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ilumina a teorização no campo feminista das gerações seguintes. Chegamos, então a Judith
Butler que, no século XXI, traz o “tripé” no qual estão baseadas as relações de gênero e
no título: a definição de “tomboy”, gíria bastante popular na língua inglesa, é de “menina que
se interessa por atividades masculinas” (Dicionário Michaelis). O filme como um todo abre
analisar cenas e questões levantadas pelo filme que tangenciam algumas teorias feministas.
muitos dos estudos acerca do cinema como tecnologia de gênero situam-se no estudo da
desenvolver-se e analisar. Percebendo a necessidade cada vez mais urgente de trazer à tona
essas questões, o presente trabalho pretende contribuir para o campo dos estudos de
[2]
A definição de “tomboy” é bem clara no Oxford English Dictionary: “A girl who enjoys
rough, noisy activities traditionally associated with boys.” (Uma menina que gosta de
atividades barulhentas e que exigem esforço físico, tradicionalmente associadas aos meninos.
Tradução minha), ou seja, uma menina que gosta de “coisas de menino”. O filme Tomboy,
conta alguns dias na vida de Laura, uma criança de 10 (dez) anos do sexo feminino que gosta
de “coisas de menino” como usar o cabelo curto, vestir-se de camiseta e calção, pedir que o
quarto na casa nova seja pintado de azul... logo no início do filme podemos perceber essa
no início também que aparece a irmã mais nova de Laura, Jeanne, a qual representa a menina
que gosta de “coisas de menina” em oposição à irmã “tomboy”. É interessante notar como
Jeanne está ligada às artes, como a dança, a pintura, a literatura, enquanto Laura está muito
A família se completa com o pai, que é quem provém o sustento financeiro da família e
aparenta ser mais próximo de Laura, e a mãe que, grávida, fica presa à casa e aos afazeres e
questões domésticas. Eles acabam de se mudar para um pequeno bairro de uma cidade
crianças ficam somente dentro do apartamento, mas algum tempo depois, Laura decide
aproveitar o restante das férias escolares e explorar os arredores, o que pode ser considerada
sociedade aos indivíduos do sexo masculino, e que fazem parte da personalidade de Laura. É
então, no âmbito do público que Laura, ao ser chamada de menino por uma criança vizinha
que não a conhecia, assume uma “identidade” masculina que vale naquele círculo de
amizades em que ela passa a frequentar. Ela, então, passa a se chamar Michael.
O filme segue mostrando as duas identidades assumidas por Laura que, no ambiente
privado, dentro de casa é menina, mas não possui as características culturalmente ligadas ao
feminino como sua irmã, e no ambiente público, quando sai para brincar, é menino. Sobre
isso, podemos pensar acerca da motivação cultural que cerca não apenas o gênero, mas
A proximidade entre sexo e gênero que Butler afirma existir, possibilita pensarmos que
o sexo também é uma construção social. Em Laura fica claro que a influência familiar atua
tanto no sentido de fazê-la gostar de “coisas de menina”, mas que também a deixa livre para
escolher o modo de se vestir, de andar, com quem vai brincar, quando vai sair de casa...
Entretanto, percebe-se um ar de crítica aos modos de ser de Laura em algumas falas da mãe,
como quando Laura diz que conheceu Lisa e a mãe lhe diz que é bom, pois ela “sempre brinca
com os meninos”, ou quando Laura/ Michael se deixa maquiar por Lisa e, chegando em casa,
a mãe diz que ela ficou bonita, que lhe cai bem a maquiagem.
