-nordeste para oeste-leste, somado ao padrão assimétri-
co dos afluentes das duas margens e ao aparecimento de calcários da Formação
Gramame (Maastrichtianos), onde está a seção-tipo que dá nome à formação,
em sua margem direita, em detrimento da esquerda, seja explicado pelo soer-
guimento na porção sul do terreno, onde o rio se encaixou em uma falha. Se-
gundo o autor, os afluentes da margem direita entalham com mais intensidade
os sedimentos Plio-pleistocênicos da Formação Barreiras, que possuem maiores
declividades, diferentemente dos afluentes da margem esquerda. O afloramento
do calcário da Formação Maria Farinha (Daniano), no limite da praia de Gramame
com a de Jacumã, parece corroborar com esta hipótese de soerguimento do ter-
reno ao sul do Rio Gramame. Ademais, a atual localização da Barra de Gramame
encontra-se em outra posição quando comparada a 40 anos.
Foto 5. Vista área da Barra de Gramame, com a grande densidade de bares em sua margem
direita, em meio aos coqueirais. [Foto: Ricardo Paulo]
56 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
Sítio 4: PICÃOZINHO
Os recifes algálicos/coralinos, ao longo da costa paraibana, apresentam-se
alongados e descontínuos, paralelos à linha de costa, podendo se estender por
até 4 Km, cujos corpos mais proeminentes localizam-se em frente à cidade de
João Pessoa (figura 1). Picãozinho corresponde a um destes corpos, um geo-
morfossítio localizado a cerca de 1500 metros na antepraia em frente ao Hotel
Tambaú e possui 45 mil m2 de área. Segundo pesquisas da FECOMÉRCIO (IFEP,
2014), corresponde a um dos locais mais visitados pelos turistas, que nadam
por entre as estruturas recifais nas marés baixas, onde as águas são límpidas e
pode-se ver, com facilidade, uma grande variedade de peixes (figura 6).
Os recifes com corpos alongados possuem dezenas de metros de largura en-
quanto os irregulares podem chegar a centenas de metros. A profundidade das
águas circundantes não passa de 10 m, sendo que, no litoral da Bahia, o topo trun-
cado e o fato de nunca emergirem, mesmo na maré baixa, foi proposto por Leão et
al. (1985), como justificativa de sua erosão quando expostos na fase regressiva que
sucedeu à Última Transgressão marinha. Estes recifes possuem uma estreita rela-
ção com os ‘beach rock’ (BRANNER, 1904), tendo sido sugerido por Laborel (1969)
que estes recifes se instalaram e cresceram sobre os ‘beach rocks’ submersos,
quando a costa foi inundada na Última Transgressão.
Figura 6. Vista área dos recifes algálico-coralinos de Picãozinho. [Foto: Cacio Murilo]
INVENTÁRIO DO GEOPATRIMÔNIO DE JOÃO PESSOA E CABEDELO (PARAÍBA), NORDESTE DO BRASIL
57
Luciano Schaefer Pereira e Ingrydy Schaefer Pereira
Figura 7. Vista aérea das adjacências da Praia do Jacaré, com alguns elementos discriminados.
Vê-se a ampla faixa de manguezais, que se estreitam na área da praia, em consequência da urbani-
zação e desmatamento. Os terraços fluviais, na margem oposta, foram ocupados por canaviais.
Legenda: * Praia do Jacaré. Escala 1: 50.000. [Foto: Incra/Terrafoto (1998)]
58 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
1
B.N.M. - MSS 1.185 - fl. 131-133.
INVENTÁRIO DO GEOPATRIMÔNIO DE JOÃO PESSOA E CABEDELO (PARAÍBA), NORDESTE DO BRASIL
59
Luciano Schaefer Pereira e Ingrydy Schaefer Pereira
2
Arrecifes, a calçada do mar de recife. Publicado on line em 2010. Acesso em http://sigep.cprm.gov.br/sitio040/
sitio040_impresso.pdf. Visualizado em 17 abril 2018.
60 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
[...] recifes ou rochedos que, em sua maioria, se alinham a cerca de meia milha da
praia. Isto faz com que as águas situadas entre êles e a terra seja muito calma e
permita o tráfego marítimo mesmo em época tempestuosa, quando a navegação se
torna quase impossível para fora dêsses escolhos, devido à violência da corrente pro-
cedente do norte e ao vento sul que lá sopra continuamente (NIEUHOF, 1942, p. 52).
Pelo seu excepcional valor funcional, aliado aos altíssimos valores estético,
científico e cultural, Areia Vermelha configura-se em um importante representan-
te do geopatrimônio costeiro da área da tese.
CONCLUSÕES
A tectônica teve um papel fundamental na configuração do relevo litorâneo,
enquanto os agentes exógenos, como as regressões e transgressões marinhas, os
climas atuais e pretéritos, os agentes biológicos e antrópicos, entre outros, mode-
laram e formaram as belíssimas formas de relevo existentes. No momento em que
o ser humano valora locais de interesse, estes sítios passam a ter valor patrimonial,
merecendo ser salvaguardados para as gerações futuras, o que é um dos princí-
pios da geoconservação.
À partir de estudos prévios acerca da geologia e geomorfologia da área e de
critérios pré-estabelecidos, como o valor científico, cultural, estético, ecológico e
econômico, foram identificados uma série de sítios em várias escalas. A região é
um destino turístico conhecido no Brasil, do ponto de vista do turismo de sol e mar.
É pertinente, portanto, entrelaçar este patrimônio ao turismo na área, para
que mais uma motivação desperte o interesse dos turistas, agora voltado para o
viés da litosfera e hidrosfera. Conclui-se que os municípios de João Pessoa e Ca-
bedelo possuem potencial geopatrimonial. Esta prática ainda se mantem incipien-
te, e o inventário deste patrimônio com a intenção de divulgar as Geociências,
faz-se necessário e é de suma importância para a gestão e planejamento costeiro.
INVENTÁRIO DO GEOPATRIMÔNIO DE JOÃO PESSOA E CABEDELO (PARAÍBA), NORDESTE DO BRASIL
61
Luciano Schaefer Pereira e Ingrydy Schaefer Pereira
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à Capes- CSF pelo financiamento desta pesquisa,
através da bolsa de estudos para o Doutoramento em Geografia Física, pela Uni-
versidade de Coimbra (processo nº 11988-13/4).
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INVENTÁRIO DO GEOPATRIMÔNIO DE JOÃO PESSOA E CABEDELO (PARAÍBA), NORDESTE DO BRASIL
63
Luciano Schaefer Pereira e Ingrydy Schaefer Pereira
4
PACHÊCO FILHO, 2016, p. 41-126.
5
CARVALHO, Carlota. O sertão: subsídio para a história e a geografia do Brasil. Imperatriz: Ética, 2000.
UM OLHAR PORTUGUÊS AO SERTÃO DO BRASIL: FRANCISCO DE PAULA RIBEIRO E O SERTÃO DO MARANHÃO
67
Alan Kardec Gomes Pachêco Filho e Helidacy Maria Muniz Corrêa
nosso militar/viajante sabe-se que, como era habitual na época, seguiu a carreira
do pai e entrou para o exército, em 1789. Após o período de sua formação foi
nomeado, em 1793, para servir na Índia. Sem demorar por lá, retornou a Lisboa,
em 1795, e foi nomeado por D. Maria I para servir no Maranhão por interferência
6
direta do duque de Lafões . Paula Ribeiro “deveria servir debaixo das instru-
ções do Coronel Anacleto Franco e das ordens do Capitão General D. Fernando
Noronha”. Realçava ainda as qualidades do jovem: “é muito vivo, tem grande
7
talento e é hábil militar”. Mas, o Duque não se esqueceu também de ressaltar
as qualidades de seu pai: “Tenente-Coronel de regimento de Artilharia da Corte,
8
bem conhecido pelo seu merecimento”. Embora os registros da nomeação não
mencionem o nome do pai de Paula Ribeiro, acreditamos se tratar do tenente-
9
-coronel João Pedro Ribeiro .
O certo é que, a partir desse momento, Paula Ribeiro reúne uma vasta expe-
riência na sua longa folha de serviços prestados à coroa. No Maranhão, passou
a trabalhar direto com os governadores da província de sua época e, por meio
destes teve contato com as maiores autoridades locais. Assim, ascendeu a todos
os níveis da carreira militar, culminando, em 1818, com o posto de sargento-mor.
Mas, quais as circunstâncias da nomeação de Paula Ribeiro? Para qual servi-
ço exatamente fora designado?
Os primeiros esforços de que se tem notícia da coroa portuguesa tentar obter
informações mais precisas sobre o sertão do Maranhão estão registradas em
uma carta régia de 12 de maio de 1798, na qual o soberano exigia dos governos
locais a exploração dos rios do sul da capitania do Maranhão, especialmente, do
rio Tocantins, recomendando que dessem atenção àqueles rios a fim de facilitar
10
a navegação entre as capitanias do Pará e de Goiás .
A região correspondente ao noroeste do Maranhão recebeu inúmeros colo-
nos vindos das capitanias do Pará e de Goiás. Porém, dentre essas ocupações,
a que mais marcou foi a de pecuaristas que se estabeleceram no centro sul da
capitania do Maranhão, e que originou a vila de São Bento dos Pastos Bons,
11
denominada por Paula Ribeiro de “capital do país” . Partiram dali muitas expedi-
ções de “bandeiras” com o propósito de novas explorações.
É nesse processo que o português fazendeiro Elias Ferreira de Barros teve
notícias da existência de um grande o rio e, por intermédio de um índio que lhe
6
O Duque de Lafões, com a morte de D. José I, foi alçado por D. Maria I à condição de General em Chefe do
Exército Português. Aconselhado pelo Abade Correia de Sá criou a Academia das Ciências de Lisboa. Jornal
do Comércio, Rio de Janeiro, 7 de janeiro de 1828, p. 2.
7
AHU_ACL_CU_09 Cx. 86, Doc. Nº 07183.
8
AHU_ACL_CU_ 09 Cx. 86, Doc. n. 7208.
9
Arquivo Histórico Militar – PT, Livros Mestres, série B, Arma de Infantaria (PT/AHM/G/LM/B-04/05). Subsérie
4, Regimento de Infantaria nº 4. Livro nº 5: registro de assentamento dos oficiais e praças do Regimento de
Infantaria, de 1789 a 1795. Francisco de Paula Ribeiro, nº 1612.
10
AHU_ ACL_ CU_009, Cx. 98, Doc. n. 07943.
11
A expressão é de Francisco de Paula Ribeiro.
68 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
[...] por isso antecipo vossa excelência para pôr na presença do mesmo soberano o
serviço que eu fizer e de que estou encarregado, sem interesse pessoal de salários,
mas antes com prejuízo da advocacia a fim de vossa excelência despachar-me se
eu merecer para alguns dos empregos que já requeri, ou para que parecer a vossa
excelência. Deus guarde a vossa excelência para mim e para o bem do Estado do
14
Maranhão .
12
BERFORD, Sebastião Gomes da Silva, Roteiro e Mapa da Viagem da Cidade de São Luís do Maranhão até a
Corte do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Imprensa Régia, 1910 p. 17.
13
D. Diogo de Sousa governou o Maranhão de (1798 -1804).
14
AHU_ACL_CU_009 Cx. 128, Documento n. 09574.
UM OLHAR PORTUGUÊS AO SERTÃO DO BRASIL: FRANCISCO DE PAULA RIBEIRO E O SERTÃO DO MARANHÃO
69
Alan Kardec Gomes Pachêco Filho e Helidacy Maria Muniz Corrêa
Fonte: CHAVES, Mariana Lopes. Em busca de riquezas pelo império: Reformismo Ilustrado
português, os naturalistas e a expedição pela capitania do Maranhão e do Piauí (1796-18039). 66f.
Monografia (Curso de História). Universidade Estadual do Maranhão, p. 48.
15
APEM, Objetos Diversos: 1814-1816, Códice 05, Doc. n. 755.
70 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
A sua comissão, portanto, é marchar com a maior brevidade possível até a raia limí-
trofe desta capitania com a de Goiás nas extremas de Pastos Bons, cabeceiras do
Tocantins; lugar por vossa mercê já conhecido. Ali se deve encontrar com o sargen-
to-mor José Antônio Ramos e o capitão Francisco Pinto de Magalhães, vindo autori-
zados pelo excelentíssimo governador e capitão-general daquela capitania para com
Vossa Mercê (que vai autorizado por mim para o mesmo) observarem e designarem
18
a raia divisória e terminal das duas capitanias .
16
Atual Caxias-MA.
17
NIMUENDAJÚ, Curt. The Eastern Timbira. University of California: Pres. Berkeley and Los Angelis, 1946, p. 14.
18
APEM, Objetos Diversos: 1814-1816, Códice 05, Doc. n. 755, 1815.
19
APEM, Objetos Diversos: 1811-1814 Códice 3 Doc. 215, 1812.
UM OLHAR PORTUGUÊS AO SERTÃO DO BRASIL: FRANCISCO DE PAULA RIBEIRO E O SERTÃO DO MARANHÃO
71
Alan Kardec Gomes Pachêco Filho e Helidacy Maria Muniz Corrêa
20
APEM, Objetos Diversos: 1811-1814 Códice 3 Doc. 215, 1812.
72 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
Assaz tenho conhecido pelas suas próprias cartas e das do Juiz ordinário desse Jul-
gado, a rivalidade entre Vossas Mercês ambos; e o quanto por ela estão sofrendo
esses tristes povos, agitados por Vossas Mercês, para continuarem em opostos par-
tidos; quando o era de sua rigorosa obrigação promover o sossego público, serenan-
do as antigas desordens. Portanto: assim como admoesto nesta data aquele juiz para
entrar no cumprimento dos seus deveres, recomendo a Vossa Mercê outro tanto para
22
que não me obrigue a providenciar sobre sua conduta.
21
Era comum no vasto Império português, a utilização de mão de obra de civis armados, não incorporados à
tropa, em casos pontuais como o enfrentamento de índios, por exemplo.
22
APEM, Objetos Diversos: 1811-1814, Códice 3 Doc. 215, 1812.
UM OLHAR PORTUGUÊS AO SERTÃO DO BRASIL: FRANCISCO DE PAULA RIBEIRO E O SERTÃO DO MARANHÃO
73
Alan Kardec Gomes Pachêco Filho e Helidacy Maria Muniz Corrêa
Deve Vossa Mercê levar dois livros com todas as folhas numeradas e rubricadas por
Vossa Mercê, um de receitas e outro de despesas pelos quais carga e descarga a
quem competir nomeando um dos indivíduos mais aptos dos da sua partida para
servir de fiel da arrecadação.
Como Vossa Mercê leva da Junta da Real Fazenda um conto de réis em moeda para
as precisas despesas e pode acontecer-lhe seja necessário fazê-las maiores deve
proporcionar o pagamento destas de modo que não pese sobre indivíduos impos-
sibilitados ou com poucas proporções de poderem vir cobrar a esta Junta da Real
24
Fazenda o valor do que lhe prestaram por título .
23
BOURGUET, Marie-Noelle. In: VOVELLE, Michel. O Homem do Iluminismo. Editora Presença, Lisboa – PT, 1997,
p. 212.
24
GAMA, Paulo José da Silva. [APEM. Objetos Diversos: 1814-1816 (Códice 05, Doc. 755).]
74 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
enfrentar as estradas interrompidas por árvores caídas, falta de ponte nas tra-
vessias dos rios, ataques indígenas, e até mesmo a falta de caminhos, já que
aquele território, àquela altura ainda era desconhecido para a maioria daqueles
homens e, ficavam distantes das escassas fazendas ali existentes.
No mapa a seguir percebemos o longo trajeto feito por Paula Ribeiro e seus
comandados, na viagem demarcatória. As datas assinaladas correspondem aos
locais de paradas da missão, onde o militar-viajante registrou suas impressões.
Paula Ribeiro procurou registrar o máximo do que via e ouvia, ao longo dos três
meses, até chegar a Pedro de Alcântara. Obteve informações dos moradores
da região, mas, principalmente, por meio dos contatos com as etnias indíge-
nas, nas diligências que realizou no sertão. Dos habitantes mais antigos colheu
depoimentos sobre o povoamento e indagou acerca dos rios da região. Todas
essas informações foram devidamente anotadas e enviadas ao governador da
província com suas impressões.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao nos referirmos sobre a construção do sertão dos Pastos Bons e a impor-
tância das memórias de Francisco de Paula Ribeiro, militar, explorador, geógra-
fo, historiador e antropólogo quisemos dar ênfase à espacialidade territorial
do sertão do Maranhão, ao “caráter de seus colonos”, das “nações gentias” e
dos conflitos em torno dos limites “desde as margens nordeste do rio Manoel
25
NIMUENDAJÚ, Curt. The Eastern Timbira. University of California: Pres. Berkley and Los Angeles, 1946, p.18.
26
As obras escritas por Francisco de Paula Ribeiro são: Roteiro da viagem que fez o capitão Francisco de
Paula Ribeiro às fronteiras da Capitania do Maranhão e da de Goiáz no ano de 1815; Descrição do território
de Pastos Bons, nos sertões do Maranhão; Memória sobre as nações gentias que presentemente habitam
o continente do Maranhão; Mapa geográfico da Capitania do Maranhão, que pode servir de memória sobre
a população, cultura e coisas mais notáveis da mesma Capitania.
76 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
27
Alves Grande até a beira-mar” . Por outro lado, a noção de fronteira, limite e
divisa que, para o senso comum possuem o mesmo significado é, sobretudo,
uma construção humana. Rios, lagos, montanhas, desertos e, mesmo os ocea-
nos foram compreendidos como fronteira “natural”. Contudo, a natureza não
os colocou “ali” com a finalidade de demarcar absolutamente nada. São, pois,
criação humana: fronteira norte, sul, leste, oeste, cultural, econômica, civilizacio-
nal e ambiental. “O território, com contornos e limites precisos é uma categoria
histórica, construída socialmente. Para além das fronteiras naturais, a fronteira
28
política é sempre uma linha abstrata e convencionada por alguns” .
