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Linhas Gerais sobre a História da Universidade Conimbricense.

Das suas origens à Reforma Universitária Pombalina de 1772.

Com a colaboração de Jorge Freitas


1ª Parte
A Universidade Portuguesa. Da sua fundação e funcionamento durante
a Idade Média.

Quando em meados de 2007 projectei realizar um trabalho intitulado «Relance


sobre o ensino em Portugal no período anterior à fundação da Universidade», e que foi
publicado neste Suplemento, em 3, 10, 17, 24 e 31 de Janeiro de 2008, era, minha
intenção prosseguir no tema do ensino no nosso País.
Porém, agora, e também em relance, esboço ou linhas gerais, como não podia
deixar de ser, especifiquei o tema, tentando fazer uma breve abordagem da História da
Universidade Portuguesa, desde as suas origens até à sua primeira grande inovação: a
Reforma Universitária Pombalina de 1772.
Assim, tratando-se de um tema demasiado complexo e inesgotável, devo
esclarecer, desde já, que este estudo não pretende ser mais do que uma pequena síntese
construída sobre elementos já conhecidos, uns mais outros menos, tentando conseguir
uma exposição histórica limitada às suas linhas gerais e, mesmo assim, com grandes
lacunas o que, também, não podia deixar de ser.
Numa Instituição que tem atrás de si mais de sete séculos de história, o que
equivale a afirmar que tem muito para contar, não se pode estranhar que sejam
passados em claro, ou só tocados pela rama, alguns pontos que mereciam outra
atenção, no entanto, vários condicionalismos a isso obrigam, sem esquecer as minhas
próprias limitações.
Concluindo este breve intróito, direi que a elaboração deste trabalho, tem como
principal objectivo torná-lo inteligível, dirigindo-o à generalidade do público e não,
obviamente, a especialistas.
Por critério que adoptei, as partes constantes deste estudo serão publicadas
espaçadamente, porquanto, embora ligadas, poderão ser compartimentadas.

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As Universidades europeias. Uma criação do espírito medieval.
A Alta Idade Média não deixou de dar continuidade à tradição escolar do mundo
romano, porquanto, sob a égide da Igreja floresceram altos centros de estudo, onde a
Teologia, o Direito, a Medicina e outros ramos do saber eram ministrados com vista à
preparação dos estudiosos para as respectivas profissões.
Ao iniciar-se o séc. XII, havia um pouco por toda a parte escolas dependentes de
igrejas, conventos e, também, escolas laicas. Entre estas, salientavam-se as de Roma,
Ravena, Bolonha e Pavia. Em Salerno, já na fronteira do mundo árabe, tinha-se
desenvolvido uma activa escola de Medicina a partir do séc. X.
Como é bem sabido, a maior parte das escolas estava nas mãos da Igreja, sendo
célebres as de Laon, Châtillon-sur-Seine, Monte Cassino, as abadias de cónegos
regulares de São Victor e de Santa Genoveva em Paris e de São Félix em Bolonha.
Era sobretudo na Itália do Norte e na região compreendida entre o Loire e o
Sena, com as escolas catedrais de Laon,
Reims, Orléans, Tours, Chartres, etc. e,
nomeadamente, Paris, que a vida intelectual
atingia vigor assinalável, onde pontificavam
insignes mestres como, Bernardo e Thierry
em Chartres, Anselmo em Laon, Alberico
em Reims, Bérenge em Tours e Roscelino
em Compiégne e em Loches. A esse notável
movimento, vivido no séc. XII, chamou Ch-
H. Haskins «Renaissance du XIIe siècle».
Embora os homens da Idade Antiga e os da Alta Idade Média não tivessem
conhecido a Universidade, tal como os homens do séc. XII vieram a conhecê-la, não se
pode esquecer que criaram um clima favorável à transformação da vida escolar no
Ocidente e ao aparecimento das referidas Instituições.
A nível intelectual, os anos de 1150 a 1300 representam na história medieval do
Ocidente um período de notável esforço. Durante o seu decurso foi elaborada e
desenvolvida uma cultura predominantemente cristã e de caracterização muito
específica. Dessa expansão deram testemunho a evolução da autoridade pedagógica das
escolas e, sobretudo, o nascimento das Universidades.

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Efectivamente, o séc. XII é, na Europa Ocidental, o século da fundação das
Universidades, por conseguinte, trata-se de uma criação do espírito medieval, «daquele
novo espírito de que o mundo medievo se revestiu, depois de dobrado o ano mil. Nasceu
no mesmo tempo das Cruzadas e das grandes Catedrais românicas e góticas e é obra,
em boa parte, do mesmo ambiente histórico que elas».
Não é possível garantir para muitas delas o ano exacto em que foram criadas,
uma vez que, se desconhece quando começaram a funcionar as primeiras aulas, e
também por serem considerados diferentes critérios para a fixação de uma data da
criação e que pode ser admitida como a da publicação dos respectivos estatutos, ou a da
autorização régia para o seu funcionamento ou, ainda, a da bula papal que o
determinava ou aceitava, situações estas, por vezes, distanciadas de alguns anos entre si.
Na base do movimento universitário medieval está presente o espírito de classe,
como verdadeira estrutura corporativa, entre os profissionais do estudo: mestres e
discípulos. Trata-se de
uma Instituição que deixou
de ter projecção
meramente local, para
passar a ter projecção
ecuménica, adquirindo a
categoria de “instituição”
juridicamente autónoma,
pela formação do espírito
corporativo entre aqueles
que nela ensinam e aqueles
que nela aprendem. Aliás, “universitas” é utilizada na época com o exclusivo
significado de “Corporação”.
Com efeito, a palavra “universidade” (“universitas”) significa na Idade Média
“corporação” e tanto se aplica a professores e estudantes, como a mercadores e
industriais:
Ao lado da “universitas magistrorum” e da “universitas scholarium”, fala-se da
«universitas mercatorum Italiae nundinas Campaniae ac regni Franciae
frequentantium» (corporação dos mercadores da Itália que frequentam as feiras da
Campânia e do reino de França).

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A Universidade não é ainda, como virá a ser mais tarde, o conjunto de escolas
superiores – a “universitas facultatum”. Porém, a palavra, a pouco e pouco, veio a
significar uma instituição educacional que englobava uma escola de artes liberais e uma
ou mais faculdades de finalidade profissional (Direito, Medicina ou Teologia).

Factores contribuintes para a formação das Universidades. Diferentes


tipos quanto à sua origem.
O aparecimento, em pleno séc. XII, destas novas escolas de «projecção
universal e corporativamente organizadas» é a consequência de uma série de causas,
que se torna aqui impossível analisá-las exaustivamente, bem como entrar em
pormenores sobre a maior ou menor importância que cada um dos seguintes factores
teve na origem das escolas universitárias:
Progresso geral do saber; rápido desenvolvimento de algumas disciplinas,
(Teologia Científica, Direito Romano e Direito Canónico); uma noção mais rigorosa da
hierarquia entre os vários ramos do saber humano; formação de grandes centros urbanos
no espaço europeu; o crescimento demográfico fazendo aumentar bastante o número
daqueles que procuravam as escolas eclesiásticas dos mosteiros ou bispados; o desejo
de melhor conhecer a doutrina cristã e de reforçar a luta contra as heresias provocando
uma grande curiosidade intelectual; o desenvolvimento comercial e urbano e o
surgimento da burguesia tornavam indispensável a criação de escolas leigas, ligadas aos
interesses comerciais; o sentimento de solidariedade profissional que conduziu à
formação das grandes corporações de artes e ofícios... «Produto de tão diversos
factores, a Universidade medieval tinha que ser, forçosamente, uma instituição rica de
cambiantes, cheia de vida e de personalidade, inconfundível com qualquer organização
escolar dos tempos anteriores, e inconfundível, até, consigo mesma. Não há então, pode
dizer-se, duas universidades iguais, nem na sua origem nem na sua estrutura interna».
Quer isto dizer que apenas adoptando um critério relativo, ou aproximado, é
possível fazer uma classificação das universidades desta época quanto à sua origem ou
quanto à sua organização institucional.

Assim, quanto à sua origem, parece ser corrente aceitar-se a classificação entre
universidades “ex consuetudine”, “ex secessione” e “ex privilegio”. -

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As primeiras, “ex consuetudine”, nasceram «via espontânea», isto é, através de
um característico processo de crescimento e “corporatização” de uma escola ou escolas
locais, já existentes – são universidades de formação consuetudinária (fundado no
costume). As duas mais antigas e famosas deste tipo são a de Paris, e de Bolonha,
seguindo-se as de Oxford, Montpellier e de Orléans.
À fama das lições de um mestre local, como Guillaume de Champeaux, em
Paris, Irnério e Graciano, em Bolonha, vinha juntar-se a especialização da escola numa
determinada disciplina: a
Universidade de Paris, que tinha uma
origem eclesiástica, desenvolve
principalmente o ensino da Teologia,
tornando-se uma escola de
especulação teológica e,
posteriormente, o grande bastião da
ortodoxia católica. A Universidade de
Bolonha, oriunda, possivelmente, das
escolas romanas de Retórica, tinha
uma origem laica, ministrava o Direito Romano e foi por muito tempo o principal foco
dos estudos jurídicos na Europa.
As segundas, denominadas “ex secessione”, isto é, surgiram por «migração», em
consequência de uma separação ou secessão, constituindo um verdadeiro
desmembramento de uma outra já existente. Tratava-se da passagem de doutores e
estudantes de uma Universidade-mãe para outras cidades onde fundavam os novos
“Studia”. Este fenómeno acontecia por ausência de condições de toda a ordem e,
também, quando «os incidentes de ordem social entre estudantes e burgueses impediam
o regular funcionamento dos cursos, a Universidade assentava arraiais e ia instalar-se
noutro lugar – quase sempre, numa cidade próxima».
Estas secessões terminavam, normalmente, pelo regresso da corporação escolar à
cidade donde tinha partido, mas nem sempre esse regresso se fez de um modo integral,
pois, alguns dos mestres e escolares, que tinham acompanhado a Universidade na sua
debandada, «recusavam-se a regressar com ela ao ponto de partida, e ali ficavam, para
todo o sempre, vivendo o mesmo espírito corporativo que antes viviam, e arrogando-se
as mesmas regalias universitárias que antes possuíam».

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A primeira Universidade formada por este processo foi a de Cambridge, em
1209, nascida de uma secessão da Universidade de Oxford, após graves incidentes que
levaram ao assassinato de alguns escolares burgueses de Oxónia. Origem idêntica teve
também a Universidade de Pádua, em 1222, por via de uma secessão com a de Bolonha.
As Universidades “ex secessione” oferecem a particularidade de ter a sua origem
numa data certa; são Universidades fundadas “ex novo”, porém surgem sem uma
intervenção estranha, são criadas pela iniciativa da corporação escolar.
Por último, e na ordem cronológica, aparecem as Universidades “ex privilegio”,
ou seja, todas aquelas que surgiram do nada, formando-se por efeito deliberado de um
soberano.
Este tipo de Universidades, às quais os seus instituidores atribuíram grandes
privilégios, não tinham atrás de si o suporte, o peso e o prestígio de uma tradição,
carecendo, por via disso, de uma confirmação pontifícia, sob pena de ficarem reduzidas
a uma dimensão estritamente local. Apenas ao Papa era lícito reconhecer validade
universal aos graus por elas outorgados, autorizando-as a conferir aos seus licenciados,
à semelhança das universidades tradicionais, o indispensável “ius ubique docendi” – o
direito de ensinar em qualquer parte.
No entanto, registe-se que, neste caso, a intervenção pontifícia tem um carácter
diferente daquele que teve a respeito das universidades” ex consuetudine”. Nas
universidades de formação espontânea, a intervenção pontifícia limitou-se a «confirmar
juridicamente a natureza universal da escola, que era já uma realidade de facto. Nas
universidades “ex privilegio”, pelo contrário, a projecção universal da escola só há-de
passar ao domínio das realidades como consequência dum prévio reconhecimento
do”ius ubique docendi”, feito na bula pontifícia que confirma a respectiva fundação».

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Todas as Universidades Ibéricas pertencem a este último tipo e, conquanto,
algumas delas ainda apresentem uma feição
mista, pelo facto de terem sido criadas sobre
as bases de uma escola eclesiástica local de
certa projecção, como Palência e Salamanca,
outras há que foram criadas totalmente “ex
novo” onde se inclui a Universidade
portuguesa fundada em Lisboa por D. Dinis,
em 1 de Março de 1290, que o Papa, Nicolau
IV, confirmaria por bula de 9 de Agosto do
mesmo ano e que oportunamente terá o
merecido desenvolvimento.
Embora no nosso País tenha havido, anteriormente, escolas catedrais e
monásticas, cujo prestígio era reconhecido além – Pirinéus, e ainda que a fundação do
Estudo Geral se possa e deva considerar, indubitavelmente, à conjugação de esforços de
vários Abades de Mosteiros e Reitores de Igrejas, a Instituição dionisiana foi uma
criação inteiramente nova.

