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QUATRO OLHARES FUNDADORES

Pistas para desvendar a sociologia clássica de

Marx, Durkheim, Weber e Simmel


Copyright © Editora CirKula LTDA, 2017.
1° edição - 2017

Revisão do Original e Normatização: Mauro Meirelles


Edição e Diagramação: Mauro Meirelles
Projeto Gráfico: CirKula
Impressão: Copiart
Tiragem: 300 exemplares para distribuição gratuita e 200
exemplares para distribuição comercial.

Todos os direitos reservados a Editora CirKula LTDA.


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parte, constitui violação de direitos autorais (Lei 9.610/98).

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QUATRO OLHARES FUNDADORES

Pistas para desvendar a sociologia clássica de

Marx, Durkheim, Weber e Simmel

Daniel Gustavo Mocelin

2017
Conselho Editorial: César Alessandro Sagrillo Figueiredo,
José Rogério Lopes, Luciana Hoppe, Mauro Meirelles

Conselho científico: Alejandro Frigerio (Argentina) / André


Corten (Canadá) / André Luiz da Silva (Brasil) / Antonio
David Cattani (Brasil) / Arnaud Sales (Canadá) / Cíntia
Inês Boll (Brasil) / Daniel G. Mocelin (Brasil) / Dominique
Maingueneau (França) / Estela Maris Giordani (Brasil) /
Hilario Wynarczyk (Argentina) / José Rogério Lopes
(Brasil) / Ileizi Luciana Fiorelli Silva (Brasil) / Leandro
Raizer (Brasil) / Luís Fernando Santos Corrêa da Silva
(Brasil) / Lygia Costa (Brasil) / Maria Regina Momesso
(Brasil) / Marie Jane Soares Carvalho (Brasil) / Mauro
Meirelles (Brasil) / Simone L. Sperhacke (Brasil) / Silvio
Roberto Taffarel (Brasil) / Stefania Capone (França) /
Thiago Ingrassia Pereira / Wrana Panizzi (Brasil) / Zilá
Bernd (Brasil)
11 Apresentação

15 Introdução

21 Capítulo 1
Perspectiva: biografia e contexto histórico
de produção intelectual
Sumário

81 Capítulo 2
Abordagem: concepção de ciência, objeto e
procedimentos metodológicos

133 Capítulo 3
Narrativa: concepção teórica e conceitual
sobre a vida social

177 Considerações finais

179 Dicas de como utilizar os clássicos


em sala de aula

187 Referências

197 Sobre o Autor


Pois é evidente, Socrátes. Tu mesmo deve ter
conhecimento de que os mais poderosos e res-
peitados nas cidades têm vergonha de escrever
discursos e deixar à posteridade composições
da sua mão, com temor de que a opinião dos
vindouros venha a etiquetá-los de Sofistas.

In: PLATÃO. Fedro. Lisboa: Edições 70,


2009. p. 77
Apresentação

Uma das grandes questões em aberto na sociologia


aplicada na escola diz respeito ao uso dos clássicos e a
forma sobre como trabalhá-los com os jovens do ensino
médio. Essa não é uma questão de fácil resolução, tendo
em vista que a teoria sociológica pode se tornar demasiado
densa para aplicação prática junto aos estudantes em sala
de aula. O professor de sociologia na escola precisa con-
siderar em seu planejamento que a maior parte dos seus
alunos não será e tão pouco pretende ser sociólogo. Levar
muita teoria para a aula pode ser uma má receita, que pode
afastar os estudantes dessa disciplina. Por outro lado, o
professor de sociologia na escola, ele sim, precisa ser soció-
logo, e ter o domínio elementar das teorias clássicas para
praticar sua função pedagógica de maneira qualificada. É
importante que o professor da disciplina de sociologia co-
nheça os fundamentos mais abstratos que estão na base da
sociologia, entendendo que há um grande leque de pers-
pectivas interpretativas que tornam as ciências sociais uma
área de conhecimento das mais ricas e estimulantes.
11
O livro QUATRO OLHARES FUNDADORES de-
dica-se a explorar aspectos pertinentes sobre as concep-
ções de análise da realidade social elaboradas por quatro
destacados clássicos da sociologia, Karl Marx, Émile
Durkheim, Max Weber e Georg Simmel. A proposta do
livro tem caráter introdutório, buscando indicar algu-
mas pistas para explorar a obra desses quatro autores
que estão entre os principais fundadores da sociologia
e estimular a reflexão sobre suas elaborações teóricas e
metodológicas e sobre a narrativa que sugerem para in-
terpretar a realidade social moderna. O livro tem o mé-
rito de permitir aos leitores um amplo quadro descritivo
e comparativo, que, partindo de três eixos temáticos de-
nominados perspectiva, abordagem e narrativa, brinda o
leitor com importantes aspectos da biografia, do contex-
to histórico, das concepções científicas e das elaborações
teóricas de cada um dos clássicos supra referidos.
Desta forma, o presente livro destina-se à formação
inicial e continuada de professores de Sociologia no ensi-
no médio, e compõe parte do acervo bibliográfico produ-
to do Curso de Especialização “O Ensino da Sociologia
para professores do ensino médio: Contribuindo para a
formação continuada dos professores de Sociologia do
ensino médio do Rio Grande do Sul”, oferecido pelo Ins-
12
tituto de Filosofia e ciências Humanas (IFCH) da Uni-
versidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), entre
dezembro de 2013 e março de 2016.
Esse curso de especialização contou com o apoio fi-
nanceiro do Ministério da Educação (MEC), do Fundo
Nacional para o Desenvolvimento da Educação (FNDE)
e da Secretaria Nacional da Educação Básica (SEB), que
através da ação 20RJ, vinculada à Rede Nacional de For-
mação Continuada dos Profissionais do Magistério da
Educação Básica Pública (RENAFOR), permitiu o re-
passe de recursos financeiros destinados a operacionali-
zação deste empreendimento. Não menos importante foi
o apoio incondicional, operacional e logístico, da equipe
de funcionários e representantes legais do Centro de For-
mação Continuada de Professores (FORPROF/UFRGS),
assim como o apoio institucional do Departamento de So-
ciologia e do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (IFCH/
UFRGS), que acreditaram na proposta e possibilitaram a
concretização deste projeto.

Leandro Raizer
Mauro Meirelles
11 de Março de 2017.
13
Introdução

Karl Marx, Émile Durkheim, Max Weber e Georg


Simmel foram intelectuais que se destacaram pela emi-
nente contribuição que tiveram para a consolidação da so-
ciologia como campo de conhecimento. Esses pensadores
conceberam distintas concepções para analisar as causas,
as consequências e o sentido das transformações econô-
micas, políticas e culturais, que vinham se estruturando
no mundo ocidental desde o Século XVI e que afetaram
profundamente a vida humana nas sociedades modernas,
especialmente na passagem do Século XIX para o Século
XX. Retornar aos clássicos é um exercício inesgotável de
imaginação sociológica, pois a forma como tais autores
interpretaram a realidade social e identificaram nuances
da vida em sociedade é fonte primorosa de insights para
pensarmos o mundo atual. Giddens (1998, p. 15) afirma
que “os clássicos são os fundadores que ainda falam para
nós com uma voz que é considerada relevante”.
Tais autores empreenderam estudos sobre os efeitos
sociais de eventos diversos e paradoxais, tais como a con-
15
solidação dos Estados-Nação; o declínio das monarquias
e a ascensão dos regimes republicanos; a expansão do
capitalismo e da propriedade privada; a rápida industria-
lização; a urbanização crescente; a proliferação do traba-
lho assalariado e de grupos profissionais, mas também do
pauperismo; a luta pela democracia e pelo sufrágio uni-
versal; as novas formas de sociabilidade e de dominação; o
aprofundamento da exploração dos operários fabris; a ace-
lerada ampliação dos direitos e das liberdades individuais.
Nesse contexto social emergente, houve a valoriza-
ção do pensamento racional e científico, em contraposição
às visões de mundo baseadas na religião, na tradição e na
filosofia, bem como surgiram novas vertentes intelectuais,
como os ideais revolucionários, o iluminismo e o liberalis-
mo. Tais condições históricas favoreceram o surgimento e o
desenvolvimento da sociologia como ciência da vida social.
Visando favorecer o entendimento das concepções
apresentadas por Marx, Durkheim, Weber e Simmel, foi
proposta nesse livro uma sistematização a partir de três
eixos temáticos: perspectiva, abordagem e narrativa. Os au-
tores foram trabalhados nesses três eixos, a fim de eviden-
ciar suas diferenças de pensamento, favorecendo, assim, a
comparação e a melhor compreensão dos caminhos analí-
ticos e argumentativos tomados por cada um deles.
16
O eixo sobre a perspectiva analisa a biografia e o
contexto histórico específico de observação e teorização
de cada um dos autores, destacando eventos que viven-
ciaram e que privilegiaram em suas observações, bem
como o direcionamento que deram às suas argumenta-
ções teóricas. Destaca-se que não foi em função de uma
genialidade intelectual nata que Marx, Durkheim, We-
ber e Simmel foram conduzidos à posição de clássicos da
sociologia. A ciência social proposta por esses autores,
suas propostas metodológicas e as elaborações teóricas e
conceituais que buscaram desenvolver estão fundamen-
tadas em perspectivas singulares sobre a modernidade
ascendente. Essas perspectivas refletem diretamente as
inclinações filosóficas, as influências e os debates inte-
lectuais que travaram, bem como a conjuntura social em
que viveram.
O eixo sobre a abordagem esclarece as diferentes con-
cepções científicas adotadas por cada autor, enfatizando as
especificidades analíticas e os procedimentos metodológi-
cos propostos. A fim de evidenciar as preocupações que
levantaram e de analisar os fenômenos sociais que privi-
legiaram em suas perspectivas, Marx, Durkheim, Weber
e Simmel desenvolveram abordagens sistemáticas para a
análise e compreensão da realidade social.
17
O eixo sobre a narrativa destaca aspectos funda-
mentais das elaborações teóricas apresentadas pelos au-
tores, fazendo referência aos pressupostos adotados em
suas obras, com destaque para alguns conceitos centrais
presentes em cada uma das teorias, o sentido explicativo
dado às transformações que vivenciaram e as concepções
essencialmente complementares sobre a estratificação, a
mudança social e o sentido explicativo dado às transfor-
mações vivenciadas em sua época, tempo e espaço.
Deve-se considerar inicialmente que Marx, Dur-
kheim, Weber e Simmel analisaram eventos sociais decor-
rentes de um mesmo movimento histórico, o advento da
modernidade, mas realizaram diferentes leituras sobre as
características, o sentido e o destino das sociedades mo-
dernas. Em suas obras, são evidentes os anseios desses
pensadores em definir e compreender as mudanças que
marcaram a constituição da modernidade, a fim de des-
vendar a origem, os possíveis desdobramentos e as princi-
pais características da sociedade emergente.
Conforme explica Giddens (1991, p. 16-17), Marx e
Durkheim julgavam a modernidade como uma era con-
turbada, mas ambos vislumbraram potencialidades no seu
advento, que superavam as características mais negativas.
Marx via a luta de classes como fonte de dissidências fun-
18
damentais da ordem capitalista, mas acreditava que um
sistema social mais humano poderia emergir a partir de
uma realidade social contraditória. Durkheim acreditava
que a expansão da nova ordem industrial poderia estabe-
lecer uma vida social gratificante, por meio da formação
de um sentimento de adesão coletiva, que combinava divi-
são social do trabalho com o individualismo moral. Max
Weber foi mais cético e encarou a modernidade como uma
realidade paradoxal, onde o progresso socioeconômico
também desencadeava a racionalização da vida humana,
criando amarras à autonomia individual.
Entre esses fundadores da sociologia, Simmel foi um
precursor da microssociologia, não se interessou direta-
mente pelos grandes movimentos e totalidades históri-
cas. A sociologia simmeliana destaca-se pela análise dos
fenômenos mais sutis e efêmeros expressos pelas formas
de sociabilidade cotidianas e fundamenta-se em uma preo-
cupação com as ambiguidades da vida social nas grandes
aglomerações urbanas nos tempos modernos. Em sua
concepção teórica, o autor enfatiza a individualidade como
aspecto concreto da realidade social e define a intersubje-
tividade como objeto de investigação sociológica.
Busca-se, neste texto, demonstrar que as concepções
de cada um dos autores são antes complementares do
19
que contraditórias. Ao partirem de diferentes perspectivas
sobre a emergência da sociedade moderna, tais autores
propuseram abordagens distintas para a análise da reali-
dade social e, consequentemente, desenvolveram teorias
e conceitos que fundamentaram narrativas bastante origi-
nais sobre a vida social na era moderna. Deve-se destacar
que a sistematização aqui apresentada não esgota o debate
sobre o pensamento desses autores. Longe disso, o apro-
fundamento sobre suas concepções teóricas deve ser bus-
cado em reflexões sobre os textos originais dos autores
ou junto a diversos manuais elaborados por especialistas
que se dedicam a comentar e estudar as obras de Marx,
Durkheim, Weber e Simmel.

20
Capítulo 1
Perspectiva: biografia e contexto histórico
de produção intelectual

A perspectiva de Karl Marx

Karl Marx foi um dos mais reconhecidos pensadores


modernos que se dedicaram ao estudo do capitalismo, ten-
do produzido forte influência intelectual e política durante
todo o Século XX. Por meio de uma obra em que promo-
veu um diálogo entre a filosofia e a ciência econômica de
sua época, construiu uma densa análise voltada à crítica
das relações sociais e de produção que se desenvolviam no
contexto da ordem capitalista emergente. Marx buscava
demonstrar cientificamente que o capitalismo era um sis-
tema socioeconômico transitório e que, por isso, rumava
para sua própria superação, ao gerar em seu seio as condi-
ções sociais que o conduziriam a uma aniquilação intrín-
seca. Até hoje, a obra de Marx influencia muitos pensado-
res, especialmente na sociologia, fundamentando escolas
de pensamento crítico, que adotam uma interpretação da
realidade social que privilegia a noção de conflito, normal-
mente denominadas como marxistas ou neomarxistas.
21
Além de pensador, Marx foi um ativista político des-
tacado em seu tempo, que adquiriu ainda mais notoriedade
a partir do início do Século XX. Atribui-se a ele as bases
ideológicas de revoluções comunistas reais que levaram à
formação de potências econômicas como a antiga União
Soviética e a China.
Karl Heinrich Marx nasceu em Treves, Alemanha,
em 5 de Maio de 1818, e faleceu em Londres, em 14 de
Março de 1883. Durante a juventude de Marx, a Alema-
nha ainda não era uma nação unificada, diversos reinos,
ducados e cidades livres formavam um império de territó-
rios independentes, em geral dominados por ordens aris-
tocráticas, que tinham em comum basicamente o idioma
e tradições culturais. Em muitas dessas localidades, ainda
predominavam relações socioeconômicas de tipo feudal. O
poder político era permanentemente disputado pelos rei-
nos mais desenvolvidos, a Áustria e a Prússia. A moder-
nização da Alemanha só viria a se desencadear a partir de
1848, após a “Primavera dos povos”, e se consolidar com
a Unificação do Estado Alemão, em 1871, após a guerra
contra a França. Todavia, a cidade natal de Marx estava
localizada na região da Renânia, onde já havia certo de-
senvolvimento comercial e manufatureiro e a emergência
de uma camada social burguesa. Fica evidente, portanto,
22
que Marx desenvolveu sua obra de juventude, num con-
texto fecundo para a concepção crítica que viria a fundar.
Não por acaso, sua concepção teórica transitava entre o
plano intelectual e o político, uma vez que Marx sempre
fez referência, em seus primeiros escritos, ao atraso eco-
nômico, à situação conservadora e à fragilidade política e
institucional da Prússia e da Alemanha, em geral.
Marx estudou Direito, Filosofia e História na Uni-
versidade de Berlim, onde aderiu à corrente filosófica fun-
dada por Hegel, tendo participando de um círculo inte-
lectual conhecido como “jovens hegelianos”, que adotava
uma postura de renovação em relação às proposições da-
quele filósofo. Em 1841, Marx doutorou-se em Iena, de-
fendendo uma tese sobre as diferenças entre as filosofias
da natureza de Demócrito e Epicuro.
No ano seguinte, assumiu a chefia da Gazeta Rena-
na, em Colônia, mas seus artigos radical-democratas não
eram bem vistos pelas autoridades locais. Os manifestos
intelectuais e políticos de Marx não tinham boa recepti-
vidade na época, desagradando o regime político de en-
tão, o que o levou a deixar a Alemanha, em 1843, quando
se mudou para Paris. Na França, tomou contato com o
socialismo utópico e editou os Anais Germânico-Franceses,
publicação periódica dos hegelianos de esquerda. Neste
23
mesmo ano, escreveu um ensaio sobre a questão judaica
e um texto crítico sobre a filosofia do Direito de Hegel.
Jurista, filósofo e historiador por formação, Marx
destacou-se profissionalmente como redator e jornalista
de periódicos reformistas e socialistas. Ainda que tenha
almejado posições acadêmicas durante sua vida, Marx foi
rejeitado nos círculos intelectuais mais tradicionais, onde
jamais conseguiu inserção, e só encontrou maior reco-
nhecimento por seu trabalho intelectual posteriormente,
quando se radicou na Inglaterra.
Já nos seus primeiros trabalhos intelectuais, Marx
afasta-se do pensamento hegeliano por considerá-lo essen-
cialmente idealista e se aproxima do materialismo de Feuer-
bach. Com esse movimento teórico, Marx começa a promo-
ver uma reviravolta conceitual, definindo que a realidade
objetiva é que deve ser a fonte de entendimento do universo
social e não mais a reflexão filosófica. Ou seja, Marx alte-
ra a filosofia dialética de Hegel, concebendo que não são
as contradições entre ideias e culturas que transformam o
mundo e sim as contradições entre fenômenos empíricos
reais, notadamente, entre grupos opressores e oprimidos.
Em 1844, Marx conheceu o filósofo e economista
alemão Friedrich Engels, com quem trabalhou em muitas
obras e que passou a ser seu mais importante colaborador.
24
A partir deste momento, Marx começa a tomar contato
com a realidade Londrina em vista de seu exílio em Paris,
após o fechamento da Gazeta Renana, e posterior mudança
para Londres. Porém, o que chama mais a sua atenção é a
formação de cidades industriais e a disseminação do traba-
lho assalariado. Tais eventos desviam o olhar de Marx da
conjuntura alemã para a realidade inglesa, que julgou mais
desenvolvida que a primeira, e, portanto, mais próxima de
uma revolução social. Na obra de Marx, é evidente a obser-
vação e a teorização que promove sobre o apogeu do capita-
lismo fabril e liberal inglês, chegando a afirmar que aquela
realidade seria o destino de todas as demais sociedades. In-
teressou-se especialmente por esse contexto histórico, tan-
to que suas obras promovem uma descrição densa sobre as
relações de conflito existencial e político, existentes entre
senhores industriais e trabalhadores assalariados. O projeto
intelectual de Marx ganha força no momento em que passa
a se interessar profundamente pela realidade industrial e
pelas obras da teoria econômica, aspecto decisivo na sim-
biose teórico-conceitual que passa a desenvolver.
Em 1844, Marx escreveu os Manuscritos econômico-
-filosóficos, texto ensaísta e fragmentado, que contém a
essência da maior parte das ideias importantes desenvol-
vidas pelo autor, posteriormente. Nesse ensaio, Marx dis-
25
cute a condição do operariado fabril e fundamenta o con-
ceito de trabalho alienado, síntese teórica que associa um
conceito da economia-política (trabalho assalariado) com
um conceito da filosofia (alienação). Um fenômeno central
observado era que, no capitalismo, os objetos produzidos
pelos trabalhadores eram tratados da mesma maneira que
o próprio trabalhador, ou seja,

O trabalhador torna-se mais pobre quanto mais


riqueza produz, quanto mais a sua produção au-
menta em poder e extensão. O trabalhador tor-
na-se uma mercadoria tanto mais barata, quanto
maior número de bens produz. Com a valoriza-
ção do mundo das coisas, aumenta em proporção
direta a desvalorização do mundo dos homens
(MARX, 2004a, p. 111).

A perspectiva de Marx destaca fortemente a inten-


sa produção de riqueza material e social promovida pela
nova sociedade burguesa, onde considera haver um en-
grandecimento notável da humanidade. Porém, tal de-
senvolvimento é descrito por Marx como uma realidade
geradora de contradição, expressa pelo enriquecimento de
uma minoria em detrimento de uma maioria – que, mes-
mo produtora, torna-se cada vez mais empobrecida, quase
desumanizada.
26
Chegamos, pois, ao resultado de que o homem (o
operário) somente sente-se livremente ativo em suas
funções animais; comer, beber e procriar, e, quando
muito, em seu quarto, em sua intimidade etc., e que
em suas funções de homem apenas sente-se animal.
O bestial se converte em humano e o humano con-
verte-se em bestial (MARX, 2004a, p. 114-115).

Marx mostrava-se fortemente consternado com a si-


tuação dos trabalhadores nas fábricas, mas também com
o ambiente social urbano, onde cada vez mais se concen-
travam pessoas dispostas a trabalhar, mas que nem sem-
pre encontravam trabalho. Essa situação formava um
“exército industrial de reserva”, fenômeno que gerava a
redução dos salários. Além disso, era evidente o avanço da
pauperização nas cidades industriais, em que se observa-
va o aumento da violência, do alcoolismo, da prostituição,
das doenças e epidemias. Tais condições eram vistas por
Marx como o lado sombrio do capitalismo.
A argumentação de Marx passa, então, a direcionar-se
para as dissidências da ordem capitalista e para as trans-
formações socioeconômicas latentes às contradições dessa
ordem emergente. Seu projeto intelectual passa a ser com-
posto pela permanente exigência de evidenciar as relações
conflituosas imanentes aos grupos sociais que participam do
processo produtivo capitalista e a forma como se dão as rela-
27
ções de propriedade. A partir deste ponto, sua crítica à socie-
dade civil e à política burguesa, presente em seus primeiros
trabalhos, foi deslocando-se, deixando de focar as contradi-
ções do ordenamento jurídico estatal (idealismo) para privi-
legiar as contradições do sistema econômico (materialismo).
Em 1846, escreve, conjuntamente com Engels, outro
texto ensaísta, A ideologia Alemã, em que rompe definiti-
vamente com sua origem intelectual hegeliana, adotando
uma concepção intelectual materialista.

Ao contrário do que sucede na filosofia alemã, que


desce do céu para a terra, aqui se ascende da terra ao
céu. Ou, dito de outro modo, não se parte daquilo que
os homens dizem, imaginam ou representam, nem
do que são nas palavras, no pensamento, imaginação
e representação dos outros para, a partir daí, chegar
aos homens de carne e osso; parte-se sim, dos ho-
mens em sua atividade real, e, a partir de seu proces-
so na vida real, expõe-se também o desenvolvimento
dos reflexos ideológicos e dos ecos desse processo
vital. (...) Desse modo, a moral, a religião, a metafísica
e qualquer outra ideologia (...) não têm história nem
desenvolvimento, mas os homens, ao desenvolverem
sua produção material e relações materiais, transfor-
mam, a partir da sua realidade, também o seu pensar
e os produtos de seu pensar. Não é a consciência que
determina a vida, mas a vida é que determina a cons-
ciência (MARX & ENGELS, 2004a, p. 51-52).
28
Em 1845, escreve um folheto em que apresenta onze
teses críticas sobre o materialismo de Feuerbach, que
passou a julgar ingênuo. Nesse ano, Marx foi expulso da
França, a pedido do governo prussiano, em razão das in-
citações revolucionárias e socialistas que promovia, radi-
cando-se em Bruxelas, na Bélgica, onde viveu até 1848,
tendo sido novamente expulso. Em 1847, continua sua
ruptura com uma visão idealista do mundo e produz a
obra Miséria da Filosofia. Ainda nesse ano, viaja para Lon-
dres, onde participa do congresso da “Liga Comunista” e
promete escrever um manifesto.
Quando houve a revolução republicana de 1848, na
França, Marx e Engels publicaram o Manifesto do Parti-
do Comunista, livreto de cunho político, que conclamava
por uma revolução operária e socialista. Contudo, nesse
“manifesto”, também apresentou os fundamentos de sua
teoria analítica, conhecida como materialismo histórico-
-dialético, em que define os conceitos de luta de classes e
de consciência de classe.

A história de todas as sociedades que existiram


até hoje é a história da luta de classes. (...) Homem
livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo,
mestres e companheiros, numa palavra, opresso-
res e oprimidos, sempre estiveram em constante
29
oposição uns aos outros, envolvidos numa luta
ininterrupta, ora disfarçada, ora aberta, que ter-
minou sempre ou com uma transformação revo-
lucionária de toda a sociedade, ou com o declínio
comum das classes em luta. (...) A moderna socie-
dade burguesa, surgida das ruínas da sociedade
feudal, não eliminou os antagonismos de classe.
Apenas estabeleceu novas classes, novas condições
de opressão, novas formas de luta em lugar das
antigas (MARX & ENGELS, 2004b, p. 45-46).

No Manifesto, Marx também apresenta uma des-


crição sobre o processo de ascensão revolucionária da
burguesia e da formação do sistema capitalista, fazendo
uma alusão para a formação de um novo sistema social
futuro, que poderia ser promovido a partir do próprio
desenvolvimento do capitalismo. A sociedade burguesa
joga a humanidade em uma nova era global, marcada por
novas formas sociais de opressão, porém dando margem
a novas condições revolucionárias.

Devido ao rápido aperfeiçoamento dos instrumen-


tos de produção e ao constante progresso dos meios
de comunicação, a burguesia arrasta para a torren-
te da civilização mesmo as nações mais bárbaras.
Os baixos preços de seus produtos são a artilharia
pesada que destrói todas as muralhas da China e
obriga a capitularem os bárbaros mais tenazmente
hostis aos estrangeiros. Sob pena de extinção, ela
30
obriga todas as nações a adotarem o modo burguês
de produção, constrange-as a abraçar o que ela cha-
ma civilização (...). A burguesia submeteu o campo
à cidade. Criou grandes centros urbanos; aumen-
tou prodigiosamente a população das cidades (...),
arrancou uma grande parte da população do em-
brutecimento da vida rural. Do mesmo modo que
subordinou o campo à cidade, os países bárbaros ou
semi-bárbaros aos países civilizados, subordinou os
povos camponeses aos povos burgueses, o Oriente
ao Ocidente. (...) A burguesia, durante seu domínio
de classe, apenas secular, criou forças produtivas
mais numerosas e mais colossais que todas as gera-
ções passadas em conjunto. A subjugação das forças
da natureza, as máquinas, a aplicação da química, a
navegação a vapor, as estradas de ferro, o telégra-
fo elétrico, a exploração de continentes inteiros, a
canalização dos rios, populações inteiras brotando
na terra como por encanto – que século anterior
teria suspeitado que semelhantes forças produtivas
estivessem adormecidas no seio do trabalho social?
(MARX & ENGELS, 2004b, p. 48-49).

