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Resumo
O objetivo deste texto é apresentar algumas ideias de Vigotski, enfatizando questões sobre o
processo do desenvolvimento infantil em Vigotski e seus desdobramentos para Educação.
Para ele, este processo se efetiva a partir das relações que as crianças estabelecem com seu
meio sócio-cultural, internalizando e desenvolvendo uma série de instrumentos simbólicos –
caracterizados pelas funções psicológicas superiores – que passam a mediar o
comportamento. O desenvolvimento destas funções é um processo extremamente pessoal e,
ao mesmo tempo, um processo profundamente social. Esta experiência – social, cultural,
histórica – possibilita à criança dominar e apropriar-se dos instrumentos culturais como a
linguagem, pensamento, conceitos, ideias, etc. que se desenvolve ao longo da sua história e da
história das relações estabelecidas com o universo social. As mudanças decorrentes deste
encontro – considerado por Vigotski como situações sociais de desenvolvimento – são
caracterizadas por momentos de estabilidade, entrecortadas por momentos de crise,
estabelecendo-se, assim, uma dialética ao longo do processo de desenvolvimento onde a
emergência do novo significa o desaparecimento do velho. Neste processo, o que muda e se
modifica são precisamente as relações, ou seja, o nexo das funções entre si, de maneira que
surgem novos agrupamentos desconhecidos no nível anterior. As novas formações que
aparecem neste processo podem ser consideradas de novas sínteses. Elas se efetivam na vida
da criança a partir das experiências que são oferecidas pelo seu entorno social. Disto resulta o
resgate da importância da educação e do educador em criar as condições para que tais
processos se consolidem.
Introdução
Isso significa que a atividade de utilização de signos nas crianças não é inventada
tampouco ensinada pelos adultos; ao invés disso, ela surge de algo que
originalmente não é uma operação com signos, tornando-se uma operação desse
tipo somente após uma série de transformações qualitativas (VYGOTSKY, 1991, p.
51-52).
Depois, conclui:
Todo pensamento procura unificar alguma coisa, estabelecer uma relação entre
coisas. Todo pensamento tem um movimento, um fluxo, um desdobramento, em
suma, o pensamento cumpre alguma função, executa algum trabalho, resolve alguma
tarefa. Esse fluxo de pensamento se realiza como movimento interno, através de
uma série de planos, como uma transição do pensamento para a palavra e da palavra
para o pensamento (VIGOTSKI, 2000, p. 409-410).
A dialética do desenvolvimento
da criança. Num muito breve de tempo a criança muda por inteiro, se modifica os
traços básicos de sua personalidade. Desenvolve de forma brusca, impetuosa, que
adquire, em certas situações, características de catástrofe; lembra o curso de
acontecimentos revolucionários tanto pelo ritmo das mudanças como pelo
significado dos mesmos. São pontos de viragem no desenvolvimento infantil que
tem, às vezes, a forma de agudas crises (Vygotski, 1932-1934/1996, p. 256).
Ou seja:
As forças que movem o desenvolvimento da criança, em uma ou outra idade,
acabam por negar e destruir a própria base de desenvolvimento de toda idade;
determinando, com a necessidade interna, o fim da situação social de
desenvolvimento, o fim da etapa dada de desenvolvimento e o passo para a
seguinte, ou ao período superior da idade (VYGOTSKI, 1932-1934/1996, p. 265).
Ao longo deste processo de desenvolvimento vão ocorrer mudanças nas relações das
funções psicológicas superiores. Cada idade vai se caracterizar por um tipo de relação
diferente. As situações de crises revelam a dinâmica do processo do desenvolvimento ao
promover mudanças radicais nas articulações entre as funções psicológicas que estão em jogo.
Em 1930, Vigotski introduziu, em suas reflexões, uma noção que redireciona seu
olhar sobre as relações entre as funções psicológicas superiores e, consequentemente, sobre
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[...] o que muda não são tanto as funções [...], nem sua estrutura, nem sua parte de
desenvolvimento, mas o que muda e se modifica são precisamente as relações, ou
seja, o nexo das funções entre si, de maneira que surgem novos agrupamentos
desconhecidos no nível anterior (VIGOTSKI, 2004, p. 105).
