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Universidade Federal de Goiás

Faculdade de Educação
Curso de Pedagogia
Educação, Comunicação e Mídias
Prof.ª Dr.ª Cleide Aparecida Carvalho Rodrigues
Acadêmica: Beatriz Antunes da Silva Alves

Este é um documento pessoal-acadêmico no qual a estudante fundamentará o


conhecimento teórico-prático, relacionando com a realidade vivenciada no cotidiano,
através do relato de uma experiência direcionada. Este relato foi composto através de uma
atividade proposta pela Prof.ª Dr.ª Cleide Aparecida Carvalho Rodrigues da Universidade
Federal de Goiás pela disciplina de Educação, Comunicação e Mídias para obtenção de
nota no segundo semestre de 2018.

A atividade consiste em se abster de qualquer atividade profissional; de utilizar


aparelhos eletrônicos como o celular, televisão; sem acessar mídias digitais como redes
sociais; e sem se abster com atividades paralelas, como dormir, etc.

Iniciei a atividade no sábado (08/12/2018), três dias após a orientação inicial, que
aconteceu após uma longa tarefa doméstica que durou o dia inteiro. Achei importante
destacar aqui os acontecimentos que cercam o meu cotidiano, mesmo antes da atividade.
Durante a limpeza pela casa, precisei ouvir músicas que me agradassem e que fossem
agitadas, para que o meu ritmo corporal, de atividade, pudesse entrar em harmonia com
o ritmo alegre da música. Dessa forma, eu não perderia o ânimo e nem desistiria da
atividade.

Segundo Houzel (2010), a atenção é limitada, e tudo o que nos cerca são estímulos.
Por isso, é preciso tomar cuidado ao escolher uma música de fundo para estudar, ou para
fazer qualquer outra atividade, por exemplo. Segundo ela, a música não pode ser
interessante demais, nem mais interessante do que a atividade a ser realizada - para não
perder o foco. É fundamental selecionar os estímulos que irão nos favorecer a
concentração, a criação de um ambiente agradável e estimulante.

Ao longo da faxina, além do computador, das caixas de som, e do celular (como


controle remoto para alternar as faixas de música) eu também utilizei objetos eletrônicos
como máquina de lavar, e liquidificador para fazer um suco refrescante como forma de
recompensa por todo o esforço realizado. Percebi que enquanto meus pensamentos
fluíam, eu precisei do auxílio do meu dispositivo móvel para realizar anotações, para
checar mensagens, para pesquisar o significado de uma letra de música, e até mesmo
visualizei dicas de donas de casa em redes sociais.

Pensando nisso, é como aponta Duhigg (2012) apud Squire (19--), desenvolvemos
hábitos pois todos nós dependemos de processos neurológicos similares diariamente. Os
hábitos são instintos que o nosso cérebro desenvolve para poupar energia e facilitar as
tarefas do dia-a-dia. As pesquisas de Squire (19--) mostram que as escolhas que parecem
ser provenientes de um pensamento racional são de fato influenciadas por impulsos que
a maioria de nós não pode compreender.

Tenho o hábito de utilizar aparelhos eletrônicos diretamente em quase todas as


minhas atividades cotidianas. Quando não utilizo, é porque faço o uso de maneira indireta.
Nossos hábitos são formados por lembranças que uma vez alojadas no cérebro,
influenciam o modo como agimos – muitas vezes sem perceber. (DUHIGG, 2012)

Ou seja, eu tentei tornar esta a minha atividade e relato final para a disciplina, mas
tenho o hábito de

Busquei me ausentar das atividades cotidianas e rotineiras, pois tudo o que eu


precisava exercer estava interligado com o uso das tecnologias. Se eu fizesse uma
caminhada até o banco para resolver alguns problemas pessoais, eu utilizaria caixas
eletrônicos, cartões de crédito e débito, celular para sincronizar e autorizar pagamentos
por meio do dispositivo móvel, entre outros... Resolvi então fazer alguns cartões de natal,
como agradecimento para as pessoas que estiveram ao meu lado ao longo deste ano. Foi
quando eu precisei de auxílio da internet e do celular para acessar redes sociais, obter
inspiração de modelos, e percebi que não seria justo com a experiência, já que em todo o
princípio, a base da atividade era requerido que houvesse a ausência disto.

