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ALFRED OPITZ
coordenador
Capa: Hein Semke, aguarela, 58x80cm.
ln Ein Versuch: Baum (O Livro da Árvore) 1978, pág. 33. Edição: Lisboa, ACARTE, 1995.
Fotografia de Mário de Oliveira.
Copyright © UNIVERSIDADEABERTA-1998
Palácio Ceia• Rua da Escola Politéénica, 147
1250 Lisboa
Universidade Aberta
1998
Sociedade e Cultura Alemãs
Prefácio
1. Kultur e Zivilisation
51 Cultura
51 Cultura e realidade intelectual
51 Cultura nacional
56 Civilização
57 Civilização e Europa
60 Civilização e imperialismo
61 A oposição Kultur/Zivilisation
5
71 Cultura nacional e multiculturalismo
71 A reinvenção da tradição
72 A revisão da história
73 A Alemanha multicultural
74 Cultura essência e reinvenção
98 Bildung e Erfahrung
III. ESPAÇOS
6
121 Sprachnation/Kulturnation: A comunidade da língua e da cultura
2. Aujklarung e modernidade
137 Conceito de Aufklarung
151 Aufkliirung(en)
171 O tempo
7
172 O espaço
177 A transição
195 Conclusão
8
IV. TEMPOS
2. A Alemanha Guilhermina
251 A Alemanha guilhermina: a unificação tardia e a «via específica alemã»
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4. Os Anos Vinte
303 Entre o Leste e Oeste: O regresso da Kultur
6. A Alemanha contemporânea
359 O pós-guerra
10
364 A divisão alemã
366 Os anos 50
368 Os anos 60
7. A Alemanha na Europa
390 A Europa: evolução histórica e espaço comunitário
390 A constituição do espaço cultural europeu
- Bibliografia
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PREFÁCIO
A recente valorização de cadeiras culturais nos curricula universitários das áreas de Línguas e
Literaturas Modernas justifica uma reflexão prévia sobre a disciplina que aqui é designada de Sociedade
e Cultura Alemãs. Esta disciplina baseia-se teórica e institucionalmente nas ciências culturais e, por
isso mesmo, ultrapassa a mera transmissão de informações sobre a história, a sociedade e a cultura
alemãs.
No ensino do alemão para estrangeiros, recentemente designado comoDeutsch als Fremdsprache
(DaF), os conhecimentos básicos sobre as instituições e a vida actual na Alemanha eram tradi-
cionalmente apresentados sob a etiqueta de Landeskunde. No entanto, a Landeskunde não se deve
confundir, como parte do ensino da língua no ensino secundário e nos primeiros anos da faculdade,
com uma área curricular (os estudos culturais) que pretende, apesar da sua orientação interdisciplinar,
uma autonomia científica, com métodos e objectivos bem determináveis e um enquadramento teórico
próprio.
A concepção deste Manual contempla, assim, duas linhas directrizes: evidenciar resumidamente
a construção social de uma zona específica de conhecimentos (com os seus métodos, conceitos e
instituições próprios) e apresentar diversos conjuntos fenomenológicos que surgem durante a evolu-
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ção histórica da cultura alemã a partir do século XVIII.
A concentração temporal nas épocas daAufklarung até ao fim do século XX impõe-se por várias
razões. Por um lado, não se justifica do ponto de vista pedagógico uma única cadeira anual que
condense a história sócio-cultural alemã na sua totalidade. Por outro lado, a Aufklarung define e
antecipa já os principais problemas políticos e sociais que afectam a Alemanha actual, e os dois
últimos séculos revelam, apesar de um percurso histórico bastante conturbado, uma continuidade que
ajuda a explicar o tempo presente.
O Manual é constituído por quatro unidades temáticas básicas: as áreas científicas, os conceitos
essenciais na área da sociedade e cultura alemãs, os espaços e os tempos mais característicos da sua
história social e cultural.
Assim, a parte introdutória (parte I) apresenta as várias áreas científicas e os principais paradigmas
teóricos das ciências culturais que abrangem actualmente uma série de disciplinas concorrentes
e complementares. Na segunda parte (parte II) são definidos os três conceitos-chave (Kultur
- Zivilisation - Bildung) que apontam para aspectos histórica e ideologicamente específicos da
Alemanha e para a sua identidade tradicionalmente problemática.
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Os onze capítulos seguintes (parte III e IV) exemplificam esta especificidade da cultura alemã
através de núcleos temáticos representativos desde a Aujklarung à Alemanha actual numa Europa
em plena mudança. Em face da riqueza duma possível fenomenologia cultural e social do espaço
alemão, os capítulos e exemplos apresentados são extremamente selectivos. A música e o cinema, por
exemplo, serão só tratados pontualmente e a cultura popular e quotidiana não pode ocupar o lugar que
corresponde à sua importância. Neste sentido, o Manual proporciona uma base de trabalho que permite
a familiarização com aspectos representativos da cadeira bem como o aprofundamento, com o apoio
da bibliografia geral, do estudo dum domínio que se impõe cada vez mais no perfil curricular dos
Estudos Alemães no estrangeiro.
Os capítulos sobre os núcleos temáticos representativos têm, ao nível da leitura e do estudo, uma
certa autonomia. Mas como pressupõem as perspectivas teóricas esboçadas na introdução, recomenda-se
/
a releitura do primeiro capítulo (I.1.3) de modo a aprofundar, com base nos conhecimentos adquiridos
ao longo do manual, os conceitos e pressupostos analíticos que orientam o entendimento dos aspectos
essenciais da sociedade e cultura alemãs.
As iniciais no fim da cada capítulo indicam o respectivo autor, o último capítulo (IV7) tal como
a bibliografia são da responsabilidade comum dos três autores.
A. O.
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I. AREAS CIENTIFICAS E PERSPECTIVAS TEORICAS
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1
I
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1. Sociedade e Cultura Alemãs: dimensão histórica
e epistemológica
/
Resumo
Objectivos
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Definir uma área de estudos como a de sociedade e cultura alemãs não é
fácil porque cada termo em si já se revela, historicamente e no contexto da
discussão actual, bastante problemático. O conceito de cultura conheceu,
só durante os dois últimos séculos, uma série de definições controversas, e a
própria área da cultura diferenciou-se, no século XX, num número cres-
cente de disciplinas académicas. Mesmo as tentativas mais recentes de es-
tabelecer uma base consensual para as Kulturwissenschaften (ciências cul-
turais) ainda não conseguiram ultrapassar divergências básicas no que diz
respeito ao próprio objecto de reflexão e de estudo.
Por outro lado, o termo sociedade, em aparência tão simples como corrente,
ganha também, se o examinarmos de mais perto, na sua maior ou menor
exclusividade, uma ambiguidade fundamental que se verifica já durante a
Au.fklarung nas definições restritivas da sociedade civil (cf. Cap. III.2.8).
A definição moderna do conceito, que apresenta, de acordo com a filosofia
hegeliana, a sociedade como zona intermediária entre o poder e o cidadão,
coloca problemas epistemológicos que afectam directamente as ciências
sociais e nomeadamente o desenvolvimento institucional da historiografia
na Alemanha oitocentista (cf. Cap. I.1-3).
21
A historiografia alemã do século XIX é dominada pela Ereignisgeschichte
que se debruça principalmente sobre a história política. Na tradição do
idealismo do Estado, consagrado na filosofia de Georg Wilhelm Friedrich
Hegel (1770-1831 ), os historiadores privilegiaram a dimensão política e
nacional, considerando o Estado como sujeito e centro do processo histórico.
As clivagens que se verificam, desde o fim do século XVIII, entre o Estado
e uma sociedade em plena evolução, acabaram por dissociar também o objecto
da historiografia que se dividiu em escolas e tendências divergentes. Assim,
em oposição à corrente da história política numa perspectiva nacionalista,
articularam-se, durante a segunda metade do século XIX, disciplinas como a
história social e a história cultural que privilegiam o estudo duma zona
intermediária entre o indivíduo e o estado, a sociedade civil segundo Hegel.
A partir da dupla revolução dos anos 40 (cf. Cap. IV.1), esta zona ganha,
através do conceito de «sociedade» uma autonomia social e emancipatória,
já que representa, face ao imobilismo das estruturas estatais, as forças
dinâmicas da evolução histórica.
Por outro
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lado, o contexto do recém-formado
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Reich ( 1871) e do seu conserva-
darismo favoreceu de novo os conceitos"idealistas de liberdade, Estado e per-
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sonalidade, relegando-se as tendências de reforma e de democratização para
segundo plano. Assim, as correntes reformistas, acusadas de materialismo e
comunismo, foram marginalizadas política e socialmente. Esta marginalização
afectou também a história cultural oitocentista que integrava ainda a economia
e a psicologia social na sequência da perspectiva emancipatória daAujkliirung.
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Directamente ligadas ao pretendido telas do próprio processo histórico, a
cultura e as suas manifestações nas várias épocas e sociedades revestem-se
duma função ideológica cujo impacto se revelou, no caso alemão, ao longo
dos dois últimos séculos bastante complexo e problemático. Dado que o
conceito de ideologia é actualmente um dos conceitos mais controversos nas
ciências sociais e humanas, impõe-se uma breve clarificação.
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quando os nacional-socialistas ocuparam a Áustria. A sua obra, confiscada e
destruída pela Gestapo, foi reeditada repetidas vezes depois da guerra, e a
introdução «Was ist und zu welchem Ende studiert man Kulturgeschichte?»
ilustra bem (e não só com a alusão à famosa lição inaugural de Schiller em
Jena de Maio de 1789) as aporias da história cultural tradicional de cariz
idealista.
Wir kennen die wahren Krafte nicht, die unsere Entwicklung geheimnis-
voll vorwartstreiben ; wir konnen einen tiefen Zusammenhang nur ahnen ,
niemals lückenlos beschreiben. (Friedell 1954: I, 11)
Por outro lado, Friedell afirma que cada época constrói a sua imagem espe-
cífica do passado e a história é uma permanente reinterpretação deste passado.
Assim, falar do passado é falar de nós: «Wir konnen nie von etwas anderem
reden, etwas anderes erkennen ais uns selbst» (ib.: 17).
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Empírica ou Etnologia Europeia, debruça-se sobre as culturas das várias
classes e grupos sociais. Neste sentido, ao investigar principalmente as re-
lações sociais na sua evolução histórica, cobre uma área que a antropologia
social explora para o tempo presente.
Por outro lado, a própria história foi, na segunda metade do século XX,
objecto duma importante mudança de paradigma, que levou, entre outras
coisas, a uma valorização do papel do indivíduo na construção do mundo
social e a uma maior atenção à dependência da historiografia de esquemas
narrativos e retóricos que organizam e estruturam a contingência factual.
Das posições antagónicas nesta discussão ainda vigente, que deve muito à
historiografia francesa moderna, destaca-se uma perspectiva dialéctica que
considera tanto a construção discursiva do fenómeno social como a cons-
trução social do discurso.
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como, por exemplo, a família e a educação, as condições de trabalho e os
tempos livres, as mentalidades e a mobilidade social, a emancipação das
mulheres e o turismo.
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Neste momento, a história da sociedade pode ser considerada um paradigma
particularmente funcional na medida em que permite fazer convergir a histó-
ria económica e social, por um lado, e a história política e cultural, por outro.
28
humanities nos Estados Unidos) viria, no entanto, a ganhar conotações eli-
tis-tas e até nacionalistas.Assim, alnternationale Zeitschriftfür Philosophie
der Kultur mudou em 1935 o seu nome para Zeitschrift für Deutsche
Kulturphilosophie. Os editores, entre eles Hermano Glockner, o editor da
Jubiléiumsausgabe ( 1927-1929) das obras de Hegel, salientam aquilo que o autor
chama de «geistige[n] Umbruch unsererTage» na base das eternas forças do
«Volkstum» alemão: «Echte Kultur ist immer der Ausdruck eines schõpferischen
Gemeingeistes»; e ainda: «Diese neue Haltung der Geisteswissenschaften
bestimmt die neue Richtung der Zeitschrift» (n.º 1, 1935, pp. 1-2).
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ganharam, com a globalização sócio-cultural (cf. Cap. IV.7), uma nova
actualidade.
30
que, ao transformar a publicidade e a imprensa em objectos de análise
semiótica, criou novos campos de investigação e interpretação.
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muito globalmente, da maneira seguinte. Contrariamente à hermenêutica
intuitiva tradicional, a teoria reconstrutiva distingue vários níveis :
Este rigor não nega a unidade dialéctica de prática vivencial e forma expres-
siva (protocolo), mas impede, ao definir claramente os limües da reconstrução
hermenêutica, a projecção duma compreensão intuitiva como modelo cien-
tífico. O facto de supor, por razões funcionais evidentes, comportamentos e
reacções idênticas do outro na comunicação corrente, não significa que uma
acção e a sua interpretação pelos outros sejam efectivamente idênticas.
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A hermenêutica estrutural é aplicada sobretudo na interpretação de arte- \
factos culturais e na reconstrução histórica de mundos e práticas vivenciais.
Este trabalho reconstrutivo é compatível com a reorientação e actualização
recente das ciências literárias que privilegiam a contextualização sócio-
-cultural dos fenómenos literários e a estética da recepção.
◄
33
a sua vertente formal (o modo como funciona a produção e difus;(i) dos
artefactos considerados culturais).
Um problema essencial, que a crítica cultural (cf. capítulo seguinte) não dei-
xou de recordar repetidamente, é a articulação entre a teoria cultural e a ideia
dum subconsciente individual e colectivo que revelou ser um dos elementos
mais corrosivos do projecto de uma totalidade sócio-cultural característica
da modernidade. Já Nietzsche se mostra convencido, em Morgenrothe, que
ignoramos as verdadeiras razões das nossas acções: «Noch immer lebt der
uralte Wahn, dass man wisse, ganz genau wisse, wie das menschliche Handeln
zu Stande komme, in jedem Palie» ( 1980: III, 108). Para o filósofo alemão as
aparências nunca correspondem às motivações profundas desconhecidas;
saber e agir não têm uma relação causal inteligível. O cepticismo de Nietzsche
é uma reacção à instrumentalização do conceito de «segunda natureza» que,
a partir da época entre a Aujkléirung e o Romantismo, promete um homem
novo e um paraíso terrestre e que, com a realidade histórica do século XIX,
se mostra cada vez mais longe de poder cumprir as suas promessas .
A antinomia da primeira natureza e da segunda (cultural) domina, no
entanto, a teoria cultural de Nietzsche a Freud e a sua escola, até hoje.
34
sões; Freud fala até do efeito das obras de arte como duma anestesia suave.
O prazer pleno e mais intenso só vem da satisfação das pulsões selvagens,
\
não controladas. Esta natureza instintiva primária apresenta-se para Freud
sob dois aspectos: a líbido erótica e o desejo de agredir, destruir, matar e
morrer. A cultura não passa dum mecanismo para controlar e dominar estes
instintos; o preço da segurança que proporciona é uma perda de prazer e
felicidade. Neste sentido, toda a cultura está baseada na renuncia às pulsões
(Triebverzicht), e por isso, Freud pode falar do «fatídico processo cultural»
cuja problemática seria inerente e sem solução possível.
35
- .
tico duma harmonia utópica (aquém da reflexão crítica e dissociativa),
e sobretudo as suas actualiz,ções ideológicas nas várias formas de evasão
que a cultura oitocentista proporcionou, perdem definitivamente a sua
credibilidade.
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Recentemente, a investigação na área da etnopsicanálise (Mario Erdheim
1994) e dos estudos culturais (Peter Gay 1996) tem-se debruçado sobre a
questão de saber se os efeitos negativos da cultura (glorificação e mitifica-
•
ção da guerra, da destruição, da violência e da exploração) podem ser atri-
buídos a uma natureza (reprimida) ou se devem ser considerados como efeitos
da própria cultura. O anti-semitismo, por exemplo, é um fenómeno essencial-
mente cultural, que não pode ser explicado por uma necessidade «natural»
de defender um território ou uma espécie, e a história conhece ainda muitos
conflitos sangrentos em nome duma cultura que se considera superior. São
estas as perguntas principais com as quais se confronta uma teoria cultural
moderna aquém das esperanças utópicas do início dos tempos modernos .
A crítica cultural, tal como se estabelece na época das Luzes, enquanto crítica
de representações colectivas e práticas sociais redutoras, pode recorrer a
uma tradição filosófica antiga. Desde os filósofos cínicos da antiguidade
clássica a Thomas Hobbes e Samuel Swift na Inglaterra e Rousseau e Voltaire
em França, destaca-se uma corrente corrosiva que põe em dúvida o próprio
processo cultural e os seus valores normativos. O optimismo do progresso
tecnológico e científico consegue, durante o século XIX, silenciar esta crítica,
até Nietzsche propor uma revalorização radical de todos os valores tradicionais
em face de uma história cada vez mais decadente:
Unsere ganze europaische Cultur bewegt sich seit langem schon mit einer
Tortur der Spannung, die von Jahrzehnt zu Jahrzehnt wachst, wie auf eine
Katastrophe los: unruhig, gewaltsam, überstürzt: wie ein Strom, der ans
Ende will, der sich nicht mehr besinnt, der Furcht davor hat, sich zu
besinnen. (Nietzsche 1980: XIII, 189)
- ,
O escritor e jornalista Theodor Lessing ( 1812-1933) que desenvolve , em
Die ve,fluchte Kultur de 1921, a antinomia entre vida e espírito, define a
cultura como uma máquina cruel e implacável , e o espírito e a razão como a
verdadeira fera e a potência destrutiva por excelência. Ao caracterizar a
pólvora e a tipografia como «invenções satânicas do espírito alemão», Lessing
transforma a história numa sequência de equívocos permanentes entre o
espírito e a vida. A ideia do progresso, representada por Hegel, Darwin e
Marx, é submetida a uma crítica radical que vê no conhecimento uma mera
atribuição retrospectiva de sentido. De facto, a cultura transforma a vida real
num inferno, um renascimento só poderá vir do Oriente. O panfleto de
Lessing, que insiste particularmente nos aspectos ecológicos da destruição
cultural, é o último sonho de uma nova inocência, duma natureza harmoniosa
e duma vida originária e feliz à beira da catástrofe universal: «Die Sintflut
wachst. Europa stirbt an Worten , Werken, Werten» (1921: 34 ).
Nos finais do século XX, este pessimismo cultural é actualizado pelo poli-
tólogo americano Samuel P. Huntington, cujo controverso artigo «The Clash
of Civilizations» de 1993 (transformado em livro e publicado em 1996), que
põe mais uma vez em dúvida o universalismo europeu, foi largamente
discutido naAlemanha. Distinguindo sete grandes culturas (chinesa,japonesa,
hindu, islâmica, latino-americana, africana e ocidental), Huntington prevê
importantes conflitos interculturais nos quais a cultura ocidental corre o risco
de perder a sua identidade e a sua importância tradicionais. Apresentando
uma extensa documentação, Huntington tenta provar que o mundo não-
-ocidental consegue modernizar-se e adaptar tecnologias actuais sem, por
isso, adaptar os valores e instituições da tradição ocidental. Trata-se de uma
teoria pouca precisa, mas muito eficaz ao nível da discussão pública, com
uma certa nostalgia da antiga importância do Ocidente, que reflecte o vazio
do pós-imperialismo e a dissociação progressiva da identidade ocidental em
face de evoluções que ultrapassam e negam os esquemas tradicionais.
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os seus valores positivos (os direitos humanos, o estado de direito, etc.) e as
suas práticas imperialistas.
A definição de cultura que Klaus P. Hansen defende nas suas recentes publi-
cações sobre a Kulturwissenschaft ( 1993, 1995), insiste, na sequência de E. B.
Tylor (1871), na aquisição social de saberes e comportamentos. O autor
recorre igualmente a Max Weber que estabeleceu a sociologia como ciência cul-
tural ao insistir no carácter cultural de todas as manifestações da vida humana
desde que se reportem a ideias de valor (Wertideen). Considerando, no sentido
etimológico da palavra, a cultura como transformação da natureza exterior e inte-
rior pelo trabalho segundo as normas da tradição, Hansen opõe a natureza bio-
lógica à cultura do contexto de socialização. Assim, apenas fenómenos que
não servem fins materiais fazem parte da cultura: «Nur das Geburtstagfeiern,
aber nicht das Ziihneputzen; nur das Frühstücken, aber nicht die bei ihm
statthabende Erniihrung im biologischen Sinne» (Hansen 1995: 119).
39
por exemplo, os estudos de Norbert Elias sobre as maneiras e costumes sociais
e a história da paisagem e dos espaços naturais (cf. Cap. III.4 ).
Kultur ist das Geflecht von Bedeutungen, in denen Menschen ihre Er-
fahrung interpretieren und nach denen sie ihr Handeln ausrichten . Die
soziale Struktur ist die Form, in der sich das Handeln manifestiert, das
tatsachlich existierende Netz der sozialen Beziehungen. (Geertz 1987: 99)
O próprio Hansen sublinha que o ser humano produz significados. Por isso,
a história deve incidir não sobre os objectos, mas sim sobre a mudança dos
seus significados. Esta história dos significados, fortemente influenciada pela
histoire des mentalités desenvolvida na França desde os anos 30, permite
definir a cultura como um sistema de estandardizações que abrangem as
interacções sociais e a comunicação, mas também os pensamentos e
sentimentos individuais. A cultura produz e determina ideias, sensações e
afectos, criando, assim, uma realidade específica. Na socialização do indiví-
duo (família, escola, meio ambiente) intemalizam-se as normas que orientam
o nosso agir, pensar e sentir, sendo a comunicação e a imitação os principais
veículos desta aprendizagem. Este carácter colectivo dos fenómenos culturais
é ainda entendido por Hansen na senda de Tylor. Convém, no entanto, adoptar
uma perspectiva mais dialéctica, já que mesmo as manifestações e variantes
possíveis da individualidade fazem parte dum repertório colectivo que, por
seu lado, se modifica também através de inovações individuais.
40
e as mentalidades. O autor destaca historicamente três conceitos principais
de cultura que se prendem com uma maior ou menor insistência na função
ou na substância da cultura:
41
os quais a cultura consiste em modelos implícitos e explícitos de
comportamentos e para comportamentos, adquiridos e transmitidos através
de símbolos e na sua materialização em artefactos. Os sistemas culturais
são, assim, resultado de acções e condicionam, ao mesmo tempo, futuras
acções; a interacção entre indivíduo e grupo social é reactiva e criativa. Ao
longo da história, os esquemas culturais são adquiridos, modificados e
substituídos por outros. Os autores distinguem vários níveis de culture
patteming: os modelos básicos e sistémicos que prevalecem durante milhares
de anos, os modelos secundários mais instáveis que incluem organizações
formais e sistemas de pensamento, e, acima de tudo, os modelos universais
que fornecem o quadro geral para as diferentes culturas e a sua respectiva
produção de valores e símbolos. No interior de cada cultura, podem-se
destacar ainda os modelos genéricos que caracterizam a simbolização, os
patterns of patterns.
Kultur ist kein notwendig normativer Sinngehalt, wohl aber eine Sinnfest-
legung (Reduktion), die es ermõglicht, in themenbezogener Kommunika-
tion passende und nichtpassende Beitrage oder auch korrekten bzw. in-
korrekten Themengebrauch zu unterscheiden. (Luhmann 1985: 224-225)
42
podem, na mesma época, aparecer em contextos muito divergentes e
vestir assim significados variáveis. Esta variabilidade problematiza,
como é óbvio, qualquer «dicionário» de símbolos como também a
semântica histórica tradicional que tenta «fixar» significados fora do
seu contexto concreto.
Bibliografia aconselhada
Actividades propostas
\ • Resumir os principais aspectos da definição seguinte de cultura
(Vierhaus/Chartier 1995: 16-17):
43
Handelnden und durch Überlieferung interpretiert sind. Also nicht
allein mit sozialen Zustanden und Prozessen, sondem auch deren raum-
und zeitbedingten Deutungen. /
• Comentar a antinomia cultura - natureza na definição seguinte de
Sigmund Freud (1994: 116-117):
Unsere Kultur ist ganz allgemein auf der Unterdrückung von Trieben
aufgebaut. Jeder einzelne hat ein Stück seines Besitzes, seiner
Machtvollkommenheit, der aggressiven und vindikativen Neigungen
seiner Persõnlichkeit abgetreten; aus diesen Beitragen ist der
gemeinsame Kulturbesitz an materiellen und ideellen Gütern
entstanden. AuBer der Lebensnot sind es wohl die aus der Erotik
abgeleiteten Familiengefühle, welche die einzelnen Individuen zu
diesem Verzicht bewogen haben. Der Verzicht ist ein im Laufe der
Kulturentwicklung progressiver gewesen; die einzelnen Fortschritte
desselben wurden von der Religion sanktioniert; das Stück Trieb-
befriedigung, auf das man verzichtet hatte, wurde der Gottheit zum
Opfer gebracht; das so erworbene Gemeingut für «heilig» erklart. Wer
kraft seiner unbeugsamen Konstitution diese Triebunterdrückung nicht
mitmachen kann, steht der Gesellschaft ais «Verbrecher», ais «outlaw»
gegenüber, insofem nicht seine soziale Position und seine hervor-
ragenden Fahigkeiten ihm gestatten, sich in ihr als groBer Mann, ais
«Held» durchzusetzen.
A. O.
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1. Kultur e Zivilisation
1
Resumo
Objectivos
49
1.1 Cultura
É também um pouco neste sentido que se fala de uma camada culta, de uma
«pessoa culta»: são, no primeiro caso, por exemplo ou sobretudo, os inte-
lectuais, a quem nos estamos habitualmente a referir, enquanto que, no
segundo, o sentido é mais amplo e difuso. Uma «pessoa culta» tanto pode
ser um especialista, como um auto-didacta, embora possa haver especialistas
que não são «cultos». Esta concepção de cultura remete fundamentalmente
para uma cultura de elite a que se opõe implicitamente a cultura popular
e a cultura de massas.
51
civilisation allemande ou German civilization. Contudo, tais designações e
associações não só surgem extremamente vagas, como, por si só, pouco
indicam acerca do real conteúdo que as disciplinas oferecem: analisar-se-á,
no âmbito das mesmas, temas relacionados predominantemente com as
realizações artísticas e intelectuais ou tomar-se-á em consideração outros
elementos como factores de ordem política, histórica, social e económica?
Qual o papel ocupado pela cultura popular e de massas nessas disciplinas?
Mas existe ainda uma outra questão central, a saber, qual o tipo de associa-
ção a estabelecer entre uma «nação» e a sua cultura. Se a estabilidade geo-
gráfica parece oferecer algumas garantias quanto à cultura «portuguesa», tal
sucede, apenas, à primeira vista. Será que a cultura portuguesa, antes do
século XVI, deverá ser integrada numa cultura ibérica mais ampla? E o que
sucede com a cultura lusófona das antigas colónias? Como classificar a cultura
produzida por portugueses no Brasil antes da independência?
52
Assim desaparece a distinção entre a cultura de elite (dita superior) e a
cultura popular e a de massas (dita inferior) , deixando simultaneamente
de fazer sentido a associação entre uma determinada nação e uma cultura.
Por outro lado, a etimologia remete ainda para a palavra cultus, associando-
-se a manifestações de carácter predominantemente simbólico.
53
sociedade de outras, baseando-se sobretudo num conjunto de ideias onde se
reflecte a excelência de um povo, a superioridade da sua camada intelectual.
Este conceito ainda actualmente em uso tenderá a exprimir a crescente cisão
entre uma chamada cultura superior ou de elite e uma inferior ou popular
(Arnold 1993).
Contudo, o interesse por esta última também se virá a fazer sentir no século
XIX, assistindo-se ao emergir dos primeiros estudos etnográficos: seguindo
uma tradição iniciada fundamentalmente por Johann Gottfried Herder
(1744-1803), os românticos alemães, nomeadamente os Irmãos Grimm
(Ludwig Karl Grimm, 1785-1863, e Wilhelm Karl Grimm, 1786-1859) e
Clemens Brentano ( 1778-1842), lançam, no século XIX, as bases da futura
Volkskunde, claramente separada da Kulturgeschichte. Tal divisão entre uma
cultura predominantemente intelectual e o domínio dos artefactos quotidianos
e de utilidade material, reproduz e consagra a divisão do trabalho (intelectual
e manual) que a Revolução Industrial viera a acentuar de forma renovada.
É também a industrialização a responsável pelo interesse crescente por formas
de cultura popular, cujo desaparecimento se receia e que postula a existência
de culturas «puras» ou «originais» cujo legado deverá ser preservado.
Será também por influência alemã que o termo cultura recuperará uma carga
semântica mais ampla, incluindo de novo aspectos materiais e políticos, como
é o caso do historiador G. F. Klemm. Este, mantendo a acepção vulgarizada
ao longo do século XVIII, descreverá na sua Allgemeine Kulturgeschichte
der Menschheit (1843-1845) a evolução da humanidade desde um estádio
«selvagem» até à liberdade, mediante um processo de domesticação, com
54
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Mas será em Herder que Franz Boas (1858-1942) se inspirará ao propor 1 Evolucionismo - corrente
mais uma vez o plural da palavra, bem como ao defender contra o evolu- predominante na antropologia
e no pensamento do século
cionismo1, a possibilidade de cada cultura ser capaz de invenções indepen- XIX em geral, segundo a qual
dentes, reagindo a diferentes estímulos e combinando-os de maneira dife- a humanidade se encontraria
toda ela submetida a idêntico
renciada. Boas inaugurará, assim, a corrente difusionista 2, menos hierar- processo de evolução, porque
quizante do que a versão proposta pelos evolucionistas, a que Edward Tylor participando de uma única
espécie , pelo que todo o
ainda se encontra intimamente ligado, contribuindo assim para a diluição da processo de desenvolvimento
oposição entre os termos cultura e civilização (Stocking 1982: 195-233) e cultural se faria a partir da
influência e transmissão de
para a aceitação da ideia do relativismo cultural nos estudos antropológicos. um modelo , que explicaria
afinidades e paralelismos nos
mitos e costumes. O facto de
Embora não seja a conotação que a palavra possui na linguagem quotidiana, a «civilização europeia» e de
a palavra cultura adquiriu assim um significado universal, na medida em a «raça» caucasiana terem
sido aquelas que suposta-
que apenas o Homem, enquanto ser dotado da capacidade da linguagem e mente teriam alcançado mais
assim de produzir símbolos, é capaz de criar cultura. feitos e influência, colocava-
as no topo de uma hierarquia
civilizacional de que Tylor
Tal entendimento de cultura passou a permitir uma abordagem em termos de ainda é adepto.
igualdade de todas as manifestações culturais, desde a cultura ocidental, 2 Difusionismo - corrente
à da Melanésia, dos ameríndios ou dos aborígenes da Austrália, recusando antropológica que defende
exactamente o oposto: a saber,
simultaneamente qualquer relação de causalidade entre determinadas
todas as culturas são dotadas
características físicas (as «raças») e uma hierarquia correspondente de cul- da capacidade de invenção,
turas. Assim, surgiria gradualmente reforçada a noção do valor idêntico de pelo que as afinidades entre
culturas tanto poderão ser
todas as manifestações culturais, produto de uma constante interacção e herdadas como resultado de
miscigenação, de que a noção de evolução ou de progresso está ausente. contactos e de migrações. Tal
posição surge esboçada por
Boas , na sua defesa das
A consagração desta noção de cultura viria a reforçar-se com a era pós- culturas, assim contribuindo
para a abolição do mito de
-colonial, permitindo um olhar renovado sobre a riqueza de manifestações uma suposta superioridade
culturais de sociedades anteriormente tidas por «primitivas». «rác ica».
55
Se é problemática a associação irreflectida entre uma cultura e uma
nação, o mesmo sucede no que respeita às etnias: a cultura não tem de
ser vista como um corpo ou organismo vivo que organiza esse mesmo
grupo e que tende a desaparecer, quando se dá uma situação de ruptura. Ela
é antes o resultado de inúmeros estímulos e de respostas aos mesmos, sendo
assim impossível falar de culturas «puras» ou «originais» (Clifford 1988:
234-235).
1.2 Civilização
Todas as sociedades poderão possuir a sua cultura, mas nem todas consti-
tuem uma civilização, isto é, não são portadoras de valores universalmente
transmissíveis. Assim, a cultura aborígene poderá ter as suas manifestações
de interesse meramente etnológico, mas não pode aspirar a fazer parte das
manifestações culturais de sociedades que merecem o epíteto de civiliza-
ções, como será o caso da suméria, egípcia, helénica, romana, renascentista,
europeia, ocidental, chinesa ou árabe.