A autonomia institucional da Universidade. (sécs. XII e XIII)


Quer formadas espontaneamente, quer por desmembramento, ou por privilégio
real e pontifício, as Universidades do séc. XII e do séc. XIII têm, no entanto, uma
notável característica comum – gozam de completa “autonomia institucional”, o que se
traduz numa independência absoluta para efeitos “jurídicos e administrativos”. A
Universidade é dotada de personalidade própria, a sua existência estava garantida por
estatutos especiais: tem selo privativo, governa-se por si, organiza o ensino como
melhor entende, escolhe livremente os seus mestres, para além de estar fora da
jurisdição ordinária, já que os seus membros, mestres ou discípulos, têm o privilégio do
foro eclesiástico e, chegando mesmo a criar-se para eles um foro especial, o
denominado foro académico. Assim, como clérigos e súbditos do Papa, estavam isentos
da lei civil e respondiam perante juízes eclesiásticos.
A direcção da instituição universitária pode estar predominantemente na mão
dos mestres, (“universitas magistrorum”) como é o caso de Paris, ou na tutela dos

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escolares, (“universitas scholarium”) como sucede em Bolonha. De qualquer modo, é
um governo autónomo e livre, não estando na sujeição de nenhum poder superior.
A interferência do Rei ou do Papa na vida da Universidade resume-se ao facto
de lhe dar a existência e para lhe conceder privilégios e regalias. A sua intervenção não
vai além disso e, quando muito, poderá, eventualmente, interferir na qualidade de
árbitro, nas situações mais melindrosas da vida da Instituição. E mais, a autonomia
institucional tem ainda um outro aspecto, não menos importante, a salientar: é que, além
de “independência administrativa”, significa também, e sobretudo, “liberdade
intelectual”. «Sem dúvida que a Universidade tem uma norma de vida: está colocada
integralmente ao serviço da comunidade cristã, e, por via dela, ao serviço da Igreja de
Roma. Mas essa norma de vida não é o produto duma imposição doutrinal; é o
resultado da aceitação livre e unânime dum mesmo ideal e duma mesma crença. A
Universidade – melhor dizendo – tem a orientação doutrinal que livremente abraçou, e
não está colocada ao serviço duma política ou duma crença particularista».

Dos dois referidos aspectos da autonomia institucional da Universidade, o


primeiro a sofrer limitações foi o da independência jurídica e administrativa da
corporação, sendo curioso verificar que a responsabilidade desse facto coube em grande
parte à própria Universidade.
Convém sublinhar que foi ela, através da difusão das ideias romanísticas, (do
Direito Romano) uma das principais obreiras do fortalecimento do poder real, fenómeno
que percorreu toda a Europa desde o séc. XIII em diante.
Efectivamente, sem dar conta do fácil apoio que estava a oferecer ao neo –
cesarismo, (poder absoluto) além de fragilizar a sua autonomia corporativa, preparava à
distância, um mal maior, que seria a consequência lógica daquela: a perda da sua
independência doutrinal.
Os monarcas reinantes, à medida que o seu poder político vai aumentando
durante os sécs. XIV e XV, vão chamando a si, a pouco e pouco, a tutela da corporação
universitária e diminuindo as regalias e liberdades que tinham sido inicialmente o seu
apanágio. As novas universidades que, então, vão surgindo, vão apresentar “ab initio”
uma dependência em relação ao poder real inexistente nos séculos anteriores.
É certo que os governantes não deixam de ser generosos para com a corporação
universitária, porém, essa generosidade é traduzida, agora, em novos termos: «em vez de
privilégios e liberdades, cumulam-na de rendimentos e de bens materiais; e o preço que

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exigem – senão por palavras, pelo menos por actos – é uma progressiva renúncia às
liberdades de outros tempos: - Arvoram-se o direito de nomear professores; interferem
na administração universitária; tolhem aos mestres e escolares o direito de escolherem
os reitores, colocando na reitoria uma alta personagem da sua confiança; e vão, por
vezes, até o ponto de se enquadrarem, eles próprios, na corporação universitária,
investidos no novo cargo de protectores dos Estudos».
No entanto, estas primeiras manifestações do declínio da autonomia
universitária, (sécs. XIV e XV) não se reflectem na liberdade intelectual da Instituição.
De facto, no aspecto doutrinal, a Universidade continua a ser livre e independente, não
recebendo directrizes do Estado, porquanto, nesta época, por isto ou por aquilo, não tem
ainda a ousadia, ou condições, de se elevar à posição de doutrinador. Porém, a
subordinação intelectual da Universidade ao poder político não deixava de estar
implícita na sequência lógica dos acontecimentos, sendo inevitável, mais tarde ou mais
cedo, como resultado da subordinação jurídica e administrativa, já efectivamente em
curso.
Sobre este assunto, em relação ao que foi acontecendo nas Universidades em
geral, verificou-se “literalmente” «sem tirar nem pôr» na Universidade portuguesa,
desde os fins do séc. XIV e, sobretudo, no decorrer do sec XV, o que a seu tempo darei
conta.

Organização geral e programa de ensino.


Não se sabe qual terá sido a Universidade mais antiga. Poderá, eventualmente,
ter sido a de Salerno que já no séc. X era conhecida pelos estudos médicos, embora
assumisse apenas no séc. XIII a forma organizacional de uma Universidade. A sua
proximidade com a Sicília muçulmana deu-lhe acesso a informações que não se
encontravam disponíveis em qualquer outro local do Ocidente cristão. Embora tanto o
Cristianismo como o Islamismo proibissem a dissecação de corpos, pensa-se que em
Salerno já se praticava essa técnica de estudo. Durante o sé. XIII, Salerno teve primazia
sobre a escola médica de Montpellier.
As Universidades de Bolonha e de Paris também são muito antigas, tendo a
primeira sido instalada por volta de 1150 e a segunda, antes do fim do séc. XII. Vêm
depois, em ordem de antiguidade, instituições famosas como as de Oxford, Cambridge,

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Montpellier, Salamanca, Roma e Nápoles. Refira-se que não houve universidades na
Alemanha antes do fim do séc. XIV.
Praticamente, todas as Universidades da Europa medieval estavam organizadas
segundo um modelo então existente, consoante os elementos preponderantes da
corporação escolar fossem os mestres ou os estudantes.
Na Itália, na Espanha e no sul de França, o padrão geral era o da Universidade
de Bolonha, na qual os próprios estudantes formavam uma associação ou corporação.
Contratavam professores, pagavam-lhes salários, multavam-nos e destituíam-nos
quando descuravam o cumprimento do dever ou ministravam instrução deficiente.
Quase todas as Instituições do sul eram de carácter secular e especializadas em Direito e
Medicina.
As Universidades do
norte da Europa modelavam-se
pela de Paris, que não era uma
corporação de estudantes, mas
de professores. Incluía as
quatro Faculdades: Artes,
Teologia, Direito e Medicina,
cada uma delas dirigida por um
Deão eleito. Na grande maioria
das Universidades do norte os
principais ramos de estudo
eram as Artes e a Teologia.
Não é de estranhar, e
facilmente se compreenderá,
que estas duas famosas
Universidades europeias
tenham seguido vias completamente opostas na estruturação da sua orgânica
governativa, porquanto, Paris é a Universidade de Teologia, os seus mestres são as
autoridades eclesiásticas, e os seus estudantes são todos clérigos ou, pelo menos, na sua
grande maioria, candidatos à vida sacerdotal. Bolonha, pelo contrário, é por excelência a
Universidade do Direito «e o carácter laico da ciência jurídica tira à corporação
escolar todo o aspecto duma instituição eclesiástica, e não tem que moldar-se como a
de Paris, na hierarquia e disciplina da Igreja».

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Pode chamar à atenção o facto de que, em Bolonha, para além do Direito Civil
(Direito Romano), também se ensina o Direito Canónico, (que é o Direito da Igreja) e
sob este pretexto a Igreja chama a si a protecção do Estudo Geral bolonhês, cumulando-
o de regalias, mas fá-lo, sobretudo, com o objectivo de o subtrair da esfera de
influência, ou da autoridade, da comuna local. Porém, a corporação, apesar de tudo, não
é uma corporação eclesiástica.

Na Idade Média, ao contrário dos séculos posteriores, a Universidade tinha um


cunho mais acentuadamente internacional. Estudantes das mais variadas nações, vindos
de toda a Europa, ali se encontravam e conviviam, recebendo a mesma cultura e
habituando-se às mesmas atitudes intelectuais.
Numa base corporativa da Instituição bolonhesa vamos encontrar o
agrupamento dos estudantes em “nações”, isto é, pequenas corporações formadas por
escolares da mesma nacionalidade. Em Paris, essa repartição em “nações” também
chega a formar-se, mas em época tardia, quando a Universidade se encontrava já
estruturada como “universitas magistrorum”, não alcançando, portanto, o significado e
a importância que tiveram em Bolonha
Numerosas, inicialmente, as várias “nações” vão-se coligando, até formarem em
meados do séc. XIII, dois blocos: o dos “cismontanos” (italianos) e o dos
“ultramontanos” (estrangeiros, que viviam além dos montes, ou seja, dos Alpes). Cada
um destes blocos era rigorosamente uma “universitas”, ou seja, uma corporação escolar,
formada, dirigida e orientada, exclusivamente por estudantes. Cada qual tem o seu reitor
escolhido entre os seus próprios membros, sendo estes reitores-estudantes quem
governa a Universidade, possuindo um vastíssimo campo de manobra, o qual se estende
sobre o próprio corpo docente.
Nas Universidades “ex privilegio”, copiou-se o modelo de Paris ou o modelo de
Bolonha, com maior ou menor número de variantes, um pouco ao sabor ou à mercê da
vontade do instituidor ou, ainda, por via de outras circunstâncias de ordem local.
O Estudo Geral português seguiu o modelo de Bolonha opção que, no momento
próprio, será devidamente explicada.

A instalação de uma imensa população flutuante, que não raro vinha de longe,
constituía difícil problema para as autoridades nas cidades universitárias.

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Muitos dos estudantes nos cursos de Artes eram, provavelmente, sustentados
pelos seus pais e, no final do séc. XIII, alguns Governos atribuiam soldos (subsídios)
aos estudantes universitários na condição de entrar ao serviço da cidade após a
conclusão dos seus estudos. Porém, para os estudantes mais pobres houve que recorrer a
outras soluções.
Com o objectivo de diminuir as dificuldades de alojamento, muitos estudantes
associavam-se em casas comuns e os reis chegavam a tabelar os preços das casas de
aluguer. Alguns beneméritos, na intenção de aplicar o seu dinheiro de maneira
proveitosa, pensando na salvação da alma, fundaram hospícios, “hospitais”, ou colégios
para albergar estudantes impossibilitados de pagar residência própria; outros benfeitores
faziam doações permanentes a estabelecimentos desse género, de modo a possibilitar
um “sustento – base” para os estudantes mais necessitados.
Os primeiros colégios conhecidos datam dos fins do séc. XII. O primeiro em
Paris, o “Colégio dos Dezoito”, foi fundado por um londrino. Primitivamente, o colégio
não passava de um albergue; mas, para comodidade dos estudantes, e também para
poupar tempo e dinheiro, alguns professores passaram a viver nos colégios. Nestas
circunstâncias os mestres começaram ali a repetir ou a explicar as lições do lente, a
orientar o trabalho do aluno, a obrigá-lo a exercícios.
À medida que esta prática se tornou comum, os colégios perderam o seu carácter
inicial de estabelecimentos para assistência aos pobres, tornando-se instituições
educacionais.
Exemplo célebre desta transformação é a do hospício fundado, em 1257, por
Robert Sorbon para estudantes de Teologia que, sob o nome de “Sorbonne”, virá mais
tarde a substituir-se à Faculdade de Teologia de Paris como foco principal dos estudos
teológicos.

Nem todas as Universidades tinham o mesmo currículo e muitas delas não


apresentavam um quadro completo de estudos.
O paradigma de uma Universidade completa correspondia a cinco Faculdades:
Artes, Leis (ou Direito Civil), Cânones (Direito Canónico), Medicina e Teologia.
As Artes que constituíam como que um curso para as Faculdades superiores,
concediam o grau de “bacharel” aos estudantes que frequentassem durante 4 ou 5 anos
o “Trivium”, caso fossem aprovados nos exames, se bem que não lhes conferisse
nenhuma habilitação especial. O grau de “licenciado” era atribuído a todos aqueles que,

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após o bacharelato, o completassem com as disciplinas do”Quadrivium”, que se
compunha do estudo de Aritmética, Geometria, Astronomia e Música. Sublinhe-se que
estas matérias não correspondiam, em absoluto, ao que os seus nomes implicam nos
nossos dias. O seu conteúdo era altamente filosófico, como era o caso da Aritmética,
que incluía principalmente o estudo da teoria dos números, ao passo que a Música se
preocupava, sobretudo, com as propriedades do som. No séc. XIV acrescentou-se às
disciplinas tradicionais do “Quadrivium” o estudo da Física de Aristóteles, cuja leitura,
ainda em 1236, era proibida pelos Estudos da Universidade de Paris.
Só depois da licenciatura em Artes o estudante tinha acesso às Faculdades de
Medicina ou Teologia. Em Paris podia frequentar-se o Direito Canónico sem o prévio
bacharelato em Artes. As exigências para o grau de “doutor” eram, em geral, mais
rígidas e incluíam uma formação mais especializada.
A Faculdade de Teologia era a cúpula do “edifício universitário”. O
doutoramento nesta Faculdade só se conseguia ao cabo de 12 ou 14 anos de frequência,
e este grau de “doutor” apenas podia ser conferido se o candidato tivesse pelo menos 35
anos. Tanto os graus de “mestre” como os de “doutor” eram títulos de docência, pois o
próprio título de “doutor “ em Medicina equivalia ao de professor de Medicina e não à
prática médica.