Segundo Santaella (2007) apud Pepperell (1995) A expressão “pós-humano”


significa “depois do humanismo”, sinalizando o fato que quando pensamos em ser
humano hoje já não é mais o mesmo ser humano pensado alguns anos atrás, devido as
transformações que viemos sofrendo nas últimas décadas com a chegada das novas
tecnologias. A expressão refere-se também a uma concordância profunda dos organismos
com as tecnologias (RV1, comunicação global, protética e nanotecnologia, redes neurais,
algoritmos genéticos, manipulação genética e vida artificial), que chegarão ao ponto de
se tornarem indistintos. Seguindo ainda esta linha de raciocínio, Sibilia (2002) destaca as
expressões “pós-orgânico” e “pós-biológico”, dizendo que a junção entre ser humano e
tecnologia sempre existiu, mas está se tornando mais profundo, convertendo assim em
algo mais determinante e complicado.

Depois de pensar, silenciei o celular completamente, separei dois marca-textos e


um lápis grafite e comecei a exercer uma leitura2 silenciosa. Sempre que eu leio algum
texto, tenho dificuldade de concentração no início da leitura. Também tenho dificuldade
em tomar iniciativa para o momento da leitura, as obras se acumulam e começam a formar
pilhas e pilhas de promessas para o ano seguinte.

Após o início deste momento de leitura, me deleito em teorias e palavras e esqueço


do mundo lá fora só cerca de quinze minutos depois de pensar em tantas atividades que
eu poderia exercer naquele momento. Atividades que seriam mais “proveitosas”,
lucrativas, atividades que dão a falsa sensação de um retorno imediato. Ao longo da
leitura, gosto de anotar ideias, perguntas, reflexões, para momentos mais tarde, quando
eu tiver a oportunidade de revisitar a obra ou quando eu precisar daquelas anotações já
feitas.

Ter um momento como este não é tirar um tempo só pra mim. Considero os livros
companheiros, amigos, que me faz expandir fronteiras jamais imaginadas. Com eles, é
possível exercitar o meu cérebro, sair da zona de conforto, cuidar da minha saúde mental,
e ter um sentimento de paz em troca por tudo isso. Não é benefício em troca de um
esforço. É receber benefícios através de uma atividade prazerosa, mas que eu reluto tantas
vezes contra nos dias de hoje.

Durante a escrita deste relato, me peguei fragmentando a atividade por diversas


vezes. Idas “sem motivo” à cozinha, pausa para checar mensagens instantâneas no celular,
pausas para acariciar animais de estimação, montagem de uma árvore de natal, e assim
foi sendo feita a escrita. É notório o quanto o tempo de concentração das pessoas têm

1
Ambientes imersivos que proporcionam interação de maneira intuitiva e tendem a encurtar distância entre
o usuário e o mundo virtual. (RAISEL; NUNES. 2017)
2
BRADSHAW, John. Volta ao lar: resgatar e defender sua criança interior. Rio de Janeiro, Rocco, 1993.
diminuído, e devemos nos perguntar até onde as mídias digitais tem responsabilidade
sobre isso.

Kellner (2001) nos apresenta perguntas e reflexões, que cabem aqui para futuros
leitores e mentes pensantes: “o que é autenticamente humano quando se tornam
indefinidas as fronteiras entre humanidade e tecnologia? O que é identidade humana, se
ela for programável? O que sobra das noções de autenticidade e identidade numa
implosão programada entre tecnologia e ser humano? O que é ‘rea-lidade’, se ela é capaz
de tanta simulação? De que modo a realidade está hoje sendo corroída, e quais são as
consequências disso?”.

Durante um momento da montagem da árvore de natal, percebi novamente que


não estava sob o “poder” de nenhuma tecnologia – sobretudo, sob o poder do consumo
exercido pelo capitalismo -, e sorri ao ver que eu e minha mãe passávamos um tempo
juntas, exercendo uma atividade familiar, conversando, dando risada, e o quanto um
momento como este costuma ser raro devido à acelerada vida dos anos 2000. Engraçado
foi ver que, pouco tempo após esse meu pensamento, ela ligou a Smart TV e deu “play”
em músicas de uma playlist no aplicativo Spotify.