Assim, as fronteiras, mesmo socialmente construídas foram e são objetos de
disputas entre indivíduos. Paula Ribeiro compreendia que a construção social e
dos espaços estavam intimamente ligado ao deslocamento da fronteira econô-
mica da cotonicultura do vale do rio Itapecuru, para os sertões de dentro, isto é,
o sertão dos Pastos Bons, cujas fronteiras por ele construídas chegavam até as
províncias de Goiás e Pará.
27
RIBEIRO, Francisco de Paula. Descrição do Território do Sertão de Pastos Bons nos Sertões do Maranhão. In:
FRANKLIN, Adalberto; CARVALHO, João Renôr Ferreira. Francisco de Paula Ribeiro: desbravador dos sertões
dos Pastos Bons: a base geográfica e humana do sul do Maranhão. Imperatriz - MA, Ética, 2005, p.145
28
BUENO, Beatriz Piccolotto Siqueira. Dilatação dos confins: caminhos, vilas e cidades na formação da Capitania
de São Paulo (1532-1822). Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, 17(2). 251-294. https://doi.
org/10.15907S0101-47142009000200013.
INVENTÁRIO DO GEOPATRIMÔNIO DE JOÃO PESSOA E CABEDELO (PARAÍBA), NORDESTE DO BRASIL
77
Luciano Schaefer Pereira e Ingrydy Schaefer Pereira
A Oficina de História da Guarda é um projeto coordenado por
Rita Costa-Gomes, Professora de História na Universidade de Towson
(Maryland, Estados Unidos da América), que tem como principal
objectivo oferecer aos seus utilizadores conteúdos para
divulgação sobre a história da Guarda e da sua região, incluindo
fontes de arquivo e patrimoniais, trabalhos inéditos devidamente
licenciados pelos seus autores, e trabalhos publicados em edição
impressa, com salvaguarda dos respectivos direitos.
Mais informação em: http://www.cei.pt/ohg/
oficina
de historia
da guarda
A JUDIARIA DA GUARDA EM 1395
RITA COSTA GOMES (Coordenação)
BERTA JACOB
DANIEL MARTINS
MARIA JOSÉ NETO
ANTONIETA PINTO
TIAGO PINHEIRO RAMOS
INTRODUÇÃO
Para governar e decidir, os reis da Idade Média lançaram mão de múltiplos
instrumentos visando avaliar e recolher informações sobre os territórios e co-
munidades a eles sujeitos. Sobretudo a partir do século XII, ou seja o século da
constituição do reino português entre os restantes da Península Ibérica, multipli-
caram-se por toda a Europa os inquéritos directos. Faziam-se com a deslocação
de agentes e oficiais interrogando as populações e localmente coligindo infor-
mação à escala de toda uma região e, até, de áreas mais vastas, como fizeram
os reis normandos em Inglaterra com o famoso Domesday Book, ou os de Leão
e Castela com o Libro Becerro de las Behetrias.
Só em Portugal, sobreviveram os textos de dezenas de inquéritos deste tipo,
cobrindo várias regiões do país durante os séculos XIII e XIV: são as igualmente
famosas Inquirições Gerais. Algumas dessas inquirições cobrem também partes
da região da Beira. Havia inquéritos de tipo mais restrito, no entanto. Fosse para
efeitos de reforma da governação da justiça, para recuperar propriedade alie-
nada, ou para previsão de réditos e recursos financeiros, a prática do inquérito
directo através de agentes específicos e procedimentos bem conhecidos tor-
nou-se rotina nos finais da Idade Média, levando até alguns historiadores mais
recentes a duvidar da sua real influência na governação, tal a sua natureza repe-
titiva, omnipresente, e cumulativa.
Em 1395, o rei D. João I tinha atrás de si uma agitada década de governo,
marcada por uma conjuntura inicial de guerra e dificuldades económicas para
o reino, e pontuada por tréguas sempre precárias com o rei castelhano. A des-
truição e demolições que tiveram lugar na cidade da Guarda e seus arredores,
entre as décadas de 1370 e 1390, no contexto quer das guerras fernandinas quer
joaninas, certamente justificariam que se procurasse saber o estado das pro-
priedades do rei. Mas o agente do monarca, a avaliar pelo que nos resta do
registo escrito do resultado dos seus esforços, inquiriu sobre este assunto mais
82 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
largamente. Visitou grande parte das localidades da Beira interior, e coligiu in-
formações de modo sistemático sobre propriedade urbana e rural com a coope-
ração preciosa dos agentes da administração local, quer régia quer municipal. O
registo ficou classificado, no arquivo régio, como “Tombo da Comarca da Beira”.
Este registo precioso encontra-se hoje no arquivo nacional da Torre do Tom-
bo, juntamente com numerosos outros exemplos provenientes do antigo arquivo
régio que igualmente sobreviveram às destruições e perdas dos séculos sub-
sequentes, como a grande catástrofe do terremoto de 1755. São estes, afinal,
os “tombos” que deram nome ao próprio arquivo. O seu estudo e publicação
alimenta a curiosidade e responde às perguntas de sucessivas gerações de es-
tudiosos. Um simples recenseamento actualizado de quantos e quais dizem res-
peito à Guarda e à sua região, no entanto, seria da maior utilidade para o estudo
do passado da cidade. [RCG]
1
Rui Peres, no início do Tombo da Comarca da Beira, é apresentado como “enqueredor e demarcador”.
A JUDIARIA DA GUARDA EM 1395
83
Rita Costa Gomes (Coord.); Berta Jacob; Daniel Martins; Maria José Neto; Antonieta Pinto; Tiago Pinheiro Ramos
desses bens e os valores devidos ao rei em rendas e direitos. Para este fim,
contou com a colaboração de várias autoridades locais (juízes, tabeliães, pro-
curadores) e com a informação preciosa de “homens antigos”. Não se tratando
2
estritamente de uma inquirição , no sentido específico do termo, o oficial recorreu
a esse mesmo modo de proceder, pontualmente, como método de apuramento
da verdade. Usou igualmente registos escritos e outros documentos disponíveis
nas localidades.
3
O manuscrito produzido nessa ocasião, o Tombo da Comarca da Beira ,
transformou-se num manancial de informação para o monarca poder controlar
as suas herdades e respetivos rendimentos, sucessivamente consultada e atua-
lizada pelos seus sucessores. Esta utilização originou numerosos acrescentos e
anotações marginais ao texto, sendo os mais interessantes aqueles que se refe-
rem, por exemplo, à reforma manuelina dos forais antigos. O manuscrito ainda
hoje se conserva no Arquivo Nacional – Torre do Tombo (Contos do Reino e Casa,
Núcleo Antigo, número 292).
Em 1916, Anselmo Braamcamp Freire publicou a transcrição desse manus-
crito no volume X do Arquivo Histórico Português, alargando a possibilidade
4
de utilização do mesmo . O objetivo do texto que agora apresentamos não
difere muito daquele que Braamcamp Freire realizou. No âmbito do primeiro
workshop de verão da Oficina de História da Guarda, fez-se a atualização do
texto do Tombo da Comarca da Beira, visando um público de leitores não
eruditos. A atualização contemplou apenas a secção do texto relativa à zona
urbana da Guarda, correspondendo à curiosidade crescente que hoje rodeia o
bairro da judiaria antiga da Guarda. Este texto excecional descreve justamente
essa área da cidade, que era de propriedade régia, mas também casas adja-
centes onde viviam cristãos.
Trabalhou-se, assim, a partir da edição de 1916 feita por Braamcamp Frei-
re, mas fizeram-se verificações pontuais da transcrição deste autor a partir
da digitalização do manuscrito. O texto foi lido, interpretado, e actualizado
segundo regras previamente definidas ou ajustadas à medida que o trabalho
5
ia sendo realizado .
2
Arrecifes, a calçada do mar de recife. Publicado on line em 2010. Acesso em http://sigep.cprm.gov.br/sitio040/
sitio040_impresso.pdf. Visualizado em 17 abril 2018. Inquirição: “Prova, por via de justiça, que se faz ouvindo
as testemunhas, e lançando por papel o seu depoimento” in Rafael Bluteau, Vocabulário português e latino,
Coimbra, Colégio das Artes da Companhia de Jesus, 1713, folio 143.
3
Tombo: “Catálogo das terras, ou Escrituras de um reino, de uma Igreja, ou Convento” in Rafael Bluteau,
Vocabulário português e latino, Coimbra, Colégio das Artes da Companhia de Jesus, 1713, folio 196.
4
Anselmo Braamcamp Freire, “Tombo da Comarca da Beira”, Arquivo Histórico Português, Vol. X (1916), p.
313-325. Para além da Guarda, este manuscrito inclui as localidades de Trancoso, Pinhel, Castelo Rodrigo,
Castelo Bom, Vilar Maior, Alfaiates, Sabugal, Sortelha, Covilhã, Belmonte, Penamacor, Linhares, Seia, e
Marialva. A secção relativa à Guarda inclui ainda a descrição dos “reguengos” ou propriedades rústicas do
rei, localizadas no termo da cidade, da qual não nos ocupámos por agora.
5
Vejam-se as “Normas seguidas na actualização do texto”, in fine.
84 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
Item [G2] Um campo do rei, o qual confronta com a casa acima mencionada, que traz
[arrendada] o dito João Vasques; da outra parte confronta com a muralha da dita
cidade e da outra parte com casas do rei que traz Baril judeu e confronta com a rua
pública.
Item [G3] Três casas que traz [arrendadas] Abraão Mamom, judeu sapateiro. Uma delas
confronta, ao fundo, com o sobredito campo, a dita rua pública e com a casa de Isaac
Cacez. Da dita casa vai um balcão, por cima da dita rua para as outras duas casas.
Essas casas são sobradadas e confrontam com as ruas públicas, com as casas que traz
[arrendadas] Judas de Linhares e do outro lado com casas de João Afonso Mageto.
Paga por elas em cada ano _____ 6 libras.
Item [G4] Isaac Cacez, judeu, traz [arrendada] uma casa sobradada que confronta com
o campo do rei, de outro lado com a casa que traz [arrendada] Mestre Moisés, com a
Rua do Concelho e com as casas de Abraão Mamom, sapateiro.
Paga por elas em cada ano _____ 3 libras.
Item [G5] Abraão sapateiro, filho de Judas de Linhares, traz [arrendada] uma casa
sobradada que confronta com as casas de Abraão Mamom e, do outro lado, com as
casas de Judas ferreiro e com o campo que traz [arrendado] Mestre Moisés e com a
rua pública.
Tem-as emprazadas para sempre e paga delas ao rei, em cada ano _____ 2 libras.
Item [G6] Um pardieiro que está emprazado a Mestre Moisés, para fazer casa. Con-
fronta de um lado com a casa de Isaac Cacez, de outro com o campo do rei e do
outro com um pardieiro que está emprazado a Juça de Leiria e confronta com a rua
do concelho.
Paga por ele, em cada ano _____ 15 soldos.
Item [G7] Um pardieiro que tem emprazado Juça de Leiria, o qual confronta com o
campo do rei, contra a muralha, com o pardieiro de Mestre Moisés e com a rua públi-
ca e do outro lado [pardieiro] que foi de Abraão ferreiro.
Paga dele, em cada ano ao rei _____ 10 soldos.
A JUDIARIA DA GUARDA EM 1395
85
Rita Costa Gomes (Coord.); Berta Jacob; Daniel Martins; Maria José Neto; Antonieta Pinto; Tiago Pinheiro Ramos
Item [G8] Outro pardieiro sem paredes que foi de Abraão ferreiro. Confronta com o
campo do rei, com a casa de Samuel da Faia, com a rua do concelho, com o pardieiro
sobre dito. Não está emprazado a ninguém.
<Agora o traz [arrendado] Vicente Arragel, por _____ 20 soldos.>
Item [G9] Uma casa que traz [arrendada] Samuel da Faia que confronta com o par-
dieiro deste sobredito e com a muralha da dita cidade e de outro lado com a casa de
Munhom e com a rua do concelho.
Paga por ela, em cada ano ao rei _____ 10 soldos.
Item [G10] Outra casa que traz [arrendada] Judas ferreiro, sobradada que confronta
com as casas que foram de Judas de Linhares, de outra parte com o chão de Mestre
Moisés e de outro lado com João Afonso Mageto e com a rua do concelho.
Paga dela, em cada ano ao rei _____ 2 libras.
Item [G11] Uma casa que traz [arrendada] Samuel de Munhom, sobradada, e confron-
ta com casas de Samuel da Faia e com a muralha da dita cidade, com Isaac Cacez e
com a rua pública.
Paga, em cada ano ao rei _____ 4 libras.
Item [G12] Uma casa que traz [arrendada] Isaac Cacez, reparada, térrea, que confron-
ta com as casas de Samuel de Munhom e pela sobredita muralha e com o pardieiro
de Isaac de Crasto e com a rua do concelho.
Paga por ela ao rei, em cada ano _____ 50 soldos.
Item [G13] Um pardieiro que traz [arrendado] Isaac de Crasto que confronta com ca-
sas do sobredito e com o pardieiro de Dom Falilhom e com a dita muralha e com a
rua do concelho.
Paga ao rei por ela, em cada ano _____ 50 soldos.
6
Item [G14] Um pardieiro de David Favilhom que confronta com este sobredito e com
a dita muralha e com a rua do concelho.
Paga por ele ao rei, em cada ano _____ 30 soldos.
Item [G15] Mestre Moisés traz [arrendada] uma casa do rei, que é sobradada e con-
fronta com este sobredito, com a dita muralha e com a rua do concelho e com um
chão do rei.
Paga por ela ao rei, em cada ano _____ 4 libras.
6
Pode tratar-se de David Falilhom, repetidamente mencionado nesta versão.
86 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
Item [G16] A sinagoga dos judeus que confronta com o chão de Mestre Moisés, com
casas de Mestre Juça, com casas do rei que traz [arrendadas] Pedro Afonso e com a
rua do concelho.
Pagam por ela os judeus, em cada ano _____ 30 soldos, a qual lhes é emprazada por
carta do rei D. Dinis, que mostraram.
7
Item [G17] Uma casa que traz [arrendada] Infante Jude que é térrea que confronta
com a atafona de Abraão de Leiria e com chãos do concelho por dois lados e com a
rua do concelho.
Paga por ela em cada ano ao rei _____ 3 libras.
8
<Foi acrecentado por partir na[?] de Samuel Querido que ora traz esta casa>
Item [G18] Uma casa que traz [arrendada] Mestre Juça, que é sobradada e confronta
com casas desse sobredito Infante e, de outro lado, com a casa do rei da atafona que
traz [arrendada] David Falilhom e com a rua pública. <Esta casa anda com a atafona>
Item [G19] Uma casa de atafona que trazem [arrendada] Davi Falilhom e Abraão de
9
Leiria e confronta com esta casa sobre dita e com a casa de Bel Infante e com casas
de Álvaro Gil e com o campo do rei, que está ao lado da muralha e confronta com a
rua do concelho.
Pagam por ela ao rei, em cada ano _____ 30 soldos.
Item [G20] Uma casa que traz [arrendada] Álvaro Gil, judeu, que é sobradada. Con-
fronta com a sobre dita atafona e com a Rua do Concelho e de outro lado com a dita
atafona e com Abraão Mamom.
Paga por ela ao rei, em cada ano _____ 25 soldos.
Item [G21] Uma casa que traz [arrendada] Abraão Mamom, que é do rei, sobradada.
Confronta com a casa deste sobre dito e com a Rua do Concelho e com o pardieiro do
10
rei que traz arrendado Afonso Giraldes e com casas de Dona Fordonha [sic] .
Paga dela por ano, ao rei, por ano _____ 25 soldos.
Item [G22] A casa que traz [arrendada] Suas Judeu. Confronta com [a] casa de Mestre
Juça, com casas de Daniel, com a rua do concelho e com curral de Mestre Juça.
Paga por ela ao rei, em cada ano _____ 30 soldos.
Item [G23] Uma casa que traz [arrendada] Daniel Judeu que confronta com a casa do
sobre dito Suas, com o curral de Mestre Juça, com a rua do concelho e com casa de
7
“Jude” significaria eventualmente “Judeu”.
8
Anotação à margem que não foi inserida na transcrição de Braamcamp Freire.
9
“Bel” poderá ser eventual corruptela de “Abel”?
10
Deve corresponder a “Dona Fadona”.
A JUDIARIA DA GUARDA EM 1395
87
Rita Costa Gomes (Coord.); Berta Jacob; Daniel Martins; Maria José Neto; Antonieta Pinto; Tiago Pinheiro Ramos
Antom Ergas.
Paga por ela em cada ano, ao rei _____ 30 soldos.
Item [G24] Uma casa que traz [arrendada] Dona Fadona que confronta com Abraão
Mamom, seu filho, com Isaac Ferreiro, com pardieiro de Afonso Geraldes e de outro
lado com a muralha e com a rua do concelho.
Paga por ela ao rei, em cada ano _____ 48 soldos.
Item [G25] Uma casa que traz [arrendada] Antom Ergas, do outro lado que confronta
com casas do rei que traz [arrendadas] Daniel e do outro lado, com casas do dito
Antom Ergas de dois lados e como entesta na rua do concelho.
Paga por ela ao rei, em cada ano _____ 3 libras.
Item [G26] Outra casa do dito Antom Ergas que confronta dos dois lados com o dito
Antom Ergas e com Almofacem e com a rua do concelho.
Paga por ela ao rei, por ano _____ 45 soldos.
Item [G27] Uma[s] casa[s] de Isaac Ferreiro que são novas e sobradadas e confrontam
11
com Dona Fadona, com Santem , com Domingos Martins e com a rua do concelho.