Pode afirmar-se que, de um modo geral, nas Universidades europeias se


estudavam as mesmas matérias e se utilizava idêntico sistema pedagógico e como o
idioma universitário era o latim, facilitava notavelmente o intercâmbio de livros,
professores e alunos.
O curso magistral era a “lectio”, consistindo no comentário seguido de uma obra
em que se continha o saber essencial, no decurso do qual o professor exprimia muitas
vezes o seu próprio pensamento e que conduzia logicamente a interrogações às quais
cumpria dar resposta.
Efectivamente, os programas consistiam fundamentalmente em textos,
porquanto, a leitura das obras adoptadas que, em cada disciplina eram as “autoridades”,
constituíam a base do ensino e do saber, acrescentando-se a leitura de comentários.
Durante o séc. XIII, as “glosas” (anotações, comentários à margem) e “sumas” ou
“súmulas” (resumos) de muitos professores completavam a lista dos livros utilizados
nas universidades.

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Quanto à Teologia, a matéria assentava no estudo do texto latino da “Bíblia” e
no”Livro das Sentenças” de Pedro Lombardo, considerado um tratado de dogmática
cristã. Os Padres da Igreja e os comentários de alguns teólogos modernos completavam
o estudo da Teologia. Não é de rejeitar que muitos teólogos parisienses recorressem às
obras de Aristóteles e aos comentários árabes para melhor compreensão das suas
leituras, principalmente entre 1250 e 1275. São Tomás de Aquino seria um desses
mestres parisienses a ocupar-se do Estagirita (Aristóteles de Estagira, na Macedónia e
discípulo de Platão) e seus seguidores.

Concluindo este capítulo sobre o movimento universitário europeu, bem pode


dizer-se que a Idade Média, injustamente classificada, durante muito tempo, por alguns,
como a “Idade das Trevas” e a “Noite de mil anos”, (opinião que, julgo, já destruída)
assistiu ao nascimento da Universidade, a mais significativa contribuição de todo o
período medieval.

Precedentes da Universidade portuguesa.


Das instituições de ensino da Idade Média, anteriores à fundação da
Universidade, foram sem dúvida as escolas agregadas à Ordem dos Cónegos Regrantes
de Santo Agostinho (Coimbra) e à Ordem de São
Bernardo de Claraval (Alcobaça), aquelas que
atingiram maior projecção cultural. A par com as
escolas catedralícias e episcopais, foram focos de
“fermentação intelectual”, não se podendo
explicar sem elas o aparecimento da Universidade
portuguesa.
Diga-se, desde já, que os portugueses que
frequentavam as Universidades estrangeiras nos
sécs. XII e XIII eram, na sua grande maioria,
membros pertencentes às instituições religiosas. E
isto, não só pelo poder económico de que elas dispunham, mas também, e sobretudo,
obviamente, com o intuito de melhorarem e actualizarem o mais possível o ensino nas
suas escolas.

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As relações entre Portugal e as escolas europeias remontam ao séc. XII,
proporcionadas pela influência de Cluny e do papel da Igreja no intercâmbio de pessoas
e ideias, e que o aparecimento das Universidades ainda mais estreitou essas ligações.
Mantém-se a tradição que Julião Pais, chanceler de D. Afonso Henriques, e outros
juristas da segunda metade do séc. XII fizeram a sua formação em Bolonha que, como
já é sabido, foi um grande centro do Direito Romano. Da “Alma Mater Parisiensis”, o
mais ”fecundo viveiro” para os estudos de Teologia e Artes, não restam dúvidas que foi
frequentada por escolares provenientes de Santa Cruz de Coimbra. Vejamos o que nos
diz D. Nicolau de Santa Maria citando a carta de doação de D. Sancho I, de 14 de
Setembro de 1192: «... Dou e concedo ao Mosteiro de Santa Cruz quatrocentos
morabitinos da minha fazenda, para sustentação dos Cónegos que estudam “in partibus
Galliae studiorum”»... (que estudam nas partes de França). Já se deu conta de que a
reputação das Escolas de Paris era imensa e, assim, naturalmente se generalizou a ideia
que era indispensável frequentá-las para ser bom mestre.
Hauréau, no seu estudo sobre a
“Philosophia Scholastica”, descreve as enormes
dificuldades que era necessário vencer para
frequentar as referidas Escolas:
«Para ter o direito de ensinar os outros era
preciso ter alguma permanência nas escolas de
Paris; quem não tivesse ido ali ouvir os ilustres
regentes da grande Escola, passava por ignorar
os princípios elementares da ciência. Quando nos
últimos confins da Bretanha insular, nos extremos
longínquos da Calábria, da Espanha, da
Germânia, da Polónia, um jovem clérigo manifestava alguma inclinação para os altos
estudos e parecia aos seus superiores que viria a ser um lógico, era imediatamente
enviado para Paris. Partia sozinho, a pé, atravessando os rios, as montanhas, os
mares...Era uma vida de aventuras e de perigos que o disciplinava de ante-mão para as
agitações e rudes provas da escola. Cada noite achava asilo no mais próximo mosteiro;
se a noite o surpreendia, longe do povoado, ia bater à porta de qualquer casa isolada;
e para alcançar o agasalho o mais cordial bastava-lhe declarar o seu título de escolar;
aqui a hospitalidade era-lhe liberalmente concedida; além disso, era-lhe devida, e a lei

Carlos Jaca 15
municipal punia como um delito a infracção a este artigo consuetudinário: aos
escolares compete por toda a parte a lei do asilo».
Apesar das dificuldades de toda a ordem, as relações prosseguiram, continuando
a França a atrair os nossos escolares para ouvir as lições de mestres de grande nomeada
para a obtenção dos seus graus. De facto, era a “licentia docendi” que, na generalidade,
os levava até Paris, pois as nossas escolas capitulares e monacais não lhes concediam os
graus de bacharel, licenciado e doutor ou mestre, nem o diploma em Teologia.
A criação ao longo do séc. XIII, das Universidades de Toulouse e Montpellier
veio a proporcionar um encurtamento da viagem e novos centros de interesse,
principalmente na segunda, “herdeira cultural de
Salerno e da Medicina judaica com assento em
Toledo”.
Outra Universidade, que veio a ser a mais
famosa de Espanha, foi fundada em Salamanca,
com o ensino das Leis, Cânones, Medicina e
Artes, ficando a Teologia confiada aos Mestres de
São Domingos; a sua projecção no Ocidente foi de
tal ordem que chegou a ser considerada ao nível de
Paris, Bolonha e Oxford. Devido à proximidade a
que se encontrava das dioceses da fronteira como
Braga, Guarda, Viseu e Lamego, fez com que
muitos portugueses ali acorressem e mesmo depois, em certos períodos, quando o nosso
Estudo Geral já havia sido fundado.
Porém, como quer que fosse, Paris, Bolonha, Montpellier, Salamanca ou
qualquer outra, a frequência de universidades estrangeiras apresentava grandes
inconvenientes: avultadas despesas, longas e penosas viagens e, ainda, os perigos a que
ficavam sujeitos os escolares em terras estranhas, onde teriam de permanecer, por vezes,
longos anos.
Nestas circunstâncias, grande número de portugueses deparava-se com a
impossibilidade de prosseguir os seus estudos em escolas além-fronteiras. Assim, a
criação de estudos superiores em Portugal, constituía, indiscutivelmente, uma
necessidade premente, um desejo de muitas pessoas e instituições. Só que, durante um
longo período, as condições do Reino não o permitiam. Todas as energias e
potencialidades nacionais estavam viradas e canalizadas, por completo, para o

Carlos Jaca 16
fenómeno vincadamente peninsular da reconquista, defesa e povoamento do território,
bem como «contra a cobiça dos vizinho» e, ainda, pelas melindrosas discórdias entre a
Nobreza, Alto Clero e a Coroa.
Deste modo, não surpreende que a Universidade portuguesa só tivesse sido
fundada na última década do séc. XIII. Se bem que a França, Itália, Inglaterra Leão e
Castela tivessem aberto os seus Estudos Gerais antes de Portugal, outros Estados da
Europa, e dos mais cultos e importantes, só mais tarde a viram aparecer. A primeira
Universidade alemã apenas foi fundada no séc. XIV, em 1348, mais de meio século
depois da nossa, que é uma das mais antigas da Europa.
Desde há muito, e era notório, se fazia sentir a necessidade de um Estudo Geral,
porém, só a partir dos meados do séc. XIII, é que a pouco e pouco, se foram
conseguindo as condições políticas e culturais indispensáveis ao nascimento de uma
Universidade. A título de curiosidade pode informar-se que só sete anos após a sua
fundação se definiram os limites continentais do nosso território, o qual até hoje, se
conservou, por assim dizer, intacto.
O facto de muitos letrados portugueses se terem formado em Universidades
além-fronteiras, não terá deixado de constituir um grande incentivo a fim de se criar a
primeira instituição cultural do Reino.
De facto, conhecendo a sua orgânica por observação directa, era natural que ao
regressar ao seu País, verificassem e comparassem, com admiração, a diferença de nível
entre a cultura nacional e a dos países donde regressavam. Relatando a sua experiência,
e conscientes de terem adquirido um novo e mais amplo saber, provocavam no ânimo
dos que ficavam, e não podiam abalançar-se a tão complicada jornada, o desejo e o
entusiasmo pela criação de uma Universidade entre nós.
Ainda que o profissionalismo fosse muito pouco diversificado, havia duas
profissões consideradas de nível superior e que eram constantemente solicitadas por
necessárias e indispensáveis: o Direito e a Medicina. Com efeito, jurista e médico, eram
elementos de presença constante junto dos reis, e o seu saber constantemente solicitado.
Ora, como a formação escolar necessária e suficiente, de uns e outros, não
poderia ser adquirida dentro do sistema existente em Portugal, imperiosa se tornava a
criação de uma Universidade análoga às do estrangeiro onde aquelas matérias fossem
leccionadas.

Carlos Jaca 17
Parece ter sido em Santa Maria de Alcobaça que foi dado um dos mais
significativos passos para a criação da primeira Universidade portuguesa.
Refira-se que o grande reformador e impulsionador dos estudos alcobacenses, o
Abade D. Frei Estêvão Martins, determinou que se ensinasse para sempre, Gramática,
Lógica e Teologia e medida excepcional: que as aulas fossem públicas. Antes da
reforma ensinava-se, apenas, no Mosteiro, a Teologia aos monges, permitindo-se, agora,
que as pessoas estranhas à Ordem, pudessem frequentar as aulas. A escola que era
privada, ou interior, como a de Santa Cruz de Coimbra, tornou-se pública.
Efectivamente, em 1269, considerada a necessidade de tal reforma dos estudos,
D. Estêvão Martins, determinava:
«Em nome de Deus, Amen. Porque em todas as criaturas está posta uma luz
natural de inteligência, pela qual se nos facilita o caminho de podermos vir no
conhecimento do Criador, já deposta a escuridade da primeira ignorância: todos os
homens (se pudesse ser comodamente) houveram de procurar com diligência o
benefício da sabedoria. Por essa razão, Nós, Estêvão Abade, e o nosso Convento de
Alcobaça, fazemos saber aos que a presente virem, em como de nosso comum
consentimento ordenamos à honra de Deus e da bem-aventurada sempre Virgem sua
Mãe e de todos os Santos, e para comum utilidade de nossos Monges e de todos os mais
que desejarem adquirir a incomparável riqueza da sabedoria, instituímos em nosso
Mosteiro um contínuo e perpétuo Estudo de letras; para conservação do qual, e para
sustentação dos Mestres, aplicamos todas as rendas da vila de Alvorninha, com outra
fazenda mais no território da vila de Óbidos».
A primeira aula pública, após a reforma de D. Estêvão Martins, foi dada em 11
de Janeiro de 1269, no reinado de D. Afonso III.
A decisão é notável e representa um passo importante para a criação da futura
Universidade portuguesa. António José Saraiva refere uma passagem do historiador
Rashdall, num estudo sobre as Universidades da Europa da Idade Média, em que o autor
diz «entrever-se na escola de Alcobaça uma tentativa única na história das
universidades europeias, para fundar uma universidade eclesiástica».
Sublinhe-se que, pelo seu poder e prestígio, o Abade de Alcobaça era uma figura
de relevo na vida da Nação. Inerente à sua dignidade abacial ostentava alguns títulos
efectivos e reais, quer laicos, quer eclesiásticos, além de outros episódicos, que
representavam incumbências e delegações acidentais, intitulando-se Conselheiro do Rei,

Carlos Jaca 18
Esmoler-Mor do Rei, Fronteiro-Mor, Donatário da Coroa e Senhor das terras e vilas do
Couto.
Precisamente, por isso, não causará admiração ter sido um Abade de Alcobaça,
Martinho II, em 1288, a encabeçar uma representação colectiva a subscrever o pedido
ao Papa para a criação da futura Universidade portuguesa.

Fundação da Universidade portuguesa. Petição ao Papa.


D. Dinis iniciou o seu reinado em 1279, e entre as dificuldades provocadas pelas
ambições de seu irmão, o Infante D. Afonso, e pelas complicações da política
castelhana, prolongava-se o conflito, herdado de seu Pai, com o Alto Clero, que durou
até 1289.
A questão debatia-se em Roma, durante os pontificados dos Papas Martinho IV,
Honório IV e Nicolau IV. Naturalmente, perante tal situação, e nestas circunstâncias, o
Rei não podia fundar o Estudo Geral, porque os Bispos protestavam contra a cedência
dos rendimentos das Igrejas de que o monarca era padroeiro.