Nesta altura, Marx entendia que o capitalismo sim-


plificava os antagonismos de classe que até então tinham
existido, ao gerar duas grandes classes diretamente
opostas entre si: burguesia e proletariado. Na sociedade
burguesa, a classe capitalista (proprietária dos meios de
produção) e a classe trabalhadora (proprietária apenas de
sua força de trabalho) mantêm-se em conflito endêmico
31
no que se refere ao usufruto dos resultados da produção.
Uma contradição básica evidenciada pelo autor era a de
que quanto mais o capitalismo progredia, mais evidentes
ficavam as condições de sua superação.
Marx delineia sua visão do capitalismo como uma
sociedade onde a burguesia e o proletariado são classes so-
ciais revolucionárias e antagônicas, uma vez que, enquan-
to a primeira instaura o capitalismo, a segunda começa a
lutar pela destruição do novo regime no próprio instante
em que se forma. Na nova formação social, o proletariado
aparece desde o princípio como alienado do produto de
seu trabalho ao produzir a mais-valia, que é apropriada
pela burguesia. O proletariado passa então a lutar para
modificar tal situação. A burguesia deixa de ser revolu-
cionária quando passa a preocupar-se com a preservação e
o aperfeiçoamento das instituições que garantem o status
quo, por exemplo, definindo novas regulações de proprie-
dade. (IANNI, 1980, p. 17)
A partir de 1849, Marx fixa residência em Londres,
onde produziu sua obra madura. A partir de então, apro-
fundou os estudos sobre a economia política e produziu
esboços críticos sobre tal ciência, iniciando por um ensaio
sobre os conceitos de trabalho, salário e capital. Nesse pe-
ríodo, escreveu obras fundamentais, como As lutas de clas-
32
se na França, em 1850, O 18 Brumário de Luís Bonaparte,
em 1852, os Grundrises, esboço de sua obra máxima, em
1857, e a Contribuição para a Crítica da Economia Política,
entre 1857 e 1859. A imersão teórica que empreendeu,
levou Marx a um denso trabalho de filosofia sócio-histó-
rica e econômica, em que buscou historicizar os conceitos
da economia política. Para Marx, definições da economia
política como capital, propriedade, trabalho assalariado,
mercadoria, produção, circulação e consumo não são ape-
nas conceitos puramente abstratos, antes disso, expressam
relações sociais reais, materiais. Ou seja, tais abstrações
são acima de tudo “aparências”, que escondem a “essência”
do que realmente são.
Entre 1851 e 1862, Marx escreveu artigos sobre eco-
nomia internacional para o New York Tribune, jornal nor-
te-americano de linha ativista e modernista, tendo supos-
tamente tido influência sobre o desenvolvimento político
dos Estados Unidos, uma vez que teria tido como leitores
atores políticos importantes, entre esses, Abraham Lincoln.
Em 1857, escreve o texto Salário, Preço e Mais-valia.
Tais reflexões culminam, em 1867, na publicação do pri-
meiro volume de O Capital, obra madura em que esboça
sua análise sobre a formação e a lógica interna do sistema
capitalista, analisando o processo histórico de acumulação
33
primária do capital, a produção de mercadorias, a circula-
ção do capital, as lutas dentro das fábricas, o mecanismo
da mais valia. Nessa época Marx desenvolveu, também,
teses sobre o eminente colapso do capitalismo.
Em O Capital, Marx desenvolve sua concepção teóri-
ca sobre a intensificação da exploração do trabalho no ca-
pitalismo. Apresentando uma análise profunda dos meca-
nismos de exploração do trabalho, faz uma descrição densa
da anatomia do ambiente fabril, demonstrando o proces-
so que combina ferramentas, máquinas e homens em um
grande sistema que caracteriza como um autômato.

A produção mecanizada encontra sua forma


mais desenvolvida no sistema orgânico de má-
quinas-ferramenta combinadas que recebem
todos os seus movimentos de um autômato
central e que lhes são transmitidos por meio
do mecanismo de transmissão. Surge, então, em
lugar da máquina isolada, um monstro mecâni-
co que enche edifícios inteiros e cuja força de-
moníaca se disfarça nos movimentos ritmados
quase solenes de seus membros gigantescos e
irrompe no turbilhão febril de seus inumeráveis
órgãos de trabalho (MARX, 2004b, p. 438).

O trabalho intelectual de Marx não o afastou do ati-


vismo político, pelo contrário. Em 1864, Marx foi um dos
34
fundadores da Associação Internacional dos Trabalha-
dores, depois chamada Primeira Internacional Socialista,
onde encontrou oposição dos anarquistas, liderados por
Bakunin. Em 1872, no Congresso de Haia, a associação
foi dissolvida. Depois da derrota dos movimentos revolu-
cionários socialistas na Europa, entre eles a “Comuna de
Paris”, Marx voltou a dedicar-se aos estudos econômicos e
históricos, preparando os outros dois volumes de O Capital,
que seriam publicados apenas após sua morte, por Engels.
Marx não mencionou em suas obras que pretendia
contribuir com o desenvolvimento da sociologia. Ele foi
alçado à posição de clássico da sociologia posteriormente,
sobretudo, em função da elaboração de uma perspectiva crí-
tica para a interpretação de uma formação socioeconômica
historicamente específica, o capitalismo. Todavia, sua rei-
vindicação sobre o caráter universal dessa realidade social
é questionável. Conforme Giddens (2005), a maior fragi-
lidade da concepção de Marx repousa em suas reflexões
sobre a superação do capitalismo pelo socialismo, aspecto
que ele acreditava ser o fundamento de sua originalida-
de. As contribuições mais permanentes da proposição de
Marx, segundo Giddens (2005, p. 23) residem na sua aná-
lise da ordem do capitalismo industrial, que ele incorretamente
imaginou ter vida curta. De toda forma, a obra de Marx
35
é referência obrigatória na sociologia e suas ideias con-
tinuam a suscitar questões e a provocar inquietação em
diversas áreas.

A perspectiva de Émile Durkheim

Diferentemente de Marx, Émile Durkheim dedicou-


-se integralmente a delimitação de um campo de estudos
próprio à sociologia. Foi um intelectual que empreendeu
durante toda a sua vida um projeto para transformar a so-
ciologia em uma disciplina acadêmica. Defendia a ideia de
que a sociologia deveria ter um objeto científico próprio,
que permitiria distingui-la das demais ciências, tais como
a economia, a filosofia e a psicologia. Apropria-se de re-
cursos epistemológicos das ciências naturais, em especial
a biologia. Concebia as sociedades como sistemas integra-
dos, tendo como preocupação central compreender como
e porque as sociedades mantinham-se coesas.
Durkheim partiu da ideia de que, em todas as for-
mações sociais, existem “energias” que conduzem os indi-
víduos a uma inevitável aproximação. Reconhecido como
fundador da “Escola Sociológica Francesa”, os trabalhos
dele foram fonte de inspiração tanto para seus contem-
porâneos como para gerações posteriores a ele, seja dan-
36
do continuidade a seu trabalho ou questionando-o. Até
hoje, a obra de Durkheim influencia muitos sociólogos,
fundamentando escolas de pensamento que adotam uma
interpretação da realidade social que privilegia a noção de
integração, entre as quais se destacam o estrutural-fun-
cionalismo, o interacionismo e a teoria dos sistemas.
David Émile Durkheim nasceu em Epinal, no noroes-
te da França, em 15 de abril de 1858. Neste país, viveu por
toda a sua vida e desenvolveu sua carreira. Veio a falecer
em 15 de dezembro de 1917, em Paris, supostamente pelo
abatimento que teria sofrido após a morte de seu filho du-
rante a primeira Guerra Mundial. De origem judaica, Dur-
kheim optou por não seguir o caminho do rabinato, como
era costume na sua família. Mais tarde, declarou-se agnós-
tico. Durkheim formou-se em Filosofia na Escola Normal
Superior, importante centro de formação da elite intelectual
francesa, porém sua obra inteira foi dedicada à Sociologia.
A juventude de Durkheim foi marcada por um conjun-
to de acontecimentos que marcaram a França e a Europa de
então, e que tiveram repercussão sobre o direcionamento
teórico que deu a seus trabalhos. As nações europeias pas-
savam por transições políticas importantes e as sociedades
mostravam-se ainda pouco integradas, sobretudo devido
ao enfraquecimento de instituições tradicionais como a re-
37
ligião, que até certo momento, garantia a coesão social. Ain-
da na adolescência, Durkheim presenciou uma humilhante
derrota da França para a Alemanha, em uma guerra que
encerrou em 1871. Nesse momento, a sociedade francesa
via-se arrasada pela capitulação diante das tropas alemãs
e ante o endividamento provocado pela guerra. Naquele
mesmo ano, a situação social da França agravou-se ainda
mais quando houve uma sangrenta repressão à insurreição
desencadeada pelos trabalhadores, movimento social de
cunho socialista, conhecido como “Comuna de Paris”.
A desmoralização vivida na França levou grande
parte da elite política e intelectual de então, a compartilhar
ideais republicanos, laicos e universalistas. A formação da
Terceira República Francesa, iniciada com a promulga-
ção de uma nova constituição em 1875 e com a eleição do
primeiro presidente, também trouxe mudanças legais. O
sistema de ensino foi reformado, a educação básica foi tor-
nada gratuita e obrigatória e o ensino religioso foi proi-
bido, sendo substituído pela “instrução moral e cívica”,
que tinha cunho republicano e patriótico. O acirramento
de conflitos entre empregadores e trabalhadores também
desencadeou a formação e a consolidação de sindicados,
corporações e confederações trabalhistas, que estabelece-
ram maior equilíbrio entre capital e trabalho.
38
Diante da profunda crise social e econômica vivida
até então, o novo projeto político e institucional observa-
do na França foi recebido com entusiasmo e esperança no
futuro. Inovações tecnológicas, como a eletricidade, a te-
legrafia, o motor à combustão, o automóvel, a aviação e o
cinema, somaram-se a outras novidades, como o progres-
so econômico e o científico, os avanços na área da saúde e
o desenvolvimento da democracia moderna e do princípio
da cidadania. Havia uma sensação de que os ideais “civili-
zatórios”, promulgados durante a Revolução Francesa de
1789, finalmente pareciam se instaurar.
Imerso nesse cenário social, Durkheim volta-se para
o estudo das relações entre a personalidade individual e
a solidariedade social, demonstrando uma clara inten-
ção de “descobrir” novas fontes de solidariedade entre os
membros das sociedades, que poderiam fortalecer a coesão
dessas sociedades modernas. O autor promoveu uma nova
forma de conceber a relação entre indivíduo e sociedade,
rechaçando o individualismo egoísta e utilitarista, presen-
te nos estudos da economia e da filosofia de Spencer, e
reformulando a concepção de física social de Comte, jul-
gando essa última como uma pregação doutrinária.
Em 1885, Durkheim viaja para a Alemanha, onde
passa alguns meses participando de cursos de ciências
39
históricas e humanas e toma contato com as obras de im-
portantes filósofos sociais. No seu retorno, escreve ma-
nuscritos sobre o desenvolvimento das ciências sociais na
Alemanha, que abrem caminho para iniciar sua carreira na
Universidade de Bordeaux, em 1887. Lecionando Pedago-
gia e Ciência Social na Faculdade de Letras, permaneceu
nesta Universidade até 1902, onde além de formar profes-
sores do ensino primário, promovia cursos de sociologia e
desenvolveu a maior parte de sua obra.
Em 1893, Durkheim publicou sua tese doutoral
Da divisão do Trabalho Social, estudo em que buscou de-
monstrar como a crescente divisão do trabalho poderia
impulsionar as condições de criação de um sentimento de
pertencimento social entre os membros das sociedades
modernas. Entendia que as relações profissionais emer-
gentes não se reduzem a simples transações econômicas,
como seria o uso da “força de trabalho” em troca de um
salário. Durkheim afirmava que o crescimento econômico
e a eficiência econômica, por si só, não eram suficientes
para legitimar moralmente a sociedade moderna, pois,

[...] Os serviços econômicos que ela [a divisão


do trabalho] pode prestar são pouca coisa em
comparação com o efeito moral que ela produz, e
sua verdadeira função é criar entre duas ou várias
40
pessoas um sentimento de solidariedade. Como
quer que esse resultado seja obtido, é ela que sus-
cita essas sociedades de amigos, e ela as marca
com seu cunho (DURKHEIM, 1999, p. 21).

Para Durkheim, a nova divisão do trabalho nas socie-


dades modernas tinha potencial para mobilizar a persona-
lidade individual, com base num sentimento de inserção e
de integração. O autor argumentava que a profissionaliza-
ção poderia permitir o desenvolvimento pleno do indiví-
duo na sociedade moderna, desde que a divisão do trabalho
ocorresse em especialidades que se apresentassem para os
indivíduos com conteúdo e com sentido. Com a divisão
moderna do trabalho, constituem-se relações em que os
membros da sociedade moderna desenvolvem uma forma
especial de solidariedade, que denominou “orgânica”.
Nessa forma de solidariedade, passava a ocorrer um
reconhecimento recíproco entre os indivíduos, que, com
base nas suas respectivas atribuições, contribuíam para o
“bem-estar” conjunto. A partir das posições sociais ocu-
padas, os indivíduos sentir-se-iam mutuamente interde-
pendentes, uma vez que teriam papéis complementares.
Tratava-se, assim, de pensar as hierarquias na estrutura
social como uma estrutura de dependência simétrica entre
grupos sociais. A distribuição entre as posições superiores
41
e inferiores ocorre em função da necessidade de comple-
xificação da sociedade e as “melhores” posições passam a
ser ocupadas com base no mérito, o qual, por sua vez, é
definido pelas aptidões profissionais adquiridas.
Nessa obra, Durkheim também apresenta o concei-
to de “anomia”, ao analisar criticamente o trabalho fabril
parcelado, realizado nas indústrias modernas, de modo que,
segundo Durkheim (2004, p. 97) “se a divisão do trabalho não
produz a solidariedade, é que as relações dos órgãos não são regu-
lamentadas, é que elas estão num estado de anomia”. Isto posto,
tem-se então que Durkheim nega a ideia de que o trabalho
industrial parcelado teria condições de gerar coesão social.
Muito criticado sobre o método aplicado em sua tese
doutoral, preparou, em 1895, um “manual de sociologia”,
que ambiciosamente denominou de As Regras do Método
Sociológico. Nessa obra, definiu o que deveria ser entendi-
do como sociologia, seu objeto e método. De caráter aca-
dêmico muito forte, Durkheim busca promover com essa
obra a demarcação do campo de conhecimento sociológi-
co. Um dos embates marcantes proposto por Durkheim
diz respeito ao caráter não reformista da sociologia:

A sociologia não será nem individualista, nem


comunista, nem socialista, (...). Por princípio,
irá ignorar essas teorias, às quais não poderia
42
reconhecer valor científico, já que elas tendem
diretamente, não a exprimir os fatos, mas a re-
formá-los (DURKHEIM, 2002a, p. 124).

Outro importante aspecto presente em As Regras é


que os homens dispostos a fazer sociologia precisam ter
uma postura científica, isto é, distanciada do senso co-
mum e afastada de pré-noções e julgamentos de valor, tal
qual os profissionais das ciências da natureza; além disso,
não deviam se preocupar com a aceitação pública da so-
ciologia, mas com a autoridade científica da qual preci-
sava para consolidar-se enquanto ciência, uma vez que,

Acreditamos que chegou para a sociologia o mo-


mento de renunciar aos sucessos por assim dizer
mundanos, tomando o caráter esotérico que con-
vém a toda a ciência. O que perderia talvez em
popularidade, ganharia assim em dignidade e au-
toridade. Pois enquanto continuar misturada às
lutas partidárias, enquanto se contentar com a
elaboração das ideias comuns empregando uma
lógica apenas mais elaborada do que a do vulgo
e, por conseguinte, enquanto não supuser ne-
nhuma competência especial nos indivíduos que
a cultuam, não estará em posição para falar com
bastante força e fazer calar paixões e preconcei-
tos (DURKHEIM, 2002a, p. 126-127).

43
Um “manual” como As Regras não foi facilmente acei-
to em muitos círculos acadêmicos. O objetivo parece ter
sido exatamente esse, provocar inquietude entre outros
interessados, ao ponto de lançar as bases para um deba-
te acerca da constituição de um campo de conhecimento
especializado. Em 1897, supostamente em resposta a seus
críticos, publica outra obra, O Suicídio, em que promete
aplicar o método proposto, mas avança em relação aos as-
pectos metodológicos originalmente concebidos na obra
anterior. Tal obra transforma-se num exemplo magistral
de análise sociológica, uma vez que demonstra como o
suicídio, um fenômeno tipicamente psicológico, poderia
ser analisado sob um olhar sociológico. Nesse trabalho,
Durkheim negou a ideia corrente em seu tempo de que
o suicídio resultava apenas de uma enfermidade mental.
Comparou as taxas de suicídio em diferentes populações e
dedicou-se a demonstrar que essas variavam também de-
vido a causas sociais, ou seja, em função do grau de coesão
social, observado em diferentes regiões, grupos sociais e
religiosos.
Diante do permanente desafio de delimitar a sociolo-
gia, em 1898, Durkheim ainda escreveu um artigo o qual
esboça a relação entre as representações individuais e as
representações coletivas dialogando com o campo da psi-
44
cologia. Afirma ainda, que a sociologia não se reduz a um
corolário da primeira.
Durante os quinze anos que permaneceu em Bor-
deaux, Durkheim introduziu nas aulas de pedagogia o
tema da sociologia da educação, enfatizando o conceito de
socialização. Nos cursos de sociologia que ministrava, o
autor abordou diversos temas tratados em seus livros, tais
como solidariedade social, coesão social, autoridade, tra-
balho, suicídio, anomia, direito, representações coletivas,
entre outros, profundamente preocupado com a manu-
tenção da estabilidade da nova ordem social que viven-
ciava. Em 1896, Durkheim fundou uma revista periódica,
L’Année Sociologique, que rapidamente se torna exemplo
de publicação científica voltada à pesquisa sociológica.
Visando ampliar o espaço de discussão sociológica, Dur-
kheim promoveu, nessa revista, um programa destinado a
divulgar trabalhos de destacados cientistas preocupados
com as questões sociais.
Após dedicar-se a seu grande projeto de transformar
a sociologia em disciplina acadêmica e formar sua repu-
tação como sociólogo em Bordeaux, Durkheim foi colher
os frutos de seu trabalho em Paris. Tornou-se auxiliar de
Ferdinand Buisson, na cadeira de Ciência da Educação da
Universidade de Sorbonne, e sucedeu-o, a partir de 1906.
45
Na Sorbonne, criou, em 1910, a primeira cátedra de socio-
logia em uma universidade francesa, consolidando o sta-
tus acadêmico que projetara para essa disciplina. Segundo
Rodrigues (2004, p. 15), suas aulas na Sorbonne transfor-
maram-se em verdadeiros acontecimentos, exigindo um grande
anfiteatro para comportar o elevado número de ouvintes (...).
Continuamente preocupado com as questões morais
de seu tempo, em 1911, Durkheim escreve um ensaio so-
bre juízos de valor e julgamentos de realidade, no qual
chegou a afirmar que o valor simbólico das coisas é maior
que o seu valor material. Nesse sentido esboça a concep-
ção de que emana da sociedade a valorização que os ho-
mens dão as coisas e,

[...] se o valor das coisas fosse verdadeiramente


medido pelo grau de sua utilidade social (ou indi-
vidual), o sistema de valores humanos deveria ser
revisto e transformado profunda e completamen-
te, porque o lugar ocupado pelos valores de luxo
seria, por esse ponto de vista, incompreensível e
injustificável. [...] Como a vida intelectual, a vida
moral tem uma estética que lhe é peculiar. As mais
altas virtudes não consistem na prática regular e
estrita dos atos mais imediatamente necessários à
boa ordem social; mas são feitas de movimentos
livres e espontâneos, de sacrifícios desnecessários
e que mesmo, por vezes, são contrários aos pre-
46
ceitos de uma economia prudente. Existem vir-
tudes que são verdadeiras loucuras, e é nesta lou-
cura que reside sua grandeza. [...] A própria vida
econômica não se submete estritamente à regra
da economia. Se os objetos de luxo são aqueles
que custam mais caro, não é unicamente porque
em geral sejam os mais raros; é também porque
são os mais apreciados. [...] Viver é, antes de mais
nada, agir, agir sem cálculo, pelo prazer de agir
(DURKHEIM, 2004a, p. 55-56).

Durkheim esboça repetidas vezes em suas obras, um


interesse muito grande por desvendar de onde emanam
as forças que guiam os atos individuais. Segundo o autor,
as pessoas em sociedade não agem apenas com base na
razão ou em sentimentos essencialmente individuais, mas
sua ação depende de valores morais e ideais, social e emo-
cionalmente compartilhados na medida em que

Um ídolo é uma coisa muito santa e a santidade


é o valor mais elevado que o homem reconhece.
Ora, um ídolo é, na maioria das vezes, um monte
de pedras ou um pedaço de madeira que, por si só é
despido de qualquer espécie de valor. [...] A histó-
ria contradiz o conceito corrente de que as coisas,
às quais o culto é dirigido, foram sempre as que
mais impressionavam a imaginação. O valor in-
comparável que lhes era atribuído não decorria de
suas características intrínsecas. [...] Uma bandeira
47
não é mais do que um pedaço de pano; o soldado,
entretanto, morre para salvá-la. A vida moral não
é menos rica em contrastes desse gênero. [...] Os
homens são desiguais tanto em força física como
em talento; apesar disso, tendemos a reconhecer
em todos um idêntico valor moral. Sem dúvida, o
igualitarismo moral tem um limite ideal que não
será jamais atingido, mas do qual nos aproxima-
mos sempre mais (DURKHEIM, 2004a, p. 56-57).

Durkheim passa a direcionar sua argumentação para


a concepção de que o desenvolvimento moral e o reconhe-
cimento individual são potencializados pela emergente
sociedade moderna. Para o autor, a sociedade emergente
permite o surgimento do indivíduo, uma vez que ela alça
as unidades humanas a uma existência “superior”. Nessa
concepção, as realizações individuais se tornam possíveis
por meio da socialização e de uma trajetória de ocupação
de papéis socialmente disponíveis e obrigatoriamente im-
plicados, onde,

(...) Os sentimentos que nascem e se desenvol-


vem no seio dos grupos têm uma energia que os
sentimentos puramente individuais não atingem.
O homem que os experimenta tem a impressão
de que é dominado por forças que não reconhe-
ce como suas, das quais não é mais o dono, que
o conduzem, e todo o meio no qual ele está mer-
gulhado lhe parece sulcado por forças do mesmo
48
gênero. Ele sente-se como que transportado para
um mundo diferente daquele onde flui sua exis-
tência privada. A vida não lhe é apenas intensa; ela
é qualitativamente diferente. Arrastado pela cole-
tividade, o indivíduo desinteressa-se de si mesmo,
esquece-se de si, dá-se por inteiro aos objetivos
comuns (DURKHEIM, 2004a, p. 58).

A sociedade é vista, portanto, por Durkheim como


uma entidade superior às consciências individuais, não
apenas por considerá-la mais do que a soma delas, mas
porque é a sociedade que proporciona a existência das
consciências individuais e as coloca em relação íntima, fa-
zendo com que ajam umas sobre as outras. Nesse sentido,
deve-se entender que, Durkheim não presta apenas reve-
rência à sociedade, mas também deixa explícito um forte
“culto ao indivíduo”. O individualismo moral de que fala
Durkheim é diferente do egoísmo: trata-se da formação da
personalidade individual, concepção que, segundo o autor,
penetrou nas instituições e nos costumes; e que permeia a
vida na sociedade moderna.
Durkheim nega a concepção de que a existência da
sociedade reside na repressão de faculdades e propensões
individuais. O autor entende que nas sociedades tradi-
cionais, onde predomina um tipo de solidariedade que
denomina “mecânica”, os “indivíduos” estão sujeitos ao
49
que chama de “tirania do grupo”. Em tais formações so-
ciais, inexiste a tolerância ao desvio dos códigos morais
incorporados à consciência coletiva e verifica-se baixo de-
senvolvimento das capacidades e faculdades individuais.
A complexidade crescente das sociedades produz mais
liberdades e maior riqueza da personalidade individual.
Diante desse crescimento das sociedades, as formas tradi-
cionais de autoridade moral tornam-se obsoletas. A con-
duta moral não apenas limita a ação, ela também carrega
uma valência positiva. Para Durkheim, a oposição entre
“liberdade” e “autoridade” é espúria. O individualismo
moral conserva um caráter limitativo, impondo deveres
e disciplina. Contudo, a aceitação dessa autoridade moral
é uma condição necessária para se evadir de uma submis-
são servil comum às sociedades tradicionais e se projetar
a uma existência individual característica das sociedades
modernas (GIDDENS, 2001).
Em 1912, Durkheim publica a obra As Formas Ele-
mentares da Vida Religiosa, e a partir disso dá uma gui-
nada intelectual ao redirecionar suas preocupações para
a sociologia do conhecimento e da religião. O modelo
funcionalista presente nas obras anteriores é promovido
a uma abordagem “genética”, em que Durkheim buscou
desvendar os processos sócio-históricos que levaram à
50
emergência do individualismo moral nas sociedades mo-
dernas, partindo das realidades mais “primitivas” (GID-
DENS, 2005). Neste trabalho sobre a religião “primitiva”,
foi estabelecido um profundo diálogo com etnólogos e
etnógrafos da época, que traziam muitos diários de cam-
po sobre sociedades aborígenes de regiões remotas. Para
Durkheim, as representações coletivas eram forças simbó-
licas especiais e expressavam a autocriação das sociedades
humanas. Procurou demonstrar que, mesmo os modernos
ideais seculares embutidos no individualismo moral, apre-
sentam um caráter “sagrado”, tal qual os aspectos religio-
sos. Conforme afirma Giddens (2001), para Durkheim, o
declínio do papel da religião na coesão social não implica
no desaparecimento da representação sagrada de outros
fenômenos, aos quais irá se dirigir o culto.
Entre 1913 e 1914, Durkheim escreve sobre Prag-
matismo e Sociologia, logo em seguida inicia a Primeira
Guerra Mundial, que literalmente joga um “balde de água
fria” sobre seu entusiasmo com o mundo moderno. Cons-
ternado com as consequências sociais promovidas por
uma guerra sangrenta, Durkheim escreve dois ensaios em
1915, em que afronta as motivações de uma guerra: Quem
quer a guerra? As origens da guerra, de acordo com documentos
diplomáticos e A mentalidade alemã e a guerra.
51
A perspectiva de Durkheim estabeleceu-se, portanto,
com base em uma preocupação estritamente simbólica e
humanista da realidade social. Esse autor defendia a con-
cepção de que os problemas sociais são primeiramente de
ordem moral, e não de ordem econômica, como vinham
sugerindo os utilitaristas e os socialistas, até então. A mo-
ral significa algo como a internalização de normas cole-
tivas e é essencial para a coesão social. Para Durkheim, a
sociologia deveria direcionar esforços para a análise “das
forças e das energias imateriais”, socialmente elaboradas,
que produzem laços de solidariedade, e que conduzem os
indivíduos a uma vida coletiva mais gratificante, quando
comparada a uma existência isolada e egoísta.

