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PETER KROPOTKIN
QUESTÃO SOCIAL
flihliaikrca Promclhru
EM FAÇJS DÂ
Silo Paulo - - Brasil
CIÊNCIA
C O M O SF. F E Z A R F . V O
M T Ç A O K I S S A — De Vo-
linr. que participou de tinias
as fases da grande convulsão
que ahaloa o antigo império
dos czares.
P E T E R K R O P O T K I N
A Questão Social
O a n a r q u i s m o em face
da ciôncia
poi
11 !• N I) I O S K R
B b l i o t e c a P r o m e t h e u — S. P a u l o
CCS ,
& ^ J
PREFACIO l>\o FRANCESA
N. do T .
0 P KT KR K R O P O T K I N O ANARQUISMO I A CIÊNCIA MODERNA 7
sarin do frayoroso despertar geral das ciências naturais Afinal acabámos icdcndo e durante um decénio, des-
que se manifestou durante todo o decurso do século XIX. de 1892, escrevemos uma série de artigos sob o título
O que nos inspirou o presente trabalho foi precisamente "Recent Science" pata a relendo NINETEENTH CEN-
o estudo desse empolgante movimento, bem como o das Tll\Y, ate que uniu ,ardite declarada nos forçou, como
notáveis conquistas alcançadas pela ciência nos últimos anos sucedera ao nosso ante, essor, a adiarmos esse árduo tra-
do século recêm-findo. E ' por demais sabido que os úl- balho.
timos anos do século findo se caracterizaram por noiáveis Levados assim a estudar com profundeza as extra-
progressos nas ciências naturais, ç a um tal desenvolvi- ordinários des,abertos do\ anos. chegámos a um
mento devemos a descoberta da telegrafia sem fios, o» co- duplo resultado l'o, um lado. graças 0 aplicação do me-
nhecimento de uma série de radiações que dantes eram to,!,, indutivo, ohser vávomos , orno a\ dest abertas,
ignoradas, a existência de um grupo de gases inertes ina- de uma importai,,:,, tmal.uhtrcl para „ inter prefação da
daptáveis a quaisquer combinações químicas, a revelação Natureza, vieram sobrepor-se á que ha,-iam notabilizado
de novas formas elementares da matéria viva e assim por os anos de iK.Sí, lSí..', , ,,mo uni estudo mais- penetrante
diante. E , por tudo isso, fomos levados a estudar a fundo das grandes dcscobcitu\ a ,abo nos meados do
essas novas conquistas da ciência. século por Mayer, (,'rove, Wurtz. Ihmvin « tantos outros,
davam às descobertas pi e, e, lenir» um aspeito inteiramente
Aí por 1 8 9 1 , quando estas ruidosas descobertas SJ
novo e abriam novos horuontes a , , , n , i o lavrado surgir
faziam com uma rapidez incrível, o editor da revista lon-
novas questões de alto aliam, / I / . M , - / / , , .
drina NINETEENTH CENTQKY, sr. James Knmvles,
E onde ccit.>, sábios, impa, tentados o u dominados
propunlia-nos continuarmos na sua revista a série de ar-
pela influencio de uma r,tu,a^ao p,imana, pretendiam ver
tigos que, sobre a ciência moderna, publicava então Hux-
'uma bam arrota da , i, m ,a I ( nomos nos tao somente
ley, o famoso emulo de Darwin, que, por motivos de
um facto normal, muito iam,ha, aos matemáticos, o que
saúde, se vira forçado a abandonar. Fácil é de compre- eles chamam a | M . . - . I H . I r IIIM.I | > i i i i i n i a a|>n<)\Miiac;ão à s
ender porque, durante muito tempo, relutamos em aceder seguintes.
.a este convite.
Continuamente, é la, to. vemos o astrónomo e o fí-
E ' que os assuntos científicos que Huxley tomava por sico demonstrarem, sob a denominação de "leis físicas",
temas não constituíam meras palestras literárias, mas es- a existêncui de i citas relações entre diversos fenómenos.
tudos sérios de ciência em cada um dos quais explorava a
fundo duas ou três grandes questões científicas de suma
(1) -— A l u s t o a um célebre artigo, que tanta celeuma pro-
importância que êle debatia admiravelmente, dando ao lei- duziu, d.» escritor l i a m e s l-Ynliuand Brunctière, convertido
tor, em um estilo compreensivo, a análise cerrada e crítica Bu < atoiicismo, a «mando da uma sua visita ao Papa L e ã o
das descobertas modernas em que essas questões incidis- X I I I i publicado pela primeira vez na Revue des Deux Mondes,
em Janeiro de 1895 e mais tarde re-editado no seu volume
sem. Knowles insistia e, para facilitar o nosso trabalho, La Science et la Keligion, publicado em 1916 pela livraria de
ainda a RoyaL Society nos enviava convite especial para P e r r i n & C.° que, aliás, vale a pena ser lido.
assistirmos às suas memoráveis sessões. N. do T .
s PETER K R O P O T K I N O ANARQUISMO E A CIÊNCIA MODERNA 9
e pura estudar, em suas particularidades, as aplicações des- . vidade, deixamos de meu, mnar, as ciências, que, nas suas
sas leis não faltam investigadores decididos e competentes modalidades especiais, ttiudãm as consequências dessas
Mas, a breve trecho, à proporção que os factos se descobertas, procuram neste momento as "segundas apro-
acumulam por novas pesquisas, esscs.investigadores desco- ximações" que. com maior perfeição, corresponderem às
brem que a lei estudada nada mais ê do que uma "primeira realidades da Natureza.
aproximação", donde o concluir-se que os factos que se As pretensas " falem ias da ciência", que filósofos mo-
pretendia explicar por ela são, na verdade, muito mais dernistas exploiam vastamente na cpo,a actual, são, por
complexos do que a princípio pareciam ser. natureza, simplesmente a investi,/a^ao das segundas' e ter-
Para tomarmos um exemplo assas conhecido, citare- ceiras aproximações a IUJO estiolo. após o período culmi-
mos as chamadas "leis de Kepler" (oncernente ao, movi- nante das grandes descobertas, a neném, , omo lhe cum
mento dos planetas em z-olta do Sol. Um estudo minu- pre. dedica particular atenção
cioso dos movimentos planetários confirmou, a principio, Não vamos deter nos a,jota a dinulit as abras desse
a exactidão dessas leis; provou-se, 'efectivamente, que os parco núcleo de fdósolos rutilantes, porem, superficiais,
satélites do Sol se movem, grosso modo, ao longo das elip- que procuram tirar partido das menta.-cts indecisões das
ses em que o Sol ocupa um dos focos. Porem, agora des- ciências na sua fase formativa paia nos inculcarem a in-
cobre-se que a elipse descrita é apenas "uma primeira tuição mística e promover o descrédito da neneia em geral
aproximação". perante um auditório que mio tem a capai idade precisa
Na realidade, os planetas, na sua trajectória ao longo para verificar a exactidão das sua. sopeai (eras críticas.
das elipses, sofrem diversos desvios por efeito da acção Não repetiremos aqui o que /<-,; dito no texto deste livro
que uns sobre os outros exercem. Feito o estudo desses acerca dos abusos continua es que os metafísicos fazem
desvios, puderam os astrónomos chegar à uma s e g u n d a e do método dialctico .lo leitor que. por ventura, se inte-
<Í uma t e r c e i r a aproximações, que vieram, naturalmente, a resse por tais questões indu aremos a abra preciosa de
corresponder melhor do que a p r i m e i r a aos moxnmcntos Hugh S. R. Elliot, Modem Seieincr and the Ilhtsions
reais dos planetas ( 1 ) . of Professor Bergson, — (./ . i,n, m moderna e as ilusões
E ' precisamente o que, na face actual dos conheci- do professor llergson) com um excelente prefácio de Ray
mentos h.nnanos, se dá com as ciências naturais. Veri- Lankestcr, publicada em I ondres, em \)\2, pelos editores
ficadas as grandes descobertas da indestrutibilidade da Longman & Green (\). Nessa obra se poderá ver por
matéria, da variedade das espécies, da unidade das forças que métodos arbitrários e de pura dialética, por que fogos
físicas e da sua consequente acção sobre a matéria ani- de artifício de linguagem, o representante classificado des-
mada como sobre a inanimada, e as demais que, por bre- sa corrente filosófica chega as suas temerárias conclusões.
(1) — E n i abono do que expende Kropotkine, podemos (1) — H E N R I B K R Í i S O N , filósofo francês, autor de
«numerar, como u m a das referidas " a p r o x i m a ç õ e s " , a teoria muitas obras em que procura instituir, à moda da filosofia
da relatividade restrita, exposta e sustentada pelo sábio m a - orientai, o método da intuição psicológica como base da aqui-
temático alemão Einstein. sição de conhecimentos.
N. do T. N. do T .
10 PETER K R O P O T K I N
Hrighton, Fevereiro de 1 9 1 3 .
PETER KROPOTKIN.
A < I I N( I A M O I H U N A I o ANARQUISMO
mo. Mas, paulatinamente, esse movimento degene- nisso assenta, mas nas revoltas individuais e colecti-
rou em u m movimento s e c t á r i o que operou a forma- vas contra os representantes da força e x t r í n s e c a a
ção da Igreja, t r a ç a d a nos moldes da Igreja hebraica essas instituições nas quais, quando lhes bolem, é t ã o
e a t é da p r ó p r i a Roma imperial, o que, naturalmente, somente para as utilizar em seu único proveito.
matou tudo o que o cristianismo no seu início tinha Todos os rebeldes cujo ideal haja sido, porven-
de anarquismo, deu-lhe formas romanas e, a breve tura, a r e i n t e g r a ç ã o no génio criador das massas da
trecho, veiu a constituir o esteio principal da auto- n e c e s s á r i a liberdade para poderem desenvolver, ao
ridade, do Estado, da e s c r a v i d ã o e da o p r e s s ã o . m á x i m o da sua e x p a n s ã o , toda a originalidade que as
Os primeiros germes de " o p o r t u n i s m o " i n t r o d u - caracterizava de modo a efectivarem essas i n s t i t u i -
zidos no cristianismo s ã o j á palpáveis nos quatro ções exigidas pela época, — estavam, evidentemente,
evangelhos e nos actos dos a p ó s t o l o s , s e n ã o na sua insuflados do espirito anarquista.
p r i m i t i v a r e d a c ç ã o ao menos nas v e r s õ e s que desses Nos tempos modernos, o Anarquismo nasceu do
escritos temos nos livros que constituem o Novo Tes- mesmo protesto crítico e r e v o l u c i o n á r i o de que pro-
tamento. cedeu o socialismo em geral. E ' verdade que uma
Igualmente, o movimento anabatista que, a bem certa fracção de socialistas, depois de haverem che-
dizer, inaugurou e íêz a Reforma, tinha u m fundo gado a t é à n e g a ç ã o do capital e da sociedade baseada
eminentemente anarquista. Porem, esmagado pelos na escravização do trabalho ao capital, se detiveram
p r ó p r i o s reformados que), sob • regra de L u t e r o , se neste ponto do desenvolvimento das suas ideias. N ã o
haviam mancomunado com 01 príncipes contra os cam- ousaram declarar-se positivamente contra o que cons-
poneses revoltados, esse movimento foi sufocado pelo t i t u i a força real do capitalismo: o Estado e seus admi-
e x t e r m í n i o , em larga escala, desses mesmos campo- nículos, — a c e n t r a l i z a ç ã o da autoridade, a lei, feita
neses e dos cidadãos mais pobres da cidade, — os sempre por uma minoria em seu exclusivo proveito,
da " r a l é " , como lhes chamavam. E m consequência, I uma certa forma de j u s t i ç a cujo principal escopo é
a ala direita dos reformados foi degenerando aos pou- n defesa da autoridade e do capital.
cos a t é ao ponto de erigir u m compromisso solene Contrariamente a essa atitude, o Anarquismo n ã o
entre a consciência e o Estado que deu em resultado I I deteve aonde o socialismo parou, foi alem na c r í -
a fundação do Protestantismo t a l como hoje existe. H d dessas a n a c r ó n i c a s instituições. Ergue o b r a ç o
uncrilego, não <'• c o n d a <» capitalismo mas t a m b é m
* Contra «••. pilares em que êle assenta: L e i , Autoridade
• * i I' • I .ido
Não olvidavam, porem, que tais suposições deve- I «aplace nunca recorreu aos grandes c h a v õ e s da
riam ser mais tarde confirmadas pela sua aplicação mel a física, por d e t r á s dos quais se oculta geralmente
a uma m u l t i d ã o de factos diversos e que teriam de a i n c o m p r e e n s ã o ou a obscura s e m i - c o m p r e e n s ã o dos
ser, por sua vez, explicadas pelo processo t e ó r i c o o u fenómenos e a incapacidade de interpretar os factos
dedutivo. Assim, as h i p ó t e s e s levantadas s ó chega- em sua forma concreta como quantidades m e n s u r á -
riam a ser "leis naturais", isto é, g e n e r a l i z a ç õ e s veis. Laplace dispensou a metafísica, como dispen-
provadas, depois de haverem passado pelo cadinho da sado havia a h i p ó t e s e de um deus-criador.
verificação experimental e comprovadas que fossem Postoque a sua Exposition du S y s t è m e du Monde
as causas da sua constante e x a c t i d ã o . não contenha cálculos m a t e m á t i c o s e fosse escrita
cm uma linguagem inteligível, acessível a qualquer
leitor i n s t r u í d o , os m a t e m á t i c o s puderam mais tarde
* * exprimir cada uma das ideias esparsas pela obra em
e q u a ç õ e s m a t e m á t i c a s , isto é, estabelecer as condi-
Quando o centro do movimento filosófico do ções de igualdade entre duas ou mais quantidades da-
século X V I I I foi deslocado da Inglaterra e da E s c ó - das, — t ã o exactamente tinha Laplace, em todos os
cia para a F r a n ç a , decidiram os filósofos franceses, pormenores, pensado a sua obra!
com aquela clara p e r c e p ç ã o de m é t o d o que os dis-
tingue, erigir, segundo u m plano geral e sobre os *
mesmos princípios, o esquema de todos os conheci- • *
mentos humanos, quer os de ordem natural, quer os
de ordem histórica. Intentaram, desde logo, edificar O que Laplace fêz para a mecânica celeste, os
o saber generalizado, ou seja a filosofia do universo filósofos franceses do século X V I I I o fizeram, no l i -
e da sua vida, sobre bases estritamente científicas, mite dos conhecimentos da época, para o estudo dos
repelindo, consequentemente, todas as c o n s t r u ç õ e s f e n ó m e n o s da vida, bem como para os do entendi-
m e t a f í s i c a s dos filósofos anteriores e procurando ex- mento e do sentimento humanos que constituem a
plicar todos os f e n ó m e n o s pela a c ç ã o dessas mesmas psicologia. Haviam, de h á muito, renunciado à s a f i r -
forças físicas ( a c ç õ e s e r e a c ç õ e s m e c â n i c a s ) que eram m a ç õ e s puramente metafísicas que faziam as delícias
suficientes para explicar a origem e a evolução do dos seus predecessores e que, mais tarde, vamos en-
globo terrestre. contrar nos trabalhos do filósofo a l e m ã o K a n t . E ' por
Conta-se que quando N a p o l e ã o I expressou a L a - demais sabido que K a n t , por exemplo, pretendia ex-
place a sua surpresa por n ã o haver deparado em toda plicar a origem do sentimento moral humano como
a sua obra sobre a Exposição do Sistema do Mundo u m " i m p e r a t i v o c a t e g ó r i c o " , e afirmava, ao mesmo
o nome de Deus, Laplace teria simplesmente respon- tempo, o c a r á c t e r o b r i g a t ó r i o de tal ou qual m á x i m a
dido: " n ã o tive necessidade dessa h i p ó t e s e " . Mas particular de conduta "se a pudermos conceber como
o grande m a t e m á t i c o fez mais e melhor. uma l e i susceptível de aplicação universal". Mas ca-
26 P E T E R K R O P O T K I N O AjNARQUISMO E A ClÊNCIA MODERNA 27
Foi nessa altura que W i l l i a m Godwin fez apare- u concepção do "Cristo socialista e r e v o l u c i o n á r i o " .
cer em 1793 a sua e x t r a o r d i n á r i a e inesquecível obra Ideil que, já antes de 1848, se ostentava garbosamen-
intitulada A n Enquiry into Politicai Justice and its te. Esses os dois pontos em que o socialismo mo-
Influence on Public Morality (Da J u s t i ç a Política e d n n o difere essencialmente do dos seus primitivos
da sua Influência sobre a Moralidade) que o elevou propugnadores.
