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impactos sociais, trabalhistas e ambientais podem ser constatados sobretudo na região dos Lagos Andinos, que
produz 85% do salmão que o Chile exporta”, completa Flávia.
Pesquisas de entidades como o Centro de Estudos Nacionais de Desenvolvimento Alternativo (Cenda)
mostraram, porém, que essa pujança econômica não se converteu em benefícios proporcionais para os
trabalhadores. As remunerações mantiveram-se no nível do salário mínimo, com uma parcela adicional de 20%
vinculada a bônus por produtividade. Segundo Ana Becerra, do Cenda, muitas empresas não cumpriram
integralmente as leis trabalhistas nesse período de salto da indústria. Nas plantas industriais fechadas, as
temperaturas são baixas para preservar a qualidade do pescado. Cerca de 60% da mão-de-obra é de mulheres,
que cortam, limpam e refilam o salmão.
“Verificamos jornadas exaustivas em condições inadequadas, sem as devidas trocas de turnos. O trabalho na
linha de produção é repetitivo e sempre de pé”, relata Ana. A rotina tem causado tendinites e problemas
relacionados às baixas temperaturas, como reumatismos e cistites.
“Conheço histórias de trabalhadores que entregaram toda a sua energia à empresa e não podem colocar os
filhos na faculdade. Não se consegue poupar nada”, reclama John Hurtado, funcionário da Cultivos Marinos
Chiloé, em Ancud (na Ilha de Chiloé, a cerca de mil quilômetros de Santiago), e presidente do sindicato União
e Força. Segundo ele, gente com mais de 15 anos na indústria do salmão não tem casa própria. “Quando
colocamos isso nas negociações, os empresários riem da nossa cara e dizem para pedirmos teto ao governo.”
Empregados dos centros de cultivo no mar também enfrentam situações precárias, de acordo com investigação
do Cenda. Obrigados a permanecer semanas longe de terra firme para cuidar da engorda dos peixes, alguns
deles se protegem do frio, da chuva e do vento cortantes em pequenas embarcações sem estrutura adequada.
A Fundação Terram, o Cenda e uma organização chamada Canelo de Nos criaram em 2006 o Observatório
Laboral e Ambiental de Chiloé. Por meio de pesquisas próprias, as entidades detectaram ainda a ocorrência de
diversas práticas antissindicais e descobriram que a indústria do salmão tinha a segunda maior taxa de
acidentes de trabalho do Chile, atrás apenas da construção civil.
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pela produção a todo custo, sem se importar com o meio ambiente e com a degradação”, critica.
Em resposta aos diversos protestos por conta do desemprego, o subsecretário do Trabalho, Mauricio Jélvez,
anunciou um plano de investimentos públicos em capacitação e intermediação de mão-de-obra. O governo
articula ainda a aprovação de uma nova lei de pesca. Juan José Soto, assessor do Ministério da Economia e
integrante da Mesa do Salmão, instalada pelo governo federal, define as regras sanitárias e ambientais que
estão sendo propostas como “extremamente exigentes”. Para ele, não há melhor forma de cuidar dos empregos
do que recuperar a indústria com a adoção de novos padrões.
A perspectiva não é tão cor-de-rosa no chão de fábrica. O Observatório de Chiloé encontrou pessoas que foram
despedidas e recontratadas para trabalhar mais, por salário menor e tempo determinado. “Há casos de contratos
mês a mês. As pessoas se submetem a situações mais graves de exploração para garantir trabalho. Está em
curso uma mudança tecnológica disfarçada de um discurso de qualificação”, denuncia Ana Becerra. “A
produção de salmões no mundo está caindo porque o ambiente não suporta. É problemático engordar tantos
peixes nessa escala, com consumo de tantos alimentos e produtos químicos. Temos de pensar efetivamente no
que fazer com essa gente.”
“É preciso fomentar atividades diferentes para que haja variedade na geração de emprego. O dinheiro que
move essa região tem como base essa indústria, o que nos fez muito vulneráveis”, observa Doris, da CUT.
“Esperamos que as autoridades mudem suas políticas e incentivem outros setores produtivos para que não se
repita no futuro o que estamos sofrendo hoje.”
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