A perspectiva de Max Weber

Assim como Durkheim, Weber foi um intelectual de-


cisivo para a institucionalização da sociologia como área
de conhecimento, embora não possa ser apenas identifica-
do como um sociólogo. Seus trabalhos também revelaram
preocupações com questões da economia, do direito, da fi-
losofia e da história, sendo considerado autor importante
também nessas áreas. Construiu sólida carreira acadêmica
na Alemanha, embora tenha também se dedicado a ativida-
52
des políticas e militares. Weber escreveu alguns dos livros
de sociologia mais importantes do século XX, em que pro-
moveu análises sociológicas sobre fenômenos históricos
em diferentes contextos culturais e dedicou-se a discutir
os fundamentos analíticos das ciências humanas e sociais.
Muitos trabalhos de Weber estavam voltados para a
análise do desenvolvimento do capitalismo moderno. Para
tanto, ele dedicou-se a compreender a natureza e as causas
das transformações sociais que conduziram a formação do
capitalismo no ocidente, tendo sido influenciado pela obra
de Marx. Porém, rejeitou a concepção do materialismo
histórico, procurando alternativas a este. A crítica de We-
ber recaiu especialmente sobre a “exagerada” relevância
que Marx dava ao conflito de classes como movimento
capaz de impulsionar as transformações sociais. Para We-
ber, os fatores econômicos são decisivos, mas as ideias e os
valores são igualmente necessários para desencadear um
efetivo processo de transformação social. Nesse sentido,
concebia os indivíduos como agentes que são mobilizados
por paixões e ideias e lhes atribuía habilidades e compe-
tência para agir e moldar seu destino.
Na visão de Weber, a complexa interação entre mo-
tivações, ações e relações sociais é que desencadeariam
as transformações da realidade social. Diferentemente
53
de Marx e de Durkheim, que buscavam direcionar seus
estudos respectivamente para as macroestruturas e ins-
tituições sociais, Weber conferia à sociologia o papel de
compreender os significados que os agentes atribuem às
suas ações, para a partir daí explicar os efeitos dessas. Até
hoje, a obra de Weber influencia muitos sociólogos, funda-
mentando escolas de pensamento que adotam uma inter-
pretação da realidade social que privilegia a compreensão
do sentido da ação social empreendida pelos agentes em
sociedade, entre as quais se destacam o individualismo
metodológico e a fenomenologia.
Karl Emil Maximilian Weber nasceu em Erfurt, na
Alemanha, em 21 de abril de 1864 e morreu em Munique,
em 14 de junho de 1920, em consequência de pneumonia
aguda. Seu pai foi deputado do Partido Nacional Liberal e
Weber teve oportunidade de entrar em contato com ilus-
tres historiadores, filósofos, intelectuais e juristas da época.
Durante toda a sua trajetória, teve uma vida confortável
e um convívio social muito sofisticado, em meio a acadê-
micos e políticos. A juventude de Weber foi marcada pela
unificação alemã e pelos primeiros efeitos sociais e políti-
cos que esse processo desencadeou. Naquele momento, a
burguesia liberal ainda não tinha uma posição dominante
consolidada. O governo era chefiado por militares e ain-
54
da era dominado por uma pequena aristocracia agrária
conservadora, que sofria oposição crescente de grupos
políticos liberais e democratas, que representavam novas
forças oriundas do meio urbano crescente. A moderniza-
ção do Estado alemão também trazia consigo a formação
de uma elite de servidores públicos e burocratas. O entre-
vero político que presenciava, levou Weber a questionar
as possibilidades de desenvolvimento social e econômico
alemão. Não por acaso, destinou grande parte da sua obra
intelectual ao estudo da economia, do Estado, do poder e
da política. Foi um autor fascinado pela política, tanto que
teve participações contínuas na vida política de seu país.
Para Weber, a política era uma “arena” na qual os grupos
políticos expressavam seus interesses e disputavam as con-
dições para impor os seus ideais ao conjunto da sociedade.
Weber diplomou-se em Direito, mas estudou histó-
ria, economia e filosofia nas universidades de Heidelberg
e Berlim. Laureou-se em Goting, em 1889, com uma tese
de história econômica sobre as sociedades comerciais na
Idade Média. Em 1891, conseguiu a livre docência com a
tese A história agrária romana e sua significação para o di-
reito público e privado. Em 1893, casou-se com Marianne,
com quem manteve profícuo debate intelectual e mudou-
-se para Berlin. Em 1894, tornou-se professor ao aceitar
55
a cátedra de economia política na Universidade de Fri-
burgo. Em 1896, passou a ensinar na Universidade de
Heidelberg, onde teve intensa vida social e intelectual,
participando de círculos acadêmicos com eminentes pen-
sadores da época. Entre 1893 e 1898 produziu uma série
de estudos sobre os mercados e a bolsa de valores.
De 1897 a 1903, sua atividade profissional ficou blo-
queada por causa de uma doença nervosa. A partir de en-
tão, sua vida passou a ser dividida entre períodos de crises
emocionais e de produção intelectual intensa. Nesse meio
tempo, em 1902, juntamente com Sombart, tornou-se co-
diretor da destacada revista Archiv Fur Sozialwissenschaft
und Sozialpolitik.
Em 1904 publicou um manuscrito metodológico so-
bre A objetividade do conhecimento nas ciências sociais, tex-
to de referência fundamental para as ciências humanas
em geral e para a sociologia em particular. Nesse texto,
além de discutir o recurso metodológico conhecido como
tipo ideal, posiciona-se sobre a natureza do conhecimento
científico. Para Weber, o conhecimento sempre incide so-
bre aspectos limitados da realidade, até porque a realidade
é infinita no espaço e no tempo e jamais poderia ser cap-
tada como uma “totalidade”. Defende então a concepção
de que todo o conhecimento científico é objetivo apenas
56
nos resultados do estudo, mas não na gênese, pois a curio-
sidade que motiva a pesquisa é dada pelos valores e inte-
resses do cientista social. É o cientista quem seleciona da
realidade infinita, um fenômeno analisável. Para Weber, a
ciência não é conhecimento puro, mas conhecimento car-
regado de significação, pois é sempre expressão daquilo
que os homens de uma época consideram importante de
ser conhecido.
Também em 1904, Weber realizou uma viagem aos
Estados Unidos, onde ficou deslumbrado pela “agitação”
daquela nova realidade social, que o ajudou a refletir sobre
o sentido do fenômeno empresarial moderno e como esse
era estimulado e exigido por uma sociedade de consumo
de massa. Após essa excursão, escreveu o artigo A ética
protestante e o espírito do capitalismo, uma de suas principais
contribuições sociológicas, que só foi publicada em versão
integral em 1920, pouco antes de sua morte.
Nessa obra, defendeu a ideia de que a formação do
capitalismo também é de natureza cultural. Diferente de
Marx, que identifica o capitalismo como resultado de um
desenvolvimento contínuo pelo qual todas as sociedades
inevitavelmente passariam, Weber percebe que o que faz
com que este tenha se desenvolvido em um lugar e não
em outro foram bases culturais, valores e instituições nas
57
quais se assentou um modo de comportamento, uma con-
duta especial. O “espírito do capitalismo” seria uma forma
de viver e de agir, uma forma de relações sociais regu-
lares e difundidas, em suma, uma ética profissional, que
também possibilitou o surgimento do capitalismo. Uma
conduta racional e regrada que possui nos ideais da pros-
peridade sua salvação, juntar dinheiro como um objetivo e
a valorização do trabalho como algo benéfico à dignidade
pessoal. São esses os valores que estão entre os vetores
constituintes da ética de vida moderna, sem a qual o capi-
talismo não teria se desenvolvido da mesma forma, pois,

O capitalismo hodierno, dominando de longa data


a vida econômica, educa e cria para si mesmo, por
via da seleção econômica, os sujeitos econômicos
– empresários e operários – de que necessita. (...)
Para que essas modalidades de conduta de vida e
concepção de profissão adaptadas à peculiaridade
do capitalismo pudessem ter sido “selecionadas”,
isto é, tenham podido sobrepujar outras modali-
dades, primeiro elas tiveram que emergir, eviden-
temente, e não apenas em indivíduos singulares
isolados, mas sim como um modo de ver portado
por grupos de pessoas. Portanto, é essa emergên-
cia de um modo de ver que se trata propriamente
de explicar. (...) O “espírito do capitalismo” existiu
incontestavelmente antes do desenvolvimento do
capitalismo (WEBER, 2004a, p. 48).
58
Weber entendia que a explicação de Marx sobre o ca-
pitalismo era essencialmente geral e, por isso, não era su-
ficientemente completa para compreender a formação do
capitalismo. Na acepção weberiana, o capitalismo foi possí-
vel também em razão de uma ética social, uma nova menta-
lidade, que se expressa como uma “cultura capitalista” e se
difunde nos países ocidentais, assimilando singularidades
culturais locais. Entre essas singularidades culturais está a
religião. Na realidade social moderna e capitalista, o “dever
profissional” pode ser pensado como uma obrigatoriedade,
tal qual uma obrigação religiosa, de modo que para Weber
(2004a, p. 165) a ideia do ‘dever profissional’ ronda nossa vida
como um fantasma das crenças religiosas de outrora. Inclusive,
diferentemente de Marx, Weber considerava que o capita-
lismo poderia ser de diversos tipos, variando em função de
singularidades culturais e institucionais locais existentes
no momento de seu surgimento.
Weber demonstra como a moral puritana foi um
evento que também contribuiu para o desenvolvimento do
capitalismo, demarcando uma variável cultural importante
para a compreensão da formação do capitalismo. Imersos
numa realidade particular, os agentes em relação confor-
mam um modo de ser específico. No caso do capitalismo,
esse modo de ser é dotado de uma visão racional e fun-
59
damentado em uma ética peculiar, em que valores como
laboriosidade, poupança, prosperidade, honestidade, pon-
tualidade e dever profissional, passam a fazer parte da
convivência humana. Dessa forma, as instituições e or-
ganizações sociais, combinadas à égide de valores e ideais
mobilizados, recebem uma matriz cultural, que impulsiona
o desenvolvimento do sistema social. Diferentemente de
Marx, Weber observava que a conduta capitalista funda-
va-se em relações de cooperação, não expressando apenas
relações conflituosas. Na origem do capitalismo estavam
presentes novas ideias de mundo e a cooperação entre ho-
mens em nome da luta contra a tradição e seus ideais.
Deve-se considerar, então, que Weber descarta com-
preender a cultura como uma representação de consensos
normativos aos quais todos os indivíduos aderem passiva-
mente, adotando uma concepção da cultura como sentidos
compartilhados que orientam a ação dos homens. Confor-
me destaca Clifford Geertz (2003, p. 15), Weber concebia
que o homem é um animal amarrado a teias de significados
que ele mesmo teceu. Nessa acepção a cultura é resultante de
“arenas” em que os agentes lutam para definir o sentido
das coisas e as condutas que são exemplares e que podem
servir para orientar as suas ações perante o mundo.

60
A organização actual amarra cada indivíduo a uma
infinidade de outros indivíduos por incontáveis
fios. Cada um procura as suas conveniências, pu-
xando pelos fios da rede para chegar ao lugar que
julga ser o seu; mas, mesmo que ele seja um gigan-
te e reúna nas suas mãos muitos dos fios, o mais
certo é que os outros o arrastem para onde exista
um lugar vago à sua espera” (Weber, 2004b).

É importante destacar, neste ponto, que o autor define


as “unidades humanas” como “agentes” que mobilizam em
sua ação valores e recursos disponibilizados no ambiente
cultural. Weber concebeu os homens como seres que lutam
heroicamente por suas vontades, guiados por ideais, crenças
e interesses. Essa inclinação voluntarista, que Weber atri-
bui à ação humana, foi influência da filosofia de Nietzsche.
Para o autor, o agente tem convicções e sua performance de-
pende da força com que luta e da “verdade” com que traça
seu caminho. A perspectiva de Weber funda-se, portanto,
sobre as realizações da ação humana e seus efeitos sobre as
formações sociais. Nessa concepção, o mundo social sempre
é expressão de vontades e realizações humanas. Isso não
significa, entretanto, que as configurações históricas são
expressões exatas dos propósitos dos agentes. As conse-
quências reais da ação podem ser diferentes ou até mesmo
completamente contrárias às intenções originais que a de-
61
sencadearam. A história na será demarcada por rupturas,
será um fluxo contínuo, reflexo de arranjos socio-históricos
das ações sociais no espaço e no tempo.
Outro importante elemento da perspectiva de Weber
é a de que as sociedades se configuram em muitas “esfe-
ras de ação”, tais como a religião, a política, a ciência, a
economia, o mercado, o direito, a arte. Esses “espaços” em
que os agentes atuam, compõem as sociedades e apresen-
tam ordenamentos distintos e sentidos específicos. Para o
autor, a única entidade em que os sentidos das esferas de
ação estão presentes e em contato é o agente. Ao transitar
entre essas esferas, o agente carrega múltiplos sentidos
em que acredita e os combina em sua ação.
Diante disso, deve-se entender que Weber parte da
ideia de que a ação humana tem significado e está carrega-
da de propósitos e de intenções. Para o autor, a sociologia
busca decifrar a originalidade das realizações humanas,
por isso não é uma ciência dos grupos ou das instituições,
mas dos homens agindo socialmente, por meio de suas re-
lações.
Nessa concepção, as instituições e organizações não
existem como entidades objetivas, apenas como sistemas
de orientação, que imprimem conteúdo significativo para
a ação dos agentes. Instituições como igrejas, partidos, as-
62
sociações existem apenas enquanto têm significado para
aqueles agentes que delas participam.
A perspectiva de Weber, então, está voltada para o
estudo do significado que os agentes dão a suas ações e os
efeitos que essas produzem para o conjunto da sociedade.
Não por acaso serão temas recorrentes e encadeados na
obra de Weber o costume, a moda, o poder, a disciplina, a
dominação e a legitimidade.
A variedade de temas e objetos empíricos presentes
na obra de Weber demonstra sua permanente preocupa-
ção com os limites sociopolíticos que via na Alemanha e
que impediam seu desenvolvimento como uma potência
econômica continental e liberal. Em 1906, Weber produz
dois ensaios, um sobre a situação da democracia burguesa
na Rússia e outro sobre as seitas protestantes e o espírito
do capitalismo. Em 1909, estudou as relações de produção
na agricultura do mundo antigo.
Nesse mesmo ano, começou a escrever um grande ma-
nual metodológico, em que definiria as bases de uma ciência
compreensiva, que só foi publicado após a sua morte. Assim
como Durkheim, Weber não deixou de dedicar atenção es-
pecial a trabalhos sobre os fundamentos da sociologia. Em
1913, escreveu o texto Ensaio sobre algumas categorias da
ciência compreensiva.
63
Durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918),
Weber defendeu as razões da Alemanha nesse conflito e
prestou serviço como diretor de hospital militar. Nesse
período, Weber esteve muito preocupado com a ruína mo-
ral e cultural da Alemanha que, segundo ele, era devida
à política equivocada do Imperador e de seus ministros.
Depois da derrota na guerra, e com a queda do Impé-
rio alemão, Weber participou da redação da Constituição
da República de Weimar, em 1919, que instaurou na Ale-
manha um governo presidencial e parlamentarista. Em
meio à guerra produziu um estudo sobre a ética econômi-
ca das religiões universais, lançando em 1915.
Logo após a guerra, publicou dois famosos ensaios
A política como vocação e A ciência como vocação, obras em
que não apenas analisa duas formações profissionais do
mundo moderno, mas que faz duras críticas à conduta de
alguns grupos políticos e acadêmicos.
Em 1919, publica a obra História geral da economia.
Foi apenas após a morte de Weber que Marianne publi-
cou o grande manual de sociologia intitulado Economia
e Sociedade, iniciado pelo seu marido em 1909, e que é re-
ferência fundamental na metodologia das ciências sociais,
até os dias de hoje.

64
A perspectiva de Georg Simmel

Georg Simmel nasceu em Berlim, no dia 1° de março


de 1858 e morreu aos 60 anos, em Estrasburgo1, em 28 de
setembro de 1918. Era o sétimo filho de Edward Simmel e
Flora Bodstein, casal de ascendência judaica. Edward Sim-
mel, dono de uma fábrica de chocolates morreu em 1874,
deixando uma herança considerável que permitiu a Georg
se formar e dedicar-se à vida acadêmica. Diplomou-se na
Universidade de Berlim, passando, inicialmente, pela for-
mação em História, mas, posteriomente dedicando-se à Fi-
losofia. Sua tese de doutorado levou o título de A natureza
da matéria segundo a monadologia física de Kant e rendeu-lhe
o título no ano de 1881. Foi um filósofo e intelectual alemão
muito admirado em seu país e no exterior, mas que sempre
teve dificuldade em encontrar um lugar no seio da academia
alemã de seu tempo, ao que se sabe, devido ao sentimento
antisemita já bastante manifesto naquela época. Seu inte-

1  Localizada no leste da França, às margens do Rio Reno, a cida-


de de Estrasburgo foi anexada ao Império Germânico após a Guer-
ra franco-prussiana como capital da Alsácia-Lorena, em 1871. A
cidade beneficiou-se da dominação política e territorial alemã, que
transformou a cidade em um “Reichsland”, uma “vitrine da cultura
alemã”, para mostrar ao mundo e à França a suposta superioridade
germânica. A cidade voltou ao domínio francês após a Primeira
Guerra Mundial, como definido pelo Tratado de Versalhes.
65
resse de pesquisa foi plural (filosofia, sociologia, psicologia
social, análise cultural, etc.) não podendo ser facilmente en-
quadrado a uma disciplina, sendo autor de mais de 200 arti-
gos e 20 livros que foram traduzidos à época para as línguas
inglesa e francesa (MORAES FILHO, 1983).
Simmel apenas assumiu uma posição institucional de
prestígio na Alemanha aos 56 anos, quando conseguiu a
titularidade de uma cátedra em filosofia em Estrasburgo,
pouco antes do início da primeira guerra mundial (TE-
DESCO, 2006, p. 12). Antes disso, atuou, a partir de 1885,
como professor independente na Universidade de Berlim
e escrevia para jornais e periódicos culturais, andava sem-
pre muito próximo dos pensadores liberais independentes.
Era um grande conferencista que prendia e empolgava
seu auditório. Os biógrafos apontam certa marginalidade
dos quadros permanentes durante sua vida acadêmica na
Universidade de Berlim, na qual se formou e se iniciou
professor. Em 1901, tornou-se professor colaborador, mas
jamais foi incorporado de modo formal e definitivo. Sim-
mel vivia de herança deixada por seu pai e das taxas pagas
pelos estudantes que se inscreviam em seus cursos e assis-
tiam suas conferências (MORAES FILHO, 1983).
A juventude de Simmel foi marcada pela unificação
da Alemanha e pelos primeiros efeitos sociais e políticos
66
que esse processo desencadeou, especialmente a intensa
industrialização alemã e a acelerada urbanização de Ber-
lim. Naquele momento, a burguesia liberal ainda buscava
uma posição dominante, mas a realidade industrial e co-
mercial já se expandia, transformando a cidade numa me-
trópole muito populosa. O governo era chefiado por mili-
tares e ainda era dominado por uma pequena aristocracia
agrária conservadora – a qual sofria oposição crescente de
grupos políticos liberais e democratas – que representa-
vam novas forças oriundas do meio urbano crescente. Não
por acaso, destinou grande parte de sua obra intelectual
ao estudo dessa vida cotidiana urbana.
Simmel foi um autor fascinado pelos aspectos mais
rotineiros da vida de uma grande cidade, observava que
a urbanização acelerada trazia consigo novas expressões
identitárias que caracterizavam a vida nas grandes cida-
des. Esse fenômeno observado despertou seu interesse so-
bre as reações do indivíduo frente à expansão da realidade
urbana. Como seria possível manter e preservar a autono-
mia e a existência individual diante das impressionantes
forças impessoais que a realidade moderna forjava? Um
fenômeno que muito inquietou Simmel foi o constante
afluxo de pessoas que vinham do interior para tentar a
vida nas novas grandes cidades. Como um migrante do
67
mundo rural, daqueles que chegavam aos milhares, dia-
riamente nas estações das cidades, conseguiria adaptar-se
aos grandes conglomerados humanos que surgiam a toda
hora sem ver sumir suas características mais pessoais, sua
singeleza, sua afabilidade e pureza aldeã?
Em diversos de seus ensaios e em suas principais obras,
Simmel identifica na realidade moderna o desenvolvimento
crescente de uma cultura objetiva que acaba por animar as
expressões da cultura subjetiva. As estruturas sociais e cul-
turais na modernidade adquirem identidades fixas pautan-
do-se por uma lógica e razão de ser próprias, independentes
dos conteúdos que as criaram e que ameaçavam de forma
imperativa e coercitiva a liberdade dos indivíduos.
A preocupação de Simmel é com a autonomização
do mundo social e das estruturas culturais que se con-
figuravam a partir dos indivíduos em suas interações e
que saiam de seu controle. Nesse sentido, a modernidade
apresenta um caráter dual e contraditório, pois as estru-
turas culturais que os indivíduos formam ao estabelecer
suas relações, passam a ter, em última instância, vida pró-
pria, ameaçando a cultura subjetiva. De uma forma mui-
to semelhante ao fetichismo da mercadoria de Marx, no
qual os indivíduos se encontram marcados sob o processo
produtivo capitalista por uma separação do produto de
68
seu trabalho, Simmel teme uma separação entre a cultura
objetiva – entendida como os resultados das produções
culturais dos indivíduos – e a cultura subjetiva, ou seja,
da capacidade do ator de produzir, absorver e controlar os
elementos da cultura objetiva (RITZER, 2002).
Não por acaso, um destacado tema da sociologia sim-
meliana foi sua análise da vida urbana em um escrito inti-
tulado As grandes cidades e a vida do espírito, também tra-
duzido como A metrópole e a vida mental, escrito em 1903,
este, considerado um dos textos pioneiros da sociologia
urbana. Este ensaio foi fruto de uma conferência proferida
no inverno de 1902-1903 e trata-se de uma versão amplia-
da do capítulo final “O estilo de vida”, da primeira versão
de A Filosofia do Dinheiro, publicada em 1900. No ensaio,
Simmel reflete sobre como as novas formas de mediação
nas esferas de circulação, de troca e de consumo, surgidas
na modernidade, impactaram as relações entre os indiví-
duos que passaram também a ser mediadas por criações
culturais como o dinheiro, o estilo de vida urbano, a moda,
as migrações, as demarcações espaciais etc.
Cabe mencionar que As grandes cidades e a vida do es-
pírito foi escrito no contexto do expressionismo, que foi
um movimento artístico surgido na Alemanha, no início do
século XX, em oposição ao impressionismo francês. Os ex-
69
pressionistas retratavam em suas obras os dramas indivi-
duais do homem e as injustiças da sociedade moderna. Da
mesma forma, Simmel buscou descrever e analisar em seus
ensaios a fobia urbana, a sensação de solidão, abandono,
indiferença, medo e pânico que uma metrópole provoca-
va nos indivíduos, revelando manifestações das formas de
adaptação a essa nova condição. A vida nas grandes aglo-
merações urbanas é outro traço fundamental dos tempos
modernos.
Analisando seu impacto sobre a sociabilidade e a indi-
vidualidade, Simmel (2005a, p. 277-8) destacou o fenôme-
no do embotamento dos sentidos, de modo que

O fundamento psicológico sobre o qual se eleva o


tipo das individualidades da cidade grande é a in-
tensificação da vida nervosa, que resulta da mudan-
ça rápida e ininterrupta de impressões interiores e
exteriores. O homem é um ser que faz distinções,
isto é, sua consciência é estimulada mediante a dis-
tinção da impressão atual frente a que lhe precede.
As impressões persistentes, a insignificância de suas
diferenças, a regularidade habitual de seu trans-
curso e de suas oposições exigem por assim dizer
menos consciência do que a rápida concentração de
imagens em mudança, o intervalo ríspido no inte-
rior daquilo que se compreende com um olhar, o ca-
ráter inesperado das impressões que se impõem. Na
70
medida em que a cidade grande cria precisamente
estas condições psicológicas — a cada saída à rua,
com a velocidade e as variedades da vida econômica,
profissional e social —, ela propicia, já nos funda-
mentos sensíveis da vida anímica, no quantum da
consciência que ela nos exige em virtude de nossa
organização enquanto seres que operam distinções,
uma oposição profunda com relação à cidade peque-
na e à vida no campo, com ritmo mais lento e mais
habitual, que corre mais uniformemente de sua ima-
gem sensível-espiritual de vida.

Desta feita, tem-se que a imensidade de estímulos


gerados pelas intensas atividades urbanas tinham seu
reflexo na personalidade do indivíduo, gerando sujeitos
que iam perdendo sua capacidade de relação com seu meio
circundante, tornando-se objetivos, impessoais, distantes
e calculistas. Nas palavras de Simmel (2005a, p. 580-1):

A pontualidade, a contabilidade, a exatidão, que


coagem a complicações e extensões da vida na
cidade grande, estão não somente no nexo mais
íntimo com o seu caráter intelectualístico e econô-
mico-monetário, mas também precisam tingir os
conteúdos da vida e facilitar a exclusão daqueles
traços essenciais e impulsos irracionais, instintivos
e soberanos, que pretendem determinar a partir de
si a forma da vida, em vez de recebê-la de fora como
uma forma universal, definida esquematicamente.
71
A caracterização sociológica desta personalidade so-
cial, na perspectiva de Simmel (2005a, p. 581) é o indi-
víduo blasé, atomizado, indiferente e distante do ambiente
social na medida em que

A essência do caráter blasé é o embotamento


frente à distinção das coisas; não no sentido de
que elas não sejam percebidas, como no caso dos
parvos, mas sim de tal modo que o significado e o
valor da distinção das coisas e com isso das pró-
prias coisas são sentidos como nulos.

Já em seus estudos acerca da metrópole, destaca a


questão do papel do sujeito no interior da totalidade, um
tema caro à sociologia. Neste sentido, Simmel (2005a, p.
589) argumenta que:

Ao lado desse ideal do liberalismo cresceu no sé-


culo XIX, por um lado por intermédio de Goethe
e do Romantismo, por outro por meio da divisão
econômica do trabalho, a ideia de que os indiví-
duos, libertos das ligações históricas, querem en-
tão também se distinguir uns dos outros. Agora
o suporte de seu valor não é mais o “homem uni-
versal” em cada singular, mas sim precisamente
a unicidade e incomparabilidade qualitativas. [...]
A função das cidades grandes é fornecer o lugar
72
para o conflito e para as tentativas de unificação
dos dois, na medida em que as suas condições pe-
culiares se nos revelam como oportunidades e es-
tímulos para o desenvolvimento de ambas.