As primeiras negociações para a criação de um instituto superior em Portugal,


atestadas documentalmente, reportam-se a 1288, embora, e seja muito provável, já antes
daquele ano se
tivessem
empreendido
algumas diligências
nesse sentido.
Porém, o
mais antigo
documento
conhecido referente
ao Estudo Geral de
Lisboa é, de facto, a
petição ou súplica dirigida ao Papa, em 12 de Novembro de 1288. Não é conhecido o
original deste documento que existiu no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em
Lisboa, e daí desapareceu. Conhecem-se cópias, uma das quais inserta num
“Cartulário” do séc. XV, (Cartulário – conjunto de todos os documentos, bulas papais,

Carlos Jaca 19
cartas régias, alvarás, etc. que respeitam à Universidade portuguesa desde a sua
fundação) conhecido por “Livro Verde”.
O documento em questão, a súplica, «escrita em pergaminho e selada com
dezassete selos pendentes, de diversos modos e figuras», que deviam ser dos 17
Prelados ou Párocos, presentes, quando se fez a carta, com a data da Era de César
equivalente a 12 de Novembro da Era de Cristo, foi expedida de Montemor-o-Novo por
uma representação colectiva de vários prelados e dirigida ao Papa Nicolau IV,
participando-lhe que resolveram criar um Estudo Geral em Lisboa e pedindo-lhe, para
ele, o seu beneplácito.
Este documento, dada a sua importância, pare-me justificar a sua transcrição na
íntegra:
«Ao Santíssimo Padre e Senhor, pela Divina Providência Sumo Pontífice da
Sacrossanta Igreja de Roma.
Nós, devotos filhos vossos, o Abade de Alcobaça, o Prior de Santa Cruz de
Coimbra, o Prior de S. Vicente de Lisboa, o Prior de Santa Maria de Guimarães,
secular, e o Prior de Santa Maria de Alcáçova de Santarém, e os Reitores das Igrejas
de S. Leonardo de Atouguia, de S. Julião, e de S. Nicolau, e Santa Iria, e Santo Estêvão
de Santarém, de S. Clemente de Loulé, de Santa Maria de Faro, de S. Miguel e Santa
Maria de Sintra, de Santo Estêvão de Alenquer, de Santa Maria, S. Pedro e S. Miguel
de Torres Vedras, de Santa Maria de Gaia, da Lourinhã, de Vila Viçosa, da Azambuja,
de Sacavém, de Estremoz, de Beja, de Mafra, e do Mogadouro, beijamos
devotadamente vossos pés bem aventurados.
Como a Real Alteza importa não só ornada com as armas se não também
ornada com as leis, para que a República possa ser bem governada no tempo de guerra
e paz, porque o mundo se alumia pela ciência, e a vida dos Santos mais cabalmente se
informa para obedecer a Deus e seus Mestres e Ministros, a Fé se fortalece, a Igreja se
exalta e defende contra a herética pravidade (maldade) por meio dos varões
eclesiásticos, por todos estes respeitos, nós, os acima mencionados, em companhia de
pessoas religiosas, prelados, e outros, assim clérigos como seculares dos Reinos de
Portugal e Algarve, havida plenária deliberação no caso, intervindo a inspiração
divina e movendo-nos a particular e comum utilidade, considerámos ser mui
conveniente aos Reinos sobreditos e a seus moradores, ter um estudo geral de ciências,
por vermos que à falta dele, muitos desejosos de estudar e entrar no estado clerical,
atalhados com a falta de despesas e descómodos dos caminhos largos e ainda dos

Carlos Jaca 20
perigos de vida, não ousam e temem ir estudar a outras partes remotas receando estas
incomodidades, de que resulta apartar-se do seu bom propósito e ficar no estado
secular contra vontade. Por estas causas, pois, e muitas outras, úteis e necessárias, que
seria dilatado relatar por miúdo, praticamos tudo e muito mais, ao Excelentíssimo D.
Dinis, nosso Rei e senhor, rogando-lhe encarecidamente se dignasse de fazer a ordenar
um geral estudo da sua nobilíssima Cidade de Lisboa, para serviço de Deus e honra do
beatíssimo mártir São Vicente na qual Cidade escolheu Nosso Senhor Jesus Cristo
sepultura a seu corpo. Ouvida por este Rei, e admitida a nossa petição benignamente,
com consentimento dele que é o verdadeiro padroeiro dos Mosteiros e Igrejas
sobreditas, se assentou entre nós que os salários dos Mestres e Doutores se pagassem
das rendas dos mesmos Mosteiros e Igrejas taxando logo o que cada uma havia de
contribuir, reservando a côngrua sustentação. Pelo que Padre Santíssimo recorremos
em final aos pés de Vossa Santidade pedindo-lhe humildemente queira confirmar com a
costumada benignidade uma obra tão pia e louvável, intentada para serviço de Deus,
honra da pátria e proveito geral e particular de todos.
Dada em Montemor-o-Novo, a dois dos idos de Novembro da Era mil e
trezentos e vinte e seis». (12 de Novembro de 1288).
Este notável documento descreve-nos, fundamentalmente, o estado cultural do
País e a necessidade da criação de um Estudo Geral, ao que o Rei acedeu. Os termos da
petição dão a entender que, nesta data, o Estudo Geral de Lisboa já estava criado,
porquanto o que se pedia ao Papa era a confirmação canónica da aplicação das rendas
eclesiásticas, numa «obra tão pia e louvável e intentada para serviço de Deus».
Porém, o pedido não obteve resposta imediata. Recorde-se que as relações entre
a Santa Sé e Portugal não eram as melhores e foi, precisamente, por isso, que tardou a
ser atendido.
Acontece que, com a data de 1290, existem dois documentos notáveis para a
História da Universidade: o da criação régia e o da confirmação Papal. O primeiro é a
famosa carta da fundação da Universidade que o “Rei Poeta” dirigiu a todos os seus
súbditos do território português.
Com efeito, desde a súplica dos prelados até à resposta do Vaticano, isto é, entre
Novembro de 1288 e Agosto de 1290, parece que o Estudo Geral já estava organizado,
dotado e funcionando activamente em Lisboa, conforme se pode concluir do referido
diploma, datado de 1 de Março de 1290, expedido de Leiria, cidade em que D. Dinis
permanecia muitas vezes:

Carlos Jaca 21
«D. Dinis, pela graça de Deus, Rei de Portugal e do Algarve, a quantos a
presente carta virem, muito saudar.
Reconhece-se que aquele admirável
tesouro da ciência, que, quanto mais se derrama,
mais aumenta a sua uberdade, (riqueza) ilumina
espiritual e temporalmente o Mundo, porque com
a sua aquisição, todos nós, os católicos,
conhecemos a Deus nosso Criador, e em nome do
seu Filho Nosso Senhor Jesus Cristo abraçamos a
fé católica, e também porque, sendo Nós e os
outros príncipes, seus servos, obedecidos de
nossos súbditos, a vida destes é, por virtude dessa
obediência, informada com a ministração da
Justiça ensinada por aquela ciência. Por isso, para dizermos com o Profeta, a pedimos
ao Senhor. Rogar-lha-emos, para habitarmos em Sua morada. Ora, desejando Nós
enriquecer nossos Reinos com este precioso tesouro, houvemos por bem ordenar, na
Real Cidade de Lisboa, para honra de Deus e da Santíssima Virgem Sua Mãe e também
do mártir S. Vicente, cujo santíssimo corpo exorna a dita cidade, um Estudo Geral, que
não só munimos com cópia de doutores em todas as artes, mas também roboramos com
muitos privilégios. Mas, porque das informações de algumas pessoas entendemos que
alguns virão de várias partes ao nosso dito Estudo, se gozarem de segurança de corpos
e bens, Nós querendo desenvolvê-lo em boas condições, prometemos, com a presente
carta, plena segurança a todos os que nele estudam ou queiram de futuro estudar, e não
permitiremos que lhes seja cometida ofensa por algum ou alguns de maior dignidade
que sejam, antes com a permissão de Deus, curaremos de os defender de injúrias e
violências. Além disso, quantos a eles vierem nos acharão em suas necessidades de tal
modo generosos, que podem e devem fundamentalmente confiar nos múltiplos favores
da Alteza Real.
Dada em Leiria, a 1 de Março. Por mandado d´El-Rei a notou Afonso Martim.
Era de 1328» (equivalente a 1290 da Era de Cristo).
Este documento veio reforçar a informação que se recolhe do pedido dos
prelados de que o Estudo já estava fundado em Lisboa, sabendo-se, ainda, que já tinham
sido nomeados os professores para as várias disciplinas e que D. Dinis se esforçara por
atrair escolares para o frequentarem, garantindo-lhes uma protecção segura para aqueles

Carlos Jaca 22
que se dispusessem a vir de outros lugares do País instalar-se em Lisboa, pois,
«naquelas épocas, qualquer deslocação constituía sempre uma perigosa aventura».
Por conseguinte, se conjugarmos o contexto da carta dionisiana de 1 de Março
de 1290, com o teor da petição dirigida ao Papa, a 12 de Novembro de 1288, vê-se que
se trata de uma resolução já tomada, dado entender-se que o «estatuto» já existia de
facto e “de jure”.

O terceiro grande documento relativo aos primórdios da Universidade é a bula


“De Statu Regni Potugaliae”, do Papa Nicolau IV, expedida de Orvieto, em 9 de Agosto
de 1290, e dirigida à “Universidade dos mestres e escolares de Lisboa”.
Nicolau IV, depois de relatar como soubera da notícia de que em Lisboa,
«graças à solicitude de D. Dinis», justifica-se da demora da bula da confirmação e, pois
que agora, já «apartados alguns impedimentos», do grave litígio dos Bispos com o Rei
sobre as jurisdições, aceita o facto consumado do estabelecimento e exercício na
Universidade: «Declaramos e havemos por valioso e agradável a nós tudo o que sobre
esta matéria está feito...».
O Papa, apesar de deferir a confirmação pedida pelos prelados, reconhece como
pertencendo a D. Dinis a iniciativa da fundação da Universidade: «Em verdade à nossa
notícia chegou, que procurando-o o caríssimo em Cristo filho nosso Dinis, ilustre Rei
de Portugal, não sem muita e louvável providência, estão de novo plantados, na Cidade
de Lisboa, Estudos de cada uma das lícitas faculdades...».
Seguidamente, Nicolau IV designava os privilégios concedidos ao novel
instituto superior: aprovava o pedido quanto à afectação das rendas eclesiásticas e
exortava D. Dinis a que obrigasse os cidadãos de Lisboa a alugar casas aos escolares,
tabeladas por dois clérigos e dois leigos, escolhidos pela Universidade e pela cidade,
regalia idêntica à que gozavam os estudantes de Bolonha, Paris e de muitas outras
escolas. Dispensava da obrigação de residência os professores que usufruíssem de
benefícios e prebendas, os quais só não gozariam das distribuições cotidianas
consignadas àqueles que assistiam aos ofícios divinos. Além disso, o monarca devia
exigir às autoridades de Lisboa que prestassem juramento de como respeitariam a
segurança e imunidade das pessoas e bens dos membros do Estudo Geral. Estas e outras
recomendações do Papa a D. Dinis, deixavam transparecer o desejo de afirmação da
autoridade pontifícia sobre a nova Instituição.

Carlos Jaca 23
Entre outros privilégios, determinava, ainda, que os mestres, escolares e seus
criados ficassem apenas sujeitos ao foro eclesiástico, bem como conferia ao Bispo de
Lisboa, ou ao seu vigário, a autoridade para atribuir aos graduados em Artes, Cânones,
Direito Civil e Medicina, a “facultas ubique docendi”, o que significava o direito de
leccionar onde quer que fosse.
Considera-se, e julgo que já foi entendido, que a bula não é o diploma da
instituição do Estudo Geral de Lisboa, nem Nicolau IV foi o seu fundador, como se
admitiu durante muito tempo. A referida bula corresponde apenas à confirmação da
Universidade fundada por D. Dinis e da concessão de privilégios semelhantes aos
outorgados por diplomas pontifícios a outros Estudos Gerais.

A iniciativa da fundação do Estudo Geral.


O desenvolvimento deste subtítulo, para melhor compreensão, obriga a recordar
alguns factos já referidos.
Na realidade, a quem terá pertencido, ou donde terá partido a iniciativa da
fundação do Estudo Geral?
Anteriormente à publicação do diploma da fundação oficial da Universidade, 1
de Março de 1290, conheciam-se dois documentos relativos à origem da referida
Instituição: a carta em latim, datada de 12 de Novembro de 1288, já descrita, e a bula de
Nicolau IV, datada de Orvieto a 9 de Agosto de 1290, dirigida à “Universidade dos
mestres e escolares de Lisboa”.
Estes documentos não eram concordantes. No 1º documento, os prelados e
reitores, depois de alegarem que haviam conferenciado com D. Dinis, «rogando-lhe
encarecidamente se dignasse de fazer ordenar um Estudo Geral na sua nobilíssima
cidade de Lisboa», e de terem acordado entre si o provimento do salário dos mestres e
doutores, estipulando o que cada Igreja ou Mosteiro havia de contribuir, o que teve a
anuência do Rei, suplicavam ao Pontífice a aprovação e confirmação, «por ser muito
conveniente ao Reino e seus moradores», de um Estudo Geral de “sciencias”.
Pela bula expedida, dois anos depois da súplica, o Estudo Geral é considerado já
como fundado «pelos cuidados e louvável providência de D. Dinis», tanto mais que o
Papa se dirige à “Universidade dos mestres e escolares de Lisboa” e referindo-se aos
mestres “actu regentes” (em exercício).

