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“Naqueles tempos, nos anos 20, tudo girava em torno do complexo de Édipo. A análise das
psiconeuroses levava o analista, sempre e sempre, às ansiedades pertencentes à vida instintiva
dos 4 ou 5 anos de vida da criança, quando esta relaciona-se com duas pessoas. Perturbações
anteriores que surgiam na análise eram tratadas como regressões aos pontos de fixação pré-
genitais, mas a dinâmica tinha origem no conflito localizado na fase do complexo de Édipo
plenamente desenvolvido da criança que aprende a andar ou que passou a andar há pouco
tempo (...). No entanto, inúmeros relatos de casos mostravam-me que as crianças que sofriam
de distúrbios psiconeuróticos, psicóticos, psicossomáticos ou antissociais apresentavam
dificuldades em seu desenvolvimento emocional já na primeira infância, enquanto ainda bebês.
(...) Alguma coisa estava errada em algum lugar.” (WINNICOTT, 1965, p.172)
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Nos primeiros momentos de vida do bebê, Winnicott postula que o recém-
nascido encontra-se em um pareamento indissociado com a mãe, configurando uma
díade (par) mãe-bebê. Isso significa que ele ainda não é capaz de discriminar-se e se
reconhecer como um ser diferenciado de sua mãe. Não há, portanto, uma diferenciação
entre eu e não-eu.
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ponto que Winnicott se assemelha mais ao pensamento kleiniano como podemos
verificar sua descrição da interação mãe-bebê neste período em que há um processo de
integração em curso e o predomínio da dependência relativa:
“Eu a descubro;
Você sobrevive àquilo que lhe faço quando passo a reconhece-la como não-eu;
Eu a uso;
Eu me esqueço de você;
Mas você se lembra de mim;
Continuo esquecendo-a;
Perco você;
Fico triste.” (WINNICOTT, 1972, p. 52)
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projeções de suas necessidades são acolhidas. Outro ponto importante, é que se o bebê
reconhece eu e não-eu, podemos supor o início das relações com objetos. Aqui merece
especial menção ao que Winnicott denominou objetos transicionais. Tratam-se de
objetos que correspondem à primeira posse não-eu do bebê e apresentam um
importante papel de intermediação entre o mundo interno e externo. (WINNICOTT,
1951). É próprio da boa maternagem permitir a existência do objeto transicional pois a
criança necessita dele para transitar de um estado de ilusão para um estado de
desilusão, do princípio de prazer para o princípio de realidade, funcionando como uma
fonte de acalanto contra a ansiedade de separação e perda do objeto-mãe. Quando
ocorre uma falha ambiental demasiadamente intensa para a criança processar como a
perda de um objeto de grande importância, temos o fenômeno da deprivação.
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“(...) o self tem uma totalidade baseada nas operações do processo
maturacional, auxiliado pelo meio ambiente humano. O self encontra a si mesmo
naturalmente colocado no corpo, mas pode em certas circunstâncias tornar-se
dissociado do corpo, e o corpo do self. O self reconhece a si mesmo nos olhos e na
expressão facial da mãe e no espelho que pode representar o rosto materno.
Eventualmente, o self chega a uma relação significativa entre a criança e a soma de
identificações, que se organizam em uma realidade psíquica viva. O relacionamento da
criança com sua organização psíquica interna altera-se segundo as expectativas
apresentadas pelos pais, por aqueles que se tornaram significativos na vida externa do
indivíduo. É o self e a vida do self que dá sentido à ação ou ao viver do indivíduo que
pôde chegar a um desenvolvimento satisfatório e que continua a crescer da
dependência e da imaturidade à independência e à capacidade de identificar-se com
objetos de amor maduros sem perda da identidade individual.” (SAFRA, 1999, p. 91)
Consultas terapêuticas
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finalidade da consulta terapêutica não é um aprofundamento compreensivo da
problemática do paciente ou sua dissolução em uma única sessão, mas, de forma
simplificada, um direcionamento e retomada do processo evolutivo e de
amadurecimento do paciente.
Tais atividades lúdicas podem variar entre desenhos, jogos, uso de brinquedos,
diálogos ou no jogo de rabisco. Este último, Winnicott desenvolveu com a finalidade ser
uma ferramenta facilitadora das consultas. O jogo do rabisco consistia em o analista
fazer um rabisco a esmo e que o paciente poderia transformar em um desenho
reconhecível. Posteriormente, invertia-se essa condição, o analista desenhava sobre o
rabisco do paciente, construindo dessa maneira um caminho para a comunicação pelo
paciente. Assim, com a construção desse recurso lúdico, Winnicott revela a importância
do brincar no processo terapêutico para sua teoria do amadurecimento humano.
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Referências
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Janeiro: Imago, 1997.
LESCOVAR, G. Z. As consultas terapêuticas e a psicanálise de D. W. Winnicott. Estudos de Psicologia, v. 21, p. 43-61, 2004.
MIGLIORINI, W. J. M. Um procedimento para a entrevista inicial com crianças. In: J. Outeiral, S. Hisada, R. H. C. N. Gabriades, A. M.
Ferreira (Orgs.), Winnicott: seminários brasileiros. Rio de Janeiro: Revinter, 2005.
WINNICOTT, D. W. (1945). Desenvolvimento emocional primitivo. In: _____ Da pediatria à psicanálise: obras escolhidas (pp. 218-
232). Rio de Janeiro: Imago, 2000.
__________ (1951). Objetos transicionais e fenômenos transicionais. In: _____ Da pediatria à psicanálise: obras escolhidas (pp. 316-
331). Rio de Janeiro: Imago, 2000.
__________ (1956). A preocupação materna primária. In: _____ Da pediatria à psicanálise: obras escolhidas (pp. 399-405). Rio de
Janeiro: Imago, 2000.
_________ (1965). The Maturational Processes and the Facilitating Environment. London: The Hogarth Press. (Tradução brasileira,
O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1983).
_________ (1970). A dependência nos cuidados infantis. In:________. Os bebês e suas mães. (p. 73-78). São Paulo: Martins Fontes,
1994.
_________ (1971a). Playing and reality. London: Penguin Books. (Tradução brasileira, O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago,
1975).
_________ (1971b). Consultas terapêuticas em psiquiatria infantil. Rio de Janeiro: Imago, 1971.
_________ (1972). As comunicações entre o bebê e a mãe e a mãe e o bebê, comparadas e contrastadas. (p. 35-53) In: W. G. Joffe,
O que é a psicanálise?. Rio de Janeiro: Imago, 1972.