Outro ponto a ser destacado na sociologia sim-


meliana é sua análise da monetarização da vida urbana
moderna. Em 1908, Simmel produziu a versão final de
seu grande tratado sociológico intitulado Filosofia do
Dinheiro que buscava identificar as origens, o desen-
volvimento e as consequências do desenvolvimento da
economia monetária. Ao tomar o dinheiro como objeto
de análise, o autor demonstra que uma das característi-
cas marcantes da vida moderna é a ligação dessa com as
relações monetárias, na qual destacou aspectos como a
monetarização das relações sociais, a ampliação dos mer-
cados, a racionalização e a quantificação da vida. “O di-
nheiro confere, por um lado, um caráter impessoal, ante-
riormente desconhecido, a toda atividade econômica, por
outro lado, aumenta, proporcionalmente, a autonomia e
a independência da pessoa” (SIMMEL, 1998a, p. 24).
Simmel (2011) sugeria a ideia de que o dinheiro é
como um “deus” da vida moderna, uma vez que na mo-
dernidade muitas coisas da vida real passavam a girar ao
redor do dinheiro e, ao mesmo tempo, o dinheiro fazia a
realidade se movimentar. Nesta obra, estabelece um diá-
73
logo franco com algumas discussões econômicas propos-
tas por Karl Marx, em O Capital, buscando resgatar al-
guns elementos subjetivos que teriam sido desprezados
por Marx. Pois, para Simmel, a modernidade intensifica-
va a experiência da alienação de modo que ele entende
que esta não se dá apenas na esfera do trabalho, mas tam-
bém na esfera cultural e, portanto, ele não acreditava,
como Marx, que com o fim do capitalismo, da divisão de
classes e do estado burguês seria possível acabar com os
processos alienantes. Simmel não era um revolucionário,
não acreditava em mudanças radicais, pensava a realida-
de social em termos de valores, sentimentos e emoções,
a partir do pressuposto de que a superação da alienação
somente poderia ocorrer no campo da individualidade,
da sensibilidade estética e das experiências de liberdade.
A obra Filosofia do Dinheiro tem duas partes e pro-
põe uma ampla abordagem fenomenólogica do dinheiro,
demonstrando sua influência e sua relação com os ele-
mentos centrais da vida2 nas sociedades modernas. A
primeira parte, intitulada “analítica”, destaca os aspectos
mais econômicos do tema e analisa a relação entre valor e

2  Note-se que o foco de Simmel em sua produção sociológica


volta-se especialmente à “vida em sociedade” e não propria-
mente ou exclusivamente à “sociedade”, entendida aqui como
uma entidade social geral e superior aos indivíduos.
74
dinheiro. A troca constitui para Simmel um tipo puro de
interação social. Quando o dinheiro passa a ser o símbolo
predominante nas trocas tornam-se evidentes os efeitos
profundos na subjetividade e da natureza das relações
humanas. A segunda parte, chamada de “sintética”, des-
taca o lugar do dinheiro e sua relação com a liberdade in-
dividual e os valores pessoais, para desembocar em uma
análise fascinante sobre o estilo de vida moderno, como
relatado anteriormente (MORAES FILHO, 1983).
Simmel não pretendia confrontar ou negar as con-
cepções de Marx acerca das determinações econômicas,
mas antes, de maneira semelhante a Weber, adicionar
alguns elementos não-econômicos como fatores expli-
cativos para a importância do dinheiro na vida urbana
moderna. Em seu argumento, Simmel demonstra que,
no desenvolvimento da economia monetária, o dinheiro
possui um caráter libertador que, assim como a moda,
por exemplo, favorece a emancipação do sujeito, pro-
movendo por sua objetividade uma maior liberdade nas
trocas mercantis e permitindo o desenvolvimento econô-
mico ao romper com as velhas amarras da tradição. Por
outro lado, o dinheiro possui um caráter de dissolução
das relações sociais reduzindo-as a termos monetários.
Entretanto, não se trata de afirmar que no mundo con-
75
temporâneo tudo é determinado e explicado pela vida
monetária, mas de perceber que esta é uma manifestação
oriunda de traços culturais da época moderna, como a
aceleração do tempo, a monetarização das relações so-
ciais, a ampliação dos mercados, a racionalização e quan-
tificação da vida e inversão de meios e fins. O dinheiro na
vida moderna é um sistema simbólico, uma forma de co-
municação e um recurso de interação, representa situa-
ções paradoxais, pois manifesta-se como impessoalidade,
privação, emoção, promessa, independência e liberdade.
Essa característica da vida moderna é vista pelo autor
como paradoxal e ambígua, pois a vida social técnica, fria
e calculista também é estilingue para as manifestações
mais subjetivas do espírito humano.
Conforme relatado por Tedesco (2006, p. 14), Haber-
mas (1988) reconhece em Simmel uma fina sensibilidade
para detectar os estímulos de sua época, as inovações estéti-
cas, a tendência espiritual, a percepção da vida nas grandes
cidades, as alterações de posição subpolíticas e os fenôme-
nos mais cotidianos e difusos, porém reveladores. Em sua
sociologia, Simmel vai estudar os processos sociais amplos
e efêmeros da vida moderna como a impessoalidade, a mer-
cantilização da vida, a moda (imitação e distinção), a do-
minação, o conflito, a cooperação, o dinheiro, o segredo, a
76
aventura, a fidelidade, o feminismo, a amizade, a refeição, a
preguiça, a mentira, a intriga, a identidade, a sociabilidade,
entre muitas outras formações sociais.
Contemporâneo e interlocutor de Max Weber, Georg
Simmel fundou junto com Weber e Tönnies a sociedade
sociológica alemã. Com a obra Soziologie, publicada em
1908, o autor contribuiu decisivamente para a consolida-
ção da sociologia na Alemanha. Contudo, deve-se destacar
que sua produção foi e continua sendo, ainda nos dias de
hoje, parcialmente negligenciada como uma contribuição
à sociologia em diversos círculos intelectuais. Tornou-se
conhecido como um ensaísta, mas em seus ensaios, e espe-
cialmente na obra acima citada, tratou sobre a especifici-
dade da sociologia, refletiu sobre o método sociológico e
aprofundou a análise das formas de sociação, que é a ação
recíproca entre os indivíduos, elemento que ele considera-
va como objeto fundamental da sociologia.
Simmel julgava que a modernidade emergente era
uma realidade social ambivalente. O mundo moderno
produz alienação da mesma forma que viabiliza a libe-
ração do indivíduo, paradoxalmente, correlaciona a ideia
de alienação e de liberdade e amplia as formas de so-
ciabilidade. Mesmo assim, o autor manteve sempre um
espírito crítico em relação à modernidade e a algumas
77
tendências da vida moderna, como o empobrecimento da
sensibilidade emocional e o descaso a valores considera-
dos conquistas da modernidade, como a liberdade que
permitiria maior possibilidade dos indivíduos desenvol-
verem suas preferências. Na interpretação de Simmel, a
modernidade permite aos indivíduos conhecer melhor e
ter a consciência de experienciar novos meios de viver;
esses são mais permeáveis, menos fechados e seletos e
provocam alterações, tensões profundas e contínuas na
estruturação da existência humana (WAIZBORT, 2000).
As questões em torno da moda, do dinheiro, da
prostituição, do estrangeiro, da aventura, da confiança,
da mentira, do segredo, temas de Simmel, interessa-
vam pouco aos filósofos da época que o consideravam
um analista da interação, não um teórico das macroes-
truturas sociais e das grandes questões políticas, econô-
micas e institucionais nascentes. Autores marxistas da
época consideravam que ele era um ideólogo da burgue-
sia. Weber e Durkheim o respeitavam como um filósofo
de grande talento, não como especialista em sociologia
como muito bem escreve Tedesco (2006, p. 9-10).
De toda forma, sua obra é exuberante, sensível, den-
sa, tensa e toca em questões muito sutis da vida social
moderna. Simmel procurou sempre colocar em pauta o
78
enredo mais cotidiano das relações entre as pessoas e dos
círculos convivência que os atores sociais formam para
garantir suas individualidades. Ele enfatiza que a socie-
dade é edificada em torno das sociabilidades produzidas
pela interação recíproca entre os indivíduos, isso porque
entende que a natureza humana reside na habilidade do
homem de ser sociável. Trata-se de uma sociologia dos
grupos, dos indivíduos nos grupos e dos elementos emo-
cionais que eles mobilizam para viverem juntos, ou seja,
“as formas que tomam os grupos de homens, unidos para
viver uns ao lado dos outros, ou uns para os outros, ou
então uns com os outros – aí está o domínio da sociologia”
(SIMMEL, 1983a, p. 47).
A perspectiva de Simmel é marcada por um olhar
“ecológico” do meio urbano emergente, o que acaba por
demarcar sua sociologia como uma interpretação das so-
ciabilidades manifestas no cotidiano moderno e urbano,
das interações, dos grupos e das emoções. Simmel observa
a interação entre diferentes grupos com base em aproxi-
mações, diferenças, expressões, simpatias e aversões. O
foco de análise volta-se ao sentido das ações mais discre-
tas, dos grupos sociais emergentes e em adaptação à nova
realidade social, que é cada vez mais impessoal e racionali-
zada. O autor concebe que a vida humana não se expressa
79
entorno da sobrevivência, mas antes das experiências, da
identificação e das sociabilidades. Como o indivíduo pode
manter sua individualidade no âmbito das relações que se
estabelecem na vida urbana moderna? Simmel entende
que os homens são sociáveis e no contexto de uma so-
ciedade cada vez mais impessoal viriam a formar tribos
de pertencimento, mas que também são de diferenciação
e de distinção, a fim de garantir, proteger e sustentar suas
individualidades. Esses são os pontos centrais de sua pers-
pectiva, que vão fundamentar a sistematização de sua abor-
dagem e a elaboração de sua narrativa.

80
Capítulo 2
Abordagem: concepção de ciência, objeto e
procedimentos metodológicos

A abordagem de Karl Marx

A abordagem de Marx ainda adota uma concepção


pré-científica, mas promove uma interpretação explicativa
historicista e materialista. Partiu da filosofia da história
e do método dialético de Hegel, concebendo que a hu-
manidade evolui, em decorrência de etapas definidas, em
certas direções pré-definidas, mas em sua visão a marcha
histórica é para o comunismo e não para o Estado de tipo
prussiano. Desenvolveu um embate teórico com o mate-
rialismo de Feuerbach, ao sofrer dupla influência, por um
lado, da teoria econômica clássica de Adam Smith e David
Ricardo e, por outro, do socialismo utópico de Saint Si-
mon, Robert Owen, Charles Fourier e Joseph Proudhon.
A abordagem de Marx parte da prerrogativa de que
o conhecimento científico envolve teoria e práxis. Define
que o conhecimento é uma elaboração inteligível da rea-
lidade e contém um potencial de mudança, ao evidenciar
as opressões na realidade social e estabelecer bases teori-
81
camente fundamentadas às lutas políticas. Define que o
conhecimento científico do real começa com a produção
crítica de suas múltiplas determinações. Diferentemente
da filosofia, o papel da ciência não é mais o de compreen-
der a história, mas o de modificá-la.
O modelo de interpretação dialético é concebido em
três dimensões: tese, antítese, síntese. Esse último estágio
expressa uma transformação com conservação, sinteti-
zando elementos presentes na tese e na antítese. A sínte-
se, por sua vez forma uma nova tese, que sofrerá efeito de
nova antítese, e assim sucessivamente. Ao renegar o idea-
lismo de Hegel, Marx promove uma inversão da dialética
hegeliana. Enquanto para Hegel as transformações sociais
decorrem de embates entre ideais na esfera ideológica e
cultural, para Marx as transformações sociais decorrem
de conflitos reais na esfera socioeconômica, induzindo
mudanças também na esfera ideológica e cultural.
Na visão de Marx, para analisar a evolução da socie-
dade humana, deve-se partir do exame empírico dos pro-
cessos concretos da vida social que constituem a condição
da existência humana. O autor proclama a necessidade
de uma ciência concreta da sociedade, baseada no estudo
da interação dinâmica e criadora entre homem e nature-
za, homem e ambiente material, dos homens entre si, do
82
processo criador através do qual o homem se faz a si mesmo
(GIDDENS, 2005, p. 53). Esse processo criador estaria
estampado nas sociedades em que as relações de produção
estão mais avançadas e uma profícua análise empírica deve
ser empreendida sobre essas, uma vez que podem melhor
evidenciar o futuro da humanidade.

Nesta obra, o que tenho de pesquisar é o modo


de produção capitalista e as correspondentes re-
lações de produção e de circulação. Até agora,
a Inglaterra é o campo clássico dessa produção.
Este o motivo por que a tomei como principal
ilustração de minha explanação teórica. (...)
A história é a teu respeito! Intrinsecamente, a
questão que se debate aqui não é o maior ou me-
nor grau de desenvolvimento dos antagonismos
sociais oriundos das leis naturais da produção
capitalista, mas estas leis naturais, estas tendên-
cias que operam e se impõem com férrea neces-
sidade. O país mais desenvolvido não faz mais
do que representar a imagem futura do menos
desenvolvido (MARX, 2004b, p. 16).

O método de Marx preconiza que, ao estudar as so-


ciedades, se parta de seus processos econômicos, que são
relações que os homens estabelecem entre si para trans-
formar a natureza em seu benefício. Porém, o método
83
de Marx não se restringe ao empirismo. Para o autor, o
conhecimento da realidade social exige um conjunto de
conceitos articulados, que tornam a visão do pesquisador
mais sensível ao entendimento completo da realidade. No
Prefácio de O Capital, explica que na análise das forma-
ções socioeconômicas, o pesquisador não pode utilizar nem
um microscópio nem reagentes químicos. A capacidade de abs-
tração substitui esses meios (MARX, 2004b, p. 16). Então as
teorias e os conceitos são “instrumentos” analíticos, que
servem aos analistas sociais tal qual o microscópio serve
aos biólogos.
Nesse sentido, a prática de investigação envolve um
encadeamento de ações: estudo teórico, seleção de concei-
tos, observação da realidade empírica, crítica conceitual,
nova observação da realidade, interconexão de observa-
ções, formulação de novos conceitos, explicação abstrata
repensada, nova teoria. Marx denomina a realidade empí-
rica como “concreto em si”; e a realidade empírica repre-
sentada no pensamento como “concreto pensado”. Através
de aproximações sucessivas ao objeto empírico, o intelecto
examina a realidade sob a orientação de conceitos, sem os
quais a realidade apresentar-se-ia sempre e apenas como
uma massa confusa de dados sem sentido.

84
O concreto é concreto porque é síntese de muitas
determinações, isto é, unidade do diverso. Por
isso o concreto aparece no pensamento como o
processo da síntese, como resultado, não como
ponto de partida [...]. (Marx, 1999, p. 39-40).

Segundo o autor, o método de exposição das conclu-


sões de um estudo difere do método de investigação. Este
último representa as sucessivas incursões na realidade
empírica, que permitem elaborar um “fio condutor”, ou
seja, um modelo mental, que emerge durante o contínuo
processo de investigação.
Esse “fio condutor” difere da acepção de “hipótese”,
uma vez que Marx o considerava mais do que isso: trata-
-se da elaboração mental sobre um conjunto de fenôme-
nos empíricos (concreto em si) que vão sendo observados
e que, ao serem demonstrados de maneira interconectada
(concreto pensado), passam a representar uma “totalida-
de”, uma “explicação geral” sobre a realidade, que é tão
reveladora que pode ser aplicada sobre a realidade, a fim
de modificá-la. Marx pressupunha buscar compreender as
relações sociais escondidas por detrás das relações sociais
evidentes que estão a nossa volta.

85
A abordagem de Émile Durkheim

A abordagem de Durkheim adota uma concepção fun-


cionalista de interpretação da realidade social. Partiu de
uma filosofia interpretativa de vertente racionalista, que
defendia a observação e a experimentação regulada pelo
raciocínio indutivo. Nessa acepção, o conhecimento é resul-
tado da concordância e da variação dos fenômenos que, se
devidamente observados, apresentam a causa real dos fenô-
menos. A produção de conhecimento exige descrição dos
fatos observados, registro de presenças das formas que se
investigam, controle de situações nas quais as formas pes-
quisadas se revelam ausentes, comparação e classificação.
A sociologia de Durkheim foi construída sobre a in-
fluência de importantes intelectuais e filósofos modernos
e iluministas, tais como Francis Bacon, Condorcet, Rous-
seau, Saint Simon, August Comte, Montesquieu, Tocque-
vile, e em diálogo crítico com economistas e filósofos uti-
litaristas, como Spencer. A concepção de ciência adotada
por Durkheim defende o conhecimento objetivo da reali-
dade. A realidade social não pode ser explicada por ações
individuais, apenas pela relação entre fatos sociais gerais.
Nesse sentido, atribui à sociedade uma condição sui-gene-
ris, isto é, como algo que existe fora dos indivíduos, por-
86
tanto, objetivo e observável. Não se trata de pensar “Leis”
sociais universais, que ocorrem independente do tempo
e do espaço, tanto que Durkheim nega o positivismo de
Comte, todavia, podem-se descobrir relações generalizá-
veis entre fenômenos sociais.
Durkheim defendeu a ideia de que a sociologia é
uma ciência autônoma, que possui objeto – os fatos so-
ciais – e métodos próprios – a experimentação indireta.
Para Durkheim, a sociedade é um complexo integrado de
fatos sociais. Esses fatos sociais devem ser tratados como
“coisa”, o que exige a neutralidade do pesquisador. Essa
neutralidade deveria ser atingida pela postura do cientista
em apreender o objeto pela observação e experimentação
indireta, eliminando o senso comum.
Os fatos sociais são constatados na realidade empíri-
ca e evidenciados pelo pesquisador, uma vez que apresen-
tam um conjunto de condições. São características do fato
social a exterioridade, a coercitividade, a regularidade e a
generalidade. Buscando desenvolver uma chave-interpre-
tativa para a compreensão da realidade social, Durkheim
concebe a ideia de fato social da seguinte forma:

É fato social toda maneira de agir fixa ou não, sus-


cetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção
exterior; ou ainda, que é geral na extensão de uma
87
sociedade dada, apresentando uma existência pró-
pria, independente das manifestações individuais
que possa ter (DURKHEIM, 2002a, p. 11).

Deve-se, pois, retomar a perspectiva de Durkheim e


destacar sua preocupação para com os laços sociais que
fazem com que os indivíduos vivam juntos, dado que

Se a população se comprime nas cidades em lugar


de se dispersar nos campos, é porque existe uma
corrente de opinião, uma pressão coletiva que im-
põe aos indivíduos esta concentração. Não pode-
mos escolher a forma de nossas casas, nem a de
nossas roupas, pois uma é tão obrigatória quanto
à outra (DURKHEIM, 2002a, p. 10)

Esses impulsos de que fala Durkheim, sejam repre-


sentações simbólicas ou materiais, crenças ou ideais coleti-
vos instituídos, são fatos sociais, isto é, o “objeto especial”
e objetivo delineado pelo pesquisador. Considerando, en-
tão, que os fatos sociais representam forças sociais objeti-
vas, que enlaçam os indivíduos e os colocam em interação,
têm-se que, estes, devem ser objetos privilegiados de estu-
do da sociologia na medida em que,

[...] há em toda sociedade um grupo determinado


de fenômenos com caracteres nítidos, que se dis-
tingue daqueles estudados pelas outras ciências.
88
Quando desempenho meus deveres de irmão, de
esposo ou de cidadão, quando me desincumbo de
encargos que contraí, pratico deveres que estão
definidos fora de mim e de meus atos, no direito
e nos costumes. Mesmo estando de acordo com
sentimentos que me são próprios, sentindo-lhes
interiormente a realidade, esta não deixa de ser
objetiva; pois não fui eu quem os criou, mas re-
cebi-os através da educação. [...] O sistema de
sinais de que me sirvo para exprimir pensamen-
tos, o sistema de moedas que emprego para pagar
as dívidas, os instrumentos de crédito que utili-
zo nas relações comerciais, as práticas seguidas
na profissão, etc., etc., funcionam independente-
mente do uso que delas faço. [...] Estamos, pois,
diante de maneiras de agir, de pensar e de sentir
que apresentam a propriedade marcante de exis-
tir fora das consciências individuais. Esses tipos
de conduta ou de pensamento não são apenas
exteriores ao indivíduo, são também dotados de
um poder imperativo e coercitivo, em virtude do
qual se lhe impõem, quer queira, quer não. Não
há dúvida de que esta coerção não se faz sentir, ou
é muito pouco sentida quando com ela me confor-
mo de bom grado, pois então torna-se inútil, mas
não deixa de constituir caráter intrínseco de tais
fatos, e a prova é que se afirma desde que tento
resistir. Se experimento violar as leis, estas rea-
gem contra mim de maneira a impedir meu ato
se ainda é tempo; com o fim de anulá-lo e restabe-
lecê-lo em sua forma normal se já se realizou e é
reparável (DURKHEIM, 2004b, p. 46-47).
89
Em termos gerais, portanto, os fatos sociais devem ser
entendidos como forças sociais que enlaçam os indivíduos,
produzindo sobre eles um sentimento de complementação
mútua, ou seja, um sentido de solidariedade. Essas “ener-
gias” sociais atuam sobre os indivíduos como uma imposi-
ção gratificante. O indivíduo segue os fluxos de valores e os
padrões sociais porque sente que sua adesão a tais valores
o conduz ao grupo; e ao fazer parte de uma coletividade,
percebe que esse pertencimento lhe engrandece. Assim,

Estamos, pois, diante de uma ordem de fatos que


apresenta caracteres muito especiais: consistem em
maneiras de agir, de pensar e de sentir exteriores
ao indivíduo, dotadas de um poder de coerção em
virtude do qual se lhe impõem. Por conseguinte, não
poderiam se confundir com os fenômenos orgânicos,
pois consistem em representações e em ações; nem
com os fenômenos psíquicos, que não existem senão
na consciência individual e por meio dela. Consti-
tuem, pois, uma espécie nova e é a eles que deve ser
dada e reservada a qualificação de sociais. Esta é a
qualificação que lhes convém; pois é claro que, não
tendo por substrato o indivíduo, não podem possuir
outro que não seja a sociedade: ou a sociedade polí-
tica em sua integridade, ou qualquer um dos grupos
parciais que ela encerra, tais como confissões reli-
giosas, escolas políticas e literárias, corporações pro-
fissionais, etc. (DURKHEIM, 2004b, p. 48).
90
Os fatos sociais compreendem aquilo que se impõe
aos indivíduos como ação que devem realizar sob “pena”
de ficar de fora do conjunto social. A socialização é um
exemplo concreto usado por Durkheim para demonstrar
a eficácia dessas forças e energias que atuam sobre os in-
divíduos, onde,

Toda a educação consiste num esforço contínuo


para impor às crianças maneiras de ver, de sentir
e de agir às quais elas não chegariam espontanea-
mente, – observação que salta aos olhos todas as
vezes que os fatos são encarados tais quais são e
tais quais sempre foram. Desde os primeiros anos
de vida, são as crianças forçadas a comer, beber,
dormir em horas regulares; são constrangidas a te-
rem hábitos higiênicos, a serem calmas obedientes;
mais tarde, obrigamo-las a aprender a pensar nos
demais, respeitar usos e conveniências, forçamo-las
ao trabalho, etc., etc. Se, com o tempo, esta coerção
deixa de ser sentida, é porque pouco a pouco dá
lugar a hábitos, a tendências internas que a tornam
inútil, mas que não a substituem senão porque dela
derivam (DURKHEIM, 2004b, p. 48-49).

A abordagem de Durkheim prevê três formas de in-


serção empírica: o método funcionalista, o comparativo e
o método das variações concomitantes. O primeiro é uma
acepção mais geral que sugere a investigação de como
91
se mantém (conexões funcionais) a integridade do todo
social (conjunto dos fatos sociais). O segundo envolve a
experimentação indireta, segundo a qual um tema deve
ser analisado em suas diversas dimensões e na compara-
ção entre categorias, as diferenciações entre as categorias
revelam evidências que servem de comprovação. O pes-
quisador deve “perseguir” as variações das séries de dados
e informações para aproximar-se de explicações precisas
de fatos da realidade social, o que significa administrar a
prova. Finalmente, o método das variações concomitan-
tes, pressupõe que uma mudança em um fato gera mu-
dança em outro fato, demonstrando em que grau dois ou
mais fenômenos podem ser relacionados. (MOCELIN &
AZAMBUJA, 2011, p. 36)
Essa abordagem sugere, portanto, buscar a causa que
produz um dado fenômeno e a função que esse desempenha
para a integração da sociedade. A explicação sociológica
fundamenta-se, nessa acepção, em estabelecer relações de
causalidade, ou seja, liga-se um fenômeno à sua causa ou
uma causa a seus efeitos. A concepção metodológica pro-
posta por Durkheim apresenta uma orientação empírico-
-indutiva, definindo que o pesquisador deve “ir do parti-
cular ao geral”, isto porque o dado empírico provoca uma
sensação que, indutivamente, pode ser generalizada.
92
Durkheim também reconhecia que a ciência tinha o
dever de auxiliar na resolução da crise moral decorrente de
uma passagem incompleta da solidariedade mecânica para a
orgânica. Nesse sentido reconhecia uma relação entre teoria
e prática. Para tanto, propôs pensar a distinção entre fatos
normais e patológicos. As noções de normal e patológico
estão ligadas respectivamente à regularidade e à excepcio-
nalidade no tempo e no espaço. Os fatos patológicos seriam
expressos por fenômenos desconexos de uma determinada
realidade social. Conforme explica Giddens (2001, p. 198),
Durkheim acreditava que o sociólogo poderia exercer um
papel tal qual o desempenhado por um clínico, ou seja, com
uma habilidade para diagnosticar e sugerir “remédios” para
os “males” de um organismo social. Essa atribuição seria
importante, sobretudo, em situações de transição ou de cri-
se social, em que novas instituições sociais surgem e outras
se tornam obsoletas, podendo ser descartadas por não com-
binarem com os novos fluxos de valores e padrões sociais.

A abordagem de Max Weber

A abordagem de Weber deve ser entendida em meio


a correntes de pensamento como o idealismo, o roman-
tismo alemão, o antirracionalismo e a hermenêutica. We-
93
ber sofreu decisiva influência intelectual de pensadores
como Kant, Herder, Dilthey, Nietzsche, Rickert, Tönnies
e Marx e manteve interlocução com muitos outros, des-
tacando-se Simmel e Sombart. Rejeitou o positivismo, o
funcionalismo e a busca de “Leis” na explicação dos fenô-
menos sociais. Daí resulta sua reação crítica ao “otimis-
mo” frente à “soberania” da razão, oriunda do Iluminismo.
Sua abordagem, então, adota uma postura neokantiana,
entendendo que qualquer construção mental que busca
explicar um fenômeno da realidade, consiste na seleção e
na “montagem” do material empírico, que obedece a estru-
turas subjetivas existentes na mente do cientista. Nessa
acepção, toda elaboração conceitual seleciona alguns as-
pectos da realidade infinita e exclui outros. Essa “seleção”
é orientada por meio de atribuição de valor pelo sujeito
que investiga. Diante disso, o objeto do conhecimento re-
flete o repertório de valores de uma época, da cultura e do
pesquisador. O conhecimento científico se torna possível
a partir do momento em que o investigador seleciona da
“realidade infinita” a parte finita que pode ser submetida
à compreensão. A relação com valores define o primeiro
momento do conhecimento científico. A validade dos co-
nhecimentos científicos produzidos é restrita a uma di-
mensão parcial da realidade. O conhecimento é, portanto,
94
sempre questionável e jamais expressa uma “Lei natural”,
uma verdade absoluta.
Em razão desse pressuposto, Weber estabelece uma
distinção entre juízos e ideias de valor. As ideias de va-
lor referem-se aos ideais e aos interesses de uma época,
são, portanto, sentidos analisáveis pelo observador. Os
juízos de valor são questões morais, que se não controla-
dos pelo pesquisador, desvirtuam o processo de pesquisa,
expressando mais o “dever ser” do que a explicação. Para
Weber a ciência pode produzir conhecimentos que permi-
tam tecnicamente “dominar os acasos da vida” por meio
de “previsões” e fornecer métodos de pensamento capa-
zes de explicar as consequências que as escolhas humanas
trazem. A ciência tem função de esclarecimento, mas não
é capaz de dizer “o que fazer” e nem “como viver”, mas
pode conduzir a uma maior clareza sobre os fenômenos
da realidade social.
Weber define a sociologia como “uma ciência que
pretende entender, interpretando a ação social para, dessa
maneira, explicá-la causalmente em seu desenvolvimen-
to e efeitos”. Na explicação dos fenômenos sociais, a so-
ciologia deve tomar como ponto de partida o indivíduo e
a sua conduta. Porém, em Weber, o indivíduo não é só a
pessoa, mas, também, organizações, coletividades e singu-
95
laridades históricas. Trata-se da análise de manifestações
sociais concretas, marcadas por um contexto histórico e
cultural singular. Os elementos básicos de análise da so-
ciologia são a ação social e a relação social, onde,

Por “ação” entende-se [...] um comportamento


humano [...] sempre que e na medida em que o
agente ou os agentes o relacionem com um senti-
do subjetivo. Ação “social”, por sua vez, significa
uma ação que, quanto a seu sentido visado pelo
agente ou os agentes, se refere ao comportamen-
to de outros, orientando-se por este em seu curso
(WEBER, 1999, p. 3).