Carlos Jaca 24
Perante este quadro surgiu a discordância dos historiadores, afirmando uns que a
Universidade havia sido fundada por influência e a pedido do Clero, garantindo outros
que a acção dos eclesiásticos que subscreveram a petição se limitou a solicitar a
confirmação da aplicação das rendas eclesiásticas, e divergindo todos sobre o ano do
seu estabelecimento.
Se, apenas, tomarmos à letra a súplica a Nicolau IV, não há dúvida de que o
mérito cabe inteiramente aos superiores dos conventos e aos eclesiásticos que a
assinaram e que, expressamente, declararam terem feito a proposta a D. Dinis, mas...
nos princípios do século passado surgiu um dado novo. O eminente Professor Dr.
António de Vasconcelos, da Universidade de Coimbra, publicou o diploma de 1 de
Março, cujo original, por mero e feliz acaso, lhe fora parar às mãos.
O ilustre Mestre atribui, definitivamente, a iniciativa a D. Dinis. Com efeito, no
diploma dionisiano, o Rei reivindica-a para si, reivindicação que Nicolau IV,
indirectamente, confirma, pois considera o Estudo Geral de Lisboa, fundado e
funcionando. No entanto, o historiador e investigador, afirma que a sua conclusão «não
prejudica em nada a alta benemerência daqueles eclesiásticos que com seus conselhos
e pareceres auxiliaram o Rei e cooperaram eficazmente na fundação, e que generosa e
espontaneamente, cederam de seus rendimentos de mosteiros e igrejas quanto bastava
para pagar os salários de mestres e doutores».
Considera, ainda, que a súplica teria sido redigida de combinação com o Rei,
visto que o monarca atravessava, então, o período agudo das suas desinteligências com
os Bispos, (tanto que entre os signatários da súplica não se conta nenhum deles) sendo,
pois, inoportuno, antidiplomático e perigoso dirigir-se ao Papa a suplicar favores.
Assim, D. Dinis terá determinado que fosse o Clero a fazer o pedido, apresentando o
plano da criação do Estudo Geral como da sua iniciativa. Efectivamente, o Clero fez o
pedido na sua qualidade de autor do plano, portanto, principal interessado na fundação
do Estudo. E mais, acrescenta o erudito historiador que «se pensarmos que o Estado em
franca reorganização carecia de juristas e altos funcionários esclarecidos,
compreende-se que o espírito elevadíssimo do Rei ambicionasse atenuar as deficiências
do ensino, conquistando a autonomia docente da Nação e libertando os escolares dos
dispendiosos estágios em Paris ou em Bolonha».
Embora respeitando a autoridade de quem defende esta opinião, os Professores
Lopes de Almeida e Mário Brandão, igualmente da Faculdade de Letras da

Carlos Jaca 25
Universidade de Coimbra, não a acham de todo convincente, nada impedindo que a
iniciativa pertença àqueles que se “confessaram” seus autores.
Por muito grande, dizem, que fosse o interesse de D. Dinis pela instalação no seu
Reino de uma Universidade, «dificilmente poderia ser maior que o dos signatários da
súplica, pois seria o Clero quem maiores benefícios alcançaria da nova escola...». Para
além de tomarem a seu cargo o pagamento dos salários dos Mestres, deve ponderar-se o
facto de entre os signatários da petição figurarem, em primeiro plano, os prelados dos
três institutos religiosos onde, exactamente, existiram as principais escolas portuguesas
do período que antecedeu a
fundação do Estudo Geral: Santa
Cruz de Coimbra, Santa Maria de
Alcobaça e a Colegiada de
Guimarães. Sublinham, ainda, os
ilustres catedráticos, que não se
deve estranhar o facto de que os
signatários tivessem rogado a D.
Dinis a fundação do Estudo Geral,
em vez de directamente o
instituírem, até porque o plano e as
rendas a utilizar lhes pertenciam.
Só que... «uma escola fundada por aqueles religiosos nunca teria passado dum estudo
particular, sem categoria verdadeiramente universitária, visto que todos os estudos
gerais então existentes, ou tinham surgido por geração espontânea, como os de Paris e
Bolonha, ou por iniciativa do Pontífice, como o de Toulouse, ou do Imperador como o
de Nápoles, ou dos monarcas da Península Ibérica, onde as Universidades se
apresentam como fundações tipicamente reais».
Ora, quando D. Dinis, em 1 de Março de 1290, se decidiu à fundação oficial do
Estudo, o conflito entre o Alto Clero e a Coroa estava praticamente sanado, porquanto,
por essa altura, o Rei não podia deixar de estar ao corrente do que se passava em Roma
e já convencido de que Nicolau IV daria a sua anuência ao estabelecimento do tão
desejado Estudo Geral. Saliente-se que só com a aprovação do Pontífice o Estudo Geral
gozava da regalia do “ius ubique docendi”.
Ao fim e ao cabo, pode admitir-se que o Estudo Geral de Lisboa se deve a uma
iniciativa conjunta de Instituições religiosas e da Coroa, nascendo de um plano

Carlos Jaca 26
elaborado por eclesiásticos e religiosos, acarinhado e posto em prática pelo interesse e
vontade de D. Dinis.

Organização interna e funcionamento – Linhas gerais.


Parece não haver dúvida sobre ter sido na freguesia de Santo Estêvão de Alfama,
no sítio da Cruz, (junto à porta do mesmo nome, aberta no tempo de D. Fernando)
também chamada “Campo da Pedreira”, que primeiro esteve instalada a Universidade
em Lisboa. O referido “Campo da Pedreira” tinha sido expropriado por D. Dinis, ao
Cabido da Sé de Lisboa, onde mandou construir as casas para o Estudo Geral. Após
acordo com os Bispos, o Rei teve de indemnizar o Cabido, entregando-lhe o valor
correspondente, ao que parece em situação litigiosa, pois somente o veio a fazer
passados mais de dez anos.
A nova Instituição
apresenta-se como uma
corporação independente e
autónoma, «governada
pelas autoridades
designadas pelos próprios
estudantes, regida pelos
estatutos livremente
estabelecidos pela congregação escolar, muito embora por vezes aprovados pelo rei a
pedido da Universidade, quando desejava dar particular valor às suas constituições».
O Estudo Geral, de facto, surge como uma daquelas Universidades de tipo
“estudantil” à maneira de Bolonha que foi considerado o modelo perfeito do referido
tipo, em que os escolares são o elemento dominante e não os mestres como acontecia
nas de “feição parisiense”. (Em jeito de esclarecimento, diga-se a este propósito que,
quando falamos de “escolares”, não devemos deixar-nos influenciar pela ideia que
modernamente fazemos de estudantes. A população escolar do Estudo Geral era
constituída em grande parte, por “homens feitos”, indivíduos em que a idade e a posição
social tornavam respeitáveis, até porque muitos deles eram clérigos e, mesmo,
dignitários da Igreja).
Com efeito, neste período da história, em que o tipo adoptado era o “bolonhês”,
eram os escolares que «deliberavam nas congregações», que elegiam as autoridades

Carlos Jaca 27
académicas - que eram estudantes (incluindo os dois reitores) bem como os empregados
universitários e que escolhiam, provavelmente, os professores».
A influência do modelo “bolonhês na organização do nosso Estudo Geral poderá
explicar-se, em parte, pela importância que, ao tempo, tiveram os nossos juristas com
formação na famosa Universidade italiana e, também, por reflexo das Universidades
peninsulares, como é o caso de Salamanca, cujas constituições se assemelhavam muito
mais ao Estudo de Bolonha que ao de Paris.
Porém, como sublinham Lopes de Almeida e Mário Brandão, as semelhanças
têm muito de relativo, porquanto, por exemplo, «Numa escola como a nossa, fundada
por um monarca, nunca o domínio dos estudantes poderia ter atingido as proporções
que assumiu num estudo geral de formação espontânea como o de Bolonha, onde
constituiu, por vezes, uma verdadeira tirania bem pesada para os mestres».

Em relação ao período medieval, apesar de copiosa informação do “Livro


Verde” e do “Cartulário”, que já foram referidos, não existem muitos elementos sobre
alguns aspectos, como aqueles que dizem respeito aos professores e às matérias
leccionadas, situação que leva, naturalmente, ao recurso de verificar o que se passava
nesse domínio noutras Universidades europeias, em especial Salamanca, atendendo a
que os esquemas de funcionamento eram praticamente os mesmos em todas elas.
Já foram enumerados os importantes privilégios concedidos pelo Papa Nicolau
IV, quando da Bula “Statu Regni Portugaliae” que confirmava a fundação do Estudo
Geral. Nela, ordenava o Pontífice que na Universidade portuguesa se ensinassem todas
as faculdades com excepção das “ilícitas”, como a magia, a astrologia e, ainda, a
Teologia, uma vez que a bula expressamente excluía a concessão de graus nessa
Faculdade. Assim, o Estudo de Lisboa, na época da sua fundação, seria constituído
pelas Artes (Dialéctica, ou Lógica, e Gramática, faltando à semelhança de Paris a
cadeira de Retórica), Direito Canónico (Decretais), Direito (Leis) e Medicina, segundo a
nomenclatura moderna.
O facto de não existir uma Faculdade de Teologia na nossa Universidade, até aos
fins do séc. XIV, não quer dizer que em Portugal não se ensinasse a ciência sagrada nas
escolas episcopais e monacais. Já anteriormente, à instituição do Estudo Geral, duas
Ordens Religiosas se dedicavam devotadamente ao ensino da Teologia – as de São
Domingos e São Francisco. Porém, estas escolas dos mendicantes não conferiam graus,
pelo que os escolares que desejassem alcançá-los teriam que continuar a deslocar-se ao

Carlos Jaca 28
estrangeiro para os conseguirem num Estudo Geral. O mesmo sucedia nas numerosas
escolas monásticas dos outros países, particularmente nas das ordens mendicantes que
não estivessem incorporadas numa instituição universitária.

Os autores estudados nas Faculdades portuguesas seriam, naturalmente, os


mesmos que se estudavam nas Universidades europeias, semelhantes à nossa. Assim,
teríamos, Prisciano na Gramática; Aristóteles na Lógica (Dialéctica); no Decreto, ou
seja, no Direito Canónico, o “Decretum” de Graciano, primeira codificação de
determinações Papais e conciliares e de opiniões dos Santos Padres e, mais tarde, as
“Clementinas”, (rescritos compilados por Clemente V e publicados por João XXII, em
1317; as regras do Direito Romano mandadas compilar pelo Imperador Justiniano, às
quais se dava o nome de “Digesto”; os livros de Hipócrates, Galeno e Avicena para a
Medicina.

O método de ensino não era diferente do usado nas instituições estrangeiras. A


Idade Média conheceu apenas uma maneira de ensinar, (exceptuando as primeiras
letras) que consistia em ler um determinado texto, interpretá-lo, resumi-lo, «descobrir
os seus pressupostos, tirar as suas consequências e resolver as suas contradições...». O
método de ensino académico compreendia: a “lectio” (lição) e a “disputatio”
(discussão).
Como base da lição existiam em todas as Faculdades determinados livros
considerando-se que neles estava reunida toda a ciência e que, sendo assim, o objectivo
consistia em que o mestre explicasse a matéria em questão aos estudantes e estes a
retivessem na sua memória. “Ler” era sinónimo de “ensinar”.
Alexandro de Hales (m. em 1245) famoso professor franciscano de Paris,
defendia que os objectivos principais da “lectio” eram a exposição do texto, o seu
comentário ou esclarecimento, a proposição de questões e a investigação e a conclusão
de resultados. Assim, pois, a missão da Universidade naqueles tempos não era a de
orientar para a investigação científica pessoal dos professores e a iniciação dos alunos;
tratava-se simplesmente de transmitir e aprender os conhecimentos existentes, sem a
preocupação de os aumentar com outros novos. Quer se tratasse da “Bíblia”, quer do
“Corpus Juris Civilis”, quer dos decretos Papais, quer da Física de Aristóteles, o texto,
interpretação e comentário constituíam «o ponto de partida e de chegada do mestre» e,

Carlos Jaca 29
ao prestar as suas provas, o aluno devia demonstrar que tinha lido as obras referidas no
programa e que as tinha compreendido.
Em todas as Faculdades, juntamente com a “lectio”, praticava-se a “disputatio”,
que se considerava como meio instrutivo de análogo valor ao daquela. O objecto da
“disputatio”era demonstrar o domínio dos conhecimentos adquiridos na “lectio”, e
fazer, em certos casos, aplicação deles. Depois, tomando como ponto de partida
determinados princípios geralmente admitidos, extraíam-se deles conclusões lógicas
(”procedimento silogístico”) para decidir questões litigiosas. Um dia por semana
celebrava-se a “disputatio” solene, concorrendo todos os professores e alunos da
Faculdade; um mestre pronunciava uma conferência e, ao terminá-la, propunha certo
número de princípios (“tesis”) e sob a sua direcção começava imediatamente a
controvérsia. Os demais professores intervinham como adversários (“oponentes”)
seguindo uma ordem determinada, e aduziam as suas objecções (“arguir”); depoisl,
alguns bacharéis, sob a direcção do presidente, tratavam de rebater estes argumentos
(“responder”).
As aulas decorriam de manhã e de tarde e, para designar o respectivo horário,
adoptou-se a nomenclatura que a Igreja usava para certas práticas religiosas: “à hora de
prima” (manhã cedo) e “à hora de véspera” (ao fim da tarde) e, de modo análogo, se
dizia “lente de prima” e “lente de véspera”.
Os estudantes partiam para férias nos finais de Junho, segundo refere um
documento do tempo de D. Fernando: «é depois que chega o dia de São João que se vai
o estudo dessa cidade» (Coimbra) «e que ficam aí três ou quatro escolares, que são aí
moradores».
No que respeita aos graus académicos, os professores do Estudo Geral eram
designados por “mestres” e por “doutores”, porém, a distinção é algo confusa. O termo
“lente” ou “ledor”, que posteriormente, ficou a usar-se para referência a certos
professores universitários, só esporadicamente aparece nos documentos dos primeiros
tempos do Estudo Geral. A palavra, cujo significado é o “que lê”, provém do método
empregado no ensino em que o professor “lia” a lição escrita (a “lectio”) no livro
adoptado.
Os deveres dos mestres, tal como em Bolonha, estavam regulamentados com
certa minúcia. No começo do ano deviam jurar aos Santos Evangelhos que leriam bem e
a proveito dos escolares aquelas leituras que lhes fossem indicadas.