Tanto num caso como no outro, a palavra civilização possui uma compo-
nente claramente normativa: quando se fala do homem «civilizado» encon-
56
,:-·
57
mulher ver-se-ão reduzidos ao mero estatuto de reprodutores, inca-
pazes de operar a associação criadora e criativa entre o domínio da pala-
vra e da racionalidade ou da política - e do mundo material ou da
economia.
58
1.2.3 Civilização, cultura e identidade nacional
Norbert Elias (1976) teve ocasião de chamar a atenção para o modo como,
ainda nos anos trinta do nosso século, esse entendimento das palavras possuía
a faculdade de reflectir aquilo que o sociólogo designa de auto-consciência
de um povo.
( ...) wenn man prüft, welches eigentlich die allgemeine Funktion des Be-
griffs «Zivilisation» ist, und um welcher Gemeinsamkeit willen man alle
diese verschiedenen menschlichen Haltungen und Leistungen gerade als
«zivilisiert» bezeichnet, findet man zunachst etwas sehr Einfaches: dieser
Begriffbringt das SelbstbewuBtsein desAbendlandes zumAusdruck. Man
konnte auch sagen: das NationalbewuBtsein. Es faBt alles zusammen, was
die abendlandische Gesellschaft der letzten zwei oder drei Jahrhunderte
vor früheren oder vor «primitiveren» zeitgenossischen Gesellschaften voraus
zu haben glaubt. Durch ihn sucht die abendlandische Gesellschaft zu
charakterisieren, was ihre Eigenart ausmacht, und worauf sie stolz ist: den
Stand ihrer Technik, die Art ihrer Manieren, die Entwicklung ihrer
wissenschaftlichen Erkenntnis oder ihrer Weltanschauung und vieles andere
,.,. mehr. (Elias 1976: I, 1-2)
1
Se para um Francês ou um Inglês seria mais evidente falar da sua civiliza-
ção, o Alemão orgulhar-se-ia da sua cultura. Nesta forma de falar encon-
trar-se-ia cristalizada toda a experiência recente desses espaços: a civiliza-
ção francesa ou britânica não se esgotaria na sua arte, pensamento e filo-
sofia, mas incluiria aspectos chamados materiais como a política, a organi-
zação económica, costumes e usos. O Inglês orgulha-se tanto de Shakespeare
como das suas instituições políticas, ou da sua marinha; o Francês preza
tanto o seu Voltaire ou Proust como a sua culinária, a sua alta costura; o
Alemão pode amar secretamente os seus costumes, mas define-os por
comparação, por exemplo, ou com o parlamentarismo britânico ou com o
requinte francês. Há contudo um domínio, em que sente que a sua supe-
rioridade poderá ser incontestada: o das suas grandes realizações no domí-
nio da literatura, da filosofia, da música. Se se pode discutir quais os hábitos
59
- '
culinários mais requintados, sabe-se ou receia-se que a França encontre maior
eco em observador mais distante; se se remeter para o mérito da experiência
política, a admiração será relativa. Mas Goethe, Kant ou Beethoven poderão
sempre rivalizar com o que de melhor a Europa produziu.
Admitir ou pressupor que existe uma via política, uma regra de convívio ou
normas de comportamento em sociedade, costumes que são mais facilmente
universalizáveis não tem que ser associado com a sua superioridade efectiva,
mas antes com relações específicas de poder.
60
<
Die Worte Aufklarung, Kultur, Bildung sind in unserer Sprache noch neue
Ankê:immlinge. Sie gehê:iren vor der Hand bloB zur Büchersprache. Der
gemeine Haufe vestehet sie kaum. Sollte dieses ein Beweis sein, daB auch
die Sache bei uns noch neu sei? Ich glaube nicht. Man sagt von einem
gewissen Volke, daB es kein bestimmtes Wort für Tugend, keines für
Aberglauben habe; ob man ihm gleich ein nicht geringes MaB von beiden
mit Recht zuschreiben darf.
61
Indessen hat der Sprachgebrauch, der zwischen diesen gleichbedeutenden
Wortern einen Unterschied angeben zu wollen scheint, noch nicht
Zeit gehabt, die Grenzen derselben festzusetzen. Bildung, Kultur und
Aufklarung sind Modifikationen des geselligen Lebens; Wirkungen des
FleiBes und der Bemühungen der Menschen ihren geselligen Zustand zu
verbessem.
J e mehr der gesellige Zustand eines Volks durch Kunst und FleiB mit der
Bestimmung des Menschen in Harmonie gebracht worden; desto mehr
Bildung hat dieses Volk.
Bildung zerfallt in Kultur und Aufklarung. Jene scheint mehr auf das
Praktische zu gehen: auf Güte, Feinheit und Schõnheit in Handwerken,
Künsten und Geselligkeitssitten (objektive); auf Fertigkeit, FleiB und
Geschicklichkeit in jenen Neigungen, Triebe und Gewohnheiten in diesen
(subjektive). ( ... ) Aufkldrung hingegen scheinet sich mehr auf das Theo-
retische zu beziehen. Auf vemünftige Erkenntnis (obj.) und Fertigkeit (subj .)
zum vernünftigen Nachdenken, über Dinge des menschlichen Lebens, nach
MaBgebung ihrer Wichtigkeit und ihres Einflusses in die Bestimmung des
Menschen.
Ich setze allezeit die Bestimmung des Menschen ais MaB und Ziel aller
unserer Bestrebungen und Bemühungen, ais einen Punkt, worauf wir
unsere Augen richten müssen, wenn wir uns nicht verlieren wollen.
Eine Sprache erlanget Aufklarung durch die Wissenschaften und erlanget
Kultur durch gesellschaftlichen Umgang, Poesie und Beredsamkeit. Durch
jene wird sie geschickter zu theoretischem, durch diese zu praktischem
Gebrauche. Beides zusammen gibt einer Sprache die Bildung.
Kultur im AuBerlichen heiBt Politur. Hei] der Nation, deren Politur
Wirkung der Kultur und Aufklarung ist; deren auBerliche Glanz und
Geschliffenheit innerliche, gediegene Echtheit zum Grunde hat. (Mendelssohn
1986: 3-4)
Assinale-se mais uma vez que a palavra Kultur ainda se identifica com aquilo
que, mais tarde, será designado de civilização.
62
( ... ) Rousseau hatte so Unrecht nicht, wenn er den Zustand der Wilden
vorzog, so bald man namlich diese letzte Stufe, die unsere Gattung noch
zu ersteigen hat, weglaBt. Wir sind im hohen Grade durch Kunst und
Wissenschaftkultiviert. Wir sindzivilisiert, bis zum Überlastigen, zu allerlei
gesellschaftlicher Artigkeit und Anstandigkeit. Aber, uns schon für
moralisiert zu halten, daran fehlt noch sehr viel. Denn die Idee der Morali-
tat gehõrt noch zur Kultur; der Gebrauch dieser Idee aber, welcher nur auf
das Sittenahnliche in der Ehrliebe und der auBeren Anstandigkeit hin-
auslauft, macht bloB die Zivilisierung aus. So lange aber Staaten alle ihre
Krafte auf ihre eiteln und gewaltsamen Erweiterungsabsichten verwenden,
und so die langsame Bemühung der inneren Bildung der Denkungsart ihrer
Bürger unaufhõrlich hemmen, ihnen selbst auch alle Unterstützung in dieser
Absicht entziehen, ist nichts von dieser Art zu erwarten; weil dazu eine
lange innere Bearbeitungjedes gemeinen Wesens zur Bildung seiner Bürger
erfordert wird. Alles Gute aber, das nicht auf moralisch-gute Gesinnung
gepfropft ist, ist nichts als lauter Schein und schimrnemdes Elend. ln diesem
Zustande wird wohl das menschliche Geschlecht verbleiben, bis es sich,
auf die Art wie ich gesagt habe, aus dem chaotischen Zustande seiner
Staatsverhaltnisse herausgearbeitet haben wird. (Kant 1991: 44-45)
Mas sublinhe-se que esta hierarquia não exclui nenhum desses momentos.
São três planos distintos, é certo, contribuindo todos eles para esse pro-
gresso que a filosofia da história pode interpretar.
Herder, por sua vez, irá chamar a atenção para as culturas específicas e para
a necessidade de às mesmas se conferir voz adequada, também por oposição
à civilização superficial e destruidora, designadamente ao modo como todas
elas dependem de uma totalidade que é a essência da humanidade. Mas note-se
também que, mais uma vez, a palavra Kultur é associada a domínios políticos,
,,íl materiais.
Mit Wissenschaften und Künsten ziehet sich also eine neue Tradition durchs
Menschengeschlecht, an deren Kette nur wenigen Glücklichen etwas Neues
anzureihen vergõnnt war; die andem hangen an ihr wie treufleiBige Sklaven
und ziehen mechanisch die Kette weiter. Wie dieser Zucker und Mohren-
trank durch manche bearbeitende Hand ging, eh er zu mir gelangte und ich
kein andres Verdienst habe, als ihn zu trinken: so ist unsre Vemunft und
Lebensweise, unsre Gelehrsamkeit und Kunsterziehung, unsre Kriegs- und
Staatsweisheit ein ZusammenfluB fremder Erfindungen und Gedanken,
die ohn' unser Verdienst aus aller Welt zu uns kamen und in denen wir uns
von Jugend auf baden oder ersaufen.
Eitel ist also der Ruhm so manches Europaischen Põbels, wenn er in dem,
was Aufklarung, Kunst und Wissenschaft heiBt, sich über alie drei Welt-
teile setzt, und wie jener Wahnsinnige die Schiffe im Hafen, alie Erfin-
dungen Europa's aus keiner Ursache für die Seinen halt, als weil er im
ZusammenfluB dieser Erfindungen und Traditionen geboren worden .Arm-
63
seliger, erfandest du etwas von diesen Künsten? Denkst du etwa bei allen
deinen eingesognen Traditionen? DaB du jene brauchen gelernt hast, ist
die Arbeit einer Maschine: daB du den Saft der Wissenschaft in dich zie-
hest, ist das Verdienst des Schwammes, der nun eben auf dieser feuchten
Stelle gewachsen ist. Wenn du dem Otahiten ein Kriegsschiff zulenkst
und auf den Hebriden eine Kanone donnerst, so bist du wahrlich weder
klüger noch geschickter, als der Hebride und der Otahite, der sein Boot
künstlich lenkt und sich dasselbe mit eigner Hand erbaute. Eben dies wars,
was alle Wilden dunkel empfanden, sobald sie die Europaer naher kennen
lernten. ln der Rüstung ihrer Werkzeuge dünkten sie ihnen unbekannte,
hõhere Wesen, vor denen sie sich beugten, die sie mit Ehrfurcht griiBten;
sobald sie sie verwundbar, sterblich, krankhaft und in sinnlichen Übungen
schwacher als sich selbst sahen, fürchteten sie die Kunst und erwürgten
den Mann, der nichts weniger als mit seiner Kunst Eins war. Auf alle Kultur
Europa's ist dies anwendbar. Darum, weil die Sprache eines Volks, zumal
in Büchern, gescheut und fein ist: darum ist nicht jeder fein und gescheut,
der diese Bücher leset und diese Sprache redet. Wie er sie lieset? wie er sie
redet? das ware die Frage; und auch dann dachte und sprache er immer
doch nur nach: er folgt den Gedanken und der Bezeichnungskraft eines
andem. Der Wilde der in seinem engern Kreise eigentümlich denkt
und sich in ihm wahrer, bestimmter und nachdriicklicher ausdriickt, Er,
der in der Sphare seines wirklichen Lebens Sinne und Glieder, seinen
praktischen Verstand und seine wenigen Werkzeuge mit Kunst und
Gegenwart des Geistes zu gebrauchen weiB ; offenbar ist er, Mensch gegen
Mensch gerechnet, gebildeter als jene politische oder gelehrte Maschine,
die wie ein Kind auf einem sehr hohen Geriist steht, das aber leider fremde
Hande, ja das oft die ganze Mühe der Vorwelt erbaute. (Herder 1989:
358-359)
Aqui ecoa o grito de revolta de um espaço de língua alemã até certo ponto
colonizado, economicamente pela Grã-Bretanha, política, literária e artisti-
camente pela França. O direito à diferença implícito na definição de Herder
dá conta do posicionamento do território alemão em meados do século XVIII.
64
A identificação entre ambos os termos persistirá ao longo do século XIX.
Os dicionários contemporâneos são prova disso: embora o GrojJes
Konversationslexikon diferencie as palavras, à Kultur ainda é associado o
domínio da indústria, da arte e do saber. O Brockhaus fala de Kultur no
mesmo sentido que de Zivilisation, associando aos dois termos um processo
de aperfeiçoamento a nível tecnológico, teórico, político, moral. Aquilo que
se pode verificar é, com efeito, não predomina ainda um conceito de Kultur
adverso à realidade política, social e económica (Breuer 1995: 188).
Segundo Breuer (1995), a oposição surge apenas nos anos 70, em figuras
marginais ao mundo oficial da cultura: Friedrich Nietzsche ( 1844-1900) e
Paul de Lagarde (pseudónimo deAnton Bõtticher 1827-1891) começam por
denunciar a Zivilisation, manifesta na falsa Bildung que as instituições
universitárias alemãs começam a oferecer, para reaparecer em Richard Wagner
( 1813-1883) como o mundo da guerra e do materialismo. É também Nietzsche
que, em Zur Genealogie der Moral, falará da artificialidade da Zivilisation,
patente nas estruturas políticas, no conforto, na técnica, no Estado seus
contemporâneos, ao que oporá a vitalidade e naturalidade da Kultur.
Mas esta oposição não transforma a Kultur num equivalente de uma essência
especificamente alemã, como virá a suceder mais tarde nos círculos em torno
de Stefan George (1868-1933), em Ludwig Klages (1872-1956) ou em Hugo
von Hofmannsthal (1874-1929). A mudança coincide, grosso modo, com a
primeira guerra mundial. É nessa altura que esses mesmos círculos associarão,
de um modo mais ou menos veemente, a Zivilisation ou à superficialidade
65
francesa, ou à anglo-saxónica, sobretudo à norte-americana, correspondendo
a barbárie incapaz de qualquer progresso à Europa Oriental, nomeadamente,
à Rússia. Ao mesmo tempo identificam a Kultur, ou com a herança helénica
de que só os alemães serão os verdadeiros herdeiros, ou com uma barbárie
criadora, contra o espírito da modernidade dominado pelo capitalismo, pelo
protestantismo e pelo racionalismo (Breuer 1995: 201 e segs.).
Será nesta linha que Oswald Spengler em Der Untergang des Abendlandes
(1918-1922) verá naZivilisation o estádio esclerosado de umaKultur entrada
em decadência, assim apontando implicitamente para as ressonâncias
ideológicas que a oposição continha.
66
a desconfiança perante a modernidade, os perigos da moderna racionalidade,
embora agora contrabalaçados pela herança marxista e freudiana.
67
da palavra cultura, que na senda da antropologia cultural, tende a tratar as
diferentes manifestações culturais em termos de igualdade.
Que leitura extrair desta evolução? Olhada com a devida atenção, a mesma
dá conta de complexos processos, fundamentais para a compreensão da
história da sociedade alemã e para o modo como a identidade cultural alemã
se foi definindo ao longo desse espaço de tempo.
68
político da corte onde prestava serviço - a distanciar-se do domínio predo-
minantemente material para fixar a carga semântica de Kultur no campo
intelectual como o domínio privilegiado onde podia utilizar a sua influência
e possível contrapoder.
69
J
Se tal solução levará à aliança da burguesia com a nobreza, face ao receio
gerado pelas reivindicações crescentes da classe operária emergente,
também é verdade que as raízes desse nacionalismo virado para a diferença,
esquecendo a mensagem cosmopolita e universalista do nacionalismo
francês e da sua definição de cidadania, remontam ao período da ocupação
napoleónica.
Será a Prússia, mais racionalizada e com maior poder militar, que extrairá a
lição mais adequada da derrota. Reformando a sua economia, democrati-
zando o serviço militar e o ensino, conseguirá em breve recuperar o poder
perdido, sem pôr em causa o poder da classe nobre dominante. Misto de
restauração e reforma, será o Estado alemão mais apto a catalisar e a chamar
a si o descontentamento real que as populações sentem sob a ocupação.
O nacionalismo alemão nasce contra o inimigo comum, a França e o herdeiro
das Luzes e da Revolução, Napoleão. Fichte oporá à hegemonia francesa um
conceito de nacionalismo fundado no local, nas raízes, naquilo que distingue
os alemães, a língua, a etnia, a história comuns. Toda a miscigenação de
culturas é entendida como traição a um princípio mítico de uma unidade
originária que os alemães partilharão por excelência. É aqui que radica, mais
uma vez, a associação entre Kultur, a vida, o originário, por oposição à
Zivilisation cosmopolita, artificial e derivada, tal como a língua francesa o é.
70
emancipatório e humanista do século XVIII, para, interiorizando os valores
militaristas e belicistas da grande nobreza prussiana, erigir a sua herança de
Kultur num instrumento de nacionalismo xenófobo. Alguns filósofos man-
tinham-se à margem, mas a maior parte da burguesia académica fazia frente
comum com o regime instituído. A aliança entre o poder e o ensino já era
clássica, mas depois de 1871 e com a crescente industrialização, o poder do
capital industrial passou a associar-se com o da investigação de ponta, sendo
esta aliança entre o poder e o saber levada até às últimas consequências no
III Reich (cf. Caps. IV.3 e IV.5).
Mas que essa tradição não pode ser lida unilateralmente provam-no a apro-
priação crítica dessa mesma tradição no pós-guerra: o certo é que mais do que
nunca a sociedade alemã ficou, a partir de então, sujeita à influência ocidental,
tendo sido esse o modelo que vingou depois da unificação em 1990.
Contudo, seria exactamente esse mesmo modelo que iria assistir a uma
revisão crítica, mesmo pelos países que até então se haviam auto-proclamado
os defensores dos ideais da civilização ocidental.
71
nicarem entre si. Tal entendimento da palavra cultura ignora um estatuto de
superioridade entre as diferentes realidades culturais, ciente da importância
que todo o fenómeno de transmissão de cultura tem para a realidade social
e histórica dos seus diferentes representantes. A importância dada às
particularidades étnicas decorre, de resto, de uma evolução, que, nos anos
60, colocaria a tónica na diferença, em prol dos direitos de maiorias ou
minorias durante muito tempo silenciadas (caso das mulheres, dos não-
-europeus, autóctones) . A ideologia do melting pot passou a ser contestada:
o modelo assimilacionista passou a ser visto não como um modo de se
assegurar a igualdade, mas antes como a perversão do mesmo.
72
XIX, apontar para um nacionalismo cada vez mais étnico e fechado, decorre
de uma evolução histórica particularmente acidentada. Mais do que nunca
esse nacionalismo foi uma construção, tanto mais necessária, quanto a
identidade alemã estava longe de se encontrar consolidada.
73
I .4.4 Cultura essência e reinvenção
Bibliografia aconselhada
Actividades propostas
Der Unterschied von Geist und Politik enthalt den von Kultur und
Zivilisation, von Seele und Gesellschaft, von Freiheit und Stimmrecht,
von Kunst und Literatur; und Deutschtum, das ist Kultur, Seele,
Freiheit, Kunst und nicht Zivilisation, Gesellschaft, Stimmrecht,
Literatur. Der Unterschied von Geist und Politik ist, zum weiteren
Beispiel, der von kosmopolitisch und international. Jener Begriff
entstammt der kulturellen Sphare der Zivilisation und Demokratie
und ist etwas ganz anderes. International ist der demokratische
Bourgeois, moge er überall auch noch so national sich drapieren; der
Bürger ( ... ) ist kosmopolitisch, denn er ist deutsch, deutscher ais
74
·,. Fürsten und «Volk»: dieser Mensch der geographischen, sozialen und
seelischen «Mitte» war immer und bleibtTrager deutscher Geistigkeit,
Menschlichkeit undAnti-Politik. (Thomas Mann, Betrachtungen eines
Unpolitischen, « Vorrede»)
M.R.S.
,,
75
2. Bildung e Erfahrung: pedagogia, cosmopolitismo,
interculturalidade
Resumo
.j.
Objectivos
79
.• 2.1 A noção de Bildung
I
2.1.1 Dificuldades na definição de Bildung
O termo alemão Bildung remete pois para uma noção que é específica da
língua e cultura alemãs.
81
da vida familiar, do que propriamente para o sentido de «classe social»
que entretanto o termo adquiriu (cf. igualmente Beutin 1992: 136).
Em termos muito gerais, dir-se-ia pois que a noção de Bildung aponta para
um núcleo semântico que se adivinha complexo e que tem no seu centro a
educação: Bildung remete tanto para o processo de educação e formação (o
caso de Bildungsroman), como para o resultado desse processo (o caso de
Bildungsbürgertum ).
Sublinhe-se ainda que a palavra pode ser utilizada nestes dois sentidos
- enquanto processo e enquanto resultado - e aplicada, quer ao indivíduo,
quer à comunidade ou à colectividade dos indivíduos. Bildung implica pois
uma forma interior (de formação individual, psicológica, de desenvol vi-
mento pessoal) e uma forma exterior (de educação colectiva, social).
Muito embora seja durante o século XVIII que o conceito deBildung adquire
o seu significado actual e corrente, a verdade é que este termo surge bastante
mais cedo na língua alemã, num contexto bem determinado.
Und Gott spr:ich: Lasset uns den Menschen machen nach unserm Bild und
Gleichnis ( ... ). Und Gott schuf den Menschen zu seinem Bild; zum Bilde
Gottes schuf er ihn, als Mann und Weib schuf er sie.
Nun aber spiegelt sich in uns allen des Herm Herrlichkeit mit aufgedecktem
Angesicht, und wir werden verwandeltin dasselbige Bild, von einer Klarheit
zur andem, ais vom Geist des Herrn .
Não se trata já aqui de o homem ter sido criado por Deus à sua imagem e
semelhança, não se trata já aqui de o homem ser uma mera e passiva imita-
ção de Deus; trata-se, sim, de o homem (cópia) se poder activamente
82
aproximar de Deus (original) através de um longo caminho de desenvolvi-
mento e aperfeiçoamento interiores. Isto é, se cada indivíduo foi criado à
imagem de Deus, então, um adequado e correcto aproveitamento das
potencialidades individuais tornará possível, através de um processo demeta-
mo,fose e transformação (verwandeln) interiores, a aproximação a Deus.
É evidente que todo o homem nasce apto para adquirir conhecimento das
coisas: primeiro, porque é imagem de Deus. Com efeito, a imagem, se é
perfeita, apresenta necessariamente os traços do seu arquétipo, ou então
não será uma imagem.( ... )
Não é necessário, portanto, introduzir nada no homem a partir do exterior,
mas apenas fazer germinar e desenvolver as coisas das quais ele contém o
gérmen em si mesmo e fazer-lhe ver qual a sua natureza.
Embora a obra acima referida de Coménio seja a vários títulos precursora' 1 Veja-se por exemplo o elogio
83
que foi publicada em Magdeburg e Leipzig em 1738. Ao longo de toda a
tradução os termos to form,formation e inward f orm são sempre traduzidos
por bilden, Bildung e innere Bildung. Contudo, os termos já não se referem
aqui à esfera do religioso, mas sim à esfera do moral, do estético e do peda-
gógico. Assiste-se portanto a um crescimento, a um transbordar do conceito,
como Bollenbeck refere com razão ao mesmo tempo que salienta a
importância e influência de Shaftesbury em todo este processo (Bollenbeck
1994: 116):
Der Begriff der Bildung ( ... ) war wohl der groBte Gedanke des 18. Jahr-
hunderts, und eben dieser Begriff bezeichnet das Element, in dem die
Geisteswissenschaften des 19. Jahrhundert leben ( ... ).
2 Sobre a distinção entre Haverá porém que acrescentar que «secularização» não é sinónimo de
Kulm r, Bildung e Aufkldrung imediata «vulgarização» ou «divulgação» do conceito aqui em causa.
vejam-se também os capítulos
11.1 («Kultur e Zivilisation»)
e 111.2 ( «A ufkldrung e moder-
Na verdade, tal como Moses Mendelssohn nota logo no início do seu artigo
nidade ») deste Manual. Na intitulado «Über die Frage: was heiBt aufklaren?», publicado no número de
perspectiva de Mendelssohn
estas três noções estão intima-
Setembro de 1784 da revista Berlinische Monatsschrift (Mendelssohn 1986: 3),
mente ligadas, sendo contudo
Bildung o conceito central a Die Worte Aujkldrung, Kultur, Bildung sind in unsrer Sprache noch neue
partir do qual os outros dois Ankommlinge. Sie gehoren vor der Hand blo/3 zur Büchersprache. Der
derivam (Mendelssohn 1986:
4, sublinhados no original): gemeine Haufe versteht sie kaum. 2
«Je mehr der gesellige
Zustand eines Volks durch O que a frase de Mendelssohn deixa claramente transparecer é que aqueles
Kunst und FleiB mit der Be-
stimmung des Menschen in termos são apenas usados e entendidos no seu novo sentido específico por
Harmonie gebracht worden, uns quantos letrados, especialmente por aqueles que têm contacto com obras
desto mehr Bildung hat dieses
Volk. Bildung zerfallt in provenientes do estrangeiro. E estrangeiro significa, para a Alemanha da
Kultur und Aufkldrung». época, Inglaterra e França.
84
Ora são precisamente estes dois países que mais contribuirão (e que
maior influência virão a ter) na fixação do conceito de Bildung. Essa fixa-
ção ocorre fundamentalmente na esfera das novas preocupações peda-
gógicas que começam a surgir em Inglaterra (com nomes como Bacon,
Locke e Shaftesbury) e posteriormente na França (com autores como
Rousseau) .
Dans les premieres opérations de l'esprit, que les sens soient toujours ses
guides [d'Émile]: point d' autre livre que lemonde, point d' autre instruction
que les faits.
85
A recepção alemã destas três noções-chave de Rousseau - «p~rfectibili-
dade», «dicotomia natureza/cultura» e «experiência» - revelar-se,-á extra-
ordinariamente produtiva.
Por outro lado, uma vez que se trata de um processo patente em cada um dos
indivíduos da espécie humana (e que faz por conseguinte parte da natureza
de cada um deles), trata-se sem dúvida também de uma capacidade uni-
versal, naturalmente característica de toda a espécie humana, pelo que não
faz qualquer sentido falar de uma dicotomia natureza/cultura. Ao contrá-
rio, considera-se que a perfectibilidade não é a característica que distingue
4 Vejam-se também as passa-
(e por conseguinte separa) o homem «natural» do «civil», mas sim, precisa-
gens de Herder e BIumenbach
citadas por Voss kamp 1993: mente, a característica que, no homem, une natureza e cultura, e que se
197 ; Blumenbach refere- se constitui assim como a força centrípeta que proporciona unidade e uni-
mesmo a um Bildungstrieb
(Nisus formativus) inato e de versalidade a toda a espécie humana. Dito de outro modo: a capacidade
carácter universal. de aperfeiçoamento é uma das características específicas da natureza
5 Veja-se a de finição de humana e a cultura é tida justamente como o resultado ou produto dessa
Aufkliirung que abre o seu capacidade4 •
célebre ensaio «Beantwortung
de r Frage: Was ist Auf-
klarung ?» publicado no Ultrapassada esta cisão «natureza/cultura», tal como ela era entendida e
núm e ro de Dezembro de
defendida por Rousseau, também as dicotomias valorativas que lhe eram
1784 da revista Berlinische
Monatsschrift, a que já acima subsequentes (do tipo homem «natural», «bom» e «livre» versus homem
aludimos (Kant 1986: 9). O
«social», «mau» e «escravo» das regras sociais) deixam de fazer qualquer
facto de nos referirmos aqui a
uma definição de Aujkldrung sentido. O caminho fica assim aberto para Kant poder proclamar a autonomia
(e não de Bildung) não causa
de cada um dos indivíduos que constituem a espécie humana, e portanto
problemas de maior, sobre-
tudo face à complemen- também, a fundamental liberdade da espécie humana no que diz respeito à
taridade e contiguidade dos
auto-determinação do seu próprio destino 5•
conceitos já atrás mencio-
nada. No que diz respeito à
liberdade e autonomia que o Como se depreende, o conceito de Bildung assim reformulado é cada vez
homem tem para determinar o
seu próprio destino, deve no
mais entendido como processo e menos como resultado: trata-se de um
entanto sublinhar-se que essa processo, simultaneamente individual e universal, que se baseia nos
liberdade é, na perspectiva de
Kant, condicionada pelo uso
princípios da autonomia, da liberdade e da auto-determinação do sujeito,
regulador da Razão. e que tem por objectivo o desenvolvimento (leia-se aperfeiçoamento) da
86
humanidade, já não para e em direcção a Deus, mas sim para e em direcção
à própria humanidade, em que as preocupações iniciais de ordem religiosa
são substituídas por outras de ordem, ética, estética e pedagógica.
Para o caso alemão, os dois nomes que se revelam sem dúvida importantes
na fixação do sentido actual da palavra são Johann Gottfried Herder e Wilhelm
von Humboldt.
Não deixa de ser interessante notar que tanto Herder como Humboldt pla-
neiam, cada um, uma obra que se lhes afigura simultaneamente grandiosa e
necessária - uma história universal da formação da humanidade.
Welch ein Werk über das Menschliche Geschlecht! den Menschlichen Geist!
die Cultur der Erde! aller Raume! Zeiten ! Volker! (... ) Universalgeschichte
der Bildung der Welt!
Es ware ein grosses und trefliches Werk zu liefem, wenn jemand die eigen-
thümlichen Fahigkeiten zu schildern untemahme, welche die verschiedenen
Facher der menschlichen Erkenntniss zu ihrer glücklichen Erweiterung
voraussetzen; den achten Geist, in dem sie einzeln bearbeitet, und die
Verbindung, in die sie alle mit einander gesetzt werden müssen, um die
Ausbildung der Menschheit, ais ein Ganzes, zu vollenden.
87
Wesen Werth und Dauer verschaffen will. Da jedoch die blosse Kraft einen
Gegenstand braucht ( ... ), und die blosse Form, der reine Gedanke, einen
Stoff, in dem sie, sich darin auspragend, fortdauem kõnne, so bedarf der
Mensch einer Welt ausser sich.
Em suma, o que fica da noção de Bildung, tal como ainda hoje é entendida
no espaço de língua alemã, são quatro núcleos de significado que se afigu-
ram fundamentais, na medida em que se constituem como os elementos
estáveis de um conceito que apresenta inúmeras variações ao longo dos tempos
(cf. Vosskamp 1993: 190 e Pleines 1989: 7 e segs.):
88
, conseguinte também a liberdade e a autonomia) para se desenvolver
em função da sua própria individualidade, isto é, em função das
capacidades que lhe são específicas; esta será porventura a componen-
te mais intraduzível do conceito (cf. Bollenbeck 1994: 112).
89
Muito embora não se pretenda fazer aqui uma história da educação, a ver-
dade é que se afigura necessário recordar alguns traços característicos e
princípios (muito gerais) da educação dos clássicos - gregos e romanos
- , uma vez que são os próprios autores alemães que para eles directamente
remetem. Aliás, ao longo da reflexão e discussão em torno do conceito de
Bildung muitas vezes se recorre à noção grega de «paideia» (educação,
formação, cultura), justamente para iluminar (e diferenciar) o conceito alemão
a que temos vindo a aludir.
90
-
t
( ... ) griff auf die Werte der Antike (Kunst, Literatur, Philosophie, Lebens-
gefühl) ( ... ) zurück. Dadurch wurde überall in Europa das Bedürfnis nach
einer nicht mehr theologisch überformten, sondem rein weltlichen Bildung
gefõrdert.
Ficava assim aberto o caminho para uma futura secularização da área edu-
cacional, secularização essa que só viria efectivamente a concretizar-se nas
últimas décadas do século XVIII.
91
2.2.2 O (Re)Nascimento da pedagogia
92
Deste subtítulo convirá reter três aspectos que se revelarão os verdadeiros
alicerces da futura Pedagogia:
93
On ne connait point l'enfance ( ... ). Les plus sages s'attachent à ce qu'il
importe aux hommes de savoir, sans considérer ce que les enfants sont en
état d' apprendre. Ils cherchent toujours l'homme dans l'enfant, sans penser
à ce qu'il est avant que d'être homme.