Paga por ela ao rei, em cada ano _____ 3 libras.
Item [G28] Uma[s] casa[s] de Almofacem, térreas, que confrontam com Antom Ergas
12
e do outro lado com Fabibi e com o curral de Antom Ergas e com a rua do concelho.
Paga por ela, em cada ano _____ 30 soldos.
<70 soldos>
Item [G29] Uma casa de Fabibi que confronta com esta casa acima escrita e com
David Falido, com curral de Gonçalo Pais e entesta na rua do concelho.
Paga por ela ao rei, em cada ano _____ 70 soldos.
13
Item [G30] A casa de Santom Mamom que confronta com casa de Isaac Ferreiro e
de outros lados pelas ruas do concelho.
Paga por elas ao rei, foro de cada ano _____ 3 libras.
Item [G31] Uma casa do rei que traz [arrendada] Domingos Martins, carniceiro, que
confronta com a casa de Isaac Ferreiro, com pardieiro de Afonso Giraldes, com a casa
de Santom e com a rua do concelho.
Paga por ela ao rei, em cada ano _____ 3 libras.
<destruída>
11
Talvez correspondendo a Sem Tob, nome hebraico comum na Península Ibérica.
12
Embora o nome apareça escrito com v, e não b, optámos por esta grafia porque é provável que se trate de
nome arabizado (habibi ou fa-habibi), ou seja “querido”.
13
Talvez correspondendo a Sem Tob, nome hebraico comum na Península Ibérica.
88 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
Item [G32] Uma casa do rei que traz [arrendada] Isaac Ferreiro, que confronta com a
atafona, de David Favilo e de Abraão de Leiria, e com a casa de Álvaro Gil, e com o
pardieiro de Afonso Geraldes.
Paga por ela em cada ano, ao rei _____ 3 libras.
Item [G33] Um pardieiro do rei que traz [arrendado] Afonso Geraldes, que confronta
com casas de Dona Fadona e com Domingos Martins, carniceiro, e com casa que foi
de Gil Afonso e com a rua do concelho.
Paga por ela em cada ano, ao rei _____ 21 soldos.
Item [G34] Uns açougues que jazem na judiaria, que ao tempo deste inquérito estavam
todos derrubados, e mandou-os fazer El Rei, os quais confrontam com a muralha da
dita vila e de outros lados confrontam com os chãos do rei e com a rua do concelho.
Item [G35] Umas casas de Rabi David, que foram de Salomão Adida, as quais são
sobradadas e estão juntas e balcoadas contra a muralha. Confrontam com Moisés de
Crasto e, do outro lado, com eixido do dito Moisés, com outro eixido do dito David
Falilho, e com eixido de Domingos Apariço e com a rua do concelho.
Paga por elas em cada ano ao rei _____ 30 soldos, e mostrou carta do rei Dom Fer-
nando em como lhe eram emprazadas para sempre, pelo dito foro.
Item [G36] Um pardieiro, derrubado de todo ponto, que foi de Clara Clemente, que
está emprazado a David Falilho, que confronta com o próprio e, do outro lado, com a
casa de Moisés de Crasto e dos outros lados com as ruas do concelho.
Paga por ele em cada ano ao rei _____ 20 soldos.
Item [G37] Uma casa do rei, que traz [arrendada] Rabi David, que confronta com o
14
próprio e, do outro lado, com Franca, a “Cucaracha” , e com casas de Moisés de
Crasto e com duas ruas do concelho.
Paga por ela em cada ano ao rei _____ 50 soldos.
Item [G38] Uma casa que foi de Salomão e agora é de David Falilho, sobradada, con-
fronta com casa de Fabibi, com Gonçalo Pais, com casas que foram de João Pascoal,
com casas de Samuel Cacez e com a rua do concelho.
Paga por ela em cada ano ao rei _____ 10 soldos.
Item [G39] Umas casas sobradadas que traz emprazadas Samuel Cacez e confrontam
com o sobredito David Falilho, com Abraão Rodrigo, com Fernão Gonçalves e com a
rua do concelho.
Paga por elas em cada ano ao rei _____ 4 libras.
14
Tratar-se-ia certamente de uma alcunha.
A JUDIARIA DA GUARDA EM 1395
89
Rita Costa Gomes (Coord.); Berta Jacob; Daniel Martins; Maria José Neto; Antonieta Pinto; Tiago Pinheiro Ramos
15
Item [G40] Uma casa da “Corocha” que é térrea, e a meia sobradada, confronta com
David Falilho, com casas de Jacob Pernica e com a rua do concelho.
Paga por elas ao rei em cada ano _____ 50 soldo.
Item [G41] Uma casa sobradada de Jacob Pernica, que confronta com a casa sobre-
dita e com Isaac de Crasto e, do outro lado, com Moisés de Crasto e com a rua do
concelho.
Paga por ela em cada ano ao rei, de foro _____ 3 libras.
Item [G42] Uma casa sobradada de Abraão Rodrigo, que confronta com Samuel Ca-
cez, com Abraão Sofel, com azinhaga de David Favilho [sic] e com a rua do concelho.
Paga por ela em cada ano ao rei, de foro _____ 3 libras.
Item [G43] Uma casa sobradada de Abraão Sofel, que confronta com casas do rei,
que traz [arrendadas] Domingos Afonso, com Abraão Rodrigo, com o adro de São
Vicente e com a rua do concelho.
Paga por ela de foro em cada ano ao rei _____ 2 libras e meia.
Item [G44] Uma casa sobradada, que traz [arrendada] Isaac de Crasto, que confronta
com Jacob Pernica, com Moisés de Crasto e com a rua do concelho.
Paga por ela em cada ano ao rei, de foro _____ 3 libras e 15 soldos.
Item [G45] Duas casas sobradadas, que traz [arrendadas] Moisés de Crasto, que con-
frontam com casas do rei, que traz [arrendadas] seu irmão Isaac de Crasto, com Cide,
com David Falilhom, com a Rua dos Açougues e com o adro de São Vicente.
Paga por elas de foro ao rei em cada ano _____ 5 libras e quarta.
16
Item [G46] Uma casa sobradada e o sótão que traz [arrendados] Cide e o sobrado
David Favilho [sic], confrontam com Moisés de Crasto, com Salomão Pernica, com o
adro de São Vicente e com casas de David Falilho.
O Cide paga pelo sótão em cada ano 30 soldos, e Davi pelo sobrado _____ 10 soldos.
Item [G47] Uma casa sobradada de Salamom Pernica, que confronta com Cide, com
eixido de David Falilho, com Domingos Apariço e com o adro de São Vicente.
Paga por ela de foro ao rei em cada ano _____ 40 soldos.
Item [G48] Uma casa térrea que traz [arrendada] Domingos Apariço, confronta com
a sobredita, com seu eixido, com chão do rei, onde chamam o Muro das Vacas. Esta
15
Eventual corruptela de “Cucaracha”, a alcunha transcrita em [G37].
16
Piso térreo ou cave.
90 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
casa entesta na rua pública e confronta com casas que foram de Sancha Anes.
Paga por ela em cada ano de foro ao rei _____ 4 libras e meia.
<[N]estas estão os açougues do concelho>
Item [G49] Uma casa térrea que traz [arrendada] Maria Abril, que confronta com San-
cha Anes e, do outro lado, com Domingos Apariço, com eixido que foi de Sancha
Anes e com a rua pública.
Paga por ela de foro em cada ano ao rei _____ 35 soldos.
Item [G50] Uma casa que foi de Sancha Anes, que agora traz [arrendada] Gil Vicente,
confronta com a sobredita Maria Abril, com Geraldo Domingues, a qual tem um eixido
junto ao Muro das Vacas, e confronta, do outro lado, com a rua do concelho.
Paga por ela em cada ano ao rei de foro _____ 50 soldos, segundo mostrou por carta
17
de compra .
Item [G51] Duas casas que traz [arrendadas] Geraldo Domingues, uma sobradada e a
outra térrea, que confrontam com a sobredita casa que foi de Sancha Anes e, do outro
lado, com o Poço do Gado. Estas casas têm um eixido junto ao Muro das Vacas, que
confronta com chão do rei, e com a rua pública.
Paga por elas em cada ano, ao rei _____ 10 soldos de foro. Mostrou carta do rei Dom
18
Dinis, em como lhe foram aforadas para sempre .
Item [G52] Uma casa que traz [arrendada] Domingas Aparício, que é térrea, e con-
fronta com casas do rei, que foram de João de Deus, com casas de Branca Peres,
com casas do rei que traz [arrendadas] Vasco Esteves, e com duas ruas públicas.
Paga por elas em cada ano ao rei, de foro _____ 30 soldos.
Item [G53] Uma casa térrea que traz [arrendada] Branca Peres, que foi manceba do
prior, confronta com a sobredita casa e, do outro lado, com casas do rei que traz
[arrendadas] Estevão Peres, almoxarife, e com casas de Estevão Afonso; entesta na
rua do concelho.
Paga por ela ao rei de foro, em cada ano _____ 30 soldos.
Item [G54] Uma casa que foi de João de Deus, que agora traz [arrendada] Estevão Pe-
res, almoxarife, que confronta com a casa da sobredita Branca Peres, com a de Gonçalo
Martins, peleiro, entesta na rua do concelho, e com João Pais.
Paga por ela de foro em cada ano ao rei _____ 40 soldos.
17
Tratar-se-ia da transação do contrato, e não da própria casa.
18
Ou seja, teriam sido aforadas aos seus antepassados.
A JUDIARIA DA GUARDA EM 1395
91
Rita Costa Gomes (Coord.); Berta Jacob; Daniel Martins; Maria José Neto; Antonieta Pinto; Tiago Pinheiro Ramos
Item [G55] Duas casas sobradadas do rei que traz [arrendadas] João Pais, confrontam
com o sobredito Estêvão Peres e, do outro lado, com Pedro Afonso, com João Coelho
e com a rua pública.
Paga por elas em cada ano ao rei, de foro _____ 50 soldos.
Item [G56] Duas casas que traz [arrendadas] Pedro Afonso, confrontando com as
sobreditas casas, com Gonçalo de Avelãs, com outras casas do rei que traz [arrenda-
das] Estevão Peres, e com a rua pública.
Paga por elas em cada ano, ao rei _____ 3 libras.
Item [G57] Uma casa que traz [arrendada] Gonçalo de Avelãs, que confronta com
casas de Pedro Afonso, com Gonçalo Geraldes, com o adro de São Vicente e com
a rua pública.
Paga por ela de foro em cada ano, ao rei _____ 5 libras.
Item [G58] Uma casa que traz [arrendada] Gonçalo Geraldes, confrontando com
a casa sobredita, com casas do rei que traz [arrendadas] Afonso Domingues;
entesta no adro de São Vicente dos dois lados.
Paga por ela de foro ao rei em cada ano _____ 4 libras.
Item [G59] Uma casa sobradada que traz [arrendada] Afonso Domingues, confrontan-
do com a casa de Gonçalo Geraldes, com Afonso Martins, e com casas do rei que traz
[arrendadas] Estêvão Peres; entesta no adro de São Vicente.
Paga em cada ano ao rei de foro _____ 30 soldos.
Item [G60] Uma casa sobradada que foi de Janeiro, agora traz [arrendada] Afonso
Martins. Confronta com Afonso Domingues e com casas de Estevão Peres; entesta
no adro de São Vicente.
Paga cada ano de foro _____ 45 soldos.
Item [G61] Uma casa que foi de Joana Peres, que agora traz [arrendada] a Estevão
Peres almoxarife; confronta com casa do sobredito Janeiro, com um bueiro entre
casas, com casas de Gonçalo Geraldes e com rua pública.
Paga cada ano <acho que por costume paga> _____ 30 soldos cada ano.
Item [G62] Uma casa, metade sobradada, que traz [arrendada] Bento Gonçalves,
confronta com o sobredito bueiro, com casas do rei arrendadas a João Coelho, com
casas arrendadas a João Pais e com rua pública.
Paga por elas de foro cada ano _____ 3 libras.
92 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
Item [G63] Uma casa que traz [arrendada] João Coelho, metade dela sobradada; con-
fronta com as sobreditas de Bento Gonçalves, com Gonçalo Martins peleiro, com
casas de João Pais e com rua pública.
Paga cada ano ao rei de foro _____ 3 libras.
Item [G64] Uma casa que traz [arrendada] Gonçalo Martins peleiro que confrontam
com casa do dito João Coelho, com casa do rei que traz [arrendada] arrendada Este-
vão Afonso, com casa que tem arrendada Estevão Peres e com rua pública.
Paga dela de foro ao rei, em cada ano _____ 3 libras.
Item [G65] Duas casas que foram de Martim Gavião, agora traz (arrendadas] Estevão
Afonso, Vasco Esteves e Maria Anes, sobradadas, confrontam com casas deste so-
bredito, com casa do rei que traz [arrendada] André da Faia, com Domingas Aparício
e com rua do concelho.
Pagam por elas de foro, por cada ano ao rei, por metade delas o Estevão Peres 45
soldos, a Maria Anes _____ 22 soldos e meio
e o Vasco Esteves _____ 22 soldos e meio.
Item [G66] Uma casa de André Domingues da Faia que confronta com as casas so-
breditas, com casa de Domingas Aparício e das outras partes entesta nas ruas do
concelho.
Paga ao rei de foro, por ano _____ 5 libras e meia.
Item [G67] Umas casas que traz [arrendadas] Gil Vicente tabelião, não são sobra-
dadas; confrontam com casas do rei que traz [arrendadas] Martim Anes, das outras
partes com campo do rei e entesta nas ruas públicas.
Paga por elas de foro em cada ano ao rei _____ 4 libras e 11 soldos. Mostrou carta do
Rei D. Afonso, selada com o seu selo, como a dita casa lhe foi aforada para sempre.
Item [G68] Uma casa que traz [arrendada] Martim Anes, almocreve, confronta com
as casas sobreditas, com casas do rei que traz [arrendadas] Afonso Vicente, clérigo,
com rua pública e com chão do rei.
Paga dela de foro em cada ano, ao rei _____ 25 soldos.
Item [G69] Uma casa que traz [arrendada] Afonso Vicente, clérigo, confronta com
casa do dito Martim Anes, com a azinhaga da estalagem do rei, com chão do rei e
com rua pública.
Paga dela cada ano ao rei, de foro _____ 25 soldos.
Item [G70] Uns pardieiros que não têm telha nem madeira, dizem que os destruiram
na guerra; confrontam com casas que foram de Rodrigo Afonso, com a muralha da
A JUDIARIA DA GUARDA EM 1395
93
Rita Costa Gomes (Coord.); Berta Jacob; Daniel Martins; Maria José Neto; Antonieta Pinto; Tiago Pinheiro Ramos
cidade e com a azinhaga que vai entre a dita casa e a casa do sobredito Afonso
Vicente.
_____ Não rendem nada.
19
<quebra>
Item [G71] Uma casa que foi de Rodrigo Afonso, confronta com a sobredita estala-
gem, com a muralha da vila, com chão do rei e com rua do concelho.
Paga de foro ao rei em cada ano _____ 18 soldos.
Item As casas do rei que estão na Rua Direita que vai de São Vicente para a porta
d’El Rei.
Item [G72] Primeiramente uma casa que traz [arrendada] Domingos Afonso que é
sobradada, confronta com Fernão Gonçalves, com casa que traz [arrendada] Abraão
Sofel, com adro da dita igreja e com Abraão Rodrigo.
Paga de foro em cada ano, ao rei _____ 3 libras e meia.
Item [G73] Um campo onde estava alpendre em que costumavam estar as regateiras,
que está sob a cabeceira da igreja de São Vicente e confronta com a rua pública.
No tempo em que havia alpendre tinham que estar ali as regateiras, ainda que não
quisessem; cada uma pagava ao rei, cada dia, dois dinheiros da moeda antiga.
Item [G74] Um alpendre que o rei tem na dita cidade, o qual o dito Rui Peres mandou
fazer por ordem do dito senhor, no qual estão seis tendas. Situado no campo da
Igreja de São Vicente, da parte da Rua Direita. O almoxarife do rei arrenda-as no dia
da feira aos mercadores que nelas queiram estar.
Item [G75] Uma casa que traz [arrendada] Fernão Gonçalves alfaiate, sobradada, con-
fronta com Domingos Afonso, David Favilho, com Aparício Fernandes e com o adro
de São Vicente.
Paga dela ao rei, de foro, em cada ano _____ 50 soldos.
Item [G76] Duas casas sobradadas que traz [arrendadas] Aparício Fernandes, con-
frontam com a casa sobredita, com casa do rei que traz [arrendada] Fernão Peres,
com David Favilho e com rua pública.
Paga delas ao rei de foro, cada ano _____ 55 soldos.
Item [G77] Uma casa sobradada que traz [arrendada] Fernão Peres, confronta com as
casas sobreditas, com David Favilho, com casa do rei que traz [arrendada] Gonçalo
Pais e com a rua pública.
Paga de foro ao rei em cada ano _____ 3 libras.
19
Inserto à margem, não transcrito por Braamcamp Freire.
94 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
Item [G78] Uma casa sobradada que traz [arrendada] Gonçalo Pais, confronta com a
casa sobredita, com David Favilho, com Aparício Domingues e com rua pública.
Paga dela em cada ano ao rei _____ 3 libras.
Item [G79] Uma casa sobradada que traz [arrendada] Aparício Domingues, confronta
com casas do rei que traz [arrendadas] Gonçalo Pais, da outra com casas também do
rei que traz [arrendadas] Antom Ergas e com rua pública.
Paga dela foro em cada ano ao rei _____ 45 soldos.
Item [G80] Uma casa que traz [arrendada] Domingos Bento, confronta com casas do
rei que traz [arrendadas] Antom Ergas e da outra com a rua pública.
Paga dela de foro, por ano ao rei _____ 21 soldos.