Tal ideia também está implícita na abordagem de Vigotski com relação à percepção.
Considerações finais
pediu-se a uma menina de quatro anos e meio que pegasse o doce, usando como
possíveis instrumentos um banco e uma vara. A descrição de Levina é a seguinte:
(parada ao lado de um banco, olhando e, com a vara, tentando sentir algo sobre o
armário.) “Subir no banco.” (Olha para o experimentador, muda a vara de mão.)
“Aquilo é mesmo um doce?” (Hesita.) “Eu posso pegá-lo com aquele outro banco,
subo e pego.” (Pega o outro banco.) “Não, não dá. Eu poderia usar a vara.” (Pega a
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vara e esbarra no doce.) “Ele vai mexer agora.” (Acerta o doce.) “Moveu-se, eu não
consegui pegá-lo com o banco, mas a vara funcionou (VYGOTSKY, 1991, p. 28).
Para Vigotski, o estudo dos sistemas e das funções é muito instrutivo não apenas para
compreendermos o processo de desenvolvimento da criança e da construção dos processos
psíquicos, mas também no caso de sua desintegração1.
Todos os sistemas, a que esse autor se refere, são sistemas de origem social, fundam-
se na atitude social para consigo mesmo e se caracterizam pelo trabalho das relações coletivas
para o interior da personalidade. Para ele, “o esquizofrênico perde suas relações sociais com
aqueles que o rodeia, perde-as para consigo mesmo. [...] Ele não deixa apenas de compreender
os demais e de falar com eles, mas deixa de se dirigir a si mesmo através da linguagem”
(VIGOTSKI, 2004, p. 129).
Postula-se a partir dessas considerações, que é a estrutura do comportamento e da
consciência que determinam o destino do sistema. Vigotski considera a mudança da
consciência em seu conjunto como explicação de qualquer mudança interfuncional. Neste
sentido, a palavra, ao crescer na consciência da criança (mundo interno), modifica todas as
relações e todos os processos em função da consciência para o mundo externo.
As sínteses decorrentes das relações que se travam em torno das funções psicológicas
superiores têm relações específicas entre as conexões, no entanto, este processo de mudança
acontece no âmbito da consciência da criança. O que nos faz pensar que a promoção das
mudanças ao longo do processo está relacionada com as possibilidades (situação social de
desenvolvimento) da criança em se apropriar dos signos oferecidos pelo seu entorno cultural.
Tais situações têm um impacto muito grande sobre a criança, pois a partir delas
ocorrerão os processos de internalização – situações onde a criança tem a oportunidade de se
apropriar da cultura, tendo como base novos conceitos, novas significações.
Olhar para esses fatores de mudanças, para a organização das estruturas funcionais que
acontecem no processo de desenvolvimento criança e compreendê-los – têm um
desdobramento pedagógico: um re-pensar a educação, especialmente, na atuação do educador
junto às crianças e adolescentes, pois ele será a peça principal para oferecer as condições de
mudanças, entendendo que ele não modifica o processo, mas possibilita-o no sentido mais
amplo do desenvolvimento.
1
A desintegração, para Vigotski, aqui, se refere às atitudes do esquizofrênico de perder a conexão com o pensamento,
produzindo alterações débeis no cérebro, tais como: inabilidade afetiva, a desintegração intelectual, a irritabilidade
(VIGOTSKI, 2004).
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REFERÊNCIAS
VYGOTSKY, L. S. (1991). A formação social da mente (3 ed.). São Paulo: Martins Fontes.
VYGOTSKY, L. S. (1994). The problem of the environment. In. R. van der Veer & J.
Valsiner (Eds.). The Vygotsky Reader (pp. p. 338-354). Cambridge, M. A.: Backweell.