à categoria de primeiro t e ó r i c o do socialismo sem go- O socialismo moderno entende, e m u i t o bem, que
verno, isto é, do Anarquismo, ao passo que Babeuf, para realizar as suas a s p i r a ç õ e s é absolutamente i m -
sob a influência, ao que parece, de Buonarotti, se prescindível a revolução social, n ã o p o r é m , no sentido
apresentava em 179o como <» primeiro t e ó r i c o do so- em (pie muitas vezes a palavra " r e v o l u ç ã o " é empre-
cialismo centralizador, por outra, do socialismo de gada quando se fala em " r e v o l u ç ã o i n d u s t r i a l " ou
Estado. " r e v o l u ç ã o nas c i ê n c i a s " , mas no seu sentido exacto,
Vieram posteriormente, desenvolvendo os p r i n c í - preciso, concreto: o de r e c o n s t r u ç ã o geral e imediata
pios j á formulados pelo povo francês nos finais do das bases da sociedade.
século precedente, Fourier, Saint-Simon e Robert E sobre o que fica dito acrescentaremos que o
Owen, os t r ê s fundadores do socialismo moderno nas socialismo moderno cessou de mesclar as suas claras
suas t r ê s principais escolas, e mais tarde, nos anos concepções com as raras reformas, muito anodinas,
quarenta, tivemos Proudhon que, desconhecendo a de ordem sentimental preconizadas por certos refor-
obra de Godwin, assentava de novo os fundamentos madores c r i s t ã o s . Mas isso mesmo, cumpre salientar
do Anarquismo. o facto, já havia sido feito por Godwin, Fourier e
As bases científicas do socialismo nos seus dois Owen.
aspectos principais: governamental e anti-governa- Quanto à c e n t r a l i z a ç ã o e ao culto da autoridade
mental, — foram elaborados desde os c o m e ç o s do e da disciplina, que a humanidade deve principalmente
século X I X com uma a b u n d â n c i a de desenvolvimen- à teocracia e à lei imperial romana, essa superstrutura
tos lastimosamente ignorada dos nossos c o n t e m p o r â - de um passado obscuro, constituem restos a t á v i c o s
neos. Mas a verdade é que o socialismo moderno, conservados ainda por uma m u l t i d ã o de socialistas
que data da fundação da célebre Associação Interna- modernos que, porisso mesmo, ainda n ã o atingiram
cional dos Trabalhadores em 1864, n ã o ultrapassou o nível dos seus predecessores ingleses e franceses,
aqueles e g r é g i o s fundadores s e n ã o , talvez, em dois — Godwin e Proudhon.
pontos, aliás, muito importantes.
Enquanto uma das t e n d ê n c i a s do socialismo m o -
derno se declarava r e v o l u c i o n á r i a , isto é, afirmava * *
categoricamente que a r e a l i z a ç ã o dos seus objectivos
somente pela r e v o l u ç ã o social poderiam ser obtidos, ^ Seria difícil dar aqui uma ideia adequada da i n -
sobre que Fourier, Saint-Simon e Owen n ã o ousaram fluência que a reacção, ufanamente campeante depois
pronunciar-se, a outra tendência rompia de vez com da grande R e v o l u ç ã o francesa, exerceu s ô b r c o desen-
I P E T E R K R O P O T K I N <» \.-.MisMo |.; A C I Ê N C I A MODKRNA 35
Foi nessa altura que W i l l i a m Godwin fêz apare- a concepção do "Cristo socialista e r e v o l u c i o n á r i o " ,
cer em 1793 a sua e x t r a o r d i n á r i a e inesquecivel obra ideia (pie, j á antes de 1848, se ostentava garbosamen-
intitulada A n Enquiry into Politicai Justice and its te. Esses os dois pontos em que o socialismo mo-
Influence on Public Morality (Da J u s t i ç a Política e derno difere essencialmente do dos seus primitivos
da sua Influência sobre a Moralidade) que o elevou pi < ipugnadores.
à categoria de primeiro t e ó r i c o do socialismo sem go- O socialismo moderno entende, e muito bem, que
verno, isto é, do Anarquismo, ao passo que Babeuf, p u a realizar as suas a s p i r a ç õ e s é absolutamente i m -
sob a influência, ao que parece, de Buonarotti, se prescindível a r e v o l u ç ã o social, n ã o p o r é m , no sentido
apresentava em 1796 como o primeiro t e ó r i c o do so- em que muitas vezes a palavra " r e v o l u ç ã o " é empre-
cialismo centralizador, por outra, do socialismo de gada quando se fala em " r e v o l u ç ã o i n d u s t r i a l " ou
Estado. " r e v o l u ç ã o nas c i ê n c i a s " , mas no seu sentido exacto,
Vieram posteriormente, desenvolvendo os p r i n c í - preciso, concreto: o de r e c o n s t r u ç ã o geral e imediata
pios j á formulados pelo povo francês nos finais do das bases da sociedade.
século precedente, Fourier, Saint-Simon e Robert E sobre o que fica dito acrescentaremos que o
Owen, os t r ê s fundadores do socialismo moderno nas socialismo moderno cessou de mesclar as suas claras
suas t r ê s principais escolas, c mais tarde, nos anos concepções com as raras reformas, muito anodinas,
quarenta, tivemos Proudhon que, desconhecendo a de ordem sentimental preconizadas por certos refor-
obra de Godwin, assentava de novo os fundamentos madores c r i s t ã o s . Mas isso mesmo, cumpre salientar
do Anarquismo. o facto, j á havia sido feito por Godwin, Fourier e
As bases cientificas do socialismo nos seus dois Owen.
aspectos principais: governamental e anti-governa- Quanto à c e n t r a l i z a ç ã o e ao culto da autoridade
mental, — foram elaborados desde os c o m e ç o s do e da disciplina, que a humanidade deve principalmente
século X I X com uma a b u n d â n c i a de desenvolvimen- à teocracia e à lei imperial romana, essa superstrutura
tos lastimosamente ignorada dos nossos c o n t e m p o r â - de u m passado obscuro, constituem restos a t á v i c o s
neos. Mas a verdade é que o socialismo moderno, conservados ainda por uma m u l t i d ã o de socialistas
que data da fundação da célebre Associação Interna- modernos que, porisso mesmo, ainda n ã o atingiram
cional dos Trabalhadores em 1864, n ã o ultrapassou o nível dos seus predecessores ingleses e franceses,
aqueles e g r é g i o s fundadores s e n ã o , talvez, em dois — Godwin e Proudhon.
pontos, aliás, muito importantes.
Enquanto uma das t e n d ê n c i a s do socialismo mo- *
derno se declarava r e v o l u c i o n á r i a , isto é, afirmava * *
categoricamente que a realização dos seus objectivos
somente pela r e v o l u ç ã o social poderiam ser obtidos, Seria difícil dar aqui uma ideia adequada da i n -
sobre que Fourier, Saint-Simon e Owen n ã o ousaram fluencia que a r e a c ç ã o , ufanamente ç a m p e a n t e depois
pronunciar-se, a outra t e n d ê n c i a rompia de vez com da grande R e v o l u ç ã o francesa, exerceu sobre <» desen-
P E T E R K R O P O T K I N <> ANARMIMSMO I : A C I Ê N C I A MODERNA 37
propaganda das ideias republicanas e socialistas na dr m o s , — de 1856 a 1862, — dos trabalhos de Grove,
terceira e quarta d é c a d a s do século X I X , bem como Joule, Berthelot, Helmholtz e Mendéléeff; de D a r w i n ,
a r e v o l u ç ç ã o de 1848, que muito c o n t r i b u í r a m para Clatlde Bernard, Spencer, Moleschott, e V o g t ; de
que a ciência pudesse quebrar as algemas que a o p r i - Lyell, sobre as origens do h o m e m ; de Alexander Bain,
miam desde o c o m e ç o da r e a c ç ã o a n t i - r e v o l u c i o n á r i a olue a psicologia fisiológica; de M i l l , sobre a lógica
pela coalizão das monarquias coligadas contra a Re- indutiva; de Emile Burnouf, sobre a ciência das re-
pública revolucionária francesa de 1789-1793. l i g i õ e s ; — toda uma plêiade de pensadores surgindo
*
como que de repente com a a p r e s e n t a ç ã o de traba-
* *
lhos, qual deles o mais n o t á v e l , produziram uma re-
v o l u ç ã o completa nas concepções fundamentais ria
Sem entrar em particularidades, b a s t a r á recordar ciência.
alguns factos. Mare S é g u i n , há pouco citado, um dos A ciência viu-se de chofre lançada em vias com-
primeiros promotores da teoria mecânica do calor; pletamente novas. Com uma rapidez vertiginosa inau-
A u g u s t i n T h i e r r y , o historiador que primeiro assen- guraram-se novos ramos do saber. A ciência da vida
tou as bases do regime popular das pequenas r e p ú - (biologia), a das instituições humanas (antropologia
blicas da idade média, bem como das ideias federa- e etnologia), a do entendimento, da vontade e das
listas da mesma é p o c a ; Leonard Sismondi, economista p a i x õ e s humanas (psicologia fisiológica), a história
e historiador suíço, que !<•/ B história das repúblicas do direito e da f o r m a ç ã o das religiões em bases cien-
livres medievas da Itália, foram todos discípulos de tíficas e a n t r o p o l ó g i c a s , e, nesse andar, as demais
Saint-Simon, um dos t r ê s fundadores j á referidos do ciências, surgiram rapidamente ante nossos olhos sur-
socialismo na primeira metade do século X I X ; Alfred preendendo o e s p í r i t o pela intrepidez das suas gene-
Russell Wallace, emulo de D a r w i n , que enunciou, ao ralizações e pelo c a r á c t e r r e v o l u c i o n á r i o das suas
mesmo tempo que este, a doutrina da origem das conclusões.
espécies por via de selecção natural, foi, em sua mo- O que no século X V I I I n ã o passara de simples
cidade, um p a r t i d á r i o convicto de Robert O w e n ; A u - conjecturas, suposições gerais, intuições vagas, se
guste Comte. o fundador da filosofia positiva, foi san- apresentava agora em factos probantes por meio da
simoniano; D . Ricardo, economista inglês, como J. b a l a n ç a e do microscópio, verificado por milhares de
Bentham, filósofo e jurisconsulto inglês, foram p a r t i - o b s e r v a ç õ e s e e x p e r i ê n c i a s . O p r ó p r i o modo de es-
dários de O w e n ; os materialistas K a r l V o g t e George crever, a t é isso, mudou por completo. Os homens de
Lewes, como Grove, Stuart M i l l , H e r b e r t Spencer e ciência, os citados acima e outros mais, voltavam-se
tantos outros, foram requestados à influência do mo- para a simplicidade, regressavam às normas da exa-
vimento radical-socialista dos ú l t i m o s p e r í o d o s do ctidão e da beleza de estilo, c a r a c t e r í s t i c o s que s ã o
século findo e nesse movimento hauriram a sua do m é t o d o indutivo, no que se distinguiram os escri-
audácia científica. tores do século X V I I I que haviam rompido, inapela-
O aparecimento, no curto espaço de meia dúzia vclmente, com a metafísica.
40 P E T E R K R O P O T K I N <> A N A K O U I S M O I: A C I Ê N C I A MOOKRNA 41
SÉ
0 ANARQUISMO E A CIÊNCIA MODERNA
44 P E T E R K R O P O T K I N
rem escapado à sua atenta o b s e r v a ç ã o a e x t e n s ã o da Nada de admirar, portanto, que Comte chegasse i
sociabilidade e do a u x í l i o m ú t u o entre os animais e lais conclusões, uma vez que n ã o reconhecera que o
a i m p o r t â n c i a ética desses factores da evolução (1) s e n i imento moral do homem, como a sociabilidade e
Mas, para tirar desses factos as conclusões posi- a própria sociedade, teem uma origem pre-humana;
tivistas n e c e s s á r i a s , os conhecimentos em biologia de.de o momento que n ã o reconhecia nesse sentimen-
eram, ao tempo, bastante escassos e, a l é m disso, a to uma mera evolução ulterior da sociabilidade a n i -
Comte faltava precisamente a ousadia para o fazer. mal, robustecido no homem pela o b s e r v a ç ã o da Na-
Suprimiu, é certo, do seu v o c a b u l á r i o filosófico. Deus, tureza e da vida das sociedades humanas, as conclu-
a divindade das religiões positivas que o homem deve s õ e s deveriam ser fatalmente aquelas.
adorar e a quem orar para obter a g r a ç a de ficar Comte n ã o pudera compreender que o senso mo-
um ser moral, mas, em s u b s t i t u i ç ã o , colocou a palavra ral do homem depende tanto da sua i n t r í n s e c a natu-
H U M A N I D A D E com H maiúsculo. A n t e esse novo reza como da sua o r g a n i z a ç ã o física as quais são uma
ídolo ordenava -nos êle prostrarmo-nos devotamente e h e r a n ç a derivada de u m longo processo evolutivo que
dirigir-lhe as nossas preces a-fim-de desenvolver em tem durado de h á séculos.
nós os sentimentos morais! Comte notara, certamente, a existência de senti-
mentos de sociabilidade e de simpatia r e c í p r o c a entre
E ' claro que, uma vez entrado nesse caminho, re-
os animais, p o r é m , sob a influência do grande zoolo-
conhecido como n e c e s s á r i o que o homem deva adorar
gista Cuvier, que, naquele tempo, era considerado a
qualquer fetiche, colocado fora e acima do mesmo ho-
maior autoridade científica, n ã o admitiu o que Buf-
mem, para manter o animal humano na senda do de-
fon e Lamarck haviam j á entrevisto: a variabilidade
ver, — o resto viria natural e suavemente. O ritual
das espécies, n ã o reconhecera, em-fim, a doutrina,
da religião comteana encontra-se facilmente por en-
hoje corrente, da evolução c o n t í n u a que vai do ani-
tre os rituais das arcaicas religiões procedentes do
mal ao homem.
Oriente.