94
Esta última sugestão foi levada à letra por inúmeros autores de diversos
países, nomeadamente por Joachim Heinrich Campe ( 1746-1818), preceptor
dos irmãos Humboldt (Alexander e Wilhelm) e autor de inúmeras obras
destinadas à infância, de entre as quais se destaca justamente um Robinson
Crusoe adaptado para crianças (Robinson der lüngere, Hamburg 1779) que
conheceu um êxito editorial assinalável , tendo sido sucessivamente reeditado
até finais do século XIX (cf. Beutin 1992: 152).
95
Embora sejam muitos, na época, os autores a reflectir sobre a educação,
diversas as suas perspectivas e igualmente variadas as suas propostas e
programas - como Bollenbeck afirma, «das Bildungsideal laBt sich ( .. .)
nicht auf einen Nenner bringen» (Bollenbeck 1994: 166) - , a verdade é
que, no que diz respeito a esta reforma do sistema educativo da Prússia, faz
todo o sentido voltar a referir o nome de Humboldt.
Der wahre Zwek des Menschen ist die hõchste und proportionirlichste
Bildung seiner Krafte zu einem Ganzen. Zu dieser Bildung ist Freiheit die
erste, und unerlassliche Bedingung. Allein ausser der Freiheit erfordert
die Entwikkelung der menschlichen Krafte noch etwas andres, obgleich
mit der Freiheit eng verbundenes, Mannigfaltigkeit der Situationen.
der Staat enthalte sich aller Sorgfalt für den positiven Wohlstand der Bürger,
und gehe keinen Schritt weiter, ais zu ihrer Sicherstellung gegen sich selbst,
und gegen auswartige Feinde nothwendig ist; zu keinem andren Endzwekke
beschranke er ihre Freiheit.
96
Governo tenha de ser limitada, para proporcionar ao indivíduo um correcto
e produtivo desenvolvimento das suas faculdades.
. 97
literário - a literatura infantil e juvenil - e o surgimento de um sistema
público de educação são duas dessas consequências a que aqui foi dado o
devido destaque (muitas outras haveria ainda que referir).
11 Vejam-se as «Notas à Tra- Esse distanciamento é desde logo notório no título da obra de Herder 11 , que
dução » que acompanham a
edi ção portugu es a da obra,
remete para um ensaio de Voltaire publicado em 1765, sob o pseudónimo de
pp. 128-130. Abade Bazin, intitulado Philosophie de l'Histoire. E há ainda diversas
passagens em que essa atitude de distanciamento crítico transparece com
grande clareza. Um exemplo: «Die sogennante Aujklarung und Bildung der
Welt hat nur einen schmalen Streif des Erdballs berührt und gehalten» (Herder
1990: 89).
Es gab ein Zeitalter, wo die Kunst der Gesetzgebung für das einzige Mittel
galt, Nationen zu bilden, und dies Mittel auf die sonderbarste Art
angegriffen, nur meist eine allgemeine Philosophie der Menschheit, ein
Kodex der Vernunft, der Humanitat - was weiB ich mehr? werden
sollte (...)
Es war eine Zeit, da die Errichtung von Akademien, Bibliotheken, Kunst-
salen, Bildung derWelt hieB-vortrefflich! dieseAkademie ist der Name
des Hofes, das würdige Prytaneum verdienter Manner, eine Unterstützung
kostbarer Wissenschaften, ein vortrefflicher Saal am Geburtsfeste der
98
Monarchen. - Aber was die nun zur Bildung des Landes, der Leute, der
Untertanen tue? ( ... )
Es war eine Zeit, da alies auf Erziehung stürmte - und die Erziehung
wurde gesetzt in schone Realkenntnisse, Unterweisung, Aufklarung,
Erleichterung ad capturo und ja in frühe Verfeinerung zu artigen Sitten.
Ora o que de todas estas tentativas resultou não foi um progresso efectivo,
um desenvolvimento prático, enfim, um avanço do mundo e da humanidade,
mas sim«( ... ) ein Lehrbuch der Erziehung, wie wir tausend haben! ein Kodex
guter Regeln, wie wir noch Millionen haben werden, und die Welt wird
bleiben, wie sie ist» (Herder 1990: 68).
Wenn meine Stimme (... ) Macht und Raum hatte, wie würde ich allen, die
an der Bildung der Menschheit würken, zurufen: nicht Allgemeinorter von
Verbesserung! Papierkultur! womoglich Anstalten - tun! LaBt die reden
und ins Blaue des Himmels hineinbilden, die das Unglück haben, nichts
anders zu konnen.
Refira-se, em primeiro lugar, a crítica que tem a ver com o carácter limitado,
limitativo e limitador da Aufklarung tal como havia sido entendida e
praticada até aí: tanto a educação como as Luzes atingiram apenas uma
pequena faixa do globo terrestre, não tendo por isso a característica
universalidade que tanto apregoam; assim, tanto a noção de Bildung como a
deAufkliirung, não passam de boas intenções, cujos resultados práticos ficam
muito aquém das promessas feitas e das expectativas geradas (a crítica é
aqui especialmente dirigida à historiografia de cariz euro e etnocêntrico
proposta por Voltaire).
99
2.3 .2 A viagem como corolário da educação
100
No culminar do percurso educacional clássico surge então, agora, a viagem
por países estranhos e estrangeiros como a forma privilegiada de consolidar
e adquirir conhecimentos e Welterfahrung . Na Inglaterra o Grand Tour
transforma-se numa verdadeira instituição (cf. Bausinger 1991 e Hibbert
1974): a viagem a Itália e a França (e muito mais raramente a Espanha),
outrora obrigatória para os jovens oriundos das classes aristocráticas, vulga-
riza-se, a partir da segunda metade do século XVIII, entre a nascente classe
média burguesa.
A verdade, porém, é que nem «tudo isto são ingleses». Na realidade, grande
parte dos viajantes são também alemães, franceses ou italianos. A viagem
tinha-se vulgarizado entre a Europa culta e esclarecida. E desse movimento
de vulgarização e de valorização dos benefícios (culturais e educacionais)
da viagem haveria de resultar o turismo dos nossos dias.
101
----- 2.3.3 A descoberta da Europa
Em relação aos séculos anteriores, como observa Paul Hazard (1983: 401),
nomeadamente em relação ao século XVII, «a viagem [tinha, no entanto,
mudado] de carácter; não era já o capricho de um original demasiado curioso,
mas uma aprendizagem, um trabalho, o complemento de uma educação( ... )».
Toutes les capitales se ressemblent, tous les peuples s'y mêlent, toutes les
moeurs s'y confondent; ce n'est pas là qu'il faut aller étudier les nations .
Paris et Londres ne sont à mes yeux que la même ville. ( ... ) C' est dans les
provinces reculées, ou il y a moins de mouvement, de commerce, ou les
étrangers voyagent moins ( ... ), qu' il faut aller étudier le génie et les moeurs
d' une nation.
102
Do que se tratava agora, como daqui se depreende, era de descobrir a
diversidade nacional e regional dentro da crescente uniformização que a
Europa (cada vez mais cosmopolita) começava a conhecer. A hierarquia de
nações, culturas e valores que daí resulta é, no entanto , uma hierarquia
profundamente eurocêntrica e, por conseguinte, limitada.
É neste sentido que se devem entender uma série de fenómenos que, a partir
da segunda metade do século XVIII, parecem alastrar e generalizar-se por
toda a Europa:
103
Bibliografia aconselhada
Para uma panorâmica generalista, mas nem por isso menos aprofundada, do
conceito Bildung vejam-se Vosskamp 1993, Bollenbeck 1994 e Pleines 1989;
os textos de Herder 1990 e Humboldt 1980a constituem, por seu turno, fontes
primárias extraordinariamente importantes relativamente a esta temática. No
que diz respeito à pedagogia e à educação consultem-se Blankertz 1982,
Coménio 1996 e Humboldt 1980b (especialmente o capítulo «Über õffent-
liche Staatserziehung» ). Finalmente, sobre o cosmopolitismo do século XVIII
e as suas diversas manifestações, vejam-se Hazard 1983, Chaunu 1982 e
Bausinger 1991.
Actividades propostas
FC.
104
III. ESPAÇOS
l. «So weit die Deutsche Zunge klingt»: nação, língua
e território
Resumo
Objectivos
109
1.1 Da nação ao nacionalismo
111
torna os termos falhas de sentido, ambíguos e, por isso, muitas vezes
inadequados do ponto de vista da economia da língua.
Por razões que têm naturalmente mais a ver com os motivos históricos acima
apontados, a tendência, hoje, é para falar de «países». No entanto, quando os
termos não estão especificamente conotados com um projecto político-
-ideológico, ou quando a ambiguidade que lhes é inerente se dissolve em
face dos destinatários e do carácter claramente local (e para uso interno) da
informação veiculada, os termos continuam a ser usados. Exemplo disso
mesmo são expressões correntes como «selecção nacional» («National-
mannschaft») ou «feriado nacional» ( «Nationalfeiertag » ).
O conceito de «nação», tal como hoje o entendemos, tem a sua origem nos
finais do século XVIII. A Revolução Francesa teve uma importância e uma
influência decisivas, tanto na fixação como na consolidação, em termos
modernos, do conceito em causa.
O que daqui interessa reter é que em meados do século XVIII o termo «nação»
é utilizado em dois sentidos diferentes que não se encontram directamente
relacionados entre si: «nação» tanto remete para as origens comuns de um
grupo de indivíduos, como para a função social e política de representação.
112
Claramente adaptada à realidade política alemã da época, a definição que
Adelung dá do conceito, no seu Deutsches Worterbuch de 1776, é ainda
paradigmática no que diz respeito à inexistência de uma relação entre a
«nação» e o «Estado» ou o poder político:
113
Convirá começar por sublinhar que, relativamente à questão da língua, não
se trata exactamente de um argumento novo. De facto, a primeira onda de
nacionalismos europeus - que ocorre no final da Idade Média e em que se
assiste ao nascimento de Estados-Nações como a França, Inglaterra, Portugal,
Espanha e Suécia (cf. Alter 1985: 27) - apoia-se com frequência no
argumento de que a uma língua deve «naturalmente» corresponder uma
1 O termo «nacionalismo» só unidade nacional e política fundamental 1.
pode ser usado em relação a
esta época com algumas
cautelas. De facto não se trata
Neste sentido, não será descabido afirmar que o Estado nasce ao mesmo
exactamente de «naciona- tempo que a Nação. O caso espanhol- com a língua castelhana a servir de
lismo» no sentido actual e
moderno do termo, na medida
traço e argumento da unidade nacional - e o caso português são, a este
em que lhe falta, pelo menos , título, exemplares.
uma componente essencial: a
consciência e o sentimento de
perten ça a uma nação por
Quando em 1492 Antonio de Nebrija (1441-1522) escreve a primeira Gra-
parte dos indi víduo s que a mática da Língua Castelhana (que lhe havia sido significativamente enco-
formam (c f. Sc hulze 1985:
109 -111 e 16 9, nom eada-
mendada pela Rainha Isabel, a Católica), dá conta, no prólogo, daquela que
mente quando cita a célebre foi a sua preocupação em fixar e normalizar o castelhano como língua franca
conferência de Ernest Renan
intitulada «Qu'est-ce qu ' une
(e factor de unidade) da «grande nação espanhola» (repare-se como se está
Nation~ » e proferida na perante uma situação em que a língua determina a nação ao mesmo tempo
Universidade de Paris em
1882).
que a nação- ou seja, o seu mais alto representante: a Rainha-determina
a língua- leia-se: encomenda a gramática). Mas Nebrija faz mais: ao afirmar
que «siempre la lengua fue compafiera del imperio» está a enveredar por um
tipo de raciocínio argumentativo que apresenta a língua não apenas como
factor determinante da unidade nacional, mas também como traço de união,
progresso e desenvolvimento da Nação, do Estado e do Império.
114
Sublinhe-se, no entanto, que se trata de uma lógica argumentativa de índole
profundamente renascentista que se vai consolidando ao longo do tempo e
simultaneamente transformando o mapa político da Europa. Em 1601, por
exemplo, quando Henrique IV de França se vê obrigado a explicar aos
habitantes da cidade de Buguey a sua integração na coroa francesa, é deste
modo que defende o seu ponto de vista (o episódio é relatado por Coulmas
1985: 48 e Ortega y Gasset 1985: 85):
Die Sprache ist das auBere, sichtbare Zeichen all jener Merkmale, die eine
Nation von der anderen unterscheiden. Sie ist der wichtigste Prüfstein, der
das Vorhandensein einer Nation beweist und das Anrecht auf den eigenen
Staat begründet.
115
Esta reconstrução do passado histórico com o objectivo de glorificar a nação
e legitimar o presente é particularmente evidente na mitificação dos ditos
«heróis fundadores» das nações europeias, na sua maioria chefes tribais que
resistiram ao poderio de Roma, como é o caso de Hermano ou Armínio (o
príncipe dos Queruscos) para a Alemanha, Vercingetorix (o chefe gaulês)
para a França, ou Viriato para os países ibéricos (cf. Schulze 1995: 108 e
segs.).
116
1.1.3 Um conceito europeu
Em todo o caso, o que interessa aqui sublinhar é que, qualquer que seja
o entendimento do que é uma nação, quer dizer, acentue-se a unidade nacio-
nal a partir de argumentos religiosos, étnicos, linguísticos ou históricos, o
conceito de nação é um conceito essencialmente europeu.
117
1.2 As nações alemãs
Deutschland 1763
Reichsgrenze
Kgl.preuJlische Lãnder
Habsburgiscbe Lãnder
118
Trata-se de um espaço territorial atomizado, medievalmente dividido em
Estados de dimensão muito desigual (muitas vezes são apenas pequenos
Estados-Cidade), de entre os quais se destaca uma Prússia que não esconde
o seu desejo de hegemonia. São mais de 360 os Estados autónomos que se
encontram, na época, formalmente agregados em torno do Sacro Império
Romano-Germânico (cf. Scheidl 1993: 7).
( ...) Wir sind schon durch ein Dutzend Fürstenthümer, durch ein halbes
Dutzend GroBherzogthümer und durch ein paar Kõnigreiche gelaufen und
das in der grõBten Uebereilung in einem halben Tag ( ...).
Por muito grotesco que este estado de atomização política possa parecer, a
verdade é que se trata de uma situação que perdurou até à ocupação napo-
leónica e que, por conseguinte, haveria de marcar profundamente a ideia de
«nação alemã», acentuando a vertente regionalista da mesma. Aliás, importa
referir que só depois de 1500 - e na sequência da descoberta em 1455 do
texto de Tácito sobre a Alemanha (Germania), que naturalmente constitui
um elemento decisivo para a legitimação histórica da fundamental unidade
alemã- é que, em vez de «deutschen Landen» («países alemães»), se passa
a designar o espaço alemão por «Deutschland» (cf. Schulze 1995: 142).
119
Finalmente, resta sublinhar, como o faz Madame de Stael (Anne-Louise-
-Germaine Necker de Stael, 1766-1817) numa obra publicada em 181 O e
que se haveria de revelar importante na discussão pública da identidade alemã
e extraordinariamente influente na projecção europeia da Alemanha - De
l 'Allemagne - , que «L' Allemagne, par sa situation géographique, peut être
considérée comme le coeur d'Europe» (Stael 1968: I, 41).
Na verdade, e a julgar pelo que acima fica dito, dir-se-ia que a Alemanha
não existia nem nunca existiu (cf. Barrento 1989: I, 27 e segs. ). No entanto,
os passos acima citados de Wieland, Goethe e Schiller deverão ser objecto
de uma reflexão mais atenta.
120
como à primeira vista se poderia supor, quer dizer, não se refere ao conceito
de «nacionalismo» em abstracto, mas sim à aplicabilidade e à utilidade do
conceito de «nação» no caso específico da Alemanha. De facto, o termo
«nacionalismo» tem, no contexto alemão da época, um sentido frequen-
temente pejorativo, semelhante ao que hoje tem a palavra «chauvinismo»
(cf. Dann 1991 : 57), por oposição a «patriotismo» ou «amor pela pátria».
Estes últimos sentimentos e valores, de pendor claramente positivo e morali-
zante, eram aqueles que o burguês nutria pela região de onde era oriundo,
pelo seu Estado e pelo seu soberano. Para a Alemanha da época a pátria
(Vaterland) era portanto bem diferente da nação (Nation):
Mit « Vaterland» war dabei zunachst noch nicht die Summe der einzelnen
deutschen Territorien, sondem haufig nur einer der jeweiligen Kleinstaaten
gemeint. (Giesen/Junge 1991: 273)
De um ponto de vista cultural não deixa de ser interessante notar que, tendo
tido a Alemanha a importância que teve na Reforma através da figura de
Lutero4, acabou por inesperadamente adiar o seu «despertar cultural» 4 O caso de Lutero é, neste
contexto, especialmente inte-
precisamente até ao século XVIII. ressante uma vez que acaba
por se tornar paradigmático
Ora uma burguesia activa, erudita e culturalmente empenhada como era a da complexa e contraditória
identidad e nacional alemã.
alemã, não poderia deixar de ver este atraso como consequência directa e É que Lutero, com a sua tra-
exemplarmente negativa da atomizada e feudal estrutura política do território. dução da Bíblia, é simultanea-
mente responsável pela fixa-
Na realidade, e tal como Madame de Stael escreve na obra a que já acima se ção e uniformi zação da língua
fez referência (Stael 1968: I, 55): alemã e pela introdu ção de
novas fissuras confessionais
que resultam, em termos polí-
L' Allemagne était une fédération aristocratique: cet empire n' avait point tico s, numa maior e mai s
un centre commun de lumieres et d'esprit public ; il ne formait pas une acentuada di visão dos terri-
nation compacte, et le lien manquait un faisceau . tórios alemães.
121
duzia e consumia nas diversas «sociedades de leitura» (Lesegesellschaften),
que se multiplicam a uma velocidade vertiginosa durante o século XVIII
(cf. Dülmen 1986: 82 e segs.; 150 e segs.), facto, aliás, que ilustra bem o
vigor e o poder de uma classe que, do ponto de vista sociológico, apresenta
um grau de coesão assinalável e se vai progressivamente impondo na
sociedade em virtude da sua formação universitária especializada (cf. Schulze
1995: 145 e segs.).
As pátrias alemãs dão assim lugar à nação alemã. Não se trata porém, ainda,
de uma «nação alemã» unida em torno de um mesmo Estado, mas sim de
uma «nação alemã» reunida em torno de uma mesma língua e cultura
(Kulturnation ).
Convirá no entanto sublinhar que, tal como sucedera na primeira fase dos
nacionalismos europeus, os argumentos da partilha de uma mesma língua e
de um mesmo percurso histórico só com muita dificuldade se aplicam ao
caso alemão.
122
cariz sócio-linguístico (as classes mais altas usam entre si o francês como
língua franca e de cultura). A atestar - de uma forma evidentemente cari-
catural - este plurilinguismo da nobreza alemã está a conhecida anedota
sobre Frederico II da Prússia ( 1712-1786), de quem se dizia que falava
espanhol com Deus, francês em sociedade, italiano na intimidade e alemão
com cavalos e soldados.
123
que a investigação sobre a diversidade das línguas e a origem da linguagem,
estes sim, os verdadeiros centros das atenções setecentistas.
A frase que abre o Ensaio de Herder constitui sem dúvida uma resposta revo-
lucionária e, de algum modo também, provocatória às questões colocadas,
ao mesmo tempo que assinala um ponto importante de viragem no que diz
respeito à reflexão sobre a linguagem que se vinha fazendo na época: « Schon
als Tier hat der Mensch Sprache» (Herder 1966: 5). Se a linguagem era, na
perspectiva de Herder, uma faculdade humana, uma capacidade anterior e,
124
fundamentalmente, interior à própria espécie humana, então (e ao contrário
do que sucedia por exemplo com Rousseau), a diversidade das línguas não
poderia ser explicada por factores externos, climatéricos ou outros, mas sim
apenas por factores internos (Herder 1966: 108-109, sublinhados no original):
125
A comunidade não se funda portanto com base num «contrato negociado»
(como Rousseau sustentava no seu Contrato Social), tem a sua origem, isso
sim, numa vontade, num desejo natural expresso por uma comunidade de
indivíduos, talvez melhor, por cada um deles, que partilham historicamente
uma mesma língua e cultura.
(... ) das Gefühl, dass Deutschland ein Ganzes ausmacht, [lasst sich] aus
keiner deutschen Brust vertilgen, und es beruht nicht bloss auf Gemein-
samkeit der Sitten, Sprache und Literatur (.. .), sondem auf der Erinnerung 1
an gemeinsam genossene Rechte und Freiheiten, gemeinsam erkampften
Ruhm und bestandene Gefahren, auf dem Andenken einer engeren Ver- )
bindung, welche die Vater verknüpfte, und die nur noch in der Sehnsucht
der Enkel lebt. (... ) Die Frage kann also nur die sein: wie soll man wieder
aus Deutschland ein Ganzes machen?
126
... Face à sua constante preocupação com a questão dos direitos e das liber-
dades individuais, à ideia de que o futuro deve ser a sequência lógica de um
presente reformador mas não necessariamente revolucionário em relação ao
passado histórico e a partir da constatação dos erros e virtudes dos vários
regimes e sistemas políticos entretanto experimentados (nomeadamente o
francês, o italiano e o norte-americano), Humboldt acaba por concluir na
mesma carta: «Die Richtung Deutschlands ist ein Staatenverein zu sein ( ...)»
(Humboldt 1982: 308).
Estes discursos têm lugar porventura num dos piores momentos da história
alemã: com a Prússia aniquilada militarmente desde a Paz de Tilsit (Julho de
1807) e Berlim ocupada pelas tropas francesas, dir-se-ia que a Alemanha
tinha deixado de existir. É neste contexto que, falando exclusivamente de
alemães e a alemães (Fichte 1978: 13), Fichte se propõe, em primeiro lugar,
indagar da possibilidade de uma nova época (leia-se de um futuro que traga
à Alemanha a autonomia e a independência perdidas) e, em segundo lugar,
admitindo e desejando essa possibilidade, indicar os melhores caminhos que
levem à construção desse futuro autónomo.
- e quais os objectivos gerais das conferências: «Wir wollen durch die neue
Erziehung die Deutschen zu einer Gesamtheit bilden» (Fichte 1978: 23).
127
Ao longo dos catorze discursos é pois à construção de uma identidade nacio-
nal alemã que se assiste, neles se sublinham caricaturalmente as semelhan-
ças internas e as diferenças externas em relação a outros povos e nações, redi-
mensiona-se e, em alguns passos, profetiza-se umaAlemanha unida do futuro.
128
Herder, nomeadamente no que diz respeito à fraca influência de factores
externos na formação e transformação da mesma. Mas estes pontos de
contacto rapidamente se dissipam já que, em primeiro lugar, Fichte fala
exclusivamente da língua alemã e, em segundo lugar, entende que essa mesma
língua não é arbitrária nem convencional. É, isso sim, a única língua natu-
ral que ainda sobrevive. E embora mais uma vez se esteja assim a sublinhar
que o que a comunidade partilha tem pouco ou nada a ver com convenções
ou «contratos negociados », o que está igualmente aqui a ser dito é que a
língua alemã é a língua original, a única língua europeia que mantém uma
relação directa com o Real.
É claro - e este é um aspecto que não deve deixar de ser sublinhado - que
os Discursos à Nação Alemã são discursos contra o invasor francês que
ocupa o território alemão, sendo nesse sentido discursos tipicamente nacio-
nalistas, de incitamento à revolta e apologéticos do direito à diferença,
independência e auto-determinação do povo alemão. Contudo, por muito
que se considerem estas atenuantes contextuais ou por muito que se consi-
dere que este nacionalismo de Fichte não é incompatível com o seu cosmo-
politismo (cf. Meinecke 1969: 88), a verdade é que a radicalidade nacionalista
deste filósofo alemão tem já todos os ingredientes que mais tarde viriam a
ser perversamente postos em prática na construção do Estado nacional-
-socialista alemão e na política usurpadora de agressão e conquista de
territórios levada a cabo pelo mesmo Estado em meados deste século
(cf. adiante o Cap. IV.5).
Concluindo, convirá reter que entre Rousseau e Fichte ficam de algum modo
traçadas as filiações dos dois tipos de nacionalismos que depois do século
XVIII haveriam de dar forma ao mundo político actual: é, por um lado, o
129
Por outro lado, se é certo que todo o nacionalismo é o resultado de uma
construção ideológica, não é menos verdade que o carácter artificial dessa
construção se torna particularmente evidente no caso da Alemanha, que teve de
reinventar a sua nação e a sua identidade nacional ao longo dos séculos XIX
e XX. Como certeiramente observa Seeba a este respeito ( 1986: 154-155),
Por seu turno, o carácter mítico e irrealista de uma Alemanha outrora har-
moniosamente unida e em paz fica bem patente num epigrama de Johann
Vogel (1589-1663) publicado em 1649, do qual se depreende que é mais
fácil ver passar um camelo por uma agulha do que assistir ao nascimento de
uma «paz alemã» (apudWagenknecht 1976: 171):
130
designação de Heiliges Romisches Reich Deutscher Nation. Mas é igual-
mente um epigrama premonitório: não apenas em relação à história futura
da Alemanha, mas sim, também, em relação a todo o espaço europeu.
Bibliografia aconselhada
Actividades propostas
--
l
131
2. Aufklarung e modernidade
Resumo
Objectivos
135
2.1 Conceito de Aujkléirung
Por outro lado, a associação entre Luzes e modernidade deve grande parte
dos seus pressupostos ao conceito de racionalidade tal como definido por
Max Weber. Segundo o sociólogo alemão, a racionalidade seria uma
característica do Ocidente, que o autor define como uma vertente que, em
137
termos sociais, económicos e políticos, se caracterizaria, sobretudo, tanto
pela crescente afirmação de um Estado centralizador, apoiado por estruturas
burocráticas, como por uma planificação rigorosa da actividade das empresas
capitalistas, substituindo-se assim o improviso e o espírito aventureiro dos
primórdios do capitalismo por uma racionalidade utilitária que ponderaria
cuidadosamente os meios para atingir os fins (Weber 1972: 4-5; cf. ainda
pp. 60 e segs.).
138
gradual secularização que o calvinismo viria a reforçar, mas que indica
simultaneamente o seu cepticismo relativamente a este processo, o
«desencantamento do mundo» ( «Entzauberung der Welt», Weber 1972: 114).
Com efeito, no seu estudo sobre o processo de racionalização - que associa
à afirmação do cal vinismo, sobretudo na sua variante puritana, e, em estreita
correlação com este, ao emergir do espírito do capitalismo - , Weber teve
ocasião de salientar os elementos negativos, coercivos desse processo
que havia transformado uma arma toda-poderosa numa armadura de ferro.
Der Puritaner wollte Berufsmensch sein, - wir müssen es sein. Denn indem
die Askese aus den Mõnchszellen heraus in das Berufsleben übertragen
wurde und die innerweltliche Sittlichkeit zu beherrschen begann, half sie
an ihrem Teile mit daran, jenen machtigen Kosmos der modemen, an die
technischen und õkonomischen Voraussetzungen mechanisch-maschineller
Produktion gebundenen, Wirtschaftsordnung erbauen, der heute den Lebensstil
aller einzelnen, die in dies Triebwerk hineingeboren werden - nicht nur
der direkt õkonomisch Erwerbstatigen - , mit überwaltigendem Zwange
bestimmt und vielleicht bestimmen wird, bis der letzte Zentner fossilen
Brennstoffs verglüht ist. Nur wie «ein dünner Mantel, den man jederzeit
abwerfen kõnnte», sollte nach Baxters Ansicht die Sorge um die auBeren
Güter um die Schultern seiner Heiligen liegen. Aber aus dem Mantel lieB
das Verhangnis ein stahlhartes Gehause werden. (Weber 1971: 203)
139
rr
Nicht umsonst stammt das System der Kulturindustrie aus den liberaleren
Industrielandem, wie denn alie charakteristischen Medien, zumal Kino,
Radio, Jazz und Magazin, dort triumphieren. Ihr Fortschritt freilich ent-
sprang den allgemeinen Gesetzen des Kapitals. Gaumont und Pathé,
Ullstein und Hugenberg waren nicht ohne Glück dem internationalen Zug
gefolgt; die wirtschaftliche Abhangigkeit des Kontinents von den USA
nach Krieg und Inflation tat dabei das ihrige. Der Glaube, die Barbarei der
Kulturindustrie sei eine Folge des «cultural lag», der Zurückgebliebenheit
des amerikanischen BewuBtseins hinter dem Stand der Technik, ist ganz
illusionar. Zurückgeblieben hinter der Tendenz zum Kulturmonopol war
das vorfaschistische Europa. Gerade solcher Zurückgebliebenheit aber hatte
der Geist einen Rest von Selbstandigkeit, seine letzten Trager ihre wie
immer auch gedrückte Existenz zu verdanken. (ib.: 118-119)
140
acutilância na Europa do século XVIII, embora os seus fundamentos e
influências próximas se possam fazer remontar a meados e finais do século
XVII, na medida em que foi então que alguns dos seus principais inspira-
dores, como Descartes, Locke, Newton e Leibniz (1646-1716) produziram a
sua obra.
Contudo, há que não esquecer a importância também determinante de Leib- 2 Sensualismo ou sensismo -
niz, sobretudo na Alemanha, com a sua visão optimista da criação («le corrente filo só fica ou pres-
suposto segundo o qual o
meilleur des mondes possibles» ), a sua defesa da metafísica contra o empi- conhecimento do mundo de-
rismo radical de Locke, postulando que nada existe no intelecto, antes da pende essencialmente das
sensações , recusando-se a
experiência, a não ser o próprio intelecto. existência de ideias inatas e de
uma metafísica absoluta. O
empirismo de Locke inscreve-
A racionalização, tal como entendida por Max Weber, manifesta-se um -se, consequentemente, nesta
pouco por toda a Europa: a nível económico, são introduzidas políticas mesma corrente que surge
radicalizada em Condillac
mercantilistas ou de rentabilidade económica, sobretudo nas sociedades (1715-1780), bem como nas
mais desenvolvidas, como é o caso da Inglaterra em vias de industriali- posições materialistas de La
Mettrie (1709- 17 51) e de
zação acelerada. A nível político, assiste-se ao reforço do papel do Estado Helvétius (1717-1771) ou no
nacional, que passa a concentrar o sistema de tributação, a defesa e ajustiça, cepticismo escocês, de que
David Hume ( 1711-1766) terá
com a crescente importância da respectiva burocracia para o efeito. A nível sido o principal representante.
científico e filosófico, afirma-se a crescente crença na capacidade de, por A filosofia moral, inspirada no
modelo de um Shaftesbury
via racional, se poder dominar e controlar a natureza. (1681-1713) ou de um
Hutcheson (1694-1746) apela
Independentemente da multiplicidade de tendências e leituras do pensamento igualmente a uma sensibi-
lidade agora predominan-
do século XVIII, recorde-se alguns traços essenciais desta época: temente interior como fun-
damento da moral e da
• o claro pendor para a secularização, a tónica pedagógica - sempre religião naturais , assim parti-
lhando da mesma descon-
sustentada por uma razão que deverá constituir não o fundamento fiança contra a tradição e todo
de uma ortodoxia, mas fonte de toda a crítica; o inatismo.
141
• o zelo reformador - baseado na crença na perfectibilidade do
género humano, sob o pano de fundo de uma igualdade essen-
cial;
142
Se a abstracção e o cosmopolitismo iluministas foram criticados pelos histo-
riadores românticos, se Hegel viu nas Luzes um momento de cepticismo neces-
sário mas redutor no processo da realização da razão, influenciando a histo-
riografia alemã ao longo dos séculos XIX e XX, já a herança das Luzes seria
recuperada em favor de uma tradição progressista, sobretudo depois de 1968,
no rescaldo dos movimentos de contestação estudantil à ordem estabelecida.
Deutschlands Konflikt mit dem alten Europa und der von ihm geschaffe-
nen auBereuropaischen Welt vertieft sich zu einem Kampf gegen den
politischen Humanismus, dessen Wurzeln und Blüte im 16., 17. und 18.