Weber define a ação social como a unidade elementar


dos fenômenos sociais. Nessa definição está implicada a
concepção de interação entre os agentes sociais, ou seja,
os indivíduos agem com base na ação adequadamente in-
terpretada dos outros. Se cada ato fosse derivado de uma
interpretação errônea das expectativas sociais, não have-
ria padrões nos fenômenos sociais. A ação social deve ser
considerada como uma cadeia motivacional: não é nem um
ato isolado nem um ato espontâneo. Cada ato opera como
fundamento do ato seguinte. A conduta é dotada de signi-
ficado para quem a executa, e por essa razão é analisável.
A análise de uma ação social, então, busca compreender o
96
sentido subjetivo da ação, que requer identificar o objeti-
vo visado pelo agente, as motivações, os fundamentos da
ação, os meios mobilizados. Após reconstruir os motivos
da ação, é possível evidenciar as suas causas e identificar
seus efeitos.
Weber define quatro formas básicas de ação social.
Na ação racional referente a fins, o agente envolve no
curso de sua conduta o uso do cálculo para determinar
os meios mais eficientes para atingir propósitos, trata-
-se fundamentalmente, da racionalidade formal ou ins-
trumental. As características dessa forma de ação social
a tornam explicável e as consequências decorrentes são
essencialmente previsíveis. A ação racional referente a
valores é determinada em seu curso pela crença conscien-
te do agente em ideais e visões de mundo. Independente
das consequências, o agente orienta sua conduta com base
em ideias dominantes de dever, honra e dedicação a uma
causa. Trata-se fundamentalmente de uma racionalidade
substantiva ou da ética religiosa ou profissional. Por suas
características, essa forma de ação social só pode ser com-
preendida. A ação social afetiva é determinada em seu cur-
so por estados emocionais, crenças, fé, fundamentalmen-
te refletindo irracionalidades. Nessa forma de conduta o
significado da ação não se situa na instrumentalidade dos
97
meios para se alcançar determinados fins. A ação social
tradicional é determinada pelos costumes, pela força do
hábito, fundamentalmente trata-se de rotinas, quando o
agente não controla nem fins nem consequências.
Para Weber, todo evento social que se pretende ex-
plicar sociologicamente, deve ser considerado com base
na combinação dessas formas de ação – ou em outras, ob-
servando quais se evidenciam com maior e menor regu-
laridade, e,

Podem ser observadas, na ação social, regularida-


des de fato, isto é, o curso de uma ação repete-se
com o mesmo agente ou (às vezes simultanea-
mente) é comum entre muitos agentes, com sen-
tido tipicamente homogêneo. Com estes tipos de
cursos das ações ocupa-se a Sociologia, em opo-
sição à História [...] (WEBER, 1999, p. 17-18)

Já a relação social, refere-se a ações sociais plurais,


que expressam sentidos compartilhados e caracterizam-
-se por condutas efetivas, recorrentes e duradouras em
determinado espaço, como usos, moda e costumes. Tra-
ta-se de um sistema de orientação da ação, em que os
agentes estabelecem referências recíprocas de domina-
ção, autoridade, competição e/ou cooperação, onde,
98
Por “relação” social entendemos o comportamen-
to reciprocamente referido quanto a seu conteúdo
de sentido por uma pluralidade de agentes e que
se orienta por essa referência. A relação social
consiste, portanto, completa e exclusivamente na
probabilidade de que se aja socialmente numa for-
ma indicável (pelo sentido), não importando, por
enquanto, em que se baseia essa probabilidade
(WEBER, 1999, p. 16)

O termo relação social será usado para indicar o


comportamento de uma pluralidade de atores. Consiste na
existência de uma probabilidade de haver, em algum senti-
do compreensível, uma linha de ação social. A definição de
“sociedade” também aparece, convencionalmente, associa-
da à expressão rede de relações sociais, na qual se destaca
o processo de interação social. Weber trabalha com duas
formas básicas de relação social:

Uma relação social denomina-se “relação comu-


nitária” quando e na medida em que a atitude na
ação social [...] repousa no sentimento subjetivo
dos participantes de pertencer (afetiva ou tradicio-
nalmente) ao mesmo grupo. Uma relação social de-
nomina-se “relação associativa” quando e na me-
dida em que a atitude na ação social repousa num
ajuste ou numa união de interesses racionalmente
motivados (com referência a valores ou fins). A
99
relação associativa, como caso típico, pode re-
pousar especialmente (mas não unicamente) num
acordo racional, por declaração recíproca. Então,
a ação correspondente, quando é racional, está
orientada: a) de maneira racional referente a va-
lores, pela crença no compromisso próprio; b) de
maneira racional referente a fins pela expectativa
da lealdade da outra parte (WEBER, 1999, p. 25).

A abordagem de Weber considera que as esferas so-


ciais, as relações sociais, as organizações e as instituições,
podem ser decompostas e analisadas através das formas
regulares de ação e de relação social das quais são forma-
das. Não existem seitas sem seguidores, Igrejas sem fiéis,
partidos sem militantes. Para tanto, propõe a integração
de metodologias compreensivas e explicativas. O método
compreensivo significa o entendimento do sentido que
orienta a ação dos indivíduos. Trata sobre a dimensão
comunitária das sociedades, a dimensão do sentido das
coisas, das qualidades (justo-injusto, bem-mal, belo-feio).
Abrange a análise da ação e interação dos indivíduos (ní-
vel micro), como também da cultura e dos sistemas éticos,
como as religiões (nível macro). A compreensão da ação
social enseja a interpretação do sentido subjetivo da ação.
Esse é complementado pelo método explicativo, que
significa a busca de séries causais, que inclui o uso da es-
100
tatística, com o objetivo de controlar a subjetividade ine-
rente ao método compreensivo. Também seria o método
mais adequado ao estudo da dimensão societária das so-
ciedades.
Em termos de procedimentos metodológicos, a abor-
dagem de Weber sugere a elaboração do “tipo ideal”, que
significa o uso de conceitos abstratos “puros”, construídos
teoricamente para definir com clareza o que se estuda, por
exemplo, burocracia, ética calvinista, patrimonialismo,
dominação legítima. Os tipos ideais são instrumentos teó-
ricos, que consistem na articulação de inferências induti-
vas e dedutivas racionais, voltados para a compreensão da
ação e das relações reais,

No que se refere à investigação, o conceito do tipo


ideal propõe-se formar o juízo de atribuição. Não é
uma “hipótese”, mas pretende apontar o caminho
para a formação de hipóteses. Embora não consti-
tua uma exposição da realidade, pretende conferir
a ela meios expressivos unívocos. É, portanto, a
“ideia” da organização moderna e historicamente
dada da sociedade numa economia de mercado,
idéia essa que evolui de acordo com os mesmos
princípios lógicos que serviram, por exemplo,
para formar a da “economia urbana” da Idade Mé-
dia à maneira de um conceito “genético”. Não é
pelo estabelecimento de uma média dos princípios
101
econômicos que realmente existiram em todas as
cidades examinadas, mas antes, pela construção
de um tipo ideal, que neste último caso se forma
o conceito de “economia urbana” [...] Qual é, em
face disso, a significação desses conceitos de tipo
ideal para uma ciência empírica, tal como nós pre-
tendemos praticá-la? Queremos sublinhar desde
logo a necessidade de que os quadros de pensa-
mento que aqui tratamos, “ideais” em sentido pu-
ramente lógico, sejam rigorosamente separados
da noção do dever ser, do “exemplar”. Trata-se
da construção de relações que parecem suficien-
temente motivadas para a nossa imaginação e,
consequentemente, “objetivamente possíveis”,
[...]. [...] o tipo ideal é acima de tudo uma ten-
tativa para apreender os indivíduos históricos ou
os seus diversos elementos em conceitos genéticos.
(WEBER, 2004c, p. 106-109).

Para o autor, a construção de tipos ideias favorece


uma visão mais ampla da realidade social, pois impli-
ca proposições conceituais que expressam a singulari-
dade dos eventos sociais. O tipo ideal implica a escolha
de um problema, que o pesquisador julga relevante, e a
comprovação exaustiva do conceito a partir de evidências
empíricas. Negando a objetividade pura da ciência, We-
ber entende que os conceitos sociológicos são carregados
de subjetividade e, por isso, não derivam diretamente da
realidade, exigindo a pressuposição de valores. Os concei-
102
tos são construídos para ilustrar configurações históricas,
singularidades temporais e espaciais, e por isso não podem
refletir propriedades universalmente gerais da realidade.
O tipo ideal não deve ser confundido com a realidade. Ele
é uma síntese abstrata, uma interpretação, e não se presta
a fundar “Leis” gerais.

[...] resulta ser tanto mais natural e necessá-


rio repetir a tentativa de construir novos con-
ceitos de tipo ideal, com a finalidade de tomar
consciência de aspectos significativos sempre
novos das relações (WEBER, 2004c, p. 113).

Deve-se apreender, então, que a abordagem de Weber


parte do indivíduo e de sua ação e não de realidade objeti-
va, diferenciando-se, nesse ponto, fundamentalmente das
abordagens propostas por Marx e Durkheim.

A abordagem de Georg Simmel

A fim de evidenciar suas preocupações e de analisar


os fenômenos sociais que privilegiou, Simmel desenvolveu
uma abordagem sistemática para a análise e compreen-
são da realidade social, que expressa as suas inclinações
filosóficas, as influências e os debates intelectuais que tra-
103
vou. A abordagem de Simmel deve ser entendida em meio
a correntes de pensamento como o idealismo, o romantis-
mo alemão, o antirracionalismo e a hermenêutica. Sim-
mel sofreu decisiva influência intelectual de pensadores
como Kant, Herder, Dilthey, Nietzsche, Rickert, Tönnies
e Marx e manteve interlocução com muitos outros, des-
tacando-se Weber e Sombart. Rejeitou o positivismo, o
funcionalismo e a busca de “Leis” na explicação dos fenô-
menos sociais. Daí resulta sua reação crítica ao otimismo
frente a soberania da razão, oriunda do Iluminismo.
Sua abordagem, então, adota uma postura neokantia-
na, entendendo que qualquer construção mental que bus-
ca explicar um fenômeno da realidade, consiste na seleção
e na montagem do material empírico, que obedece às es-
truturas subjetivas existentes na mente do cientista. Nes-
sa acepção, toda elaboração conceitual seleciona alguns
aspectos da realidade infinita e exclui outros. O conheci-
mento é, portanto, sempre questionável e jamais expressa
uma “Lei natural”, uma verdade absoluta e objetiva.
Seu interesse analítico fundamental volta-se para as
interações sociais a partir do indivíduo, entendido como o
elemento derradeiro da análise social. Em sua interpretação,
os fenômenos sociais não se constituem como uma realidade
externa e objetiva a ser observada e apreendida pelo pesqui-
104
sador, mas perpassa sempre o sujeito, como lócus central, no
qual as diferentes esferas da realidade se interpenetram. A
sociedade, para Simmel, não constitui um sistema ou orga-
nismo autônomo, mas antes reflete um conjunto consolidado
– institucionalizado e cristalizado – de ações recíprocas que
condicionam o comportamento individual (RITZER, 2002).
Simmel dedicou-se a estudar aspectos sociológicos
fundamentais, refletindo sobre os determinantes quantita-
tivos da vida social, mas, sobretudo, dedicou-se ao estudo
qualitativo da relação entre a vida urbana e as individuali-
dades. Ele sempre buscou interpretar as ações e interações
individuais, consagrando-se pelas concepções de formas de
interação (por exemplo, conflito, cooperação, dominação) e
os tipos de interatores (por exemplo, o estrangeiro, o po-
bre, a prostituta, o miserável, o ganancioso, o estranho, as
sociedades secretas, os clubes sociais). Essas formas são ob-
jetivadas pelos próprios atores sociais, em alguns casos, em
processos de sociabilidade. Muitos críticos de sua contri-
buição à sociologia acusavam-no de falta de rigor metodo-
lógico. Em alguns pontos de seus textos, inclusive, Simmel
expressa “opiniões” suas a respeito do mundo, subsidiando
argumentos com base em relatos de experiências pessoais,
motivo pelo qual sua obra pode ser considerada, por alguns,
carente em fundamentação empírica.
105
No entanto, por mais que tenha demonstrado inte-
resse por múltiplos fenômenos e que tenha escrito sobre
diferentes assuntos, Simmel não foi tão assistemático
quanto parece, podendo ser identificadas as mesmas ideias
e critérios metodológicos em todos os seus livros (MO-
RAES FILHO, 1983, p. 19).
Uma das principais problemáticas que perpassa toda
sua obra é a resposta à pergunta: “Como é possível a socieda-
de?”. A sociedade é resultante das ações e reações dos in-
divíduos entre si, isto é, por suas interações. Moraes Filho
(1983, p. 21) demarca o campo da Sociologia simmeliana
afirmando que

Como ciência empírica, a sociologia deve ter por


campo ou objeto a multiplicidade de interações,
numa incessante vida de aproximação e de sepa-
ração, de consenso e de conflito, de permanente
vir-a-ser. A sociedade não é algo estático, acaba-
do; pelo contrário, é algo que acontece, que está
acontecendo. O objeto da sociologia são esses
processos sociais, num constante fazer, desfazer
e refazer, e assim, incessantemente. É através
das múltiplas interações uns-com-os-outros,
contra-os-outros e pelos-outros, que se constitui
a sociedade, como realidade inter-humana.

106
Esta ideia ainda pode ser complementada pela ob-
servação de Alcântara Jr. (2006a, p.184-5):

[...] viria o princípio kantiano atender ao esforço


explicativo acerca das formas e dos conteúdos das
forças de integração e desintegração nos conjun-
tos sociais. Na análise simmeliana, as formas de so-
ciação estarão prenhes de energias, entre as quais
aquelas consideradas “energias de repulsa”, que,
em contato com as “forças de cooperação, afeição,
ajuda mútua e convergência de interesses” produ-
ziriam formas e distinções grupais. Essas criam
estruturas proporcionadoras de delimitações so-
ciais, como, por exemplo, os confinamentos: espa-
ços sociais reservados às identidades sociais cons-
tituintes nas sociedades; indicam particularidades
dos indivíduos aglutinados em searas, constituí-
dos de estruturas conflituosas, consequentemente,
forjando a vida social sob essa condição.

O objeto sociológico é o conjunto das interações e


formas sociais, entendidas como uma realidade inter-
-humana, construída pelas múltiplas interações uns com
outros, contra os outros e pelos outros. Nas palavras de
Simmel (2006, p. 15), “o conceito de sociedade significa
a interação psíquica entre os indivíduos.” Nesse sentido,
pode ser avaliada a importante categoria de sociação na
sua obra. Nem socialização, nem associação, “o processo
107
básico de sociação é constituído pelos impulsos dos indi-
víduos, ou por interesses ou objetivos, e pelas formas que
essas motivações assumem” (MORAES FILHO, 1983,
p. 21). No entanto, não são esses impulsos e interesses a
finalidade da investigação sociológica, mas sim o seu re-
sultado social efetivo, ou seja, as formas que se originam
da interação conduzida pelas motivações humanas, as pró-
prias motivações cristalizadas em formas sociais das quais
elas derivam. As formas sociais, invariavelmente, repre-
sentam expressões e manifestações humanas, são sempre
microcosmos em constituição e movimento. Essas formas
é que dão sentido à definição de sociologia formal pro-
posta por Simmel, então seria propriamente o estudo de
tais formas a finalidade da sociologia. No artigo intitulado
Como as formas sociais se mantêm, publicado em 1898, na re-
vista científica L’Année Sociologique, dirigida por Émile
Durkheim, Simmel (1983a, p. 47) defendia:

Dizer a respeito dos fins econômicos, religiosos,


políticos, etc., pelos quais essas sociações come-
çam a existir, cabe a outras ciências. Então, de
vez que toda sociação humana ocorre visando tais
fins, de que modo conheceremos as formas e as
leis próprias da sociação? Reaproximando as so-
ciações destinadas às mais diferentes finalidades
e liberando aquilo que elas têm em comum. Des-
108
se modo, todas as diferenças apresentadas pelos
fins especiais em torno dos quais as sociedades
se constituem, se neutralizarão mutuamente, e a
forma social será a única a sobressair. [...] Quan-
do essas inúmeras formas de sociação humana
tiverem sido estabelecidas, indutivamente, e se
houver encontrado seu significado psicológico,
somente então se poderá pensar em resolver a
questão: que é uma sociedade.

Neste sentido, as condições espaciais da sociação


assumem caráter explicativo central na obra de Simmel.
A qualidade e o desenvolvimento da sociação passam pe-
los fatores espirituais que aproximam, unem, distanciam
ou separam as pessoas ou os grupos. São as condições
espaciais (naturais, demográficas, políticas, econômicas,
ideológicas, etc.) que mobilizam os impulsos de agrega-
ção. A abordagem proposta por Simmel (1983b, p. 59-60)
fundamenta-se na ideia de que as pessoas e os grupos en-
redam-se, atraem-se, repelem-se, manifestando-se e reco-
nhecendo nesses movimentos, em seu infinito conjunto,
conformando o meio social, pois

A sociedade existe onde quer que vários indiví-


duos entram em interação. Esta ação recíproca se
produz sempre por determinados instintos (Trie-
ben) ou para determinados fins. Instintos eróticos,
religiosos ou simplesmente sociais; fins de defesa
109
ou ataque, de jogo ou ganho, de ajuda ou instrução,
estes e infinitos outros fazem com que o homem se
encontre num estado de convivência com outros
homens, com ações a favor deles, em conjunto com
eles, contra eles, em correlação de circunstâncias
com eles. Numa palavra, que exerça influência so-
bre eles e por sua vez as receba deles. Essas inte-
rações significam que os indivíduos, nos quais se
encontram aqueles instintos e fins, foram por eles
levados a unir-se convertendo-se numa unidade,
numa “sociedade”. Pois unidade em sentido empí-
rico nada mais é do que interação de elementos.

A sociação é, portanto, constituída tanto por conteú-


dos (interesses, motivos, proposições, etc.) como é, ela pró-
pria, a forma que esse conteúdo assume. Deve-se ter em
vista que o que Simmel (1983b, p. 60) designa como maté-
ria ou conteúdo da sociação é “tudo quanto exista nos indi-
víduos [...] – como instinto, interesse, fim, inclinação, esta-
do ou movimento psíquico –, tudo enfim capaz de originar
a ação sobre outros ou a recepção de suas influências”.
Os indivíduos, portanto, estabelecem entre si rela-
ções sociais guiadas por um conjunto diverso de motiva-
ções (amor, impulso, interesses, fé, ideologia) que cons-
tituem o conteúdo das relações sociais. A partir dessas
motivações os indivíduos desenvolvem determinadas
formas de interação, que os auxiliam a conferir ordem e
110
sentido ao mundo, constituindo uma unidade – forma, ob-
jeto de estudo da sociologia. A sociedade existe a partir
de interações e da consciência dessa interação por parte
dos indivíduos. A personalidade do indivíduo encontra-se,
por sua vez, permeada por diversos círculos sociais, que
lhe condicionam a consciência na medida em que, como
escreve Simmel (1983c, p.165-6),

Em qualquer sociedade humana pode-se fazer


uma distinção entre seu conteúdo e sua forma.
[...] a própria sociedade em geral se refere à in-
teração entre indivíduos. Essa interação sempre
surge com base em certos impulsos ou em fun-
ção de certos propósitos. Os instintos eróticos,
os interesses objetivos, os impulsos religiosos e
propósitos de defesa ou ataque, de ganho ou jogo,
de auxílio ou instrução, e incontáveis outros, fa-
zem com que o homem viva com ouros homens,
aja por eles, com eles, contra eles, organizando
desse modo, reciprocamente, as suas condições
– em resumo, para influenciar os outros e para
ser influenciado por eles. A importância dessas
interações está no fato de obrigar os indivíduos
que possuem aqueles instintos, interesses, etc.,
a formarem uma unidade – precisamente, uma
“sociedade”. Tudo o que está presente nos indi-
víduos (que são os dados concretos e imediatos
de qualquer realidade histórica) sob a forma de
impulso, interesse, propósito, inclinação, estado
111
psíquico, movimento – tudo o que está presente
neles de maneira a mediar ou engendrar influen-
cias sobre outros, ou que receba tais influências,
designo como conteúdo, como matéria, por assim
dizer, da sociação. Em sim esmos, essas matérias
com as quais a vida é preenchida, as motivações
que a impulsionam, não são sociais. Estritamente
falando, nem fome, nem amor, nem trabalho, nem
religiosidade, nem tecnologia, nem as funções e
resultados da inteligência são sociais. São fatores
de sociação apenas quando transformam o mero
agregado de indivíduos isolados em formas espe-
cíficas de ser com e para um outro – formas que
estão agrupadas sob o conceito geral de intera-
ção. Desse modo, a sociação é a forma (realizada
de incontáveis maneiras diferentes) pela qual os
indivíduos se agrupam em unidades que satisfa-
zem seus interesses. Esses interesses, quer sejam
sensuais ou ideais, temporários ou duradouros,
conscientes ou inconscientes, causais ou teleoló-
gicos, formam a base das sociedades humanas.

Então, como vimos, quando Simmel fala em sociologia


formal, refere-se sempre a uma sociologia das formas so-
ciais; por sociologia pura entende a análise das formas cor-
riqueiras e cotidianas de sociação. A interpretação dessas
formas não deixa de se aproximar dos tipos ideais desen-
volvidos na metodologia de Max Weber, embora com uma
sutileza mais direcionada às emoções individuais.
112
Conforme explica Moraes Filho (1983, 21-2),

No processo de sociação, há que distinguir entre


forma e conteúdo. [...] e só ela deve ser o pró-
prio e particular objeto da sociologia, deixando
os múltiplos conteúdos concretos para as outras
ciências sociais – o direito, a economia, a moral, a
história, etc. A isso chamou Simmel de sociologia
formal, [...] A sociologia, para Simmel, seria como
a geometria, que somente ela “determina o que é
realmente espacialidade nas coisas espaciais”. [...]
Simmel frisa, no entanto – [...] – que ao chamar
a sociologia de “geometria espacial”, apresenta so-
mente uma metáfora. A forma e o conteúdo são,
de certo modo, inextricáveis, inseparáveis, poden-
do a primeira ser construído apenas por abstração,
como acontece no trabalho de qualquer ciência.
Não há formas vazias, como não há conteúdos sem
forma. As formas puras podem nunca ser encon-
tradas na história; são obtidas pela exageração de
certas características dos dados reais, até o pon-
to em que se tornem “linhas e figuras absolutas”.
Funcionam como “tipos-ideais”.

Ao desenvolver estudos em âmbito microssociológi-


co, Simmel rompe com a pretensão sociológica de apreen-
der, de modo causal, leis relativamente estáveis para a
explicação das relações sociais. De forma distinta, busca
aquilo que não parece utilitário, as pequenas sutilezas da
113
ação que fazem o ser humano ter a satisfação e o desejo de
manter-se vivendo em interação com outros. Tal concep-
ção microssociológica fica evidente na seguinte passagem
de sua obra quando escreve: “Vejo uma sociedade em toda
parte onde os homens se encontram em reciprocidade de
ação e constituem uma unidade permanente ou passagei-
ra” (SIMMEL, 1983c, p. 48).
Assim, o autor aproxima-se de outros campos do sa-
ber, como a psicologia e a antropologia, reconhecendo que
a “sociologia geral”, por si só, não é suficiente para a expli-
cação dos fenômenos sociais. Pode-se dizer, nesse sentido,
que ele produz um rompimento com o ideal positivista de
uma sociologia que pretende oferecer explicações amplas,
universais e totalizantes aos fenômenos sociais, natural-
mente sem desprezar esse tipo de “sociologia política”. A
sociologia proposta por Simmel (1983b, p. 71-2) se debru-
ça sobre as reações humanas mais espontâneas derivadas da
exposição das personalidades ao meio circundante, mani-
festações existenciais quase instintivas, formas de sociabi-
lidade permanentemente inventadas pelos homens a par-
tir de suas experiências sociais, pois

Em geral, a Sociologia se tem limitado a estudar


aqueles fenômenos sociais nos quais as forças re-
cíprocas dos seus portadores imediatos já se cris-
114
talizaram em unidades, ideais pelo menos. Esta-
dos e associações sindicais, sacerdócios e formas
de família, constituições econômicas e organiza-
ções militares, grêmios e municípios, formação de
classes e divisão industrial do trabalho – estes e
outros grandes órgãos e sistemas pareciam cons-
tituir a sociedade, preenchendo o círculo de sua
ciência. [...] em organizações objetivas, surgindo
assim uma existência abstrata, situada mais além
dos processos individuais primários. [...] [mas]
Ao lado dos fenômenos visíveis que se impõem
por sua extensão e por sua importância externa,
existe um número imenso de formas de relação
e de interação entre os homens, que, nesses ca-
sos particulares, parecem de mínima monta, mas
que se oferecem em quantidade incalculável e são
as que produzem a sociedade, tal como a conhe-
cemos, intercalando-se entre as formações mais
amplas, oficiais, por assim dizê-lo. [...] O que di-
ficulta a fixação científica dessas formas sociais,
pouco visíveis, é ao mesmo tempo o que as faz
infinitamente importantes para a compreensão
mais profunda da sociedade: é o fato de que, em
geral, não estão assentadas ainda em organiza-
ções fortes, supraindividuais, e sim que nelas a
sociedade se manifeste, por assim dizer, em status
nascens, naturalmente não em sua origem primei-
ra, historicamente inexeqüível, mas no que traz
consigo cada dia e cada hora. Constantemente se
ata, se desata e se ata de novo a sociação entre os
homens, num constante fluir e pulsar, que enca-
deia os indivíduos, ainda que não chegue a formar
115
organizações propriamente ditas. Trata-se aqui
dos processos microscópico-moleculares, por as-
sim dizer, que se oferecem no material humano,
mas que constituem o verdadeiro acontecer, mas
que mais tarde se organiza ou hipostasia naquelas
unidades e sistemas fortes, macroscópicos.

Temos, então, os fundamentos de uma microssocio-


logia, que busca interpretar as formas de sociabilidades
cotidianas – sociação, que na perspectiva de Simmel efer-
vescem nas grandes metrópoles modernas de maneira
jamais registrada na história da civilização. O acelerado
processo de urbanização, a crescente intensidade de con-
tatos humanos e a ebulição permanente de experiências
agitam o meio social, desencadeando e estimulando, veloz
e consequentemente, a potencialidade da interação e da
agregação. A sociabilidade é esse jogo de interações espi-
rituais entre os indivíduos para a produção de “unidades”,
formas sociais, coligações para enfrentar a desafiante in-
tensidade da ordem social.
Mais uma vez, destaca-se a proposta simmeliana da
interpretação microssociológica da vida social. A ampla
dimensionalidade da vida humana moderna estabelece in-
terações sociais incalculáveis, que evidentemente podem
prefigurar relações conflitivas, relações de interesse mú-
tuo, relações de subordinação ou dominação. Cabe desta-
116
car que para Simmel, o conflito também é concebido como
algo benéfico à constituição social, porque é um momento
que sinaliza o desenvolvimento da tomada de consciência
individual, que teria uma função positiva para sociedade
como um todo, principalmente à medida que o conflito
fosse superado, mediante acordos. Da mesma forma, a
competição é um espaço de aprendizado social.
Neste sentido, no interior da abordagem simmeliana,
a moda constitui-se numa ilustração típica do fenômeno
da sociação ou ação recíproca. Na interpretação de Sim-
mel, a moda configura-se num elemento dual e contradi-
tório que permite a expressão do individualismo moderno
dando liberdade ao sujeito para manifestar sua singula-
ridade. Ao mesmo tempo a moda, entendida como ação
social recíproca entre indivíduos, configura uma relação
social que permite estabelecer fronteiras e pontes entre
distintos grupos sociais. Ao interpretar o fenômeno da
moda, Simmel (1998b, p. 164-5) evita utilizar-se do com-
ponente de hierarquização, evita uma visão reducionista
da moda como conflito de classes:

A essência da moda reside no fato de que sempre


apenas uma parte do grupo a pratica; a totalidade,
no entanto, fica a meio caminho dela. Ela nunca
é, mas é sempre um vir a ser. Tão logo ela seja
117
dominante, ou seja, tão logo aquilo que apenas al-
guns poucos praticavam passe a ser praticado por
todos sem exceção, como elementos do vestuário
ou das formas de contato social, não se pode mais
falar em moda. Desse fato - de que a moda como
tal não pode ter alcance geral - é que surge no
indivíduo a satisfação que a moda representa, na
medida em que o particulariza como algo espe-
cial, enquanto, ao mesmo tempo, ele é carregado
pela multidão que anseia o mesmo - e não como
em outras formas de satisfação social da totalida-
de de efetivos fazedores do mesmo. Por conta dis-
so, é que a mentalidade que permeia o modismo
exprime uma mistura bem temperada entre apro-
vação e inveja. A moda toma-se, dessa forma, a
arena por excelência dos indivíduos, os quais não
são autônomos no seu íntimo e no seu conteúdo
pessoal, que necessitam da aprovação social, ao
mesmo tempo que sua autoestima exige distin-
ção, atenção e o sentimento de ser algo especial.
Ela eleva de certo modo também o insignificante,
na medida em que o faz representante de um co-
letivo, sentindo-se portador de um espírito geral.

A abordagem de Simmel sobre a moda dá-se em ter-


mos de diferenciação e imitação, traçando uma associação
mais vinculada aos impulsos e desejos dos grupos, do que
uma associação entre consumo, ostentação de bens e afir-
mação de status social. Sem desconsiderar essa dimensão
real, o autor enfatiza a existência de tensões na difusão da
118
moda, na medida em que, por meio desta, combinam-se
desejos de conformidade, individualismo, igualdade social
e diferenciação individual. E, neste sentido, para Simmel
(1998b, p. 166-7),

O significado sociológico do modo de expressar,


simultaneamente, tanto o impulso para a igualda-
de quanto para a individualidade, tanto o estímu-
lo para a imitação quanto para a distinção. [...]
Principalmente as pessoas jovens demonstram
uma extravagância surpreendente na sua manei-
ra de apresentar-se, um interesse sem fundamen-
to real de produzir-se que domina todo seu círcu-
lo de consciência e desaparece da mesma forma
irracional como apareceu. Isso pode ser chamado
de moda pessoal, que constitui um caso-limite
da moda social. [...] As classes e os indivíduos
mais nervosos que pressionam por mudanças
reencontram na moda o ritmo dos seus próprios
movimentos psicológicos: ela possui uma curva
de consciência muito aguda, precisamente por
chamar para si, de forma muito forte, a atenção,
por significar uma radicalização momentânea de
consciência social para um certo ponto.