Conseguintemente, Comte n ã o vira o que Dar-
•
w i n t ã o bem compreendera: que o senso moral do ho-
(1) — Na primeira edição inglesa deste estudo não havía- mem nada mais é do que uma evolução sucessiva dos
mos referido essas passagens da obra de Comte. Foi um instintos, dos h á b i t o s de auxílio m ú t u o existentes em
.amigo nosso, positivista, residente no Brasil, que mc chamou todas as sociedades animais muito anteriores ao apa-
a atenção para o facto, citando-me largamente os textos da recimento na terra dos primeiros e s p é c i m e s com apa-
obra de Comte e até presenteando-mc com um belo exem-
plar pelo que é ocasião azada de lhe testemunhar aqui os rência humana.
meus cordiais agradecimentos. Efectivamente há, na referi- Pelas mesmas r a z õ e s , Comte n ã o pôde verificar,
da obra de Comte, como na sua Filosofia Positiva, páginas como agora estamos habilitados a fazê-lo, que, n ã o
e mais páginas cheias de génio c erudição, que constitui um
obstante os actos imorais de indivíduos isolados, o
prazer intenso relê-las agora, mormente depois de uma vida
inteira absorta na aquisição de conhecimentos. senso moral na espécie humana p e r d u r a r á , todavia,
N. do A. instintivamente enquanto a humanidade n ã o entrar
48 P K T E R K R O P O T K I N
as quais, na verdade, foram a total r u í n a dos sacer- « l o . <>•, í a m o s do saber, os factos mais incompreen-
dócios de todas as religiões. síveis e os mais difíceis problemas. Baseando-se nes-
A luta foi, sem dúvida, terrível, mas os darwinis- se princípio, t ã o rico de consequências, foi possível re-
tas, como n ã o podia deixar de ser, sairam dela vito- OOnstituir, n ã o somente a história dos organismos,
riosos e desde e n t ã o uma nova ciência, — a biologia, (lias a p r ó p r i a h i s t ó r i a das instituições humanas.
— a ciência da vida em todas as suas m a n i f e s t a ç õ e s , A biologia, manobrada por Spencer, evidenciou-
se fundou e detenvo)veu enormemente à s nossas vis- nos p e r e n t ò r i a m e n t e como todas as espécies de plan-
tas como é demasiado sabido. tas e de animais puderam desenvolver-se oriundas de
A doutrina da origem das espécies por via des- 11 iis poucos organismos que povoavam a terra no seu
cendente é hoje um facto t ã o firmemente estabelecido início e Haeckel p ô d e t r a ç a r o a d m i r á v e l esquema de
e reconhecido que a t é os p r ó p r i o s sacerdotes das v á - uma á r v o r e g e n e a l ó g i c a , mais do que provável, das
rias religiões a aceitam sem c o n t e s t a ç ã o , apenas t r a - diferentes classes de animais em que é abrangido o
tam de a acomodar ao princípio teológico da Reve- homem. Resultado imenso esse a que veio juntar-se
lação. o dos primeiros fundamentos sólidos, científicos, da
história dos h á b i t o s , dos costumes, das c r e n ç a s e das
* instituições humanas, conhecimento, aliás, que faltava
absolutamente aos filósofos do século X V I I I e, espe-
cialmente, a Auguste Comte. Essa história, — a das
Assim a obra de D a r w i n forneceu-nos uma nova sociedades humanas, das v á r i a s instituições sociais e
i n t e r p r e t a ç ã o e u m novo m é t o d o de i n v e s t i g a ç ã o que das religiões, — a podemos agora escrever norteando-
nos habilitam para uma mais exacta inteligência da nos pelo fecundo princípio da evolução sem necessi-
complexidade dos f e n ó m e n o s , m é t o d o que tanto se dade de recorrermos à s f ó r m u l a s metafísicas de He-
aplica à vida da m a t é r i a física como à vida dos orga- gel, sem ser preciso apelar para as "ideias inatas",
nismos e das sociedades em sua evolução. para uma r e v e l a ç ã o exterior e superior ou ainda para
as " s u b s t â n c i a s " de K a n t .
A ideia de u m c o n t í n u o desenvolvimento, de uma
progressiva evolução e de uma gradual a d a p t a ç ã o dos Podemos reconstituir naturalmente essa história
indivíduos e das sociedades à s novas condições na sem necessidade alguma de invocarmos f ó r m u l a s va-
medida que estas se modificam, — essa ideia funda- sias de sentido que foram a morte de todo o e s p í r i t o
mental encontrou uma aplicação muito mais larga investigador e por d e t r á s das quais se ocultavam,
que a que, a t é e n t ã o , pretendia explicar a origem das como por entre nuvens, a mesma ignorância, a crassa
espécies. Quando essa concepção se aplicou ao estu- i g n o r â n c i a de sempre, as mesmas s u p e r s t i ç õ e s do pas-
do da Natureza em geral e, em particular, ao estudo sado, a mesma fé cega de outrora.
do homem, das suas faculdades e das instituições so- G r a ç a s , de um lado aos trabalhos de naturalistas
• lai I, verificou-se que novos horizontes se abriam à s de renome, de o u t r o aos de H e n r y Maine e seus con-
sas vistas permitindo explicar, no d o m í n i o de t o - tinuadores que souberam notoriamente aplicar o mes-
58 Pi: TER K R O P O T K I N <) ANARQUISMO I: A ( MACIA MOM-KNA
com a d m i r á v e l precisão a substância do nosso conhe- quéneias lógicas que os seus a d m i r á v e i s argumentos
cimento no tocante à s ciências físicas, à biologia e naquele campo impunham.
à psicologia em geral. Spencer n ã o soube, no estudo Outro exemplo frisante. Spencer, na fase á u r e a
daquele ramo do saber, permanecer fiel ao seu rigo- do seu pensamento, bateu-se energicamente contra a
roso m é t o d o científico e assim n ã o ousou enfrentar interferência do Estado na vida das sociedades e a
as consequências a que, fatalmente, o levariam a es- uma das suas mais notáveis obras deu êle o t í t u l o que
t r i t a a d o p ç ã o desse m é t o d o . por si encerra todo u m programa social r e v o l u c i o n á -
Assim, para citar u m exemplo, Spencer reconhece rio: O Indivíduo contra o Estado (The .Man versus
plenamente que o solo nunca devera ser propriedade State). Pouco a pouco, p o r é m , sob o falso pretexto
de quem quer que fosse, como admite que o proprie- de salvaguardar as funções protectoras do Estado,
t á r i o do solo, pelo facto do direito que lhe assiste de reconstitui-o inteiramente tal qual hoje existe, ape-
elevar a seu bel-prazer o p r e ç o de locação da terra, nas com mui poucas e t í m i d a s r e s t r i ç õ e s .
p o d e r á impedir os seus naturais cultivadores de ex-
t r a i r dela tudo o que, por meio de uma cultura inten- *
siva, poderiam obter, ou. em sentido c o n t r á r i o , t e r á
a faculdade, consoante as suas conveniências, de con-
servar incultas as terras aguardando uma oportuni- Essas, e outras c o n t r a d i ç õ e s do mesmo g é n e r o ,
dade em (pie o preço do hectare suba por via do t r a - encontram fácil explicação no facto de haver Spencer
balho de outrem c do progresso realizado na r e g i ã o planeado a parte sociológica da sua filosofia, ao t e m -
que venham a promover a valorização dos terrenos po em que era n o t ó r i a a influência do partido radical
adjacentes. inglês, antes de haver escrito a parte referente à s
ciências naturais.
Spencer reconhece expressamente que u m t a l sis- Com efeito, Spencer escreveu a sua Estática So-
tema é. sobre nocivo à sociedade, prenhe de perigos cial em 1851, no período era que o estudo a n t r o p o l ó -
v á r i o s . Pois. a-pesar-de reconhecer, no que respeita gico das instituições humanas estava ainda no seu
à terra, todos estes males n ã o ousou, entretanto, apli- início. P o r é m , como quere que fosse, o resultado foi
car os mesmos raciocínios a respeito das outras r i - que Spencer, como Comte, n ã o empreendeu, como u m
quezas acumuladas, como as minas e as docas, para naturalista o faria, sem ideias preconcebidas hauridas
n ã o incluir nesse n ú m e r o as usinas e as fábricas que em fontes diversas das que as ciências exactas for-
estariam, naturalmente, no mesmo p é daquelas. necem, o estudo daquelas instituições pelo que elas
Se no domínio das ciências naturais n ã o hesitou valem em vista da sua finalidade.
Spencer em proclamar opiniões absolutamente con- Preciso é n ã o esquecer que quando Spencer ela-
t r á r i a s à s sustentadas durante séculos infindos pelo borou a sua filosofia das sociedades, isto é, da Socio-
e s p í r i t o religioso, no terreno das ciências sociológicas logia, enveredou pela aplicação de u m novo m é t o d o ,
n ã o teve a coragem n e c e s s á r i a para aceitar as conse- sem dúvida o mais ardiloso de todos quantos podiam
P E T E R K R O P O T K I N (.> A N A R Q U I S M O E A ( I I . M I A MODERNA
64
tou sempre contra a política "sem p r i n c í p i o s " dos vida vegetal e animal, a psicologia, a vida das socie-
r e a c c i o n á r i o s . A quando da guerra contra os boers dades humanas, o desenvolvimento das suas ideias c
(1) n ã o hesitou em se pronunciar claramente contra do seu ideal m o r a l : um Tableau de la Nature
a a g r e s s ã o inglesa e ainda alguns meses antes da sua dro da Natureza), como idealizara fazer o b a r ã o de
morte se declarava e s t r é n u o inimigo do proteccionis- Holbach, que abrangesse, na sua í n t e g r a exposição,
mo preconizado pelo aventureiro político que foi todos os fenómenos naturais, desde o simples facto
Chamberlain (2). da queda de um corpo a t é ao complexo f e n ó m e n o do
sonho magnífico do poeta, — tudo compreendido co
* mo factos de ordem puramente material.
* * A p ó s essa tentativa. Auguste Comte. nos meados
do século X I X , retomara sobre seus ombros a tarefa
O serviço principal da obra de Spencer n ã o e s t á . imensa. Tentara elaborar uma filosofia positiva que
todavia, na sua Estática Social. E s t á na e l a b o r a ç ã o devesse resumir os factos essenciais dos nossos conhe-
da sua Filosofia Sintética, (cujo vasto programa pode cimentos sobre a Natureza, sem i n t e r v e n ç ã o alguma
ser examinado no i n t r ó i t o do primeiro volume da de deuses, de forças ocultas ou de termos metafísicos
obra. — First Principies, — Primeiros P r i n c í p i o s ) , a que outra cousa n ã o são mais do que referências ve-
qual, depois da obra de Comte, pode ser considerada tadas a forças sobrenaturais.
como a principal obra filosófica do século X I X . A filosofia positiva de Comte, ainda que protes-
Os filósofos do século X V I I I , sobretudo os enci- tem os críticos a l e m ã e s e ingleses que se imaginam
clopedistas, haviam j á tentado construir uma filoso- ou se pretendem isentos da sua poderosa influência,
fia s i n t é t i c a do Universo que fosse u m resumo de essa filosofia i m p r i m i u o seu cunho c a r a c t e r í s t i c o ao
tudo o que é essencial saber a respeito dos conheci- pensamento científico do século X I X . Provocou esse
mentos humanos acerca da Natureza e do h o m e m : e x t r a o r d i n á r i o movimento que foi o despertar das
sobre os planetas e as estrelas, as forças físicas e q u í - ciências naturais nos anos que v ã o de 1856-1862. co-
micas, — ou, digamos melhor, sobre os movimentos mo, em s í n t e s e , expusemos no c a p í t u l o V deste vo-
físicos e q u í m i c o s das moléculas, — os f e n ó m e n o s da lume. F o i ela t a m b é m que inspirou os trabalhos de
M i l l . Huxley, Lewes, Bain e tantos que, por brevida-
(1) — Antigos habitantes do Transvaal que formavam de, deixamos de citar, bem como sugeriu a Spencer
uma próspera República Sul-Africana cujo solo, possuidor a ideia de construir, por seu turno, a sua denominada
de ricas minas de ouro e diamantes, fora, porisso mesmo,
filosofia sintética, indicando-lhe õ m é t o d o a seguir
cubicado pela Inglaterra que moveu àquele Estado a mais
iníqua das guerras até conseguir, finalmente, desmembrá-lo para a sua e l a b o r a ç ã o .
e anexá-lo aos seus domínios cm 1900. Mas a filosofia de Comte. além do seu erro fun-
(2) — Joseph Chamberlain, célebre estadista inglês. (1836- damental sobre a q u e s t ã o da origem e evolução do
1914). um dos promotores do movimento imperialista da In- senso moral no homem, ao que j á a t r á s nos referi
glaterra.
N. do T. mos. oferecia ainda uma formidável lacuna. Comte
74 P E T E R K R O P O T K I N (> ANARQUISMO I : A CIÊNCIA MOHEKNA 75
n ã o era naturalista. A zoologia e a geologia eram cap. I l l desta obra) foi tal que essas ideias de L a -
lhe completamente estranhas. Atendo-se nestas ma- marck foram logo esquecidas e votadas ao mais com-
t é r i a s á s opiniões de Cuvier, negava a variabili- pleto ostracismo. Dominava e n t ã o a metafísica ale-
dade das espécies. Pela a d o p ç ã o dessas vistas esta- mã e, simultaneamente com o culto da realeza, rein-
va, evidentemente, impedido de conceber e aceitar a tegrava o deus hebreu que opera a seu a r b í t r i o a pa-
doutrina da evolução, do desenvolvimento contínuo, ragem dos sóis e que vela por que nenhum cabelo
como modernamente a compreendemos. caia sem a sua p e r m i s s ã o , e renovava o culto de uma
alma imortal do universo, parcela desse deus.
* Entrementes, a ideia de desenvolvimento natural,
de evolução, prosseguia denodadamente. Se o nosso
sistema p l a n e t á r i o , em que se compreende o nosso
J á em 1801 o grande naturalista Lamarck, adian- sol, s ã o o produto de um lento desenvolvimento, co-
tando-se ã s ideias emitidas por Buffon, afirmava ca- mo j á o haviam superabundantemente demonstrado
tegoricamente que as diferentes espécies de plantas e Laplace e K a n t , os conglomerados de m a t é r i a nebu-
animais que povoam hoje a superfície da terra se ha- losa que observamos no céu n ã o r e p r e s e n t a r ã o t a m -
viam desenvolvido progressivamente, que provinham b é m mundos em via de f o r m a ç ã o ? O universo n ã o
de outras espécies de plantas e animais as quais, sob será um mundo de sistemas solares sempre em Via
a influência do meio em que vegetavam, foram adqui- de evolução que n ã o teem c o m e ç o nem f i m . o r i g i n á -
rindo gradualmente novas e distintas formas. E m rios que são do infinito?
u m clima demasiado seco, em que a e v a p o r a ç ã o seja Se Buffon e Lamarck tinham já pressentido que
mui abundante, a película foliácea se t r a n s f o r m a r á ; as o leão, o tigre e a girafa se adaptavam excelentemen-
folhas d e s a p a r e c e r ã o a ponto de se tornarem espinhos te aos meios em que habitam é que esses animais
duros e secos. U m animal que fôr forçado a per- actuaram de modo tal que fizeram deles o que hoje
correr desertos i n t e r m i n á v e i s a d q u i r i r á pouco a pouco são. E, com efeito, os factos, nos p r i m ó r d i o s do século
p r o p o r ç õ e s de leveza e locomoção mais rápida do que findo, oriundos de diversas partes do globo, se acumu-
o animal que chafurdar toda a sua vida na vasa dos lavam por via das viagens l o n g í n q u a s de investigado-
p â n t a n o s . U m r a i n ú n c u l o que germinar em u m pra- res perspicazes que todos os dias traziam novas pro-
do coberto de á g u a o s t e n t a r á folhas diferentes do que vas em apoio daquela doutrina. A variabilidade das
vegetar em um prado seco. espécies tornava-se assim um facto comprovado. O
Tudo muda continuamente em a Natureza; as transformismo, ou, como melhor se queira, o desen-
formas n ã o são permanentes, as plantas e os animais volvimento contínuo, de novas espécies, impunha-se.
com que estamos familiarizados s ã o o produto de A o mesmo tempo, a geologia estabelecia irrefra
uma lenta a d a p t a ç ã o a condições que, por si, igual- gavelmente que milhares de séculos se haviam escoa-
mente mudaram a t r a v é s dos tempos. Todavia, a re- do antes que houvessem surgido sobre a terra os p r i -
a c ç ã o que tomou pé após a grande r e v o l u ç ã o (vide o meiros exemplares de peixes, em seguida os primei-
74 P E T E R K R O P O T K I N (> \.V\KnriSM.» i: \ II M I A \ | . . | . I K , \5
n ã o era naturalista. A zoologia e a geologia eram cap. I I I desta obra) foi tal que essas ideias de I .a
lhe completamente estranhas. Atendo-se nestas ma- marck foram logo esquecidas e votadas ao mais com-
t é r i a s á s opiniões de Cuvier, negava a variabili- pleto ostracismo. Dominava e n t ã o a metafísica ale-
dade das espécies. Pela a d o p ç ã o dessas vistas esta- mã e, simultaneamente com o culto da realeza, rein-
va, evidentemente, impedido de conceber e aceitar a tegrava o deus hebreu que opera a seu a r b í t r i o a pa-
doutrina da evolução, do desenvolvimento contínuo, ragem dos sóis e que vela por que nenhum cabelo
como modernamente a compreendemos. caia sem a sua p e r m i s s ã o , e renovava o culto de uma
alma i m o r t a l do universo, parcela desse deus.