Jahrhundert liegen. So muB die Untersuchung von der bedeutsamen Tat-
sache ihren Ausgang nehmen, daB das Deutsche Reich in keiner seiner
Traditionen ein Verhaltnis zu der Rechts- und Staatsidee dieser für Ent-
stehung undAusbildung der modernen Nationen entscheidenden Jahrhun-
derte hat. Ais eine Gründung des 19. Jahrhunderts ohne Staatsidee fiel die
nur bedingt nationalstaatliche Konsolidierung des deutschen Volkes in die
143
Zeit einer bereits vorgeschrittenen Skepsis an dem Wertsystem des
Humanismus. Der Mangel einer Staatsidee hielt den Antagonismus der
beiden Reichstraditionen im deutschen BewuBtsein wach. Das im Zuge
der Verweltlichung immer starker werdende NationalbewuBtsein fand in
Deutschland auch nach der Bismarckschen Reichsgründung keine Form
und keinen Halt an einer Staatsidee, wie schon Jahrhunderte früher Frank-
reich, England und die Vereinigten Staaten ihn gefunden hatten. Ais Ersatz
dafür und zugleich im Hinblick auf die Inkongruenz zwischen Reichs-
grenzen und Volkstumsgrenzen übernahm der romantische Begriff des
Volkes die Rolle einer politischen Idee.
Iodem die Untersuchung dieser Linie folgt, hat sie zugleich im Auge zu
behalten, daB eine zweite Linie ihren Verlauf mit bestimmt. Diese zweite
Linie entspringt in dem für Deutschland wieder eigentümlichen religiõs-
konfessionellen Dualismus zwischen Katholizismus und protestantischer
Zwangstaatsidee bei fehlendem freikirchlichen Glaubensleben. (Plessner
1974: 40-41)
Em França, foi Mme. de Stael quem, com a sua obra De l 'Allemagne ( 1810),
soube criar o mito de uma Alemanha romântica e virada para a metafísica, a
Alemanha «dos poetas e dos pensadores», como contrapartida à França
revolucionária.
,
~
1
144 1
entre Kultur e Zivilisation, de resto, erigida em porta-estandarte contra a
civilização francesa, herdeira das Luzes e da Revolução Francesa, em vésperas
da primeira guerra mundial (cf. Cap. 11.1 ).
Por outro lado, na mesma obra, Reine poria a tónica nos elementos revo-
lucionários da filosofia alemã, desde Kant a Fichte e Hegel, estabelecendo
um paralelismo entre o primeiro e Robespierre e vendo no segundo o
Napoleão da filosofia alemã. Apesar dos elementos claramente regressivos
que a filosofia da natureza de um Schelling, segundo Reine, conteria, a
filosofia de Hegel anunciaria a recuperação de um panteísmo revolucionário.
145
É certo que essa evolução se fazia sentir, sobretudo, nas zonas ocidentais,
onde o regime de servidão feudal começara a ser abolido e onde o intercâmbio
comercial com os países atlânticos era mais intenso.
Por outro lado, há que buscar as razões de uma evolução particular que dê
conta do percurso do espaço cultural alemão, não o reduzindo a uma
abstracção que impeça a atenção aos fenómenos territoriais que, como adiante
se verá, tiveram uma importância determinante.
146
2.3.2 A «Alemanha» no século XVIII-Geografia política, sociedade,
economia e cultura
147
esfera religiosa, sob a forma do cuius regio, eius religio, segundo a qual os
súbditos eram obrigados a praticar a confissão adaptada pelo senhor territorial.
Se é certo que em grande parte dos territórios alemães não existia uma
burguesia independente, capaz de ser a porta-voz fundamental dos valores
liberais do ponto de vista económico e político, o mesmo já não se pode
dizer de cidades como Hamburgo, Lübeck, Frankfurt ou Leipzig.
148
Por sua vez, a par dos pequenos Estados, muitos dos quais eram autênticas
caricaturas da corte do rei Sol, algumas dinastias evidenciavam uma crescente
importância económica e política: era o caso dos Wittelsbach da Baviera,
dos Wettin da Saxónia ou da Casa de Braunschweig-Lüneburg de Hannover,
que, entre 1714 e 1837, ocuparia o trono inglês.
149
2.3.3 A burguesia na «Alemanha» do século XVIII
150
O surto demográfico, verificado de resto em quase toda a Europa, a que não
foram estranhos os progressos em matéria sanitária e medicinal e encarados,
por isso, como um factor e razão de progresso, também se fez sentir na
Alemanha.
2.4 Aujkldrung(en)
151
Em comum possuem
152
2.4.1 Fases da Aufkléirung
Tal traço não tem de ser interpretado como uma manifestação de naciona-
lismo, prematuro no Sacro Império e numa Prússia que, segundo os crité-
rios das lutas dinásticas, se tentava libertar da vassalagem dos Habsburgo,
mas antes como mais uma tentativa de democratizar o pensamento, fazendo-
-o sair dos círculos nobres, onde a filosofia de um Leibniz ainda se movera
com à vontade. Este filósofo permaneceria de resto como uma fonte
inspiradora, seja de uma prática cosmopolita e tolerante, seja de uma visão
do progresso de inspiração metafísica.
O seu principal discípulo e divulgador foi Christian Wolff, cujas ideias escla-
recidas depressa suscitariam a desconfiança, quer da ortodoxia luterana, quer
dos influentes pietistas na cidade Halle, em cuja universidade possuía uma cáte-
dra. O seu método matemático e dedutivo muito devia a Leibniz, tendo Wolff
exercido um papel fundamental na teorização de uma prática governativa escla-
recida, que separava a pessoa do cargo em termos de poder e que viria a ser con-
sagrada na fórmula de Frederico II «O monarca é o primeiro servidor dos povos
sob o seu domínio», por oposição à clássica máxima de Luís XIV «O Estado sou eu».
153
Defendendo igualmente os valores racionalistas e a democratização da cultura
ao optar também pela língua alemã, Thomasius enveredaria por uma senda
menos teórica: invocando a autonomia do pensar contra todos os precon-
ceitos , elaborou reflexões no domínio da teoria política e jurídica,
desenvolvendo uma acção particularmente intensa no combate à persegui-
ção às bruxas.
154
e Johann Friedrich Blumenbach (1752-1840) foram alguns dos importantes
nomes de um centro que ousava competir com as congéneres europeias no
domínio das mais inovadoras tendências científicas.
A herança pedagógica não sendo recusada, é vista com olhos cada vez mais
cépticos. O apelo à espontaneidade, à livre subjectividade, à recusa de
quaisquer modelos ecoa tanto no pensamento dos Stürmer und Dranger, como
no de Herder, para encontrar um eco problemático mas decisivo no criticismo
de Kant. Este, estimulado pelo cepticismo radical de Hume, reabilitará a
metafísica, colocando, contudo, limites à razão teórica e imprimindo novos
impulsos à razão prática.
155
O papel do sentimento e daquilo que escapa ao controle racional, a experiência
individual não podem deixar de se manifestar neste contexto: a melancolia
hipocondríaca e a auto-observação psicológica ganham importância crescente,
patentes, por exemplo, no romance autobiográficoAnton Reiser ( 1785-1790)
de Karl Philipp Moritz (1757-1793), que editou igualmente o Magazinfür
Erfahrungsseelenkunde (1787) que tinha como objectivo «o conhecimento
analítico das paixões». Über die Einsamkeit (1785) de Johann Georg
Zimmermann é mais um exemplo das tendências melancólicas de um século
apressadamente rotulado de optimista.
Contudo, esta tendência não se reduz à fase tardia daAujklarung. A luta contra
o universo escolástico levada a cabo pelos Popularphilosophen, o zelo
reformador de um Campe ou de um Pestalozzi, a revolta de um Lessing con-
tra o teatro de inspiração francesa e o seu recurso à comédie larmoyante de
um Denis Diderot ( 1713-1784) como modelo alternativo de inspiração reve-
lam, se entendidos nesta perspectiva, claras afinidades com as reivindica-
ções dos jovens Stürmer und Driinger, que radicalizarão estas tendências.
156
Se é certo que tal leitura faz algum sentido, na medida em que esse surto
intelectual desempenharia um papel determinante para os futuros movimen-
tos nacionalistas, criando mesmo uma certa identidade cultural, através de
uma cultura e língua comuns, também é verdade que as diferenças regionais
se continuaram a fazer sentir. A rejeição dos modelos de corte constitui
antes uma reacção essencialmente social, distante de uma ideia de Estado-
-nação totalmente anacrónica para o espaço cultural alemão do século XVIII.
Mas não se esqueça que o mesmo sucederá com Le Nozze di Figaro ( 1786),
onde, em língua italiana, o subordinado, Figaro, canta «Se vuol ballare signor
157
contino», desafiando a autoridade feudal, embora num tom bastante mais
brando do que na peça de Beaumarchais que lhe servira de inspiração.
Contudo, dois anos depois da Revolução Francesa, Mozart compunha por
ocasião da coroação de Leopoldo II, La clemenza di Tito (1791), agora
preferencialmente para a corte.
158
principais protagonistas. Ocupar equivale ainda a descobrir o interior dos
continentes por explorar, avaliar dos seus recursos, em termos de flora e de
fauna, de acordo com a nova racionalidade do capitalismo ocidental (Max
Weber).
159
"
Contudo, as viagens no século XVIII não se reduzem às grandes expedições
científicas, nem aos cenários mais ou menos exóticos do drama ou do Singspiel
burgueses.
Assim, os alemães raramente faziam viagens com outros intuitos que não os
do comércio ou da formação individual (cf. Cap. 11.2.3). Contudo, as
descobertas internacionais não deixariam de exercer um importante papel
na Alemanha contemporânea. O mito de um paraíso redescoberto e dos seus
habitantes, enquanto personificação do «bom selvagem» viria a ganhar
redobrado interesse com a publicação de Reise um die Welt ( 1784) de
Georg Forster.
160
É certo que a recepção da obra na Alemanha viria a acentuar os elementos
utópicos, sobretudo da Ilha de Taiti, já celebrada por Bougainville no seu
relato de outra circumnavegação ao serviço da Coroa francesa.
Por outro lado, também é verdade que o modo como o jovem Georg Forster
registaria objectos, costumes e línguas dos povos observados fazem dele um
dos pioneiros da moderna antropologia. O relato constituiria uma fonte
preciosa, quer para os académicos alemães que descobriam, em simultâneo
com os seus congéneres ingleses e franceses, a «Ciência do Homem», quer
para um Herder, com quem Forster manteria uma relação de apreço e de
admiração mútua.
161
Entre o sonho cosmopolita e a identidade europeia, alguns hiatos vinham-se
a estabelecer, criando novas cisões, em que a diferença dificilmente era
reconhecida na sua especificidade ou, a sê-lo, corria, por vezes, o risco de
ser instrumentalizada segundo os padrões omnipotentes de uma civiliza-
ção tida por superior.
O cosmopolitismo das Luzes pode ser lido segundo duas vertentes: por um
lado, a universalidade dos seus pressupostos assenta no princípio da igualdade
essencial de todos os homens, assim criando o fundamento de uma mensa-
gem e prática igualitárias que, juridicamente, ignoravam a diferença, para
reconhecer todos os seres humanos, homens e mulheres, cristãos e judeus,
católicos e protestantes, crentes e ateus, brancos e negros.
É certo que o século XVIII soube permanecer, em geral, fiel aos princípios
universalistas, reconhecendo-se por detrás das diferenças que a experiência
captava e analisava a essência comum a tudo o que era humano; por outro
lado, do mesmo modo que o discurso das Luzes não evitara que o seu
cosmopolitismo se tornasse predominantemente eurocêntrico, também a
prática consagraria a desigualdade, estilizando a diferença feminina, a
inocência da criança e do selvagem, ou regulamentando o tratamento psi-
quiátrico, a fim de melhor exercer o poder.
162
)
Samuel Thomas Sõmmerring (1755-1830) eram acolhidas pela comunidade cien-
tífica internacional. Por sua vez, o orientalista Johann David Michaelis ( 1717-
-1791) não só contribuía para a construção da linha imaginária que demarca-
ria, agora com novos fundamentos científicos e etnológicos, a fronteira entre o
Oriente e o Ocidente, como era encarregue de elaborar instruções para uma
expedição de Carsten Niebuhr ( 1733-1785), segundo os moldes de uma pes-
quisa que pretendia unir a observação empírica à sistematização desses dados.
163
A pedagogia não evitara a mesma dialéctica de libertação e de opressão, ao
racionalizar formas de domínio e de contenção do corpo bem mais subtis do
que aquelas que as práticas obscurantistas haviam permitido e encorajado.
Diesen Spielen zu gut versagt sich der Knabe andere Bedürfnisse, und
lemet so allmahlich auch etwas anderes und mehr entbehren. Zudem wird
er dadurch an fortdauernde Beschaftigung gewi:ihnt, aber eben daher darf
es hier auch nicht bloBes Spiel, sondem es muB Spiel rnit Absicht und
Endzweck sein. Denn, je mehr auf diese Weise sein Ki:irper gestarkt und
abgehartet wird, um so sicherer ist er vor den verderblichen Folgen der
Verzartelung. (Kant 1988b: 727)
164
O feminismo, o anticolonialismo, o anti-racismo, a anti-psiquiatria revêem
esses parâmetros. Prolongamento ou fim da herança moderna? É certo que o
debate continua por encerrar. Contudo, a análise diferenciada do século da
razão e do sentimento mostra uma realidade mais colorida e complexa que
os seus
detractores pretendem, presas de visões derivadas e leituras excessivamente
abrangentes, e por isso, redutoras.
Bibliografia recomendada
Actividades propostas
M. R. S.
'
165
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Objectivos
...
169
3.1 A contra-cultura burguesa
Embora o século XVIII não possa ser lido unilateralmente como o século da
racionalidade burguesa, como atrás foi referido, também é verdade que,
durante o mesmo, se assistirá ao emergir de uma contra-cultura decisiva
para a futura evolução da Europa e que se pode resumir esquematicamente
do seguinte modo:
3.1.1 O tempo
Por outro lado, o tempo cíclico, condicionado por uma visão teocêntrica do
mundo que afastava qualquer ideia de progresso terreno, tempo esse inspirado
pelo regresso permanente das estações e do fluir de uma semana que consagra
o domingo como o dia do repouso e da celebração da transcendência, é
substituído por uma noção de tempo linear, orientado para o futuro, que,
171
constitui a condição de realização do progresso. As visões escatológicas,
que anunciam ou prometem a redenção e o paraíso no fim dos tempos, são
substituídas pela filosofia da história que interpreta o passado e o presente
em função do futuro e enquanto etapas nesse processo de aperfeiçoamento
terreno.
3.1.2 O espaço
172
entre capital e trabalho: os assalariados que trabalham as matérias-primas
não são proprietários nem destas nem dos objectos com que as transformam,
não lhes pertencendo igualmente o espaço onde realizam essas mesmas
tarefas.
Bürgerliche Õffentlichkeit la.Bt sich vorerst als die Sphare der zum Publi-
kum versammelten Privatleute begreifen; diese beanspruchen die obrig-
keitlich reglementierte Õffentlichkeit alsbald gegen die õffentliche Gewalt
selbst, um sich mit dieser über die allgemeinen Regelo des Verkehrs in der
grundsatzlich privatisierten, aber õffentlich relevanten Sphare des Waren-
verkehrs und der gesellschaftlichen Arbeit auseinanderzusetzen. Eigen-
tümlich und geschichtlich ohne Vorbild ist das Medium dieser politischen
Auseinandersetzung: das õffentliche Rasonnement. (Habermas 1962: 42)
173
diferente, conforme com as novas necessidades políticas e económicas e con-
sagrando a primeira divisão de poderes: ao monarca compete apenas a exe-
cução (poder executivo) das leis e decisões do parlamento (poder legislativo).
A nobreza de corte não conhecia esta cisão, sendo todo o seu quotidiano
atravessado pela encenação de rituais fundamentais para o exercício do poder,
que se fundava essencialmente na representação. A cisão entre aparência e
essência, entre simulação e autenticidade era aí inexistente, uma vez que o
poder coincidia em absoluto com a forma que o exteriorizava.
174
3.2.1.3 Espaço público e afirmação da contra-cultura burguesa
175
e particular. Saliente-se que esta particularidade não pode ser con-
fundida com a esfera privada que se irá afirmando no espaço burguês,
na medida em que aquela tenderá a garantir a manutenção dos prin-
cípios da nobreza dominante na era feudal, universalizando dentro do
seu território particular os seus privilégios (leis particulares apenas neste
sentido).
No entanto, também nos territórios alemães se fará sentir uma evolução que
pode ser associada com o movimento geral que atravessa a Europa: a prova
disso encontra-se na importância decisiva da imprensa alemã e no crescente
aumento de uma faixa de letrados que se auto-definem como representantes
de um esclarecimento necessário à modernização e ao progresso da sociedade
que pretendem influenciar.
176
.
_
3.2.3 A transição
Contudo, o século XVIII ainda não conhece a divisão distinta entre esses
dois espaços, patente no modo como as associações de privados (cafés,
clubes de leitura, maçonaria) eram entendidos. O salon francês do século
XVIII encarna exactamente esse espaço híbrido: tendo à sua frente uma
mulher culta, o referido espaço, constituía uma pequena ilha no seio das
convenções rígidas da sociedade de corte então já em pleno declínio
177
(época da Regência) , onde a dona da casa não só se permitia um com-
portamento mais libertino, como podia privar com homens oriundos da
burguesia.
Por outro lado, a sociabilidade que constitui um dos traços mais generali-
zados do século XVIII ainda não fora contaminada pelo exacerbamento de
uma intimidade que, nas suas manifestações mais radicais raiava a hipo-
condria. O exemplo de Jean-Jacques Rousseau, a sua misantropia, aliada à
sua obsessiva aspiração de autenticidade, de transparência (Starobinski
1971), a sua auto-observação, serve para ilustrar esta última tendência, embora
o seu empenhamento social e político, revelem simultaneamente, o modo
como o domínio público, continuava a permanecer um elemento decisivo,
exigindo-se antes para o mesmo idênticos valores que aqueles que se pre-
conizava para a descoberta individual.
Dans l' union des sexes chacun concourt également à l' objet commun, mais
non pas de la même maniere. De cette diversité nait la premiere différence
assignable entre Ies rapports moraux de l' un et de l' autre. L'un doit être
actif et fort, l' autre passif e faible: il faut nécessairement que l' un veuille
et puisse, il suffit que l' autre rés is te peu.
Ce principe établi, il s'ensuit que la femme est faite spécialement pour
plaire à l'homrne. Si l'homme doit lui plaire à son tour, c'est d'une nécéssité j
moins directe: son mérite est dans sa puissance; il plait par cela seul qu'il
est fort. Mais n'est pas ici la loi de l'amour,j'en conviens; mais c'est celle
de la nature, antérieure à l' amour même.
Si la femme est faite pour plaire et pour être subjuguée, elle doit se rendre
agréable à l' homme au Iieu dele provoquer; sa violence à elle est dans ses
charmes; c' est par eux qu' elle doit le contraindre à trouver sa force et à en user.
L'art le plus súr d'animer cette force est de la rendre nécessaire par la résis-
tance. Alors l'amour-propre se joint au désir, et l'un triomphe de la victoire
que l' autre lui fait remporter. De là naissent l' attaque et la défense, I' audace
d'un sexe et la timidité de l'autre, enfin la modestie et Ia honte dont la
nature arma le faible pour asservir le fort. (Rousseau 1966: 466-467)
Com efeito, o mundo público dos cafés e dos jornais é um mundo mas-
culino, onde a burguesia emergente faz sentir a sua pressão contra o poder
absolutista do Estado, opondo-lhe os seus interesses privados (de acordo
178
com o novo modelo capitalista e liberal) e os correspondentes modelos a
nível político e estético.
A maior parte das ideias que ainda identificamos com as Luzes é sus-
tentada e fomentada por um debate constante entre congéneres, não só
nos cafés, como nas academias, nas revistas especializadas, seja atra-
vés da actividade recenseadora, seja da apreciação crítica. É aí que
esses homens, desligados das suas obrigações profissionais, aparente
ou provisoriamente libertos das restrições que a hierarquia social lhes
impõe, privam num espaço recentemente conquistado e reinventado, onde
a igualdade teórica da sua posição é uma condição e um pressuposto
fundamental.
Aujklarung ist der Ausgang des Menschen aus seiner selbst verschuldeten
Unmündigkeit. Unmündigkeit ist das Unvermõgen, sich seines Verstandes
ohne Leitung eines anderen zu bedienen. Selbstverschuldet ist diese
Unmündigkeit, wenn die Ursache derselben nicht am Mangel des
Verstandes, sondem der EntschlieBung und des Mutes liegt, sich seiner
ohne Leitung eines andem zu bedienen. Sapere aude! Habe Mut, dich deines
eigenen Verstandes zu bedienen! ist also der Wahlspruch der Aufklarung.
(Kant 1986: 9)
179
um local de debate e de difusão de ideias, a que sobretudo as camadas letradas
- minoritárias e predominantemente burguesas - tiveram acesso.
Freyheit der Presse ist Angelegenheit und Interesse des ganzen Men-
schengeschlechts. Ihr haben wir hauptsachlich die gegenwartige Stufe von
Kultur und Erleuchtung, worauf der gróBere Theil der Europaischen Vól-
ker steht, zu verdanken. Man raube uns diese Freiheit, so wird das Licht,
dessen wir uns gegenwartig erfreuen, bald wieder verschwinden ( ... ).
(Wieland 1930: 65)
180
outras revistas com grande procura a Allgemeine Deutsche Bibliothek de
Nicolai (1777 e segs.) e a Allgemeine Literatur-Zeitung (1785 e segs.),
esta sobretudo pelas recensões nela publicadas. Christoph Meiners e Leo
Spitteler editavam em Gõttingen o Gottingisches Historisches Magazin, onde
os artigos científicos alternavam com as reflexões políticas, sendo também
este o caso do Gottingisches Magazin der Wissenschaften und Litteratur
(1780-1785) da responsabilidade de Lichtenberg e Forster. Embora nestes
últimos dois casos se tratasse de revistas especializadas, o seu estatuto não se
pode comparar com as suas congéneres nossas contemporâneas: a acessibi-
lidade dos artigos e a profusão de temas, para não falar da multidisciplinari-
dade, para que alguns títulos apontam, são prova disso.
Die [Menschen], die ich jetzt sehe, sind gut, in mehr wie gewi:ihnlichem
Grade, gewahren meinem Kopf mehr Nahrung als - er bedarf - oder
eigentlich mehr als er ihnen wieder geben kan [sic], und erleichtem meine
Lage durch alie Dienstleistungen der Freundschaft. Sie genieBen ihr
Leben, in dieser schi:inen Gegend - sie arbeiten und gehn spazieren und
ich theile das alies mit ihnen. Jeden Abend bin ich dort um Thee mit
ihnen zu trinken, die intereBantesten Zeitungen zu lesen, die seitAnbeginn
der Welt erschienen sind - raisonniren zu hi:iren, selbst ein biBchen zu
schwazen - Fremde zu sehn u.s.w. (Schlegel-Schelling 1988: 142)
181
berlinenses judaicas, como Rahel von Varnhagen (1771-1883) e Henriette
Herz, Lemos de solteira, (1764-1847)-uma vez que seu pai era um famoso
médico de origem portuguesa- constituem centros de intercâmbio literário.
Saliente-se, de resto, que o próprio movimento romântico teria sido
impensável - pese embora toda a sua contestação da tradição daAujklarung
- sem esta mesma evolução. A utopia de alternativas à família tradicional,
às convenções matrimoniais burguesas e ao papel da mulher - de que
Caroline Schlegel-Schelling, Henriette Herz e Dorothea Veit-Schlegel também
foram exemplos por excelência- mais não são do que o reverso da medalha
de uma subjectividade exacerbada e da protecção asfixiante que as novas
instituições haviam passado a assegurar.
Zu dieser Aufklarung aber wird nichts erfordert als Freiheit; und zwar die
unschadlichste unter allen, was nur Freiheit hei/3en mag, namlich die: von
seiner Vemunft in allen Stücken offentlichen Gebrauch zu machen. Nun
hõre ich von allen Seiten: rasonniert nicht! Der Offizier sagt: rasonniert
nicht, sondem exerziert! Der Finanzrat: rasonniert nicht, sondem bezahlt!
Der Geistliche: rasonniert nicht, sondem glaubt! (Nur ein einziger Herr in
der Welt sagt: rasonniert so viel ihr wollt gehorcht! ) Hier ist überall Ein-
schrankung der Freiheit. Welche Einschrankung aber ist der Aufklarung
hinderlich? welche nicht, sondem ihr wohl gar befürderlich? - lch ant-
worte: der offentliche Gebrauch seiner Vemunft mu/3 jederzeit frei sein,
und der allein kann Aufklarung unter Menschen zu Stande bringen; der
Privatgebrauch derselben aber darf õfters sehr enge eingeschrankt sein,
ohne doch darum den Fortschritt der Aufklarung sonderlich zu hindem .
Ich verstehe aber unter dem õffentlichen Gebrauche seiner eigenen Ver-
nunft denjenigen, den jemand ais Gelehrter von ihr vor dem ganzen
Publikum der Leserwelt macht. Den Privatgebrauch nenne ich denjenigen,
den er in einem gewissen ihm anvertrauten bürgerlichen Posten, oder Amte,
von seiner Vemunft machen darf. (Kant 1986: 11)
Note-se que, para o filósofo, aquilo que contribui para as Luzes é o uso
ilimitado da razão pública, isto é, enquanto exercício do pensar autónomo
e individual, sem quaisquer restrições , posição de resto perfeitamente
compatível com a obediência naquilo que Kant designa, agora numa acepção
diferente, de domínio privado, isto é, enquanto o mesmo homem acede a
respeitar as normas vigentes na sociedade ou grupo profissional ou con-
fessional a que pertence.
182
É apenas enquanto ser racional, independentemente da ordem a que se
pertence, da profissão que se ocupa (mas não do rendimento que se aufere),
que o indivíduo corporiza urna forma alternativa à sociedade vigente.
Tal posição revela até que ponto o domínio do mundo privado burguês ainda
se encontrava por desenvolver na Prússia fredericiana. Note-se, de resto, que
esta cisão entre uso público e privado da razão lança luz sobre os limites
que as Luzes conheciam na Prússia e noutros territórios alemães, onde o
vínculo institucional ao Estado, não impedindo a expressão pública, apenas
prometia reformas graduais sancionadas pela autoridade a que o «livre»
pensador também se encontrava submetido.
183
jedermann Erlauterungen und Definitionen fordert; indeB kein Englander
den andem miBversteht, wenn vompublic spirit, kein Franzose den andem,
wenn von opinion publique die Rede ist. (Forster 1974: 365)
184
3.3 A reorganização do espaço e dos papéis sociais
l Local onde a autoridade masculina será cada vez mais evidente, o espaço
doméstico da burguesia ficará reservado ao repouso, à meditação, à leitura
que, de voz alta passará cada vez mais a ser feita em voz baixa, tornando-se
assim cada vez mais individualizada e extensiva.
185
medida em que a organização económica e social da grande família pressu-
punha a estreita contaminação entre o local de trabalho (produção) e de
habitação (consumo) .
Por sua vez, o espaço doméstico não verá o seu domínio consagrado,
dependente como se encontra da mais estrita necessidade económica. Tal
como os homens , as mulheres ver-se-ão obrigadas ·a abandonar o local
doméstico para assim poderem garantir a sua sobrevivência.
l
186
estar, da sala de visitas, que a cozinha - local de reunião e de convívio na
grande família rural - fosse transferida para o local mais distante desta
última e que o quarto dos pais passasse a ser distinto do dos filhos, que, por
sua vez gradualmente não só teriam um espaço próprio para brincar, como
veriam surgir a diferença de sexo como mais um critério de organização dos
espaços, todas estas transformações constituem momentos essenciais no
processo de criação da intimidade (Shorter 1975).
Was die gelehrten Frauen betrifft: so brauchen sie ihre Bücher etwa so wie
ihre Uhr, namlich sie zu tragen, damit gesehen werde, daB sie eine haben;
ob sie zwar gemeiniglich still steht oder nicht nach Sonne gestellt ist.
(Kant 1988: 654)
( ... ) Wegen meiner Lektüre habe ich mir bisweilen Vorwürfe gemacht, habe
gedacht, ich sei selbst daran schuld, wenn ich nicht mehr so unbefangen
unschuldig war, wie meine Jahre es mit sich brachten, und es meines Geistes
würdig sei. Sie beruhigen mich um vieles, aber daB Sie mein Lesen zu
einem Grund meiner plagenden Unruhe machen, das ist mir ganz uner-
wartet; denk ich aber mehr darauf nach, so glaub ich, Sie haben ziemlich
recht. Ich habe mir einmal einen Ton gegeben, der nur der einzige ist, der
mir gefüllt, was ich hi:ire und antreffe, muB in diesen Ton einstimmen, um
mir zu gefallen, ists dies nicht, so ist mirs gleichgültig und zuwider. Da
ich nun wenig finde , das mir gefüllt, so macht mir vieles Langeweile, ist
187
mir unschmackhaft, und weil ich immer mehr suche, und nie finde, so bin
ich, glaub ich, unruhig. Die vielen Romane, und andre Schriften, die bloB
fürs Herz waren, haben meine Zartlichkeit gereizt; ich fühle, dal3 ich würde
glücklich sein, wenn ich einen Gegenstand wül3te, dem ich diese Zartlich-
keit ganz geben kê:innte, aus dem ich meinenAbgott machen kê:innte, da ich
aber keine Seele um mich sehe, die mich versteht, mul3 ich mich ver-
schlieBen, mich in mich selbst hinziehn, ich traume bloB ein Glück, das
ich mir ausschweifend traume, so wie ich mir kein Gewissen daraus machen
würde, Mahomeds Paradies mit ausschweifender Pracht und Glückseligkeit
auszuschmücken, beides sindTraume, und Unmê:iglichkeiten. (Huber 1989:
13-14)
3 .4 Espaço doméstico
188
Se esta divisão do espaço constituiu, com efeito, o grande pólo de ins-
piração para a invenção de uma racionalidade individual, para uma
forma de estar em sociedade mais «humana», o certo é que a geografia
da casa burguesa não esconde o modo como a «dialéctica do Iluminismo»
(Horkheimer/Adorno 1971) gera o reverso dessa humanidade sem sexo ou
sem idade.
Por sua vez, esta divisão tanto mais distinta se torna, quanto o corpo se
transforma no local, onde a diferença empiricamente perceptível se irá
inscrever: a mulher passa a ser gradualmente encarada não como uma variante
de um modelo humano único, mas como um ser portador de uma diferença
biológica irredutível (Gallagher/Laqueur 1987). Assim, quando Rousseau
advoga a diferença natural entre os sexos, ainda o faz socorrendo-se de um
conceito abstracto de natureza, em que a diferença biológica é relativa nesse
processo de demarcação e de atribuição de papéis:
En tout ce qui tient au sexe, la femme et l'homme ont partout des rapports
et partout des différences : la difficulté de comparer vient de celle de
déterminer dans la constitution de l 'un et de l' autre ce qui est du sexe et ce
qui n'en est pas . Par l'anatomie comparée, et même à la seule inspection,
l' on trouve entre eux des différences générales qui paraissent ne point tenir
au sexe; elles y tiennent pourtant, mais par des liaisons que nous sommes
hors d'état d'apercevoir: nous ne savons jusqu'ou ses liasons peuvent
s' étendre; la seule chose que nous savons avec certitude est que tout ce
qu' ils ont de commun est de l' espece, et que tout que ce qu' ils ont de
différent est du sexe. Sous ce double point de vue, nous trouvons entre eux
tant de rapports et tant d' oppositions, que e' est peut-être une des merveilles
de la nature d' avoir pu faire deux êtres si semblables en les constituants si
différemment. (Rousseau 1966: 466)
189
Ora é exactamente essa natureza comum que será cada vez mais relegada
para segundo plano, legitimando e antecipando o discurso científico a
necessidade de o poder político justificar o afastamento das mulheres enquanto
sujeitos de direito (Gallagher/Laqueur 1987). Kant recusar-lhes-á exacta-
mente esse mesmo direito, tal como aos assalariados e não-proprietários,
medidas que a Constituição francesa de 1791, de resto, também, asseguraria.
A caracterização kantiana do sexo feminino revela tanto os preconceitos de
um celibatário como a fonte em que os terá provavelmente bebido: Jean-
-Jacques Rousseau.
Weibliche Tugend oder Untugend ist von der mannlichen, nicht sowohl der
Art als der Triebfeder nach, sehr unterschieden. - Sie soll geduldig, er muB
duldend sein. Sie ist empfindlich, er empfindsam. - Des Mannes Wirtschaft
ist Erwerben, die des Weibes Sparen. - Der Mann ist eifersüchtig wenn
er liebt; die Frau auch ohne daB sie liebt; weil so viele Liebhaber, als von
andern Frauen gewonnen worden, doch ihrem Kreise der Anbeter verloren
sind.- Der Mann hat Geschmack für sich, die Frau macht sich selbst zum
Gegenstande des Geschmacks für jedermann. (Kant 1988: 654)
Je demande maintenant qu' on daigne réfuter ces raisons autrement que par
des plaisanteries et des déclamations; que surtout, on me montre entre les
hommes et les femmes une différence naturelle qui puisse légitimement
fonder l'exclusion du droit. (Condorcet 1968: 129)
190
A garantia da existência de mulheres saudáveis e equilibradas servia uma
finalidade : a de uma procriação tão eficaz quanto possível e não a de um
direito próprio.
