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pirataria

Publicado em NOVA ESCOLA 01 de Novembro | 2003

Planejamento

De olho na pirataria
Como levar seus alunos a criar uma visão crítica sobre
essa prática tão difundida no país
Arthur Guimarães

Copiar, reproduzir ou vender


produtos alheios sem respeitar os
direitos e a vontade dos criadores
e donos originais. Essa é
basicamente a definição de
pirataria, prática ilegal que vem
sendo muito difundida e discutida
ultimamente, mas que já
incomoda a sociedade há séculos.
Cellus
Algumas das grandes invenções da
humanidade tiveram a
paternidade disputada, e mesmo
copiada, por várias pessoas. Todas sempre competindo para obter o
reconhecimento legal, intelectual e financeiro sobre as obras.

Foi assim com o rádio, o avião, o telefone e, antes de todos, com a prensa.
Seis inventores disputavam a autoria do artefato, que finalmente coube ao
mestre gráfico alemão Johannes Gutenberg (1400-1468), responsável pela
reprodução em série das primeiras bíblias. Em menos de 50 anos, no entanto,
as primeiras edições extra-oficiais do livro sagrado já estavam circulando pela
Europa.

"A história sempre se repetiu. Quando os homens puderam, usaram a força


ou a cópia para conseguir o que buscavam", explica Nehemias Gueiros Jr.,
advogado especializado em direito autoral e professor da Fundação Getúlio
Vargas. De acordo com ele, as pessoas continuam fazendo isso, muitas vezes
sem saber. "É o caso de quem copia softwares do computador dos amigos ou
baixa músicas da internet", exemplifica. "Hoje as legislações contemplam o
assunto e prevêem penas variáveis para quem participar dessas fraudes,
incluindo o consumidor final", adverte Gueiros Jr.
Essa proteção legal está ganhando cada vez mais força no país, mas acaba
praticamente anulada pela ausência de uma fiscalização intensa e eficiente.
No caso das falsificações em larga escala, o problema é ainda mais grave.
Ousados, os grandes fraudadores se apropriam de produtos famosos e
armam esquemas milionários para importar, produzir e vender as
mercadorias clonadas em locais públicos. Indústrias são construídas em
vários pontos do país e abastecem o mercado, o que provoca um rombo
estimado em R$ 10 bilhões por ano na arrecadação de impostos, como
apurou a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instaurada este ano na
Câmara Federal.

A lista de produtos falsificados inclui brinquedos, cigarros, roupas, bebidas,


fitas cassete, equipamentos eletrônicos, perfumes, relógios, tênis, softwares e
até mesmo preservativos. Outras modalidades desse tipo de fraude também
funcionam no país, mas por não necessitarem de uma estrutura montada
são de controle quase impossível para a polícia, como a reprodução de livros.

"A pirataria, de qualquer tipo, destrói empregos, diminui a arrecadação de


impostos, fortalece o crime organizado, suja a imagem dos produtores
oficiais e ainda ludibria o consumidor, que recebe gato por lebre", diz Gueiros
Jr. Alguns fatores favorecem a prática, como o desemprego e a conseqüente
busca pelo trabalho informal, os roubos de carga, a corrupção de fiscais, a
sofisticação das quadrilhas e o sistema tributário brasileiro, que muitas vezes
torna a produção de bens excessivamente cara. Por não haver um motivo
específico, o controle se torna tão difícil, na opinião do advogado. O
problema, para ele, é agravado pela popularização da tecnologia de
informação, que se alastra e facilita a pirataria digital. "Todos os esforços
legais, políticos e econômicos que forem adotados para o controle dessa
prática serão poucos diante da urgente necessidade de uma política mundial
voltada para o problema, tão sem fronteiras quanto a própria internet."

O rombo da biopirataria

A biopirataria é outra modalidade de uso indevido da propriedade alheia que


preocupa as autoridades brasileiras. É considerada ainda mais grave que a
falsificação tradicional, pois além de causar ao país prejuízos financeiros
estimados em R$ 16 milhões diários ameaça a harmonia do planeta. A ação
dos criminosos segue o mesmo princípio. Muda apenas a matéria-prima a ser
roubada, reproduzida e vendida, nesse caso, plantas e animais. "Por lei, as
riquezas da fauna e da flora pertencem aos países que as abrigam. Essa
determinação, contudo, vem sendo desrespeitada pelos biopiratas,
estrangeiros que vêm ao Brasil roubar nossas espécies", alerta Tianelen
Farias, pesquisadora do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (Ibama).

Esse tipo de traficante entra no país disfarçado de várias maneiras, como


catequista ou turista, por exemplo. Depois segue pelas florestas brasileiras
recolhendo bichos e vegetais, ou pedaços deles, que são levados para o
exterior ilegalmente. Eles quase sempre procuram se aproximar de
comunidades indígenas, que, pelo convívio com a natureza, já conhecem as
espécies com maior potencial. De acordo com Maria José Sampaio,
especialista em Biotecnolgia e Direito Autoral da Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o biopirata pode seguir dois caminhos.
"Eles simplesmente negociam o espécime no mercado negro de botânica ou
de animais de estimação ou, o que é mais grave, vendem os achados para
indústrias estrangeiras de medicamentos ou de cosméticos, que tentarão
extrair dali e patentear novos princípios ativos e códigos genéticos rentáveis."