* Entrementes, a ideia de desenvolvimento natural,
de evolução, prosseguia denodadamente. Se o nosso
sistema p l a n e t á r i o , em que se compreende o nosso
J á em 1801 o grande naturalista Lamarck, adian- sol, s ã o o produto de u m lento desenvolvimento, co-
tando-se à s ideias emitidas por Buffon, afirmava ca- mo j á o haviam superabundantemente demonstrado
tegoricamente que as diferentes espécies de plantas e Laplace e K a n t , os conglomerados de m a t é r i a nebu-
animais que povoam hoje a superfície da terra se ha- losa que observamos no céu n ã o r e p r e s e n t a r ã o t a m -
viam desenvolvido progressivamente, que provinham b é m mundos em via de f o r m a ç ã o ? O universo n ã o
de outras espécies de plantas e animais as quais, sob será um mundo de sistemas solares sempre em Via
a influência do meio em que vegetavam, foram adqui- de evolução que n ã o teem c o m e ç o nem f i m . o r i g i n á -
rindo gradualmente novas e distintas formas. E m rios que são do infinito?
um clima demasiado seco, em que a e v a p o r a ç ã o seja Se Buffon e Lamarck tinham já pressentido que
mui abundante, a película foliácea se t r a n s f o r m a r á ; as o leão, o tigre e a girafa se adaptavam excelentemen-
folhas d e s a p a r e c e r ã o a ponto de se tornarem espinhos te aos meios em que habitam é que esses animais
duros e secos. U m animal que fôr forçado a per- actuaram de modo tal que fizeram deles o que hoje
correr desertos i n t e r m i n á v e i s a d q u i r i r á pouco a pouco são. E, com efeito, os factos, nos p r i m ó r d i o s do século
p r o p o r ç õ e s de leveza e l o c o m o ç ã o mais rápida do que findo, oriundos de diversas partes do globo, se acumu-
o animal que chafurdar toda a sua vida na vasa dos lavam por via das viagens l o n g í n q u a s de investigado-
p â n t a n o s . U m r a i n ú n c u l o que germinar em u m pra- res perspicazes que todos os dias traziam novas pro-
do coberto de á g u a o s t e n t a r á folhas diferentes do que vas em apoio daquela doutrina. A variabilidade das
vegetar em um prado seco. espécies tornava-se assim um facto comprovado. O
Tudo muda continuamente em a Natureza; as transformismo, ou, como melhor se queira, o desen-
formas n ã o são permanentes, as plantas e os animais volvimento contínuo, de novas espécies, impunha-se.
com que estamos familiarizados s ã o o produto de A o mesmo tempo, a geologia estabelecia irrefra
uma lenta a d a p t a ç ã o a condições que, por si, igual- gavelmente que milhares de séculos se haviam escoa-
mente mudaram a t r a v é s dos tempos. Todavia, a re- do antes que houvessem surgido sobre a terra os p r i -
a c ç ã o que tomou pé após a grande r e v o l u ç ã o (vide o meiros exemplares de peixes, em seguida os primei-
76 P E T E R K R O P O T K I N () ANARQUISMO K A C M M I A M.H.J.UNA 77
menos certo, por outro lado. que em alguns lances, senvolvimento gradual dos usos, c o s t u m o <• institui
Spencer emitiu vistas de conjunto mais largas e, q u i - ções da humanidade.
çá, mais justas, que escaparam à visão do seu gran- Finalmente, para remate da sua obra, nos deixou
de c o n t e m p o r â n e o e mestre. Spencer os Princípios de Ética, isto é, de Moral, em
Segundo a opinião de Spencer, as novas espécies duas partes, a Moral Evolucionista (1) e a Justiça,
de plantas e de animais t i r a m a sua origem primeira- dois volumes bastante conhecidos dos estudiosos.
mente, como já o dissera Lamarck, da influência d i - Eis. em rápida síntese, todo o sistema de filoso-
recta do meio ambiente sobre os indivíduos. A esse fia evolucionista do grande pensador do século X I X
f e n ó m e n o dava Spencer a d e n o m i n a ç ã o de adapta- que foi inegavelmente Herbert Spencer.
ção directa.
*
Secundariamente, as novas variações das e s p é -
cies, produzidas, umas pela seca, outras pela humida-
de, pelo calor, pelo g é n e r o de a l i m e n t a ç ã o , e t c , e t c ,
— se tais factores forem bastante activos para serem E m todo o seu conjunto, a filosofia de Spencer
ú t e i s na luta pela existência, p e r m i t i r ã o , sem dúvida, compreendendo a sua parte moral, — Princípios de
aos indivíduos, por eles afectados, serem os melhor Ética, — é absolutamente indemne de toda a influên-
adaptados ao meio ambiente e, portanto, sobrevive- cia cristã, o que é digno de ser notado.
rem e deixarem uma p r o g é n i e mais sã. Esta sobre- Efectivamente, quando se medita a série sobre
vivência dos "melhor adaptados", é o que D a r w i n tudo o que modernamente se tem escrito em m a t é r i a
chamava de selecção natural na luta pela existência de filosofia e, principalmente, sobre q u e s t õ e s de mo-
e que Spencer designava como a adaptação indirecta. l a l , que tanto se ressente da influência do cristianis-
Esta dupla origem das espécies é t a m b é m a maneira mo, é que se aprecia devidamente o serviço prestado
de ver que prevalece hoje na ciência. O p r ó p r i o Dar por Spencer à obra do pensamento moderno.
win a perfilhou imediatamente em sua inteireza. Antes dele, n i n g u é m pensara e ousara sequer dar-
A parte seguinte da filosofia de Spencer se con- nos u m sistema filosófico do universo em que se ex-
substancia nos seus Princípios de Psicologia, cm dois plicasse, por meios naturais, o aparecimento e a evo-
volumes, em que o autor se coloca inteiramente a lução dos organismos, do homem, das sociedades hu-
dentro do ponto de vista materialista, embora o ter- manas e das concepções morais, absolutamente fora
mo materialismo n ã o seja evocado na obra. Como dos decalques comuns, uma filosofia agnóstica, isto é,
Rain. p ô s Spencer definitivamente de lado o estudo n ã o - c r i s t ã . Para Spencer, o cristianismo é uma reli-
da psicologia, claborando-a em bases puramente ma-
terialistas. A quarta parte da sua grande obra no-la (1) — A citada obra existe já em versão portm
o título O Que é a Moral?, tradução magnífii i d< II
dá nos seus Princípios de Sociologia, em t r ê s volumes, Lobo, da edição francesa. Edição da Livraria dl I Él
em que s ã o estudados os fundamentos da ciência das tos & Comp., de Lisboa.
sociedades, baseada, como o previra Comte, no de- N. do T.
P E T E R K R O P O T K I N O ANARQUISMO E A CIÊNCIA M UNA
80 •I
g i ã o que vale o que as outras valem, com a mesma em resumos, sentimos entrar na posse de uma •••n
origem, vivendo nos mesmos temores e nutrindo as c e p ç ã o integral do universo, seja, do conjunto d.i u.i
mesmas a s p i r a ç õ e s das suas c o n g é n e r e s , que exerceu, tureza na qual não entra a m í n i m a parcela do que
certamente, uma imensa influência sobre a humani- quer que seja de misterioso, n ã o h á nela, em Ion. |Q
dade, mas que, no f i m de contas, representa para o gar para o sobrenatural.
filósofo um mero facto da h i s t ó r i a das sociedades h u - E m casos particulares podemos, talvez, divergir
manas, como o são, sob esse mesmo aspecto, as nos- da concepção spenceriana, mas, na sua generalidade,
sas concepções j u r í d i c a s e as i n s t i t u i ç õ e s sociais. u m ponto importante fica assente. E ' o podermos
E ' por esse prisma que Spencer, do cristianismo, adquirir uma ideia real, concreta, precisa, da maneira
estuda a sua o r i g e m e e v o l u ç ã o natural. Quando fala como vivem os mundos, os sistemas solares, os pla-
de moral, interessa-se muito mais pela origem e de- netas e esses m í s e r o s seres, t ã o pretenciosos, que se
senvolvimento de tal ou tal uso, de tal ou tal princípio chamam os homens, sem a i n t r o m i s s ã o de um "abso-
moral, do que pela pessoa dos fundadores desta ou l u t o " , de uma " s u b s t â n c i a " representada como um
daquela religião, deste ou daquele ensino ético, que " e s p í r i t o d i v i n o " , e x p r e s s õ e s rebuscadas estas, com-
êle coloca em segundo plano. pletamente desacreditadas, chatas e ocas, que con-
O que falta na obra de Spencer é o e s p í r i t o de trastam com os conceitos positivos da ciência mo-
ataque, o e s p í r i t o combativo. C o n s t r ó i , é certo, u m derna.
a d m i r á v e l sistema do universo, considerado como u m A respeito de poesia, Spencer, na verdade, n ã o se
resultado da a c ç ã o das forças físicas, sem, entretanto, eleva ao ponto de nos descrever g r a n d í l o q u a s e har-
de modo directo, atacar as velhas s u p e r s t i ç õ e s , — o moniosas vistas de conjunto. Confinando-se na ma-
que, naturalmente, nos haveria de contentar sobre- terialidade do fenómeno, Spencer n ã o vibra à exalta-
maneira, — que empacham os e s p í r i t o s e lhes impede ç ã o p o é t i c a que nos inspira, no seu maravilhoso es-
de aceitar satisfatoriamente o sistema. Spencer, é p e c t á c u l o , a c o n t e m p l a ç ã o do universo. E \s
facto, silencia o ataque que essas s u p e r s t i ç õ e s mere- de lamentar que para Spencer a poesia da Natureza,
ciam e se, acaso, as fere é somente de leve, apenas do Universo, n ã o exista.
com uma palavra de menosprezo. E m c o m p e n s a ç ã o êle nos faz compreender como,
exclusivamente pela acção das forças físicas e quími
cas, a vida apareceu em nosso planeta; como, ainda
* * por via dessas mesmas forças, as plantas mais sim-
ples i r r o m p e r m e como, por efeito de meandros com-
O estilo de Spencer é, em geral, á r d u o . Frequen- plicados, outras plantas de maior complexidade sur-
temente, as provas que aduz nem sempre conseguem giram.
convencer-nos, o que, aliás, D a r w i n j á notara. A l é m Tratando dessoutro ramo das ciências naturais
disso, sente-se, ao lê-lo, a ausência do poeta, do artis- que é o dos animais, Spencer nos m o s t r a r á ui
ta. Mas quando lemos as suas obras, ainda mesmo giu e se desenvolveu, como se foi aperfeiçoando, atra»
P E T E R K R O P O T K I N < > A.NARyriSMo I \I \ IA \ RN v rU
82
vés das idades a t é excedê-lo, para finalmente atingir Verdade é que Spencer não nos leva, na rxpo-u
0 homem. Êle nos fará como que pressentir o mo- ç ã o do seu sistema filosófico, a perceber c i a r a m . m .
tivo porque a evolução foi a t é aqui um progresso; a unidade da Natureza, n ã o nos faz sentir a belr/.a, a
porque l humanidade pode e deve marchar ovante poesia dessa i n t e r p r e t a ç ã o sintética do universo Pa
para fins, sempre mais elevados, enquanto essa evo- ra t a l , falta-lhe o g é n i o de Laplace. o sentimento p o é
l u ç ã o durar. tico de Humboldt. a beleza estilística que Elisée Re
clus possuía. Destas, e de outras qualidades mais. ca
* recia o filósofo b r i t â n i c o .
* * Se. entretanto, essas maravilhosas qualidades lhe
faltam, em troca nos inicia na c o m p r e e n s ã o do racio-
Nos seus Princípios de Sociologia, Spencer t r a ç a cínio naturalista, inteiramente liberto do ensino reli-
admiravelmente o perfil das instituições humanas, das gioso e escolástico, mediante o qual se tem procurado
c r e n ç a s , das ideias gerais, das civilizações, desde as indefinidamente procrastinar e paralisar nos seus sur-
mais rudimentares a t é à s mais complexas. Nas par- tos o e s p í r i t o humano.
ticularidades pode, — é certo, — ter-se equivocado,
engana-se mesmo na sua a p r e c i a ç ã o . A concepção *
que formulamos da e v o l u ç ã o das sociedades difere j á , * *
e muito, da sua.