( ... ) Mütter, denen das künftige Wohl ihrer Kinder am Herzen liegt, konnen
daher von dem ersten Augenblicke ihrer EmpfangniG an, nicht zu auf-
merksam auf die Erhaltung der Gesundheit ihres Leibes und ihres Geistes
seyn, kõnnen vor jeder UnpaGlichkeit, vor jeder Ausschweifung aus der
graden StraGe der Tugend und Rechtschaffenheit, und vor jedem widrigen
Affekte, nicht zu sorgfaltig sich in Acht nehmen. Nie wird auf einem
kranklichen, faulenden , oder durch Sturmwinde zersplitterten Stamme das
zarte, so eben erst hervorgequollene Knospchen , zu einem gesunden und
starken Fruchtaste gedeien konnen . (Campe apud Schmid 1995: 62)
191
1
:,
r
192
em parte reproduziam as existentes, também criavam alternativas à ordem
vigente, na sua proclamação da igualdade entre nobres e burgueses, na sua
fixação em hierarquias segundo os méritos que não os do nascimento, a que
as provas e ritos iniciáticos davam corpo. Ser-se homem é mais que ser-se
príncipe como Lessing e Mozart o afirmam, separadamente em Ernst und Falk
e Die 'Zaube,fWte. A tolerância, a educação, a ordem universal do Grande
Arquitecto coadunam-se com os ideais iluministas ou constituem antes o
seu eco mais adequado.
A prova de que não se pode, com efeito, identificar as Luzes com a ideologia da
classe burguesa em vias se de emancipar, prova-o também a composição variada
das lojas. Enquanto que em Hamburgo ela era maioritariamente frequen-
tada pela burguesia, nas cidades residenciais a nobreza era predominante,
embora nos centros universitários imperassem os docentes do ensino superior.
193
- cionalizada estava longe de se cumprir. Entre os seus adeptos contavam-se
-
Goethe, o jovem Forster e o anatomista Sõmmerring, embora os mesmos
cedo tenham abandonado o grupo Rosacruz a que haviam aderido, temendo
cabalas e influências secretas por parte dos Jesuítas.
194
As grandes construções sinfónicas, iniciadas por Haydn e levadas por Ludwig
van Beethoven (1710-1827) ao seu expoente máximo, terão a sua contra-
partida no carácter elitista da música de câmara ou no tom intimista dos
nocturnos para piano e dos Lieder que reelaboram a lírica subjectiva.
A Heróica (1803) de Beethoven contrapõe-se à sua Mondschein-Sonate
(1800/1801 ); a grandiosidade épica e o intimismo lírico, dando voz às
impressões do artista solitário, são duas faces da mesma moeda. O virtuosismo
do concertista e a construção sinfónica adaptam-se às necessidades de um
público mais vasto e menos conhecedor, tentando-se captar o ouvinte através
de efeitos espectaculares do ponto de vista da execução e da composição.
Mas a associação de indivíduos apresenta o seu reverso: o isolamento do
artista solitário é a outra face do espaço público a que os românticos darão
a devida expressão.
3.8 Conclusão
195
Antes da Revolução Francesa já se desenhara e consolidara um espaço de
debate e de oposição a que a mesma iria dar a mais perfeita expressão
política, abrindo simultaneamente o caminho para o reforço do papel
do génio solitário face à liberdade cada vez mais institucionalizada e
regulamentada.
196
universal, mas masculina e colonial. Seria na recuperação dessa dife-
rença marginalizada que os protestos dos dominados se iriam reunir
para denunciar a abstracção dessas normas e buscar o fundamento, a
inspiração e a mitologia para a (re )invenção de uma identidade entretanto
destruída.
Bibliografia recomendada
Actividades propostas
197
H
M. R. S.
198
4. Natureza romântica e identidade nacional
Resumo
Objectivos
201
4.1 A natureza como universo simbólico: o exemplo dos Alpes
Ihre Sprache ist uns anfangs fremd, und wir müssen sie studiren, um sie zu
verstehen. Zuweilen sind ihre Ausdrücke rathselhaft und wir müssen sie
auslegen. (1974: 1072)
203
genuíno dum povo que, dado o seu carácter nacional, se apropria do mundo
inteiro: «der-Deutsche ist überall zu Haus und nicht zu Haus ( ... ). Die Welt
geht in ihn ein, indes er in die Welt aufgeht». Numa época de recentes
nostalgias coloniais, Borchardt perpetua o mito do domínio cultural alemão:
Der Mittag und der Abend, der heiBe Sommer und der milde Herbst, die
dunklen Schatten des Waldes, die Gestade eines Flusses oder Sees, das
offene Feld, mit Baumen umkranzte Wiesen, sanft emporsteigende Hügel,
und schroffe hohe Felsen; jede dieser verschiedenen Ansichten hat ihren
eigenthümlichen Charakter, ist mit andem Gemüthsbewegungen verwandt,
und ist geschickt, andre Ideen zu erwecken. (Garve 1974: 1072)
warum die Nacht und der Abend romantisch, nicht aber der Tag und der
Morgen - der Mond und der Nebel, nicht aber die Sonne und das Blau
des Himmels - eine gothische Kathedrale und eine verfallene Ritterburg,
nicht aber ein attischer Minerventempel und eine rõmische Arena - ( ... )
ein naturwilder englischer Garten, nicht aber ein franzõsischer, den die
Scheere dressirt und gelichtet hat. (1828: II, 257 e segs.)
204
a natureza remete para um criador dotado de razão por detrás do mundo
visível. As principais funções atribuídas naAufkliirung ao conceito moderno
de natureza, já se encontram expressas numa carta de 1541 do humanista
suíço Konrad Gesner (1516-1565) sobre a alta montanha:
Die Arbeit füllt den Tag und Ruh besetzt die Nacht;
Hier laBt kein hoher Geist sich von der Ehrsucht blenden,
205
Des Morgens Sorge friBt des Heutes Freude nie.
Die Freiheit teilt dem Volk, aus milden Mutter-Handen,
Mit immer gleichem MaB Vergnügen, Ruh und Müh.
Kein unzufriedner Sinn zankt sich mit seinem Glücke,
Man iBt, man schlaft, man liebt und danket dem Geschicke. (6)
Das Hochgebirge mit der Unerlostheit und der dumpfen Wucht seiner
bloBen materiellen Masse und dem gleichzeitigen überirdisch Aufstreben-
den, über alle Lebensbewegtheit binaus Verklarten seiner Schneeregion
bringt beides in uns zu einem Klang. Jener Mangel einer eigenen und
eigentlichen Bedeutung seiner Form laBt in ihm Gefühl und Symbol der
groBen Daseinspotenzen: dessen, was weniger ist ais alle Form, und
dessen, was mehr ist ais alle Form - seinen gemeinsamen Ort finden.
(ib.: 71)
206
do século, projecta e recria uma natureza autónoma e aparentemente livre.
Filósofos e escritores ingleses como Antony Shaftesbury (1671-1713) e
Joseph Addison (1672-1719) já tinham oposto, em 1711, a expressão de
arbitrariedade e escravatura nos parques aristocráticos às virtudes da natureza
«natural» (cf. Wimmer 1989: 419). Esta batalha política em termos culturais
culmina nas aspirações naturalistas da Revolução Francesa que tenta impor,
entre outros, um novo calendário cujos nomes contemplam o ritmo das
estações e do trabalho rural. Aqui , a natureza fornece um ponto de referência
que permite projecções duma ordem igualitária e harmoniosa ao contrário
da tradicional ordem hierárquica do antigo regime. Sem ter realizado a
revolução burguesa, a Alemanha também já imagina mundos alternativos,
onde reine uma ordem natural, embora ainda pensada no quadro da monarquia
absolutista.
207
Unser heutiges Leben ist in der That nur ein gemachtes Leben, wie
Uhrwerk. Es hat gar die Veranderung, Neuheit und Mannichfaltigkeit
nicht mehr wie die Natur. Das beste Leben muB dem Wetter gleichen,
Wind und Regen und Sonnenschein, Sturm und Erdbeben, Winter und
Sommer. Unser Stubensitzen, unsre RegelmaBigkeit bringt uns um alie
Freuden. (1924: 34)
208
Esta mitificação é tão eficaz, que os lugares típicos da Alemanha medieval
se transformam rapidamente em ícones do turismo organizado. Basta lem-
brar a popularidade do Reno (Rheinromantik) com os seus castelos e len-
das, que surgem no Romantismo alemão como paisagem típica no sentido
nacional e poético. Igualmente, as pequenas cidades medievais como
Dinkelsbühl e Rotenburg ob der Tauber fazem as delícias dos turistas
estrangeiros, e até as imitações oitocentistas como o palácio de Neuschwan-
stein de Luís II de Baviera (construído entre 1868-1886) continuam a atrair
milhões de turistas todos os anos.
209
4.4 O Reno como cenário romântico
210
4.5 A floresta alemã
211
antologias de poesia medieval e de lendas e provérbios populares. O sim-
bolismo da floresta nos Mêirchen dos irmãos Grimm mereceria um estudo à
parte; a redescoberta da literatura medieval, o início da filologia germânica
e a construção duma tradição popular permitem, pelo menos ao nível cultural,
a formação duma consciência nacional que politicamente ainda não existe.
Ein Dorf ohne Wald ist wie eine Stadt ohne historische Bauwerke, ohne
Denkmaler, ohne Kunstsammlungen, ohne Theater und Musik, kurz ohne
gemütliche und künstlerische Anregung. (apud Schama 1996: 131)
212
Já em 1971, Beuys se tinha referido ao mesmo espaço mítico numa acção
directa que visava ultrapassar as normas tradicionais da comunicação cultural.
Para impedir a transformação duma floresta perto de Düsseldorf em campos
de ténis, Beuys e os seus alunos varreram ritualmente a zona e pintaram
cruzes e círculos nas árvores ameaçadas para evocar os antigos espíritos
elementares.
( ... ) mir ist, als wenn man an einem schõnen Septembertage das gelbwer-
dende Laub betrachtet; gesund und heiter, aber etwas Wehmut, etwas
Heimweh, Sehnsucht nach Wald, See, Wiese, dir und den Kindern, alles
mit Sonnenuntergang und Beethovenscher Symphonie vermischt. (35)
213
mostra o sujeito monumental em face duma paisagem montanhosa ilumi-
nada pela luz divina, enquanto o Monch am Meer de 1809 reduz a figura
consideravelmente e apresenta céu e mar como reflexos da omnipotência
natural.
Der Gegenstand als vaterlandische Gegend wird nicht nur für alie diejenigen
von Interesse seyn, welche die Reise dahin noch untemehmen wollen,
sondem auch für alie, die bereits dort waren, und denen diese Nachreise
nur eine erfreuliche Erinnerung seyn kann. (apud Oettermann 1980: 169)
214
Enquanto a popularidade e a subsequente produção de novas telas estagnam
a partir de 1850, a Alemanha vive de 1880 a 1900 um novo apogeu desta arte
popular. Financiados por sociedades anónimas com elevada capacidade
financeira, novos panoramas são instalados nas principais cidades do império
e atraem, ao longo destes anos, mais de 1O milhões de espectadores. Em
Hamburgo, concorrem três instituições, oito em Berlim e em todas as gran-
des exposições industriais da época são igualmente mostrados panoramas.
Erst das Jahrhundert der exakten Wissenschaft, der Photographie und der
Eisenbahnen ermoglichte die umfassenden Studien, welche die wissen-
schaftliche Grundlage des groBen Werkes bilden. Nur ein Künstler, der an
Ort und Stelle die gründlichsten landschaftlichen, volkstypischen und
archaologischen Forschungen gemacht hatte, vermochte den unzahligemale
dargestellten Gegenstand in so durchaus neuer Weise behandeln. (apud
Oettermann 1980: 217)
215
Os panoramas actuais (Einsiedeln, Altotting e o Bauernkriegspanorama de
Wemer Tübke - pintado de 1976 a 1989 - em Bad Frankenhausen) que
atraem milhões de visitantes, oferecem ainda a possibilidade de viver, embora
já num contexto cultural completamente diferente, uma experiência visual
que proporcionou a um século inteiro a ilusão duma apropriação total da
natureza e da história. O ambiente idílico e o pathos, que dominam a pintura
paisagística alemã no século XIX, integram-se sem grandes problemas na
sociedade burguesa; o triunfo económico e político desta burguesia provoca
reacções artísticas que põem termo à estética da representação na qual a
mimesis da natureza tinha ainda um papel central.
Na base deste movimento para fora está a exploração das zonas rurais à
volta das cidades:
216
Por outro lado, a cultura do passeio instituiu também uma diferenciação
genérica de papéis sociais e dos respectivos corpos (masculino e feminino);
a vida nos espaços naturais prolonga e diversifica os esquemas essenciais da
sociedade burguesa que se delimita tanto da aristocracia improdutiva como
do povo inculto. O saneamento básico das cidades, que se realiza no decorrer
do século XIX, inclui também as zonas verdes dentro e fora das cidades
que se encontram ainda cheias de lixo, excrementos e cadáveres animais.
A natureza recriativa exige pureza e limpeza, a sua estética não tolera os
incómodos da civilização e ainda menos os resíduos (humanos e materiais)
da produção industrial.
Esta ausência duma cultura urbana moderna traz consigo a valorização dos
espaços naturais, não só das florestas, mas também do pequeno quintal arren-
dado nos arredores da cidade. Esta instituição tipicamente alemã, o Schreber-
garten ou Kleingarten que surge a partir de 1864, assim denominado em
memória do médico e pedagogo Daniel Gottlob Moritz Schreber (1808-
-1861 ), existe ainda em muitas regiões da Alemanha; a sua estrutura
característica (cerca de 300m2) que junta o agradável (flores, sombra, sossego,
relva, um pequeno pavilhão em madeira) ao útil (legumes e fruta, trabalho
ao ar livre), é uma versão em miniatura do sonho burguês duma harmonia
total entre trabalho e natureza, espaço saudável e vida humana.
A parcela individual numa zona «verde pública» (que tem, desde 1919, o
seu próprio estatuto jurídico) recria em poucos metros quadrados um universo
aparentemente intacto e controlável. Mas, com a expansão demográfica e
espacial das cidades e a poluição do ambiente, o Schrebergarten torna-se
numa forma obsoleta de evasão e a progressiva industrialização dos lazeres
cria outros cenários naturais que são comercializáveis de uma forma muito
mais rentável e eficaz.
217
é de admirar que o jardim ocupe um lugar importante na discussão pública
do século XVIII (cf. Wimmer 1989: 426 e segs.). Para os teóricos ingleses ,
o gardening torna-se uma forma de arte, e os filósofos alemães acompanham
esta valorização da Gartenkunst, que implica igualmente uma nova visão
global da natureza.
Dieser Ort schien nach seinem Charakter und nach seinen Wirkungen
vorzüglich von der Natur zum Ruheplatz eines Geistes bestimmt, der von
den grossen Geschaften der Welt zurückkehrt zu der Einsamkeit des
geliebten Landes, der seinen Abend im eigenen ruhigen Schatten feiern
will, unter dem Nachgenuss seiner offentlichen Verdienste, und unter der
stillen Wonne eines wohltatigen Privatlebens. Kein Sturm der Hõfe, kein
Zwist der Konige mehr; die ganze Welt scheint von hier aus besanftigt und
befriedigt. Alle Szenen umher winken ihm Ruhe und sanfte Erquickung
zu. (Borchardt 1953: 15)
218
tismus) a fim de compensar os efeitos nocivos e destrutivos da civilização
moderna. O povo devia aproveitar os jardins públicos também durante a
semana - «Wir brauchen keine Sonntagsgarten» (Wimmer 1989: 364) - e
por isso ter o direito de pisar a relva, brincar e dançar no jardim e tomar
banho nos lagos.
219
Uma destas formas é o aproveitamento e a transformação da natureza concreta
em realidade mediática. Desde 1994, vários canais de televisão apresentam
durante o dia inteiro as «sete maravilhas do mundo», transportando também
o público alemão para os lugares mais espectaculares do planeta. Por outro
lado, já está em elaboração, desde 1985, uma rede informática chamada
Terravision, um projecto americano-alemão que pretende nada mais nada
menos do que criar um segundo mundo digitalizado que permita viajar no
tempo e no espaço, isto é, através das suas representações arquivadas e
preparadas para uma utilização interactiva.
Os novos parques que, por razões de clima e poluição industrial, são instalados
em grande parte em áreas cobertas, também incluem elementos tropicais e
exóticos (plantas, animais, temperatura adequada) , estruturas de divertimento
(parques aquáticos, instalações desportivas, etc.) e de consumo (cafés, bares,
restaurantes, supermercados) e recriam, assim, um conjunto harmonioso de
«natureza», férias e consumo.
220
x .....tll(~;;.; . : : z
}::C:: j{j;;::(/Ci:i.::}:n'.:::/
Bibliografia aconselhada
221
- Actividades propostas
t
A. O.
222
IV. TEMPOS
1. A Alemanha de 1815 a 1848
Resumo
Objectivos
227
A época entre o Congresso de Viena e a Revolução de Março de 1848
representa uma faseimportante na constituição da nação alemã e das estruturas
políticas e económicas que caracterizam o estado e a sociedade modernos. A
Revolução Francesa e as subsequentes invasões francesas tiveram efeitos
mais importantes na Alemanha do que em outros países europeus. Ao des-
truir o obsoleto Sacro Império Romano-Germânico e ao evidenciar a su-
perioridade de modelos políticos, sociais e militares diferentes, a França
revolucionária colocou os territórios alemães perante a necessidade de re-
formas que, no contexto conservadoc-do poder político·, tinham sido siste-
maticamente adiadas.
229
O espaço alemão de 1815 a 1848 oferece um exemplo particularmente
significativo deste duplo carácter da historiografia cultural e social, que
constrói o passado a partir dum projecto que visa o presente e o futuro da
instituição científica e da sociedade que a suporta. Assim, os estudos na área
da história cultural, literária e social integram-se, desde meados do século
XIX, nas grandes tendências antinómicas que têm vindo a caracterizar, até
hoje, a reflexão sobre os vários níveis da sociedade alemã.
Por outro lado, a restauração conhece, entre 1815 e 1848, várias fases e
tendências até contraditórias. Apesar de terem revelado abertura à introdu-
ção do sistema constitucionalista durante o Congresso de Viena, os dois
Estados mais importantes da Liga Alemã, a Prússia e a Áustria, recusam
cada vez mais uma representação política significativa da burguesia e do
povo. Neste sentido, a política da Liga é uma reacção às tendências gerais de
230
uma Europa cujos sistemas políticos se adaptam mais ou menos facilmente
à realidade complexa do moderno estado industrializado.
231
- Grenze
des deutschen
Bundes
I.
Kgr. Polen
11'
li !1.1
Kaiserreich Õsterreich
1 · 1·11
1 1 1
1 i
Entre 1815 e 1848, porém, a Áustria ainda domina a aplicação das decisões
restritivas do Congresso de Viena. O complexo sistema repressivo, reforçadp
e alargado várias vezes, é representado pelo príncipe Klemens Wenzel von
Mettemich (1773-1859) que,. até à sua demissão forçada em 1848, não se can-
sará de combater todas as tendências líberais e oposicionistas nos territórios da
Liga. Na sequência do assassinato do escritor e espião russo, August von
Kotzebue (1761-1819), em23 de Março de 1819, Mettemichconvoca uma con-
ferência em Karlsbad ,para promulgar uma série de decretos que proíbem as
associações estudantis, instalam uma vigilância generalizada sobre as univer-
sidades e os professores; introduzem a censura prévia para todos os jornais e
livros com menos de 320 páginas e criam uma comissão central de fiscalização
que deverá vigiar e perseguir todas as actividades consideradas revolucionárias.
232
O escritor Heinrich Reine caracteriza esta época da maneira seguinte:
Eine widerwartige Realq:ion trat gegen allen Liberalismus, gegen jede heitre
und freye. Manifestazionen. des Lebens, Die F;rêimmeley hatte.
'
gute Tage
; . ..
233
em Portugal, suscitou um entusiasmo popular que não se esgotou na derrota
de Napoleão. Não é por acaso que as cores da bandeira da Liga (vermelho,
preto, ouro) - que são ainda as cores nacionais da Alemanha actual
- foram retiradas dos uniformes dos voluntários que lutaram contra as
tropas francesas.
Mas estes princípios duma nova consciência nacional tinham uma falha que
viria a influenciar duma maneira perniciosa os destinos da futura Alemanha.
Na ausência duma base territorial bem definida e de uma estrutura estatal
adequada, o patriotismo alemão definiu-se em grande parte a partir duma
francofobia sanguinária. Na festa do Wartburg não são queimados unica-
mente os símbolos do absolutismo, mas também livros considerados con-
trários às ideias nacionais. Este nacionalismo tacanho, que favorece tam-
bém, a partir dos anos 20, um anti-semitismo cada vez mais virulento, tor-
na-se entre as facções mais conservadoras da oposição parte integrante do
conceito de identidade nacional alemã, enquanto as correntes mais liberais
situam a Alemanha no contexto europeu e se identificam com a luta dos
gregos contra a ocupação turca ( 1821-1829) e a insurreição na Polónia (1830).
Esta perspectivação internacional representa, porém, só uma faceta da
ambígua identidade nacional desejada.
234
Na discussão pública, estes diferentes aspectos do projecto alemão conden-
sam-se em três figuras alegóricas, que personificam as principais tendências
do imaginário nacional.
$ommtr. 5pitja~r.
235
Die Jungfer Europa ist verlobt
Mit dem schonen Geniusse
Der Freyheit, sie liegen einander im Arm,
Sie schwelgen im ersten Kusse. ( 1993-1997: IV, 92)
Por outro lado, o passado feudal e absolutista da Europa favorece uma atitude
de. resignação, tematizada de. maneira paradigmática no romance Die
Europamüden de Ernst Willkomm (1810-1886) de 1838, que antecipa os
movimentos decadentistas e escapistas do fim-de-século (cf. Cap. IV,3).
A bipolarização partidária entre esquerda ,,e direita, que, se acentua a partir de
' " , ·'
236
--.,__
Mas, enquanto Bettina von Arnim dedica ainda o seu livro ao rei da Prússia,
o Hessische Landbote de GeorgBi.ichnerjá articula uma crítica muito mais radi-
cal. O texto começa com as palavras «Friede den Hi.itten ! Krieg den Paliisten !»
(em alusão à Revolução Francesa de 1789) e àcaba com a promessa:
«Deútschland ist jetzt ein Leichenfeld, ba.ld wird es ein Paradies sein» (Büchner
1976: 142). Este panfleto de 183_3 é de tal modo violento nas suas conclusões,
que Büchner terá de 'fugir para evitar a prisão. As situações denunciadas
por Bi.ichner não se limitavam ab estado de Hessen; em 1842, nas grandes
cidades comerciais da Liga, entré 20 e 50% da população vfram~se obrigados
a recorrer à assistência social. Os governos _não conseguiram elaborar uma
política social eficiente e tomaram, no caso de conflitos concretos, o partido
dos empresários e da ordem. Assim, a revolta dos tecelões famintos da Silésia
contra um sistema desumano e repressivo, em 1844, é derrotada pela força
militar. Mas esta revolta transformou-se, num símbolo do sofrimento e da
insurreição nos textos literários da época (de Heine, entre outros) e, mais
tarde, nas gravuras de Kathe Kollwitz (1867-1945) e na peça Die Weber
(1892) de Gerhart Hauptmann· (1862-1946).
237
promulgada em 1874 e até à Primeira Guerra Mundial, morrem ainda milhares
de pessoas desta doença.
List, que tinha visto durante a sua estadia nos Estados Unidos a importância
primordial dos meios de transporte modernos para o desenvolvimento eco-
nómico, tomou-se um promotor incansável da construção de linhas férreas
nos estados alemães, linhas férreas que, em poucos anos, transformaram
radicalmente a realidade sócio-económica e a construção ideológica duma
futura Alemanha unida. A criação dum mercado nacional e a mobilidade
geral de bens e pessoas pôs termo ao isolamento das culturas regionais, criando
'1
novas mitologias patentes, por exemplo, nas utopias socialistas que preconi-
zam um progresso ilimitado e um paraíso finalmente ao alcance de todos.
Em Deutschland. Ein Wintermarchen (1844), Heine profetiza esta totali-
dade de progresso material e plenitude estética e sensual nos versos seguintes:
Es wachst hienieden Brod genug
Für alle Menschenkinder,
Auch Rosen und Myrten, Schõnheit und Lust,
Und Zuckererbsen nicht minder. (1993-1997 : IV, 92)
238
Com efeito, o ensino básico atinge até 1848 uma taxa de integração que
ultrapassa, sobretudo nos estados protestantes, o nível ainda bastante defi-
ciente da Inglaterra e da França. Na Prússia, cerca de 82% das crianças
frequentam a escola em 1848 e o analfabetismo baixa, na mesma altura,
para 20% em geral (contra 40-45% em França e na Inglaterra), embora com
grandes diferenças regionais. A Saxónia e a Vestefália, por exemplo, contam
no início dos anos 40 só com 1 a 2% de analfabetos (cf. Wehler 1987: 478-
-485, 504-525).
239
universidade de Gõttingen contavam-se, em 1996, cerca de30 000 estudantes.
Os estudos nas universidades da Liga Alemã eram livres, sem qualquer plano
definido, sendo a maioria dos estudantes protestantes de origem burguesa.
Os judeus compunham 10% dà população académica, sobretudo nas
faculdades de direito e de medicina que proporcionavam uma formação em
profissões menos sujeitas à discriminação. A mobilidade de doce·ntes edis-
centes entre as várias universidades alemãs constituiu umarede académica
nacional particularmente aberta a movimentos reformadores e contestatários .
240
variedade temática e formal bastante ampla que vai desde a informação sobre
as mais recentes publicações científicas nacionais e estrangeiras nas
Gottingische Gelehrte Anzeigen às primeiras revistas ilustradas (Illustrierte
Zeitung de Leipzig, desde 1843 ). As numerosas editoras - as mais conhecidas
são Campe em Hamburgo, Cotta em Augsburgo e Brockhaus e Reclam em
Leipzig - organizam-se desde 1825 na associação dos livreiros alemães
(Borsenverein der deutschen Buchhiindler) e com a lei da assembleia federal
de 1835, que proíbe as edições piratas correntes, inicia-se uma legislação
reguladora que integra as actividades culturais no moderno estado de direito.
Por outro lado, a imprensa continua até 1848 a ser alvo de medidas repressivas
que contribuem para o ambiente de tensão que precede a Revolução de Março
e que transformam o jornalismo crítico numa profissão de alto risco.
241
Ao nível do divertimento, as feiras rurais e populares integram o comércio
e a evasão para um público que não tem acesso às imponentes institui-
ções culturais como museus, teatros urbanos e óperas. O Panorama, inven-
tado nos finais do século XVIII na Inglaterra, continua, com as suas pintu-
ras circulares que representam cidades famosas, cenas bíblicas e vitó-
rias militares alemãs, a ser uma das principais atracções das grandes cidades
(cf. Cap. IIl.4).
242
prestaram a ser instrumentalizadas pela ideologia nacionalista e imperialista,
são um capítulo particularmente interessante da cultura alemã.
Depois das primeiras revoltas nas zonas rurais, que conseguiram libertar os
camponeses das últimas restrições feudais, os movimentos contestatá-
rios, nas principais cidades da Liga Alemã, confrontaram o poder com um
extenso catálogo de reivindicações de ordem liberal e democrática. Em Viena
e Berlim, o conflito transforma-se rapidamente em guerra civil, a população
constrói barricadas que, na capital prussiana, são atacadas por 15 000
soldados. As lutas de rua, que acabam com a vitória dos revolucionários,
fazem centenas de mortos. O rei da Prússia vê-se obrigado a homenagear as
vítimas da revolução e a retirar todas as tropas de Berlim; em Viena,
Metternich e a corte têm de fugir e uma assembleia constitucional assume
o poder.
243
uma nova estrutura social, administrativa, judicial e militar no contexto da
constituição a elaborar e institucionalizar um Estado nacional alemão que
teria de limitar necessariamente a soberania dos seus membros, já que a Liga
Alemã continuava a existir formalmente. A recusa da Áustria em renunciar
aos seus territórios de etnias diferentes tornou inviável a
grande Alemanha ( grofideutsche Losung), e a solução dum império sem a
Áustria (kleindeutsche Losung), que foi finalmente adoptada, fracassou
com a recusa do rei da Prússia em aceitar a coroa imperial das mãos dos
revolucionários.
244
728 300 alemães, entre eles muitos especialistas e quadros qualificados,
deixaram o país. Por outro lado, já não era possível anular uma série de
resultados positivos do processo revolucionário, tal como a reforma agrária
e o fim definitivo de feudalismo. Os governos viam-se também obrigados
a iniciar uma política social e a praticar uma abertura económica que
permitiu prosseguir a rápida industrialização da Alemanha. Mesmo
permanecendo monarquias, os estados alemães adoptaram, embora duma
maneira diluída, estruturas constitucionais e os trabalhos parlamentares de
Frankfurt criaram um conjunto de direitos fundamentais, princípios e
perspectivas que inspiraram as tendências democráticas da vida política
alemã durante um século. Na dialéctica de revolução e contra-revolução
cristalizaram-se igualmente as seis forças principais que iriam dominar a
cena política alemã até 1933: Konservatismus, volkischer Nationalismus,
Nationalliberalismus, Linksliberalismus, politischer Katholizismus, Sozial-
demokratie.
245
Bibliografia aconselhada
Actividades propostas
246
2. A Alemanha Guilhermina
Resumo
Objectivos
249
É do seguinte modo que, em Gotzendammerung, Friedrich Nietzsche carac-
teriza a Alemanha resultante da unificação em 1871:
Die Deutschen - man hiess sie einst das Volk der Denker: denken sie
überhaupt heute noch? Die Deutschen langweilen sich jetzt am Geiste,
die Deutschen misstrauen jetzt dem Geiste, die Politik verschlingt allen
Ernst für wirklich geistige Dinge - «Deutschland, Deutschland über Alles»,
ich fürchte, das war das Ende der deutschen Philosophie ... «Giebt es
deutsche Philosophen? giebt es deutsche Dichter? gibt es gute deutsche
Bücher?» fragt man mich imAusland. Ich errothe; aber mit derTapferkeit,
die mir auch in verzweifelten Fallen zu eigen ist, antworte ich: «Ja,
Bismarck!» - Dürfte ich auch nur eingestehn, welche Bücher man heute
liest? ... Vermaledeiter Instinkt der MittelmaBigkeit ! (Nietzsche 1980: VI,
103-104)
251
$;
aponta antes para uma nova fase iniciada com esta primeira Alemanha
unificada, com consequências decisivas para o emergir do totalitarismo nazi
no século XX.
Contudo, desde os anos 30 que a Prússia preparava uma solução que seria
decisiva nesse processo: a união aduaneira, gradual e eficaz, excluindo pro-
gressivamente a Áustria e os seus Estados satélites, havia permitido a união
económica de facto, por volta de finais dos anos 60, passo esse a que a
decisão de «reconquistar» à Dinamarca a região do Schleswig-Holstein viria
a conferir novo peso. A união dos Estados do Norte da Alemanha (Nord-
deutscher Bund) que daí resultaria permitiria um esboço de união, segundo
os planos hegemónicos da Prússia, patentes na guerra que dividiria os adeptos
das duas grandes potências alemãs , em 1866, a que se viria a acrescentar,
entre 1867 e 1871, a guerra franco-prussiana, que uniria numa causa comum
os Estados alemães ainda divididos.