O modo de vida do século XXI está condicionado ao uso das novas tecnologias,
das mídias digitais, em que não se é possível passar uma hora sequer do nosso cotidiano
sem o uso destes aparelhos ou interfaces que mediam, auxiliam, contribuem ou nos
aprisiona à “vida moderna”. Estar antenado, fazer parte de um grupo social, estar ligada
às tendências tecnológicas, da moda, às cores que iremos pintar a nossa casa - pois é a cor
do ano, aos pratos gastronômicos ou restaurantes que iremos procurar no nosso feed das
redes sociais, para visitar, dar “estrelas” (nota de avaliação) e repostar para que outras
pessoas continuem vendo. Um ciclo vicioso do mundo moderno. É exatamente o que nos
mostra Sibilia (2002):

O corpo humano, em sua antiga configuração


biológica, estaria se tornando obsoleto. Intimidados
pelas pressões de um meio ambiente amalgamado
com o artifício, os corpos contemporâneos não
conseguem fugir das tiranias (e das delícias) do
upgrade. Um novo imperativo é internalizado, num
jogo espiralado que mistura prazeres, saberes e
poderes: o desejo de atingir a compatibilidade total
com o tecnocosmos digitalizado. Para efetivar tal
sonho é necessário recorrer à atualização tecnológica
permanente: impõem-se, assim, os rituais do auto-
upgrade cotidiano. (Sibilia, 2002, p. 13)
Já não existem mais “listas de compras” por escrito, caderno de receitas ou fotos
da família reveladas. Tudo é um “must-it”, um “must have”, sincronizações do mundo
real para o virtual. Estamos cada vez menos aqui, e muito mais presentes “lá”. Corpo em
terra, mente na nuvem. Em 2007, Santaella (apud DYENS, 2001) dizia: “Nossos corpos
são agora feitos de máquinas, imagens e informações. Os corpos vivos estão borrados,
moldados e transformados pela tecnologia e a cultura está tomando conta da biosfera.”

Finalizo o texto com a esperança de que nós possamos descobrir e aprender juntos,
em um futuro próximo, a utilizar as novas tecnologias com mais responsabilidade, cautela
e propósito, em todos os âmbitos – cultural, social, econômico e político. Firmo o
compromisso de começar a policiar as minhas próprias atitudes, reformulando velhos
hábitos e adquirindo novos. É dever de todos, sobretudo, pensar, repensar, unir as ideias
de grandes pensadores com os novos – e os que ainda virão.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRADSHAW, J. Volta ao lar: resgatar e defender sua criança interior. Rio de Janeiro,
Rocco, 1993.
DUHIGG, Charles. O poder do hábito. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.

DYENS, O. Metal and Flesh. The Evolution of Man: Technology Takes Over. Trad. Evan
J. Bibbee e Ollivier Dienz. Cambridge, Mass., The MIT Press, 2001.

HOUZEL, Suzana Herculano. Neurociências na Educação. Belo Horizonte, 2010.


KELLNER, Douglas. A Cultura da Mídia. Trad. Ivone Castilho Benedetti. Bauru, Edusc,
2001.

KNOWLTON, B. J.; MANGELS, J. A.; SQUIRE, L. R. “A Neostriatal Habit Learning


System in Humans”, Science 273, 1996.
RAISEL, T.M.; NUNES, J. Realidades Misturadas, Realidade Virtual, Realidade
Aumentada e Hiperrealidade Virtual: usos e possibilidades na publicidade. Disponível
em: http://portalintercom.org.br/anais/nacional2017/resumos/R12-2843-1.pdf Acesso
em: 13/12/2018.

SANTAELLA, L. Pós-humano, por que? REVISTA USP, São Paulo, n.74, p. 126-137,
junho/agosto 2007.

SQUIRE, L.R. Memory and Brain Systems: 1969-2009. Journal of Neuroscience 29, n°
41 (2009): 12711-26.

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