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Tônica - Revista do Departamento de Música - IdA-UnB Universidade de Brasília

Instituto de Artes

Aula de piano em grupo: uma análise do movimento para implantação do ensino de piano em
grupo nos Estados Unidos.
Maria Isabel Montandon

A área de ensino de piano no Brasil vem assistindo a um incentivo ao ensino de piano em grupo e ao
crescimento de materiais oferecidos a esse tipo de ensino. Na década de 70, Robert Pace divulgou sua
proposta pedagógica no Brasil, destinada ao ensino em grupo. A partir da década de 80, Maria de Lourdes
Junqueira Gonçalves ministra cursos sobre metodologia do ensino de piano em grupo e oferece seu material
destinado à aula em grupo. Sister Marion Verhaalen também teve sua proposta pedagógica e materiais
divulgados no Brasil onde vem sendo aplicado por exemplo, na escola de extensão da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul. A aula em grupo está sendo divulgada também em outros níveis além do iniciante.
Atualmente, desenvolvo projeto de criação e aplicação de material pedagógico destinado à aulas em grupo
para alunos dos cursos de Piano Suplementar nos cursos de Bacharelado e Licenciatura em Música da
Universidade de Brasília - UnB. Outras experiências nesse sentido já foram divulgadas. Em 1985, por
exemplo, Maria de Lourdes Junqueira Gonçalves e Silvio Merhy apresentaram sua experiência com
laboratório de teclados na Universidade do Rio de Janeiro (Gonçalves e Merhy, 1986). Com a problemática
do alto custo da aula individual, escolas de música estaduais têm encorajado ou determinado aulas em grupo
nos níveis iniciantes, como é o caso do Conservatório de Música Cora Pavan Capparelli de Uberlândia, MG.
Assim, devido à influência de propostas estrangeiras, pelo desenvolvimento de propostas no país, ou
mesmo por sugestões curriculares, a aula em grupo parece ganhar adeptos e interessados em saber
principalmente como dar aulas em grupo e o que usar. Muitas dos modelos desenvolvidos no Brasil têm
influência direta ou indireta de modelos americanos. Montandon (1992) aponta as diversas relações entre os
modelos desenvolvidos aqui e o movimento americano para a implantação do ensino de piano em grupo nos
Estados Unidos na primeira metade desse século. Nesse sentido, parece ser oportuno conhecer as
características desse movimento numa tentavia de estabelecer uma relação histórica entre a atual difusão do
ensino em grupo e os princípios, procedimentos e conteúdos que impulsionaram e acompanharam o
movimento. Além disso, como observam Montandon (1992, 1998) e Richards (1963), esse movimento foi

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um marco no sentido de fomentar uma revisão do chamado ensino de piano "tradicional", doravante afetando
os princípios e procedimentos para a aula de piano em geral, seja ela em grupo ou individual.

Introdução:

Motivados pela necessidade de justificarem suas funções perante a sociedade americana, os