Disto decorre que, na busca por diferenciação, os in-


divíduos acabam por aproximar-se de alguns a quem se
igualam por seus gostos e afastar-se de outros, gerando
119
um ciclo permanente de coesão e dispersão que confere
lógica e sentido à vida individual no ambiente social na
medida em que, como escreve Simmel (1998b, 169-70),

Toda moda singular aparece como se quisesse vi-


ver para sempre. Quem compra hoje um mobiliário,
que deve durar um quarto de século, compra-o de
acordo com a última moda sem sequer considerar
aquela que vingava dois anos antes. No entanto,
depois de alguns anos, o estímulo dessa moda já
teria passado, ficando para ambas outros critérios
de avaliação. Parece realizar-se aqui um processo
dialético-psicológico: sempre existe uma moda, ou
seja, a moda como um conceito geral é imortal e
está refletida em todas as suas conformações par-
ticulares, apesar de a essência dessas manifestações
particulares residir precisamente no fato de elas
não serem passageiras; [...]. O que existe de pican-
te na atração estimulante da moda é o contraste en-
tre sua ampla proliferação, que a tudo abarca, e seu
caráter de rápida e fundamental transitoriedade.

No ensaio sobre a Sociologia do segredo e das socie-


dades secretas, escrito em 1905, Simmel (2009a, p. 219)
exemplifica outras formas puras de sociação, destacando
como exemplo a necessidade que os indivíduos possuem
de conhecer os outros e suas expectativas para que se
desencadeie a interação recíproca quando coloca que
120
Todas as relações das pessoas repousam sobre
a precondição de que elas saibam alguma coisa
urna sobre a outra. O comerciante sabe que o seu
concorrente quer comprar ao preço mais baixo e
vender a um preço mais alto. O professor sabe que
pode transmitir ao seu aluno uma certa qualidade
e uma certa quantidade de informação. Dentro de
cada estrato social, o indivíduo sabe aproximada-
mente que medida de cultura esperar do outro
indivíduo. Em todas as relações de tipo diferen-
ciado, desenvolvem-se, o que chamamos com re-
servas óbvias, intensidade e clareza ou sombrea-
mento, a depender do grau em que cada parte se
revela a outra através de palavras e de atos.

Ainda nessa direção, é interessante observar o ar-


gumento de Simmel (2009a, p. 223) sobre a importância
de elementos como a empatia e a confiança, os quais con-
sidera como importantes e fundamentais para a forma-
ção de grupos sociais quando escreve que

Num grau maior do que estamos acostumados,


a vida civilizada moderna desde o sistema eco-
nômico que se toma cada vez mais uma econo-
mia de credito até a procura da ciência em que
a maior parte dos pesquisadores termina usando
inúmeros resultados obtidos por outros e não di-
retamente sujeitos à verificação - depende da fé
na honra dos outros. Baseamos as nossas decisões
121
mais serias num sistema complicado de concep-
ções, cuja maioria pressupõe a confiança de não
estarmos sendo enganados. Assim, a prevaricação
nas circunstancias modernas se toma muito mais
devastadora e ameaça muito mais os fundamen-
tos da vida, do que no caso anterior. Se a mentira
fosse para nós tão permissível quanto o foi entre
as divindades gregas, os patriarcas hebreus ou os
ilhéus dos Mares do Sul, se a extrema severidade
da lei moral não o impedisse, a construção pro-
gressiva da vida moderna seria simplesmente im-
possível, pois a vida moderna é, num sentido mais
do que econômico, urna “economia de crédito”.

No entanto, o autor chama a atenção também para a


ideia do segredo como elemento constitutivo da vida so-
cial. Ou seja, entende que o conhecimento recíproco não é
a única condição das relações sociais, a ocultação recíproca
também funda as interações, uma vez que

A evolução histórica da sociedade se manifesta em


muitas partes, pelo fato de muitas coisas que antes
eram públicas, entrarem na esfera protetora do
segredo; e inversamente, muitas coisas que antes
eram secretas, chegarem a prescindir desta prote-
ção, tornando-se manifestas. É uma evolução do
espírito que se assemelha a outra em virtude da
qual, atos que antes se realizam conscientemente,
descem depois ao nível inconsciente e mecânico,
enquanto ao contrário, o que antes era inconscien-
122
te e instintivo, ascende à consciência e à visibilida-
de. [...] O sentido negativo que se atribui moral-
mente ao segredo não nos deve induzir ao erro.
O segredo e uma forma sociológica geral que se
mantém neutra e acima do valor dos seus conteú-
dos. Por um lado assume o valor mais alto, o pudor
delicado da alma refinada que oculta o melhor de
si para não receber louvores nem recompensas,
que se por um lado outorga o prêmio justo, por
outro sombreia aquele valor. Mas por outra parte,
se o que é secreto não está ligado ao mal, o mal se
associa ao que e secreto. Por razões fáceis de al-
cançar, o imoral se esconde, mesmo quando não há
punição social a temer. (SIMMEL, 2009a, p. 236)

O segredo é a ocultação consciente e voluntária so-


bre coisas, informações que podem ser restritas a grupos,
e muitas vezes o fundamento de sua coesão. No entanto, o
que é ou não é oculto varia entre os grupos, podendo ou não
ser modificado com o tempo, tanto no que é interno ao gru-
po quanto no que é externalizado pelo grupo. O segredo
pode ser, portanto, o elo fundamental e a garantia do forta-
lecimento identitário do grupo e dos indivíduos nos grupos
na medida em que, como escreve Simmel (2009a, 237-8),

O segredo outorga uma posição excepcional à per-


sonalidade; exerce uma ação social determinada,
em princípio independente do seu conteúdo, ainda
que, como é natural, cresça segundo a importância
123
e a dimensão do que é secreto. [...] Toda persona-
lidade e obra eminentes, têm para o comum dos
homens um caráter misterioso. [...] Do mistério
e do segredo que rodeiam tudo o que é profundo
e importante, surge a falácia de que tudo o que e
secreto deva ser também profundo e importante.
[...] Com esses atrativos do segredo, se combinam
de modo singular os do seu oposto lógico, a trai-
ção, que tem, evidentemente, não menos que os
outros, um caráter sociológico. O segredo contém
uma tensão que se dissolve no momento da revela-
ção. [...] O segredo também se faz acompanhar do
sentimento de que não o podemos atraiçoar, o que
nos põe nas mãos o poder de produzir mudança e
surpresas, de causar alegrias e promover destrui-
ções, ainda que seja a nossa própria ruína. Por isso
o segredo ocorre envolto na possibilidade e na ten-
tação da revelação; e com o risco externo de que
seja descoberto, se combina este intento de des-
velá-lo [...] O segredo levanta uma barreira entre
os homens; mas, ao mesmo tempo, a tentação de
romper essa barreira, por indiscrição ou por con-
fissão, acompanha a vida psíquica do que é secreto
[...] Por isso, a significação sociológica do segre-
do encontra seu modo de realização, sua medida
prática, na capacidade ou na inclinação do sujeito
para guardá-lo ou, se se quer, na sua resistência ou
fraqueza diante da tentação de atraiçoa-lo.

É fundamental perceber a aproximação de Simmel


aos fenômenos mais corriqueiros, mas ao mesmo tempo es-
124
sencialmente constitutivos da sociedade e da vida coletiva.
Em um ensaio sobre A refeição, o autor afirma que de tudo o
que os seres humanos têm em comum, o mais comum é que
precisam comer e beber. Este seria o elemento mais egoísta
e também o mais imprescindível ao indivíduo. Por ser algo
humano absolutamente universal, esse elemento fisiológi-
co torna-se necessariamente conteúdo manifesto de ações
sociais compartilhadas, permitindo o surgimento da refei-
ção como ente sociológico. Segundo o olhar simmeliano,
entendida como forma social, a refeição alia a frequência de
estar junto e o costume de estar em companhia ao egoísmo
do ato de comer; um evento marcado pelo primitivismo fi-
siológico e pela inevitável universalidade própria da esfe-
ra das ações sociais recíprocas. Assim, a refeição conjunta
toma um sentido suprapessoal e adquire um enorme valor
social que foi histórica e espacialmente se transformando
de modo que, com isso

[...] surge o nexo que permite que a simples


exterioridade física da alimentação se apoie,
não obstante, no princípio de uma ordem infini-
tamente maior: na medida em que a refeição se
torna um assunto sociológico, ela assume formas
mais estilizadas, mais estéticas e mais reguladas
supraindividualmente. Formam-se então todas
as prescrições sobre comer e beber, e isto não
125
em uma perspectiva secundária sobre a comida
como matéria, mas com respeito à forma de sua
consumação. Entra em cena, em primeiro lugar,
a regularidade das refeições. [...] Com tudo isso,
uma regra formal é imposta acima das carências
variáveis do indivíduo: a socialização da refeição
a eleva ao grau de uma estilização estética, que
atua de volta sobre este. Pois onde se exige uma
satisfação estética, além da necessidade de saciar-
-se, é necessário que ocorra um investimento, que
a comunidade de muitos pode realizar não apenas
antes do indivíduo isolado, como também inte-
riormente, antes de fazer dele o portador regular
daquela satisfação (SIMMEL, 2004, p. 160-1).

Deve-se perceber que na abordagem simmeliana a


relação entre atos estritamente fisiológicos, pessoais, indi-
viduais e sociais está colocada como um jogo dialético pe-
rene. É da natureza humana a necessidade de comer, como
é da natureza humana ser sociável, portanto, a refeição é
uma forma social eminente, uma vez que

Ter que comer é uma trivialidade muito primitiva


e baixa, própria do desenvolvimento dos nossos va-
lores vitais, indubitavelmente comum a cada indiví-
duo. E isto justamente que possibilita a reunião dos
indivíduos para compartilhar uma refeição e, nessa
oportunidade, desenvolver um tipo de socialização
que permite a superação do simples naturalismo do
ato de comer. Se esse ato não fosse em si tão baixo,
126
também não teria sido buscada essa ponte, através
da qual se alçou até a significância da refeição sacri-
ficial, até a estilização e a estetização de suas formas
mais elaboradas (SIMMEL, 2004, p. 165).

Em outro ensaio, Simmel (2009b, p. 243) estuda


entidades sociológicas muito tênues que entende como
opostas e vinculadas, como o indivíduo “mão-aberta” e o
“miserento”, dando especial ênfase às figuras do avarento
e do esbanjador quando coloca que

O avarento é aquele que encontra satisfação na


posse mais intensa do dinheiro, sem proceder à
aquisição ou ao desfrute de objetos específicos. O
seu senso de poder e assim mais profundo, mais
perigoso e mais precioso para ele do que o domí-
nio sobre objetos específicos pudesse jamais ser.
[...] Os prazeres do avarento são quase que esté-
ticos. [...] Conheci certa vez um homem que não
sendo mais muito jovem e vindo de uma família
abastada, passava o tempo todo aprendendo o que
pudesse – línguas as quais nunca falou, danças
soberbas que nunca praticou; realizações de todo
tipo de que nunca fez uso nem nunca quis usar.
Essa é precisamente a característica do avaro: a
satisfação com a posse completa de uma potencia-
lidade sem jamais pensar na sua realização.

No ensaio em destaque, deve-se observar que, em sua


abordagem, primeiro define o avarento e depois o esbanja-
127
dor, para depois aproximar suas formas, sem desconectá-
-los do meio circundante em que ambos estão constituídos
de modo que, como escreve Simmel (2009b, p. 245-6),

O esbanjador se parece muito mais ao avarento


do que a sua aparente polarização poderia indicar.
[...] O perdulário na economia monetária (que
só é significativo para uma filosofia do dinheiro)
não é alguém que sai distribuindo seu dinheiro
tolamente, mas o usa para compras desnecessá-
rias, não apropriadas às suas circunstancias. O
prazer do gasto deve ser diferenciado do prazer
no usufruto passageiro dos objetos, da ostentação
e da ansiedade na alteração da compra e do con-
sumo. O prazer do gasto depende simplesmente
do instante da troca de dinheiro por quaisquer
coisas. Para o perdulário, a fascinação do instante
obscurece a avaliação racional do dinheiro ou de
mercadorias. A esta altura, a posição do gasta-
dor no nexo instrumental fica clara. O objetivo
de gozar da posse de um objeto é precedido por
dois momentos – primeiro a posse do dinheiro e
segundo a troca desse dinheiro pelo objeto dese-
jado. Para o avarento, o primeiro pode até ser um
fim prazeroso em si; para o perdulário, o segundo.
O dinheiro é quase tão importante para o perdu-
lário como para o avarento estando a diferença na
atitude da posse, mais do que no seu gasto. A sua
apreciação do seu valor se revela no instante em
que o dinheiro se transforma em outros valores;
128
a intensidade desse sentimento e tão grande que
compra o usufruto desse momento em detrimen-
to de todos os valores mais concretos.

É interessante perceber o modo como Simmel tra-


balha estas formas sociais, estabelecendo as diferenças
ente elas, mas ao mesmo tempo mostrando as pontes que
às interconectam em um mesmo meio social. O mesmo é
evidente na análise do estrangeiro:

O estrangeiro é visto e sentido, então, de um lado,


como alguém absolutamente móvel. Como um su-
jeito que surge de vez em quando através de cada
contato específico e, entretanto, singularmente,
não se encontra vinculado organicamente a nada e
a ninguém, nomeadamente, em relação aos estabe-
lecidos parentais, locais e profissionais. De outro
lado, a expressão para esta constelação de signifi-
cados encontra-se na objetividade do estrangeiro.
Porque este não é determinado a partir de uma
origem específica para os componentes singulares
de um social, ou para as tendências unilaterais de
um grupo. Vai além, faz frente a estes com uma
atitude particular “objetiva”, que significa não
uma simples distância e indiferença, mas um fato
especial da distância e da proximidade. Fato espe-
cial dado pela relação ambígua entre insensibili-
dade e envolvimento (SIMMEL, 2005a, p. 267).

129
O autor transpõe conceitos metafísicos em ele-
mentos estruturais de observação. Exemplo disso são
as noções de porta e de ponte, as quais metaforicamente
revelam limites, fragmentos, liberdade, separação e pos-
sibilidade de aproximação e associação.

Na relação com um “estrangeiro” ou “estranho”,


em um sentido positivo, porém, o que existe é um
não-relacionamento. Nos contatos possíveis ele, o
estranho, é sempre considerado como alguém de
fora, como um não membro do grupo, portanto, as
relações se dão a partir de um certo parâmetro de
distanciamento objetivo, mas partindo das caracte-
rísticas essenciais de que também ele é um mem-
bro de um outro determinado grupo. Como tal, os
contatos com ele são, ao mesmo tempo, estreitos
e remotos, na fragmentação das relações por onde
uma abstrata igualdade humana em geral se encon-
tra. Entre estes dois elementos em contato cria-se,
no entanto, a consciência de haver conjuntamen-
te uma tensão específica, ou geral e difusa, e mais
precisamente, da existência de algo não comum,
embora afável a um determinado acento específico,
e possível de promover as relações desejadas. Este
é, contudo, o caso de um país, de uma cidade, de
etnias estranhas, ou outros tipos vários e, de forma
alguma, se refere a questões individuais, porém, a
uma estranha, difusa e abstrata origem, que seria
comum a muitos estrangeiros ou, talvez, que po-
deria ser. Nestes termos, os estranhos não são to-
130
mados como indivíduos, mas como estrangeiros de
um certo tipo socialmente definido. A distância em
relação a ele não é mais abstrata e geral, se baseia
agora em elementos socialmente objetivados em
relação aos quais se dão às possibilidades de proxi-
midade. (SIMMEL, 2005a, p. 270).

Esse modelo de interpretação será frequentemente


utilizado pelo autor, para a análise das mais diversas for-
mas sociais. Ele quer deixar sempre evidente que embora
as formas sociais sejam e se constituam essencialmente
distintas, todas são individualidades que se desenvolvem
em relação com outras como respostas ao meio ou espaço
em que estão colocadas (SIMMEL, 2013).
A originalidade da sociologia de Simmel reside na
sua insistência em demonstrar que as pessoas vivem pro-
movendo um universo de formas, e não apenas sob o do-
mínio de crenças, de ideologias e da razão; vivem, sobretu-
do, na multiplicidade da própria vida cotidiana. O foco do
autor não é na dimensão histórica da modernidade, mas
nas formas, nos modos, nas percepções e nas experiências
da própria realidade social, no fluxo contínuo de momen-
tos e de circunstâncias. Segundo Waizbort (2007, p. 16),

Simmel aparece como um sociólogo importante


ou muito importante, ao lado de outros, no pro-
cesso de definição, circunscrição, constituição e
131
legitimação da sociologia como ciência e/ou cam-
po autônomo de problematização e investigação.
Simmel é reconhecido como um dos patriarcas
da disciplina, que precisa, portanto, ser de algum
modo minimamente conhecido por todos.

Sua sociologia envolve importantes dimensões da


análise sociológica. A proposição inicial da sociologia for-
mal refere-se à interpretação e análise das formas socio-
lógicas. A referência a essas formas indica também uma
sociologia dos indivíduos nos grupos sociais, que por
sua vez aponta para uma sociologia estética, preocupada
com as expressões e as configurações do comportamento
humano nos espaços (SIMMEL, 2013). Pode-se ir ainda
mais longe, e constatar uma sociologia dos jogos, que con-
templa tanto a análise da interação e da ação recíproca
como dos propósitos e das intenções. Considerando, ain-
da, que Simmel reporta à natureza das formas sociais fins
que produzam alguma satisfação ao participante da inte-
ração, temos representada também a eminência de uma
sociologia das emoções. Esses são os pontos centrais que
fundamentam a sistematização de sua abordagem e que
embasam a elaboração de sua narrativa.

132
Capítulo 3
Narrativa: concepção teórica e conceitual
sobre a vida social

A narrativa de Karl Marx

Para Marx, todo fenômeno econômico é simultanea-


mente um fenômeno social e a existência de determinado
tipo de economia pressupõe, necessariamente, a existência
de uma ordem social específica (GIDDENS, 2005, p. 38).
A narrativa proposta por Marx funda-se na ideia de que
as condições de produção, características do capitalismo,
são generalizáveis a todas as formas de economia. O autor
tinha convicção de que todas as sociedades rumavam para
o capitalismo, uma vez que esse era o primeiro sistema so-
cial e econômico de difusão mundial. A constituição dessa
economia de produção e de trocas de larga escala e global
foi, na visão de Marx, consequência de um longo processo
histórico, baseado no “trabalho livre” e na sua venda, o
qual culminou no capitalismo. Contudo, entendia-o como
um sistema de produção histórico específico, caracterís-
tico de uma época, como outros sistemas históricos que
o antecederam na história. Diante desse postulado, Marx
133
entendia que o capitalismo não podia ser considerado
como uma formação social definitiva e, tal como os siste-
mas que o precederam, tinha um caráter transitório.
Conforme explica Giddens (2005, p. 51-52), Marx
entendia que Feuerbach propusera uma ideia de impor-
tância decisiva, quando demonstrou que a filosofia idealis-
ta de Hegel não passava de uma religião, que deveria ser
condenada como qualquer outra forma de alienação hu-
mana. Marx embasa sua perspectiva sobre uma dialética
entre o homem em sociedade (sujeito) e o mundo material
(objeto), através da qual os homens iriam subordinando
progressivamente o mundo material aos seus propósitos,
transformando esses propósitos e gerando novas neces-
sidades.
Para encadear sua narrativa, Marx parte do pressu-
posto filosófico de que a consciência humana é condicio-
nada pela relação dialética entre sujeito e objeto, na qual o
homem forma o mundo em que vive, sendo por outro lado,
por ele formado também. Marx define a história como um
processo de criação, satisfação e recriação contínua das ne-
cessidades humanas. O trabalho é o intercâmbio criador entre
os homens e o seu ambiente, mas a relação entre os indivíduos e
o seu ambiente material é mediada pelo tipo de sociedade em que
esses homens vivem (GIDDENS, 2005, p. 52).
134
Marx considerava que a característica fundamental
para a compreensão da sociedade, seria a forma pela qual
os homens reproduzem suas condições de existência. A
narrativa de Marx assenta-se sobre uma proposição te-
leológica da realidade social, o que significa que o desen-
volvimento da sociedade aponta para um destino. Nesse
sentido, entende que a história posterior é finalidade da
história anterior, que já traz em seu seio as lutas que a
conduzirão a um novo estágio, uma vez que,

A história não é outra coisa senão a sucessão das


diferentes gerações, em que cada uma delas explo-
ra os materiais, os capitais e as forças de produção a
ela transmitidas pelas gerações que a antecederam;
assim, por um lado, prossegue em condições com-
pletamente distintas a atividade anterior, enquan-
to, por outro, transforma as circunstâncias ante-
riores por meio de uma atividade completamente
diferente (...) (MARX & ENGELS, 2004a, p. 77).

Essa narrativa define que a história direciona-se, eta-


pa após etapa, em direção ao comunismo, utopia social
pouco definida pelo autor, mas que marcaria o fim da pré-
-história humana, quando as atividades sociais ainda são
externamente definidas, impostas e contraditórias com as
expectativas humanas (MARX & ENGELS, 2004a, p. 57-
135
58). Segundo Marx, dissidências dessa natureza aparecem
como estímulos ou resistências da marcha das sociedades
para o comunismo. Essas circunstâncias são mais eviden-
tes nas sociedades economicamente mais desenvolvidas,
pois estariam mais próximas de uma revolução inédita,
uma vez que, na Inglaterra, é palpável o processo revolucioná-
rio (MARX, 2004d, p. 17).
O materialismo histórico encerra uma abordagem so-
bre a dinâmica das transformações sociais. Esse historicismo
dialético sugere uma autoprodução permanente da socieda-
de, guiada pela ação conflituosa de classes sociais antagôni-
cas. Todavia, essa ação não é autoevidente para os “atores
individuais”, uma vez que ela se expressa em razão das con-
dições existenciais que grupos humanos oprimidos compar-
tilham. Ao compartilhar uma forma de existência sob a qual
um grupo de homens está sujeito, esses grupos adquirem
uma consciência comum que os conduz a lutar contra a
opressão que sofrem e pela transformação de suas condições
existenciais, onde, os homens fazem sua própria história, mas
não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua
escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, lega-
das e transmitidas pelo passado (MARX, 2007, p. 19).
A crise de um modo de produção, e sua consequen-
te substituição por um novo modo de produção, requer
136
condições objetivas e políticas. A história é definida como
um movimento contínuo, marcado pelo desenvolvimen-
to histórico de associação coletiva, mas que não depende
das vontades individuais. Nesse sentido, Marx dedica-se
à análise da “totalidade” social, onde apenas a conjugação
de grupos na forma de classes sociais, podem impulsionar
os processos mais gerais de transformação social. Aqui as
pessoas só interessam na medida em que representam categorias
econômicas, em que simbolizam relações de classe e interesses de
classe (MARX, 2004b, p. 18).
A dinâmica interna da sociedade se explica pelo mo-
vimento que a conduz a um estágio mais avançado. Tal
movimento é um embate contínuo entre novas e velhas
gerações, entre o passado e o futuro, entre a tradição e a
inovação. A luta entre as classes sociais conformam o “mo-
tor da história”, ou seja, o princípio gerador das mudanças
ocorridas ao longo do desenvolvimento da humanidade.
Na visão de Marx, o mesmo ocorreu nas passagens do co-
munismo primitivo para o feudalismo, do feudalismo para
o mercantilismo, do mercantilismo para o capitalismo, e
do capitalismo para o comunismo social. O trecho abaixo
expressa, nas próprias palavras de Marx, o encadeamento
que dá a sua narrativa:

137
O resultado geral a que cheguei e que, uma vez ob-
tido, serviu-me de fio condutor aos meus estudos,
pode ser formulado em poucas palavras: na pro-
dução social da própria vida, os homens contraem
relações determinadas, necessárias e independen-
tes de sua vontade, relações de produção estas
que correspondem a uma etapa determinada de
desenvolvimento das suas forças produtivas ma-
teriais. A totalidade dessas relações de produção
forma a estrutura econômica da sociedade, a base
real sobre a qual se levanta uma superestrutura
jurídica e política, e a qual correspondem formas
sociais determinadas de consciência. O modo de
produção da vida material condiciona o processo
em geral de vida social, política e espiritual. Não
é a consciência dos homens que determina o seu
ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que deter-
mina sua consciência. Em uma certa etapa de seu
desenvolvimento, as forças produtivas materiais
da sociedade entram em contradição com as rela-
ções de produção existentes ou, o que nada mais
é do que a sua expressão jurídica, com as relações
de propriedade dentro das quais aquelas até então
se tinham movido. De formas de desenvolvimen-
to das forças produtivas essas relações se trans-
formam em seus grilhões. Sobrevém então uma
época de revolução social. Com a transformação
da base econômica, toda a enorme superestrutura
se transforma com maior ou menor rapidez. Na
consideração de tais transformações é necessário
distinguir sempre entre a transformação material
das condições econômicas de produção, que pode
138
ser objeto de rigorosa verificação da ciência na-
tural, e as formas jurídicas, políticas, religiosas,
artísticas ou filosóficas, em resumo, as formas
ideológicas pelas quais os homens tomam cons-
ciência desse conflito e o conduzem até o fim.
Assim como não se julga o que um indivíduo é
a partir do julgamento que ele se faz de si mes-
mo, da mesma maneira não se pode julgar uma
época de transformação a partir de sua própria
consciência; ao contrário, é preciso explicar essa
consciência a partir das contradições da vida ma-
terial, a partir do conflito existente entre as forças
produtivas sociais e as relações de produção. Uma
formação social nunca perece antes que estejam
desenvolvidas todas as formas produtivas para as
quais ela é suficientemente desenvolvida, e novas
relações de produção mais adiantadas jamais to-
marão o lugar, antes que suas condições materiais
de existência tenham sido geradas no seio mesmo
da velha sociedade (MARX, 1999, p. 52)

As relações de produção formam a base material da


sociedade. Essa base material constitui a “infraestrutura”
da sociedade, sob a qual se ergue uma “superestrutura”, ou
seja, instituições jurídicas (Direito, definição de proprieda-
de), políticas (Estado) e ideológicas (arte, religião e moral)
que visam garantir o funcionamento da ordem social do-
minante. A infraestrutura é formada por forças produtivas
(tecnologia, ferramentas, máquinas, técnicas, tudo aquilo
139
que permite a produção) e por relações de produção (rela-
ções que estabelecem arranjos sociais para produção, repro-
dução e circulação de mercadorias). Ao se desenvolverem,
as forças produtivas produzem contradições, que no caso do
capitalismo, ocorrem entre os proprietários e os não-pro-
prietários dos meios de produção. O conflito produz novas
relações de produção, que já se delineavam no interior da
sociedade antiga. Com isso, a superestrutura também se
modifica e abre-se possibilidade de revolução social.
Ao conceber o conceito de fetichismo, Marx define
que o capital é um conjunto de relações entre os seres
humanos que, no entanto, aparece à consciência alienada
como um sistema de “coisas”. A mentalidade burguesa faz
completa abstração das pessoas, sentimentos, projetos,
substituindo estas realidades vivas por pseudorrealidades
mortas: mercadoria, dinheiro, produtos, onde,

A mercadoria é misteriosa simplesmente por enco-


brir as características sociais do próprio trabalho
dos homens, apresentando-as como características
materiais e propriedades sociais inerentes aos pro-
dutos do trabalho. (...) Uma relação social definida,
estabelecida entre os homens, assume a forma fan-
tasmagórica de uma relação entre coisas. (...) É o
que ocorre com os produtos da mão humana, no
mundo das mercadorias (MARX, 2004b, p. 94).
140
Marx defende a ideia de que o poder produtivo do ca-
pitalismo alça o desenvolvimento da humanidade a um pa-
tamar que não existiu em qualquer outro sistema de produ-
ção anterior. No entanto, a organização das relações sociais
que acompanham o modo de produção capitalista impede,
sobretudo, a realização dessas possibilidades históricas. O
caráter do trabalho alienado não constitui, portanto, ex-
pressão da tensão entre o homem na natureza e o homem
em sociedade, mas sim da tensão entre o potencial gerado
por uma forma específica de sociedade – o capitalismo – e
a realização frustrada desse potencial. (GIDDENS, 2005)
A produção capitalista, para Marx, é um processo
que extrai a parte humana e animal do trabalhador e só
devolve a parte animal por meio do salário, que garante
sua subsistência. Em razão disso, todo o sistema cresceria
em complexidade, conhecimento, informação e riquezas,
enquanto a maior parcela da população permaneceria em
condição subumana. Nesse sentido, o “capital” represen-
taria um volume imensurável de criação humana, que é
produzido pelos homens e acumulado na forma de socie-
dade, mas que não é aproveitado por todos os homens. O
comunismo tornar-se-ia, então, uma nova etapa histórica
(utópica) de realização plena da humanidade, ao permitir
a todos os homens o usufruto de toda a criação humana.
141
Mesmo tendo buscado explicar o impressionante dina-
mismo da sociedade burguesa e seus limites, Marx não
considerou a também intrínseca capacidade do capitalis-
mo se reinventar.