Carlos Jaca 30
O “bacharel” correspondia ao grau mais baixo que se podia alcançar no termo
dos estudos, depois de sujeito a um exame público. O “bacharel” podia “ler” ou
“ensinar” desde que fosse sujeito a uma espécie de estágio preparatório, sob a direcção
do “doutor”, preparando a licenciatura. Ao fim de mais quatro anos de curso, o
“bacharel”, e desde que satisfizesse certas condições, era admitido a um exame, no
termo do qual lhe era concedida a “licença” para ensinar, passando, então, ao grau de
“licenciado”.
O grau de “doutoramento” exigia, para além do exame, uma cerimónia solene de
enorme aparato e muito dispendiosa para o candidato. O “doutorando” tinha de se
apresentar com traje de cerimónia e de alto preço e, também à sua custa, com traje
apropriado, o padrinho e o bedel: «Um cortejo de graduados e oficiais da Universidade
vinha buscá-lo a casa, com trombetas, e, depois de receberem do doutorando “cinco
coroas de ouro” para a Universidade, levavam-no solenemente à catedral. Após a
missa solene do Espírito Santo havia uma distribuição de capelos aos reitores, ao
chanceler e a todos os doutores, feita à custa do candidato, e de luvas para todos os
graduados, oficiais da Universidade e “pessoas notáveis” presentes. Seguia-se o
discurso do padrinho, a lição do doutorando, a resposta às arguições dos presentes, o
pedido do candidato para lhe serem concedidas as insígnias do grau, após o que era
chamado pelo padrinho, sentado na cátedra, onde recebia o capelo, o anel, o beijo
simbólico e a bênção. Tudo acabava num banquete ao pessoal participante na
cerimónia pago pelo novo doutor, seguido de uma cavalgada a caminho da Sé para
participar numa cerimónia religiosa».
Inicialmente, o Estudo Geral funcionava com dois tipos de professores: os
“doutores”, que recebiam o seu vencimento, e os “bacharéis” que “liam” gratuitamente,
preparando-se para alcançar o grau de “licenciados”. É o que parece concluir-se de uma
Carta de D. Dinis, datada de 1323, em que se faz referência aos vencimentos dos
professores do Estudo Geral e citando seis “mestres”, um para cada uma das seguintes
disciplinas: Leis, Decretos, Física (Medicina), Gramática, Lógica e Música.
O número de professores pode parecer muito reduzido, porém, ao lado daqueles
professores “ordinários”, não deixariam de existir outros, “extraordinários”, que
ensinavam gratuitamente, e seriam os tais candidatos a licenciados.

Já, anteriormente, me referi à fundação de colégios que, inicialmente, não foram


obra directa das Universidades, nem institutos de ensino, mas «simples hospícios, onde

Carlos Jaca 31
os escolares sem recursos encontravam abrigo e alimentação a troco do cumprimento
de certos preceitos religiosos e piedosos».
Estas instituições multiplicaram-se em todos os meios universitários, inclusive
em Portugal, onde, pelo menos, um deles surgiu ainda antes da fundação da
Universidade, como foi o caso do “hospital” dos Santos Paulo, Elói e Clemente criado
em 1285, pelo Bispo D. Domingos Jardo, chanceler de D. Dinis, «para sustentar, além
de pobres “honrados”, seis estudantes», querendo a expressão «pobres honrados»
significar, provavelmente, religiosos mendicantes.
Mais tarde, estes colégios tornar-se-iam instituições parauniversitárias. Ainda no
início do séc. XV, não tinham em Portugal a função pedagógica que assumiram nas
principais Universidades da Europa. Numa carta expedida de Bruges, em 1427, para seu
irmão D. Duarte, o Infante D. Pedro, pedia que fossem instituídos na Universidade de
Lisboa, «colégios à imitação dos de Oxford e de Paris, dando como razão que o clero
português se revelava muito mal instruído – culpa certamente da escola onde se
formava», o que significaria um indício a acrescentar a outros, do pouco brilho dos
estudos universitários em Portugal na Idade Média e do seu atraso em relação aos países
adiantados da Europa.

Mudança para Coimbra (1308). A “Charta Magna Privilegiorum”.


Ainda não tinha decorrido o seu primeiro século de vida e já o Estudo Geral
sofrera diversas modificações na sua orgânica, para além de mudar com alguma
frequência de sede o que, segundo Henrich Denifle, constitui um facto único na história
das universidades europeias. António José Saraiva chama-lhe universidade vagabunda
«que até ao século XV não tinha sede fixa, nem instalações próprias, nem mestres
prestigiados». Fundada em Lisboa em 1290, é transferida para Coimbra em 1308, aqui
permanecendo trinta anos e regressando de novo à capital em 1338; ao cabo de
dezasseis anos é transferida para Coimbra, em 1354, para regressar a Lisboa, em 1377,
onde se manteve durante cento e sessenta anos. Em 1537, D. João III instalou-a
definitivamente em Coimbra, onde perdurou como instituição, sem concorrente, até
1911.
Porquê a mudança e para Coimbra?

Carlos Jaca 32
Todas as cidades universitárias medievais assistiram, nem sempre de modo
pacífico, aos conflitos não só no seio da população escolar, mas também, e
principalmente, envolvendo estudantes e os moradores das cidades.
Lisboa, à época, era já uma cidade muito movimentada e com alguma agitação
e, por isso, talvez não fosse o lugar mais apropriado para sede de um estabelecimento de
tipo universitário. As frequentes desordens entre os estudantes e a população citadina,
provocadas pela natural irreverência da juventude e agravadas pelos privilégios
jurídicos do foro académico, e até por aqueles que sem frequentarem os estudos,
usavam o traje de estudante para se acobertarem com os privilégios dos escolares, iam
tomando tal dimensão que se impunha o encerramento do Estudo em Lisboa. A sua
mudança para uma localidade sem bulício, onde a vida da Corte e o movimento de uma
cidade marítima não convidassem às diversões, enfim, um ambiente sossegado que não
perturbasse a regularidade dos estudos.
As solicitações de D. Dinis ao Papa, que era então Clemente V, depois que este
se informou da necessidade de tal mudança, «graves dissenções e escândalos entre os
cidadãos daquela cidade, por um lado, e os estudantes, por outro, não podendo assim o
Estudo funcionar convenientemente, aquele rei [D. Dinis] suplicou-nos humildemente
que transferíssemos aquele Estudo para a cidade de Coimbra, que diz ser lugar mais
acomodado e conveniente, concedendo-lhe, e aos seus mestres e escolares, os
privilégios e indulgências que a eles concedera o nosso Antecessor [Nicolau IV]...».
foram atendidas pelo Pontífice que dirigiu as bulas, “Profectibus Publicis” e “Porrecta
Nuper”, respectivamente, ao Arcebispo de Braga, D. Martim de Oliveira, ao Bispo de
Coimbra, D. Estêvão Anes e ao Rei. As bulas, expedidas de Poitiers, em 26 de
Fevereiro de 1308, permitiram a mudança para Coimbra, cabendo aos referidos Prelados
os negócios da transferência, confirmavam os privilégios concedidos por Nicolau IV e
autorizavam, ainda, a anexação à Universidade de seis Igrejas do Padroado Real para
sustentação do Estudo.
Parecem ser evidentes as razões que
influíram no espírito de D. Dinis ao preferir
Coimbra para sede da Universidade.
Justificava-se a escolha da cidade do
Mondego não só pela sua situação geográfica
privilegiada, no coração do território

Carlos Jaca 33
nacional, mas também pelo ambiente mais sossegado e propício ao estudo, pois
«pequena, de vida tranquila e pouco movimentada, esta cidade não continha no seu
seio, como Lisboa, elementos perturbadores que arrancassem os estudantes às suas
lucubrações escolares». Acrescente-se, ainda, e de não menor importância, o facto da
existência, no burgo conimbricense, de um notável centro de ciência e cultura, o
Mosteiro de Santa Cruz que, indubitavelmente, muito veio a contribuir para elevar o
nível dos estudos universitários.
Quanto à sua primeira localização não teria deixado de ser dentro da cerca de
Almedina. Uma tradição que remonta ao séc. XVI diz que o Estudo, depois de ter
funcionado algum tempo em casas de aluguer, se instalou (e esta é a tese aceite) junto
dos Paços da Alcáçova, (actual edifício central da Universidade), exactamente no local
onde, no séc. XVI, se construiu o Colégio de São Paulo, mais tarde o Teatro
Académico, posteriormente a Faculdade de Letras, e onde agora funcionam a Biblioteca
Geral e o Arquivo da Universidade.
É muito provável que as aulas tenham começado no ano em que foi expedida a
bula, (26 de Fevereiro 1308) e na época própria, isto é, após o Verão, pois existe um
documento, datado de Novembro de 1308, onde D. Dinis determina ordens relativas à
vida dos escolares. No entanto, só em 15 de fevereiro é que o Rei assina a “Charta
Magna Privilegiorum” que estabelece o Estudo Geral em Coimbra.

Dos vários diplomas que outorgou à Universidade, merece especial referência a


“Charta Magna Privilegiorum”, de 15 de Fevereiro de 1309, inspirada, ao que parece,
pela “Magna Carta” concedida por Afonso X, “O Sábio”, avô de D. Dinis, à
Universidade de Salamanca.
Alguns autores, e dos mais ilustres, entre eles os Professores Damião Peres,
Lopes de Almeida, Mário Brandão e Manuel Augusto Rodrigues, consideram que a
instalação do Estudo Geral em Coimbra não foi uma simples transferência, mas que o
“Rei-Poeta” fundava, sim, uma nova Instituição. Com efeito, o Estudo Geral instala-se
em Coimbra como uma nova fundação e não como a continuidade do de Lisboa.
No referido diploma, D. Dinis declara fundar e estabelecer “irrevogavelmente” a
Universidade em Coimbra, como se tratasse de uma primeira fundação, além de que,
curiosamente, não há qualquer referência ao Estudo Geral lisbonense, como se o Rei
quisesse evitar «que o desprestígio dos escandalosos sucessos de que a capital fora

Carlos Jaca 34
teatro, maculasse a reputação da escola que carinhosamente acabava de transplantar
para Coimbra».
Assim, o documento de 15 de fevereiro de 1309, é considerado, por excelência,
o diploma solene da fundação da Universidade de Coimbra, equivalente à “Carta» de 1
de Março de 1290, que a instituíra em Lisboa, tratando-se, pois de uma segunda
fundação.
A “Charta Magna Privilegiorum”, como o nome indica, atribuía uma série de
privilégios ao Estudo Geral dos quais se apresenta uma síntese em relação aos pontos-
chave:
1.«D Dinis “funda e planta irradicavelmente” o Estudo Geral na Cidade do
Mondego (“in civitate nostra Colimbriensi quam prellegimus in hac parte fundamus et
plantamus irradicabiliter studium generalle”). Porém, até à sua fixação definitiva em
Coimbra, em 1537, a Universidade passou por várias alternâncias de localização entre
Lisboa e Coimbra;
2. São indicadas as matérias (Faculdades) a leccionar: Direito Canónico,
Direito Civil, Medicina, Dialéctica e Gramática (Artes), as mesmas indicadas na bula
de Nicolau IV. A Teologia seria ensinada nos conventos dos religiosos dominicanos e
franciscanos, (“a fim de, como muro inexpugnável, a Fé Católica ficar bem defendida
dos que tentassem contra ela arremeter”). Não há referência ao ensino da Música, que
era tradicionalmente da responsabilidade do clero.
3. Os estudantes, seus bens e familiares são tomados sob a protecção do rei.
4. O monarca ordena a todas as justiças do reino, sob penas graves, que
defendam os escolares e seus criados e haveres de toda a vexação.
5. Mais ordena que nenhum morador de Coimbra faça qualquer agravo aos
estudantes ou aos seus criados.
6. Determina que, se alguém quiser levar os estudantes a tribunal, o faça
perante os juízes ordinários, ou seja, o Bispo ou o seu vigário-geral, ou ainda o mestre-
escola, no caso de se tratar de assunto que a este diga respeito.
7. Proíbe ao alcaide e justiças de Coimbra que, de forma alguma, levem os
estudantes perante o juízo secular, a menos que tenham sido apanhados em homicídio
ou a provocar ferimentos, em furto ou rapina, em rapto de mulheres, ou fabrico de
moeda falsa.
8. Concede que os alunos elejam os seus reitores e conselheiros, o bedel e
outros oficiais.