Exploração deve seguir regras

Explorar nossa diversidade natural não é proibido a outros países. "Mas eles
devem pedir uma autorização, procedimento que nem sempre é seguido",
pondera Maria José Sampaio, da Embrapa. Há uma lei internacional que rege
a questão, a Convenção sobre Diversidade Biológica, documento assinado
por 175 países no encontro Eco 92, realizado no Rio de Janeiro. A
regulamentação garante uma repartição justa e equitativa dos benefícios
gerados pelo uso dos recursos naturais. A lógica é a seguinte: o hemisfério
norte é rico em tecnologia e pobre em matéria bruta, enquanto o sul vive
situação inversa. Cabe então aos países do sul o grande e vital desafio de
conciliar o desenvolvimento com a conservação e utilização sustentável da
diversidade biológica. Essa tarefa não terá êxito, no entanto, sem a ajuda
tecnológica e financeira das nações do norte. "A Convenção trata dessas
assimetrias. Agora, as nações devem fechar contratos para dividir os esforços
e lucros", explica Maria José. "Resta respeitar a norma."

Plano de aula

Direito à propriedade

A discussão sobre pirataria é complexa, por trazer como pano de fundo a


questão do direito de propriedade. Esse direito, presente em quase toda a
história da humanidade, coloca-se na fronteira entre os interesses pessoais e
os sociais. Por isso deve ser alvo de regulamentações equilibradas, que
atentem para a função social e política da propriedade intelectual e material
(patente). Acompanhe o plano de aula multidisciplinar sugerido por Ulisses
Ferreira de Araújo, professor da Faculdade de Educação da Universidade
Estadual de Campinas, para turmas de 7ª e 8ª séries.

1. Questões para provocar

Para dar início à discussão, o professor Ulisses sugere lançar as seguintes


provocações para a classe: O que é propriedade? Onde terminam os direitos
privados de propriedade e começam os direitos coletivos, da sociedade?
Como referência, utilize o artigo 17 da Declaração Universal dos Direitos
Humanos. Outra fonte interessante de informação é o site do Instituto
Nacional de Propriedade Industrial www.inpi.gov.br.

A classe vai perceber que existem diferentes tipos de direito de propriedade


que permeiam as preocupações sociais e são abordadas na mídia. Faça uma
lista no quadro-negro, seguida das respectivas violações que sofrem. São
exemplos a propriedade sobre a diversidade natural, desrespeitada pela
biopirataria; o direito autoral sobre livros, que são xerocopiados, e sobre
músicas, gravadas em MP3 e distribuídas pela internet; a patente sobre
remédios, que pode ser quebrada; softwares, que são copiados; produtos
falsificados; a propriedade da terra, que sofre a ação de grileiros etc.

Um bom caminho para o trabalho é escolher dois tipos de direito de


propriedade, um de natureza particular e outro de natureza social, para
centrar a discussão. Por exemplo, a falsificação de produtos e o direito de
patentes sobre remédios que envolvem a vida das pessoas, como no caso
dos indicados para o tratamento da aids. Outra possibilidade é a biopirataria
e a distribuição de músicas pela internet.

2. Um debate, como na TV

Feita a escolha, peça à classe que organize a simulação de um programa


televisivo de debates. Será necessária a participação de um
mediador/apresentador e quatro convidados, que vão defender posições
diferentes em relação ao direito à propriedade. Também devem ser
escalados dois "repórteres" externos, encarregados de ouvir a opinião da
"população" os demais alunos da turma sobre o debate na televisão.

Enquanto isso, cada disciplina desenvolve um trabalho específico. Em Língua


Portuguesa, os alunos redigem textos informativos sobre o tema; em História,
realizam uma pesquisa a respeito do direito de propriedade; em Geografia é
possível abordar a questão da terra; as aulas de Ciências tratariam da
biopirataria ou da produção de tecnologia e de remédios.

3. Avaliação e reflexão

Após avaliar o que os alunos aprenderam, discuta com a turma o que cada
um pode fazer para efetivamente combater as diferentes formas de fraude.
Proponha algumas atitudes concretas, como não comprar mais produtos de
camelôs, por exemplo, e observe a reação dos estudantes. Esse tipo de
provocação pode levá-los a perceber que não basta consciência. É preciso
agir.

Quer saber mais?

Disque-denúncia, tel. 0800-156315


Nehemias Gueiros Jr., R. da Assembléia, 77, 12º andar, 20011-001, Rio de Janeiro, RJ, tel. (21) 3806-8800, e-mail:
ngueiros@tostes.com.br

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