O pai, por outro lado, parece gostar das características masculinas da filha, tanto que
parece passar muito mais tempo com Laura do que com a mulher ou com Jeanne. É ele quem
dá espaço para Laura fazer “coisas de homem”, como dirigir o carro junto com ele, beber
No entanto, essa “liberdade” vai até o momento em que a mãe descobre que Laura está
se passando por um menino, quando ela tenta impor “feminilidade” à Laura vestindo-a com
um vestido e fazendo Laura ir à casa de todos os amigos com quem brincava falar que, na
verdade, se chama Laura e é uma menina. Sobre a relação entre mãe e filha, Simone de
E até uma mãe generosa que deseja sinceramente o bem da criança pensará
em geral que é mais prudente fazer dela uma ‘mulher de verdade’, porquanto
assim é que a sociedade a acolherá mais facilmente. (...) Para ser graciosa ela
deverá reprimir seus movimentos espontâneos; pedem-lhe que não tome
atitudes de menino, proíbem-lhe exercícios violentos, brigas; em suma,
incitam-na a tornar-se, como as mais velhas, uma serva e um ídolo.
(BEAUVOIR, 1990: 23)
Levando isso em consideração, podemos perceber que, nitidamente, a atitude mãe se
caracteriza como uma forma desesperada de, sabendo que o ano letivo iria começar em breve,
[3]
Foi escolhido utilizar os termos “coisas de menino” e “coisas de menina” entre aspas
por acreditar na construção social por trás desses termos e suas atribuições à crianças do sexo
enfatiza como os diferentes modos de criação do menino e da menina pela família e pela
é o passivo e objeto. Segundo ela, é após a puberdade que a distância entre os sexos se dá de
forma mais óbvia: “O que ocorre nesse período perturbado é que o corpo infantil, se torna
É interessante notar, então, a fase da vida de Laura/ Michael que é retratada no filme:
situando-se perto dos dez anos, ainda não iniciou sua experimentação e experiência da
sexualidade; o corpo que tem ainda não carrega características aparentes do corpo de mulher,
como seios. Seria um corpo desprovido de sexo? Ou, pensando na teoria de Butler, sexo e
gênero estariam tão intrinsecamente relacionados que seu corpo poderia assumir ambos os
sexos e, então, haveria a necessidade de romper com o binarismo que rege tanto sexo quanto
gênero? Notamos, nas demais crianças que fazem parte do círculo de amizades de Laura um
certo “conhecimento” das distinções entre homem e mulher, entretanto, nas ocasiões em que
alguém fala no assunto, Laura não se pronuncia. Isso se daria pelo fato de não conseguir
retornar à discussão iniciada por Simone de Beauvoir retomada por Teresa de Lauretis
frequentado por Laura. Ambas têm a mesma idade, entretanto, Lisa aparenta ser um pouco
mais velha pelo desenvolvimento do corpo (que já tornou-se “carne”, ou está no início da
puberdade). É ela quem conversa com Laura pela primeira vez na vizinhança e é também
através da pergunta de Lisa que Laura passa a ter uma identidade masculina naquele espaço:
Lisa pergunta se Laura é “novo” no local, se é “tímido”, ou seja, é a partir do olhar de Lisa
que entende Laura como um menino, que Laura percebe que poderia ser tratada como um
menino.
filme apresenta, podemos observar que Lisa, na maioria das cenas está de saia, tem cabelo
comprido, veste-se de cores que estão diretamente ligadas à feminilidade e não joga futebol
porque os meninos não deixam e alegam que ela seja ruim, por exemplo.
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“Você não é como os outros” diz Lisa para Michael quando estão assistindo aos
deles, então, ela observa os trejeitos que identificam atitudes masculinas no círculo de
amizade que frequenta e tenta imitá-los: olha-se no espelho para encontrar semelhanças e
diferenças entre seu corpo e o dos meninos, tira a camisa quando vai jogar futebol, cospe...
A cena em que Laura/ Michael observa os meninos que conseguem facilmente urinar
de pé e com muito mais facilidade expõem seus órgãos genitais, nos remete novamente à
Simone de Beauvoir e seu ensaio “Infância”, no qual a autora aponta as motivações que levam
imperceptível; dessa ocasião em diante caem vítimas da inveja do pênis” (FREUD, 1925),
Simone afirma que a “inveja do pênis” que a menina sente, quando sente, é motivada pelas
facilidades encontradas pelos meninos no momento de utilizar o pênis nas funções urinárias.