Auch nach der Niederlage im ersten totalen Krieg und den Gebietsver-
lusten von 1918, auch nach der Zerschlagung der nationalsozialistischen
Diktatur hat das Kaiserreich die politische Vorstellungswelt und die
politische Phantasie der Deutschen weiterhin besetzt. Trotz seiner im
Grunde kurzlebigen, nur fünfzig Jahre wahrenden Existenz galt es als der
«eigentliche» deutsche Staat. Als auf den Trümmem des «Dritten Reiches»
die beiden deutschen Neustaaten von 1949 entstanden und 1990 durch
einen vi::ilker- und staatsrechtlichen FusionsprozeB vereinigt wurden ,
beharrte die Umgangsprache auf dem Begriff der «Wiedervereinigung»,
obwohl es beide Staaten vor 1949 nie gegeben hatte. Auch darin trat
die pragende Kraft des reichsdeutschen Nationalismus zutage. (Wehler
1995: 490)
252
A questão que aqui se levanta não só se revela fundamental dentro da perspec-
tiva de que toda a leitura do passado remete fundamentalmente para o nosso
presente e projectivamente para o futuro que, em parte, depende dos mesmos,
como enuncia implicitamente a pergunta acerca da relação entre esta solução
nacional e a catástrofe nazi.
Que as respostas não podem ser unilaterais e que não se pode ocultar a multi-
plicidade de causas políticas, económicas, ideológicas, sociais deverá ser o
primeiro aspecto a reter-se.
Sublinhe-se, contudo, que a tese da via específica alemã não surgiu apenas
na sequência da II guerra, mas já era anteriormente apontada, então na sua
vertente positiva: a Alemanha teria conseguido um equilíbrio entre moder-
nização e preservação de estruturas conservadoras, com as vantagens visí-
veis no seu poderio económico ou na excelência das suas universidades,
quer na vertente teórica, quer prática.
Depois de 1945, a via específica alemã passou a ser vista com outros olhos,
interrogando-se os historiadores acerca da questão de se saber se as raízes da
catástrofe do nacional-socialismo não poderiam estar exactamente na era
bismarckiana, momento em que a Alemanha, finalmente unida, se trans-
formara rapidamente numa potência da Europa Central e mundial, ocupando
com os EUA e a Grã-Bretanha um lugar cimeiro, tendo culminado esse desen-
volvimento numa temível política belicista e expansionista.
253
2.2 A economia na era guilhermina
Entre 1871 e 1914, a população aumentou em 58% (de41,1 para 64,9 milhões
de habitantes), verificando-se simultaneamente a diminuição da taxa de morta-
lidade infantil, bem como o aumento da esperança média de vida. Assim a
Alemanha guilhermina possui uma população maioritariamente juvenil,
vendo-se igualmente dotada de enormes recursos em matéria de mão-de-obra.
254
Para além das indústrias clássicas do ferro, do aço e dos caminhos de ferro,
assistir-se-á ao surto das indústrias química e electrotécnica (Siemens, AEG),
sectores em que aAlemanha passará a dominar a economia mundial. O capi-
tal financeiro torna-se simultaneamente cada vez mais poderoso, surgindo
uma poderosa oligarquia neste sector.
2.3 As classes
Por outro lado, a nobreza prussiana mantém o seu poder quer económico,
quer político, fruto de uma tradição que, já em séculos anteriores, se havia
desenvolvido: a exportação de cereais para a Alemanha Ocidental e outros
países europeus havia permitido o seu florescimento continuado, favorecido
pelo surto urbano já séculos antes. Introduzindo, como em Inglaterra, as
novas técnicas agrícolas e os novos métodos de exploração capitalista da
propriedade fundiária, essa mesma nobreza manterá, ao contrário do que
sucedera em Inglaterra, a sua total independência da burguesia, formando
consequentemente um grupo com interesses próprios que raramente articulará
com os nacionais.
255
Será essa mesma nobreza e os elementos dela oriundos que virão a exercer
uma redobrada influência, depois dos conflitos bélicos que parecerão trazer,
até 1914, a garantia da supremacia alemã.
256
-Bretanha, a França ou Holanda lhe dera um papel essencial na consolidação
de estruturas de formação de uma contra-opinião.
Por outro lado, o emergir de uma classe operária cada vez mais numerosa e
crescentemente dotada de um considerável poder de associação e organi-
zação levará a que a burguesia liberal se veja cercada por duas forças anta-
gónicas.
2.4.1 A unificação
257
O seu papel carismático marcaria profundamente o horizonte político
de uma Alemanha que, conquistada a unidade, projectava na figura do seu
líder os seus anseios e expectativas, relegando o papel da sociedade civil e
dos seus grupos activos para segundo plano. Tal tendência não deixaria de
marcar profundamente o modelo político alemão até 1945. E não será
certamente de estranhar, neste contexto, a clássica associação de Max
Weber entre modernização e burocracia de Estado, bem como o conceito
de «carisma» por ele introduzido e posteriormente vulgarizado na gíria
política. Os primeiros passos dados pouco antes da unificação, os conflitos
que dividiram os alemães entre si e a guerra que os opôs à França contribuiriam
sintomaticamente para o emergir dessa figura nas suas qualidades caris-
máticas.
258
War~chau
Graz
•
Reichsgrenze 1871
li Saargebiet 1919-1935
Mas uma outra evolução será decisiva para a mesma, a saber a guerra
franco-alemã (1870/1871). Em 1871, a união entre todos os Estados alemães
(v. figura acima reproduzida a partir de Gortemaker 1989: 338) será pos-
sível, dada a aliança dos Estados do Sul da Alemanha com os territórios
do norte em torno dessa causa comum. No mesmo ano, na sala dos Espelhos
de Versalhes , Luís II da Baviera (1845-1886), proclama, em nome dos
príncipes alemães, Guilherme I imperador.
259
O Conselho Federal (Bundesrat) é o mais importante órgão com poderes
legislativos, competindo ao Imperador a representação externa e a nomea-
ção do Chanceler Federal. Este corresponde ao cargo de primeiro-ministro
da Prússia, presidindo ao Conselho Federal e superintendendo a toda a
administração.
O pretexto para a sua repressão foi fornecido por dois atentados contra o
Imperador Guilherme I em 1878. No mesmo ano, o Parlamento aprovava o
Sozialistengesetz, com 221 votos a favor, por parte dos Nationalliberalen e
dos Conservadores contra 149 do DFP (Deutsche Freiheitspartei) e do SAP
(Sozialistische Arbeiterpartei). Esta legislação proibia toda a organização
e imprensa social-democrata, socialista e comunista. Tal manifestação
de poder arbitrário levaria a inúmeras prisões e milhares de militantes ao
exílio, mas não impediria que os atingidos continuassem a organizar-se na
clandestinidade, saindo os social-democratas reforçados na sua influência e
vontade de resistência.
260
que alguns dos problemas essenciais permanecerão por resolver. A redução
do horário de trabalho, o direito ao descanso ao domingo, a limitação do
trabalho feminino e infantil, a existência de um salário mínimo serão medidas
que ainda ficarão por tomar.
2.5 .1 Ensino
26 1
de camadas menos favorecidas, quer ao ensino primário, quer ao liceal.
A democratização do ensino será assim bastante mais eficaz do que
na Grã-Bretanha, onde o modelo liberal sancionará a divisão em clas-
ses, mediante o ingresso da maioria da população em escolas esta-
tais, de menor qualidade, sendo as escolas privadas reservadas às elites
económicas e políticas. Assim, a Alemanha será um dos países com
maior taxa de alfabetização, com as consequências óbvias para a sua
economia.
262
2.6 Vida quotidiana: a família
É certo que a realidade será outra nas classes rurais: a economia ainda
depende excessivamente do espaço familiar como esfera de produção e de
consumo para que a mulher seja entendida e tratada como ser essencial-
mente caseiro e passivo. A intimidade, para a qual é necessária uma con-
cepção diferente do espaço e a equivalente área e subsequente divisão, ainda
não é generalizada: as crianças são educadas em conjunto com os adultos,
não se lhe reconhecendo um estatuto especial, ao contrário do que sucedia
nas classes burguesas.
263
ritário, embora se assistisse a um crescimento de 13,3% para 18,2%, entre
1882 e 1907 (Nipperdey 1993). Uma percentagem bastante mais elevada
trabalhava em casa, na confecção de vestuário, fabrico de brinquedos ou na
prestação de serviços domésticos temporários.
Assim, a família nuclear pode ser vista como a miniatura da sociedade gui-
lhermina com todos os seus elementos positivos e negativos. Para a bur-
guesia ela constitui um espaço de refúgio, de humanidade e de cultura, de
consolidação de laços afectivos, de descoberta do lazer e do direito ao prazer
e à infância. Mas esse espaço de refúgio e de protecção contém em si
igualmente elementos marcadamente autoritários, simbolizados, sobretudo,
pelo patriarca da família, que controla económica e juridicamente esse
espaço, que pode dispor do destino da mulher e dos filhos de um modo
quase ilimitado.
264
consagrando a superioridade alemã, consoante as necessidades de um nacio-
nalismo agora com efectiva contrapartida económica e política.
Das bürgerliche Interieur der sechziger bis neunziger Jahre mit seinen
riesigen, von Schnitzereien überquollenen Büffets, den sonnenlosen Ecken,
wo die Palme steht, dem Erker, den die Balustrade verschanzt und den
langen Korridoren mit der singenden Gasflamme wird adaquat allein der
Leiche zur Behausung. «Auf diesem Sofa kann die Tante nur ermordet
werden» . Die seelenlose Üppigkeit des Mobiliars wird wahrhafter Komfort
erst vor dem Leichnam. Viel interessanter ais der landschaftliche Orient in
den Kriminalromanen ist jener üppiger Orient in ihren Interieurs: der
Persenteppich und die Ottomane, die Ampel und der edle kaukasische
Dolch. Hinter den schweren gerafften Kelims feiert der Hausherr seine
Orgien mit den Wertpappieren, kann sich ais morgenlandischer Kaufherr,
ais fauler Pascha im Khanat des faulen Zaubers fühlen, bis jener Dolch im
silbernen Gehange überm Divan eines schõnen Nachmittags seiner Siesta
und ihm selber ein Ende macht. (Benjamin 1980: II.1, 89)
265
tarefas a que se dedicavam eram do foro da educação ou de auxílio huma-
nitário: o ensino e a medicina eram algumas das actividades que mais se
pareciam coadunar com a sua natureza e a sua diferença, gradualmente
fixada a partir do foro biológico.
266
fora de uma «raça» que se considera dever manter-se «pura», tanto mais
condenável será. A descoberta de que o explorador Carl Peters ( 1856-1918),
quase herói nacional pelas suas expedições na África Oriental, coabitava
com uma mulher africana foi objecto de condenação social, o mesmo
sucedendo com os devaneios homossexuais do industrial Friedrich Alfred
Krupp (1854-1902).
267
forma mais consciente a clássica imagem da mulher devotada aos outros,
demitindo-se perante qualquer potencial narcisismo que permanecia um
privilégio masculino.
268
Com as invasões e a ocupação francesas dos territórios alemães, os
judeus ganhariam direitos de cidadania, situação que se manteria até
1815. Face à liberalização da economia que se verificaria simultanea-
mente, os judeus alemães alcançariam posição proeminente quer a nível
económico, quer cultural, vantagens que perderiam, após a derrota
napoleónica.
Juden Bürgerrechte zu geben, dazu sehe ich wenigstens kein Mittel als
das, in einer Nacht ihnen alle die Kõpfe abzuschneiden, und andere aufzu-
setzen, in denen auch nicht eine jüdische Idee sei. Um uns voo ihnen zu
schützen, dazu sehe ich wieder kein anderer Mittel, als ihnen ihr gelobtes
Land zu erobern, und sie alle dahin zu schicken. (apud Geiss 1988: 268)
269
Os anos 50 e 60 revelariam algum pacificação desta agressividade, que culmi-
naria na emancipação dos judeus no início do processo de unificação entre
1869 e 1872. Contudo, o mesmo ano conheceria, com o início da primeira
depressão económica, os primeiros movimentos anti-semitas, inicialmente
entre os sectores católicos, como minoria perseguida dentro de um Estado
maioritariamente protestante. O lema era o da associação, de resto, já
polemicamente utilizada por Karl Marx em Zur Judenfrage, entre o judeu e
as forças não só da usura mas do grande capital. Tal tema não demoraria a ser
instrumentalizado pelas forças políticas mais conservadoras protestantes e
católicas, unidas nesta frente comum, contra o liberalismo político e econó-
mico.
270
que estes perderiam, porém, já em 1903. Contudo, não deixava de ser
preocupante o facto de o Partido Conservador (Deutschkonservative Fartei)
ter incluído em 1893 princípios anti-semitas no seu programa.
271
O Estado unificado rejeitava assim um grupo que representava uma das
mais conseguidas simbioses culturais: os judeus eram obrigados a pagar o
preço pela sua ambivalência e estranheza para as quais não havia lugar
(Bauman 1991).
Com efeito, o alemão foi até 1933 a língua oficial do sionismo: língua franca
nos seus congressos e aquela em que os seus textos fundamentais - como
é o caso de Judenstaat (1896) de Theodor Herzl (1860-1904) - foram
publicados. E que terá sido o sionismo senão mais uma reacção a uma polí-
tica nacionalista, originando, por sua vez, outros fenómenos de exclusão
até aos nossos dias? A reacção quer de cristãos quer de judeus, por muito
distantes que as convicções religiosas se tivessem tornado, mostrava bem até
que ponto a ambivalênciajudaica era o verdadeiro estigma dessa «questão»
(Bauman 1991).
M.R. S.
272
das colónias alemãs na América do Sul e, nomeadamente, no Brasil. A libe-
ralização da emigração no século XIX, o contexto internacional diferente e
o imperialismo oitocentista inglês e francês criaram uma situação que favo -
receu também na Alemanha do Reich tendências expansionistas e imperia-
listas. A Aufklarung tinha, apesar da crítica de Herder, preparado o caminho
para a legitimação ideológica do colonialismo. A teoria racista de Meiners,
cujos argumentos principais a favor da superioridade cultural e moral da
raça branca se transformaram rapidamente em lugares comuns, o uni-
versalismo europeu e a rápida evolução do comércio internacional criaram
condições favoráveis para uma segunda fase colonialista que visava regiões
ainda pouco exploradas (África, Pacífico e Oriente) .
273
(Reichsschutz) das feitorias alemãs e, no mesmo ano, são oficializadas as
primeiras colónias: Deutsch-Südwestafrika (a actual Namíbia), o Togo, os
Camarões, a Nova Guiné e o arquipélago Bismarck no Pacífico. No ano
seguinte o mesmo se passa com uma parte da África Oriental, as ilhas Marshall
no mar do Sul e ainda, em 1898-1899, Kiautschou na China e outras ilhas no
Oceano Pacífico. O total das colónias alemãs abrangeu uma população de
quase 15 milhões de habitantes (com cerca de 29 000 brancos, nem todos
eles alemães), enquanto que o império colonial britânico incluiu mais de
300 milhões de pessoas.
274
O milagre, neste caso, seria a «solução da questão colonial» e a participação
activa da Alemanha no expansionismo europeu. As mesmas ideias são
divulgadas em numerosos panfletos, artigos e revistas que tentam entusias-
mar a população com uma aventura colonial, cujas perspectivas eram no
fundo pouco prometedoras; a retórica oficial e propagandística não encontra
uma adesão popular significativa. Assim, um dos objectivos principais da
política colonial (canalizar a emigração e implantar números elevados de
colonos alemães) não foi atingido, e a brutalidade do domínio militar e a
exploração dos indígenas entraram até em conflito com as missões católicas
e protestantes instaladas nas colónias, aliás, as únicas instituições alemãs
que se encarregaram da formação e instrução dos indígenas.
Wo immer wir die Geschichte der Kolonialpolitik in den letzten drei Jahr-
hunderten aufschlagen, überall begegnen wir Gewaltthatigkeiten und der
Unterdrückung der betreffenden Võlkerschaften, die nicht selten schlief3lich
mit deren vollstandiger Ausrottung endet. (apud Frõhlich 1994: 145)
275
sol », que a Alemanha guilhermina exigia com tanta insistência, devia
compensar uma identidade nacional bastante frágil que encontrou na
Colonialbewegung e na figura heróica dos Auslandsdeutschen a sua forma
mais rígida e tradicionalista.
A. o.
É este um dos aspectos que levam Norbert Elias a referir o facto de, na
sociedade guilhermina, as regras típicas de uma sociedade de corte (Elias
1992) ainda vigorarem, com a sua ênfase na representação, na hierarquia
convencionada até ao último pormenor, onde a simulação e a aparência eram
276
factores decisivos por oposição aos valores burgueses que celebravam a
produção, a simplicidade, a sinceridade e a recompensa do talento.
277
O Estado guilhermino era a caricatura do figurino político que Hegel pro-
clamara em 1821 na sua Filosofia do Direito. Possuía uma monarquia que
decidia, na certeza da incapacidade de à maioria da população ser confiada
essa soberania. Apoiava-se numa burocracia que zelava pela manutenção da
tradicional eficiência e autoritarismo prussianos, ao mesmo tempo que sabia
organizar-se dentro das necessidades e mecanismos da economia capitalista
e mantinha estruturas que negavam os conflitos de classe, em nome de privi-
légios feudalizantes ou corporativos, sustentado por uma célula fundamen-
tal, a moderna família nuclear burguesa. Esta dividia claramente o espaço
masculino da produção do da reprodução e do consumo, onde a mulher, tida
por elemento predominantemente vegetal, gozava de escassa autonomia.
O Estado garantia o controle das forças antagonizadas pela crescente
industrialização, a defesa dos interesses crescentemente imperialistas, bem
como a sobrevivência dos antigos privilégios, modernizados, da nobreza
prussiana.
Nach der geglückten Staatsbildung von 1990 steht aber heutzutage die
N ationsbildung erneut ais schwierige Aufgabe an. Sie sollte in der Gestalt
einer sozial- und rechtstaatlichen verfaBten Staatsbürgernation auf der
normativen Legitimationsbasis eines liberal-demokratischen Grundgesetzes
mit konstitutionell garantierten, naturrechtlich begründeten Individual-
rechten gelost werden, nicht aber in Gestalt einer «Volksnation» auf der
278
-· Grundlage einer fiktiven, archaischen Abstammungsgemeinschaft,
geschweige denn ais nationaler Machtstaat, der in der Fiebertraumen des
neuen Rechtsradikalismus schon wieder die Grenzen von 1937 oder 1938
besitzt. (Wehler 1995: 491)
Bibliografia recomendada
Actividades propostas
279
mannliche Krafte. Der schone Gedanke einer menschlichen Kultur,
die nicht nach Mann und Weib fragt, ist historisch nicht realisiert, der
Glaube daran entstammt dem gleichen Gefühl, das in so vielen
Sprachen für Mensch und Mann dasselbe Wort setzte. ( ... ) (Simmel
1985: 160)
Alle Kulturgebilde, nach deren Produktion hier gefragt wird, haben
den Charakter der Dauer, sie stehen ihrem Sinne nach jenseits des
individuellen Lebens und seines zeitlichen VerflieBens. Vielleicht aber
ist diesem Schaffenstypus die ganze Art und der Rhythmus des
weiblichen Wesens prinzipiell fremd. Es tragt vielleicht, viel starker
als der Mann, den Charakter des FlieBenden, in der Forderung des
Tages Aufgehenden, auf das bloB individuelle Leben Gerichteten. Es
gehort zu den banalen Vorwürfen gegen die Frauen, daB sie keine
Objektivitat besaBen, daB ihre Hingabe eigentlich niemals einem
Gegenstand oder einer Idee, sondem in letzter Instanz immer einer
Person galte, d .h. einem Zeitlichen und gleichsam Punktuellen
gegenüber der Abgewogenheit und Überzufalligkeit, die der rein
sachlichen Interessiertheit eigen ist. Was daran richtig sein mag, hangt
sicher damit zusammen, daB die Tatigkeit der Frauen, besonders seit
der Einschrankung der hauslichen Produktion , selten «Objekte»
schafft. Die noch übrige hausliche Arbeit gilt dem Tage - woran sie
den ganzen Vormittag gekocht haben, wird in einer halben Stunde
aufgegessen - , sie ordnet sich dem Flusse und Wechsel momentaner
Ansprüche und Interessen ein, ohne ein substantielles Resultat zu
hinterlassen, das nicht wieder unmittelbar in diesen FluB hineingezogen
würde. Das Leben im Zeitlosen - das etwas ganz anderes ist ais die
Ewigkeit im religiosen Sinne - , die reine Sachlichkeit und die
unvermeidliche Einseitigkeit substantieller Arbeit, die Einordnung in
überpersonliche Zusammenhange - dies widerstrebt vielleicht dem
innersten Leben der weiblichen Seele. Hier handelt es sich also nicht
mehr darum, ob diese besonders charakterisierte Inhalte besaBe, die
in das geschichtliche Kulturleben hinein verkorpert werden konnten.
Dies mochte im Prinzip zugegeben werden und doch zugleich
behauptet, daB die typische, innere Lebensform, daB der psychische
Rhythmus der Weiblichkeit sich gegen die Produktion der Werte, die
wir objektive Kultur nennen, straubt. Es ist hier nicht die Sache,
somdem ihr Trager, nicht der seelische Gehalt, sondem die Funktion,
die ihn verwiklicht, nicht das Sein, sondem dieArt seines Werdens -
was die Aufgabe vielleicht illusorisch macht. (ib.: 173-174)
M. R. S.
280
3. Emigração, Exotismo, Escapismo: do antimodernismo
às vanguardas artísticas - tendências centrífugas na
Alemanha oitocentista
Resumo
Objectivos
283
A fragmentação tradicional do território alemão não alimentava·só o desejo
duma identidade nacional comum, mas proporcionava também uma varie-
dade de contextos definidos, uma Heimat concreta, segura e reconfortante,
apesar do seu atavismo. A industrialização e a respectiva modernização das
infra-estruturas a partir dos anos 40 começam a desagregar esta estabilidade
regional da velha Alemanha. O aumento da mobilidade social na sequência
do progresso económico manifesta-se tanto em tendências migratórias
(atracção das grandes cidades e das novas regiões industriais) como em movi-
mentos centrífugos que afastam as pessoas, quer em termos geográficos
(emigração), quer em termos simbólicos (exotismo, escapismo ). A fundação
do Reich reforça curiosamente esta dinâmica; a realização dum velho sonho
colectivo traz consigo uma forte carga de descontentamento e de desengano.
Em 1871, o império só conta 8 cidades com mais de 100 000 habitantes (um
total de 1,97 milhões), mas em 1910 já existem 48 cidades desta dimensão
(com 13,82 milhões de habitantes). Enquanto a população alemã aumenta,
neste período, de 41, 1 para 64,9 milhões, a população urbana cresce 160%.
Em 1910, já 38,97 milhões (60%) vivem em cidades; sendo a taxa média de
crescimento das cidades de mais de 200%. Esta urbanização massiva tra-
duz-se principalmente numa segregação social nos bairros residenciais e no
desenvolvimento de novas formas de vida que contemplam as necessidades
culturais (instituições de divertimento, de desporto e de lazeres) das massas
que se acumulam nas cidades.
285
Esta flutuação enorme provoca uma instabilidade social que modifica
profundamente os hábitos e tradições dos alemães. Já em 1907, quase metade
da população vive fora da sua terra natal; a mobilidade profissional
transforma-se numa prática corrente. Esta circulação da mão-de-obra per-
mite, por um lado, a uma grande parte da população melhorar as condições
de vida e conhecer outras realidades, mas cria, por outro, novas formas de
exploração e uma grande insegurança que desintegra rapidamente as estruturas
sociais tradicionais. Além do mais, a migração interna não consegue absor-
ver completamente a mão-de-obra disponível e muitos alemães vêem-se
obrigados a adoptar uma solução mais radical.
3. 2 A emigração
J a, es war das Vaterland selbst das mir begegnete, auf jenen Wagen saB das
biande Deutschland, mit seinen ernstblauen Augen, seinen traulichen,
allzubedachtigen Gesichtern, in den Mundwinkeln nochjene kümmerliche
Beschranktheit, über die ich mich einst so sehr gelangweilt und geargert,
die mich aber jetzt gar wehmüthig rührte - ( ... ). (1973-1997: V, 371)
286
De facto, durante o século XIX, quase 90% dos emigrantes alemães, sobretudo
famílias, escolhem como destino os Estados Unidos que os integram sem
grandes problemas na agricultura em expansão (go west) e na indústria.
Em outros países, porém, a situação económica e climatérica apresenta-se
menos favorável, e o destino de muitos emigrantes não corresponde às
expectativas exageradas provocadas por uma propaganda enganadora.
Der Colonist leidet allerdings keinen Mangel, sondem lebt, dank der
Hühner- und Schweinezucht, die er nebenbei betreibt, mit seiner Familie
derart, daB ihn mancher arme Schlesier und «Hundsrücker» in Wahrheit
beneiden kann, aber von wirklichem Wohlstand, von vollstandiger Ent-
faltung seiner Krafte, von glanzenden Hoffnungen für die Zukunft seiner
Nachkommen, kann heute wenigstens noch nicht die Rede sein. (301)
3.3 O exotismo
287
manifestação da subjectividade moderna, que não pode ser identificado com
a curiosidade por artefactos e representantes de outras culturas (sobretudo
ultramarinas), que se verifica também na Alemanha a partir da época das
descobertas.
288
O ponto alto do exotismo moderno é, sem dúvida, a época imperialista entre
1880 e 1914 que regista uma grande popularidade da literatura exatista,
principalmente do Abenteuerroman, da literatura de viagens e do primiti-
vismo erótico. É de salientar, neste contexto, a importância de Karl May
(1842-1912) que, apreciado, entre muitos outros, pela geração expressio-
nista e por personagens tão diferentes como Hitler e o filósofo marxista
Ernst Bloch (1885-1977) , conheceu na Alemanha uma imensa populari-
dade que continua até hoje. Ao combinar o exotismo de mundos longín-
quos com as virtudes da pequena burguesia, os romances de Karl May
são um fenómeno tipicamente alemão. As últimas obras do autor, porém,
propagam um pacifismo transcendental que entrou em conflito com o
militarismo da Alemanha guilhermina. Assim, o romance Friede auf Erden
(1904) apresenta uma comunidade cosmopolita, humanista e ecuménica na
China, longe duma Europa que já caminha para a guerra.
Ueberkultur ist thatsachlich noch roher, ais Unkultur. Hier haben also
etwaige neue erzieherische Faktoren einzusetzen, und zwar werden sie
gerade entgegengesetzt wirken müssen, wie die bisherige oder gewõhnliche
Erziehung: das Volk muB nicht von der Natur weg-, sondem zu ihr
zurückerzogen werden. (Langbehn 1890: 3)
289
O regresso à natureza concretiza-se na evocação da essência do povo alemão
e na reforma da sua educação. O novo ideal é uma mistura de arcaísmos
germanizantes e de uma valorização da arte como educadora nacional. «Der
deutsche Mensch sei individuell künstlerisch philosophisch synthetisch
glaubig frei!», por um lado, e por outro: «Aus bauerlicher Wurzel muB sich
der künftige innere Aristokratismus der Deutschen entwickeln» (ib.: 279).
Langbehn insiste ainda no carácter pacífico desta missão alemã cujas pre-
tensões são, no contexto internacional da época, completamente irrealistas:
Die Deutschen sind bestimmt, den Ade! der Welt darzustellen. Deutsch-
lands Weltherrschaft kann nur eine innerliche sein; wie auch sein Aristo-
kratismus nur ein innerlicher sein kann; aber beide werden sich trotzdem
auBerlich bethatigen und geltend machen müssen. (ib.: 223)
290
weltgeschichtliche Bedeutung des deutschen Geistes (1914) de Rudolf
Eucken, Deutschland als Welterzieher ( 1915) de Joseph August Luxe ainda
Das dritte Reich ( 1923) de Moeller van den Bruck, dirigido igualmente contra
o comunismo proletário e o liberalismo burguês, caracterizam esta tendência
progressista e reaccionária. À insistência de Langbehn numa « Volkser-
ziehung» generalizada corresponde um aumento considerável do interesse
público por questões educativas; no fim-de-século, publicam-se na Alema-
nha mais de 400 revistas e jornais pedagógicos que se orientam cada vez
mais no sentido do missionarismo alemão (Hamann/Hermand 1973: 86-87).
291
der europaischen Kultur entscheiden werde. ln der Wahmehmung der
Zeitgenossen war der Erste Weltkrieg auch, und zuweilen vomehmlich,
ein Krieg der Kulturen. Die breite Unterstützung der Kriegsführung durch
die Bildungsschichten, wie sie sich nahezu unterschiedslos in allen euro-
paischen Machten findet , speiste sich gutenteils aus solchen Quellen.
Com as raras excepções de, por exemplo autores como Hermann Hesse ( 1877-
-1962) e revistas do expressionismo como Die Aktion de Franz Pfemfert
(1879-1954), as vanguardas artísticas e as ciências sociais (Georg Simmel,
Werner Sombart) justificaram e enalteceram a guerra em nome da renova-
ção da cultura.
292
O movimento da juventude, concentrado no Wandervogel, começa em 1890
com as primeiras excursões nas regiões montanhosas; os jovens deslocam-
-se a pé, dormem em tendas e alimentam-se de uma forma simples. Esta
«vita nova» é tão frugal como sentimental; a música e a dança populares e a
apreciação da natureza pré-industrial fazem parte do ambiente destas
excursões. Ainda cosmopolita nos seus inícios, o Wandervogel integra
rapidamente rituais militares e tradições nacionalistas. As canções do movi-
mento, que conta em 1911/1912 cerca de 1200 membros, são reunidas no
Zupfgeigenhansel (1908), que vai ter, ao longo dos anos, uma série de tira-
gens com mais de um milhão de exemplares. O movimento perece na Pri-
meira Guerra Mundial, mas os seus rituais mantêm-se nas organizações de
juventude na República de Weimar e na juventude hitleriana que recupera e
perverte os ideais contestatários do Wandervogel.
Zu Beginn wurde ich wohl nur von der Naturschwarmerei angezogen und
von der Lust des jungen Menschen am gemeinsamen Erlebnis, bald spürte
ich jedoch, ohne es noch richtig zu erfassen, daB es um Entscheidenderes
ging als nur um Wandem und Lagerfeuerromantik. Soweit diese Verbande
überhaupt eine klares Programm besaBen, war einer ihrer wesentlichen
Punkte der Kampf gegen die erstarrten Formen der bürgerlichen Gesell-
schaft und gegen das Diktat der Erwachsenen in Schule und Eltemhaus.
(Ritter/Kocka 1982: 426)
293
individualista e o esoterismo ecléctico desta comunidade são represen-
tativos da primeira fase dos movimentos contestatários que, depois de
1918, se organizam cada vez mais segundo critérios ideológicos e religiosos.
Nesta perspectiva, Paul Klee que integrou mais tarde o Bauhaus (cf. Cap.
IV.4.6.1 ), escreve em 1920 a frase programática: «Kunst gibt nicht das
Sichtbare wieder, sondem macht sichtbar». Tal como a terra, a arte é um
símbolo, uma parábola de verdades cósmicas latentes: «Die Kunst spielt mit
den letzten Dingen ein unwissend Spiel und erreicht sie doch!» (Klee 1976:
118-122).
Uma série de revistas novas trabalham igualmente neste sentido: Ver Sacrum
(1898-1903) em Viena, a Jugend (1896-1940) em Muni9ue, a Insel (1899-
294
-1900) em Leipzig e Pan (1895-1900) em Munique e Berlim. Estas revistas
revolucionaram a arte gráfica ao experimentar novas correspondências entre
texto, imagem e formatação, alcançando uma qualidade técnica e estética
que poucas publicações posteriores conseguiram repetir.
295
Um dos projectos mais espectaculares do Werkbundfoi aGartenstadt Hellerau
perto de Dresden , uma síntese das tendências de reforma social e cultural na
tentativa de conciliar trabalho e vida num contexto humano e natural. Um
centro cultural apresentava as manifestações mais variadas da arte moderna
que atraíam visitantes como Paul Claudel, Franz Kafka e Martin Buber.
Depois da guerra, o Werkbund privilegiou a técnica industrial e o fun-
cionalismo formal, como na Weij]enhof-Siedlung em Stuttgart (1927).
296
resíduos se fazem ainda sentir na Alemanha contemporânea, é uma fase
decisiva na própria dialéctica da Aujklarung; o irracionalismo social que
dominará os destinos da Alemanha até 1945 problematiza radicalmente o
papel da razão e da crítica numa fase avançada da modernidade.