Item [G81] Uma casa sobrada que traz [arrendada] Antom Ergas que lhe foi empra-
zada sendo um pardieiro. Confronta com casas do sobredito Domingos Bento e da
outra com Vasco Lourenço, genro de Garcia, e da outra parte com casas do rei que
traz [arrendadas] o dito Antom Ergas e pela rua pública.
Paga dela por foro ao rei, em cada ano _____ 40 soldos.
Item [G82] Uma casa sobradada que traz [arrendada] Vasco Lourenço, genro de Gar-
cia. Confronta com casas do rei que traz [arrendadas] o dito Antom Ergas, da outra
parte com casas que foram de Vasco Peres que agora traz [arrendadas] Vasco Bentes
e pela rua pública.
Paga dela por foro ao rei, em cada ano _____ 4 libras.
Item [G83] Duas casas sobradas que traz [arrendadas] Vasco Bentes, sobradadas.
Confrontam com as sobreditas casas do dito Vasco Lourenço, da outra [parte] com
André, genro de Garcia, e pela rua pública.
Paga delas por foro em cada ano _____ 40 soldos de uma e da outra 30 soldos.
Item [G84] Uma casa sobradada de André Domingues que confronta com as casas
do sobredito Vasco Bentes, com casas de Pedro Afonso, escudeiro e pela rua do
concelho.
Paga dela de foro em cada ano, ao rei _____ 25 soldos.
Item [G85] Uma casa que traz [arrendada] Pedro Afonso da outra parte da rua. Con-
fronta com casas que foram de Aldara Anes, da outra parte com casas de Vasco
Fernandes da Corujeira, com a rua pública e com pomar de Diego Peres. As quais são
sobradas e com três portais.
Paga delas por foro em cada ano, ao rei _____ 6 libras.
A JUDIARIA DA GUARDA EM 1395
95
Rita Costa Gomes (Coord.); Berta Jacob; Daniel Martins; Maria José Neto; Antonieta Pinto; Tiago Pinheiro Ramos
Item [G86] Uma casa sobradada que traz [arrendada] Fernando Esteves. Confronta
com as sobreditas casas, com casas do rei que traz [arrendadas] António Domin-
20
gues escudeiro [sic] , pela rua do concelho e com a sinagoga.
Paga dela ao rei por foro em cada ano _____ 40 soldos.
21
Item [G87] Uma casa que traz [arrendada] António Domingues, esqueireiro . Con-
fronta com esta casa sobredita, com casas de Afonso Anes, sapateiro, com campo
que traz [arrendado] Mestre Moisés, e com a rua do concelho.
Paga dela de foro ao rei em cada ano _____ 30 soldos.
Item [G88] Uma casa sobradada que traz [arrendada] João Domingues. Confronta
com a casa sobredita, com casas do rei que traz [arrendadas] Afonso Anes, com chão
que traz [arrendado] Mestre Moisés, e com a rua pública.
Paga dela por foro ao rei, em cada ano _____ 30 soldos.
Item [G89] Uma casa sobradada que jazia em pardieiro. Confronta com esta casa so-
bredita, com João Afonso Mageto, com campo que traz [arrendado] Mestre Moisés,
e com a rua do concelho.
Paga dela por foro ao rei, em cada ano _____ 20 soldos.
Item [G90] Uma casa sobradada que traz [arrendada] João Afonso Mageto, que lhe
foi emprazada sendo pardieiro. A qual confronta com casas do sobredito Afonso
Anes, com Abraão Mamom e com a rua do concelho.
Paga dela por foro ao rei _____ 20 soldos.
Item [G91] Uma torre que o rei tem na dita vida (aliás, vila). Uma torre que chamam a
Torre Velha que está na metade da muralha nova, por onde é agora a vila departida.
22
<aqui torna-se acabado o caderno do papel>
Item [G92] As casas assim sobreditas, assim todas vistas e escritas por mim, escrivão,
o dito Rui Peres, o dito juiz, vereadores, procurador, homens bons e tabeliães sobre-
ditos, a saber, para ser[em] demarcado[s] as ruas do dito senhor e as casas e chãos
que ele tem na dita vila, foram postos estes marcos nas divisões por onde partem as
casas do rei, nestes lugares que adiante seguem:
Item [G93] Primeiramente à Porta d’El Rei, na muralha da dita vila foi figurado um
escudo com os sinais do rei. E da dita divisão parte o do rei com a muralha, vindo
20
A palavra deve ser “esqueireiro”, pois assim se encontra emendada na rubrica seguinte.
21
Palavra entrelinhada em correcção de outra. Refere-se a profissão artesanal do couro.
22
Inserto à margem, mas não transcrito por Braamcamp Freire.
96 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
pela Rua Direita como se vai a São Vicente, pelo alpendre das tendas do rei e no fim
das ditas tendas; por onde parte o alpendre da dita igreja, foi posto um marco com os
sinais do rei. E foi posto um padrão com os sinais do rei, sob o adro da dita igreja de
São Vicente, num chão do rei em que costumava estar um alpendre em que estavam
as regateiras. E do dito padrão parte o do rei para fundo [da] Rua Direita indo para a
muralha nova por onde atalharam a vila. E a par de uma escada da muralha principal
foi posto um padrão, além da estalagem do rei e de todas as casas, por onde parte
com o chão de Gil Vicente, tabelião, no qual padrão foram figurados os sinais do
rei. E por estas divisões sobreditas partem as ruas, casas, judiaria, e chãos do rei e
entestam na muralha da dita vila, sobre si, não tendo aí outrem, nenhuns chãos, nem
nenhumas casas; partem pela dita muralha em diante como se vai juntar à Porta d’el
Rei, onde se pôs o dito primeiro marco.
Item [G94) Tem o dito senhor rei uma casa à Porta dos Ferreiros, fora destas sobre-
ditas. A qual trazem [arrendadas] os filhos do falecido Martim Barreiros, a qual con-
fronta com casas da Sé em que mora Leonarda Lourença; da outra parte com casas
da igreja que traz [arrendadas] Álvaro Martins, cónego, prior da [igreja] de Pêro Viseu
e pela rua pública.
Pagam dela de foro ao rei, em cada ano _____ 55 soldos.
BREVE GLOSSÁRIO
• “aforamento” – designação de um tipo de contrato, correspondendo ao
pagamento de um foro, geralmente anual
• “arrendamento” – designação de um tipo de contrato, correspondendo
ao pagamento de uma renda
• “balcão” – acrescento numa casa ao nível dos pisos superiores; se juntava
duas casas era um passadiço;
• “bueiro” – buraco, rego ou cano para esgoto de águas;
• “contrato“ “ēfatiota” – contrato enfitêutico (enfiteuse), geralmente por
um período mais longo;
• “é testa” ou “ētesta” – entesta, confronta, confina com;
• “eixido” – pátio, quintal;
• “emprazamento” – designação de um tipo de contrato, geralmente feito
“em vidas”;
• “ousyáá” (ousia) – capela-mor, arco do cruzeiro sob a capela- mor;
• “sobradada” (casa) – edifício com um andar superior.
A JUDIARIA DA GUARDA EM 1395
97
Rita Costa Gomes (Coord.); Berta Jacob; Daniel Martins; Maria José Neto; Antonieta Pinto; Tiago Pinheiro Ramos
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A actualização que apresentamos, e a interpretação do texto que lhe está
subjacente, representam um contributo preliminar a estudos de maior pormenor
sobre esta área da cidade amuralhada da Guarda. A riqueza deste documento
abre caminho para investigações sobre aspetos sociais, económicos, profissio-
nais, patrimoniais, entre outros, da vida desta comunidade durante a Baixa Idade
Média – período marcante para a cidade da Guarda.
A atualização de qualquer texto histórico é sempre um desafio e um risco.
Mas pode ser também a forma de o dar a ler a um público que, de outra forma,
lhe seria alheio. Este é apenas um primeiro contributo nesse sentido.
A JUDIARIA DA GUARDA EM 1395
99
Rita Costa Gomes (Coord.); Berta Jacob; Daniel Martins; Maria José Neto; Antonieta Pinto; Tiago Pinheiro Ramos
BIBLIOGRAFIA
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Artes da Companhia de Jesus.
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blemas de abordagem e historiografia” in Thierry Pécout (org.), Quand Gou-
verner c’est Enquêter. Les Pratiques Politiques de l’Enquête Princière (Occi-
dent, XIIIe-XIVe siècles), Paris, De Boccard, pp. 41-52.
FREIRE, Anselmo Braamcamp (1916). “Tombo da Comarca da Beira”, Arquivo His-
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ZACARIAS, Cecília dos Santos (2011). Densidade do espaço urbano e identidade
local: estudos comparativos das antigas judiarias da Covilhã, Castelo Bran-
co, Guarda e Trancoso, Covilhã, Universidade da Beira Interior.
100 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
Daui / Dauy / Falylhõ / Falilho / Falylho G18; G19; G35; G36; G38;
G39; G40; G45; G46; G47
Daui / Dauy Fauyllõ / Fauyllo / Fauylho G14; G32; G42; G46; G75;
G76; G77; G78
Diego Perez G85
Dom Falylhõ G13
Domyga Apariço G52; G65; G66
Domygo / Domingos / Domygos Apariço / Aparyço G35; G47; G48; G49
Domygos / Domygos Afomso G43; G72; G75
Domygos Beito G80; G81
Domygos Martjnz G27
Domygos Martīz / Martjnz (carnyçeiro) G31; G33
Dona Fadona G24
Dona Fadonha G27; G33
Dona Fordonha G21
Fauyuy / Fauyue G28; G29; G38
Fernãde Esteuēz G86
Fernã / Fernan Gonçalluez G39; G72
Fernan Gonçalluez Alfaite G75
Fernam Perez G76; G77
Franca, a Cucaracha G37
Gill Afomso G33
Gill Viçente G50
Gill Viçente (tabaliom) G67; G93
Girall Dominguez G50; G51
Gonçallo d[e]Auelláás G56; G57
Gonçallo Giraldez G57; G58; G59; G61
Gonçallo Martiz piliteyro (peleiro) G54; G63; G64
Gonçalo / Gonçallo Paez / Paaez G29; G38; G77; G78; G79
Jfante Jude G17; G18
Jsaque de Crasto G12; G13; G41; G44;
Jsaquy de Crasto (irmão de Mousem) G45
Issaque / Jsaque Cacez G3; G6; G11; G12
Isaque / Jsaque Cacez Judeu G4
Isaque / Jsaquy fereiro / fereyro G24; G27; G30; G31; G32;
Jaco Pernyca G40; G41; G44
Janeyro G60; G61
Johana Perez G61
Johã Afomso Mageto G3; G10; G89; G90
Joham / Johã Coelho G55; G62; G63; G64
Johã / Joham de Deos G52; G54
Joham Domjnguez G88
Joham / Johã Paez / Paaez G54; G55; G62; G63
Johã Pascooal G38
Johã Vaasquez G1; G2
Juça de Leireea G6; G7
A JUDIARIA DA GUARDA EM 1395
105
Rita Costa Gomes (Coord.); Berta Jacob; Daniel Martins; Maria José Neto; Antonieta Pinto; Tiago Pinheiro Ramos
INTRODUÇÃO
Muitos de nós lembramos ainda a adoção da moeda única europeia, o euro,
e a sua substituição da antiga moeda nacional portuguesa. Foi transformação de
grande significado e consequências para o país mas que ocorreu, do ponto de
vista prático e da vida quotidiana, de modo relativamente fácil e sem sobressal-
tos. Ambos sistemas monetários são de base decimal, representando portanto
um mesmo modo de calcular e realizar as operações aritméticas simples do nos-
so dia-a-dia. Um mesmo modo fundamental de relacionamento com as realida-
des monetárias encontrava expressão, numa ou noutra moeda.
Bem diferente era a situação da sociedade portuguesa no século XIX, quan-
do o governo do país resolveu adotar o sistema métrico decimal. Não se con-
fundam, no entanto, a diversidade dos antigos instrumentos de medida, na sua
distribuição no espaço ou na sua variação ao longo do tempo, com o sistema de
medidas que então vigorava, permitindo o cálculo simplificado de equivalências
entre unidades dentro de cada conjunto, e a sua interrelação com outros siste-
mas através de equivalências externas, necessárias à troca mercantil e facilita-
das por tentativas de unificação promovidas pelos soberanos renascentistas. A
“reforma” (palavra fundamental no vocabulário político coevo) das medidas que,
em Portugal como em Espanha, se incentivou na mesma conjuntura de meados
do século XIX (entre 1849 e 1852), visava com audácia substituir um universo de
variabilidade regional e imprecisão relativa, onde o forte e o poderoso se impu-
nham ao fraco no acto mesmo da medição, por um universo de precisão que se
queria universal.
108 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
Esta decisão régia definia em Portugal um prazo de dez anos para a concreti-
zação a nível nacional da generalização do novo sistema. Durante este período,
diversas iniciativas foram sendo levadas a cabo a fim de assegurar o cumprimen-
to do disposto. Foram feitos levantamentos das medidas em vigor pelo país, foi
feita a divulgação do novo sistema, formados os professores que iriam poder
transmiti-lo às gerações seguintes, etc.
No âmbito deste processo, no ano de 1859 foi enviado para o distrito da
Guarda o inspetor Francisco António da Silva Neves, acompanhado por um aferi-
dor. Ao longo de vários anos, Silva Neves dedicou-se a fazer o levantamento das
medidas utilizadas em cada concelho, verificando a sua nomenclatura e dimen-
sões, a equivalência destas com o novo sistema métrico, e o modo como eram
aferidas; contactou igualmente com professores para divulgar e promover o
novo sistema. Ao mesmo tempo, foram-lhe sendo solicitadas informações diver-
sas sobre a atividade económica da região, destinadas aos inquéritos à atividade
industrial que iam sendo publicados. De toda a sua ação foi dando conhecimento
aos seus superiores em Lisboa através de numerosa correspondência, de que
existe, no Arquivo Distrital da Guarda, o respetivo livro de registo.
Com base, essencialmente, na consulta deste documento, sistematizou-se
primeiro a informação relativa aos percursos realizados pelo inspetor no decur-
so do seu levantamento no terreno, quais as medidas que encontrou e a sua
equivalência no sistema métrico decimal, os diferentes contactos estabelecidos,
e algumas das suas ideias relativamente à concretização da sua tarefa e face
ao panorama encontrado no distrito. O nosso objetivo é, a partir desta fonte,
construir uma geografia do sistema de pesos e medidas utilizadas no distrito da
Guarda na conjuntura inicial da introdução do sistema decimal. Por fim, impor-
tou-nos identificar algumas linhas de investigação que posteriormente poderão
vir a complementar e enriquecer este primeiro contributo.
sistema. A par destas tarefas principais, foi-lhe sendo solicitado que recolhesse
outras informações sobre a atividade económica do distrito.
De todo o seu trabalho fez um registo metódico no livro de correspondência
enviada, deixando nele, para além da informação factual, muitas opiniões pes-
soais sobre a situação que encontrou, queixas relativas a situações irregulares,
preocupações com necessidades por colmatar.
Tal como a maioria dos responsáveis distritais, era militar, tendo permanecido
na Guarda até 1862. Localmente, beneficiou, para as suas deslocações, da logís-
tica do Regimento de Infantaria 12.
Fez o seu trabalho em duas longas viagens, com uma passagem pela Guarda.
Começou o percurso partindo desta cidade em direção a Manteigas, seguindo
depois por Gouveia, Seia, Fornos de Algodres, Aguiar da Beira, Trancoso e Ce-
lorico da Beira, regressando então à Guarda. Daqui partiu de novo para a zona
fronteiriça do distrito, visitando primeiro o Sabugal, seguindo de Almeida, Figuei-
ra de Castelo Rodrigo, Vila Nova de Foz Côa, Meda e Pinhel.
Deu esta tarefa por terminada no dia 19 de novembro de 1959 enviando no
dia seguinte para Lisboa o respetivo relatório.
LEVANTAMENTO DE MEDIDAS
Foram apresentados ao inspetor do distrito padrões de todo o tipo. Ele regis-
tou cuidadosamente a presença e omissão de padrões de medidas, e a utilização
de padrões incompletos, mutilados, ou irregulares. Por exemplo, ele questio-
nou-se como seria possível medir azeite com padrões apresentados como quar-
tilhos, ou por medidas feitas de madeira? Como é que nos antigos e extintos
concelhos de Valhelhas e Famalicão podiam aferir medidas uma vez que existia
apenas uma medida que lhe era apresentada, o cubo?
Em 30 de Novembro de 1859, Francisco Neves referia as suas preocupações
na correspondência da Inspeção das Peças e Medidas do Distrito da Guarda:
“Que os padrões de que se não comparou o côvado, não o tinham nos respectivos
distritos, ninguém afere semelhante medida, nem se serve dela” (Folio 35 verso)
“Que do que digo, de ser o azeite comprado e vendido n’alguns concelhos por al-
queires, se não deve esconder que se não compra e vende também por medidas
mais pequenas, porque efectivamente, nada se encontra até ao quarto de quartilho
nalgumas terras”.
“(…) que em concelho nenhum pude descobrir qualquer escrito sobre as respectivas
medidas (…).” (Folio 36)
MEDIDAS DE CAPACIDADE
Para secos Para Líquidos
Alqueire Meio Almude Cântaro ou Alqueire
Meio Alqueire Cântaro de 1/3 de Almude
Quarta Quartão do Almude ou Meio Alqueire
Oitavo Canada
Meia Canada
Quartilho
Meio Quartilho
Quarto de Quartilho
Quarta de 1/2 Almude, e Quarta a 15 Quartos
MEDIDAS ESPECIAIS
Para secos Para Líquidos
Cubo Alqueire para Azeite
Meio Cubo Meio Alqueire
Cubo Panela ou 4.º do Alqueire
Quartilho
Meio Quartilho
PESOS
Duas Arrobas
Uma Arroba
Meia Arroba
Oito Arrateis
Quarto Arrateis
Dois Arrateis
Um Arratel
Quarta
Duas Onças
Uma Onça
Meia Onça
Duas Oitavas
Uma Oitava
Meia Oitava
1
Luís Seabra Lopes, “Sistemas legais de Medidas de Peso e Capacidade, do Condado Portucalense ao Século
XVI”, Portugália, nova série, vol. XXIV (2003), p.150. Ver também a transcrição da tabela de equivalências
realizada pelo inspetor Francisco das Neves.