Nestes [nos meninos], a função urinária apresenta-se como um jogo livre que
tem a atração de todos os jogos em que a liberdade se exerce; o pênis deixa-
se manipular e através dele pode-se agir, o que constitui um dos interesses
profundos da criança.
(...) Parece às meninas que o menino, tendo o direito de bulir no pênis, pode
servir-se dele como de um brinquedo, ao passo que os órgãos femininos são
tabus. (BEAUVOIR, 1990: 15-16)
No entanto, a ausência do pênis nas meninas não deve ser ignorada como fato
importante na construção do gênero, pois o valor que a sociedade coloca no pênis como
símbolo do masculino implica também nas relações de poder e submissão. O fato de o órgão
sexual masculino ser muito mais facilmente manipulado e visível, ao passo que o feminino é
sempre tratado como algo misterioso gera a possibilidade de o menino alienar-se em seu
órgão, preocupando-se muito mais com o “externo” a ele do que com o “interno”, como
Laura deseja ter um pênis. Mais do que isso, ela sente a necessidade de tê-lo, afinal, no
mundo fora de casa, a comodidade de poder urinar na frente dos outros e de pé, e ter mais
controle sobre as funções urinárias tem grande valor. O valor dado à virilidade que está ligado
à exibição do pênis está expresso na fala de Jeanne quando ela diz que “é melhor ter um irmão
mais velho, pois ele pode defender você” e inventa uma história na qual alguns meninos a
O filme traz algumas cenas bastante emblemáticas para pensarmos nessa teoria da
“inveja do pênis” e da valorização do órgão sexual masculino: a primeira ocorre após o jogo
de futebol, na qual Laura/ Michael sente vontade de urinar, vê os meninos que o fazem com
extrema facilidade e vai para dentro da floresta urinar escondida de todos e agachada. Porém,
ela é seguida e ao perceber que alguém se aproxima, levanta-se rapidamente e acaba não
conseguindo segurar a urina, fazendo com que um dos meninos visse que ela havia urinado
nas calças e provocando uma situação embaraçosa para Laura/ Michael; outra cena que chama
atenção para o fato do pênis ser um fator importante na representação do gênero é quando a
turma de amigos decide ir a um lago perto dali. Nas cenas anteriores a essa, pode-se notar a
preocupação de Laura/ Michael em usar roupas de banho e poder ser identificada como
menina por não ter um pênis, então ela molda uma espécie de pequena forma cilíndrica em
massa de modelar e coloca dentro da sunga que ela mesma faz, cortando um maiô seu.
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Para comprovarem que Laura é mesmo uma menina, as crianças pedem que Lisa veja
seu órgão sexual. O fato de ela ser menina choca de tal forma a todos que ela passa a ser
tratada de forma diferente pelos amigos. Se esquecem que ela jogava futebol muito bem, que
podia brincar de “lutinha” enfrentando qualquer menino de igual para igual pelo simples fato
de, agora, saberem que ela é uma menina. Com isso, o filme enfatiza o quanto o gênero é
Dentre todas as observações, fica ainda por ser feito um trabalho mais aprofundado
acerca da relação estabelecida entre Laura e Lisa, entretanto podemos pensar que Lisa sente-
se atraída pela representação do masculino que Laura proporciona: ela repudia o sexo de
Laura. Ou, talvez, sexo e gênero estejam, sim, tão ligados que não devem ser entendidos
como coisas diferentes, mas as relações sociais construídas a partir de uma matriz
aberto. Procurou-se, então, relacionar algumas das cenas com certas teorias e chamar atenção
Referências Bibliográficas:
BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo vol.2 – A experiência vivida. 7ª edição. Rio de
1925
LAURETIS, Teresa de. A tecnologia do gênero. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de (Org.).
Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. p.
206-242