profissionais da música nos Estados Unidos vêm trabalhando desde o final do século XIX no sentido de
avaliar de propor reformas para os princípios e procedimentos relacionados ao ensino da música, dentro e
fora da escola pública. Dois momentos históricos podem ser citados como ponto de referência nessa
tragetória: o movimento para implantação da aula de instrumento nas escolas públicas na primeira metade do
século XX e a reforma educacional americana, motivada pelo lançamento da nave espacial Sputnik em 1957.
O ensino de música já fazia parte do currículo das escolas públicas americanas desde 1838, com ênfase
porém na atividade vocal. No início do século XX, verifica-se uma extensa campanha para a ampliação do
programa de música nas escolas e adição do ensino instrumental. Tal campanha encontrou um clima
favorável pela confluência de vários fatores sócio-político-econômicos. Um primeiro fator seria a revolução
tecnológica ocorrida nos Estados Unidos ao final do século XIX, emancipando a classe trabalhadora e
criando uma nova classe burguêsa ansiosa por participar da vida sócio-econômico-cultural do país.
Paralelamente, as novas tendências progressistas no início do século reinvindicam um ensino centralizado na
criança, onde atividades artísticas atuariam como experiências culturais à estas crianças. Um outro fator seria
a ampliação das possibilidades de emprego, principalmente para os veteranos de guerra. Especificamente,
Monsour (1963) menciona outras influências favoráveis, como o prestígio social do piano na época, em
consequência da valorização de solistas europeus, e os preços proibitivos das aulas particulares (p.32).
Dentre os fatores econômicos estariam os fabricantes de instrumentos que, vendo nas escolas um novo
núcleo de escoamento de suas produções, apoiavam o movimento através de promoções de concursos
instrumentais e campanhas comerciais para venda de intrumentos. Além desses fatores, a fundação de
associações e instituições de apoio foram também de grande importância à implantação e sedimentação da
aula de instrumento em grupo nas escolas públicas nos Estados Unidos. São de citar, a formação do "Music
Supervisors' National Conference" em 1907, passando a "Music Educators'National Conference" (MENC)
em 1934, e o "National Bureau for the Advancement of Music", essa última, uma gência financiada por
editores e comerciantes da área de publicações em música. Assim, a exemplo de experiências bem
suscedidas na Inglaterra, a cidade de Boston introduz a aula de violino em grupo em suas escolas, seguida
em 1913 pela aula de piano em grupo (Richards, 1978, p. 12). Estas experiências irão posteriormente se
espalhar por várias outras cidades do país.

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A Implantação do ensino em grupo nas escolas públicas americanas:

O ensino de piano em grupo já pode ser verificado nos Estados Unidos no século XIX,
possivelmente pela influência da metodologia desenvolvida por Johann Bernhard Logier na Inglaterra na
primeira metade do século XIX. Logier utilizava grupos de até trinta alunos, em diferentes estágios de
aprendizagem, com o objetivo concomitante de desenvolver a execução no instrumento e fornecer um
conhecimento teórico básico, uma vez que rudimentos de teoria, harmonia e improvisação eram também
ensinados desde a primeira lição (Richards, 1962, p. 8 a 11). Outra referência à aula em grupo nos Estados
Unidos ainda no século passado é encontrada nos trabalhos de Calvin Cady. Cady defendia a musicalização
do aluno ao piano, com grupos de três ou quatro alunos, onde o papel do professor era o de estimular a
capacidade conceitual, criativa e crítica dos alunos. Outro ponto de vista incomum para a época era o de que
o critério para o estudo da música não deveria ser o "talento" mas a vontade de aprender aliada a uma
condução adequada do ensino. (Goade,1975, p. 42). A partir do final do século XIX, observa-se a
proliferação de artigos a respeito da experiência de adoação do ensino de piano em grupo por professores
particulares e escolas de música. A discussão sobre o tema torna-se mais relevante quando profisisonais da
música passam a defender a implantação da aula de piano em grupo nas escolas públicas, com vários
argumentos a favor do ensino em grupo sobre o individual, culminando já na primeira metade do século XX
em um verdadeiro movimento. As proporções desse movimento podem ser verificadas pelo número de
publicações de livros, artigos, manuais, anais de congressos e material pedagógico referente ao tema
(Richards, 1962; Montandon, 1992).
Com a oportunidade de implantar aulas de instrumento nas escolas públicas, os defensores da aula de
piano em grupo passam a questionar a eficácia do ensino de piano em vigor - individual e com objetivos
exclusivos de formar o concertista, em uma seleção que eliminava os "não talentosos", os que não podiam
arcar com os custos da aula individual, e os aqueles que procuravam a aula de piano devido ao gosto pela
música. O argumento era que este tipo de aula não encontrava justificativas na escola pública, financiada
pelos impostos dos cidadãos e baseada na filosofia de ensino do novo mundo: funcional e acessível a todos
(Crowder in, 1952, p. 9). Colocando a aula em grupo como a "solução inovadora" em oposição à aula de
piano particular e individual ou "tradicional", este foi o início de uma verdadeira campanha em favor da
implantação do ensino de piano em grupo nas escolas públicas, extensivo aos professores particulares.
Característico desse movimento foi o posicionamento nitidamente combativo ao que denominavam de ensino
de piano "tradicional".