Todavia, Spencer nos familiariza com o verda- O p r ó p r i o Spencer. — somos levados a inquirir.
deiro m é t o d o de i n t e r p r e t a ç ã o dos factos sociais, — — ter-se-ia, acaso, liberto desse peso morto, que é o
r» m é t o d o das ciências indutivas, — que consiste em ensino religioso e e s c o l á s t i c o ? Quase, sim; inteira-
achar a explicação de todos os fenómenos sociais em mente, não.
causas naturais, em primeiro logar as imediatas c mais E m cada ciência, quando levado o seu estudo a
simples de admitir, e n ã o nas forças sobrenaturais ou fundo, à s suas ú l t i m a s instâncias, chega-se, natural
em h i p ó t e s e s provindas de análises verbalísticas, pu- mente, a um extremo limite, que n ã o poderemos, em
ramente metafísicas. um dado momento, exceder. E'. precisamente, e i
Habituados ao manejo desse m é t o d o , vemos des- c o n t i n g ê n c i a que m a n t é m a ciência sempre juvenil, a
de logo que todas as instituições sociais, relações eco- torna sempre atraente. Que maravilhoso ê x t a s e n ã o
n ó m i c a s , l í n g u a s , religiões, música, ideias morais, produziu em n ó s , nos meados do século X I X , essas
poesia, e t c , se explicam pelas mesmas vias dos factos e x t r a o r d i n á r i a s descobertas realizadas no campo d i
naturais que explicam os movimentos solares e os astronomia, das ciências físicas, das ciências biológi-
dos enxames de m a t é r i a que circulam no e s p a ç o , as cas, da psicologia fisiológica! Que belo não loi.nn
cores do a r c o - í r i s e as das borboletas, as formas das por exemplo, os horizontes que, nessa época. « I I . M
flores e as dos animais, os h á b i t o s das formigas, dos ram à nossa visão quando os limites da « iem i.t, it<
elefantes e dos homens. e n t ã o verificados, se alargaram como mu ub i im< n
84 P E T E R K R O P O T K I N O ANARQUISMO E A C I Ê N C I A MODERNA H5
te! Alargados, de-facto, sim, o foram nessa época, 300 metros por segundo e propagam-se de um modo
mas suprimidos, ou sequer afastados, n ã o , porque, t ã o preciso que é a t é possível s u b m e t ê - l a s ao cálculo
imediatamente aos transportes, novos limites se er- m a t e m á t i c o . J á de há muito que isto era sabido, mas
guiam, novos problemas a resolver surgiam de t o - o que se ignorava e n t ã o e veio a ser depois uma des-
dos os lados. coberta importante era que o calor, a luz e a p r ó p r i a
Continuamente a ciência recua os seus limites. electricidade se propagam absolutamente da mesma
Onde ela, h á vinte ou t r i n t a anos, se detinha, é hoje maneira que o som, somente com a diferença de ser
d o m í n i o conquistado; o limite, a t é e n t ã o imposto, o percurso com uma velocidade de 300.000 q u i l ó m e t r o s
recua. A p ó s a conquista de grandes progressos, a por segundo.
ciência detem-se novamente para proceder t\o O f e n ó m e n o explica-se: trata-se de m a t é r i a i n f i -
da totalidade dos conhecimentos adquiridos, para des- nitamente mais rarefeita que o ar a que entra em v i -
cortinar novos horizontes que se lhe antolham e i n - b r a ç ã o nos f e n ó m e n o s e l é c t r i c o s ; a electricidade se-
vestigar factos novos que lhe permitam tomar u m rá, portanto, devida à p r o d u ç ã o dessas vibrações, ab-
novo impulso e marchar na peugada de novas con- solutamente semelhantes às produzidas no ar pela
quistas. c a m p â n u l a sonora, as quais, como j á se disse, se p >
H á u m meio século apenas dizia-se: "eis u m feixe dem verificar por cálculos rigorosamente m a t e m á -
ticos.
de f e n ó m e n o s , — de a t r a c ç õ e s e r e p u l s õ e s . — que à
nossa o b s e r v a ç ã o apresentam qualquer cousa de co- E ' claro que isso n ã o constitui toda a ciência da
mum entre si. "Chamemos-lhcs " f e n ó m e n o s eléctri- electricidade: o ignoto nos circunda, penctra-nos por
cos", à falta de melhor e x p r e s s ã o , e denominemos todos os poros, mas a h i p ó t e s e levantada é j á uma
"electricidade" a sua causa produtora, qualquer que primeira a p r o x i m a ç ã o da positividade científica. Co-
seja, desconhecida no presente momento. E quando nhecida e sabida a primeira, breve chegaremos a uma
os impacientes interpelavam: "que é, afinal, a electri- segunda a p r o x i m a ç ã o , e depois a outras, com maior
cidade" ? t í n h a m o s a ombridade de lhes respondermos p r e c i s ã o e e x a c t i d ã o . E, enquanto se aguarda a últi-
que, a t a l respeito, no estado em que se encontram ma palavra, vamos j á podendo palestrar de um a ou-
as investigações concernentes, nada se sabia de posi- tro continente, sem neessidad de cabos submarinos ou
tivo. fios transmissores, recebemos e comunicamos mensa-
Hoje um passo avante foi dado. Desvendou-se gens de toda a espécie, em nossas casas e a t é a bordo
um ponto de s e m e l h a n ç a entre o som, o calor, a luz dos grandes t r a n s a t l â n t i c o s que sulcam as á g u a s
e a electricidade. De-facto, quando uma c a m p â n u l a oceânicas com uma velocidade incrível.
emite sons, produz ondas de ar, alternativamente "Mas, — interpelareis ainda outra vez, — o que
comprimido e rarefeito, que se seguem como se fos- é essa m a t é r i a que v i b r a " ? " N o momento actual,
sem vagas à superfície de um lago. nada sabemos a esse respeito que possa satisfazer a
No seu percurso a é r e o , essas vagas sonoras ca- nossa curiosidade: sabemos hoje tanto o que é essa
minham com uma velocidade, aproximadamente, de m a t é r i a vibrátil quanto s a b í a m o s há um século o que
O ANARQUISMO K A ClÉNCIa MOIU.MNA M7
86 P E T E R K R O P O T K I N
e contar!
era a electricidade e o calor", — tal seria a resposta
E ' tudo quanto a ciência nus poderá d i / . n rtirn.i
correcta. dessas especiosas i n d a g a ç õ e s .
E se insistirdes na i n d a g a ç ã o : "daqui a cincoenta
anos estaremos, porventura, em condições de saber *
algo de positivo sobre a momentosa q u e s t ã o " ? nin- * *
g u é m vos p o d e r á , no momento actual, afirmar nada
de certo, de positivo.
Spencer, a respeito da q u e s t ã o suscitada do limi
Tudo o que se vos poderá dizer é que, a respeito,
te dos nossos conhecimentos, excedeu-se e excedeu-se
um dia saberemos mais do que hoje.
muitíssimo.
E m abono do que acabamos de dizer basta citar
A f i r m a êle enfaticamente que, para a l é m de um
o estudo dos gazes recentemente descobertos, — o
certo limite, depara-se-nos, n ã o o desconhecido a que
á r g o n e o néon, — cujos á t o m o s se movimentam em
já nos referimos, que seria presumivelmente conhe-
vibrações t ã o r á p i d a s que é extremamente difícil fa-
cido num certo lapso de tempo, em cem anos, por
zê-los entrar em quaisquer c o m b i n a ç õ e s q u í m i c a s , o
exemplo, mas o incognoscível, isto é, o que jamais
que sugeriu a Mendéléeff a ideia de n ã o ser o é t e r se-
poderá ser conhecido pela nossa inteligência. A i
n ã o m a t é r i a em v i b r a ç õ e s mais r á p i d a s do que os c i -
Frederic Harrisson, um positivista inglês, judiei" i
tados gazes. — t ã o r á p i d a s que é impossível combi-
mente ponderou o seguinte, que consideramos abso-
ná-los em qualquer o p e r a ç ã o química, — cujos á t o -
lutamente j u s t o : "o que é curioso é pretender Spen-
mos se transportam livremente nos espaços interste-
cer conhecer intimamente esse desconhecido, e tanto
lares, no meio dos á t o m o s condensados de que s ã o
o pretendeu conhecer que dele faz u m incognoscível
c o n s t i t u í d o s os sóis e os planetas com as massas de
de criação exclusivamente sua, afirmando categórica
gases e de poeiras de m a t é r i a que os circundam.
mente ponderou o seguinte, que consideramos abso-
À vista disto como se poderia predizer, em 1860,
Com efeito, para afirmar que esse " a l é m ' " da
que, ao finalizar do século passado, l a n ç a r í a m o s v i -
ciência de hoje é u m incognoscível, é preciso i I
b r a ç õ e s eléctricas de tal espécie que nos seria per-
muito seguro que tal difira essencialmente de tudo
mitido comunicar entre a Irlanda e a capital da A m é -
quanto a t é agora temos aprendido a conhecer. Mas,
rica, quando mal s a b í a m o s , ou melhor, i g n o r á v a m o s ,
em sua simplicidade, isso é pretender saber imensa-
que a electricidade é constituída por vibrações a n á l o -
mente mais do que esse desconhecido possa encerrar.
gas à s vibrações luminosas?
E ' afirmar gratuitamente que esse incognoscível
Ora, pois, tratemos de ensinar menos tolices nas
difere de tal modo de todos os f e n ó m e n o s mecânicos,
nossas escolas e universidades e procuremos antes en-
q u í m i c o s , intelectuais e emocionais, de que j;i .111*.i
sinar, com maior profundeza, as ciências naturais de
cousa sabemos, que jamais poderá ser êle cataloe.nl'•
modo a desenvolver nos e s p í r i t o s juvenis a a u d á c i a
sob qualquer das rubricas citadas. Equivale n afir-
para novas concepções, — audácia sempre é do que
mar porque "de tal m a t é r i a nada sabemos" Iitit
se carece, — c quem viver a t é lá muito t e r á que ver
88 P E T E R K R O P O T K I N O ANARQUISMO E A CIÊNCIA MOUKMNA ttJ
que " n ã o sabemos o bastante para afirmar que tal e tudo o confirma, pelo c o n t r á r i o , que n ã o há nada c m
tal cousa n ã o se assemelhe, nem mediata nem imedia- a natureza que n ã o encontre o seu equivalente cm
tamente, a tudo que já sabemos!" nosso cérebro, parcela dessa mesma natureza, 00Ofr
Se, porventura, alguma cousa sabemos do univer posta, por toda a parte, dos mesmos elemento ílll
so, da sua existência passada, das leis do seu desen- cos e químicos. Nada h á , pois, que deva ficar para
volvimento ; se somos capazes, em-fim, de estabecer sempre desconhecido, isto é, que n ã o possa encontrar
as relações existentes, digamos, entre as distâncias a sua natural e x p r e s s ã o em nosso c é r e b r o .
que nos separam da via láctea e as que nos afastam
dos movimentos solares, assim como das moléculas *
que vibram nesse e s p a ç o ; se, em resumo, a ciência do * *
universo é uma realidade positiva, é que, entre esse
universo e o nosso c é r e b r o , o nosso sistema nervoso Bem pesado o assunto aventado por Spencer, fa-
e a nossa o r g a n i z a ç ã o em geral, existe similaridade lar de Incognoscível é, afinal, regressar, sem talvez
de estrutura. nos apercebermos do facto, à s magnas palavras do
Se o c é r e b r o humano fosse composto de m a t é - v o c a b u l á r i o das religiões, e é porque n ã o faltam os
rias que diferissem essencialmente das que c o m p õ e m religiosos para explorar Fartamente o tema favorito
o universo dos sóis, das estrelas, das plantas e dos ani- do filósofo inglês que nos permitimos entrar em m i -
mais ; se as leis das v i b r a ç õ e s moleculares e das trans- n u d ê n c i a s um tanto á r d u a s na verdade.
f o r m a ç õ e s q u í m i c a s no nosso c é r e b r o e na espinal A d m i t i r o Incognoscível spenceriano é sempre
medula diferissem das que existem à superfície do supor a existência dc uma força, infinitamente supe-
nosso planeta; se, finalmente, a luz, ao percorrer o rior à s que actuam em nossa inteligência e que se ma-
espaço entre as estrelas e o nosso campo visual, obe- nifestam nas o p e r a ç õ e s do nosso c é r e b r o , quando é
decesse, nesse percurso, a leis diferentes das que re- certo que nada, absolutamente nada, nos autoriza a
gulam a actividade dos nossos olhos, dos nossos ner- supor a realidade da existência de tal força.
vos visuais e dos nossos* c é r e b r o s , — jamais poderia- Para o naturalista, o abstracto, o absoluto, o i n -
' mos saber algo de verdade sobre a c o n s t i t u i ç ã o desse cognoscível, é sempre a mesma h i p ó t e s e que Laplace
universo, das leis que o regem e das relações cons- dispensara na sua Exposição do Sistema do Mundo <
tantes que nele observamos. Ora, o c o n t r á r i o é que da qual n ã o carecemos para termos uma explicação
é a verdade: n ó s sabemos j á o bastante para predizer racional, n ã o só do universo em sua fisicidadc, mas
uma massa enorme de cousas, para saber que as mes- da p r ó p r i a vida no planeta que habitamos em todas
mas leis que nos permitem p r e d i z ê - l a s s ã o apenas re- as suas variadas m a n i f e s t a ç õ e s .
lações que o nosso c é r e b r o apreende. Esse Incognoscível n ã o passa, no f i m de o miau,
Eis a r a z ã o porque, n ã o somente h á grave con- de u m luxo filosófico, de uma superstrutura Inúl
t r a d i ç ã o em qualificar de incognoscível o que, por en- uma sobrevivência a n a c r ó n i c a , — tal <•. em úllim i inií
quanto, nos é simplesmente desconhecido, mas, o que lise, a verdade em sua inteira nudez.
90 P E T E R K R O P O T K I N () ANARQUISMO K A ( \hn>i UNA M
nós mesmos, ajuizar da sua justeza, poisque o autor I apaixonar-se pela sua hipótese em detrimento >\ n
n ã o é um deus que fala a quem nos devamos subme- tras, quiçá melhor aparelhadas. Mas os leitores a l i
ter incondicionalmente. Por mais n o t á v e l que seja, lados s a b e r ã o muito bem ver os seu d< íeili
um autor qualquer é um homem como u m de n ó s , se- se d e i x a r ã o engodar.
90 P E T E R K R O P O T K I N () ANARQUISMO E A ( i i \ < i \OOI'.MNA '»|
Onde esse defeito, p o r é m , se torna evidente, é cobres ao vosso salário semanal". Spencei perfilha
quando se trata do estudo da vida das sociedades. este modo de ver, e o princípio da pretendida "Ju '»
Nesses d o m í n i o s , com efeito, cada um, dispondo-se r e t r i b u i ç ã o " constitui para êle uma lei da natuir/.i
ao estudo, tem já um tal ou qual ideal de sociedade No que respeita à s c r i a n ç a s , aos jovem., anie-, de
que pretende defender. N o decurso de sua vida, nas haverem adquirido a faculdade de se proverem a u
e x p e r i ê n c i a s por que passou, êle adquiriu uma certa p r ó p r i o s , a r e t r i b u i ç ã o , em uma espécie amm.il, uao
maneira de julgar os privilégios de fortuna e de nas- será, diz o nosso autor, proporcional aos esforços cm
cimento, que êle aceita ou repudia; possui u m e s t a l ã o pregados o que, acha êle, é inevitável. Mas "entre
para medir as diversas divisões da sociedade; é aciona - adultos deverá existir conformidade à lei segundo •>
do por m i l e uma influências do meio ambiente. E co- qual os benefícios auferidos s e r ã o proporcionais ao*
mo as ciências que t r a t a m dos vários f e n ó m e n o s so- m é r i t o s de cada u m e os m é r i t o s devendo ser calcula
ciais e s t ã o ainda na sua infância, — tendo sido Spen- dos pelo poder que cada um possuir de se subvencio
cer o primeiro, depois de Comte, a aplicar-lhes real- nar a si p r ó p r i o " .
mente u m m é t o d o científico, — é muito natural que No seu l i v r o Justiça escreve: "Tais são as leis
o nosso homem n ã o tenha sabido portar-se de modo da c o n s e r v a ç ã o das e s p é c i e s ; se admitimos que a pff
tal a sacudir inteiramente de si a influência das ideias s e r v a ç ã o de tal espécie seja desejável, aegue-ae, ittl
burguesas do meio em que vive. vitavelmente, a o b r i g a ç ã o de cada um se conformai a
Acontece, porisso, de c o n t í n u o , vermo-nos profun- essas leis que poderemos denominar, conforme o
damente chocados pelas c o n c l u s õ e s de Spencer em ma- sos, de s e m i - é t i c a s ou absolutamente é t i c a s " .
téria de sociologia. Quanto admiramos as suas ma- Hemos de concordar que toda essa linguagem, el
ravilhosas s u g e s t õ e s nos Princípios de Biologia, quan- vada da velha ideia de r e t r i b u i ç ã o , de lei, de obriga
to sentimos a estreiteza de suas vistas logo que se ç ã o , n ã o é mais a de um vero naturalista. N ã o é um
põe, por exemplo, a discretear à c ê r e a das relações observador da natureza que fala: é u m escre
entre o Trabalho e o Capital nas sociedades humanas formado em leis, em economia política, que nos |
moral.