2
Mário Jorge Barroca, “Medidas-Padrão Medievais Portuguesas”, Revista da Faculdade de Letras. História,
2ª Série, vol. 9 (1992), p.55
3
Gustavo Puente Feliz, “El sistema Métrico Decimal. Su importancia e implantación en España”, Cuadernos
de Historia Moderna y Contemporánea, 2 (1982), pp. 95-125.
QUANDO O METRO CHEGOU À GUARDA: A GEOGRAFIA DOS PESOS E MEDIDAS DA REGIÃO BEIRÃ
117
Rita Costa Gomes (Coord.); Isabel Lopes; Isabel Nabais; Margarida Paulino; Cátia Ramos; Jorge Sousa; Jorge Torres
“… cumpre-se lembrar a V.ª Ex.ª (baseando-me no grande desleixo que tenho visto
n’estes Districto da parte das autoridades em fazer cumprir a lei) que do Ministério
competente baixe uma Portaria às Cammaras e Administrações do Concelho para
que os oficiais de diligências e aferidores deem immediatamente parte às auctori-
dades competentes de qualquer de qualquer irregularidade que encontrem sendo
logos os infractores ponidos com o rigor da lei, e força bastante aos empregados da
Repartição de Pezos e Medidas para per si só poderem multar e prender (dando em
seguida parte) qualquer pessoa que nas suas tranzacções se afaste do que exige o
novo systhema.” (Folio 80 rosto)
Além destas tarefas, Francisco Neves foi responsável pela recolha de infor-
macões e dados quantitativos sobre as indústrias do concelho, pela aferição do
número das praças do Regimento de Infantaria 12, e foi também elaborando uma
listagem de todos os professores do distrito.
118 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
CONCLUSÕES
Pela informação recolhida a partir do manuscrito consultado, podemos cons-
tatar que havia uma situação muito diversa nos catorze concelhos do distrito,
embora se possa dizer, com uma boa dose de certeza, que a regra era haver
muito pouco cuidado com a conservação e uso dos padrões oficiais.
O inspetor considerou essa situação extremamente desvantajosa para as
populações locais, pois os comerciantes usavam uma tal variedade de medidas
– principalmente para os cereais, vinho e azeite – que era impossível assegurar
a justiça das transações.
Da sua diligência e curiosidade em inquirir os costumes e práticas locais re-
sultou também uma constatação do muito que haveria a fazer, em particular no
âmbito da sociedade rural. Por exemplo, o inspetor lamentou não haver uma me-
dida para o cálculo das superfícies, tão importante para a medição dos terrenos.
Tanto se usava como unidade a área que se podia lavrar num dia, como o que se
podia semear com um alqueire de centeio, ou ainda, para o caso das vinhas, o
que um homem podia cavar num dia.
Os aferidores dos concelhos foram geralmente vistos por ele como inaptos e
infiéis, o que agravava a falta de zelo por parte das Câmaras Municipais, factores
de que se queixou amargamente aos seus colegas de Lisboa.
A aferição de medidas e a aquisição de jogos de pesos e balança tinham
custos elevados, pelo que não estavam ao alcance de todos, havendo mesmo
quem, não podendo deixar de o fazer, tivesse que optar pela compra em pres-
tações.
Sendo uma das suas tarefas mais persistentes, o inspetor deixou bem claro
nos seus escritos o zelo que dedicou ao controlo e à formação dos professores,
tarefa fundamental para a correta implementação do novo sistema.
A riqueza e diversidade de informação contida neste manuscrito não se pode
esgotar no trabalho agora apresentado, que deve ser encarado apenas como
uma primeira achega para o conhecimento de um tema de grande importância
na história da Guarda e da sua região.
Outras pistas nos gostaria seguir para aprofundar o que se sabe sobre a vin-
da do sistema métrico para esta região e as realidades que aqui vigoravam nesta
conjuntura de meados do século XIX.
Eis algumas que nos pareceram de grande interesse, a partir da leitura e
estudo inicial desta fonte histórica durante o workshop da Oficina de História:
REFERÊNCIAS
ARQUIVO DISTRITAL DA GUARDA. Repartição de Pesos e Medidas da Guarda. Cor-
respondência Expedida 23/09/1859 a 16/06/1865. (http://digitarq.adgrd.ar-
quivos.pt/details?id=1225031, acedido em 10/07/2017)
ARQUIVO DISTRITAL DA GUARDA. Repartição de Pesos e Medidas da Guarda. Corres-
pondência Recebida 30/01/1861 a 19/02/1868. (http://digitarq.adgrd.arquivos.
pt/details?id=1225035, acedido em 20/07/2017)
BARROCA, Mário Jorge (1992). “Medidas-Padrão Medievais Portuguesas”, Revista
da Faculdade de Letras. História, 2ª Série, vol. 9, pp. 53-85.
LOPES, Luís Seabra (2003). “Sistemas legais de Medidas de Peso e Capacidade,
do Condado Portucalense ao Século XVI”, Portugália, nova série, vol. XXIV,
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LOPES. Luis Seabra (2003). “Medidas de capacidade na Beira nos séculos XII a
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LOPES, Luis Seabra (2003). “Os padrões de Medidas de Capacidade dados à
Guarda por Dom Sebastião e as alterações que sofreram”, Beira Alta vol. LXII,
3-4, pp. 435-446.
LOPES, Luís Seabra (2005). “A cultura da medição em Portugal ao longo da histó-
ria”, Educação e Matemática, 84, pp. 42-48.
120 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
Eduardo Lourenço
[2015]
*
Retratos de galardoados com o Prémio Eduardo Lourenço fotografados por Alfredo Cunha.
126 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
Agustina Bessa-Luís
[1996]
RETRATOS
127
Alfredo Cunha
Luis Sepúlveda
[2018]
128 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
Mia Couto
[1997]
“VOLVER SOBRE MIS PASOS”.
EN ALABANZA DE LA GEOGRAFÍA DE LA
MEMORIA Y DE LAS AUSENCIAS
RUI JACINTO (Texto)
SANTIAGO SANTOS (Fotografia)
“Las tierras marginales son predilectas del turismo. El viajero no es turista, es viaje-
ro. Hay una gran diferencia. Viajar es descubrir, el resto es simple encontrar” (Sara-
mago, 1981: 466).
Otras más recientes, sobre los Arribes del Duero, que ilustran la Ruta Miguel
de Unamuno - Eduardo Lourenço (2018), muestran el cambio estético y visual,
entretanto operado. A pesar de todo, después de dos décadas, todavía podemos
seguir hablando de “lugares perdidos, de sueños reales, de cicatrices del tiempo
que persisten eternamente, del dolor de la memoria, de lo infinito sucedido y de
lo infinito narrado y contado. Observé la obsesión por no precisar la evidencia, la
obsesión de escuchar los ecos que se han ido amontonando entre las grietas y el
musgo. En estas imágenes observé la dignidad de las ruinas que se abaten ante
el tiempo manteniendo siempre su estructura esencial y configurando un orden
de perfecto caos. Ruinas que se resisten a ser restauradas, para deleite de una
humanidad superflua y estética, incompleta, mutilada” (Roncero, 1996: 8).
“VOLVER SOBRE MIS PASOS”. EN ALABANZA DE LA GEOGRAFÍA DE LA MEMORIA Y DE LAS AUSENCIAS
135
Rui Jacinto
Las imágenes que hemos venido a observar confieren a los lugares “una
dimensión simbólica cada vez más importante, donde es imposible establecer
límites entre las dimensiones material e inmaterial de la territorialización” (Haes-
baert, 2004: 346). Los relatos de estos viajes que nunca terminan, como nunca
se rehacen los mundos fotografiados, anuncian la intención del autor de conti-
nuar cubriéndolos punto por punto, de fotografiarlos desde todos los ángulos,
como el mapa paradójico de la narrativa de Borges sobre el rigor de la ciencia.
La máxima perfección, imposible e inútil, como “el mapa de una sola Provincia
ocupaba toda una ciudad, y el mapa del Imperio, toda una Provincia. Con el tiem-
po esos Mapas desmedidos satisfizo y las Escuelas de Cartógrafos levantaron
un Mapa del Imperio, que tenía el tamaño del Imperio y coincidía puntualmente
con él. “Tanto más que .... “Menos dependientes del Estudio de la Cartografía,
las Generaciones Siguientes entendieron que ese dilatado Mapa era inútil y no
sin impiedad lo entregaron a las Inclemencias del Sol y de los inviernos. En los
desiertos del Oeste perduran despedazadas Ruinas del Mapa, habitadas por Ani-
males y Mendigos; en todo el País no hay otra reliquia de las Disciplinas Geográ-
ficas “(Jorge Luis Borges,” Del rigor en la ciencia “).
Las fotografías de Santiago Santos, estamos seguros, no tendrán el mis-
mo destino de dicho mapa, cumpliendo con su labor de imagen al menos la
importante misión de ayudar a reconciliarnos con los territorios que más nos
tocan.
REFERENCIAS
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Roteiro Miguel de Unamuno – Eduardo Lourenço. Ancora-CEI, Guarda.
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logo de exposición itinerante de fotografía. Junta de Castilla y León.
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Cristina Zelich; Javier Ayarza; Santiago Santiago. Catálogo de exposición iti-
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rios” à multiterritorialidade. Bertrand Brasil, Rio de Janeiro.
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versidad de Salamanca.
SARAMAGO, José (1981). Viagem a Portugal. Círculo de Leitores, Lisboa.
O SENTIDO DOS LUGARES.
PATRIMÓNIO VISUAL, MEMÓRIA LOCAL
Pormenor do centro histórico fotografado por António Correia, a partir do terraço da Catedral,
no início da década de 50 do século passado.
*
Museóloga e investigadora. Membro do CLEPUL.
144 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
contextos, pois a sua inserção numa determinada realidade vai influenciar o seu
olhar sobre a mesma. O olhar do fotógrafo é uma construção desenvolvida em
todo o seu período de atuação e que depende de uma serie de experiências. (…)
O que chama a atenção dos historiadores é como o fotógrafo olha a sociedade,
se o seu olhar é o mesmo de qualquer pessoa ou se ele é singularizado por uma
determinada forma de ver, se ele olha exatamente como nós mesmos olhamos,
ou se ele exacerba o simples olhar e lança uma outra perspetiva sobre a socie-
dade” (Ivo Canabarro, 2005: 21).
Sendo um fundo documental todo o conjunto de documentos de arquivo,
que necessitem de ser salvaguardados, conservados, estudados e divulgados, é
exigível que, construir um arquivo seja feito com critério e rigor, aplicando nor-
mas de recolha, seleção e identificação criteriosas, fazendo dele um lugar de
148 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
passa, e muito, pelo arquivo documental onde a imagem fotográfica esteja pre-
sente. A fotografia não faz a história da Guarda, faz, sim, a sua redescoberta, per-
mitindo a reconstrução da memória social. A imagem fotográfica não é apenas
ilustração visual de um texto. É, sobretudo, um campo de pesquisa através do
qual se ampliam as fontes documentais. Segundo Marina Tavares Dias, grande
olisipógrafa, arquivadora das imagens sobre a capital e historiadora, “a herança
fotográfica das cidades não é obra daqueles que julgavam estar a criá-la. A
herança fotográfica das cidades é obra de contingências várias, determinantes
do destino de cada pessoa e de cada espólio”.
Por esta razão é que outros importantes fotógrafos da Guarda, como João
Ayres, não atingiram a notoriedade do já citado António Correia, em virtude do
seu espólio ter desaparecido e a dimensão que hoje temos sobre a sua obra estar
confinada às imagens reproduzidas em postais ou na imprensa local e nacional.
O estudo das coleções fotográficas permite ainda perceber o percurso, técnico e
profissional e a dimensão da obra do fotógrafo autor. É, também, através da análise
das obras fotográficas que se faz, por exemplo, a historiografia da arquitetura, das
linguagens artísticas, da publicidade, dos usos e costumes e de tantas outras áreas.
A sua importância é, hoje em dia, quase inesgotável tal é o seu contributo nas diver-
sas áreas do conhecimento. Contribuem ainda para demonstrar a multiplicidade e
152 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
BIBLIOGRAFIA
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trimónio?” <http://www.tesis.uchile.cl/tesis/uchile/2006/sanchez_v/sour-
ces/sanchez_v.pdf>.
*
Duarte Belo (Lisboa, 1968). Formação em arquitetura. Desde 1986 que trabalha no levantamento fotográfi-
co sistemático da paisagem, formas de povoamento e arquiteturas em Portugal. Este trabalho continuado
em mais de 750.000 quilómetros percorridos, deu origem a um arquivo fotográfico de mais de 1.600.000
fotografias.Publicou vários livros sobre o tempo e a forma do território português, de que se destacam: Por-
tugal — O Sabor da Terra (1997-1998) e Portugal Património (2007-2008). Desenvolve atualmente projetos
em suporte digital sobre Portugal. É editor do blog Cidade Infinita. Expõe desde 1987 e participa regular-
mente em conferências e mesas redondas em temas relacionados com paisagem, arquitetura, Portugal e
fotografia, nomeadamente metodologias de registo e arquivo de imagem.
154 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
2017 2018
FERNANDO PAULOURO BASÍLIO LOSADA
Jornalista e Escritor Professor e Escritor
ÁLVARO DOS SANTOS AMARO
PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DA GUARDA
É com renovada honra e satisfação que nos reunimos anualmente nesta ses-
são em torno de um prestigiado e reconhecido Prémio que distingue persona-
lidades com intervenção relevante na cultura, cidadania e cooperação ibéricas.
Saúdo os representantes das Universidades de Coimbra e de Salamanca e do
Instituto Politécnico da Guarda, nossos parceiros neste projeto de cooperação
que é o Centro de Estudos Ibéricos.
Permitam-me uma saudação especial ao Senhor Reitor da Universidade de
Salamanca, instituição maior da Cultura ibérica e europeia que comemora este
ano o seu oitavo centenário.
Estar à frente de uma instituição como a Universidade de Salamanca num
momento tão simbólico é certamente uma grande honra. E é também um motivo
de orgulho para a Guarda estar ligada a tão importante Centro de Ciência e de
Saber, através do Centro de Estudos Ibéricos.
Como dizemos por cá, bem-haja pelo seu compromisso para com este proje-
to e com estes territórios de fronteira.
Ao Senhor Professor Eduardo Lourenço dou as boas-vindas, mais uma vez,
a esta sua Casa. Em nome da Guarda, bem-haja também pela amizade e pela
disponibilidade.
E, claro, uma palavra muito especial ao nosso premiado deste ano. Seja bem-
-vindo à Guarda, Professor Basilio Losada. Como bibliófilo e amante de livros,
estou certo que se sentirá em casa nesta nossa Biblioteca.
Depois de termos já premiado importantes e destacadas personalidades, en-
tregamos este ano a distinção a uma das mais proeminentes personalidades da
Cultura Galega, Basilio Losada Castro.
O Júri da 14ª edição do Prémio Eduardo Lourenço entendeu reconhecer a
trajetória ímpar do filólogo, professor, investigador, tradutor, crítico literário e
escritor.
Natural da Galiza, terra que o viu nascer há 88 anos, apaixonado pela língua
e cultura da sua terra, foi o primeiro catedrático de Filologia Galega e Portuguesa
na Universidade de Barcelona, onde desenvolveu a sua vida profissional e se
tornou uma referência para várias gerações de iberistas.
166 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
Quero agradecer à Guarda o convite que me fez para estar aqui, por ocasião
da homenagem que prestamos ao Prof. Basilio Losada.
Para celebrar digamamente uma personalidade como o Professor e Escritor
Basilio Losada seria preciso uma enciclopédia. Ele não é apenas um escritor, um
poeta, um filólogo, mas, verdadeiramente, uma enciclopédia de vida. Só posso
responder, de algum modo, tendo audácia de tocar o tema de todos os temas
de alguém que está há muitos anos empenhado numa série de coisas que têm
a ver com a cultura propriamente dita. Seria ocasião de evocar a temática “Do
Homem como Literatura”:
Flaubert conheceu-o, Mallarmé fez dele um jogo, e depois dele essa consciência
da mortalidade do que em si mesmo é imortal, ou bem pior, da inacessibilidade
intrínseca da ficção onde, como Deus em Cristo, os autores põem toda a sua
complacência, tornou-se, por assim dizer, o a priori de toda a criação literária.
Enquanto tais, eles não são o homem-como-literatura. São só aqueles que per-
mitem aos outros, graças a uma privação sem nome, de adquirir uma existência
lendo-os. Pensar que o não alcancem justifica esse famoso desespero literário,
quer dizer “celui / qui s’empare de l’écrivain lorsqu’il desespère de la littérature
et à cause d’elle”.
Felizmente o homem-como-literatura está todo do lado do leitor que pode
ser e começou por ser fatalmente todo o autor digno desse nome. É como
leitores que nós somos “literatura”, paisagem invadida, submersa, iluminada por
todas as emoções, sentimentos, angústias, alegrias que, para parafrasear Pes-
soa, não damos a nós mesmos nem à vida, mas estão lá, inscritas, incoativas,
nesse lugar sem lugar nem espaço mais virtual que todos os espaços virtuais
que chamamos livro e em virtude do qual somos literatura. É nesse lugar que
se inverte a desesperada sentença de que em face da tragédia da nossa verda-
deira vida como esperança realmente ferida de morte tudo o resto é literatura.