Bibliografia aconselhada
Actividades propostas
Seiner Auffassung nach ist der Staat das oberste Prinzip. Volk und
Nation sind seine Geschõpfe. Die Überwindung kapitalistischer
297
(
A. O.
298
4. Os Anos Vinte
Resumo
Objectivos
301
4.1 Entre o Leste e Oeste: O regresso da Kultur
Para além das implicações que este texto tem para uma caracterização da
evolução de Thomas Mann, o posicionamento do autor dos Buddenbrooks
(1901, obra a que, sobretudo, deve o Prémio Nobel) retoma um conjunto de
oposições que são paradigmáticas da história da Alemanha sua contem-
porânea.
O texto faz parte de uma série de tomadas de posição enunciadas por inú-
meros intelectuais alemães, em vésperas e no decurso da primeira guerra
mundial. As oposições que Thomas Mann fixa - e que Oswald Spengler
também utilizara em Der Untergang des Abendlandes (Spengler 1972)
- correspondem a um entendimento particular da identidade alemã e da sua
vocação de pendor fundamentalmente essencialista e isolacionista. A «alma»,
a «cultura», o «Homem alemão» representam toda uma série de valores
positivos, a saber a verdade face à aparência e à impostura de um Ocidente
cada vez mais artificial, exterior a si mesmo.
303
Mann, onde, já em 1911, o mesmo citava o escritor suíço Jakob Schaffner
( 1875-1944), mais tarde conhecido pelas suas simpatias nacional-socialistas:
Der deutsche Mensch weiB im tiefsten Grunde seiner Seele, daB seine
Eigenart in der Welt niemals verstanden u. geduldet sein wird, die deutsche
Nation muB im Gegensatz zur Welt existieren oder sie muB aufhoren, ais
solche zu existieren. (apud Mann 1979: 102-103)
304
jogo de acontecimentos e de interesses no Velho Continente. E um antigo
adversário manifestava-se agora sob novas roupagens, ameaçando subverter
a antiga ordem europeia, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, a
acenar com novos modelos e a construção de uma utopia ainda mais radical
que a que a França ousara em 1789.
305
Bismarck) e sob hegemonia prussiana, o problema da criação de uma nação
política.
Contudo, outra grande parte da classe operária parecia apoiar esta estratégia
reformista, se bem que um vasto número de trabalhadores visse com graves
reservas esta política de alianças. Foi assim que a República conheceu os
seus primeiros grandes sobressaltos. Mesmo o compromisso de tentar fazer
coexistir a democracia directa dos conselhos revolucionários com a repre-
sentação parlamentar não viria a ser consagrado, interrogando-se os histo-
riadores sobre a possibilidade de a Alemanha ter podido mais uma vez
encetar uma «via específica». Esta via era agora destruída por uma corre-
lação de forças em tudo desfavorável a esta mediação, embora outras leitu-
ras defendam a inevitabilidade do choque entre duas concepções que se
excluíam necessariamente uma à outra.
306
Assim, a República de Weimar, fundada à sombra da herança de Goethe e de
Schiller e do seu humanismo clássico, dificilmente encontrou eco na
população em geral, mesmo na maioria mais silenciosa que passou a associar
o parlamentarismo à derrota e à crise económica e social, ansiando intima-
mente por um poder musculado e paternalista que gerisse a crise, como o
viria a confirmar a ascensão, por via eleitoral, de Adolf Hitler ( 1889-1945)
ao poder e o consentimento prestado às medidas crescentemente demagó-
gicas e autoritárias. Assim a Zivilisation e a sua tradição política democrá-
tica eram contestadas à direita e à esquerda, em nome de uma Kultur, de urna
herança ou de um futuro que se adivinhava apenas a Leste.
Entre estes dois extremos uma população descontente, mas sem empenho
político, vivendo o desespero provocado, quer pela precária situação eco-
nómica, quer pelos traumas e dramas quotidianos e pessoais da guerra perdida,
aguardava, passiva, uma solução.
307
soldados que passam a organizar-se em conselhos, seguindo o exemplo
soviético. O Imperador Guilherme II vê-se obrigado a renunciar ao trono,
sendo a República proclamada pelo social-democrata Philipp Scheidemann
( 1865-1939) e confiado o executivo ao Presidente do SPD, Friedrich Ebert
(1871-1925).
Recuando perante um modelo soviético que sentia cada vez mais iminente,
o Presidente do SPD e o sucessor de Ludendorff, o General Groener, firmam
um acordo que conduzirá à realização de eleições com vista à criação de
uma assembleia nacional, o que leva a que os representantes do USPD
abandonem o Conselho de Comissários do Povo. À sua esquerda, a Liga
Espartaquista transformar-se-á no KPD (Kommunistische Partei Deutsch-
lands), liderando a revolta espartaquista os seus dirigentes Karl Liebknecht
e RosaLuxemburg (1871-1919), que morrerão às mãos dosFreikorps, postos
ao serviço do regime parlamentar em construção.
308
4.3 1923-1929/1930: a estabilidade emprestada ou a vitória da
Zivilisation?
Os anos entre 1919 e 1923 caracterizar-se-ão por uma débil situação eco-
nómica, a que acrescem as sublevações constantes. É o caso do Ruhr,
de Hamburgo e de Munique, onde é criada uma República de conselhos
revolucionários, rapidamente abolida, através de uma sangrenta intervenção
armada.
309
4.4 1930-1933: o regresso da Kultur?
Com efeito, entre 1930 e 1933, assiste-se a uma evolução cada vez mais
favorável à radicalização e imposição do ideário nacional-socialista.
A situação surgia favorecida, por um lado, pelas deficiências da Constitui-
ção da República de Weimar - corrigidas, de resto, em 1949, na Lei Fun-
damental da RFA - por outro, pelo facto de, entre 1924 e 1929, o sucesso
da política externa de Stresemann não ter conseguido pôr cobro aos
conflitos sociais e a precariedade da situação económica só ter sido pro-
visoriamente ultrapassada. O desemprego mantinha-se como uma cons-
tante.
310
Ao escolher esta via, a Alemanha não optava por uma solução particular,
mas antes por uma solução semelhante à de outros estados europeus, desi-
gnadamente a do fascismo italiano (1929) , em cujo modelo os nacional-
-socialistas também se haviam inspirado, à semelhança de Portugal (cf.
Constituição de 1933) e da Espanha (1939). As SA (Sturmabteilung), em
breve substituídas pelas SS (Schutzstaffel), disseminavam o terror de um
regime em torno de um Führer que sabia dividir os seus correlegionários
para afirmar a sua omnipotência. Entre a adesão das massas , devidamente
manipuladas e o terror dos grupos nazis, a Alemanha abdicava da democra-
cia recentemente conquistada. Restava saber se prevaleciam os argumentos
a favor da Kultur ou da Zivilisation .
311
Com efeito, a República de Weimar nasceu de uma situação de emergência,
terminando com outra ainda mais fatal para a identidade alemã. Também é
certo que essa situação de excepção, decorrente dos acontecimentos de 1918,
não pusera cobro a uma tradição que remontava à era bismarckiana e a uma
determinada maneira de entender a nação alemã, ou seja, à medida dos
interesses prussianos e da tradicional aliança entre a aristocracia e a alta
burguesia. Será essa aliança que ressurgirá nestes anos de república, em asso-
ciação com o reformismo de uma classe operária, habituada a contar com o
apoio do Estado, que lhe oferecia a segurança e alguma prosperidade a troco
de cedências no campo político e social.
É certo que a crise económica foi avassaladora, mas a mesma foi extensiva a
outros países que, no entanto, se souberam abster de soluções totalitárias.
A Alemanha apenas constituía parcialmente um caso particular. Se é verdade
que a experiência parlamentar foi vista como um corpo estranho, uma solução
imposta pela força das circunstâncias ou avessa ao heroísmo que a derrota
abalara, também é verdade que a adesão ao discurso radical tardou em
fazer-se: no início da República de Weimar a classe trabalhadora apoiava
maioritariamente o compromisso social-democrata contra a esquerda radical,
os católicos reunidos no Zentrum e a burguesia moderada anuíam, embora
com reservas, ao regime. Embora a polarização da sociedade se fosse
acentuando, há que recordar que a oposição ao Plano Dawes, fomentada
pela extrema direita, não logrou suscitar os apoios desejados.
312
Europa. A terra dos «poetas e pensadores» - fiel, de resto, à Realpolitik de
que Bismarck fora o grande arauto - sabia unir ao heroísmo de direita e ao
radicalismo de esquerda a capacidade de renovar eficazmente a sua economia.
313
einem Gebirgszug am Horizont oder einem Zweig folgen, der seinen
Schatten auf den Ruhenden wirft- das heiBt dieAura dieser Berge, dieses
Zweiges atmen. An der Hand dieser Beschreibung ist es ein Leichtes, die
gesellschaftliche Bedingtheit des gegenwartigen Verfalls der Aura einzu-
sehen. Er beruht auf zwei Umstanden, die beide mit der zunehmenden
Bedeutung der Massen im heutigen Leben zusammenhangen. Namlich:
Die Dinge sich raumlich und menschlich »naherzubringen« ist ein genau
so leidenschaftliches Anliegen der gegenwartigen Masse wie es ihre Ten-
denz einer Überwindung des Einmaligen jeder Gegebenheit durch die
Aufnahme von derer Reproduktion ist. Tagtaglich macht sich unabweis-
barer das Bedürfnis geltend, des Gegenstands aus nachster Nahe im Bild,
vielmehr im Abbild, in der Reproduktion, habhaft zu werden. Und unver-
kennbar unterscheidet sich die Reproduktion, wie illustrierte Zeitung und
Wochenschau sie in Bereitschaft halten, vom Bilde. Einmaligkeit und Dauer
sind in diesem so eng verschrankt wie Flüchtigkeit und Wiederholbarkeit
in jener. (Benjamin 1980: IV.1, 479-480)
314
sua natureza inédita - da sua «aura» - também o Bauhaus busca as linhas
simples e despojadas, os materiais industriais como o ferro e o aço que
permitam a sua (re)produção industrial e o seu consumo e utilização por
qualquer operário.
.·
315
Mas os escritores e os intelectuais - partilhando assim da atitude da alta
burguesia mais conservadora - hesitam em dar o seu apoio a uma mani-
festação que entendem como pouco nobre, traindo a Bildung que é necessa-
riamente individual, satisfazendo gostos circenses e pouco elevados de um
proletariado pouco exigente na ocupação dos seus tempos livres. Bertolt
Brecht (1898-1956), Alfred Dõblin (1878-1957) colaboram, contudo, na
adaptação das suas obras, o primeiro inicialmente convicto das possibilida-
des de agitação de massas existentes no novo meio de comunicação, para
depois se desiludir face à versão cinematográfica de Die 3-Groschen-Oper
(1930/1931) e à incapacidade de inverter os rumos da indústria cinemato-
gráfica. Thomas Mann distancia-se da adaptação dos Buddenbrooks (1923),
para cuja adaptação não contribuíra, ao contrário de Dõblin que se dispusera
a escrever o guião de Berlin Alexanderplatz (1931) e cuja escrita já fora
influenciada por esse novo modo de expressão.
Por sua vez, os autores dos guiões dos grandes clássicos do cinema alemão
de então não verão os seus textos publicados. Será esta a sorte de Carl Mayer,
o autor do guião de Das Kabinett des Dr. Caligari ( 1919-1920), iniciação do
cinema alemão naquilo que viria a ser designado de fase expressionista,
usando de uma linguagem fisionómica, de uma iluminação e de uma
decoração excessivas, deliberadamente anti-naturalistas.
316
(1892-1947) invade o mundo com o seu erotismo ousado, o seu cinema
irreverente na sua ausência de mensagem e de valores, com a sua versão
delicodoce da Revolução Francesa, reduzida a intriga amorosa entre cama-
reira real e monarca em vias de extinção, na sua Madame Dubarry (1919).
O picante dos seus filmes choca e seduz a Europa e a América, a inflação
ajuda a exportação do cinema, antes de se dar a primeira vaga de emigração
para a dourada e soalheira Califórnia: Lubitsch será um dos que optará por
Hollywood antes do totalitarismo de Hitler expulsar Marlene Dietrich
(1901-1992), embora Georg W. Pabst (1885-1967) saiba fazer face à con-
corrência norte-americana, importando, por sua vez, Louise Brooks para
incarnar a mulher fatal do pós-guerra (Die Büchse der Pandora, 1928/1929).
A cidade invade a tela, seja sob a forma naturalista, seja sob a forma do herói
furtivo e anónimo do assassino sem rosto do primeiro filme sonoro de Fritz
Lang em M (1930), seja ainda sob a forma da grande utopia modernista de
Metropolis (1925-1926): se o realizador se inspirara em Nova Iorque para
construir um cenário dispendiosíssimo que a produção não conseguiria
rentabilizar, a utopia radicalizar-se-ia mais tarde nas construções de um
Ludwig Mies van der Rohe, emigrando com o seu projecto de um Bauhaus
proibido para o «novo mundo» ou nas visões futuristas de uma Los Angeles
assolada pelo perigo totalitário da autoria de um outro europeu em Hollywood,
Ridley Scott, este agora indagando dos limites desse mesmo vanguardismo
em Blade Runner (1982).
317
público facilmente se revia: a grande mensagem da mística germânica tem
de ser consumível pelas massas, que são estimuladas na sua tactibilidade
(W. Benjamin) pela luta com um dragão vermelho - embora o filme des-
conheça a cor - , accionado por vários homens ou pela luminosidade da
mítica floresta alemã, reconstruída nos estúdios de Babelsberg, com recurso
a iluminação eléctrica. A associação entre a memória colectiva e a moderna
tecnologia dava assim os primeiros passos, antes de ser eficazmente
instrumentalizada por Goebbels e pela sua mais dotada aliada, Leni
Riefenstahl (nascida em 1902).
Murnau opta por outro «mito germânico», o Dr. Faust (1926), mas como
pretexto para ensaiar uma linguagem própria, não descurando os efeitos
especiais que permitem o rejuvenescimento do alquimista, o seu voo sobre
os Alpes, demonstrando desse modo como o cinema, tal tradutor, tanto mais
cria, quanto mais trai o original.
Contudo, não são estes os filmes com maior sucesso de bilheteira: o sector
terciário em expansão, as empregadas de balcão (veja-se o artigo de Siegfried
Kracauer «Die kleinen Ladenmadchen gehen ins Kino», 1992) procuram na
penumbra da sala de cinema o entretenimento que promete o casamento
desinteressado, a ascensão social milagrosa sem assédio sexual - ou de
como o grande amor redime economicamente ou os ricos são sempre
generosos - , a aventura erótica neutralizada pela censura, a viagem aos
estúdios decorados com adornos pretensamente exóticos.
318
reticências da crítica informada, o filme e o vampirismo de Marlene Dietrich
continuarão a perdurar na memória colectiva.
Por sua vez, Brecht sonhara com o grau zero da Kultur na América do
Norte, o mesmo sucedendo com John Heartfield (1891-1968) que usa a
técnica da colagem para desconstruir a propaganda da classe dominante,
assim entrevendo, como poucos, as potencialidades da moderna propaganda
mediática, mais tarde utilizada pelos nacional-socialistas, que virá a combater
com os mesmos meios, subvertendo-os.
319
4.7 A vitória da Zivilisation?
320
comunismo na sua fase estalinista, por outro, na exaltação de valores de uma
germanidade dificilmente compatíveis com o individualismo «norte-
-americano» ou «capitalista».
321
Bibliografia aconselhada
Actividades sugeridas
Bauten werden auf doppelte Art rezipiert: durch Gebrauch und durch
Wahmehmung. Oder besser gesagt: taktil und optisch. Es gibt von
solcher Rezeption keinen Begriff, wenn man sie sich nach Art der
gesammelten vorstellt, wie sie z. B. Reisenden von berühmten Bauten
gelaufig ist. Es besteht namlich auf der taktilen Seite keinerlei
Gegenstück zu dem, was auf der optischen die Kontemplation ist. Die
taktile Rezeption erfolgt nicht sowohl auf dem Wege der Auf-
merksamkeit ais auf dem der Gewohnheit. Der Architektur gegenüber
bestimmt dieser letztere weitgehend sogar die optische Rezeption.
Auch sie findet von Hause aus viel weniger in einem gespanntenAuf-
merken als in einem beilaufigen Bemerken statt. Diese an der
Architektur gebildete Rezeption hat aber unter gewissen Umstanden
kanonischen Wert. Denn: Die Aufgaben, welche in geschichtlichen
Wendezeiten dem menschlichen Wahrnehmungsapparat gestellt
werden, sind auf dem Wege der blojJen Optik, also der Kontemplation,
gar nicht zu losen. Sie werden allmiihlich nach Anleitung der taktilen
Rezeption, durch Gewohnung bewiiltigt.
Gewõhnen kann sich auch der Zerstreute. Mehr: gewisseAufgaben in
der Zerstreung bewaltigen zu kõnnen, erweist erst, daB sie zu losen
einem zur Gewohnheit geworden ist. [ ... ] Die Rezeption in der
Zerstreung, die sich mit wachsendem Nachdruck auf allen Gebieten
der Kunst bemerkbar macht und das Symptom von tiefgreifenden
Veriinderungen der Apperzeption ist, hat am Film ihr eigentliches
Übungsinstrument. ln seiner Chockwirkung kommt der Film dieser
Rezeptionsform entgegen. Der Film drangt den Kultwert nicht dadurch
zurück, daB er das Publikum in eine begutachtende Haltung bringt,
sondem auch dadurch, daB die begutachtende Haltung im Kino
Aufmerksamkeit nicht einschlieBt. Das Publikum ist ein Examinator,
doch ein zerstreuter. (Benjamin 1980: IV.1, 504-505)
322
Obwohl expressionistische Malerei und Literatur schon Jahre vor dem Krieg
existierten, fanden sie doch erst nach 1918 ein Publikum. ln dieser
Beziehung glich die Situation in Deutschland annahemd der in der Sowjet-
union, wo wahrend der kurzen Periode des Kriegskommunismus die ver-
schiedenster Richtungen abstrakter Kunst sich groBer Beliebtheit erfreut
hatten. Einem revolutionierten Volk muBte es so scheinen, als verbinde der
Expressionismus mit der Absage an bürgerlichen Traditionen den Glauben
an die im Menschen gelegenen Krafte, Gesellschaft und Natur nach freiem
Ermessen zu gestalten. Solcher Eigenschaften wegen mag er viele Deutsche,
die durch den Zusammenbruch ihrer Welt verstõrt waren, in seinen Bann
gezogen haben .
«Das Filmbild muB Graphik werden», dies war Hermann Warms Leitspruch
zur Zeit, als er und seine beiden Mitarbeiter die CALIGARI-Welt erschufen.
Dem entsprachen die Dekorationen mit ihrem Reichtum an gezackten, spitz
zulaufenden Gebilden, die wie gotische Muster wirkten. Erzeugnisse eines
Stils, der fast schon zur Manier geworden war.( ... )
ln CALIGARI scheint Expressionismus nichts anderes zu sein als die
angemessene Übersetzung einer lrrenphantasie in eine Folge von Bildem.
So verstanden und genossen denn auch viele zeitgenõssische deutsche
Kritiker die Szenerien und Gebarden. ( ...)
Der in CALIGARI unternommene Versuch, szenische Aufmachung,
Schauspieler, Licht und Handlung einheitlich zu gestalten, zeugt vonjenem
Sinn für durchgreifende Organisation, der sich von diesem Werk an im
deutschen Film kundgibt. Rotha pragt das Wort «Studio-Konstruktivismus»,
um die «sonderbare Atmosphare der Vollstandigkeit und Endgültigkeit,
die jedes Produkt der deutschen Studios umgibt» zu charakterisieren.Aber
organisatorische Vollstandigkeit kann nur dann erreicht werden, wenn das
zu organisierende Material ihr nicht widerstrebt. (Die Fahigkeit der
Deutschen, sich selbst zu organisieren, verdankt sich nicht wenig ihrer
Sehnsucht danach, sich zu unterwerfen.) Da die auBere Realitat ihrem Wesen
nach unberechenbar ist und daher nicht so sehr beherrscht als beobachtet
zu werden verlangt, schlieBen sich Realismus und totale Organisiation im
Film gegenseitig aus. Sowohl durch ihren «Studio-Konstruktivismus» wie
durch ihre Lichtbehandlung gaben die deutschen Filme zu erkennen, daB
sie unwirklichen Ereignissen zugewandt waren, die sich in einer grund-
satzlich beherrschbaren Sphare entrollten. (Kracauer 1979: 78 e segs .)
M. R. S.
323
5. Da Apoteose da Superioridade Germânica
à Rendição Incondicional
Resumo
Objectivos
327
5.0 Multiculturalismo e «pureza rácica»
Quem deambular pelas actuais ruas de uma cidade alemã, poderá facilmente
verificar que a diversidade caracteriza a sua atmosfera, fazendo entremear
as largas avenidas, com pequenas zonas destinadas a peões, os grandes centros
comerciais, com as pequenas lojas de bairro, onde as frutas e as mercearias
chegam a invadir as ruas por vezes excessivamente cuidadas. No metro e no
autocarro, crianças de tez clara cruzam-se com outras de olhos mais negros
do que será de esperar na Alemanha, mulheres que não escondem a sua
origem oriental ou turca escolhem tecidos num armazém, enquanto que os
filhos preferem observar na secção de discos os ídolos rock, cujas indu-
mentárias e adornos inspiram a sua forma de vestir. Os restaurantes jugos-
lavos , gregos, italianos, turcos são uma constante e um elemento de um novo
colorido na Alemanha contemporânea.
329
As polémicas sobre este período histórico são uma constante, desde a célebre
Controvérsia dos Historiadores (Historikerstreit), nos anos oitenta, em torno
da herança de Auschwitz, protagonizada, sobretudo, por Ernst Nolte e Jürgen
Habermas, divididos em duas facções antagónicas, por muito que os
especialistas a entendam ultrapassada (Brozsat/Frei 1989: 1 e 11), até ao
escândalo provocado pelo livro de Daniel Goldhagen, Hitler's Willing
Executioners ( 1996), que recentemente veio colocar de novo o problema da
responsabilidade alargada dos alemães no processo que conduziria à triste-
mente célebre «solução final» (Endlosung), isto é, à liquidação sistemática
dos alemães de confissão ou origem judaica.
Autores como Plessner (1974) chegam mesmo a fazer remontar essa causa-
lidade à era da Reforma e ao subsequente afastamento da Alemanha da lati-
nidade e da sua civilização, eminentemente europeia; outros como Hans-
330
Ulrich Wehler (1973, 1995) vêem na era bismarckiana e no seu compro-
misso entre Estado, classes dominantes, modernização e autoritarismo, o
momento-chave para se entender a subsequente evolução alemã.
A interpretação dos dois autores tem um traço comum que cumpre destacar:
tanto um como outro vêem na «via específica» da Alemanha o resultado da
ausência de modernização das estruturas políticas: o nacional-socialismo
teria sido, sobretudo, consequência do atraso político alemão.
Contudo, a referida leitura tem vindo a ser contestada por uma outra
interpretação (veja-se sobretudo Evans 1987; para uma bibliografia
pormenorizada consulte-se Wehler 1995). Esta tende a minimizar os
elementos específicos da evolução histórica da Alemanha, designadamente
a tese da «via específica», associando a evolução do nazismo sobretudo às
transformações características das modernas sociedades de massas.
Segundo esta interpretação, não haveria tanto uma «via específica» alemã,
um caminho que teria conduzido a Alemanha do autoritarismo prussiano ao
terror nazi, mas seria antes a própria sociedade moderna e liberal que con-
teria em si o gérmen dessa destruição da razão.
331
exílio americano, associando a análise dos fundamentos económicos e polí-
-
ticos a elementos de ordem cultural e psicológica.
É por este motivo que Wehler (1995) se mantém apegado à sua interpreta-
ção segundo a qual a «via específica» alemã, iniciada sobretudo depois
de 1871, reunirá as características decisivas para essa mesma evolução
(cf. Cap. IV.2).
332
Contudo, os adeptos menos ortodoxos de uma alternativa ao modelo capi-
talista ocidental, por sua vez, recusavam-se a identificar o terror nazi com
o Gulag estalinista e as teorias soviéticas oficiais, iniciando um debate e uma
reflexão teórica sobre o fascismo nas suas diferentes vertentes (cf. súmula
e bibliografia em Erdmann 1993: 62-78 e Benz et al. 1998: 457-458, bem
como Kühnl 1979).
É neste sentido que as causas do Terceiro Reich e do terror nazi podem ser
ponderadas.
Sem dúvida que a situação económica, com uma inflação galopante e a ele-
vadíssima taxa de desemprego, durante algumas fases da República de
Weimar, constituíram um factor de insatisfação e de desestabilização da vida
política, mas por si só não podem fornecer uma explicação absoluta para o
fenómeno, uma vez que crises semelhantes ocorreram, simultaneamente, na
Europa e no mundo, não levando, contudo, a situações tão extremas.
333
Com efeito, os partidos conservadores apoiaram mais ou menos indi-
rectamente Hitler, na esperança de, através do mesmo, poderem regressar a
uma ordem mais musculada. Mas, se este dado ajuda a explicar em parte o
decorrer dos acontecimentos, também é verdade que as divergências surgi-
das, no decurso dos acontecimentos, entre os referidos partidos e o poder
nazi mostram até que ponto esta explicação é incompleta. De resto, opções
semelhantes, com vista à contenção do «perigo bolchevique», surgiram
noutros países e foram partilhadas por inúmeros países europeus assim
contribuindo para a passividade internacional, de que o exemplo da Grã-
-Bretanha poderá constituir um dos mais eloquentes.
Por outro lado, se Hitler via o confronto com o continente americano como
uma hipótese remota, já revelava a sua habilidade estratégica, ao assinalar a
necessidade de se sacrificar causas menores aos grandes objectivos,
designadamente abdicar do Tirol do Sul a favor da Itália com a qual previa
uma aliança conforme se viria a verificar.
334
alguns princípios encontravam ressonância na sociedade alemã, na medida
em que se partilhava do princípio de que a derrota de 1918 constituíra uma
humilhação para a Alemanha, bem como da desconfiança perante o parla-
mentarismo dada a sua inoperância. Além disso, a Alemanha possuía uma
tradição recente que sabia associar o culto do excesso, a crítica nietzscheana
do humanismo, as visões utópicas e voluntaristas à necessidade de modernizar
e revitalizar a sociedade alemã.
Foi desse modo que inúmeros jovens se sentiram atraídos pelas organiza-
ções hitlerianas: estas não só possibilitavam a ascensão social, como algum
poder, desligando-os dos contextos tradicionais, designadamente os fami-
liares. O anti-comunismo não punha em questão um ideal igualitário e anti-
-burguês, nem um aventureirismo consumível pelas massas, o que leva mesmo
alguns intérpretes a falar da modernização social que o nacional-socialismo
teria acarretado consigo (Graml 1995: 161-174, aqui 169).
Assim, rapidamente toda a tradição intelectual alemã passou a ser vista nos
seus momentos precursores do Terceiro Reich, desde o anti-semitismo de
Lutero, ao nacionalismo xenófobo de Fichte ou ao vitalismo de Nietzsche,
gradualmente associado a um processo de destruição da razão (Lukács 1962).
335
Parece assim indubitável que o passado continua a constituir uma ferida
alemã, por muitas tentativas de normalização que se tenham empreendido,
ferida essa permanentemente acompanhada da interrogação sobre o passado
que a teria possivelmente viabilizado.
5. 2 Os factos
5.2.1 Os antecedentes
336
Em breve, o partido passava a deter um órgão próprio na imprensa, o
Volkischer Beobachter, sendo, em 1921, Hitler eleito seu secretário-geral,
depois de um abandono provisório por dissensões internas. Por outro lado, o
partido criava as suas milícias próprias, as SA(Sturmabteilung), e conseguia
organizar e semear o terror, sendo responsável não só por revoltas e motins
como finalmente por uma tentativa de golpe de Estado a 8 de Novembro de
1923, pelo que Hitler seria condenado à prisão por cinco anos. Contudo
recuperaria a liberdade já em Dezembro do ano seguinte.
337
Tais iniciativas atingiriam o paroxismo face ao incêndio do Reichstag a
27 de Fevereiro. Atribuído ao ex-comunista holandês Martinus van der
Lubbe, a prisão do mesmo seria seguida da divulgação por Goebbels e
Hermann Gõring ( 1893-1946) da ideia de que tal acto de terror seria ape-
nas parte de uma conspiração organizada do DKP, com conhecimento
do SPD, pelo que seria ordenada a prisão dos respectivos deputados e fun-
cionários, o encerramento das sedes partidárias e a proibição da imprensa
comunista.
Com efeito, na sequência das eleições, que não dariam a desejada maio-
ria absoluta aos nacional-socialistas, uma vez que estes receberiam 43,9%
dos votos, apesar da declaração de inconstitucionalidade do SPD, KPD
e do Zentrum, às medidas restritivas dos direitos fundamentais viria a
juntar-se o aumento do terror exercido junto da população pelas SA e
SS, terror esse que se manifestara já anteriormente, particularmente
durante o período eleitoral. Estas milícias não possuíam, como é, de
resto, característico do terror, qualquer ideologia ou programa, sendo,
sobretudo, expressão da violência mais crua, exercida por elementos
ressentidos e aventureiros que assim procuravam uma «razão de exis-
tência» ou uma ocupação. Tais acções constituíam um modo de intimi-
dar a população e de criar um apoio para a ocupação definitiva e total
do poder.
338
campos de concentração (Konzentrationslager) e, no dia 20 do mesmo mês,
Himmler, chefe das SS dava a conhecer a existência do campo de Dachau.
Até finais do mesmo ano, pode registar-se cerca de 500 a 600 mortos e
100 000 prisões.
O facto de a política nazi criar ilusões quer entre os partidos, quer entre
sindicatos, crendo estes sempre na possibilidade de a situação se inverter, a
desatenção e a incapacidade de agir de forma eficaz, encontram-se bem
visíveis na impossibilidade de a oposição conseguir domar a fúria de ocupa-
ção de poder a todos os níveis por parte de Hitler e do seu partido. Final-
mente, qualquer promessa de vida parlamentar seria destruída, com a proibi-
ção, a 22 de Julho, do SPD, a que se seguiria a auto-dissolução dos restantes
partidos, integrando-se os deputados do DNVP no partido nacional-socialista.
339
1
A moderação aparece igualmente na Concordata celebrada a 20 de Julho de
1933 com a Igreja Católica, depois de assegurada a submissão da Igreja
evangélica.
340
o consenso relativamente amplo face ao regime. Contudo, tais resultados
não impediram o regime de prosseguir a sua actividade de controle de todas
as instâncias da sociedade civil e o recurso à propaganda.
341
Simultaneamente, todos os domínios da vida civil eram submetidos à orga-
nização partidária. Ao serviço militar obrigatório suceder-se-ia o serviço
cívico compulsivo, a que as mulheres também eram forçadas. As organi-
zações juvenis zelavam pela educação nos princípios do partido, rivalizando
com a escola e neutralizando as influências familiares.
342
O poder totalitário entretinha as massas com arte medíocre, desde a opereta
ao cinema de que não constam apenas produtos de pura propaganda, como
sucede com os filmes de Riefenstahl, ou com Der ewige Jude de Fritz Hippler
ou Jud Sü}J de Veit Harlan (1899-1964), ambos de 1940, primariamente
anti-semitas. Mas era o puro entretenimento que predominava, quer no
cinema, quer na rádio.
343
\
'
Com todo este esforço bélico e ao contrário do que sucede nos países
ocupados, a população alemã não conhece grandes sacrifícios de guerra. Tal
situação deve-se não tanto à proverbial organização alemã, como à constante
344
preocupação do poder em manter a população afastada de situações de
carência que possam ocasionar uma nova sublevação como sucedera em 1918
(cf. IV4).
345
O cinema exibe habilmente a invasão da Polónia e dos Países Baixos (Kracauer
1979), manipulando os espectadores com técnicas de montagem que já
dominava há muito. O sistema repressivo zela e pune severamente os suspeitos
de ouvir as notícias do campo oposto, designadamente a célebre propaganda
anti-nazi da BBC.
346
Os aliados não pouparão a população alemã: os constantes bombardeamen-
tos, designadamente de zonas sem importância estratégica que não a da
guerra psicológica, como será o caso do tristemente célebre bombardea-
mento de Dresden, levarão a que a escassez em breve se comece a fazer
sentir. O desaparecimento, quer das habitações com o seu estatuto de sím-
bolo social, quer dos objectos mais insignificantes de uso quotidiano
alterarão o dia a dia dos alemães na guerra. A população infantil e feminina
é evacuada para as zonas menos perigosas. Mas mesmo esta solução, subsi-
diada pelo governo, não evita as consequências negativas provocadas pela
separação das famílias e pelo afastamento do lugar de habitação.