* A explicação deste facto anormal reside no CO
* • nhecimento que Spencer, inegavelmente, tem do <>
cialismo. Êle o repudia afirmando que "st cada Uni
Assim, — para n ã o citarmos mais do que um fôr estritamente r e t r i b u í d o , conforme as suas obrai
exemplo, muito importante, aliás, — Spencer foi edn e os seus m é r i t o s , s o b r e v i v e r á a morte da
cado na ideia burguesa e religiosa da justa retribui- humanas". E para provar este princípio, — inal
ção, que se traduz na seguinte a t i t u d e : "se proceder vel segundo o seu modo de ver, — procui • dai lhe
des mal, p u n i r - v o s - ã o ; se fordes um engenheiro sa foros de lei da Natureza, o que o força, n c I<
gaz, aplicado aos trabalhos de vosso p a t r ã o ou chefe, de ideias, a abandonar o m é t o d o rigorosai rum
êle prontamente a c r e s c e n t a r á , de motu-próprio, un.s tífico. E, precisamente, por via dessa alilud. I. •
94 P K T | R K R O P O T K I N O AjNARQUISMO K A C l K N t i x MolM.MNA 'M
pírito pouco científica é que apontamos, de relance, se coadunarem esses ambientes ;m seu u n i . . I I . I I H I u u l
o profundo erro spenceriano. inglês, — e jamais soube interpretar d c v i d a m t l l t l 1
recendo por inúteis e nocivas, fará irradiar e engran- cer n ã o entende essas o r g a n i z a ç õ e s s o c i e t á r i a s , es-
decer as t e n d ê n c i a s altruisticas e c o m u n i t á r i a s , que pécie de companhias o u empresas compostas de acio-
são as c a r a c t e r í s t i c a s das sociedades modernas em nistas tirados do quarto Estado (1) que, actualmente,
marcha para o futuro. se chamam cooperativas. Spencer admite e compre-
E t ã o acentuadas são essas t e n d ê n c i a s , no que ende a c o n j u g a ç ã o de todos os esforços individuais em
Spencer pensa de acordo com os anarquistas, que a comunidade, quer para produzir, quer para consumir,
sociedade c h e g a r á , finalmente, a um estado no qual, p o r é m com inteira e x c l u s ã o das ideias que constituem
sem p r e s s ã o alguma exterior, em virtude de h á b i t o s a essência das sociedades cooperativas actuais, — de
sociais adquiridos, as acções humanas n ã o t e r ã o já por lucro c e x p l o r a ç ã o exercidas em favor ou detrimento
fim a e s c r a v i z a ç ã o de outrem, mas c o n t r i b u i r ã o , pelo dos membro, mie as c o m p õ e m . Pressente êle, em
c o n t r á r i o , para aumentar o bem-estar geral e ser- resumo, o (pie o s anarquistas (baniam de "meio am-
v i r ã o de garantia ampla rt independência de cada um. biente l i v r e " .
Postoque b u r g u ê s individualista empedernido, S e r á essa, diz ele, "uma socudadr na qual a vida
Spencer, em todo o caso, n ã o se estagna nessa fase individual será levada a maior e x p a n s ã o possível, com-
patível com a finalidade da vida em sociedades, que
de individualismo que constitui o ideal da burguesia
não será outra senão a de manter, na mais ampla es-
actual; êle enxerga perfeitamente o ideal da coope-
fera, a vida individual".
ração livre, — o que n ó s , anarquistas, denominamos
o livre acordo comunista, — estendendo-se a todos Nesse d i a p a s ã o , facilmente chegaria ao conceito
os ramos da actividade humana c conduzindo a so- anarquista do livre acordo comunista, cujo f i m é o
ciedade ao perfeito e í n t e g r o desenvolvimento da per- desenvolvimento, na sua maior e x t e n s ã o , da vida do
sonalidade humana, com todos os seus c a r a c t e r í s t i c o s indivíduo, — a mais larga individuação como se pro-
pessoais, individuais, em-fim, à individuação, na nunciava em oposição ao individualismo, — compre-
pressiva frase de Spencer. endendo por individuação o mais completo desenvol-
vimento de todas as faculdades do indivíduo, e n ã o
o individualismo e s t ú p i d o do b u r g u ê s que prega a de-
* * * cantada m á x i m a "cada u m por si e Deus por t o d o s " .
Só que. nessa concepção, como a u t ê n t i c o b u r g u ê s
Sendo a terra propriedade comum, e todo o ren- que era, Spencer distinguia a cada canto o espectro
dimento dela o r i g i n á r i o devendo beneficiar a socie- do " p r e g u i ç o s o " que se furtaria ao trabalho se a
dade e n ã o o indivíduo em si. n ã o h a v e r á necessidade, existência lhe ficasse assegurada em uma sociedade
— afirma-o Spencer, no que, evidentemente, se en- comunista; por toda a parte s ó via, na e x p r e s s ã o i n -
gana, — de alterar o regime da propriedade individual
nos domínios da indústria. B a s t a r á a c o o p e r a ç ã o i n - (1) — Entende-se por "quarto Estado" o proletariado
universal organizado em ditadura como sói dar-se no regime
teligente, pensa o nosso autor. soviético da Rússia.
Cumpre somente notar que, por c o o p e r a ç ã o , Spen- N. do T.
98 P E T E R K R O P O T K I N • ' ANARQUISMO E A CIÊNCIA MODERNA 99
glesa, o " l o a f e r " (o "sem eira nem b e i r a " ) que t i r i t a mais burguesas para delas tirar o verdadeiro motivo
à s portas dos cafés e das sociedades elegantes esprei- que as inspira e verificaremos que esse motivo será
tando o momento azado e m que o b u r g u ê s trepa na sempre o insopitável ódio a toda a imposição ã liber-
sua carrinhola para lhe merecer, qual amouco, a d á - dade integral do homem, o desejo de provocar a maior
diva de uns t o s t õ e s ! soma de iniciativa, de liberdade e de confiança nas
Lidas em u m pensador da força de Spencer estas forças do indivíduo. Corrija-sc e complete-se o siste-
r e f e r ê n c i a s , tal o espanto que elas nos causam, que ma de Spencer onde êle n ã o aprofundou bastante as
a dúvida nos assalta sobre a sua l e g í t i m a a u t o r i a ! consequências do capitalismo moderno; procure-se i n -
Efectivamente, deparando-se-nos semelhantes contra- dagar <• verdadeiro motivo do seu respeito pela pro-
sensos em u m homem inegavelmente inteligente, hesi- priodade . veremos «pie >erá sempre, como já o era
ta-se em atribuir tais dislates a respeito dos rotos e es- em Proudhon, o ódio ao Estado e o receio, mui jus
farrapados ao famoso filósofo que, em p á g i n a s ad- tiíicado, da sua s u b s t i t u i r ã o pelo sistema de convento
m i r á v e i s , recalcitra, com r a z ã o , contra a e d u c a ç ã o ou de caserna. F a ç a m - s e essas c o r r e c ç õ e s , — e a sua
gratuita como protesta contra a o b r i g a ç ã o de doar adopção p r o v a r á , mais uma vez. a beleza e a vanta
um exemplar das suas obras à biblioteca do British gem que resultam da aplicação do m é t o d o indutivo,
Museum! único científico, e teremos elimando os erros em que
De-permeio com as mais altas concepções, o es- Spencer caiu, corrigidos assim os defeitos secundá-
p í r i t o tacanho do b u r g u ê s lUrge nele inopinadamen- rios do seu sistema filosófico e sociológico sem lhe a l -
te, e nisso Spencer mostra um t r a ç o comum com terar a estrutura essencial, todo o seu belo conjunto,
Fourier que, — a t é este! — embora homem de g é n i o , o que, feito, encontraremos em Spencer um sistema
tinha, por vezes, retrocessos inexplicáveis, só admis- social em todos os pontos imensamente semelhante
síveis no e s p í r i t o de u m tendeiro, por entre as mais ao que preconizam os anarquistas-comunistas.
arrojadas ideias. Sc os anarquistas-individualistas da escola de
No receio que teem dos chamados "ociosos", pre- Tucker, — que adiante estudaremos. — aceitaram a
ciso é n ã o esquecer os colectivistas que n u t r e m os doutrina spenceriana tal qual exposta, com o seu fe-
mesmos preconceitos, somente velados por u m m i s t i - roz individualismo b u r g u ê s pela propriedade indus-
fório de palavras e f ó r m u l a s ocas e enfadonhas, que, trial e o seu extremado zelo pelo principio da " r e t r i -
porisso mesmo, nada expressam. b u i ç ã o " burguesa, é que os p a r t i d á r i o s daquela esco-
la preferiram mais a letra do sistema do que o espíri-
*
to que nele se c o n t ê m e que cumpre ver.
* * E, entretanto, nada mais preciso era que praticar
as c o r r e c ç õ e s apontadas e a que o próprio Spencer.
Moditiquem-se, p o r é m , as c o n c l u s õ e s de Spencer pela sua atitude, nos autoriza, introduzindo o MU li
onde êle peca demasiado contra o que nos ensina o tema de cooperativismo v o l u n t á r i o e perfilhando 01
estudo do homem. Escalpelem-se as suas a n o t a ç õ e s seus ataques à a p r o p r i a ç ã o individual do solo, para
98 P E T E R K R O P O T K I N O ANARQUISMO E A CIÊNCIA MODERNA 99
glesa, o " l o a f e r " (o "sem eira nem b e i r a " ) que t i r i t a mais burguesas para delas t i r a r o verdadeiro motivo
às portas dos cafés e das sociedades elegantes esprei- que as inspira e verificaremos que esse motivo s e r á
tando o momento azado e m que o b u r g u ê s trepa na sempre o insopitável ódio a toda a imposição a\-
sua carrinhola para lhe merecer, qual amouco, a d á - dade integral do homem, o desejo de provocar a maior
diva de uns t o s t õ e s ! soma de iniciativa, de liberdade e de confiança nas
Lidas em um pensador da força de Spencer estas forças do indivíduo. Corrija-se e complete-se o siste-
referências, tal o espanto que elas nos causam, que ma de Spencer (>nde êle n ã o aprofundou bastante as
a dúvida nos assalta sobre a sua l e g í t i m a a u t o r i a ! consequências do capitalismo moderno; procurc-se i n -
Efectivamente, deparando-se-nos semelhantes contra- dagar o verdadeiro motivo do seu respeito pela pro-
sensos em u m homem inegavelmente inteligente, hesi- priedade e veremos que será sempre, como já o era
ta-se em atribuir tais dislates a respeito dos rotos e es- cm Proudhon, o ódio ao Estado e o receio, mui jus
farrapados ao famoso filósofo que, em p á g i n a s ad- tificado, da sua s u b s t i t u i ç ã o pelo sistema de convento
m i r á v e i s , recalcitra, com r a z ã o , contra a e d u c a ç ã o ou de caserna. F a ç a m - s e essas c o r r e c ç õ e s , — e a sua
gratuita como protesta contra a o b r i g a ç ã o de doar a d o p ç ã o p r o v a r á , mais uma vez, a beleza <• a vanta-
um exemplar das suas obras à biblioteca do British gem que resultam da aplicação do m é t o d o indutivo,
Museum! único científico, e teremos elimando os erros em que
De-permeio com as mais altas concepções, o es- Spencer caiu. corrigidos assim os defeitos secundá-
p í r i t o tacanho do b u r g u ê s surge nele inopinadamen- rios do seu sistema filosófico e sociológico sem lhe a l -
te, e nisso Spencer mostra um t r a ç o comum com terar a estrutura essencial, todo o seu belo conjunto,
Fourier que, — a t é este I — embora homem de g é n i o , o que, feito, encontraremos em Spencer um sistema
tinha, por vezes, retrocessos inexplicáveis, só admis- social em todos os pontos imensamente semelhante
síveis no e s p í r i t o de u m tendeiro, por entre as mais ao que preconizam os anarquistas-comunistas.
arrojadas ideias. Se os anarquistas-individualistas da escola de
No receio que teem dos chamados "ociosos", pre- Tucker, — que adiante estudaremos. — aceitaram a
ciso é n ã o esquecer os colectivistas que n u t r e m os doutrina spenceriana tal qual exposta, com o seu fe-
mesmos preconceitos, somente velados por u m m i s t i - roz individualismo b u r g u ê s pela propriedade indus-
fório de palavras e f ó r m u l a s ocas e enfadonhas, que, trial .e o seu extremado zelo pelo princípio da " r e t r i -
porisso mesmo, nada expressam. b u i ç ã o " burguesa, é que os p a r t i d á r i o s daquela esco-
la preferiram mais a letra do sistema do que o espíri-
to que nele se c o n t ê m e que cumpre ver.
* *
E, entretanto, nada mais preciso era que praticar
as c o r r e c ç õ e s apontadas e a que o próprio Spencer,
Modifiquem-se, porem, as c o n c l u s õ e s de Spencer pela sua atitude, nos autoriza, introduzindo o ieu i
onde êle peca demasiado contra o que nos ensina o tema de cooperativismo v o l u n t á r i o e perfilhando os
estudo do homem. Escalpelem-se as suas a n o t a ç õ e s seus ataques à a p r o p r i a ç ã o individual do solo, para
100 P E T E R K R O P O T K I N O ANARQUISMO R A CIÊNCIA MODERNA 101
se chegar à s nossas conclusões comunistas-anarquis- sociais precedentes, com receio de recrutar revolta-
tas, as quais, alias, foram confessadas, n ã o sem pe- dos, haviam combatido precisamente esse e s p í r i t o de
sar, pelos grandes periódicos ingleses em seus artigos independência.
necrológicos por ocasião do passamento do ilustre Ainda nesse terreno, é de lamentar (pie Spencer
pensador. ficasse a meio caminho, com proscrição, aliás, do seu
Spencer, — assim o disseram esses periodistas, m é t o d o . Ousadamente, de começo, fazia uma afirma-
— apro,ximava-se em demasia do comunismo-anar- ção revolucionária, mas logo se apressava a atenuar-
quista. Essa é, incontestavelmente, a r a z ã o porque lhe os efeitos oferecendo imediatamente um com-
êle era t ã o cordialmente detestado em toda a Ingla- promisso. E uma vez lendo enveredado por esse ca-
terra ! minho, via se forcado, naturalmente, a permittir uma
c o n c e s s ã o , depois outra e, finalmente, todas, de mo-
* do que. por último, comprometia toda a aia grande
* * obra.