Não, a literatura é o resto, um pouco como Pascoaes dizia da Saudade que é o
que fica quando tudo morreu. Num filme célebre de François Truffaut, inspirado
de Bradbury, o cineasta mostra-nos homens que não são mais que livros: como
loucos circulam nos jardins de um mundo onde a literatura perdeu o direito de
cidade, cada um recitando as palavras onde a essência da Humanidade é supos-
ta preservar-se. Um é a Odisseia, outro a Divina Comédia, outro Dom Quixote,
outro Madame Bovary, outro O Processo. Em suma, bibliotecas vivas para que
o Homem não possa morrer. Em tempos de Salman Rushdie aquela alegoria da
ciência-ficção não perdeu actualidade. O interesse dela não seria grande se só
a tomássemos como reverência ou até idolatria de uma particular criação do
espírito e da imaginação dos homens que no livro e na Literatura se encarnam.
Mas é outra coisa: esses homens-livros são só a Humanidade tornada Literatura,
não por escrever ou ler livros que contêm a nossa realidade ou a nossa verdade
como uma estela dá conta de uma batalha ou de uma legenda, mas antes por
serem o espelho infinitamente reflectido do nosso sentimento de nós mesmos,
dos outros e do mundo como incuravelmente ávidos de mais realidade e ver-
dade que só o imaginá-los inventa para que possamos suportar a existência na
sua opacidade absoluta. Não são os livros que conservam a cidade, é a nossa
imaginação, nós como Literatura, que inventamos a verdade. A verdade segundo
Xerazade, aquela que afasta os muros da Morte enquanto ela acrescenta um
conto a outro conto. Sem fim.
Eu ouvi um professor meu dizer que a modéstia era um dos piores usos da
ironia. Digo isto porque, em primeiro lugar, não quero que se confunda o que
pretende ser apenas um mero desabafo, com uma forma de modéstia, desne-
cessária e, por natureza, falsa. Não sou a melhor pessoa para fazer a laudatio
a Basilio Losada, um professor que ao longo de um vasto percurso de docência
teve alunos muito mais competentes e adequados do que eu para a realizar. Foi
isso que lhe disse quando o professor sugeriu que o acompanhasse neste ato.
No entanto, como diz a sabedoria popular espanhola, «las ocasiones las pintan
calvas.» E, de facto, este provérbio que com um ar de absurdo, mantém uma bela
imagem clássica, mostra-nos que quando a roda da fortuna está a nosso favor,
não a podemos desperdiçar, porque, infelizmente, o dia a dia de todos nós já
se encarrega de nos trazer calvícies e rapadas inesperadas. Por isso, agradeço
de todo o coração a possibilidade que agora tenho nesta laudatio de expressar
publicamente a minha admiração e estima pelo professor Basilio Losada, o meu
mestre.
Mas quem é Basilio Losada?
Basilio Losada é um senhor que madruga. Que quando lecionava as aulas de
doutoramento, programava-as para as oito da manhã, um horário que parecia
ser feito para dissuadir ou diretamente chatear os alunos. Apesar de tudo, ele
*
Professor Universitat Autònoma de Barcelona.
**
Versos extraídos de A Pele de Touro de Salvador Espriu, traduzidos em 1974 para o português por Manuel
de Seabra, amigo de Basilio Losada. Este livro de poemas de Espriu é um canto a Sepharad, isto é, a toda
a Península Ibérica para que «viva eternamente / na ordem e na paz, no trabalho, / na difícil e merecida /
liberdade».
176 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
tinha sempre uns quantos que ganhavam à preguiça matinal ou às ressacas juve-
nis para o ouvir. Quando entrávamos no seu gabinete, ele já estava a trabalhar
há horas, e ouvíamos, no dizer de Álvaro de Campos: «o tic-tac estalado das má-
quinas de escrever» com o boletim rotativo de notícias da RNE. Sons que, agora,
parecem de outro tempo.
Basilio Losada é um professor, um professor magnífico, que eu acho que
nunca fez nenhuma programação dos cursos, nenhum relatório sobre os cri-
térios pedagógicos empregados ou qualquer tipo de avaliação da empregabi-
lidade dos estudos que ele lecionava. Uma aula sua sobre uma cantiga gale-
go-portuguesa podia terminar, porque não?, numa dissertação sobre a pintura
informal de Antoni Tàpies. Nunca sabíamos sobre o que falaria, porém tínhamos
sempre a convicção de que acabaria por nos cativar e de que aprenderíamos.
Talvez porque o conhecimento, o autêntico conhecimento, não viaja frequente-
mente pelos caminhos previsíveis, mas acomete — assalta-nos — sem estarmos
à sua espera.
Basilio Losada é um homem com uma persistente teimosia pela heterodoxia,
com uma simpatia inveterada pelos derrotados. Nas suas aulas ouvi pela pri-
meira vez falar sobre o priscilianismo. Ou do adocionismo, uma heresia que, de
passagem, nos conduzia pelos trilhos do diálogo, o essencial para reduzir fana-
tismos e intransigências de todos os tipos. As tristes constantes que num século,
o nosso século XX, marcaram Basilio Losada e toda a sua geração através de
ideologias e sectarismos.
Basilio Losada é um homem que gosta muito de livros, que leva consigo
constantemente de um lugar para outro papel encadernado. Isto ainda aconte-
ce, com a dificuldade adicional de carregar a sua bengala, e também acontecia
quando levava para a sala de aula uma montanha de livros para os folhearmos.
Lembro-me especialmente de numa aula dedicada à saudade, como não podia
deixar de ser num curso de literatura portuguesa, ter entre as mãos um livro
que tinha sido apresentado por Losada como a recente grande contribuição
à temática; aquela obra intitulava-se O Labirinto da saudade e era, claro, de
Eduardo Lourenço. Era a primeira vez que ouvia o nome deste ensaísta portu-
guês. Foi também naqueles finais dos anos oitenta que Lourenço coincidiu com
Losada numa conferência sobre Fernando Pessoa que teve lugar em Barcelona,
na altura do boom do poeta em diferido. Que hoje celebremos a concessão do
Prémio Eduardo Lourenço a Basilio Losada apraz-me particularmente: pois sem-
pre os tinha associados e porque eu conheço o grande cuidado e carinho que
Lourenço tem para com Barcelona e a Catalunha. E, de facto, o prémio deste
ano atinge diretamente o nordeste desta península ibérica. Porque Losada é um
referente inescusável da lusitanística nesta zona: é o único catedrático numa
universidade catalã de filologia galega e portuguesa. Por este labor foi-lhe con-
cedida a Creu de Sant Jordi da Generalitat de Catalunya em 1984. Também
A BASILIO LOSADA
177
Jordi Cerdà
E, de facto, esta semente deu os seus frutos: como o próprio Basilio Losada
e homens e mulheres da sua geração puderam fazer florescer uma renovada
cultura galega — apesar da guerra, da ditadura ou de tantos e tristes impedi-
mentos —. Losada é, segundo Manuel Rivas, a abita da Galiza na Catalunha. E
ainda que sempre tenha tido uma relação distante com os poderes, os governos
da Catalunha e da Galiza, reconheceram o seu trabalho como académico, como
intelectual e como divulgador. Recebeu em 2016 a máxima honra da Galiza: a
Medalla de Galicia de Ouro.
Basilio Losada é tradutor, um grande e extraordinário tradutor, que mereceu
as mais altas distinções por este ofício como o Premio Nacional de Traducción
em 1991. Traduziu do francês ou do alemão, mas é principalmente reconhecido
pelas inúmeras e extraordinárias traduções entre as línguas ibero-românicas: do
galego, do catalão e, claro, do português. De Basilio Losada são as traduções
para o espanhol, na prestigiada editora Seix Barral, da nova narrativa portugue-
sa do início dos anos setenta: de Vergílio Ferreira e de José Cardoso Pires, os
178 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
protomártires. E convém lembrar que Basilio Losada foi o tradutor para o espa-
nhol, desde meados dos anos oitenta, de José Saramago na altura em que este
escritor atingiu a aclamação unânime da crítica e dos leitores entre o mundo
hispânico; a glória celestial. Losada é diretamente responsável pela febre hispâ-
nica de Saramago, o primeiro autor português que eu saiba, que foi publicado
simultaneamente em tradução para o espanhol. Um momento excitante em que
chegámos a acreditar que os autores portugueses teriam um espaço privilegiado
nos catálogos espanhóis. Que a jangada de pedra se construía de um imaginário
partilhado e respeitoso da extraordinária diversidade da Península Ibérica.
No entanto, Losada não é apenas um tradutor. Ele também tem sido um me-
diador, um apóstolo da boa nova literária em língua portuguesa. Um homem com
uma extraordinária capacidade empática para que alguns dos autores por ele tra-
duzidos se tornassem também em confidentes e amigos. Como bom galego é um
ótimo conversador. E também um ótimo fabulador. Segundo Losada, foi desafiado
por um editor para escrever A peregrina, a única incursão à ficção que fez, com
um prólogo de José Saramago, e que saiu no prelo em espanhol e em galego.
Basilio Losada é um homem que tem trabalhado arduamente no entendimen-
to entre todos os povos ibéricos. Ele porfiou nisso por ofício e vocação. Cético em
quase tudo, tem sido capaz de lançar as bases para as diversas culturas ibéricas
e, tal como Saramago disse, transibéricas, terem um espaço de conhecimento e
diálogo na universidade ou no mundo editorial. Sem palavreados, sem brindes
honoríficos e circunstanciais, mas com um trabalho constante e obstinado para
aproximar línguas, terras e culturas ibéricas.
Um dos grandes narradores catalães, Josep Pla, um mestre de alfinetadas,
disse uma vez que «Si parlen del bacallà amb un portuguès, hi trobaran una
evident curiositat. Si li parlen de la unió ibèrica, potser no tant» [se falarem de
bacalhau com um português, encontrarão uma curiosidade evidente. Se lhe fa-
larem sobre a união ibérica, talvez não tanto.] Josep Pla era outro cético, um
teimoso desiludido, e deste jeito bania qualquer véu ideológico e oportunista
dum suspeito iberismo político. Basilio Losada, que detesta o bacalhau — não
pode com ele — construiu um autêntico e palpável iberismo baseado no diálogo,
na compreensão do outro, na liberdade e no risco que todo o pensamento crítico
deve assumir.
Por tudo isto, e muitas outras coisas que os dez minutos protocolares não
me permitem, gostaria de agradecer mais uma vez ao professor Losada a sua
mestria. Que sorte, que fortuna tê-lo conhecido, ter convivido com ele, ter po-
dido ouvi-lo, e aprendido tanto dele. Não seria o que sou e, naturalmente, não
estaria aqui.
inicial: “El Dr. Losada va a empezar diciendo, como siempre, que la literatura bra-
sileña es la más interesante del mundo.” Tras esta frase inicial yo tenía que decir
el porqué: En ningún otro país del mundo se podía pasar en un viaje de dos horas
desde el Neolítico a las tecnologías punta. Y aún hoy estoy convencido de que
las grandes literaturas de nuestro tiempo, afloran lentamente en los países del
Tercer Mundo porque solo en ellos ocurren cosas dramáticamente interesantes.
Soy hombre de muchas patrias. En primer lugar el valle de Láncara, donde
nací, y elegiría para acabar mi vida donde la empecé. Descubrí Portugal como
una patria. En Portugal se hablaba normalmente la lengua que todos hablaban
en mi patria inicial, el valle de Láncara. Ya en Barcelona, con mi familia, descubrí
que en mi parroquia anunciaban una peregrinación a Fátima. En aquellos años
de terrible escasez, en definitiva años del hambre, oí decir que en Portugal to-
das comían pan todos los días. Hablé con el párroco, pero me dijo que el viaje
costaba 200 pesetas. En mi casa nadie tenía 200 pesetas para aquella aventura.
Tuve que hacer de monaguillo durante dos meses para ir a Portugal. Yo no sabía
ayudar a misa pero un amigo me guiaba con la mano, y con el cura de espaldas,
para colocar el libro sagrado en su sitio. ¿Cómo no amar al país dónde uno ha
podido hartarse de pan por primera vez en su vida? Yo llevaba unas monedas y
compré pan, y me harté, me harté, en los años hambrientos de España.
Yo no he querido ser escritor, aunque tuve que escribir mucho durante mi
larga vida universitaria. En vez de escritor quise ser lector. La vida de escritor
es un trabajo muy duro: escribir una novela durante todo un año pensando que
va a tener un éxito enorme, y luego vende dos ejemplares ¡un horror! Después,
en las ferias del libro, ponen al lado de ese escritor a un autor lamentable con
un montón de libros suyos y los vende todos. Preferí ser lector y hablar de los
libros que me emocionaban, decir a mis alumnos: “Esto tenéis que leerlo”. Por
ejemplo cuando cogía en mis manos La correspondencia de Fradique Mendes.
Hace poco un excelente escritor, que fue alumno mío, me ha dicho: “gracias por
recomendarme a Fradique, es uno de mis libros de cabecera.”
Hablando de los grandes libros en la comida, antes de este acto, hice una
referencia a una novela brasileña: Mad Maria, de Márcio Souza, un autor que
en España nadie conoce, o casi nadie. La traduje yo hace muchos años. Es una
novela impresionante: habla de la construcción de un ferrocarril en la selva
del Brasil, de ninguna parte a ninguna parte. Mad María (María la loca) es la
locomotora. El proyecto del ferrocarril era un pretexto para obtener subven-
ciones y ayudas oficiales, es decir un tema muy de hoy. En la construcción
murieron cientos de obreros, Es el verdadero retrato de lo peor de la economía
moderna. Cuando se publicó la traducción, no se vendió. Ahora, una editorial
modesta ha hecho una nueva edición y me pidió que les cediera, gratuitamen-
te, los derechos que me corresponden como traductor. No les cobré nada, me
enviaron dos ejemplares.
BASILIO LOSADA CASTRO 181
CAMILA DO VALLE*
*
Professora Doutora do Instituto Multidisciplinar da UFRRJ e do programa de pós graduação em Cartografia Social
e Política da Amazônia na UEMA. Atualmente em pós doutoramento do programa de Literatura Comparada do
Instituto Margaria Llosa da Universidade do Porto, sob supervisão da Prof. Dra. Isabel Pires de Lima, com bolsa de
pesquisa atribuída pela Fundação Calouste Gulbenkian em 2018.
1
LOURENÇO, Eduardo. “Michel Foucault ou o fim do Humanismo”. In: FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas.
Lisboa: Edições 70, 2018 (1ª ed. 1989).
184 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
essa coisa aqui (e apontava para os jornais europeus sobre a mesa, falando do
incêndio no Museu Nacional)... é um assassinato sem sem sem sem sem... sem
autor... Como é que vou dizer isso... Uma espécie de terremoto cultural¿ Crepita
uma parte da memória brasileira fundadora. Isso é coisa insuportável, penso eu.
Provavelmente... o mais que se pode esperar é que essa coisa tão dramática,
tão trágica, no sentido forte da palavra, possa servir duma espécie de revolta
moral profunda que se ocorra ao Brasil e que o Brasil encontre qualquer coisa de
positivo mesmo para colmatar esse buraco negro de sua própria história que a
gente nem quer acreditar que foi tão cedo. É como se a gente estivesse a fazer
defuntos conhecidos nossos que amamos. Inacreditável. Uma tragédia. Uma tra-
gédia para a cultura mundial. Não é só para o Brasil. Mas quando a gente sabe as
carências particulares de certa ordem que têm os antigos países colonizados, e o
Brasil é um deles, naturalmente, não será o mais poupado de coisas graves, se-
não que era, realmente, naquelas épocas... isso era considerado qualquer coisa
de normal... Mas isso não pode justificar uma coisa dessas.” (Eduardo Lourenço)
EL: Bom, eu não creio, não é que... Eu, em todo caso, até por razões de idade,
de geração, era um pouco absurdo que eu sentisse da parte de um autor, ensaís-
ta, sociólogo brilhante como ele, Boaventura Santos, que eu sentisse qualquer
espécie de ciúme, ou coisa parecida, não é o caso. O que é natural é que alguém
que pertence a uma outra geração, um outro prisma, que tem uma formação
de alguém que está voltado para a leitura da realidade em termos de ordem
sociológica, que tenha, de fato, uma visão diferente, sobretudo a visão de como
o mecanismo da cultura portuguesa realmente funciona, tenha outra diferente
da minha, é natural e é bom que seja assim. De maneira que, como não havia, já
há muito tempo, jovens ensaístas que tivessem uma posição que se demarcas-
se desta minha, que, sendo conhecida, eu penso, que não é assim muito bem
compreendida, alguém que pensasse que está impugnando esse discurso, e, no
entanto, realmente não está, é bom porque isso suscita uma releitura minha e
também uma leitura dele... Eu penso que não há, é só uma questão de focagem,
realmente diferente. Só, agora... o problema é que eu não considero uma leitura
186 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
sociológica, seja do que for, como algo, não só interessante, mesmo necessário,
mas considero que a sociologia, pela natureza mesma do seu olhar, não é, tem
uma limitação realmente precisa, ela não pode ir mais do que aquilo, e eu penso
que só o ver, mesmo o mais sorrateiro possível, não compreende o objetivo real-
mente em questão, que é preciso. Na verdade, nós já vimos bem miticamente,
nós não medimos nada. Portanto, nós também não precisamos estar medindo as
coisas, ou medindo as relações entre as coisas, nós nunca chegamos realmente
à compreensão delas porque nós já mitificamos. O nosso olhar já é. É preciso
encontrar ou descodificar essa mitificação que nós fazemos pelo simples fato de
olhar, pelo simples fato de estarmos em relação com as coisas. E com as pessoas
ainda é pior naturalmente, porque são elas que têm outro código, portanto, se
nós nem sequer nos apercebermos do código que rege realmente o olhar do
outro, o discurso do outro, então, ficamos fora, é apenas uma análise exterior.