O modelo "tradicional":

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As críticas dirigidas ao ensino de piano "tradicional" questionavam seu objetivo único de formar o
concertista. Sob tal caráter elitista, selecionava somente os ditos "talentosos" ou os persistente ou ainda,
aqueles que podiam arcar com os seus custos. Quanto ao perfil metodológico, a aula de piano "tradicional"
passou a ser classificada com as sequintes características": aula centralizada no professor que mostra ao
aluno o que fazer, quando, como e de que maneira. No caso, é também o professor quem indica material
didático e informações consideradas apropriadas. O perfil deste professor é "tradicional" porque ele tende a
ensinar da mesma maneira que aprendeu, sem questionar a validade e efetividade de seus métodos. Frederich
(1953) observou que, se o único conteúdo desenvolvido na aula é o adestramento técnico e o
aperfeiçoamento de repertório, este futuro professor aprende a tocar mas não tem a compreensão dos
mecanismos da linguagem em que opera nem dos processos didáticos recomendados para tal situação de
ensino (p. 8) O conteúdo da aula "tradicional" gira sòmente em torno da leitura de notas e desenvolvimento
da técnica. A abordagem para a leitura parte dos símbolos convencionais para a localização no teclado,
iniciando com o dó central e expandindo-se lenta e gradativamente para as notas cima e abaixo deste, "em
um ensino limitativo de notas e não de princípios que podem ser aplicados em qualquer situação musical"
(Mehr, 1965, p. 8). O ensino se dá de forma progressiva, do "fácil" para o "difícil" - determinado de acordo
com o conceito do professor ou do autor do material pedagógico. Nesse sentido, acidentes, tonalidades
menores, compasso composto, pedal e conhecimento da harmonia, por exemplo, são geralmente deixados
para estágios posteriores. Há também uma grande ênfase na repetição de exercícios ou das peças, como
sendo a via possível para o seu aperfeiçoamento.
A ênfase deste modelo de ensino é no produto (execução) e não nos processos de compreensão da
linguagem musical. Nesse sentido, a aula de piano acaba por ser um momento apenas de correção de erros.
Ainda característico desse tipo de ensino é a desvinculação da "aula de teoria" com "aula de instrumento" ou
seja, da teoria com a prática.

A proposta "inovadora":

Para que o movimento em favor da implantação da aula de piano em grupo tivesse êxito, princípios
que justificassem sua adoção e direcionassem seus objeitvos tiveram que ser estabelecidos e clarificados,
uma vez refutados aqueles relacionados ao modelo "tradicional". Além disso, para justificar sua adoção na
escola pública, esses princípios deveriam comungar das tendências filosóficas e psicológicas adotadas na
época, bem como de idéias consideradas mais adequadas ou convenientes pelo ambiente político,
econômico, social e educacional contemporâneos. Considerando-se que o objetivo primeiro do movimento
era garantir a implantação do ensino de piano em grupo no curriculo da escola pública, a posição dos
educadores musicais foi a de transferir para o ensino em grupo os jargões adotados como referência e

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fundamentação pelo sistema educacional da época. Como observa Miessner (apud Monsour, 1963): "se a
aula de piano é considerada merecedora de um lugar a par com as outras disciplinas do currículo da escola
pública, é vital que seus métodos de ensino sejam análogos. (p. 35). Vale notar que a vinculação da aula de
piano com o programa de educação musical nas escolas e esta por sua vez com o programa da educação em
geral passará a ser um ponto fundamental nas futuras definições de princípios e procedimentos para a aula de
piano. Além disso, as associações de professores de música como o MENC irão procurar, tanto quanto
possível, transferir as tendências da educação em geral para a educação musical e em consequência, para a
aula de piano.
A apresentação de justificativas, princípios e vantagens da aula de piano em grupo à luz de correntes
filo-psicológicas correntes passará a ser uma prática adotada pelos educadores musicais, dentro e fora da
escola pública, como uma necessidade de explicar a atualidade e validade de suas
funções, produções ou abordagens. No entanto, há necessidade de estudos específicos para saber como esses
princípios foram/estão sendo interpretados e até que ponto foram/são realmente aplicados em prática.