A narrativa de Émile Durkheim

Em sua narrativa, Durkheim adota um tipo de histo-


ricismo, mas não é propriamente evolucionista, substitui
a ideia de evolução pela de função. Durkheim entende as
sociedades como formações particulares, renegando uma
visão de que a humanidade ruma para uma sociedade uni-
versal. As sociedades tendem sim a traçarem caminhos
diferenciados, mas sempre dependem de mecanismos de
integração. Para esse autor, as sociedades “crescem” cons-
tituindo arranjos cada vez mais complexos. Esse cres-
cimento é resultado de um adensamento social, que se
expressa pelo aumento do volume social (relações, comu-
nicação e trocas) e do volume material e humano (riqueza,
conhecimento, demografia).
Para Durkheim, a sociedade não é o produto da soma
de consciências, ações e sentimentos individuais. Ainda que
o todo seja composto de partes individuais, origina uma sé-
rie de fenômenos que dizem respeito ao todo diretamente.
142
Nesse sentido, reconhece a existência de uma consciência
coletiva. O homem se tornou humano porque se tornou
sociável, sendo capaz de aprender hábitos e costumes para
poder conviver em um grupo social. Essa “aprendizagem”
está na gênese da socialização, processo por meio do qual a
consciência coletiva é internalizada durante a vida do indi-
víduo. A socialização imputa aquilo que habita nas mentes
individuais e que serve para orientar a ação humana, seus
sentimentos e comportamentos. Assim, tudo o que as pes-
soas sentem, pensam ou fazem, reflete um comportamento
socialmente estabelecido. Não é algo imposto, mas é algo
partilhado, que existe antes e que continua depois e que não
é resultado de simples escolhas pois,

O conjunto de crenças e de sentimentos comuns


à média dos membros de uma mesma sociedade
forma um sistema determinado que tem sua vida
própria; pode-se chamá-lo de consciência coletiva
ou comum. Sem dúvida, ela não tem por substra-
to um único órgão; ela é, por definição, difusa em
toda extensão da sociedade; mas não tem menos
caracteres específicos que a tornem uma realidade
distinta. Com efeito, ela independe das condições
particulares em que se encontram os indivíduos;
estes passam e ela permanece. É a mesma no Nor-
te e no Sul, nas grandes e nas pequenas cidades,
nas mais diferentes profissões. Da mesma forma,
143
não muda a cada geração mas, ao contrário, en-
laça umas às outras e as gerações sucessivas. Ela
é portanto uma coisa inteiramente diferente das
consciências particulares, ainda que não se realize
senão nos indivíduos (DURKHEIM, 2004c, p. 74)

A solidariedade social é a grande responsável pela


coesão surgida entre os indivíduos, mas ela não produz
apenas homogeneidade, mas também individualidade. Os
indivíduos socializados apresentam duas consciências, uma
individual, representando-os no que têm de mais pessoal e
distinto, e outra coletiva, que é comum aos grupos huma-
nos, mas que age e que “vive” nos indivíduos. As sociedades
se mantêm integradas devido à simbiose de duas formas de
solidariedade. A solidariedade mecânica ou por semelhança
que reduz o indivíduo, pois todos os membros da comuni-
dade partilham os mesmos costumes e valores. As normas
são definidas no direito repressivo e o desvio de pensamen-
to e conduta em relação à “consciência coletiva” é punido.
A consciência coletiva é muito forte nas sociedades mais
simples, homogêneas e com divisão natural do trabalho.
Por sua vez, a solidariedade orgânica ou por diferen-
ça, que é característica das sociedades modernas, promove
a individuação dos membros da sociedade. As normas se
expressam no direito restitutivo e o desvio de conduta é
erro e pode ser compensado. É marcada pela ampliação da
144
divisão do trabalho social em especialização e profissões.
A divisão do trabalho social é uma forma complexa de
configuração social em que a divisão das tarefas cria uma
interdependência muito forte entre os atores que ocupam
papéis sociais. Diferente da solidariedade mecânica em
que os indivíduos são ligados por um forte sentimento
de pertencimento ao grupo, típico das sociedades tradi-
cionais, na solidariedade orgânica os atores sociais estão
ligados entre si por dependência recíproca, fundadas em
suas atribuições, mas que ao mesmo tempo lhe fornecem
uma personalidade perante o corpo coletivo em que

[...] os indivíduos estão agrupados não mais segun-


do suas relações de descendência, mas segundo a
natureza particular da atividade social a que se con-
sagram. O meio natural e necessário não é mais o
meio natal, mas o meio profissional. Não é mais a
consanguinidade, real ou fictícia, que marca o lugar
de cada indivíduo, mas a função que ele desempenha.
Sem dúvida, quando essa nova organização começa
a aparecer, tenta utilizar e se assimilar à já existen-
te. [...]. Os segmentos ou pelo menos os grupos de
segmentos unidos por afinidades especiais tornam-
-se órgãos (DURKHEIM, 2004d, p. 90-91).

O adensamento material e o moral da sociedade pro-


vocam um processo de diferenciação social, que promove o
145
reconhecimento e a constituição de diferenças entre gru-
pos ou categorias de indivíduos. A modernidade, então,
apresenta duas tendências marcantes que são a diferencia-
ção social e uma crescente autonomia dos atores sociais.
Esta autonomia constitui o processo de individuação, que
só é possível ao homem em sociedade,

Se, portanto, o homem concebe ideais, se não pode


mesmo prescindir de concebê-los e a eles se ligar, é
porque ele é um ser social. É a sociedade que o im-
pulsiona ou o obriga a erguer-se acima de si mesmo,
e é ela também que para tanto lhe fornece os meios.
Ao mesmo tempo em que toma consciência de si, ela
arrebata o indivíduo de si mesmo e arrasta-o a um
círculo de vida superior. Ela não pode se constituir
sem criar um ideal. Esses ideais são simplesmente
as ideias com as quais se pinta e se resume a vida so-
cial, tal como ela existe nos pontos culminantes de
seu desenvolvimento. Diminui-se a sociedade quan-
do nela se vê apenas um corpo organizado a fim de
cumprir certas funções vitais. Nesse corpo vive uma
alma: é o conjunto dos ideais coletivos. Mas esses
ideais não são abstrações, frias representações inte-
lectuais, despidas de qualquer eficácia. São essencial-
mente motores; porque, atrás deles, existem forças
reais e ativas: são as forças coletivas e, por conse-
guinte, forças naturais, ainda que sejam todas forças
morais, e comparáveis àquelas que agem no resto do
universo (DURKHEIM, 2004a, p. 59)
146
Durkheim entende a sociedade como uma estrutu-
ra sistêmica, ou seja, existem mecanismos perenes que
mantêm a integração das formações sociais históricas.
Por conseguinte, a sociedade também se compõe de con-
teúdo, ideias, normas e valores que são historicamente
variáveis na medida em que

Uma sociedade não pode criar-se nem recriar-se


sem criar, ao mesmo tempo, alguma coisa de ideal.
Essa criação [...] é o ato pelo qual ela se faz e se re-
faz periodicamente. [...] A sociedade ideal não está
fora da sociedade real; faz parte dela. [...] uma so-
ciedade não é constituída simplesmente pela massa
de indivíduos que a compõem, pelo solo que ocupa,
pelas coisas de que se serve, pelos movimentos que
realiza, mas, antes de tudo, pela ideia que ela faz de
si mesma (DURKHEIM, 1989, p. 500).

A sociedade é uma entidade “sagrada” para os indiví-


duos que dela participam e que é periodicamente revifica-
da e celebrada pelos seus membros, pois

Não pode haver sociedade que não sinta a ne-


cessidade de conservar e reafirmar, a intervalos
regulares, os sentimentos coletivos e as ideias
coletivas que constituem a sua unidade e a sua
personalidade. Ora, essa restauração moral só
147
pode ser obtida por meio de reuniões, assem-
bleias, congregações onde os indivíduos, muito
próximos uns dos outros, reafirmam em comum
os seus sentimentos comuns, daí, cerimônias que,
por seu objetivo, pelos resultados que produzem,
pelos procedimentos que empregam, não diferem,
quanto à natureza, das cerimônias propriamente
religiosas (DURKHEIM, 1989, p. 504-505).

Sendo a sociedade uma entidade “sagrada” para


aqueles que a compõem, existem ideais que as consagram.
No caso das sociedades modernas, a concepção de “indi-
víduo” assume um caráter também sagrado. Ao tratar
sobre o tema da moral cívica, Durkheim estabelece uma
relação intrínseca entre o Estado moderno e o individua-
lismo moral, ao afirmar que a atividade do Estado é essen-
cialmente libertadora do indivíduo (DURKHEIM, 2002b, p.
80). O Estado é uma instituição que regula as ações, a fim
de manter a ordem, ao mesmo tempo em que garante o
respeito ao indivíduo, possibilitando sua expressão pró-
pria, afinal é pelo Estado e só por ele que os indivíduos
existem moralmente (DURKHEIM, 2002b, p. 89). Para
o autor, deve-se admitir, então, uma relação de causa e
efeito entre o avanço do individualismo moral e o avanço
do Estado. Se nas sociedades tradicionais o indivíduo era
absorvido pela sociedade, a qual servia docilmente, tendo
148
seu destino subordinado ao destino do ser coletivo, nas
sociedades modernas tal relação é diferente:

Quanto mais avançamos na história, mas vemos


as coisas mudarem. Antes perdida no seio da mas-
sa social, a personalidade individual se destaca
dela. O círculo da vida individual, antes restrito
e pouco respeitado, amplia-se e torna-se o objeto
eminente do respeito moral. O indivíduo adqui-
re direitos cada vez mais extensos a dispor de si
mesmo, das coisas que lhe são atribuídas, a se fa-
zer do mundo as representações que lhe pareçam
mais convenientes, a desenvolver livremente sua
natureza (DURKHEIM, 2002b, 78-79).

Considerando que as sociedades são cada vez mais


formadas por grupos sociais com interesses diversos, Dur-
kheim entende que as regulações garantidas pelo Estado
moderno são permanentemente rearranjadas. Sendo o Es-
tado moderno emergente, uma força coletiva, ela é contra-
balanceada por outras forças coletivas, que se expressam
pelos novos grupos sociais nascentes. A inter-relação entre
essas novas forças coletivas, desencadeiam mudanças insti-
tucionais e promovem as liberdades individuais. A amplia-
ção do Estado e de suas funções deriva, portanto, da maior
diferenciação social e resulta em maior reconhecimento de
expressões individuais, uma vez que
149
o Estado não é por si mesmo um antagonista
do indivíduo. O individualismo só é possível por
meio dele, embora ele só possa servir à sua reali-
zação em condições determinadas. Pode-se dizer
que é ele que constitui a função essencial. Foi ele
que subtraiu a criança à dependência patriarcal, à
tirania doméstica, foi ele que livrou o cidadão dos
grupos feudais, mais tarde comunais, foi ele que
livrou o operário e o patrão da tirania corporativa
(DURKHEIM, 2002b, p. 89).

O individualismo moral torna-se, portanto, um subs-


trato das sociedades modernas que é institucionalizado ao
mesmo tempo em que é cultuado coletivamente. Em sua
narrativa, Durkheim defende a ideia de que todas as socie-
dades, independentemente do seu tipo, vivem de cultos e
de rituais. Os rituais são mecanismos funcionais perenes.
Todavia, cada tipo específico de sociedade, seja no espaço ou
no tempo, apresenta variação nos conteúdos de tais rituais.
Se os rituais são uma constante funcional em todas as for-
mações humanas, a variação em seu conteúdo expressa uma
infinidade de ideais humanos e a reformulação contínua dos
mesmos. Os ideais cultuados pelas sociedades, podem variar
muito rapidamente, especialmente nas sociedades moder-
nas, gerando até mesmo, com certa frequência, períodos de
crise moral, mas que tenderão a se (re)arranjar e,
150
Se hoje encontramos talvez, alguma dificuldade
para imaginar em que poderão consistir essas ce-
rimônias no futuro é porque atravessamos uma
fase de transição e de mediocridade moral. As
grandes causas do passado, aquelas que entusias-
mavam os nossos pais, não provocam mais em
nós o mesmo ardor, seja porque entraram para o
uso comum a ponto de se tornarem inconscien-
tes para nós, seja porque já não correspondem
às nossas aspirações atuais; e no entanto não se
produziu ainda nada que as substituísse. [...] Os
antigos deuses envelhecem ou morrem [...]: é
da própria vida, e não de um passado morto, que
pode surgir um culto vivo. Mas esse estado de in-
certeza e de agitação confusa não poderá durar
eternamente (DURKHEIM, 1989, p. 505).

Os ideais coletivos também propiciam uma inter-


pretação individual dos mesmos. Deve-se relembrar que
Durkheim dedica-se a analisar a origem do “culto” que a
sociedade moderna promove ao indivíduo. Esse é um dos
aspectos positivos que o autor vê na modernidade e não
por acaso, destina muito de sua narrativa para o esclareci-
mento desse novo fenômeno. A personalidade individual
emana dos ideais coletivos e permite que os indivíduos
também tenham ideais, a partir do momento em que en-
tendem que:

151
[...] foi na vida coletiva que o indivíduo aprendeu
a idealizar. Foi assimilando os ideais elaborados
pela sociedade que se tornou capaz de conceber
o ideal. Introduzindo-o na sua esfera de ação, a
sociedade fê-lo contrair a necessidade de se alçar
acima do mundo experimental e fornecer-lhe ao
mesmo tempo os meios de conceber um outro
mundo. Pois esse mundo novo ela o construiu ao
construir-se a si mesma, visto que ela o exprime.
Assim, tanto entre os indivíduos como no grupo,
a faculdade de idealizar nada tem de misteriosa.
Ela não é uma espécie de luxo que o homem pode-
ria dispensar, mas uma condição de sua existên-
cia. Ele não seria um ser social, isto é, não seria
um homem, se não a tivesse adquirido. Sem dú-
vida, os ideais coletivos, ao se encarnarem nos in-
divíduos, tendem a individualizar-se. Cada um os
entende à sua maneira e lhes empresta sua feição;
eliminam-se alguns elementos e acrescentam-se
outros. O ideal pessoal deriva pois do ideal social,
na medida em que a personalidade individual se
desenvolve e se torna uma fonte autônoma de
ação. Mas se pretendemos compreender essa ati-
tude, tão singular na aparência, de viver fora da
realidade, basta referi-la às condições sociais de
que depende (DURKHEIM, 2004e, p. 171).

Na sequência dessas afirmações, Durkheim faz alu-


são ao conceito de efervescência, que promove um movi-
mento muito dinâmico a sua concepção de mudança so-
152
cial, mas que é muito pouco ou não referido por grande
parte de seus comentadores. Segundo Durkheim,

Virá um dia em que as nossas sociedades conhe-


cerão novamente horas de efervescência criadora,
durante as quais novos ideais surgirão, novas fór-
mulas aparecerão e, por certo tempo, servirão de
guia para a humanidade; e essas horas, uma vez vi-
vidas, os homens sentirão espontaneamente a ne-
cessidade de revivê-las de tempos em tempos, pelo
pensamento, ou seja, conservar a sua lembrança
por meio de festas que revivifiquem regularmente
os seus frutos. [...] Não há evangelhos que sejam
imortais e não há razão para se acreditar que a
humanidade seja doravante incapaz de conceber
outros (DURKHEIM, 1989, p. 505-506).

Émile Durkheim relacionava as mudanças sociais


com momentos de intensa agitação coletiva, definindo
o conceito de efervescência para explicar o processo de
constituição das diferentes ordens sociais, a partir de pe-
ríodos de instabilidade generalizada. O autor explica que
toda sociedade que busca constituir uma regularidade de
organização, passa por processos de alta concentração
energética, onde as consciências individuais se aproxi-
mam. Nesses movimentos circunstanciais, ações e pen-
samentos múltiplos são compartilhados, proporcionando
153
um estado de êxtase que visa criar uma concepção de
sagrado, ordenadora de estabilidade. Ou seja, juntos, os
indivíduos munem-se de energias para elaborar uma ideia
de equilíbrio da ordem social que desafia uma ordem caó-
tica ou anômica preexistente.
Partindo da análise sobre as formações sociais mais
simples, Durkheim elaborou uma teoria sobre a coesão so-
cial e a forma como são consubstanciadas as normas e re-
gras morais que efetivam tal coesão, sobretudo destacando
que momentos de entusiasmo vivificam a vida social. Re-
presentações coletivas, tidas pelos membros de uma socie-
dade como simbologias “sagradas”, promovem o enlace dos
indivíduos e os conduzem a se aproximarem uns dos ou-
tros, e o mesmo observa-se nas sociedades mais modernas.
Durkheim não concebeu em sua narrativa uma sociedade
ideal e não fez referências ao destino da humanidade.

A narrativa de Max Weber

A narrativa de Weber é a menos linear entre os clás-


sicos. O autor não se ateve a investigar fenômenos sociais
como “totalidades”, ou enquanto mecanismos de inte-
gração. Analisou diversos fenômenos como probabilida-
des, sem necessariamente estabelecer um encadeamento
154
comum entre os mesmos. No entanto, pode-se perceber
na sua concepção, uma preocupação com fenômenos ori-
ginais e especificidades das sociedades ocidentais, ao evi-
denciar um processo que vincula os seguintes fenômenos:
racionalização, dominação e desencantamento.
Weber entende que a sociedade moderna ocidental é
produto de um processo histórico difuso, porém constante
e de longa duração: a racionalização das esferas de ação.
A sociedade moderna ocidental tem suas raízes em pro-
cessos de racionalização diversos, por exemplo, a racio-
nalização do conhecimento com o nascimento da filosofia
na Grécia Antiga; a racionalização das Leis com o Direito
Escrito Romano; a racionalização das trocas econômicas
com a emergência do dinheiro e do sistema de preços. Tal
processo pode ser definido como a crescente organização
racional das condutas individuais, nas diferentes esferas
sociais, por meio de normas, princípios e regras cada vez
mais impessoais e formais.
A racionalização denota, portanto, um processo no
qual as relações sociais são estruturadas por ações sociais
racionais em detrimento das formas tradicionais e afeti-
vas. Weber acreditava que as pessoas cada vez mais pau-
tam suas ações em atitudes racionais, preocupados com a
eficácia e as consequências futuras, afastando-se de cren-
155
ças, costumes e hábitos ancestrais. O processo de racio-
nalização não tem uma origem determinada ou é causado
por um fator específico e, sim, manifesta-se em diferentes
esferas da vida (economia, política, religião, ciência).
Para Weber o capitalismo é uma evidencia da racio-
nalização da vida humana, e sua formação é marcada pela
ascensão de duas organizações de grande escala: a ciência
e a burocracia. A ciência promove conhecimento e técnicas
e repercute na eficiência ante as circunstâncias da vida,
sendo uma marca distintiva do Ocidente. A burocracia,
por sua vez, é a expressão da eficiência do aparato admi-
nistrativo, baseada na rotina legal operatória das organi-
zações capitalistas e do Estado moderno; é o modo mais
eficiente de organizar grandes populações. Para Weber,
entidades como as organizações e as instituições existem
na medida em que o sentido da ação da qual são formados,
é compartilhado pelos indivíduos que participam de sua
produção, portanto, existem porque as ações que os repro-
duzem fazem sentido aos indivíduos, isto é, são legitimas.
Nesta perspectiva, a legitimidade de uma ordem en-
volve relações de poder que são imputadas às formações
sociais. Weber entende o poder como toda a probabilidade
de impor a própria vontade dentro de uma relação social,
sofrendo resistência ou não. A dominação é a probabilida-
156
de de encontrar obediência a uma determinada ordem. A
disciplina é a probabilidade de encontrar obediência auto-
mática a uma ordem.
Weber define três formas de dominação que ocorrem
nas sociedades. A dominação legal ocorre quando o domi-
nado obedece a leis e estatutos externos; tipicamente, é
a dominação burocrática. Essa dominação é característica
das formações associativas e depende de aparatos e proce-
dimentos racionais e as ações são impessoais, efetivadas
“sem ódio nem paixão”. Seus fundamentos são a formali-
dade e a previsibilidade. O sistema de poder é comparti-
mentalizado horizontal e verticalmente pelas atribuições
dos cargos. A liderança decorre da competência técnica.
A dominação tradicional ocorre quando a vontade
do líder é internalizada na forma de valores e esses são
passados às gerações seguintes como uma ordem imutá-
vel. Envolve uma relação entre o “senhor” e seus “súditos”.
É característica das relações servis, aristocráticas, comu-
nitárias e familiares, como a dominação patriarcal. Essa
forma de dominação mobiliza a fidelidade e requer a obe-
diência a lideranças “santificadas” pela tradição. As ações
são reguladas por relações pessoais e privilégios.
A dominação carismática ocorre quando o domina-
do é fascinado pelas virtudes extraordinárias de um líder.
157
Essa forma de dominação fundamenta-se na irracionali-
dade do dominado. O carisma está na mente de quem o
sente e não no sujeito carismático, por isso, o dominado
acredita que o líder é capaz de tudo. O carisma permite
romper com estruturas tradicionais de valores. Contudo,
o surgimento de um líder carismático é imprevisível.
Todas essas formas de dominação são recorrentes na
história ocidental. Porém, Weber entendia que a moderni-
dade produz um excesso de racionalidade societária e for-
malista. A burocracia, o capitalismo, a técnica e a ciência
moderna são elementos que compõem o processo históri-
co e difuso de racionalização. Nesse sentido, sua narrativa
ficou fortemente marcada pela ideia de que a modernidade
tem produzido uma cotidianização do mundo legal, for-
mal, racional e cientificista, produzindo o esvaziamento da
tradição e do carisma.
Weber tinha grande receio sobre o risco de uma cres-
cente rotinização “fria” e estanque da vida humana. Temia
que a sociedade moderna pudesse estar caminhando rumo
a uma realidade tecnocrática que regularia todas as esferas
da vida social e esmagaria o espírito humano. Denominou
tal processo como “desencantamento do mundo”. Weber
chegou a sugerir que os movimentos socialistas poderiam
ser uma expressão da racionalização do mundo, uma vez
158
que promoveriam sociedades baseadas no planejamento
eficiente da distribuição da produção humana.
Em sua narrativa, Weber entende que a realidade so-
cial deve ser entendida enquanto um conjunto de possi-
bilidades históricas, dado que é marcada pela diversidade
cultural e institucional. Nega as visões teleológicas sobre
a realidade social, partindo da premissa que não existem
“Leis” que determinam o curso da História. Em sua so-
ciologia, enfatiza o estudo das singularidades históricas,
combinações específicas de fatores econômicos, políticos e
culturais, que possuem “afinidades eletivas”, ou seja, enten-
de que alguns fenômenos caminham conjuntamente, de-
sencadeando um processo em que se autoimplicam, porém,
esses variam conforme as realidades sociais específicas.
De toda forma, não podemos perder de vista o foco
de Weber nas ações sociais e na formação de individualida-
des históricas. O autor reconhece que o universo humano se
caracteriza pela existência de ideias incompatíveis e irredutíveis
(GIDDENS, 2005, p. 195). A realidade social não segue um
caminho certo, nem trilha um destino programado; nem
mesmo a ciência pode mudar essa condição. A realidade so-
cial deve ser entendida como realizações humanas contínuas
e eventuais, decorrentes de embates entre interesses ideais
e materiais dos agentes sociais em luta. Nesta perspectiva, a
159
análise da vida social envolve uma interpretação processual
das diversas configurações históricas, observando-se os in-
contáveis arranjos que decorrem da ação humana.

A narrativa de Georg Simmel

Segundo o olhar simmeliano, a sociedade é produto


das interações entre os indivíduos. Os temas da vida co-
tidiana em sociedade trabalhados por Simmel, em muitos
casos, são bastante efêmeros, alguns diriam que seriam
objetos sociológicos banais. Entretanto, deve-se reconhe-
cer a sutiliza e a sensibilidade das análises propostas pelo
autor em descobrir o sentido das relações sociais mais dis-
cretas, mas que são, segundo sua interpretação, aspectos
constitutivos da sociedade na medida em que

A sociedade, no sentido em que pode ser consi-


derada pela Sociologia, é ou o conceito geral abs-
trato que engloba todas essas formas, o gênero
do qual são espécies, ou a soma das formas que
atuam em cada caso. Segue-se daí, deste conceito,
que um número dado de indivíduos pode cons-
tituir uma sociedade, em maior ou menor grau.
A cada novo aumento de formações sintéticas,
a cada formação de partidos, a cada união para
uma obra comum ou num comum sentimento ou
160
modo de pensar, a cada distribuição mais preci-
sa da submissão e da dominação, a cada refeição
em comum, a cada adorno que alguém use para
os demais, o mesmo grupo vai se tornando cada
vez mais sociedade do que antes. Não há uma so-
ciedade absolta, no sentido de que deveria existir
como condição prévia para que surjam esses di-
versos fenômenos de união; pois não há interação
absoluta mas somente diversas modalidades dela,
cuja a emergência determina a existência da so-
ciedade, da qual não são causa nem efeito, mas ela
própria de maneira imediata. Somente a extraor-
dinária pluralidade e variedade destas formas de
interação a cada momento emprestam uma apa-
rente realidade histórica autônoma ao conceito
geral de sociedade. (SIMMEL, 1983b, p. 64-5)

Como se vê, em sua sociologia, Simmel esforça-se


para analisar a vida cotidiana, aquilo que os homens fa-
zem na rotina da vida, revelando a preocupação do autor
com os limites da objetividade histórica. Promove em sua
narrativa uma visão mais estética das relações humanas,
reconhecendo que o conhecimento sociológico não deve
afrontar apenas os problemas macrossociais, como as con-
cepções de poder, burocracia, organizações econômicas,
classes sociais, representações coletivas e Estado.
Em sua narrativa, o autor estabelece uma ruptura
com o conceito mais genérico de sociedade como uma uni-
161
dade limitada a um determinado território ou localidade.
Para Simmel (1983b, p. 72), uma sociedade toma forma a
partir do momento em que os atores sociais criam relações
de interdependência ou estabelecem contatos e interações
sociais de reciprocidade, momento este em que

Os homens se olham uns aos outros, têm ciú-


mes mútuos, escrevem-se cartas, comem juntos,
são simpáticos ou antipáticos, independente de
qualquer interesse apreciável; o agradecimento
produzido pela prestação altruísta possui o poder
de um vínculo irrompível; um homem pergunta o
caminho ao outro, os homens se vestem e se enfei-
tam uns para os outros, e todas estas e mil outras
relações momentâneas ou duradouras, conscien-
tes ou inconscientes, inconsequentes ou fecundas,
que se dão entre pessoas e pessoa, e das quais se
destacam arbitrariamente estes exemplos, nos
vinculam incessantemente uns aos outros. Em
cada momento fiam-se fios deste gênero, se aban-
donam, se tornam a recolher, se substituem por
outros, se tecem com outros. Aqui se encontram
as interações que se produzem entre os átomos da
sociedade, [...]; mas produzem toda a resistência
e elasticidade, a variedade e unidade desta vida da
sociedade, tão clara e tão misteriosa. [...] [esses]
passos tão pequenos criam a conexão da unidade
histórica; as interações de pessoa a pessoa, igual-
mente pouco visíveis, estabelecem a conexão da
unidade social. Tudo o que acontece no campo
162
dos contínuos contatos físicos e espirituais, as
mútuas excitações ao prazer e à dor, as conver-
sações e os silêncios, os interesses comuns e an-
tagônicos, é o que faz com que a sociedade seja
irrompível; de tudo isso dependem as flutuações
de sua vida, mediante as quais seus elementos ga-
nham, perdem, se transformam incessantemente.