Depois de haver dado a uma das suas melhores
A t é ao presente, em todas as teorias da socieda- obras o t í t u l o insolente, — O Indivíduo contra o Es-
de que filósofos e sociólogos qps serviram, o indiví- tado, — que é uma das partes da sua Sociologia, êle
duo se encontrava sacrificado ao Estado. Comte, de- admite o papel negativo, conservador, portanto, do
pois de K a n t e outros, padecia do mesmo erro c, so- Estado. Na sua opinião, ao Estado n ã o cabe o empre-
bre o tema, os metafísicos a l e m ã e s r e f o r ç a v a m a sua go dos dinheiros públicos, como n ã o é da sua com-
feroz a d o r a ç ã o pelo Estado. petência criar bibliotecas nacionais, nem é da sua a l -
Spencer foi o primeiro que no seu sistema, pelo çada a fundação de universidades. — s ã o cousas em
lado filosófico, se libertou de toda a s u p e r s t i ç ã o reli- que n ã o tem que intrometer-se. Velará, p o r é m , pela
giosa, de toda a superstrutura metafísica e, pelo lado p r o t e c ç ã o dos indivíduos, de modo a garantir direitos
sociológico, afirmou, com altanaria nunca vista, a so- r e c í p r o c o s , inclusive os direitos de propriedade.
berania do indivíduo. "Como finalidade da e v o l u ç ã o Ora, como para tal são precisas leis, n e c e s s á r i o
humana", (estilo hegeliano) o Estado n ã o tem a p r i - se tornam os seus representantes, j u í z e s para as ex-
mazia, nem sequer é objecto de c o g i t a ç õ e s . Contra- plicar, universidades para ensinar a arte de as fabri-
riamente àquela tese, é o indivíduo que deve ser co- car e de as interpretar. E, assim, Spencer, de lança
locado em primeiro plano e a êle, — e só a êle, — em riste, chega, aos poucos, a reconstituir o que havia
cumpre escolher a sociedade que quiser, determinar, primeiramente combatido com certo denodo, — o Es-
a t é onde queira, o dar-se a essa sociedade. tado nas suas mais d e t e s t á v e i s funções, a t é à pri Ko
E ' a aviltante s u b m i s s ã o ao rebanho que é neces- e à guilhotina a p e r f e i ç o a d a s .
sário combater no homem, ensina-nos Spencer, e n ã o Nesse ponto, especialmente careceu de audái l
o seu e s p í r i t o de independência, que é n e c e s s á r i o cul- O tal "justo m e i o " o conteve. Esse retraimento
tivar, enquanto todas as religiões e todos os sistemas podemos atribuir, talvez, à carência de uma inaioi
102 P E T E R K R O P O T K I N O ANARQUISMO E A CIÊNCIA MODERNA 103
ma de conhecimentos especializados, poisque a sua Por diversas causas, algumas das quais expuze-
filosofia fora elaborada em uma época em que o seu' mos, essa filosofia, nas suas v á r i a s aplicações, foi
saber era restrito, e mais o era ainda pelo facto, que truncada m ú l t i p l a s vezes. Outras causas, como a apli-
o acabrunhava, de n ã o conhecer outras l í n g u a s a l é m c a ç ã o do m é t o d o vicioso das analogias, e, sobretudo,
do seu inglês. Se essa n ã o é a explicação da sua falta a e x a g e r a ç ã o do conceito da luta pela e x i s t ê n c i a entre
de audácia, e n t ã o devemos p r o c u r á - l a em sua natu- indivíduos da mesma espécie e a pouca a t e n ç ã o dada
reza pessoal e na sua e d u c a ç ã o , algo tacanha nos seus a u m outro factor activo da natureza, — O apoio
p r i m ó r d i o s , que n ã o lhe permitiram alçar o voo a m ú t u o , — foram enumeradas, ainda que sucintamente,
maiores altitudes que seriam de esperar de u m filó- n c la ii"' sa ci it i< a
sofo da sua envergadura excepcional. S e n ã o nisso, São inaceitáveis todas as conclusões de Spencer.
deveremos achar a chave do enigma na influência que E ' dever mesmo corrigii a muitas «pie a sua Socio-
sobre êle exerceu o meio ambiente inglês? O "centro logia COIltém, I "ii I.v um csciittu iii <> Mikhai
esquerdo" em vez da " M o n t a n h a " ? ( 1 ) . lovsky, sobre um pontu importante, a teoria do
* • progresso.
* * E m certos pontos da sua grande obra, devemos
permanecer fieis ao m é t o d o científico, noutros deseni
t>araçarmo-nos de certos preconceitos e ficções; e ain-
A i temos, em breve esboço, os t r a ç o s c a r a c t e r í s - da outros há em que um estudo mais profundo de
ticos da pessoa e da obra de Spencer. determinado grupo de factos se impõe.
Criar unia filosofia s i n t é t i c a que ofereça um re- Mas, acima e afora de tudo isso, u m facto da
sumo de todo o conjunto dos conhecimentos huma- mais alta i m p o r t â n c i a se t i r a de toda a obra de Spen-
nos e que dê uma explicação material de todos os fa- cer e êle superabundantemente o p r o v o u : é que do
ctos da natureza, bem como da vida intelectual do momento em que se procura elaborar uma filosofia
homem e da vida das sociedades, é, de-certo, uma sintética do universo que abranja a vida das socie-
obra imensa. Spencer, em grande parte, a realizou. dades, — Sociologia, — chega-se necessariamente à
Postoque reconhecendo o notável serviço que êle conclusão, n ã o só da n e g a ç ã o absoluta de uma força
prestou ao pensamento moderno, seria um funesto governadora desse universo, n ã o só da n e g a ç ã o de
erro determo-nos na a d m i r a ç ã o por essa obra a pon- uma alma imortal ou de uma força vital específica,
to de julgar que ela contenha realmente os ú l t i m o s mas chega-se igualmente à conclusão da necessidade
resultados das ciências e da aplicação do m é t o d o i n - de derribar essoutro fetiche que se chama o Estado,
dutivo ao homem, individual e socialmente conside- — o governo do homem pelo homem. E m sínt< <•:
rado. A ideia fundamental da filosofia de Spencer é chega-se, inevitavelmente, no que concerne ao fui m o
mais do que justa. das sociedades civilizadas, a prever o regime social
da A N A R Q U I A .
(1) — Vide a nota a pag. 20.
104 P E T E R K R O P O T K I N
fluência da religião e na acção d e l e t é r i a das igrejas. dade c r ê e m ainda que os acidentes naturais, como as
As sociedades secretas formadas de m á g i c o s e de secas, os terramotos e as epidemias, são castigos que
bruxos de toda a espécie, depois as constituidas de uma divindade qualquer envia do céu para conter a
sacerdotes a s s í r i o s e egípcios e, mais tarde, as dos sa- humanidade nos seus transvios e reconduzi-la ao bom
cerdotes c r i s t ã o s , procuraram sempre persuadir o ho- caminho.
mem de que "este mundo e s t á submerso no pecado" ;
que só a benéfica i n t e r v e n ç ã o do xamango m á g i c o , *
do santo, do sacerdote, i m p e d i r á que o e s p í r i t o do * *
mal se apodere do homem; que somente eles p o d e r ã o
obter de uma colérica divindade a g r a ç a de n ã o per- Concomitantemente com esses ensinos do cris-
m i t i r que o homem peque para n ã o ter de o punir tianismo, o Estado, em suas escolas e universidades,
por suas m á s acções. mantinha, e continua a manter, a mesma crença na
O christianismo p r i m i t i v o esforçou-se, sem dúvi- perversidade nata do homem.
da, mas inutilmente, por quebrar o preconceito rela- Provar a necessidade de uma força, colocada |M>r
tivo ao poderio e influência do sacerdócio. Mas a ver- sobre toda a sociedade, com a missão de implantar
dade é que a Igreja C r i s t ã , baseada nas p r ó p r i a s pa- nela o elemento moral por meio da aplicação de cas-
lavras que se lêem nos evangelhos a respeito do " f o - tigos em consequência, identificam com a lei escrita;
go eterno", nada mais í»v que SStendÕr e r e f o r ç a r convencer os homens da necessidade dessa autorida-
esse preconceito. A p r ó p r i a ideia de um deus-filho de, — é tudo uma q u e s t ã o de vida ou de morte para
descendo n terra para morrer a-fim-de redimir a hu- o Estado poisque se os homens c o m e ç a s s e m a pôr em
manidade de seus pecados, — ideia m á t e r e de todo o dúvida a necessidade de consolidar os princípios mo-
cristianismo, — confirma inteiramente essa maneira rais pela férrea m ã o da autoridade, em breve per-
de pensar. E foi precisamente essa ideia que permitiu deriam a fé na pretendida alta missão de seus go-
mais tarde o estabelecimento da "Santa I n q u i s i ç ã o " vernantes.
para, submetendo as suas indefesas v í t i m a s à s mais Desta maneira, toda a nossa e d u c a ç ã o moral, re-
atrozes torturas, inclusive as " d e l í c i a s " de um fogo ligiosa, histórica, jurídica e social, e s t á saturada da
lento, lhes proporcionar o c a s i ã o azada e fácil de arre- ideia de que o homem, abandonado a si mesmo, breve
pendimento e obter finalmente a salvação dos sofri- regressaria ao estado selvagem p r i m i t i v o ; que, sem
mentos eternos que, inevitavelmente, as esperava. autoridade, os homens se comeriam uns aos o u t r o s ;
Aliás, n ã o foi somente a I g j e j a Católica Romana que outra cousa n ã o se pode esperar da " m u l t i d ã o
que assim a g i u ; todas as igrejas c r i s t ã s , fieis ao mes- i g n a r a " , dizem, a n ã o ser a brutalidade e a guerra de
mo princípio, rivalizavam entre sí na i n v e n ç ã o e cada u m contra todos.
a d o p ç ã o de novos sofrimentos e de novos terrores A mole humana pereceria se sobre ela n ã o velas-
a-fim-de corrigir os homens atascados de " v í c i o s " . sem os seus eleitos, — o padre, o legiferador e o juiz
Mesmo actualmente, nove d é c i m a s partes da humani- cercados de seus indefectíveis áulicos, o polícia e o
108 P i : r i: K K R O P O T K I N O A N A R Q U I S M O F. A C I Ê N C I A MODERNA 109
carcereiro. S ã o esses seres privilegiados, quais salva- ao homem, como às* espécies animais ainda hoje sub-
dores da humanidade, que se o p õ e m à luta fratricida, sistentes, de sobreviver na luta pela existência por
que inculcam o respeito à lei, que nos ensinam a disci- entre as mais duras condições naturais.
plina e conduzem os homens com m ã o forte para es- A ciência cabalmente nos demonstra que os pre-
tádios futuros em que melhores concepções t e r ã o de- tensos condutores de povos, heróis e legisladores da
sabrochado nos " c o r a ç õ e s empedernidos" e vierem humanidade, cousa alguma introduziram no curso da
e n t ã o , por d e s n e c e s s á r i o s , a substituir o l á t e g o , o cár- história que as sociedades n ã o houvessem j á elabora-
cere e o p a t í b u l o . do pelo direito c o n s u e t u d i n á r i o . Os melhores dentre
Excita-nos ao riso o dito célebre daquele rei (1) êlcs nada mais fizeram que formular, sancionar, aque-
que, ao partir para o exílio pelo édito da revolução las ins|ituic,ocs já confirmadas pelos h á b i t o s e costu-
de 1848. exclamava: "sem m i m que vai ser de meus mes generalizados. Mas a maioria desses "salvado-
pobres vassalos!" Diverte-nos sobejamente o tipo do res" da humanidade o que procurou cm todos o s tem-
traficante inglês que e s t á persuadido de descenderem pos foi. ou a d e s t r u i ç ã o dessas instituições consagra-
seus compatriotas de uma loginqua t r í b u de Israel e das pelo direito c o n s u e t u d i n á r i o (pie, evidentemente,
que, por esse facto, é destino seu impor um bom"go- estorvavam a f o r m a ç ã o de uma autoridade pessoal,
v ê r n o às " r a ç a s inferiores." ou a r e m o d e l a ç ã o dessas mesmas instituições, p o r é m ,
Nessa jactância do b r e t ã o nada há que estranhar. em proveito p r ó p r i o ou na defesa dos interesses da
N ã o é certo que em todas as nações há, I por entre sua casta.
aqueles que a l c a n ç a r a m uma certa cultura, a mesma
p r e t e n s ã o a serem superiores aos demais? • *
que formemos da sua origem, — ou como de origem a dos senhores e a dos escravos, consagrando, por
divina, ou como fruto da sabedoria de um legislador, essa forma, a autoridade dos r é g i o s biltres que e n t ã o
— outra cousa n ã o fez mais do que fixar, ou melhor, dominavam em Roma.
cristalizar sob uma forma permanente os costumes Os p r ó p r i o s evangelhos, postoque inculcando a
já existentes. Todos os códigos da antiguidade n ã o sublime ideia do p e r d ã o , do esquecimento das ofensas,
passaram de meros registos de usos e costumes, gra- que é a essência do cristianismo, proclamam a cada
vados ou escritos, com o visível p r o p ó s i t o de os pre- passo do seu texto a ideia de um deus vingador e,
servar para as g e r a ç õ e s vindouras. nessa conformidade, ensinam exactamente o c o n t r á -
Somente que, ao fazê-lo, os nossos legisladores ri<». n ã o já o amor, mas a represália, a vingança.
t r a t a r a m de anexar, aos costumes consagrados, algu-
ma cousa de seu, regras novas feitas no interesse das *
minorias de ociosos ricaços, aguerridos para a bata- * *
lha social, regras essas que. redundando somente em
vantagens para essas minorias, c o m e ç a v a m desole lo- E m época posterior vemos produzir-sc idêntico
go por esboçar costumes de desigualdade e sancionar facto nos códigos dos povos chamados b á r b a r o s , —
a s u b m i s s ã o servil das massas. dos gauleses, dos lombardos, dos germanos, dos saxo-
nes e dos eslavos, — após a derrocada do i m p é r i o r o -
* mano. Estes códigos legitimavam u m costume, por
* * demais excelente, que, naquelas épocas, se generali-
zava, consubstanciado na p r á t i c a de indemnizar, por
" N ã o m a t a r á s , n ã o dirás falso testemunho", pro- meio de uma c o m p e n s a ç ã o , os actos de deferimento
mulgava a lei mosaica. P o r é m a essas excelentes re- ou morte, em vez de aplicar, como era habitual nes-
gras de conduta, geralmente reconhecidas como tais ses tempos, a lei de talião expressa nos t e r m o s : "olho
naquele tempo, Moisés acrescentava: " n ã o cobiçarás por olho. dente por dente, golpe por golpe, vida por
a mulher do teu p r ó x i m o , nem o seu escravo, nem o vida."
seu boi, nem o seu j u m e n t o " , com que legalizou, por N ã o h á duvida que ao i n s t i t u í r e m essa prática,
longos tempos, a e s c r a v i d ã o e colocando assim a m u - crs códigos b á r b a r o s representavam um progresso
lher no mesmo p é de igualdade que u m escravo ou comparados com as p r á t i c a s de r e t a l i a ç ã o em voga
uma besta de carga. na vida tribal. P o r é m , ao mesmo tempo esses mesmos
" A m a r á s o teu p r ó x i m o " , proclamou depois o c ó d i g o s estabeleciam a divisão dos homens livres em
cristianismo, mas n ã o se esqueceu de, pressurosamen- classes distintas, a princípio mal perceptíveis, mas de-
te, ajuntar pela boca do a p ó s t o l o Paulo: "escravos, pois, com a i n t r u s ã o da lei, solidamente sanciona
obedecei a vossos senhores", " n ã o h á autoridade que Determinada c o m p e n s a ç ã o , — e s t a t u í a m aqueles
n ã o proceda de Deus", com que legitimava e deifi- códigos, — seria devida por um escravo, isto é, uma
cava a divisão da sociedade em duas classes distintas: certa i n d e m n i z a ç ã o paga a seu senhor; uma soma
112 P E T E R K R O P O T K I N
O ANARQUISMO E A CIÊNCIA MODERNA 113
Mas, convertendo esse costume da época em uma ientes: um que consolidava e fixava certos hábitos
lei, o código estabelecia simultaneamente, como j á previamente reconhecidos como ú t e i s para a comuni-
vimos, a divisão dos homens em classes <• t ã o firme- dade e outro que estipulava um a c r é s c i m o a tais cos-
mente ficou o princípio assente que a t é hoje n ã o l o - tumes, — muitas vezes uma maneira insidiosa dc
g r á m o s desenvencilhar-nos d ê l e l formular o costume j á estabelecido, — com o evidente
p r o p ó s i t o de implantar ou r e f o r ç a r a autoridade nas-
cedoura do senhor, do nobre, do r é g u l o e do padre,
* * proclamando, sancionando e santificando o seu poder
e a sua autoridade.