Carlos Jaca 35
9. Autoriza que a Universidade tenha arca e selo próprio.
10. Concede que os estudantes possam elaborar Estatutos para a Universidade.
11. Ordena que sejam eleitos todos os anos dois homens probos do concelho de
Coimbra e dois escolares idóneos para tratarem dos problemas relativos à residência
estudantil, quando surgirem dúvidas a tal respeito: eram os taxadores que ficavam
encarregados de avaliar os justos preços das rendas das casas. Este assunto merece ao
monarca uma atenção muito especial ao longo da “Charta Magna”.
12. Os estudantes não poderiam ser postos fora das casas onde moravam ou
delas expulsos, desde que tivesse havido acordo quanto às rendas a pagar. Tal
disposição só podia ser revogada no caso de os donos pretenderem as moradias para
nelas residirem, ou para as venderem ou oferecê-las por ocasião do matrimónio de seus
filhos, ou ainda para doá-las a alguém da sua linha descendente.
13. Concede que na Chancelaria Régia se não cobre nada pelos privilégios e
liberdades da Universidade, ou ainda em razão do selo ou da cera, de escrituras ou por
qualquer outro motivo.
14. Proíbe que cortesãs, soldados ou jograis se intrometam na vida dos
escolares ou frequentem as suas casas, a fim de lhes ser garantida a máxima
tranquilidade. Anualmente devia um pregoeiro público anunciar este capítulo de
privilégios pela cidade de Coimbra, para que ninguém pudesse alegar desconhecimento
ou ignorância.
15. Concede aos estudantes que se desloquem ao Estudo Geral com as suas
cavalgaduras, livros, criados e alfaias sem terem de pagar portagem em qualquer parte
do reino. Esta determinação devia ser comunicada aos alvazis de Coimbra para que
passassem cartas abonatórias sempre que os estudantes lhas solicitassem para as suas
deslocações.
16. Ordena que os alunos da Universidade possam levar consigo livremente
quaisquer mantimentos.
17. Ordena que dois homens probos da cidade de Coimbra sejam os
conservadores da Universidade, para que velem pelos privilégios dos estudantes e de
outras pessoas a eles ligadas e informem o monarca de tudo o que achem conveniente.
Como é bem evidente a “Charta Magna Privilegiorum”, pela qual D. Dinis dava
existência legal ao novo Estudo Geral, concedia aos seus escolares amplos direitos e
prerrogativas, cujo cumprimento procurou ainda assegurar por largo número de
provisões.

Carlos Jaca 36
Em Coimbra a atitude da população, tal como em Lisboa, foi de alguma
hostilidade para os escolares, tanto que, no próprio dia em que o Rei estabelece a
renovada Instituição (15 / Fev. / 1309), assina uma outra carta em que declara «tomar os
estudantes sob sua protecção, proibindo que alguém lhes faça mal, os fira, ou os
incomode de qualquer forma».
Um dos principais problemas que D. Dinis teve de resolver, ao fixar os
“Estudos” em Coimbra, foi o do alojamento dos estudantes que, aliás, era comum a
todas as cidades universitárias. Obviamente que tal dificuldade exigia da parte dos
governantes e pontífices uma legislação protectora dos escolares, uma vez que à
escassez de residências acrescia a manifesta má vontade dos proprietários em alugá-las
pela justa renda aos estudantes, porquanto, estes eram, como inquilinos, considerados
indesejáveis.
Apesar das medidas tomadas, as resistências persistiam. Assim, três anos depois,
em 1312, o problema da instalação dos escolares em casas alugadas estava ainda por
resolver, queixando-se o Rei que, por dificuldade de habitação, alguns estudantes se
viam privados dos estudos e desistiam de vir a segui-los em Coimbra.
Para vencer a resistência dos proprietários, o Rei chegou ao ponto de determinar
que as moradias devolutas fossem destinadas a habitações escolares, mesmo contra a
vontade dos seus donos e isentas do pagamento de renda durante um ano: «Que alguns
[proprietários] têm casas de aluguer nessa vila, da porta de Almedina para cima, e que
as não querem alugar aos escolares, e que dizem que querem morar nelas, e que
moram nelas por algum pouco de tempo, e vão-se delas. E que isto que o fazem por não
pousarem nem morarem os escolares nelas porque vos mando que constrangedes
(obrigar à força) todos aqueles que da porta de Almedina acima têm casas para alugar
que as aluguem aos escolares antes que a outros quaisquer. E se nisto os donos das
casas algum engano fizerem dizendo que querem nelas morar, e moram nelas por
algum pouco tempo, ou fizerem nelas outro engano por nelas não morarem os
escolares, e se forem delas, e derem a outrem, não o possam fazer, e vós filhade-as (isto
é, tirai-as aos donos) e dáde-as aos escolares que nelas morem e nesse ano não dêem
aluguer delas».
Porém, a hostilidade acentuava-se e prolongava-se. Apesar da “Charta Magna”
garantir a segurança pessoal dos escolares, estes não se consideravam tranquilos, o que
terá levado D. Dinis a ordenar por “Carta”, de 29 de Dezembro de 1317, à proibição de

Carlos Jaca 37
que os estudantes que se dirigissem para o “Estudo” fossem maltratados «e enquanto
nele estivessem, e bem assim nos quinze dias seguintes à sua saída de Coimbra de
forma a terem tempo de chegar a suas terras».
Tudo permite supor que a população reagia à presença dos estudantes, e o facto é
que, trinta anos depois, o “Estudo” regressava a Lisboa.

Transferência para Lisboa (1338).


Com efeito, após trinta anos de estadia em Coimbra, o Estudo Geral volta a
Lisboa, instalando-se, provavelmente no primitivo local em que já estivera, o “Campo
da Pedreira”.
Por “Carta” de 17 de Agosto de 1338, D. Afonso IV ordena a transferência do
“Estudo” para a Capital sob o pretexto de desejar fixar-se durante grande parte do ano
na cidade de Coimbra: «e como as pousadas que são dentro na cerca dessa vila em que
soem de [costumam] de pousar os escolares que estão no meu Estudo Geral que até
agora foi nessa vila, adur [dificilmente] podem avondar [abundar) para os meus
oficiais e para os que vivem na minha mercê, e como por razão dessas pousadas
recrescem às vezes voltas e pelejas grandes entre eles... e havido por vezes conselho
sobre isto com prelados e letrados da minha terra que estiveram em outros Estudos
Gerais... foi acordado por todos que era serviço de Deus e meu, e prol [proveito] de
minha terra, não estar mais o dito Estudo na dita cidade de Coimbra e mudar-se à dita
cidade de Lisboa, que é a melhor e mais convenhável para isso de todas as outras do
meu Senhorio».
O Professor Veríssimo Serrão afirma que a justificação de D. Afonso IV terá
sido um expediente para a nova transferência, e que a razão seria válida, caso o monarca
tivesse ido muitas vezes residir em Coimbra, só que... «nos anos de 1338 a 1342
mostram os seus itinerários que não o fez com regularidade». O que parece evidente é
ter havido interesse em atrair professores e desenvolver a vida escolar, daí a razão da
mudança.
Porém, logo à partida, a transferência da Instituição deparou-se com dificuldades
de ordem financeira e eclesiástica – as rendas para a sua sustentação – pela recusa da
Ordem de Cristo em transferir para Lisboa os compromissos assumidos com o “Estudo”
de Coimbra. Esta recusa levou D. Afonso IV a solicitar ao Papa, Clemente VI,
autorização para se aplicar a esse fim as rendas de algumas igrejas do Padroado Real,

Carlos Jaca 38
até à quantia de 3.000 libras anuais, o que só foi concedido por bula de 10 de Janeiro de
1345, em que encarregava os Bispos de Évora e Lisboa de lhe darem execução o que
levou algum tempo (entre três a quatro anos), devido à oposição movida pelos priores
das igrejas designadas a contribuir, visto a grave diminuição das suas rendas.
Ao fim e ao cabo, o estabelecimento da Universidade em Lisboa não deixou de
causar novos conflitos e abusos motivados pelas prepotências e rivalidades entre
estudantes e lisboetas.
Os moradores da cidade, a quem uma ausência da Instituição durante trinta anos
fizera, praticamente, esquecer os agravos passados, constatavam agora, novamente, que
a honra de terem dentro dos seus muros um Estudo Geral, não deixava de oferecer
desvantagens, porquanto, tratava-se de uma «corporação privilegiada, cujas
prerrogativas naturalmente irritavam ou prejudicavam quem delas não participava...».
Durante dezasseis anos, apenas, se conservou a Universidade em Lisboa, pois
em Dezembro de 1354 a encontramos já de regresso a Coimbra.
Os motivos que levaram D. Afonso IV a mudar de opinião e a decidir a
transferência do “Estudo” para Coimbra desconhecem-se, porém, o que podemos
garantir é que em Lisboa já não existiam condições para o seu normal funcionamento.
Desconhece-se o diploma que determinou o regresso da Universidade à “Lusa-
Atenas”, e embora os documentos sejam omissos no que diz respeito a perturbações
internas, não será de todo descabido supor que teria sido, muito provavelmente, a
repetição de litígios entre estudantes e burgueses a levar D. Afonso IV a seguir o
exemplo paterno.
Fosse pelo que fosse, a transferência do “Estudo” processou-se com tal urgência
que o monarca só depois de a efectuar solicitou autorização ao Papa, ao mesmo tempo
que lhe pedia licença para a aplicação de 3000 libras anuais às despesas universitárias, a
pagar pelas rendas eclesiásticas.

Regresso a Coimbra (1354).


A Universidade instalou-se em Coimbra no ano lectivo de 1354-1355, visto que,
pelo menos, já em Dezembro de 1354 se encontrava nesta cidade, como consta da
“Carta” de provisão de 6 do mesmo mês, pela qual concede ao referido Estudo «todos

Carlos Jaca 39
os privilégios que seu pai lhe tinha concedido e todos os que ele lhe concedeu antes de
ser removida para Lisboa, como estando em Lisboa».
Em Maio de 1357, falecido D. Afonso IV, sobe ao trono seu filho, D. Pedro I,
que, por “Carta” de 7 de Setembro do mesmo ano, confirma à Universidade todos os
privilégios que lhe foram concedidos pelos Reis seus antecessores. Igualmente, achou
por bem promulgar uma série de documentos com o fim de renovar o “Estudo”, só que a
crise universitária tinha raízes profundas, principalmente pela carência de professores e
pela frequência de alunos, preferindo muitos deles permanecer nas suas moradas a
assistir aos cursos. Acontecia, de facto, que alguns bacharéis e escolares começaram, a
ensinar particularmente a estudantes, nas suas moradas ou em outros lugares, e não no
edifício universitário, o que parece ter certo paralelismo com a figura do “explicador”,
os “privata docentes”, dando lições particulares fora da Instituição universitária.
Tal situação chegou ao conhecimento do Rei como consta da “Carta” de 22 de
Outubro de 1357, dirigida aos Reitores e Conservadores da Universidade, ordenando
que não consintam aos bacharéis
e escolares, ou a qualquer outro,
«que fora das ditas escolas leiam
nessa cidade a nenhum escolar,
nem lhe dê lição nenhuma salvo
de “Partes”, ou de “Regras”, ou
de “Gatão”, ou de “Cártula”,
ou destes “livros menores”, e
não de outros “livros maiores”.
E se cada um dos livros maiores
quiserem ler, constrangêde-os
[obrigai-os] que venham ler às
ditas escolas que são tais e
tamanhas em que lhes bem
podem ler, e com mais prol
[proveito] dos escolares e honra
desse Estudo».
A classificação, “livros
menores” e “livros maiores", é
uma referência às Faculdades que constituíam o Estudo Geral, considerando-se

Carlos Jaca 40
“maiores” a de Leis, Cânones e Medicina, e “menor” a das Artes, uma vez que as
disciplinas do “Trivium” e do “Quadrivium” eram tidas como elementares e de
precedência às outras.
A “Carta” de 1357 é também um documento notável na medida em que nos
informa sobre os livros adoptados, então, nas Artes: as “Partes” referem-se às partes da
“Summa Theologica” de São Tomás; as “Regras” são o nome vulgar do “Quimcumque
vult” ou “Símbolo de Santo Atanásio”, regras que dizem respeito à fé católica; o
“Gatão”, abreviatura do título “Distica Catonis”, colecção de breves composições
poéticas que eram estudadas no estudo da métrica de versificação. Estes e outros livros
“menores” não citados podiam ser “lidos”, particularmente, fora do Estudo Geral, os
livros “maiores”, não.

A análise dos diplomas régios deste período, no que diz respeito à instalação dos
escolares, revela-nos as dificuldades já encontradas nos reinados anteriores, bem como a
má vontade manifestada contra os seus privilégios, situação que, em boa parte, deve ter
contribuído, para o facto de a Universidade não se ter fixado definitivamente em
Coimbra antes da época de D. João III.
À medida que o tempo decorria as dificuldades agravavam-se, como demonstra
uma “Carta” de D. Pedro I, datada de 19 de Outubro de 1358: «Outrossim me enviaram
que eles [os escolares] não podem haver casas de aluguer na dita Almedina como lhe é
cumpridouro
porque as pessoas
de quem são essas
casas as põem e
pedem por elas
grandes preços e
desaguisados
[discórdias], e há os
que as alugam a
alguns
maliciosamente
para as não
poderem haver os escolares por seus alugueres». Em face desta situação, o Rei
“Justiceiro” ordenava aos alvazis (funcionários de justiça) de Coimbra e ao

Carlos Jaca 41
Conservador do “Estudo” que vissem as casas de aluguer e outras moradias de
Almedina que os seus proprietários pudessem “razoavelmente” dispensar, arrendando-
as pelo justo preço.