CV: Boaventura de Sousa Santos diz que a tradição da antropofagia, tal qual
a conhecemos na Literatura Brasileira, e que procurava romper com traços
da herança lusitana, já era proveniente de uma herança portuguesa...
CV: Mas há uma afirmação de sua autoria dizendo “somos todos canibais”...
EL: Na medida em que todos o são. Não escapamos a essa regra. Embora
não penso que seja mais do que outras culturas. Mas essa idéia de antropofagia,
DUAS ENTREVISTAS INÉDITAS DE EDUARDO LOURENÇO
187
Camila do Valle
que é uma idéia de gênio, gênio de provocação, em todo caso, que é o Oswald
de Andrade, é alguma coisa que se impunha na revisitação radical de todo o dis-
curso sobre o Brasil. Ao mesmo tempo, as imagens exteriores reenviam para a
cultura brasileira essas origens um pouco tenebrosas, numa óptica racionalista,
iluminista e ocidental, de canibal. E, por conseguinte, o Oswald de Andrade reen-
via a bola à precedência: quer dizer, não só generaliza naturalmente a antropo-
fagia toda em geral, mas diz que não, eu assumo essa antropofagia: aquilo que
vocês consideram como negativo, eu considero como positivo. Portanto, esse é
um ato fundador, uma espécie de segundo ato.
CV: Este segundo ato fundador teria alguma relação com o que, a partir de
Nietzsche, convencionou-se chamar como “a morte de Deus”¿
CV: Há um texto seu muito combativo, e com um tom muito pessoal, contra o
que se erigiu em torno do que seria o pensamento de Gilberto Freyre. Como
é um texto mais antigo, gostaria de saber se ainda concorda com as idéias
expressas no texto.
geral. O Brasil é que era quem nos defendia na ONU, quando nos acusavam de
colonialismo e de racismo: “Não, nós temos o Brasil, o Brasil é um país multicul-
tural, não é racista.” E o Embaixador do Brasil levantava-se. E o Gilberto Freyre
era a caução intelectual. Em Portugal não havia interesse nenhum que qualquer
homem do regime tivesse esse interesse... O Gilberto Freyre era um intelectual
prestigiado. É por isso que Salazar citava-o no discurso para levar a cabo aquela
cruzada da guerra e do colonialismo em África. Sem querer, ou por querer, ou por
inocência... Também foi convidado a ir a Angola. Não foi lá passear para escrever
um livro.
CV: Como eu tomo seus ensaios, de uma certa forma, como ficção, gostaria
de saber...
EL: O Glauber era muito jovem quando eu o conheci na Bahia. Aliás, ele apa-
receu lá, uma vez, num curso, aquela turma e tal, depois não foi mais. Aí, eu o
encontrei outras vezes, já cá fora. Assisti ao casamento dele. Acho que foi com
uma menina que era a rainha da beleza lá da terra, não é¿ E depois, quando o
encontrei mais tarde, já o encontrei muito doente já. Não escrevi sobre ele...
Escrevi, sim! Quando fui ao I Ciclo consagrado ao Cinema Novo, escrevi. Pelo
menos, dois artigos que estão publicados pela Cinemateca de Portugal.
RUA DO LOUREIRO, 9
1.
A atual Casa da Escrita foi onde viveu o poeta João José Cochofel, durante
um período intenso e longo.
O poeta João José Cochofel Ayres de Campos nasceu (em 17 de julho de 1919)
do casamento de Pedro Mexia Aires de Campos Vieira da Mota, 2º Conde do
Juncal, com Maria Albina de Melo Cochofel, neta do Doutor João Jacinto da Silva
Correia (1843-1913), lente da Faculdade de Medicina e personalidade de grande
prestígio local e nacional, o qual adquirira a casa, em 1883, aos Viscondes de
Espinho.
O poeta faleceu em 14 de março de 1982. A Casa foi adquirida pela Câmara
Municipal de Coimbra em 2003 e requalificada, com objetivos de refuncionaliza-
ção, pelo Arquiteto João Mendes Ribeiro.
2.
Num texto magnífico, intitulado “O puzzle”, João José Cochofel ensaia um
aclaramento, das suas relações com a Casa:
“esta casa em que vivi parte de uma infância triste, ensombrada de doenças, as
deslumbradas descobertas da adolescência, as certezas e os entusiasmos da juven-
1
tude” .
1
João José Cochofel, «Obras Completas – Iniciação Estética seguido de Críticas e Crónicas». Lisboa: Editorial
Caminho, 1992, p. 162.
190 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
“Via muitas vezes passar na minha rua aquele jovem sobraçando a sua caixa de violi-
no. Éramos vizinhos: eu vivia numa velha casa da Rua dos Coutinhos, a que um pátio
antigo dava um certo ar, ele morava ao voltar da esquina, num palácio com frente
para a rua a que haviam dado o nome do bisavô, o Doutor João Jacinto, pessoa de
imenso prestígio, não só na Universidade, mas em toda a cidade de Coimbra e no
país. O seu ar ao mesmo tempo concentrado e distraído chamava a minha atenção e
tomava-o por um desses “meninos prodígios” que por vezes aparecem à nossa volta
2
e depois se somem, como meteoros, sem deixar rasto”
3.
Conhece então Joaquim Namorado, pessoalmente:
“Foi na ocasião em que publicou «Instantes», o seu primeiro livro de versos (…) não
me lembro bem em que circunstâncias, talvez na roda em volta da mesa de café do
Afonso Duarte (…). Pelo contrário recordo muito bem a nossa primeira conversa a
2
Joaquim Namorado, “Evocação de João José Cochofel” in «Diário de Lisboa / Suplemento Ler Escrever»,
22. abril. 1982.
3
Idem, ibidem.
RUA DO LOUREIRO, 9
191
António Pedro Pita
sério, na álea dos plátanos do Parque, à beira-rio. João Cochofel já possuía então
uma cultura fora do comum, apesar da sua pouca idade, e dominava campos que
4
eram completamente alheios à generalidade dos jovens.”
“esta sala por onde passaram quase todos os amigos (poucos mais haveria de ter)
e onde tanto sonhámos juntos, onde o Lopes-Graça me revelaria as primeiras no-
ções teóricas da música, onde nos reuníamos em discretos encontros ou em largas
assembleias tempestuosas, para discutir os problemas de que dependia a sorte do
mundo (e então, com o nazismo à porta e as incertezas da última guerra, dependia
a valer) ou para sessões de trabalho submersas em fumo de cortar à faca, onde se
7
entreteceram verdes amores, efémeros uns, duradoiros outros” .
Por isso, a casa de João José Cochofel – esta casa onde nos encontramos –
é indicada como “redacção e administração” de uma das primeiras publicações
produzidas por essa nova consciência intelectual. No fundo da primeira página
de «Altitude / boletim de literatura e arte», visualmente organizada por um gosto
modernista próximo da revista «presença», que ainda se publicava nesta mesma
4
Idem, ibidem.
5
Mário Dionísio, Prefácio à 2ª edição de «Poemas Completos» de Manuel da Fonseca. Lisboa: Portugália
Editora, Col. Poetas de Hoje, 1963; in: Mário Dionísio, «Prefácios». Lisboa: Casa da Achada-Centro Mário
Dionísio, 2014, p. 11.
6
J. Namorado, o.c..
7
João José Cochofel, o.c., p. 162.
192 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
cidade de Coimbra, lemos a referência: “Rua do Loureiro, 9”. E por cima a data:
nº 1, fevereiro de 1939 – o jovem (e já poeta publicado) João José Cochofel ainda
não completara vinte anos.
Percebe-se que é uma aventura coletiva. O Editor é Augusto dos Santos
Abranches: viera de Paúl, perto do Fundão e fundara a Livraria Portugália no Lar-
go da Sé Velha, perto da Academia de Música de Coimbra (como vimos, não mui-
to longe da própria casa de Cochofel). Ambicionava para o seu estabelecimento
comercial muito mais do que a venda de cadernos e lápis e mesmo mais do que
a venda de livros: ambicionava que Portugália fosse também (sobretudo?) uma
chancela editorial, quer dizer: interviesse ativamente na renovação do panorama
cultural fazendo entrar no mercado as novidades que estavam a surgir da efer-
vescência literária coimbrã. «Altitude» não é a sua primeira experiência editorial.
No ano anterior, Abranches publicara a novela «Sedução» do seu conterrâneo
José Marmelo e Silva, obra perturbante, sem dúvida inscrita nesse movimento
de transformação da consciência intelectual mas que alguns dos próprios corre-
ligionários vão incompreender profundamente. E ainda a primeira edição de «As
Sete Partidas do Mundo», romance de Fernando Namora, rapidamente reconhe-
cido pela crítica, impondo o nome do jovem escritor.
Fernando Namora é, aliás, um dos nomes que compõem a direção da revista.
Como Cochofel, nascera em 1919 e, como Cochofel, publicara em 1938, além do
seu romance de estreia, o livro de poemas «Relevos». Além disso, estivera ligado
à edição de «Cadernos da Juventude», revista cujo projeto de ser a voz coletiva
de uma “nova geração” os esforços conjuntos da censura e da polícia política
fizera abortar completamente. Em 1937: no mesmo ano em que figura numa obra
coletiva, com os Amigos Artur Varela (conterrâneo condeixense) e Carlos de Oli-
veira (ainda mais jovem, pois nascera em 1921 e irmão de Fernando de Oliveira,
colega do Curso de Medicina). E, ainda antes disso, dirigira «Alvorada», o jornal
dos estudantes do Liceu de José Falcão.
Coriolano Ferreira (1916-1998) pertenceu também à direção de «Altitude». A
historiografia do neorrealismo não conserva traços significativos da sua perso-
nalidade e do seu itinerário, certamente porque o percurso decorreu fora do
âmbito literário ou cultural estrito. Teve, porém, intervenção de destaque na área
da administração hospitalar; e os seus estudos no âmbito da etnografia são reco-
nhecidos. Licenciado na Universidade de Coimbra, em Ciências Jurídicas (1939)
e em Ciências Politico-Económicas (1940), cedo se interessou pelos problemas
da previdência e da assistência, âmbito no qual vai decorrer a parte mais signifi-
cativa da sua vida profissional. No período a que se reporta esta nota, Coriolano
Ferreira colabora em jornais de referência como «Sol Nascente» e «O Diabo» e
marca presença nas páginas de «Gazeta de Coimbra».
Joaquim Namorado (1914-1996) é o mais velho dos diretores. É também, reco-
nhecidamente, um ativista com temperamento de líder, cuja atividade cultural e
RUA DO LOUREIRO, 9
193
António Pedro Pita
É plausível que «Cadernos da Juventude» tenha sido uma variação desse pro-
jeto inicial mas é claro que o projeto da coleção terá sido longamente acalentado,
8
A outra iniciativa editorial, como se sabe, é a coleção «Novos Prosadores», em íntima associação com a
chancela comercial da Coimbra Editora. O primeiro título será também uma obra de Fernando Namora, o
romance «Fogo na Noite Escura».
9
Embora significativa, a bibliografia existente está longe de ser esclarecer aspetos fundamentais relativos
à dimensão material da coleção: na sua maior parte, está inédita a correspondência trocada entre os seus
colaboradores; desconhecem-se os responsáveis ou a metodologia de seleção dos volumes; é pouco
conhecido e valorizado o ambiente crítico que acolheu os títulos publicados; desconhecemos tiragens e
modos de difusão (no estado atual da nossa exigência histórico-cultural, é muito insuficiente dizer que de
alguns volumes circulavam cópias datilografadas); ignoramos aspetos relevantes da elaboração plástica
dos volumes, área onde, como se percebe, tratada com especial cuidado.
10
Via Latina, nº 8, 28. fevereiro. 1942
RUA DO LOUREIRO, 9
195
António Pedro Pita
11
Luís de Albuquerque, “Uma carta” in «Vértice», nº 428-429, janeiro-fevereiro. 1980, pág. 70.
12
J.J. Cochofel, o.c., p. 162.
196 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
“Agora um assunto importante e urgente: existe aqui em Coimbra uma revista, Vérti-
ce, que publicou dois péssimos números. O diretor e proprietário procurou os nossos
amigos propondo-lhe a constituição de um núcleo redatorial com inteira responsa-
bilidade na escolha dos originais. Aceitámos e temos nesse corpo redatorial uma
13
maioria de 5 para 2 (pelo menos) garantida . Nesta ordem de ideias queremos fazer
do próximo número alguma coisa de definitivo que corte com o passado de maneira
absoluta. A revista tem 90 páginas de modo que cabemos todos lá dentro.
Pretendo que V. e os nossos amigos nos dêem uma colaboração efectiva e já para
este número. Daqui colaboraremos eu, o Cochofel, Carlos de Oliveira, Fernando Bar-
reiro, Namora, etc; do Porto, pelo menos o Ramos de Almeida e o Afonso Ribeiro; de
Lisboa, vocês dirão mas parecem-nos essenciais todos”.
13
De acordo com o seu testemunho, Raul Gomes propôs a Augusto dos Santos Abranches diligenciarem, “em
comum, a organização de um grupo redactorial”. Na sequência de algumas reuniões, “Santos Abranches
convidaria, para a redacção da revista, além de [Francisco Salgado] Zenha, João José Cochofel e Carlos
de Oliveira” aos quais se juntará Jorge Emílio Barbosa. (Cf.: “Sobre os primeiros tempos de VÉRTICE – Carta
de Raul Gomes a Eduardo Lourenço”, p. 768). Será a este convite que Joaquim Namorado se refere. Em
sequência, como vemos, Cochofel e Carlos de Oliveira são, em 1943, integrados na redação da revista. É
possível que a ida de Augusto dos Santos Abranches para Lourenço Marques (atual Maputo), em fins de 1943
ou início de 1944 (cf.: ) tenha contribuído para o aprofundamento da instabilidade em que, notoriamente, a
revista vive, para a qual confluem também a desconfiança política em relação à revista e a obrigatoriedade
imposta pela Comissão de Censura de depositar uma avultada quantia em dinheiro. Seja como for, o número
3, publicado em 1944, não será o princípio da nova existência projetada por Joaquim Namorado mas um
magríssimo fascículo integralmente composto por textos poéticos. Compreende-se, por isso, o desgosto de
Raul Gomes: “que não pudéssemos ter dado, através dos três números publicados até aí, uma medida mais
justa das nossas possibilidades, quer do ponto de vista ideológico, quer do ponto de vista literário” (“Sobre
os primeiros tempos de VÉRTICE – Carta de Raul Gomes a Eduardo Lourenço”, p. 765). Mas compreende-se
também a insistência no aprofundamento esclarecedor da relação entre estes dois grupos, que terá êxito
após conversações entre Carlos de Oliveira e Eduardo Lourenço, após frustrada tentativa idêntica entre
Raul Gomes e Joaquim Namorado (cf.: o.c., p. 769). Carlos de Oliveira e Eduardo Lourenço, como se sabe,
eram colegas no Curso de Ciências Histórico-Filosóficas e entre ambos estabeleceu-se, desde cedo, um
clima de empatia. Esse clima facilitou a solução: Carlos de Oliveira reuniu de amigos seus o dinheiro que foi
devolvido a Eduardo Lourenço, Raul Gomes mantém a direção da revista e a redação é reforçada de acordo
com as novas condições. Sabemos quem são os amigos de Carlos de Oliveira: Joaquim Namorado, João
José Cochofel, Carlos de Oliveira e José Ferreira Monte, todos elementos do Setor intelectual de Coimbra
do PCP, como Arquimedes da Silva Santos, também elemento do grupo, vai recordar mais tarde.
RUA DO LOUREIRO, 9
197
António Pedro Pita
“a esta mesma pesada mesa de castanho, que serviu de banca de estudo e de apren-
dizado literário, centro de tradutores (Steinbeck, Aragon, Sherwood, Anderson, La-
clos… e comigo à roda da mesa o Rui Feijó, o Carlos de Oliveira, o Veludo, o Henrique
Santo), secretária de redacção e administração (todas as publicações começaram
por ter sede na Rua do Loureiro, número nove), balcão de empacotamento (quando
os primeiros Vértices eram levados para o correio dentro da capa do Arquimedes,
14
segura por três pontas)” .
4.
Relevantes de um ponto de vista histórico-cultural, todos estes elementos
(todos estes factos) podem e devem ser vistos como as circunstâncias em que
um subterrâneo processo de mutação de consciências ganha visibilidade. A
casa de João José Cochofel é o ambiente em que decorre esse movimento –
que só se torna percetível ao consumar-se.
Na exaltação, na tranquilidade, na euforia ou no desassossego de muitas ho-
ras – recordo: Luís de Albuquerque fala de encontros semanais – está em devir
o “tornar-se outro” para muitos desses jovens. Reconverter o olhar, mudar de
pele, transformar o pensamento, transfigurar a sensibilidade para cada um ser
“si-mesmo” capaz de responder aos interpelações da circunstância histórica – é
isso que acontece na casa de João José Cochofel e é isso que se torna legível
nas páginas de «Fogo na Noite Escura» de Fernando Namora.
O romance foi escrito entre janeiro de 1939 e novembro de 1942, ao longo do
seu curso de Medicina e publicado em abril de 1943. Mais do que uma autobio-
grafia individual ou de grupo, o romance é a ficção desse devir, é – como ficção
– o lugar onde esse devir ganha espessura e duração e pode ser analisado em
todas as suas múltiplas implicações. E, neste sentido, é relevante para o nosso
14
J.J.Cochofel, o.c., p. 162.
198 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
propósito, que nessa ficção uma casa ocupe uma centralidade excepcional e
que, se quisermos aceitar esse jogo arriscado, identifiquemos nessa casa a casa
de João José Cochofel.
As profundas transformações a que Fernando Namora sujeitou a 1ª da obra
aconselharia a fazer depender quaisquer considerações de uma atenta análise
dasreedições. É uma tarefa incompatível com o propósito desta intervenção.