Para Simmel, as fronteiras e os limites de uma socie-


dade são difusos e extremamente transitórios. Conceben-
do como sociedade todo o produto de interações indivi-
duais, o autor parte do conceito de sociação para designar
mais apropriadamente as formas ou modos pelos quais os
atores sociais relacionam-se. Para tanto, empreende uma
interessante análise sobre a natureza e a configuração
dos grupos sociais. Em ensaio intitulado A determinação
quantitativa dos grupos sociais, Simmel (1983d) analisou as
diversas formas que os grupos apresentam, considerando
critérios como o tamanho, a qualidade, a coesão e a es-
trutura dos grupos. Como grupos pequenos, identifica o
socialismo, as seitas religiosas e as aristocracias. Sobre o
socialismo, avalia que só pode se desenvolver efetivamen-
te quando incrustado em grupos maiores, pois sua coe-
são (força) estaria exatamente no contraste com o meio
circundante, que seria, também, o fundamento de sua
forte identidade; entende que não funcionaria em grupos
163
grandes, pois não seria possível planificar os desejos indi-
viduais de grandes populações da mesma forma como se
pode racionalizar a atividade produtiva. As seitas religio-
sas adquirem sua força no sentimento de comunidade e
no marcante contraste com o ambiente social; a expansão
quebraria o laço fundamental de solidariedade do grupo,
sua crença agregadora. As aristocracias dependem de
um sentimento estamental, todos devem se conhecer e se
reconhecer como membros da confraria, a qual se man-
têm por relações de sangue, de casamento e de fidelidade;
quando as aristocracias envolvem-se em movimentos de
expansão e cedem às tendências democráticas, elas alcan-
çam um conflito mortal com seu princípio de vida.
Como grupos grandes, Simmel descreve as mas-
sas entendendo que estas suspendem as personalidades,
pois representam uma avalanche de excitação emocional,
na qual todos acreditam que têm tudo a ganhar, assim,
as decisões acabam sendo simples, radicais e cruéis. Uma
interessante conclusão do ensaio é que todos os grupos
lutam essencialmente para manter sua coesão e sobrevi-
verem enquanto grupo. Neste sentido, a qualidade dos
grupos exige que sua energia agregadora esteja perma-
nentemente ativa. Todos eles apresentam um paradoxo
intrínseco, a relação entre realidade impessoal e realida-
164
de pessoal. O comportamento dos indivíduos nos grupos
fundamenta-se, portanto, naqueles elementos que consti-
tuem os grupos como, por exemplo, o costume, o direito
e a moralidade. Nos grupos grandes, há mais liberdade
para a expressão individual, enquanto que nos pequenos,
o indivíduo é governado pelo costume.
As interações sociais e as relações de interdepen-
dência não representam, necessariamente, a convergên-
cia de interesses entre os atores sociais envolvidos, nos
fundamentos das formas sociais podem ser demarcados
aspectos como o conflito, a competição e a cooperação. A
questão da natureza sociológica do conflito foi amplamen-
te interpretada por Simmel na obra Soziologie, publicada
em 1908. Esse foi um tema também privilegiado por Karl
Marx e Max Weber para compreender a realidade mo-
derna de modo que, como escreve Tedesco (2006, p. 209),

O conflito é entendido como associação, como


forma de interação consigo, paradoxalmente, de
harmonia e discórdia, de concorrência e acordos.
Para Simmel, o conflito possui sua positividade
e funcionalidade para o convívio e dinamismo
social; pode ser expressão de horizontes macro
como também das esferas micro. Entende que
as dinâmicas de oposição envolvem adesão, con-
senso, reconhecimento, acordos, comunhões, uni-
165
dades para a luta. Nesse sentido, o conflito pode
ser mais latente e mais intenso nas dinâmicas de
maior proximidade, de maior pertença, de maior
emoção e sentimentos, de maior identidade.

Segundo o olhar simmeliano, o conflito é uma forma


pura de sociação, tão necessária à vida e à coesão do grupo
quanto o consenso; não é patológico nem mesmo nocivo à
vida social, pelo contrário, é uma condição para a manu-
tenção e fundamento da mudança social, o conflito é tam-
bém a força integradora dos grupos. Pois, nas palavras de
Simmel (1983, p. 122), “admite–se que o conflito produza
ou modifique grupos de interesse, uniões, organizações”
na medida em que, “é uma forma de sociação.” Cabe men-
cionar aqui um aspecto etimológico que pode ajudar a me-
lhor entender o amplo sentido dado por Simmel à ideia de
conflito. O conceito “der Streit”, termo em alemão usado
por ele em sua teoria, foi traduzido para o português como
“conflito”. Porém, o mesmo conceito traduzido para o es-
panhol aparece como o substantivo “lucha”, em português,
luta. Na língua portuguesa o termo “luta” não reduziria a
ideia de conflito a um acontecimento carregado de senti-
dos negativos, pois

Se toda interação entre os homens é uma sociação,


o conflito – afinal, [é] uma das mais vívidas inte-
rações [...]. O próprio conflito resolve a tensão
166
entre contrastes. [...] sua natureza: a síntese de
elementos que trabalham juntos, tanto um contra
o outro, quanto um para o outro. Essa natureza
aparece de modo mais claro quando se compreen-
de que ambas as formas de relação – a antitética e
a convergente – são fundamentalmente diferentes
da mera indiferença entre dois ou mais indivíduos
ou grupos. [...] o conflito contém algo de positivo
(SIMMEL, 1983e, p.122-3).

Quando considerado enquanto uma forma social, o


conflito pode possibilitar momentos de construções e des-
truições nas instituições, estruturas, arranjos, processos,
relações e interações sociais. O conflito é interpretado
como um tempo socialmente espacializado, promotor de
indeterminadas formas sociais, uma expressão das rela-
ções existente entre formas e conteúdos. Nesta perspecti-
va, os conflitos sociais são formas prevalecentes nas inte-
rações de convivência social, tendo como virtude o fato de
que o conflito cria um patamar, um tablado social, como
um palco teatral, onde as partes podem se encontrar e efe-
tuar a trama ou embate que ele encerra, um ato de disputa
e de negociação. Para Simmel, o conflito é um meio inte-
grador e desintegrador. Nos grupos pequenos, o conflito
é uma força substantiva da união, mas também pode ser
movimento de desentendimento. Nos grandes grupos, o
elemento constitutivo do conflito seria a controvérsia, na
167
medida em que ela é uma forma avançada de se condu-
zir os elementos do conflito de uma forma mais civilizada
(ALCÂNTARA JR., 2006a).
O conflito manifesta expressões carregadas de ener-
gias de repulsa que, em contato com as “forças de coope-
ração, afeição, ajuda mútua e convergências de interesses”,
conforme Simmel (1983, p. 126-7), produziriam formas e
distinções grupais. O autor identifica, assim, “uma matriz
formal de tensões”, esta, carregada de atitudes de “opo-
sição”, “aversão”, “sentimentos de mútua estranheza”,
“repulsa”, “ódio”, “lutas sociais”. Essas são atitudes via-
bilizadoras, mecanismos relacionais que proporcionam a
existência dos modos de vida, posto que

Sem tal aversão, não poderíamos imaginar que


forma poderia ter a vida urbana moderna, que
coloca cada pessoa em contato com inumeráveis
outras todos os dias. Toda a organização interna
da interação urbana se baseia numa hierarquia
extremamente complexa de simpatias, indiferen-
ças e aversões, do tipo mais efêmero ao mais du-
radouro. (SIMMEL, 1983e, p. 128).

A competição é igualmente uma forma de conflito,


sempre manifesta na realidade social, também com gran-
de variabilidade em termos de conteúdo. Simmel inter-
168
pretou a competição como um fenômeno vinculado a uma
meta subjetiva e a um resultado objetivo. Os jogos com-
petitivos podem se subsidiar de disputas sociais, as mais
diversas, em torno da maior riqueza material ou da vitó-
ria esportiva, pela ostentação do consumo ou da beleza
física e vaidade, o fato é que envolve um sentimento de
satisfação pessoal para quem está “jogando”. Simmel ana-
lisou a competição em diversas dimensões: como sociação
interna e externa aos grupos, como função civilizadora,
como elemento estruturante da coesão dos grupos. Tam-
bém evidenciou a ocorrência da competição na família e
em grupos religiosos.
Outra questão constante na narrativa de Simmel
(1998c, p. 186-7) e que está implícita ou explicitamente
relacionada a tudo o que se disse até aqui é o da formação
da individualidade, demonstrando a relevância que o au-
tor buscou dar aos atores sociais e às formas como os mes-
mos lidam em sua própria experiência social com a sua
liberdade individual, pois, como escreve o referido autor,

Somos os aventureiros da Terra, nossa vida é


perpassada a cada passo pelas tensões que consti-
tuem a aventura [...] ela é sentida como tensão da
vida, mudança de ritmo [...] a força misteriosa de
deixar a totalidade da vida ser sentida.
169
Assim sendo, como escreve Moraes Filho (1983, p.
21-2), tem-se que Simmel considerava que a participação
do indivíduo na vida social seria tanto mais rica quanto
“maior o número de círculos sociais a que pertença, quan-
to mais forte é a sua independência, quanto mais nítida se
destaca a sua personalidade.” No entanto, no ensaio sobre
As grandes cidades e a vida do espírito, Simmel (2005a, p.
577-9) destaca que as emoções humanas são intensificadas
na vida urbana, pois os sujeitos buscam consciente ou in-
conscientemente preservar sua individualidade, afirman-
do que as pessoas lutam e resistem, por exemplo, frente ao
nivelamento técnico-social uma vez que

Os problemas mais profundos da vida moderna


brotam da pretensão do indivíduo de preservar
a autonomia e a peculiaridade de sua existência
frente às superioridades da sociedade, da herança
histórica, da cultura exterior e da técnica da vida.
[...] o tipo do habitante da cidade grande — que
naturalmente é envolto em milhares de modifica-
ções individuais — cria um órgão protetor con-
tra o desenraizamento com o qual as correntes
e discrepâncias de seu meio exterior o ameaçam:
ele reage não com o ânimo, mas sobretudo com
o entendimento, para o que a intensificação da
consciência, criada pela mesma causa, propicia a
prerrogativa anímica. Com isso, a reação àque-
170
les fenômenos é deslocada para o órgão psíquico
menos sensível, que está o mais distante possível
das profundezas da personalidade. Essa atuação
do entendimento, reconhecida portanto como um
preservativo da vida subjetiva frente às coações
da cidade grande, ramifica-se em e com múltiplos
fenômenos singulares. [...] Todas as relações de
ânimo entre as pessoas fundamentam-se nas suas
individualidades, enquanto que as relações de en-
tendimento contam os homens como números,
como elementos em si indiferentes, que só pos-
suem um interesse de acordo com suas capacida-
des consideráveis objetivamente.

Chegamos agora a um conceito central que parece


expressar amplamente a narrativa de Simmel. A sociabili-
dade é uma questão-chave no estudo da permanentemen-
te retratada luta das individualidades no espaço social da
modernidade, no qual o “espírito moderno tornou-se mais
e mais um espírito contábil” (SIMMEL, 2005a, p. 580).
No entanto, o conceito é mais genérico. A sociabilidade é
resultante das condições inerentes e gestadas pelas múl-
tiplas combinações interacionais acionadas a partir dos
indivíduos, sintetizadas e cristalizadas na própria socie-
dade (ALCÂNTARA JR., 2006b, p. 190). Na obra de Sim-
mel, sociabilidade aparece como um conceito forjado para
compreender as formas sociais em geral, pois evidencia os
princípios organizativos de como opera tudo aquilo que
171
é individualmente constituído e socialmente edificado a
partir das ações recíprocas entre as pessoas.
Neste sentido, as formas nas quais o estar com o ou-
tro, para o outro ou contra o outro, aqui entendida como
interação, ganham vida própria podendo enquadrar-se, ou
não, na definição de sociabilidade, pois

O que é autenticamente “social” nessa existência


é aquele ser com, para e contra com os quais os
conteúdos e interesses materiais experimentam
uma forma ou um fomento por meio de impulsos
ou finalidades. Essas formas adquirem então, pu-
ramente por si mesmas e por esse estímulo que
delas irradia a partir dessa liberação, uma vida
própria, um exercício livre de todos os conteúdos
materiais, esse é justamente o fenômeno da socia-
bilidade (SIMMEL, 2006, p. 63-4).

O mero fato de estar com o outro, para o outro ou


contra o outro, por si só, não consiste em sociabilidade.
A sociabilidade deriva da interação, mas é também uma
forma mais elevada de interação. Para haver sociabilidade,
é preciso que a interação se origine da autonomia entre
quem está em sociação, ou seja, expresse o desejo de se
liberar de determinados laços da realidade. Impulsos, pro-
pósitos, interesses e necessidades individuais – conteúdos
172
– que conduzem os indivíduos a se agrupar, configurando
uma sociação. No entanto, para que tal sociação converta-
-se em sociabilidade, os indivíduos precisam se relacionar
em função de um sentimento, a satisfação mútua de esta-
rem articulados, uma vez que,

Interesses e necessidades específicas certamente


fazem com que os homens se unam em associações
econômicas, em irmandades de sangue, em socie-
dades religiosas, em quadrilhas de bandidos. Além
de seus conteúdos específicos, todas estas sociações
também se caracterizam, precisamente, por um
sentimento, entre seus membros, de estarem socia-
dos, e pela satisfação derivada disso. [...] A socia-
bilidade se poupa dos atritos com a realidade por
meio de uma relação meramente formal com esta.
[...] essa relação formal extrai da realidade [...]
uma importância e uma riqueza de vida simbólica
e lúdica que são tanto maiores quanto mais perfeita
ela é. [...]. Como categoria sociológica, designo a
sociabilidade como a forma lúdica da sociação. Sua
relação com a sociação concreta, determinada pelo
conteúdo, é semelhante à relação do trabalho de
arte com a realidade (SIMMEL, 1983c, p.168-9).

Na narrativa simmeliana, a sociabilidade é uma for-


ma autônoma da sociação, ela manifesta a interação que
promove o prazer dos envolvidos, que dá sentido à vida in-
173
dividual mesmo que situada em ambiente ou espaço hostil.
A sociabilidade depende das personalidades entre os quais
ela ocorre, não possui em si mesma nenhuma finalida-
de objetiva, além do interesse em estar sociado naquele
instante. De certa forma, ela constitui-se de espaços de
liminaridade com o meio circundante (SIMMEL, 2013),
onde os indivíduos realizam-se subjetivamente e identi-
tariamente, uma vez que “riqueza, posição social, cultu-
ra, fama, méritos e capacidades excepcionais não podem
representar qualquer papel na sociabilidade” (SIMMEL,
1983c: 170). Pois, nenhum interesse egoísta deve assumir
nesses espaços a função reguladora, em função de que

Os limiares da sociabilidade são transpostos


quando os indivíduos interagem motivados por
propósitos e conteúdos objetivos e quando seus
aspectos subjetivos e inteiramente pessoais se
fazem sentir. Em ambos os casos, a sociabilida-
de deixa de ser o princípio formativo e central de
suas sociações e se torna, no melhor dos casos,
uma conexão formalista e superficialmente me-
diadora (SIMMEL, 1983c, p. 171).

O fenômeno da sociabilidade interpretado por Sim-


mel como um valor – ela é um fim em si mesma – re-
presenta uma guinada interpretativa e uma contribuição
174
decisiva para a investigação sociológica uma vez que
aponta para a categoria das emoções como elementos
constitutivos fundamentais da vida social. Como apon-
tam Peres et all (2011, p. 105) quando asseveram que

Nesse sentido, seria possível pensar algumas prá-


ticas e vivências diárias como um play form of
sociation por excelência. “Sair”, “jogar conversa
fora”, “namorar”, “encontrar com os amigos”, em
geral, não têm outro fim principal senão o pra-
zer e o sentimento de estar junto e de “praticar”
a própria sociação; prazer e sentimento que figu-
ram em graus variados em muitos momentos em
que pessoas se encontram.

O enredo da narrativa de Simmel está fundado em


um panteísmo estético. O autor esforçou-se muito para
interpretar os fenômenos aparentemente mais casuais
e superficiais da vida urbana cotidiana, dando destaque
às formas de associação moderna, ou seja, às redes de
relações sociais recíprocas criadas pelos indivíduos, e
às noções de intenções, finalidades, desejos, tendências,
interesses que se expressavam e se manifestavam atra-
vés das individualidades (HABERMAS, 1988; RITZER,
1997, 2002; WAIZBORT, 2000; LALLEMENT, 2003;
TEDESCO, 2006).
175
A sociologia de Simmel pode ser considerada po-
lêmica em círculos intelectuais mais ortodoxos, que
acreditam numa sociologia mais ativa e politizada, mas
é impossível desconsiderar a maneira sutil, mas certeira,
com que Simmel aborda os fenômenos sociológicos. A
narrativa oferecida pelo autor cobre algumas lacunas dei-
xadas por outros fundadores da sociologia. Ela dá um ar
mais singelo à compreensão da vida em sociedade, valo-
rizando aquilo que acontece contínua e constantemente
na vida e nos espaços de convivência dos atores sociais,
ou seja, ocupa-se daqueles fenômenos sociais que trans-
cendem as grandes rupturas históricas.

176
Considerações finais

Retornar aos clássicos é sempre uma tarefa instigan-


te. Especialmente quando buscamos colocá-los em diálogo.
O esboço sobre as concepções de análise social desenvol-
vidas por Marx, Durkheim, Weber e Simmel apresentado
nesse breve livro, teve a intenção primeira de apresentar
alguns dos aspectos fundamentais que conduziram tais
pensadores à condição de clássicos da sociologia.
Clássicos devem ser entendidos como autores que ti-
veram um papel destacado na fundamentação de uma área
de conhecimento, mas que, devido à exuberância e com-
plexidade de sua obra, estimulam, sempre que revisitados,
insights sobre questões contemporâneas nas áreas de co-
nhecimento que ajudaram a fundar. A segunda intenção
desse trabalho foi produzir um mapeamento sobre algu-
mas ideias centrais da obra desses autores, dando algumas
pistas sobre como explorar o vasto arcabouço bibliográfi-
co que deixaram.
O livro buscou analisar alguns aspectos centrais
das visões sobre o advento da modernidade de quatro
177
importantes fundadores da sociologia, mas nos esquiva-
mos de privilegiar as suas doutrinas. Não referendamos
uma concepção em detrimento de outra, tratamos todas
com igual importância. Afinal, ambas têm papel decisivo
na consolidação da sociologia. As reflexões apresentadas
nas obras de Marx, Durkheim, Weber e Simmel são fonte
inesgotável de “imaginação”, que sendo bem aproveitadas,
podem ainda contribuir decisivamente para pensarmos os
caminhos trilhados pela humanidade e os problemas so-
ciais contemporâneos. Nesse sentido, procuramos elencar
alguns aspectos que pudessem ajudar o leitor a aventurar-
-se nesta seara.

178
Dicas de como utilizar os clássicos
em sala de aula

A sociologia no ensino médio não deve ter caráter


academicista. Faz parte do trabalho do professor trans-
por didaticamente as teorias e os conceitos típicos desse
campo científico. O elemento mais importante a destacar
aqui é que não se vai formar no ensino médio “pequenos
sociólogos”. Assim parece ser fundamental à prática do
professor, ao trabalhar com as concepções clássicas da
sociologia na escola, estimular os jovens não necessaria-
mente a compreender os conceitos desses autores, mas a
entenderem as perguntas que tais clássicos se faziam na
busca de interpretar as transformações sociais.
Apesar de serem muitas as possibilidades oferecidas
pela obra dos quatro clássicos, sugerimos a seguir uma
estratégia de trabalho que pode auxiliar o professor ao
lido com a vasta obra desses autores. Propomos aqui um
eixo e o exemplificamos, mas deixamos o caminho aberto
e a estrutura que pode ser adaptada a outras realidades
e eixos temáticos se o professor assim o desejar. Assim,
sugerimos algumas questões que podem ser levantadas
179
a partir da obra de cada um dos autores supra referidos
nesse texto e algumas questões que podem nortear a apli-
cabilidade do mesmo.
No que se refere à obra de Marx, sugerimos ao pro-
fessor, num primeiro momento, elencar as contradições
que os alunos percebem existir na sociedade atual para,
em seguida, a partir dos exemplos levantados, identificar
os grupos sociais que emergem sob condições existenciais
contraditórias e apontar as visões de mundo que os mes-
mos elaboram ao se enfrentarem. E, junto a isto, a partir
desse primeiro levantamento, passar a seu aprofundamen-
to, buscando, junto com os alunos, mapear quais conflitos
se estabelecem entre tais grupos, quais são resultados ma-
teriais e existenciais que são produzidos a partir desses
conflitos, quais mudanças podem ser observadas como
consequência desses embates entre diferentes grupos,
quais são seus condicionantes históricos e como o ambien-
te se reconfigurou após os embates.
Ao ocupar-se de Durkheim, o professor pode começar
sua aula questionando aos educandos sobre as concepções
de autoridade e liberdade que existem na sociedade atual
e de que modo elas se relacionam entre si. Em seguida,
pode-se ocupar de questões relacionadas à cidadania e ao
cumprimento de certos deveres e explorar o modo como
180
seu cumprimento implica em determinados direitos que
lhe garantem uma existência individual plena e um pleno
exercício da cidadania. Também, pode ocupar-se das dife-
rentes patologias sociais, ou ainda, das consequências de
não se cumprir determinados deveres e/ou infringir as re-
gras. Outra possibilidade reside, também, em se pensar os
“ritos” e as cerimônias sociais, questionando aos alunos so-
bre as finalidades ligadas à ideia de coesão social, que cum-
prem o batismo, a celebração de um casamento, uma festa
de aniversário, uma formatura, uma “balada” ou uma ceri-
mônia fúnebre. Pode o professor trabalhar com imagens e
levar a sala de aula, por exemplo, diversas fotografias de
festas de aniversário, para estimular os alunos a verificar
os aspectos que são regulares nas fotografias e analisar as
funções sociais que têm tais celebrações para os indivíduos
e as razões de como tais eventos se impõem a eles.
No que se refere a Weber, nossa sugestão é que se
escolha, em conjunto com os educandos, alguns eventos
sociais e que se busque nesses, identificar as ações que o
desencadearam. Tomando tais eventos, podemos identifi-
car os agentes que dele participam e proceder a um ma-
peamento das motivações que levaram os agentes partíci-
pes a agir no evento selecionado. O intuito desse exercício
reside em elucidar o enredo do evento e compreender o
181
sentido das relações sociais nesse contexto, verificando os
ideais, as intenções, os sentimentos e os recursos que fo-
ram mobilizados por esses grupos para atingir um propó-
sito inicial. É interessante ainda verificar se as consequên-
cias foram as esperadas. Na reconstrução do evento cabe
ainda identificar quais são as relações que se estabelecem
entre os agentes, que sentido eles atribuem às coisas que
fazem, e se, entre esses, se fazem presentes processos, no
que tange a ação dos agentes, de dominação, formação, ca-
tequização, discriminação, cooperação, mobilização, com-
petição, regulação, inovação, corrupção, considerando os
tipos de ação social que tais processos envolvem.
Menos referida, mas igualmente importante, é a teo-
ria de Simmel, que atualmente está sendo muito resgatada,
especialmente como contribuição à sociologia e à antro-
pologia das emoções, embora sua obra tenha sido sempre
muito acionada pela sociologia urbana e pela sociologia
econômica. Os trabalhos do autor chegaram aos Estados
Unidos pelo menos duas décadas antes da sociologia de
Durkheim e Weber, tendo maior aceitação naquele con-
texto do que a teoria de Marx. Na sociologia americana,
teve papel destacado como influência nas escolas do inte-
racionismo simbólico e da etnometodologia. Influenciou
também as correntes fenomenológicas.
182
A preocupação com os processos ambíguos da vida
urbana moderna e com a forma como as individualidades
expressavam-se neste contexto, brilhantemente interpre-
tados por Simmel, foi o aspecto que mais chamou a aten-
ção dos estudiosos interessados em compreender a vida
cotidiana nas grandes cidades. Pois, fundamentalmente,
Simmel propunha uma teoria da sociabilidade cotidiana
e moderna, que deu relevância nos estudos sociológicos
para a forma como os indivíduos enfrentavam os desafios
que lhes eram apresentados nos ambientes sociais, inós-
pitos ou não. Entre os jovens do ensino médio essa pode
ser uma excelente sacada para estimulá-los a entender as
ciências sociais e a gostar da disciplina de sociologia.
As reflexões de Simmel são fonte inesgotável de ima-
ginação sociológica, sendo bem aproveitadas, podem ainda
contribuir decisivamente para pensarmos os caminhos re-
centemente trilhados pela humanidade e os problemas so-
ciais contemporâneos. A forma como o autor interpretou
a realidade social pode ser subsídio para analisar as novas
formas sociais e sociabilidades que emergem todos os dias
em nossa realidade, expressões e manifestações dos mais
diversos grupos humanos – o consumidor, a celebridade,
o cidadão, o surfista, o marombado, a feminista, o machis-
ta, o mochileiro, o militante, o manifestante, o inquieto, o
183
hacker, o ambicioso, o drogadito, o funkeiro, o ostentador,
o rolezeiro, o blogueiro, o coxinha, o mortadela, o corrup-
to, o corruptor... entre infinitas outras formas. Exercícios
de pesquisa sobre formas sociais como as referidas podem
ser analisadas em sua dimensão quantitativa e qualitativa.
Inúmeras são as possibilidades de se apropriar do modelo
de análise e de abordagem de Simmel para pensar a vida
em uma sociedade como a atual, cheia de matéria e con-
teúdo, tão diversa, plural, densa e tensa. Destacamos aqui
um pouco mais a concepção simmeliana, pois nos parece
que pode estimular muito o jovem a compreender os tipos
sociais que estão ao seu redor, e, com isso, aproximá-los
ainda mais daquilo que a sociologia tem a lhes oferecer.
E por fim, outra possibilidade mais geral e até mes-
mo aprofundada, e que escapa à especificidade da obra dos
quatro autores, reside em se fazer uma pesquisa e mapear
as influências filosóficas e intelectuais que tiveram os clás-
sicos da sociologia, analisando com quais autores Marx,
Durkheim, Weber e Simmel dialogavam e em que termos
estabeleciam esse diálogo. Pequenos grupos de alunos po-
dem ficar encarregados de pesquisar sobre cada um dos
autores que influenciou cada um dos clássicos e coleti-
vamente com a turma, estabelecer os links com a teoria
dos clássicos. Posteriormente, grupos de alunos também
184
podem pesquisar autores que tenham partido das propos-
tas dos clássicos da sociologia e dado continuidade a sua
abordagem ao analisar fenômenos sociais desencadeados
durante o Século XX ou mais recentes.

185
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Sobre o Autor

Daniel Gustavo Mocelin é Doutor em Sociologia, pro-


fessor do Departamento de Sociologia e também do Pro-
grama de Pós-Graduação em Sociologia da Universida-
de Federal do Rio Grande do Sul. Na universidade, atua
como pesquisador do Laboratório Virtual e Interativo
de Ensino de Ciências Sociais e do Grupo de Pesquisa
Sociedade, Economia e Trabalho (GPSET). Atualmen-
te, o foco de seus estudos reside no desenvolvimento de
pesquisas que discutem teórica e metodologicamente o
tema da qualidade do emprego no contexto específico da
sociedade do conhecimento.

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Anotações

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