Influências

Várias idéias e princípios foram usados como suporte na formação de um corpo teórico que
justificasse a inclusão do ensino em grupo na escola pública. Esses jargões advinham de diferentes correntes
filo-psico-pedagógicas da época, podendo ser citados como principais, o movimento progressista, os
trabalhos de John Dewey, as correntes filosóficas pragmática e realista e os trabalhos de James Mursell. Um
dos princípios influentes na formação de justificativas do ensino em grupo advinha daqueles usados quando
da implantação do ensino vocal nas escolas públicas, em 1838, onde predominava o caráter extra-musical e
utilitarista. Assim, a aula de piano era apresentada como meio de proporcionar benefícios morais, intelectuais
e físicos à criança, "formando bons cidadãos para o estado, através do envio da escola para a sociedade de
membros úteis e bem instruídos". (School Committee's Report In Mark, 1986, p. 6).
Outra fonte de influência foi o movimento progressista, atuante entre o final do século passado e a
década de 50. Para eles, a escola era um lugar para melhorar a vida do indivíduo para que este pudesse atuar
como elemento de coesão na sociedade. Nesse caso, a música era apresentada como um possível instrumento
de força social (Tellstrom, 1971, p. 173). Ainda outros princípios dentro desta linha usados por educadores
musicais eram: a funcionalidade do ensino musical, a igualdade de oportunidade na educação, o apoio à ação
e experimentação, e um currículo centralizado na criança (Miller, 1966, p. 8 a 13). Como observa Miller
(1966), as propostas desenvolvidas dentro do movimento, mesmo que advindas de linhas filosóficas

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diferentes, influenciaram não só a filosofia de educação musical mas também sua prática e produção de
materiais (p. 13).
Várias foram as correntes filosóficas atuantes entre o final do século passado e a primeira metade
deste (ver por exemplo Miller, 1966; Tellstrom, 1971). No entanto, duas delas se destacam, com suas
influências extrapolando a primeira metade do século. A primeira é o pragmatismo, que ressaltava o
conhecimento ligado à ação, e a segunda, o realismo, que enfatizava a praticidade do conhecimento e a
necessidade de compreensão da estrutura para a apreciação da mesma (Walker, 1989, p. 271 a 278). Assim,
enfatizava-se a importância da aula em grupo na medida em que esta desenvolvia um conhecimento aplicado
das estruturas musicais. Os trabalhos de John Dewey vêm servindo de suporte aos educadores desde a
primeira metade do século. Seus princípios mais citados incluem a criança como participante ativa no seu
processo de desenvolvimento, o professor como selecionador e guia das experiências ou problemas
propostos para os alunos e a necessidade de relacionar essas experiências com situações vividas fora da
escola, em uma relação escola/sociedade. A expressão "learning by doing"("aprender fazendo") tem sido
uma das mais usadas pelos educadores musicais.
A influência da gestalt foi bastante significativa para a elaboração de propostas pedagógicas no
ensino musical. Primeiro, por se posicionar como alternativa à psicologia associacionista influente na
educação americana até então (e portanto, relacionada ao "tradicional"). Segundo, pelo extenso trabalho de
James Mursell que tentou, através da análise e adaptação de alguns princípios da gestalt para o ensino da
música, conscientizar professores de música para as possibilidades de uso da psicologia no processo de
ensino. Estes princípios incluem, em primeiro lugar, o conceito de aprendizagem. Para Mursell ela ocorreria
a partir da transformação de uma idéia, a princípio relativamente vaga e sem forma, para outa estruturada, em
um processo denominado síntese-análise-síntese (Mursell, 1958, p. 149 a 154). Em música, esse processo
consiste em primeiro lugar, ter uma idéia do todo da obra musical para depois abstratir partes desse todo
analisando-as com o objetivo de compreender suas relações e os princípios que as regem, voltando a
reintegrá-las no todo. Esse processo de consciência da organização do discurso musical resultaria no
desenvolvimento e refinamento da resposta musical, manifesta através da apreciação ou da execução musical
(Ibid). Mursell propos um currículo em sequencia cíclica de conceitos, onde um conceito seria apresentado e
reapresentado em situações e contextos cada vez mais complexos e sofisticados, substituindo a noção
de"fácil" e "difícil" por "simples" e "complexo". Como veremos a seguir, esses princípios e idéias acima
descritos estarão, em maior ou menor grau, presentes nas argumentações daqueles que defendiam o
movimento.