Por morte de D. Pedro, sucedeu-lhe seu filho, D. Fernando que, como novo rei, e
segundo a praxe, confirmou à Universidade todas as mercês e privilégios que lhes
tinham concedido os Reis seus antecessores, «e seus bons usos e costumes».
Logo no início do seu reinado teve necessidade de assinar nova “Carta” (13-7-
1367) a proibir alguns actos contra os escolares. Por este tempo, D. Fernando
encontrava-se em Coimbra e, com o monarca, a Corte que arrastava consigo grande
número de servidores. Alguns destes, talvez pelo facto de serem pouco “abonados”
vieram a instalar-se, indevidamente, nas moradas dos próprios estudantes que se
encontravam ausentes de Coimbra, por serem férias, chegando mesmo a dispor
livremente dos seus pertences.
Pela referida “Carta”, D. Fernando tratou de pôr termo à usurpação ordenando
ao Alcaide, aos Alvazis e demais autoridades de Coimbra para proceder à expulsão dos
intrusos «qualquer que fosse a sua
categoria”.
É admissível que tivessem sido as
quezílias, graves e contínuas, entre
estudantes e moradores que levaram o Rei à
necessidade de tentar resolver tal “statu
quo”, determinando que o “Estudo” mudasse
de lugar, sem sair da Cidade, da zona
coimbrã de “Almedina” (nome que se
perpetuou na toponímia da “Lusa-Atenas”)
para o “arrabalde”, onde mandou procurar
casas convenientes para nelas o instalar, bem
como moradas para os estudantes.
Não há a certeza se foi concretizada
tal determinação, porém, se a mudança para o “arrabalde” chegou a realizar-se, foi por
pouco tempo visto que, passados sete anos, D. Fernando transferia novamente o
“Estudo” para Lisboa, onde iria permanecer cerca de 160 anos.

Carlos Jaca 42
As Cortes de Lisboa (1371). Propósitos de reforma.
No ano seguinte, em 1371, o Rei “Formoso” reúne Cortes em Lisboa onde, entre
outros assuntos a tratar, se procurava encontrar uma solução urgente para a carência de
professores no Estudo Geral:
[...] «uma das mais nobres coisas» – diz o relato dos temas tratados nas Cortes
de 1371 – «que no mundo o rei pode haver porque mais prol vem à sua terra, é haver
nela homens letrados e entendidos, e que porém os reis que ante nós foram olhando
como lhes isto era mui necessário, trabalharam-se de haver neste reino Estudo Geral
de que os homens pudessem aprender ciência para por ela ser sua terra mais nobre, e
foi-lhes outorgando por o Papa com certas rendas que para os encargos do dito estudo
deram, as quais rendas sempre foram em mão dos reis que ante nós foram para eles
pagarem os lentes e os outros que cumpriam ao dito estudo e que eram ora na nossa, e
que o dito estudo não era reformado de lentes como lhe convinha, e fazia mister, por a
qual razão muitos da nossa terra se iam fora dela aprender» [...] «e pediam-nos por
mercê que quiséssemos isto olhar e fizéssemos reformar o dito estudo de bons lentes em
cada ciência quanta lhe faz mister. A este artigo respondemos e dizemos que nosso
talante (prazer) é de haver lentes em o estudo cada que os pudemos haver tais com que
os escolares possam aproveitar».
Reflectindo sobre o “Relato das Cortes de Lisboa” (1371), torna-se evidente a
necessidade de uma Reforma da Universidade, pelo menos no que toca ao corpo
docente, pretendendo-se, pois, não só a presença de bons lentes, mas também aqueles
que fossem precisos para o bom funcionamento das matérias programadas. Vivia-se
uma “hora” de crise, a falta de lentes e até de alunos era notória.
A resolução a tomar, e que satisfazia o pedido das Cortes, seria, ao que parece, o
convite a professores estrangeiros que viessem leccionar para Portugal o que, como se
verá, implicaria uma nova transferência da Instituição para Lisboa.
De facto, as dificuldades agravadas pela falta de professores, pela falta de
instalações para estes e para os escolares, bem como o difícil relacionamento entre os
estudantes e as próprias autoridades municipais e oficiais, terão obrigado o Rei a
ponderar e, considerar como vantajosa, uma nova transferência do “Estudo” para a
Capital. Assim foi.
Se em relação à transferência anterior se desconhecem as razões que a
aconselharam, e apenas é lícito formular conjecturas mais ou menos razoáveis, a

Carlos Jaca 43
respeito da mudança em 1377 sabe-se o que levou D. Fernando a realizá-la ou, pelo
menos, o pretexto que invocou para a determinar. Efectivamente, a última transferência
da Universidade, em limites cronológicos da Idade Média, ordenada por “Carta” régia
de D. Fernando, em 3 de Junho de 1377, regulamentando-lhe a sua instalação e
funcionamento, parece filiar-se na intenção de uma verdadeira reforma.
O Rei começa por fazer saber «a quantos esta carta virem», que é sua obrigação
aumentar o número de letrados no País, ou seja, promover e favorecer o progresso do
ensino: [...] «a nós pertence de nossa terra ser acrescentada de letrados tais que seja
bem regrada em direito e em justiça, porque a majestade do rei ou príncipe não
somente deve ser aformoseada pelas armas mas ainda deve ser pelas leis e direitos por
aqueles que dos direitos são sabedores. Por isso queremos que os nossos direitos sejam
acrescentados de letrados para que sejam mantidos em direito e justiça... E vendo e
considerando que se o nosso estudo que ora está na cidade de Coimbra fosse mudado
na cidade de Lisboa, que na nossa terra poderia haver mais letrados que haveria se o
dito estudo na dita cidade de Coimbra estivesse, por alguns lentes que de outros reinos
mandámos vir não queriam ler senão na cidade de Lisboa. Por isso, havendo sobre isto
acordo com os do nosso conselho, mandámos que o dito estudo, que ora está na cidade
de Coimbra, seja em a dita cidade de Lisboa pela guisa (maneira) que antes soía
(costumava) de estar...».
Curiosamente, em toda a “Carta”, não há referência ao ensino de qualquer outra
matéria; o que sobressai é a importância atribuída ao ensino do Direito, destacando-se
de todas as outras disciplinas, «não porque o brilho da excelência dos seus mestres
cativasse o público estudantil mas pela mais fácil colocação que a sociedade do tempo
dava aos que se habilitavam nessa matéria», a que poderá acrescentar-se o facto de, já
por esta época, últimos tempos da Idade Média, na Europa, devido sobretudo ao influxo
do Direito Romano e à acção dos “legistas”, se ter começado a defender o princípio
cesarista de que a «vontade do Príncipe tem força de lei».
Assim, pode concluir-se, sem qualquer dúvida, que a solução para reformar o
“Estudo” passava pela vinda de professores do estrangeiro, particularmente para
ensinarem o Direito, situação que dependia, exclusivamente, da fixação da Universidade
em Lisboa.

O Rei, de facto, como já se vira, por outras medidas, estava empenhado em


proteger e favorecer a Universidade e, pretendendo dar-lhe prestígio, procurou

Carlos Jaca 44
“injectar-lhe” novo vigor, contratando professores no estrangeiro. Porém, como revela a
“Carta” régia, alguns deles recusavam-se a ensinar fora de Lisboa, certamente por
Coimbra ser uma terra pequena e de recursos modestos, (além de que a Capital era onde
residia habitualmente) o que terá sido decisivo para a quarta mudança do Estudo Geral
em menos de um século de existência.

Novamente em Lisboa (1377). A Universidade “fernandina”.


Por via das sucessivas mudanças de sede, alguns autores atribuíram ao “Estudo
Geral”, na sua primeira fase, a designação de “Universidade Lisboa-Coimbra” o que, de
facto, constitui, como já se referiu, caso ímpar na história das universidades europeias.

De novo, e pela última vez em Lisboa, a Universidade instalou-se nas mesmas


casas do “Campo da Pedreira”, onde, aliás, sempre estivera. Porém, nos documentos
encontra-se esse local designado com duas novas indicações: junto à “Porta da Cruz”,
pelo facto de então Lisboa ter sido cercada por uma muralha ordenada por D. Fernando,
onde se abrira essa porta, e na “Moeda Velha”, porque ali se estabelecera a “Casa da
Moeda”, depois que a Universidade foi mudada para Coimbra, passando desde 1377
para os Paços chamados do “Limoeiro”. As casas das escolas ficaram com a dominação
popular da “Moeda Velha”, sem contudo deixarem de ser as mesmas a que se referem os
documentos do reinado de D. Dinis.
Como se sabe, a fim de que o Estudo Geral funcionasse eficientemente e
beneficiasse de certas prerrogativas era necessário o consentimento papal. Essa a razão
por que D. Dinis, relativamente à fundação, e os seus sucessores, por via das sucessivas
andanças da Universidade, comunicassem ao Santo Padre as suas intenções solicitando-
lhe a necessária aprovação. Aconteceu que D. Fernando, ao que parece, não participou a
Roma a transferência do “Estudo”, o que veio a provocar uma situação complicada,
porquanto, para fazer face ao pagamento dos professores e muitas outras despesas, eram
necessárias as rendas eclesiásticas, as quais, só o Vaticano poderia autorizar. Deste
modo a transferência não decorreu sem dificuldades, pois, parece que, durante três anos
o “Estudo” viveu apenas do nome, o que levou muitas dezenas de estudantes a fixarem-
se, então, nas Universidades do Sul de França – Toulouse, Avinhão e Montpellier –
procurando a obtenção de graus que em Portugal não lhes era possível alcançar.

Carlos Jaca 45
Com efeito, o principal problema da Instituição parece ser o dos docentes, tanto
mais que se ignora se os lentes estrangeiros chegaram a ensinar, nem se conhece o seu
nome, e o certo é que, depois de já transferida, em Janeiro de 1378, a Universidade pede
ao Rei que designe lentes (“ledores”) que ensinem Gramática, Lógica, Leis e Decretais
(Direito Canónico).
Entre 1377-1378, as dificuldades agravaram-se, período em que o “Estudo”
viveu sem o apoio eclesiástico, sendo depois a crise vencida com a concessão de outros
privilégios reais e pontifícios.
D. Fernando deixara correr três anos sem solicitar, ou pelo menos obter, a
anuência de Roma, demora essa que pode ser, em parte, explicada pelo falecimento de
Gregório XI, em 27 de Março de 1378 e pelo Grande Cisma provocado pela eleição do
seu sucessor.
Em 7 de Junho de 1380, o novo Pontífice, o antipapa de Avinhão, Clemente VII,
a quem o nosso Rei prestava obediência, (um ano depois, consoante os interesses da
política portuguesa, já apoiava Urbano VI, Papa de Roma) autoriza o funcionamento de
um “Estudo”, «de acordo com os termos do pedido de D. Fernando que, por não ter
solicitado a transferência na devida altura se via obrigado a pedir autorização para a
fundação de um “Estudo”, como se nenhum tivesse existido anteriormente»,
determinando que «na dita cidade [Lisboa] haja um estudo geral que ali vigore para
todo o sempre, tanto em Direito Civil como em qualquer outra faculdade permitida,
excepto na de Teologia». Concedia, ainda, os tradicionais privilégios e revalidava
também o que a bula de 1290 estabelecia sobre os graus académicos (conferidos pelo
Bispo de Lisboa), a “facultas ubique docendi”, para permitir que todos aqueles que
adquirissem o grau de lente ou mestre pudessem ensinar não só no Estudo de Lisboa,
como em qualquer outro Estudo Geral.
Finalmente, e da maior importância para a sustentação da Universidade,
determinava que certas Igrejas portuguesas contribuíssem com rendas anuais, a fim de
remunerar os professores e o bom funcionamento da Instituição.

À data da morte de D. Fernando, 1383, o Estudo Geral, que estava a meia dúzia
de anos de completar um século de existência apresentava, e já se disse anteriormente,
uma característica singular: a instabilidade. As várias mudanças sofridas entre Lisboa e
Coimbra e Coimbra e Lisboa, para além dos enormes contratempos, paralisando

Carlos Jaca 46
praticamente, por vezes, a Instituição, teriam sido a principal causa do desaparecimento
de documentação da sua actividade pedagógica.
Naturalmente, que essa instabilidade não a permitia enraizar, nem, portanto,
progredir. Também, pelo menos, através das notícias que chegaram até nós, o Estudo
Geral português, durante o seu primeiro século de vida, não terá primado pela
notabilidade dos seus mestres, «cujos diplomas valiam pouco, mesmo dentro das
fronteiras do Reino». A própria “Carta” dá a entender que o ensino era ministrado
precariamente, determinando que «os lentes no começo do estudo jurassem aos Santos
Evangelhos nas mãos dos reitores que lessem bem e a proveito dos escolares aquela
leitura que lhes for, e continuassem até Santa Maria de Agosto. E que os lentes da
manhã, em Direito, fizessem ao menos dois autos (sessões práticas) no ano para os
escolares haverem modo de arguir...».
Ao fim e ao cabo, a desejada criação de um Estudo Geral no nosso País não
evitou que os estudantes portugueses continuassem a frequentar as Universidades
estrangeiras. Gama Barros, conhecido pela sua obra monumental “História da
Administração Pública em Portugal”, chama a atenção para a preponderância dos
“legistas” na vida nacional, preponderância «definitivamente estabelecida» no início da
segunda dinastia. E mais, diz: «Eram, no entanto, as escolas estrangeiras que
ministravam a ciência aos nossos compatriotas, porque, segundo se afirmava nas
Cortes de Lisboa, (1371) havia muitos portugueses que iam fora do país seguir os
estudos, que na Universidade, pelo seu estado decadente não estava no caso de lhes
proporcionar».
De qualquer modo, não há dúvida que o último Rei da primeira dinastia, D.
Fernando, cuja morte abriu uma crise política e social, tinha lançado as bases de uma
nova Universidade, de um plano geral de reformas, que vieram a ter execução com D.
João I.
Porém, as providências pedagógicas do fundador da dinastia de Aviz e de seu
filho, o Infante D. Henrique, primeiro “protector” da Universidade, ultrapassam já o
limite fixado para esta primeira parte.

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