347
O número dos mortos nos campos de extermínio é, não esquecendo os ciganos
e os presos políticos, impossível de ser contabilizado, ascendendo certamente
aos milhões.
Mas também para aAlemanha soava agora a «hora zero» (Stunde Null), esse
momento de ruptura definitiva com o sonho da hegemonia alemã, vivido em
cidades arrasadas e pilhadas e sem outras referências passadas que não a do
sonho absurdo e totalitário do Führer, que o desfecho da guerra traíra.
Contudo, essa hora fora também aguardada ansiosamente por muitos ale-
mães que haviam resistido activa ou passivamente a esses anos totalitários.
348
Apesar de uma tentativa de união de esquerda no Verão de 1935 através da
Frente Popular Alemã (Volksfront), unindo todas as forças contra o regime
de Hitler, em breve a colaboração com o Partido Comunista se revelou vã,
na medida em que este apenas estava interessado na instrumentalização dessa
aliança, segundo os seus interesses. Tal correlação de forças não deixaria de
influenciar a situação da Alemanha no pós-guerra, acentuada pela «guerra
fria», levando à criação em 1949 dos dois Estados alemães, a República
Federal da Alemanha e a República Democrática Alemã.
Foi esta situação que levou inúmeros exilados a combater a tese segundo
a qual o desastre nacional-socialista se resumiria a um assunto especifi-
camente alemão, substituindo, porém, esse programa, sobretudo a partir
de 1943 - depois de terem tomado conhecimento dos projectos que pre-
tendiam privar a Alemanha dos territórios polacos - , por planos de reor-
ganização da vida política democrática, uma vez ganha a guerra contra
Hitler.
349
mental e de resistência passiva, pouco visível e espectacular, é certo, de eficá-
cia difícil de avaliar, mas que não impediu que alguns membros dos seus
fiéis fossem executados e deportados, face a tomadas de posição mais notórias.
5 .4 A «solução final»
350
As perseguições começaram a fazer-se sentir logo em 1933, com boicotes a
estabelecimentos judaicos, sucedendo-lhe o afastamento dos membros da
comunidade judaica dos cargos estatais, a que se seguiria a «arianização»
das empresas judaicas.
351
mas testemunhou todas as sevícias e humilhações públicas, desde as
interdições anteriormente assinaladas, ao uso de uma estrela como símbolo
de uma «raça» inferior que passou a corporizar tudo aquilo que alimentava
os receios e as frustrações de um povo a braços com uma difícil identidade
nacional.
«Und dabei haben wir noch keinen einzigen Toten gesehen», flüsterte sie.
«Eben», flüsterte ich zurück, «So tot sind sie».
«Wie meinst du das?»
«Daf3 ja sogar noch Tote irgendwie noch da sind. Aber was wir gesehen
haben, ist blof3 ihr Nichtdasein. Freilich in der Form von Dingen, die noch
da sind. ln Form ihrer Koffer, ihrer Berge von Koffern, ihrer Brillen, ihrer
Berge von Brillen, ihrer Haare, ihrer Berge von Haaren, ihrer Schuhe,
ihrer Berge von Schuhen. Gesehen haben wir also, daf3 unsere Dinge, wenn
sie noch verwendet werden konnen, begnadigt werden, wir dagegen nicht.
Und das gesehen zu haben, ist sehr viel schlimmer, als wenn du die
Leichname gesehen hattest». (Anders 1977: 270)
( ... ) Denn Millionen Ermorderte nicht trauern zu konnen, ist nicht ein Manko
der Deutschen, dessen ist in derTat niemand fahig. Freilich bedeutet dieses
Zugestandniss nicht, daf3 man sich bei dieser Unfahigkeit beruhigen dürfe.
Mindestens darüber, daf3 man angemessenenes Trauern nicht leisten konne,
über diese Unfahigkeit sollte man trauern. (Anders 1979: 179)
352
Bibliografia aconselhada
Actividades propostas
(...) nach Auschwitz ein Gedicht zu schreiben, ist barbarisch, und daJ3
friJ3t auch die Erkenntnis an, die ausspricht, warum es unmõglich ward,
heute Gedichte zu schreiben. (Adorno 1977: 26)
Eindrücke, die man nicht ausdrücken kann, bleiben nichts als Ein-
drücke . Adornos Wort über die Unmõglichkeit, nach Auschwitz
Gedichte zu dichten, ist wahrer, ais er es selbst geahnt hat. Niemand
wird je behaupten, daJ3 unsere Sprache ausreiche, um Auschwitz in
Worte zu fassen. (Anders 1977: 191)
M. R. S.
353
t "i*
6. A Alemanha contemporânea
Resumo
Objectivos
357
Para entender os problemas que a Alemanha actual enfrenta e que, sem dúvida,
ainda continuarão pelo século XXI dentro, é preciso remontar ao fim do III
Reich em 1945. De facto, a RFA, tal como se apresenta neste momento em ter-
mos territoriais, políticos, sociais e culturais, é o resultado duma determinada
constelação histórica na Europa Central na fase final da Segunda Guerra Mun-
dial. Com a capitulação militar incondicional de 7 e 9 de Maio e a subsequente
ocupação do território alemão pelos aliados termina o império criado em 1871
(com as respectivas amputações territoriais de 1918, nomeadamente Posen,
a Alsácia-Lorena e a Prússia Oriental) e o estado nazi e o seu totalitarismo
que arrastou mais de 60 países para uma guerra devastadora com mais de 50
milhões de mortos. Em face do imperialismo nazi, a «Declaração das Nações
Unidas» de 21 de Janeiro de 1942 já tinha proclamado uma política de segu-
rança global que levou à constituição formal das Nações Unidas que coincidiu
com o fim da guerra. É nesta perspectiva duma tutela internacional que se
situa também a proclamação dos aliados de 5 de Junho de 1945 que reclama
o poder político integral para as forças de ocupação na Alemanha vencida.
6.1 O pós-guerra
359
6.1.1 Migrações e modificações sociais
360
por seu lado, uma aprendizagem difícil para uma população com uma longa
prática de tradições regionalistas-e, porventura, racistas e xenófobas. Tanto
mais que, na propaganda nacional-socialista, este provincianismo alemão se
solidificara numa mitologia nacional que resiste, em parte ainda hoje, a
atitudes mais cosmopolitas e interculturais. O medo duma predominância
estrangeira (Überfremdung) remete para uma precária identidade nacional e
cultural que deve adaptar-se a um mundo cada vez mais diversificado e, pelo
menos no contexto europeu e atlântico, mais uniformizado.
361
garante de segurança internacional e estabilidade política no quadro das
democracias ocidentais.
362
nesta altura onde se constata que uma grande parte do público recusa repre-
sentações realistas:
Das wirkliche Leben, hieB es, namentlich auch unter den Frauen, sei heute
traurig genug. Im Kino wolle man sich erholen, wolle man «vergessen»,
aber nicht an die Note des Alltags erinnert werden. Ruinen und zerlumpte
Heirnkehrer (... ) wolle man nicht mehr sehen. Man wolle freundlichere
Eindrücke haben. (p. 20)
363
mente envolvidas no nacional-socialismo indicam a persistência de
valores como disciplina, lealdade e obediência que favorecem uma men-
talidade servil ( Obrigkeitsdenken) que dificilmente se deixa conciliar
com uma democracia moderna que submete o próprio estado à crítica dos
cidadãos.
364
6.2 As duas Alemanhas
365
6.3 Os anos 50
366
-alemãs, favorecendo a reconciliação de dois países que se tinham confrontado
como inimigos desde a Revolução Francesa. O tratado franco-alemão de
1963, assinado solenemente por de Gaulle e Adenauer, será o ponto alto
desta reconciliação oficial que aproxima também os dois povos através dum
aumento considerável do intercâmbio cultural, escolar e económico.
367
principalmente com a reconstrução do país e a sua consolidação político-
social, evita as questões de fundo que se prendem com a identidade dum
estado alemão moderno e democrático.
6.4 Os anos 60
O equilíbrio relativo dos anos 50 conhece, no início dos anos 60, uma série
de abalos que já deixam prever as mudanças que afectarão a sociedade alemã
no fim da década. Estas mudanças dizem principalmente respeito às rela-
ções com a RDA, às reformas do sistema educativo, ao fim dos governos
CDU e ao movimento estudantil.
368
cultura acabam por entender-se sobre um início comum do ano escolar no
Outono. Por outro lado, havia ainda em muitas regiões escolas confessionais
e na Baviera a formação dos professores primários fez-se, até 1967, separa-
damente segundo as confissões dos candidatos.
369
A nível cultural, o fim da era Adenauer traduz-se, sobretudo na literatura e
no cinema, por tendências mais críticas e inovadoras em termos formais.
O filme alemão dos anos 50, apesar dum volume produtivo bastante elevado
(só em 1955 estreiam 128 longas metragens), limitou-se a um conformismo
formal e temático e a uma nostalgia sentimental, recusando abrir-se à polí-
tica e à realidade social da época. Em 1962, 26 jovens cineastas assinaram
uma declaração pública (Oberhauser Manifest) que termina com as frases:
«Der alte Film ist tot. Wir glauben an den neuen Film» (Gregor 1978: 123).
370
• a guerra do Vietname e o imperialismo americano;
• a sociedade de consumo.
Uma outra vertente do protesto, que mobilizou também grande parte dos
sindicatos e dos membros do SPD, dirigiu-se contra as leis de excepção
que, apesar de todas as manifestações, foram aprovadas no parlamento federal
em Junho de 1968. Neste aspecto, a Grande Coligação reforçou consi-
deravelmente os poderes do estado, enquanto a oposição extraparlamentar
(APO - Auj3erparlamentarische Opposition) não conseguiu influenciar o
poder legislativo.
371
t:
372
6.5 Mudanças, reformas e crises (1969-1989)
373
A recessão económica dos anos 70 começa a criar uma consciência colectiva
da extrema fragilidade da economia moderna e da própria problemática das
ideias de progresso e permanente crescimento económico. O conceito de
Lebensqualitat, que aparece no contexto sindical em 1974 e que é rapi-
damente retomado pelo SPD, insiste no contexto global e na gestão equi-
librada dos recursos naturais, enquanto o desenvolvimento forçado da energia
nuclear encontra cada vez mais resistência entre as populações afectadas.
As manifestações contra a construção das centrais de Brokdorf e Whyl e do
depósito de resíduos radioactivos em Gorleben mobilizam centenas de
milhares de pessoas cujos receios serão confirmados pelo acidente da cen-
tral russa de Tchernobyl em 1986. A contaminação de largas zonas da RFA
com precipitações tóxicas evidencia a dimensão global do perigo nuclear e a
necessidade dum controlo internacional eficaz, além de chamar a atenção
para o desenvolvimento de possíveis energias alternativas.
É neste contexto que o livro Ein Planet wird geplündert (1975) do deputado
Herbert Gruhl (CDU) apresenta um primeiro balanço bastante negativo da
situação ecológica e, já em finais de 1978, os vários grupos de «verdes», que
começam a surgir em todo lado, decidem constituir uma organização
administrativa e política comum. Em Outubro do ano seguinte, os Verdes
conseguem entrar no parlamento regional de Bremen e, cinco anos mais
tarde, no Bundestag. Com este quarto partido, a vida política da RFA e
mesmo a discussão no interior dos outros partidos ganhou uma nova
dinâmica, que assegurou aos problemas ambientais um lugar de desta-
que. As lutas dentro do partido (realistas contra fundamentalistas) e as
ideias às vezes irrealistas dos Verdes não impediram que o ambiente se
tornasse num tema político que nenhum governo pode ignorar e que a
própria indústria já converteu numa série de novas tecnologias que colocam
a Alemanha numa posição pioneira em matéria de protecção do ambiente,
reciclagem dos resíduos industriais e domésticos e recuperação de zonas
contaminadas.
374
propor uma sociedade sem crescimento económico. A prosperidade e a
valorização intensiva do consumo individual impedem, para já, qualquer
reorientação fundamental da sociedade alemã que, aliás, com as suas
dependências internacionais, dificilmente poderia praticar uma política
ecológica que entrasse em conflito com os interesses dos seus parceiros
comerciais.
Um outro problema que muito ocupa a opinião pública na RFA nos anos 80
é o crescente afluxo de refugiados políticos e económicos que pedem asilo
(Asylanten). Só na primeira metade de 1986, mais de 70 000 pessoas chegam
à RFA com este intuito, o que implica a adopção de medidas sociais e
burocráticas extraordinárias. Dado que a taxa de reconhecimento de asilo
político varia entre 5 e 9%, a expulsão dos restantes refugiados não deixa de
provocar situações dramáticas. Uma limitação do direito de asilo e a queda
do bloco comunista (em 1988, 30 000 dos refugiados eram polacos) contribuí-
ram para reduzir o número de pedidos e para desviar a opinião pública e os
ressentimentos populares para as grandes mudanças que deviam transfor-
mar por completo a Europa oriental.
375
6.6 Desintegração do Pacto de Varsóvia e reunificação alemã
O fracasso das economias socialistas, que se torna cada vez mais evidente a
partir do início dos anos 80, acarreta turbulências políticas que se manifes-
tam primeiro no movimento Solidariedade na Polónia e numa corrente refor-
mista na União Soviética que leva Gorbatchev ao poder em 1985. A sua polí-
tica de maior transparência administrativa (Glasnost) e cautelosa liberalização
económica tenta ainda garantir a sobrevivência do sistema soviético, dei-
xando uma maior margem de manobra aos países satélites ao decretar a
auto-determinação dos vários regimes comunistas. As primeiras mudanças
liberais na Hungria e na Checoslováquia, por seu lado, incitam turistas da RDA
a aproveitar a situação para fugir via Áustria (abertura da fronteira austro-
-húngara em Maio, confirmada na cimeira de Budapeste em Julho) ou para
se refugiar, no Verão de 1989, nas embaixadas da RFA em Praga e Varsóvia.
376
1'
A Alemanha Actual
p
)
'
Esta sucessão de datas mal pode dar conta da dimensão humana que implica
o fim duma separação de 28 anos. A eufórica desmontagem do muro, o
reencontro de famílias longamente separadas e a simples possibilidade de
viajar livremente nos países ocidentais abafaram todas as vozes críticas que
se levantaram durante o processo de reunificação, de tal modo que só a partir
de 1991 se tornam evidentes os enormes problemas e custos desta operação
politicamente tão fácil e evidente.
377
A privatização da economia da RDA, entregue à Treuhand (1990-1994),
uma empresa pública constituída expressamente para o efeito, não só levantou
complexas questões jurídicas, como também graves problemas sociais na
sequência do encerramento e da liquidação de numerosas empresas que já
não eram viáveis face à concorrência do mercado livre. Em 1992, já se contam
1,3 milhões desempregados na ex-RDA e, todos os anos, um número elevado
de empresas vai à falência. Ao fim de quatro anos de actividade, muitas
vezes criticada por negócios mal conduzidos, a Treuhand privatiza cerca de
13 000 empresas e deixa dívidas no valor de 250 biliões de marcos.
Por outro lado, 40 anos duma história antagónica criaram mentalidades dife-
rentes que, uma vez passada a euforia da união, complicaram a aproximação
das duas populações. Os termos depreciativos de Ossis e Wessis concentram
uma série de preconceitos que se prendem principalmente com a falta de
disciplina, eficiência e iniciativa dos habitantes da ex-RDA, desres-
ponsabilizados pelo próprio regime autoritário, por um lado, e o materia-
lismo, a frieza e a arrogância dos alemães federais, por outro. A integração
total da RDA nas estruturas da RFA, o triunfo arrogante do sistema capi-
talista e as persistentes diferenças sócio-económicas contribuiram muito para
estas divergências que só desaparecerão a médio ou longo prazo.
378
II Guerra Mundial. A primeira fase do pós-guerra, ainda caracterizada por
flutuações ideológicas, caminha, no entanto, para a progressiva divisão da
Alemanha e, a partir de 1949, para a implantação do modelo soviético na
RDA. Marcado pela luta contra o fascismo hitleriano, o comunismo alemão
integra-se, pela força do contexto histórico e internacional, num estali-
nismo que nunca conseguiu, até ao fim do SED, ultrapassar completamente.
379
conta, em 1946, 18,3 milhões de habitantes; depois da união vivem ainda no
território da ex-RDA 15 milhões.
380
eleições que deviam legitimar um regime que tinha fracassado nas áreas
essenciais da vida económica e social. A possibilidade de pedir legalmente
uma autorização de saída levou, desde 1984, a centenas de milhares de
pedidos, o que permitiu ao regime, que autorizou cerca de 40 000 saídas,
localizar e controlar de perto os descontentes.
381
Mas a história cultural da RDA é também a história de experiências
e protestos, de esperanças e tentativas de tomar à letra o ideal do socia-
lismo. A resignação e o desencanto que se verificam neste fim de século
são típicas das duas Alemanhas: da RDA, cujas gerações mais velhas
devem assumir, na fórmula do subtítulo da autobiografia do escritor
Heiner Müller (1929-1996), um Leben in zwei Diktaturen (1992), e da
RFA que não consegue assumir a sua culpa histórica e que se identifica com
um materialismo e consumismo que dominam totalmente a vida pública e
privada.
Por outro lado, a Alemanha actual enfrenta problemas que são comuns
ao mundo ocidental, nomeadamente o desemprego estrutural e a necessi-
dade de imaginar e impor politicamente uma redistribuição do trabalho
e uma nova solidariedade social. Neste sentido, a classe política caracte-
riza-se por uma total falta de imaginação e esgota-se em remendos e mano-
bras que evitam tomadas de posição e decisões de fundo. O famoso pragma-
tismo alemão apresenta-se, neste fim de século, essencialmente conser-
vador.
382
Bibliografia sugerida
Actividades propostas
A.O.
383
7. A Alemanha na Europa
Resumo
Objectivos
387
A Alemanha, país que ainda está em vias de resolver a questão da sua iden-
tidade nacional, vê-se em finais do século XX confrontada com uma evo-
lução internacional a que nenhum país se pode furtar: a da globalização.
Por outro lado, e se não se reduzir a Europa aos países que aderiram no
pós-guerra ao Tratado do Atlântico, a ideia de uma «identidade europeia»
não pode fazer esquecer a efectiva diversidade desse mesmo espaço cultural,
político, económico e social, onde a multiplicidade de línguas, costumes,
hábitos, a diversidade de modelos políticos, as assimetrias económicas e,
dentro de cada país, as desigualdades regionais são evidentes. Não devem
também ser esquecidas as diferentes situações e influências geográficas
- coincidentes com o atraso económico - , designadamente nos países
periféricos, como Portugal, a Grécia ou os países balcânicos, onde essa linha
de demarcação imaginária e culturalmente construída ao longo de séculos
(cf. Said 1995) entre o Ocidente e o Oriente é mais do que ténue, como o
atesta o multiconfessionalismo que preside à diferenciação e eventualmente
a conflitos étnicos em alguns dos países da região balcânica.
É evidente que a nova ordem política decorrente de 1989 leva a que a pró-·
pria ideia e os mecanismos de legitimação de uma união europeia sejam
389
repensados, como sucede, por exemplo, através da inclusão de países da
Europa Central e Oriental na União Europeia (UE), mas a verdade é que a
«grande Europa» nunca se encontrou tão dividida, como hoje, desde a II
Guerra Mundial. Veja-se, por exemplo, por detrás de todas as declarações de
intenção e das aparências de uniformidade, o recrudescimento dos nacio-
nalismos e etnicismos, para além das diferenças ainda consideráveis entre a
Europa Ocidental e Oriental. Contudo, as aparências de uniformidade tam-
bém não devem ser subestimadas: a crescente influência dos modernos meios
de comunicação e sobretudo da informática não só aproximam como uni-
formizam objectos de consumo e, consequentemente, modelos de com-
portamento.
Esta Europa medieval era dominada por dois centros culturais e económicos:
os Países-Baixos, com a Valónia e a Flandres, e o Norte da Itália que, com os
eixos comerciais do Mar do Norte e do Mar Báltico, por um lado, e do
Mediterrâneo, por outro, criaram as condições para a ascensão económica
do espaço europeu. Esta nova prosperidade permitiu, por seu turno, uma
progressiva expansão política e militar, mas originou também conflitos
internos que opuseram as cidades e as associações da burguesia mercantil ao
feudalismo rural.
390
Em termos políticos, a hegemonia do Império Carolíngio domina a Europa
entre 962 (coroação de Otão I, o Grande) e 1198. A luta entre os Guelfos
(Welfen) e os Gibelinos (Staufer) enfraqueceu o império e facilitou, assim, a
ascensão da França a primeira potência europeia. Enquanto vários vizinhos
da Alemanha se transformaram em Estados nacionais coesos (cf. Cap. III.1 ),
o Sacro Império permaneceu uma associação desarticulada de soberanos e
territórios independentes. Por outro lado, o antagonismo dinástico entre as
casas de Habsburg e Bourbon, que divide a Europa desde Carlos V até meados
do século XVIII, não favorece uma unificação política da Alemanha, cujos
modelos culturais renascentistas, humanistas, barrocos e iluministas são
importados do estrangeiro.
Ao longo dos séculos, o espaço europeu viveu uma série de divisões e guerras
que travaram e perverteram o desenvolvimento sócio-económico. Com a
ascensão dos Estados nacionais depois da Revolução Francesa e a rápida
evolução da tecnologia militar, os confrontos entre os Estados europeus
tomaram uma dimensão que prejudicava seriamente os interesses imperialistas
cada vez mais transnacionais. Isto explica as repetidas tentativas de limitar
estes conflitos «internos», desde as alianças dinásticas até à formação de
instituições supranacionais como a Sociedade das Nações (1920-1946),
criada sob iniciativa americana, instituições que conseguiram interromper,
391
pelo menos temporariamente, a «sucessão de catástrofes» (a expressão é de
Walter Benjamin) que constitui a «história europeia».
392
A evolução rápida da integração europeia foi uma das grandes prioridades
dos sucessivos governos de Adenauer, enquanto o SPD se opôs durante longos
anos a esta política, sobretudo à sua vertente militar. Embora concordando
com os Tratados de Roma, os sociais-democratas só em 1960 se pronunciam
publicamente a favor dos tratados europeus e atlânticos que, desde então,
serão um elemento largamente consensual da política alemã.
393
divergentes políticas nacionais, as desproporções sócio-económicas entre os
membros cada vez mais numerosos da UE e os problemas práticos que a
administração dum espaço desta dimensão levanta, indicam a necessidade
duma reflexão aprofundada sobre o rumo futuro da Comunidade. Por um
lado, a globalização económica favorece e exige estruturas supranacionais;
por outro, começa a discutir-se a questão de saber se uma nova identidade
europeia pode (ou não) assentar unicamente em vantagens e critérios de
ordem económica.
394
que a televisão passou a constituir um tema recorrente nas conversas
familiares e nos locais de trabalho. A introdução das televisões privadas (nos
anos 80) confundiu definitivamente consumo e cultura, informação e
publicidade. A invasão dum consumismo que obedece unicamente às leis do
mercado e duma realidade mediática que substitui cada vez mais os ambientes
tradicionais (Lebenswelten) introduziu na Alemanha, nos últimos 40 anos,
mudanças sócio-culturais que ultrapassam as que caracterizavam a evolução
do país desde a Revolução Francesa. Os efeitos concretos destas mudanças
já começam a dissolver a imagem tradicional da Alemanha e da sua história
cultural.
O volume das transacções das maiores empresas do mundo (em grande parte
japonesas e americanas) já ultrapassa o produto interno bruto de muitos países
e, entretanto, concorrem no mercado mundial mais de 40 000 empresas
transnacionais. Em 1995 as empresas transnacionais controlavam já 2/3 do
395
comércio global, sendo que 1/5 de todos os bens e serviços era comercializado
à escala mundial (cf. Martin/Schuhmann 1996 relativamente a estes dados).
Esta revolução, cujos efeitos sociais e políticos começam a preocupar a
opinião pública europeia, tornou-se possível graças às novas tecnologias
(informática e telecomunicações), por um lado, e à redução das barreiras
administrativas e financeiras do comércio internacional, por outro.
Por seu turno, a liberalização dos mercados cambiais em 1973, que desde o
tratado de Bretton Woods (1944) estavam sujeitos a paridades fixas, criou
um mercado financeiro que, com o surgimento dos «paraísos financeiros»
off-shore, escapa em grande parte ao controlo dos Estados nacionai s.
A redução de receitas fiscais do Estado alemão provocada por esta evasão
fiscal (legal) estima-se em 50 biliões de marcos por ano.
396
r:r-. ••
práticas (uniformização de normas técnicas, maior oferta e preços mais baixos
na área dos bens de consumo), enfraquece, por outro, a situação financeira e
institucional dos Estados nacionais, criando novas categorias sociais (working
poor, desemprego de longa duração, etc.) que podem a médio prazo provocar
uma grande instabilidade social e política. Por isso os governos europeus já
começam a revalorizar o papel do Estado a nível nacional e a reivindicar um
controlo internacional eficaz das empresas transnacionais.
397
Como forma de competir com estas, as emissoras europeias, apesar de
manterem alguns programas de características locais e nacionais , com
garantias de audiência interna, viram-se obrigadas a estandardizar os seus
produtos a fim de conquistar um público mais vasto: contudo, os sucessos
internos não garantem os lucros que as referidas emissoras podem hipoteti-
camente obter a nível internacional.
É também a este nível que a identidade cultural alemã tem de ser repen-
sada, identidade essa que não pode ignorar os fenómenos introduzidos pelas
novas tecnologias de informação.
Por outro lado, a própria tradição cultural do espaço alemão não só lhe permite
a manutenção de periódicos locais, como de uma série de jornais de impor-
tância nacional, por vezes, com um público que excede claramente as suas
fronteiras , como é o caso dos semanários Der Spiegel e Die Zeit ou dos
diários Frankfurter Allgemeine Zeitung, Frankfurter Rundschau, Die Welt,
Süddeutsche Zeitung ou Taz para não falar do prestigiado Neue Zürcher
Zeitung de proveniência suíça. Todos estes mantêm uma tradição jornalística
de grande qualidade, com destaque para os seus Feuilletons (secção cultural)
sendo, na maioria dos casos, a sua apresentação gráfica particularmente densa
e sóbria, por oposição ao tablóide Bild Zeitung, que conhece, porém, a maior
procura, reforçada de resto com a unificação de 1990. Contudo, a componente
regional não só marca os referidos semanários, como se manifesta numa
série de diários locais, de grande prestígio, como é o caso, por exemplo do
referido Taz, jornal berlinense, constituído por uma cooperativa de jornalistas,
que teve um papel fundamental durante os dias de agitação que antecederam
a queda do muro em 1989. Por outro lado, o número de pessoas que falam o
Alemão, quer como língua materna, quer como língua estrangeira é um dos
maiores na Europa.
398
O mesmo se pode dizer da televisão. Com quinze canais públicos e privados,
a Alemanha é um dos países com mais espectadores ligados à televisão por
cabo e satélite. Nos anos 80, a Alemanha iniciaria uma política de expansão
das suas emissões a nível internacional, adaptando-se simultaneamente as
suas editoras a um mercado que requeria cada vez mais novas tecnologias
mediáticas. Assim, a editora Bertelsmann é das mais importantes na Europa,
possuindo a Alemanha um número considerável de canais de difusão
internacional. É o caso da RTL, Sat 1, Viva de iniciativa privada, bem como
das emissões da televisão pública, como é o caso daDeutsche Welle. O facto
de possuir um público extremamente amplo, justifica a dobragem de filmes
e de programas. E embora assim se uniformizem e descaracterizem os
produtos estrangeiros (com o consequente efeito de fechamento da sociedade
sobre si mesma e sobre as suas próprias língua e cultura), a verdade é que
essa mesma dobragem facilita, ao mesmo tempo, o entendimento dos mais
variados temas por todos os membros da comunidade (aproximando-os assim
em termos culturais), constituindo, paralelamente, uma importante fonte de
emprego para profissionais de diversas áreas.
Neste sentido, pode afirmar-se que a situação dos media, com a respectiva
privatização e com o fenómeno da globalização, pouco ou nada contribuem
para uma redefinição da identidade cultural europeia que reconheça uma
tradição comum e a importância das diferenças locais: os elementos comuns
inspiram-se nos padrões de caça às audiências norte-americanos, que
uniformizam os programas. E pode também concluir-se que as televisões
via satélite ou cabo contribuiram mais para a globalização do que pro-
priamente para a difusão da cultura alemã na Europa.
399
zidos em todos os países da Europa. O artigo 2.º do seu tratado fundador diz
explicitamente:
400
A questão do comportamento das audiências deverá também, por seu
turno, ser tomada em linha de conta. Ao contrário do desprezo a que as
mesmas foram votadas pela intelectualidade alemã, na Grã-Bretanha do
pós-guerra, elas foram objecto de atenção redobrada, exactamente como
reacção a uma excessiva influência norte-americana que, na altura, se
começava a fazer sentir. O Centro de Estudos Culturais Contemporâneos
de Birmingham, fundado em 1964, desenvolveria um trabalho pioneiro
nesse campo, avançando teses particularmente inovadoras com os seus
estudos sobre os media e o comportamento das audiências. Segundo Stuart
Hall (1993), essas audiências não são forçosamente passivas, mas podem
descodificar de forma diferenciada as mensagens que lhes são impostas.
Por outro lado, estudos nesta área permitiram avaliar a importância dos
media na formação de contra-culturas e subculturas, designadamente ,
através da cultura pop que, na Grã-Bretanha permitiria recuperar um
registo local, como o demonstra sobejamente a produção dos Beatles, para
não falar do reggae, símbolo da minoria jamaicana e da sua identidade étnica
(Gray/McGuigan 1993).
401
No campo da globalização estritamente mediática os perigos resultam
sobretudo de uma concentração excessiva em monopólios de informação,
com os riscos de às manifestações mais marginais e inovadoras não ser dada
qualquer oportunidade de se manifestar ou de as mesmas serem rapidamente
recicladas e assimiladas segundo os padrões de consumo necessários à
estabilidade do sistema. Note-se que neste campo, a rádio, dado não carecer
de recursos tão onerosos, tem vindo a gradualmente criar intervenções de
teor mais independente, em contraste com a uniformização da televisão, do
cinema e mesmo da indústria discográfica, à excepção de algumas produções
independentes.
402
- neste caso sem êxito - eliminar o alegado preciosismo ortográfico que o
caracter «fi» constitui na língua castelhana.
Jede Nation ist mit sich selbst vorzüglich zufrieden und betrachtet in mehr
und weniger Absichten jede andere Gesellschaft von Menschen ais
Geschõpfe einer schlechtem Art. Ein Fremder und ein Barbar waren bei
den Griechen Worte von gleicher Bedeutung. (Zimmermann 1980: 30)
No grego tal como no alemão, poder-se-ia acrescentar, uma vez que qual-
quer dicionário etimológico revela a curiosa, mas significativa, proximidade
403
semântica existente entre os termos Elend (miséria) e Auslander ou Ausland
(estrangeiro).
Darf ich nach der Geschichte, den Menschen, nach dem individuellen
Charakter der Lander urtheilen, ( ... ) so halte ich dafür, daB wir Europa
vielleicht mit Unrecht so durchaus ais Einheit betrachten, wenn nicht bloB
von einer willkührlichen, sondem von einer natürlichen, klimatischen und
organischen Einheit und Eintheilung die Rede seyn soll. ( ... ) Das nbrdliche
und das südliche Europa scheinen mir aus diesem Standpunkt zwei durchaus
verschiedene Lander, jedes seinem innem Wesen nach ein eigenes lndivi-
duum für sich, die nur auBerlich gewaltsam verbunden sind. (Schlegel apud
Lützeler 1982: 97-98)
Não deixa de ser interessante notar que esta breve e sucinta análise do espaço
europeu bem se poderia aplicar também à Alemanha de 1803 sem que para
isso se tivesse de proceder a alterações de grande monta no texto: bastaria
substituir o termo «Europa» por «Deutschland».
404
daraus sich entwickelnde, durchaus vielfaltige, aber auch zugleich
vereinheitlichte und kornrnerzialisierte europaische Universalkultur. (Münch
1995: 302)
405
À semelhança do que sucedeu com a identidade nacional da Alemanha
(cf. supra Cap. 111.1 ), a identidade europeia foi sendo sucessivamente rein-
ventada ao longo da história, como o mesmo Schlegel deixa significativa-
mente entrever no final do texto acima referido: «das eigentliche Europa
muB erst noch entstehen» (Schlegel apud Lützeler 1982: 105).
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