Sigo, pois, a edição estabelecida por José Manuel Mendes, publicada na cri-
15
teriosa coleção «Obras de Fernando Namora» e a partir dela farei as rápidas
considerações seguintes, concentrando-me na importância da Casa como privi-
legiado espaço de ocorrência desse devir.
Em primeiro lugar, a Casa apresenta-se-nos como um espaço percorrido pe-
las inevitáveis conflitualidades que cada um dos jovens, pelos seus respetivos
itinerários de vida, traz consigo e por uma outra conflitualidade, de segundo
nível digamos assim, em que aqueles conflitos estão sempre na iminência de
ameaçar a possibilidade de que seja possível gerar uma consensualidade doutri-
nária, estética e política, suficientemente mobilizadora para o objetivo último da
“transformação do mundo”. Um diálogo entre Luís Manuel (o filho dos donos da
Casa) e Júlio é muito expressivo a este propósito:
“Hoje, a literatura, a arte, afinal – divagou ainda Luís Manuel –, só se justifica quan-
do se revela actuante, direta, intencional. Os valores artísticos dependem, evidente-
mente, da época que os determina.
(…)
Júlio olhou-os sonolento. Estava dentro daquela sala, o bule de prata fumegante, uma
criada de uniforme a servi-los com discrição profissional que a tornava quase incorpó-
rea, cercados de dezenas de coisas imperceptíveis que contribuíram para lhes afofa-
rem o cérebro e os sentidos, mergulhando-os no doce tédio dos ambientes fartos – e
atreviam-se a discutir problemas que necessitavam de uma experiência rude com a
vida. Poucos deles podiam fazer ideia do mundo de ansiedades, esforços, clamores,
que se traduziam no bolinho saboroso que os dentes enjoadamente mastigavam, nos
16
discos, nos tapetes, na música. Em cada gota de conforto, um oceano de lágrimas” .
A Casa é como uma revelação (no sentido fotográfico da palavra) da dimensão fática
desses conflitos e da aspiração de os superar pelo ajustamento da consciência de
cada um a partir da consciência de uma universalidade futura. Mas, em jeito quase
paradoxal, todo o romance – mas não só este romance: toda a estrutura doutrinária
do “neorrealismo” – coloca como condição de possibilidade fundamental dessa su-
peração o trabalho de desvelação que cada um deve exercer sobre si próprio para
encontrar a verdade de si que se encontra na sua juventude. Nas presentes condições
15
Fernando Namora, «Obras Completas / Fogo na Noite Escura». Lisboa: Círculo de Leitores, 1996.
16
Idem, ibidem, 178-179.
RUA DO LOUREIRO, 9
199
António Pedro Pita
5.
… E, ao mesmo tempo, a Casa perde solidez, torna-se uma “poeira luminosa”
em que as vozes, os movimentos e os tempos se confundem. A Casa não está no
passado, não é um ideal, não é uma utopia: “é um jogo demorado e laborioso, a
19
que sempre falta qualquer coisa para acabar de compor o puzzle” .
17
Idem, ibidem, p. 56.
18
Idem, ibidem, p. 241.
19
J.J. Cochofel, o.c., p. 162.
200 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
Escreve Cochofel:
20
J.J.Cochofel, o.c., p. 163.
RUA DO LOUREIRO, 9
201
António Pedro Pita
21
Idem, ibidem, p. 164.
cei
atividades
2018
CEI ACTIVIDADES
207
2018
ENSINO E FORMAÇÃO
[http://www.cei.pt/cv/]
SEMINÁRIO
CA(U)SAS COMUNS: AS NOVAS GEOGRAFIAS DOS PAÍSES
DE LÍNGUA PORTUGUESA – PATRIMÓNIOS E TERRITÓRIO
O CEI levou a efeito no dia 18 de abril, em Coimbra, o Seminário “Ca(u)sas Co-
muns: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa – Patrimónios e Ter-
ritório”. A iniciativa inseriu-se na 20ª edição da Semana Cultural da Universidade
de Coimbra, e teve lugar na Biblioteca do Departamento de Geografia e Turismo
da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
Intervenções:
Susana Silva
Paulo Carvalho
212 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
WORKSHOP
GUARDA A SAÚDE EM CASA
Realizado no dia 19 de abril, no âmbito da 20ª Semana Cultural da Univer-
sidade de Coimbra, este workshop, que contou com Professores da Faculdade
de Medicina da Universidade de Coimbra, pretendeu dar a conhecer um modelo
simples de literacia em saúde integrando o corpo humano na estrutura e fun-
cionalidade de uma casa. Conceitos como reparar previamente uma casa e não
esperar pelo seu desmoronamento; ter sistemas de segurança e de alarme para
prevenir prejuízos; gerir os consumos; entre outros, podem ser transportados
para a ideia de prevenirmos a doença, de realizarmos check-ups; de gerirmos a
alimentação (aporte energético) e o consumo energético (atividade física). Reali-
zação de um modelo interativo em que o corpo humano é simbolizado por uma
casa no conceito de estrutura e funcionalidade.
CEI ACTIVIDADES
213
2018
SEMINÁRIO
ENVELHECER NO LUGAR
INVESTIGAÇÃO
[http://www.cei.pt/iit/]
OFICINA
HISTÓRIA DA GUARDA
[http://www.cei.pt/ohg/]
TRANSVERSALIDADES
FOTOGRAFIA SEM FRONTEIRAS
[http://www.cei.pt/transversalidades17/2018/]
PREMIADOS
Melhor Portfólio: Atrem Tikhonkov (Ucrânia)
[http://www.cei.pt/pel/]
Coimbra
Esteve patente de 22 de março a 27 de abril de 2018, na Biblioteca das Ciên-
cias da Saúde da Universidade de Coimbra a exposição Transversalidades 2016.
Fotografia sem Fronteiras.
II ENCONTRO
IMAGEM E TERRITÓRIO
7 de Dezembro
17h30 - Inauguração de Exposições
. Transversalidades. Fotografia sem Fronteiras: Re-
trospetiva (Centro Comercial La Vie)
. Guarda I Património visual, memória local (Galeria
da Muralha)
. Guarda I Património Cultural Local (Rua 31 de Janeiro (Espaço Comercial);
Estação CP da Guarda)
18h30 - Inauguração de Exposição
. Fotografia sem Fronteiras: Pessoas, Lugares, Outros Olhares (Galeria do
Paço da Cultura)
21h00 - Inauguração de Exposição
. Mundo Português Exposição de Duarte Belo (Café Concerto - Teatro Muni-
cipal da Guarda)
222 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
8 de Dezembro
9h00 - Roteiro Fotográfico Fuji - “Patrimónios locais: a Guarda e seu entorno”
(Sede do Centro de Estudos Ibéricos)
. Roteiro 1. Jarmelo
. Roteiro 2. Ramela
13h00 - Seleção de fotografias do Roteiro Fotográfico Fuji (Café Concerto -
Teatro Municipal da Guarda)
14h45 - Lançamento da Revista “Iberografias” nº 14|2018 (Café Concerto -
Teatro Municipal da Guarda)
15h00 - Masterclass com Alfredo Cunha e apresentação do livro “Retratos”
(Café Concerto - Teatro Municipal da Guarda)
15h45 - Mostra/Debate: Roteiro Fotográfico Fuji - “Patrimónios locais: a Guar-
da e seu entorno” (Café Concerto - Teatro Municipal da Guarda)
. Comentários: António Alves Tedim; Jorge Bacelar; Alberto Picco; João Anto-
nio Benitz; Nuno Morais Hélder Sequeira
17h30 - Transversalidades 2018. Fotografia sem Fronteiras (Galeria de Arte do
Teatro Municipal da Guarda)
. Inauguração da Exposição; Entrega de Prémios; Lançamento do Catálogo
TRANSVERSALIDADES:
FOTOGRAFIA SEM FRONTEIRAS
O Centro de Estudos Ibéricos levou a efeito, nos dias 7 e 8 de dezembro, na
Guarda, a 2ª edição do Encontro “Fotografia sem Fronteiras: Imagem e Terri-
tório”. Seis exposições em vários locais da cidade convidaram a um percurso
fotográfico de memórias e de novos olhares. Mostras, masterclasses, deba-
tes e um roteiro fotográfico marcaram estes dias em que se deu destaque à
Fotografia e ao Território.
A iniciativa teve por base o projeto Transversalidades – Fotografias Sem
Fronteira, que teve início em 2011, lançado com o objetivo de aproveitar o
valor estético, documental e pedagógico da fotografia para valorizar territó-
rios com menos visibilidade, fomentar o diálogo entre territórios, pessoas e
instituições de matriz ibérica.
CEI ACTIVIDADES
223
2018
EXPOSIÇÃO
TRANSVERSALIDADES:
FOTOGRAFIA SEM FRONTEIRAS 2018
A exposição principal do Encontro, “Trans-
versalidades: Fotografia sem Fronteiras 2018”
reuniu os portefólios vencedores e uma sele-
ção das fotografias submetidas a concurso,
organizada em torno de quatro núcleos te-
máticos: Património natural, paisagens e biodiversidade; Espaços rurais, agri-
cultura e povoamento; Cidade e processos de urbanização; Cultura e sociedade:
diversidade cultural e inclusão social.
A mostra facultou uma viagem por amplas e diversas geografias, permitindo ler
e interpretar as paisagens naturais, económicas, sociais e culturais representa-
tivas de distintos contextos dos cinco continentes. Através destas imagens os
nossos olhares cruzam processos de mudança em várias regiões do mundo,
observam diferentes modos de organização social e espacial, captam sinais de
arcaísmos e de inovações, percorrem quer as metrópoles mais populosas como
as áreas rurais mais remotas e recônditas.
A Exposição esteve patente na Galeria de Arte do Teatro Municipal da Guarda, de
8 de dezembro a 26 de janeiro de 2019.
EXPOSIÇÃO
FOTOGRAFIA SEM FRONTEIRAS:
PESSOAS, LUGARES, OUTROS OLHARES
A diversidade, a qualidade, a inovação de
algumas abordagens e o elevado número
de trabalhos apresentados à edição de
2018 do Concurso Transversalidades levou
ao destaque dum conjunto de imagens a
que se dá a devida visibilidade através
desta mostra fotográfica. A exposição, que
ilustra a diversidade social e cultural de di-
versas regiões do mundo, foi estruturada a
partir de três núcleos temáticos: Pessoas, Lugares e Outros Olhares.
A Exposição esteve patente na Galeria do Paço da Cultura da Guarda, de 7 de
dezembro a 17 de janeiro de 2019.
224 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
EXPOSIÇÃO
GUARDA: PATRIMÓNIO VISUAL,
MEMÓRIA LOCAL
Exposta de forma singular numa galeria envi-
draçada, a exposição privilegia a utilização da
imagem fotográfica para construir um discurso
visual onde se reconheçam as singularidades
da identidade da Guarda. A imagem fotográ-
fica, enquanto parceira da memória, ajuda a
exorcizar a ação do tempo e a democratizar o
conhecimento. A preservação e a divulgação
desta memória são uma forma de valorização
da identidade e uma prática de cidadania crian-
do laços de afeto e sentimentos de pertença.
EXPOSIÇÃO
GUARDA: PATRIMÓNIO CULTURAL
LOCAL
Organizada em parceria com o Foto-
clube da Guarda, a exposição assen-
tou em distintos olhares fotográficos,
abrangendo múltiplas sensibilidades e
registos que convergem na perceção
da riqueza multifacetada dos valores
identitários e culturais da Guarda; são monumentos, artesanato, tradições, ruas,
arquitetura, o frio, a neve, rostos, cenas da ruralidade, arte sacra, azulejaria, arte
de rua, vivências académicas de uma cidade histórica…
Preservar a memória é, pois, dever de todos enquanto salvaguarda da nossa
identidade, conhecimento do passado e compreensão do presente. Indo além
da vertente expositiva, estas fotos pretendem ser um ponto de partida para no-
vos projetos fotográficos, pois, como escreveu Torga, “em qualquer aventura, o
que importa é partir, não é chegar”.
A Exposição esteve patente, na Guarda, em dois locais: Loja n.º 20 da Rua 31 de
Janeiro e Estação CP da Guarda, de 7 de dezembro a 3 de janeiro de 2019.
CEI ACTIVIDADES
225
2018
EXPOSIÇÃO
TRANSVERSALIDADES: FOTOGRAFIA
SEM FRONTEIRAS – RETROSPETIVA
Tendo como objetivo divulgar o projeto
“Transversalidades” e o percurso desde
2011, a mostra reunida neste núcleo expo-
sitivo integrou um conjunto de fotografias
que se distinguiram nas seis edições an-
teriores do concurso Transversalidades:
Fotografia sem Fronteiras.
A mostra esteve patente no Centro Co-
mercial La Vie, na Guarda, de 7 de dezem-
bro a 26 de janeiro de 2019.
EXPOSIÇÃO
MUNDO PORTUGUÊS – DUARTE BELO
Esta foi uma proposta de leitura fragmentada
sobre alguns lugares históricos de Portugal,
marcas de civilização e erudição de períodos
muito distintos. O mosteiro dos Jerónimos,
a Batalha, Tomar, as gravuras do Côa, sem
esquecer a contemporaneidade. Como que
rostos deixados lavrados em arquiteturas, er-
guidos em pedra para a afirmação de poder
sobre lutas desconexas para a construção
de uma identidade frágil. É o erguer de uma
“casa” ao longo de séculos. Fascínio pelo silêncio, a velocidade da fuga, o dese-
nho de uma cidade.
O seu autor, Duarte Belo (Lisboa, 1968), com formação em arquitetura, desde
1986 que trabalha no levantamento fotográfico sistemático da paisagem, formas
de povoamento e arquiteturas em Portugal. Publicou vários livros sobre o tempo
e a forma do território português, de que se destacam: Portugal — O Sabor da
Terra (1997-1998) e Portugal Património (2007-2008).
A Exposição esteve patente no Café Concerto do Teatro Municipal da Guarda, de
7 de dezembro a 26 de janeiro de 2019.
CEI ACTIVIDADES
227
2018
EDIÇÕES
REVISTA DE ESTUDOS
IBÉRICOS
IBEROGRAFIAS 14 (2018)
Este número da Revista Iberografias compila as
comunicações proferidas no âmbito do Seminário
“Ca(u)sas Comuns: as Novas Geografias dos Países
de Língua Portuguesa – Patrimónios e Território”,
sendo dado destaque ao Prémio Eduardo Lourenço
atribuído, em 2018, a Basilio Lousada. Finalmente, é
feito o registo das atividades realizadas pelo CEI, em
2018.
COLEÇÃO IBEROGRAFIAS
N.º 33 . LUGARES
E TERRITÓRIOS: PATRIMÓNIO, TURISMO
SUSTENTÁVEL,
COESÃO TERRITORIAL
O 33.º da Coleção Iberografias, coordenado por Rui
Jacinto e Valentín Cabero, reúne textos de mais de
trinta autores, resultantes de intervenções realizadas
durante o XVII Curso de Verão 2017, subordinado ao
tema “Lugares e territórios: novas fronteiras, outros
diálogos”.
A declaração de 2017 pela Organização das Nações Unidas (ONU) como Ano
Internacional do Turismo Sustentável para o Desenvolvimento levou o Centro de
Estudos Ibéricos (CEI) a incluir este tema no Curso que promove regularmente
quando estão prestes a terem inicio as férias escolares. A XVIIª Edição do Cur-
so de Verão, realizada entre 28 de junho e 1 de julho, sob o lema “Lugares
e territórios: novas fronteiras, outros diálogos”, além de afirmar o CEI como
228 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
N.º 34 . ANDANÇAS
E REFLEXÕES
TRANSFRONTEIRIÇAS:
ROTEIRO MIGUEL DE UNAMUNO –
EDUARDO LOURENÇO –
VALENTÍN CABERO; RUI JACINTO
Colectânea de textos de Eduardo Lourenço e Miguel
de Unamuno, tendo como fio condutor a itinerário
transfronteiriço Coimbra – Guarda – Salamanca.
Por ocasião da celebração do VIII Centenário da Fun-
dação da Universidade de Salamanca (1218 – 2018), o Centro de Estudos Ibéricos
(CEI) junta-se com espírito fraterno e com olhar posto na “comum alma ibérica”
à comemoração de tão longa vida académica e da sua frutífera e precoce pre-
sença no mundo peninsular, na Europa, no Mediterrâneo e no Novo Mundo. Os
Cursos de Verão, que têm sido orientados, por todas estas razões, para cons-
tituírem um encontro de culturas, de reflexão sobre a coesão do território e os
processos de desenvolvimento, promoveu na sua edição de 2018 um itinerário
transfronteiriço que tem como fio condutor dois grandes pensadores iberistas
com indubitável capacidade reflexiva e crítica: Miguel de Unamuno, que foi Rei-
tor da Universidade de Salamanca, e Eduardo Lourenço que, além de ser um
grande pensador de Portugal e da sua cultura, foi quem inspirou a criação do
Centro de Estudos Ibéricos.
Tomam-se como referências as cidades de Coimbra e de Salamanca e as suas
Universidades, unidas há seculos por fraternos laços históricos e pessoais, acadé-
micos e culturais, bem como a cidade da Guarda, convertida em marco de confluên-
cia que, através do CEI, renova os seus vínculos com o iberismo e a cooperação
transfronteiriça. O itinerário percorre territórios com os quais Miguel de Unamuno e
Eduardo Lourenço estabeleceram uma íntima relação, visitando lugares represen-
tativos, que lhes são queridos, sem esquecer o mundo rural e a própria raia, tantas
vezes olvidados, que deixou de representar a antiga fronteira soberana, fechada e
impermeável a uma salutar circulação de pessoas, bens e ideias.
CEI ACTIVIDADES
229
2018
CATÁLOGOS
TRANSVERSALIDADES 2018
FOTOGRAFIA SEM FRONTEIRAS