As propostas do movimento:

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Grande ênfase era colocada nos possíveis benefícios econômicos e sociais da aula de piano em
grupo. O primeiro aspecto dizia respeito ao baixo custo da aula, uma vez que o preço era dividido entre os
alunos. O segundo, referia-se ao desenvolvimento da personalidade do indivíduo e à formação do cidadao
que iria atuar na sociedade. "Um princípio filosófico básico da educação é o de que esta precisa desenvolver
indivíduos capazes de viverem com sucesso em uma democracia" (Rodgers, 1935, p. 287). Outros benefícios
utilitaristas eram igualmente dispostos como contribuição da aula de piano em grupo: "o aumento do prazer
pessoal, do crescimento individual, da plenitude de viver" (Sur, 1949, p. 35); a possibilidade de usar a aula
de música para relacionar o conteúdo e os procedimentos desenvolvidos com o programa com outras
atividades na escola (Sur, 1949, p. 2). A aula de instrumento em grupo seria também oportuna pela sua
contribuição na descoberta de talentos, para o saudável emprego do tempo livre, principalmente dos
desempregados, e na recuperação dos veteranos de guerra (Sur, 1949, p. 36).
Os defensores do ensino de piano em grupo argumentavam que esta situação de ensino era dirigida
às necessidades do aluno mediano, comum, e como tal, fornecia uma gama de experiências que permitiam a
criança gostar, entender, fazer e participar de música por toda sua vida, de acordo com suas necessidades e
possibilidades (McMarty, 1938; Dunlap, 1939). A aula em grupo era colocada também como a oportunidade
de democratizar o ensino de piano uma vez que esta não era destinada sòmente aos "talentosos". De acordo
com os argumentos, os procedimentos usados na aula em grupo possibilitariam a qualquer indivíduo um
meio de aprender a ler e a fazer música de forma prática (Crowder in, 1952, p. 10). Argumentavam ainda que
a compreensão da linguagem musição produziria indivíduos capazes de participar em música de foram
inteligente, produzindo-a ou consumindo-a. "Alguns podem vir a ser músicos mas a grande maioria irá
utilizar a música como parte de sua formação geral, enriquecendo suas vidas e aumentando o nível de
apreciação" (Dunlap, 1939, p. 299).
Nesse sentido, os participantes do movimento passaram a defender a idéia de que todo indivíduo é
capaz de aprender a linguagem musical e que este conhecimento deveria ser oportunizado a todos, de forma
funcional. De acordo com tais princípios, argumentavam que o ensino de piano tinha por objetivo não o
adestramento musical mas a compreensão dos elementos constitutivos da linguagem musical e de suas
relações estruturais. A meta era "alfabetizar musicalmente", fornecendo um conhecimento musical básico e
consistente (Dunlap, 1939; Ahearn, 1930; Sur; 1949). Nesse contexto, o piano era usado não como um fim
em si mesmo mas como uma ferramenta ou meio de ensino da linguagem musical. O piano era defendido
como "o instrumento ideal na musicalização básica" por permitir de maneira mais fácil e efetiva aplicar e
experimentar os elementos considerados básicos na música: melodia, rítmo e harmonia, quebrando a
distinção entre música teórica e aplicada (Robinson e Jarvis, 1967). Dentro desta perspectiva, a aula de piano

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em grupo era defendida pela "oportunidade de oferecer uma extensa variedade de experiências musicais" e
não sòmente "ensinar a tocar piano".

Metodologia:

O redirecionamento de princípios e objetivos para o ensino de piano implicava em consequentes


modificações metodológicas. A situação de aula de piano em escolas públicas, concentrando um grande
número de alunos, inviabilizava os procedimentos e os conteúdos desenvolvidos na aula "tradicional".
Assim, as primeiras modificações se fazem notar no conteúdo da aula, que passa a incluir atividades de
leitura à primeira vista, harmonização, transposição, improvisação, leitura à primeira vista e teoria aplicada,
além de alguma técnica e repertório.
Observa-se também a reavaliação de determinados conceitos. De acordo com Dunlap (1939),
desenvolvimento técnico não significa exclusivamente a agilidade e destreza motora mas antes, a posição de
mãos, dedos, corpo, de diferentes toques e articulações. Principalmente, que a técnica deve estar relacionada
ao contexto em estudo (p. 302). A mesma autora observou que o rítmo "deveria ser sentido corporalmente e
não dividido intelectualmente" e por isso, a sua aprendizagem necessita do envolvimento físico (1939,
p.303).
Procurando estar a par das propostas de um "novo" modelo de aula de piano, grande quantidade de
material pedagógico passou a ser produzido, "indicando tentativas de incluir no ensino de piano, atividades
que promovessem a compreensão das peças sendo executadas e uma preparação técnica menos rigorosa e
mais apropriada a tornar possível tal tarefa (Uszler, 1983, p. 20). Podem ser citados como exemplo,
"Giddings Class Piano Readers", "Public School Class Method for the Piano" (manual do professor) 1919,
por T. F. Giddings and W. Gilamn; "Oxford Piano Course", 1929, por E. Schelling at al,. e vários outros
produzidos por Otto Meisner, Will Earhart, Ella Mason Ahearn, profissionais igualmente ativos no
movimento.
Características comuns dessas publicações são: a utilização para a leitura musical da "abordagem
pela canção" ou pela imitação, onde canções do repertório infantil previamente memorizadas e com extensão
de no máximo uma quinta são posteriormente executadas no teclado, em diferentes tonalidades. Esta
abordagem será posteriormente desenvolvida com o nome de "abordagem muti-tonal". Outras atividades
presentes no material incluem experiências musiciais relacionadas com o canto, treinamento auditivo,
transposição, e harmonização.
Possivelmente como consequência da psicologia da gestalt, surge uma das grandes contribuições
para o ensino de piano: a substituição dos processos de leitura por unidades (tipo nota-por-nota), pela leitura

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intervalar ou por padrões de movimento (conjunto de notas que sobem, descem, ou permanecem na mesma
altura).
Em relação a procedimentos, várias atividades passam a ser propostas antes de se apresentar os
símbolos e os conceitos musicais tais como experimentar corporalmente padrões ritmicos, cantar e
acompanhar o movimento dos sons com as mãos ou o corpo, palmear, movimentar os dedos no ar. Tais
atividades deveriam preceder a execução no instrumento. Como observa Uszler (1983), o material produzido
a partir do movimento veio influenciar toda uma geração de professores de piano, tanto em relação à
procedimentos quanto ao uso e publicação de material.

Declínio do movimento:

No final da década de 30, o número de instituições públicas que ofereciam o ensino de piano em
grupo passou a diminuir. Dentre as possíveis causas, Richards (1962) e Robinson (1967) salientam as
dificuldades econômicas trazidas pela recessão e segunda guerra mundial, a influência do rádio, televisão e
do cinema que mudou o hábito das pessoas, transformando-as mais em consumidores e expectadores do que
participantes. Provavelmente, a causa principal do declínio do movimento estava na má qualidade do ensino,
atribuída à inadequada ou total falta de preparação do professor, que na maioria dos casos, era acostumado
sòmente com o tipo de aula individual e "tradicional" (Richards, 1962; Robinson, 1967). Por outro lado,
Richards (1962) acredita que esta época tenha sido também de revisão dos resultados obtidos e refinamento
das técnicas de ensino, com a atenção voltada à preparação do professor e à adequação de procedimentos e
equipamentos ao sucesso da aula de piano (p. 89 a 99).

Ensino de piano nos Estados Unidos após o movimento:

As décadas posteriores ao êxito da implantação da aula em grupo foram dedicadas à avaliação e


refinamento dos procedimentos adotados até então, reformas estas impulsionadas pelo impacto causado pelo
lançamento da nave espacial Sputinik. Partindo do princípio de que a qualidade do ensino depende menos da
situação do que dos procedimentos ou metodologia utilizados, grande ênfase passou a ser colocada na
formação do futuro professor de piano, com a propagação de workshops e introdução de cursos de Pedagogia
do Piano em universidades americanas. A aula de piano de piano em grupo passa a ser apresentada não como
a única responsável pelo sucesso do ensino mas como mais uma possibilidade metodológica (Richards,
1962). O ideal, de acordo com os profissionais, seria uma combinação de aulas individuais e em grupo. As
aulas em grupo seriam destinadas à musicalização: composição, improvisação, harmonização, tocar de
ouvido, treinamento auditivo, leitura à primeira vista, transposição, prática de conjunto. As individuais, mais

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direcionadas ao desenvolvimento técnico e repertório ou a problemas individuais. Porém, as reformas em
termos filosóficos e metodológicos deveriam estar presentes em qualquer combinação de aula de piano.
A proposta de um "currículo espiral" e abordagem conceitual defendida por Jerome Bruner passa a
servir de referência tanto para a elaboração de material pedagógico quanto na apresentação de princípios
metodológicos.

Conclusão:

De acordo com Uszler (1982-83), uma das contribuições do movimento foi a de constatar que um
grande número de alunos podia coletivamente aprender a ler música, tocar no rítmo, executar um repertório e
obter um conhecimento rudimentar da teoria e da estrutura musical (p. 18). Para Monsour (1963), o
movimento serviu também para enfatizar as vantagens do piano como base
para o desenvolvimento musical geral do aluno, levando os educadores a "reavaliarem o piano dentro da
ampla estrutura do ensino de música"(p. 35).
Acredito porém que as duas maiores contribuições do movimento se devem, em primeiro lugar, ao
fato de ter provocado uma reavaliação do modelo de ensino de piano em vigor ou "tradicional". A partir dos
questionamentos a respeito das crenças e práticas da aula de piano "tradicional", os fundamentos, obejtivos, e
procedimentos proclamados por aqueles que se alinhavam ao movimento tiveram influência direta na
formação de uma moderna concepção de pedagogia do piano, na medida em que suas propostas eram
oferecidas como alternativa ao tipo de aula considerado, em ampla maioria dos casos, ineficaz. Além disso, a
inclusão da aula de piano no currículo das escolas passou a caracterizar o ensino de música e particularmente
de instrumento como uma função educacional dentro do sistema social. Tal fato levou, a partir daí, a uma
aproximação da aula de piano com os princípios e procedimentos recomendados para a educação geral.
A America Latina, por razões diversas, tem sempre recebido de maneira direta ou indireta a
influência de modelos estrangeiros destinados ao ensino da música. Como educadores, esperamos que estas
influências possam ser vistas e revistas sob um olhar crítico para que possamos usá-las como modelos e não
sòmente copiá-los.

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