Verificam-se os mesmos resultados compulsando Tais são as c o n c l u s õ e s a que nos leva o estudo
todas as legislações anteriores a t é as actuais: a i n - científico do desenvolvimento das sociedades huma-
j u s t i ç a e a o p r e s s ã o , c a r a c t e r í s t i c a s de uma determi- nas feito durante a segunda metade do século findo
nada época, se transmitem, mediante a lei, à s épocas por um bom n ú m e r o de cientistas conscienciosos. Cer-
seguintes. Exemplos: a o p r e s s ã o do i m p é r i o persa se to é, p o r é m ,que na maioria dos casos, nem sempre
t r a n s m i t i u , por essa via, à G r é c i a ; a tirania m a c e d ó - os sábios ousaram, por sua conta, formular conclu-
nica passou a R o m a ; a o p r e s s ã o e a crueldade do i m - sões t ã o h e r é t i c a s como as que acabamos de enunciar,
p é r i o romano, as autocracias e teocracias orientais se mas o leitor inteligente chega necessariamente a elas
propagaram aos novos Estados b á r b a r o s em vias de pela leitura das obras daqueles autores.
f o r m a ç ã o e a t é à igreja cristã. Pela lei o passado se
encadeia ao futuro.
Todas as garantias n e c e s s á r i a s à vida das socie-
dades ; todas as formas de vida s o c i e t á r i a elaboradas
nas t r í b u s . ns comunidades aldeãs e, mais tarde, nas
O ANARQUISMO E A CIÊNCIA MODERNA 115
Logar do Anarquismo na Ciência Moderna K' indubitável que uma concepção mecânica i n -
tegral d<> n u i v r r . o , abrangendo a natureza física e as
fcvocicdadCH humanas, na parte sociológica dedicada ao
Que logar ocupa, e n t ã o , o Anarquismo no grande estudo da vida «• evolução das sociedades, e s t á ape-
movimento intelectual do século X I X ? iii esboçada. < > pouco, entretanto, que. nêtfC sentido,
A resposta a esta pergunta a encontramos deli- se tem feito a t é agora, á s vezes, valha a verdade,
neada no que ficou dito nos c a p í t u l o s precedentes inconscientemente. — reveste s e já do c a r á c t e r que
deste trabalho. Anarquismo, fundamentalmente, é temos vindo enunciando. Na filosofia do direito, na
uma concepção do universo baseada na i n t e r p r e t a ç ã o teoria da moral, da economia política e 0 0 estudo da
mecânica (1) dos f e n ó m e n o s da Natureza, compreen- h i s t ó r i a dos povos e das instituições sociais, o Anar-
dendo nesta igualmente os factos da vida social e seus quismo, por seus adeptos, manifestou peremptoria-
múltiplos problemas de ordem económica, política e mente que n ã o se satisfaria com as conclusões meta-
moral. Seu m é t o d o de análise e de i n v e s t i g a ç ã o é o físicas dos pensadores de antanho, mas, ao c o n t r á r i o ,
das ciências naturais, quaisquer que sejam as conclu- que procuraria dar à s suas conclusões uma base emi-
sões a que, em um estudo, se chegue, a pretenderem nentemente naturalista.
de científicas, t e r ã o de ser verificadas pela a d o p ç ã o
desse m é t o d o , sem o qual n ã o há verdadeira ciência. O Anarquismo, por sua p r ó p r i a natureza, n ã o se
Sua t e n d ê n c i a é fundar uma filosofia sintética que deixa colher nas malhas artificiosas das metafísicas
abranja todos os factos naturais, incluindo os que se de Hegel, de Schelling ou de K a n t , e menos ainda se
relacionam com a vida das sociedades humanas sem, deixa levar pela dialética dos comentadores do direito
contudo, incorrer nos erros, j á a t r á s referidos, pelas romano e do direito canónico, dos sábios professores
razoes dadas, em que incorreram os grandes e s p í r i t o s do direito do Estado, da economia política dos meta-
de Auguste Comte e H e r b e r t Spencer. físicos.
E ' evidente que, a tal respeito, o Anarquismo tem O que, primacialmente, o Anarquismo procura 6
necessariamente que dar, a todas as q u e s t õ e s suscita- expor e compreender, à luz meridiana dos factos po-
sitivos, todas as q u e s t õ e s suscitadas naqueles d o m í -
(1) — Outros melhor dirão cinética (relação entre a força nios do saber, baseando-se, para isso, nos imensos t i a
e o movimento), porém este termo sendo menos conhecido
nos meios populares, preferimos o acima adoptado. balhos e estudos, de c a r á c t e r profundamente natura
N. do A. lista, levados a cabo, por uma plêiade de pensadores
O ANARQUISMO E A CIÊNCIA MODERNA 117
116 P E T E R K R O P O T K I N
O Anarquismo
O A N A R Q U I S M O
On |irin< IplOf
Desde os tempos mais remotos, desde a talada Posteriormente, logo que a i n d ú s t r i a moderna co-
idade da pedra, que os homens se foram apercebendo m e ç o u a desenvolver-se, deparamos a mesma t e n d ê n -
dos inconvenientes resultantes do fato dc u n i certo cia nas uniões o p e r á r i a s que se formaram na Ingla-
n ú m e r o deles adquirir uma autoridade pessoal, ainda terra e na F r a n ç a , n ã o obstante as leis draconianas
mesmo que fossem dos melhores dotados quanto à i n - que terminantemente proibiam tais uniões, e na ela-
teligência, bravura e saber. b o r a ç ã o desses movimentos depara-se-nos igualmente
o mesmo e s p í r i t o popular procurando, por todas as
Desde essas remotas idades que os nossos ante formas, defender-se, desta vez, p o r é m , contra o des-
passados vieram actuando no sentido de criar e desen- potismo capitalista.
volver uma série de instituições que lhes permitiam
Tais foram, nos tempos decorridos, as principais
lutar contra a erecção e p e r m a n ê n c i a de tal autoridade.
correntes populares de c a r á t e r essencialmente anar
As suas t r í b u s , os seus clans e. mais tarde, as comunas
campesinas, as guildes medievais ( c o r p o r a ç õ e s frater- quista.
nais, de artes e ofícios, de mercadores, de c a ç a d o r e s ,
etc.) e, finalmente, as cidades livres que medraram no
período que vai do século X I I ao X V I , foram institui-
ções de defesa surgidas espontaneamente do seio do
povo, e n ã o de chefes, que tinham jior escopo resistir
à autoridade incipiente que ie vinha stibrcptieiamentc
introduzindo nos seus usos c costumes e imposta, ou
por conquistadores estrangeiros, ou pelos p r ó p r i o s
membros da tríbu, do clan ou da cidade.
Essa mesma tendência do povo se fez fortemente
sentir nos movimentos religiosos das m u l t i d õ e s , nota-
damente na sublevação dos hussitas ( p a r t i d á r i o s de
J o ã o Huss) na B o é m i a no século X V e na ação dos
anabaptistas, precursores rj.a Reforma operada no s é -
culo X V I , movimentos estes que. como se sabe. reper-
cutiram decisivamente em toda a Europa.
Mais tarde, no p e r í o d o de 1793-94. a mesma cor-
rente dc ideias e de ação se revelou vigorosa na activi-
dade, notavelmente independente e construtiva, das
" s e c ç õ e s " de Paris e de todas as grandes cidades e n ã o
pequeno n ú m e r o de comunas da F r a n ç a . (Vide a nossa
obra sobre a Grande Revolução.)
O ANARQUISMO E A C I Ê N C I A MODERNA 137
X V I I I , desenvolveram as mesmas ideias, as quais, jus- ausência de governo e submeteu a uma severa crítica
to é reconhecer, encontraram certa e x p r e s s ã o p r á t i c a os i n ú t e i s esforços dos homens em procurarem, para si
no tempo da R e v o l u ç ã o Francesa. p r ó p r i o s , um governo tal que pudesse impedir Q do-
Mas foi o b r i t â n i c o W i l l i a m Godwin, — veja-se o m í n i o dós fracos pelos fortes, dos pobres pelos ricos,
que d e i x á m o s escrito nos c o m e ç o s do capítulo X deste e, ao mesmo tempo, permanecer s o b a rigorosa i m
estudo, pag. 109, — quem pela primeira vez e x p ô s , é m pecção dos governado-. \ reiteradas tentativas í e i t a i
1793, os princípios políticos e e c o n ó m i c o s do Anar- em F r a n ç a desde 17 M para obter Be uma ( o n s t i t u i ç & O
1
quismo. Sem empregar na sua exposição esta palavra, modelar que plenamente correspondesse a e s s e desi-
definiu-lhe, entretanto, claramente os princípios, ata- deratum e o malogro da revolução de 1848, forneceram
cando rijamente as leis, provando a inutilidade do Es- a Proudhon vasto arsenal dc preciosos materiais para
tado e, finalmente, sustentando que, só com a abolição fundamentar a sua critica demolidora
dos tribunais, seria exequível a verdadeira J u s t i ç a , — I n i m i g o de todas a s formas de socialismo de Es-
único fundamento real de toda a sociedade. Relativa- tado, das quais, aliás, os comunistas daquele tempo
mente à parte económica, à propriedade, preconizava (1840-1850) nada mais eram do que simples lubdivi
abertamente o comunismo ( 2 ) . soes, Proudhon criticava acerbamente todoi o planoi
de r e v o l u ç ã o contidos nesses e s p é c i m e s de BOCÍalismo
e tomando de Robert Owen o sistema de " b ó n u s de
t r a b a l h o " , desenvolveu a sua c o n c e p ç ã o de Mutua-
Proudhon foi. p o r é m , o primeiro que empregou lismo (pie tornaria inútil, a seu ver. toda a forma de
deliberadamente a palavra " A n - a r q u i a " no sentido de governo político.
O valor m u t a t ó r i o de todos os produtos podendo
(2) Quanto a esta última parte, a exposição íntegra das ser avaliado ou expresso, assim o afirmava o famoso
doutrinas sociais de Godwin, somente se encontra na primeira r e v o l u c i o n á r i o , pela quantidade de trabalho social ne-
edição, publicada em Londres cm 1793, da sua extraordinária c e s s á r i o para os produzir, todas as trocas entre pro-
obra A N E N Q U I R Y C O N C E R N I N G P O L I T I C A L J U S T I C E dutores poderiam muito bem efetuar-se por i n t e r m é d i o
AND I T S I N F L U E N C E O N G E N E R A L V I R T U E AND
H A P P I N E S S (Investigação àcêrea da Justiça Política c da de u m Banco Nacional que aceitasse em pagamento
sua influência sobre a Virtude Geral e a Felicidade) em dois os " b ó n u s de t r a b a l h o " . Similarmente funcionaria
volumes in-4.°. A segunda e terceira edição dessa mesma obra, uma C â m a r a de C o m p e n s a ç ã o (Clearing House), como
publicadas em 1796-1798 em dois volumes in-8.°, em conse- já hoje existem para os negócios b a n c á r i o s em todos
quência das perseguições movidas pelo governo inglês contra
os amigos e cooperadores republicanos de Godwin, não trazem os países, que estabeleceria diariamente, cm um re-
a parte em que o autor cxpunba as suas opiniões comunistas, trospecto demonstrativo, o b a l a n ç o das entrada- <•
atenuando quanto escrevera na primeira contra o Estado e o saídas.
governo.
Pretendia Proudhon que os serviços prestado! pOf
Uma exposição sintética das doutrinas de Godwin pode
ser vista na obra de A. Menger. adiante citada, O Direito «o essa forma entre as diversas entidades produtoras <
Produto Integral do Trabalho, cap. 111 — N. do A. e do T . equivaleriam e, nessa conformidade, o Banco Nacional
O ANARQUISMO E A CIÊNCIA MOOKRNA 141
140 PKT KK K R O P O T K I N
AS I D E I A S S O C I A L I S T A S NA I N T E R N A C I O N A L
alguns radicais ingleses para receberem aquela dele- J á em 1830, Kobert Owen intentara organizar na
gação. Inglaterra, além da sua "Grande União Nacional de
Os laços de solidariedade, estabelecidos por via O f í c i o s " (Great National Trades'Union), uma " U n i ã o
desta primeira visita, tornaram-se mais firmes e coe- Internacional de Todos o, O f í c i o s " (International
sos cm 1863 a quando da realização dc um comício de Union of AH T r a d m ) . I <> ;i aia ideia leve de
simpatia p r ó - P o l ó n i a . sendo destas a p r o x i m a ç õ e s que ser abandonada em virtude d.i elvagen pei .egui-
resultou, no ano seguinte, a fundação da célebre As- ções do governo inglês contra a primei™ daquelas
sociação. organi/açi >e
A confirmar quanto dizemos sobre esse facto ca- Todavia, a ideia n.io loi '.emenda em terreno sã
pital da u n i ã o do proletariado universal, referiremos, faro Permanecia latente na Inglaterra e veio a en-
ainda que de passagem, os termos de um interessan- contrai adeptos na branca; depoi do fracasso da re-
te debate relatado em uma das actas das sessões do volução de 18-18 foi. poi alguns pitu cos emigrados
Conselho da " U n i ã o O p e r á r i a I n t e r n a c i o n a l " , reali- franceses, transportada aos Estados I 'nulos onde a pro-
zadas a 13 e 20 de M a r ç o de 1878. Ecarius, u m dos pagaram ardorosamente a t r a v é s (lf mu |omal inlilu
fundadores da Associação, queria que se suprimisse, lado L T N T E R X A T I ( I N A L E .
em um apelo do Conselho, uma frase em que se afir- Embora na maioria mutualistas da escola de Prou
mava ter sido a " I n t e r n a c i o n a l " fundada por ocasião dhon. os o p e r á r i o s franceses vindos a Londres em 1802
da E x p o s i ç ã o Universal de lKoi. substituindo-se por e os membros ingleses das T R A D E S UXIONIS decla
estoutra: "inspirados por esta necessidade (a da u n i ã o radamente p a r t i d á r i o s das doutrinas de Robert Owen,
dos p r o l e t á r i o s de todos o s p a í s e s ) , os o p e r á r i o s fran- não tiveram dúvida em se coligarem e o resultado des-
ceses e ingleses, unidos por um laço de profunda sim- se c o n g r a ç a m e n t o foi a fundação de uma formidável
patia pela Polónia, em 1863, concluíram uma aliança com o r g a n i z a ç ã o o p e r á r i a , criada para o f i m de combater
fins políticos e sociais, resultando de t a l aliança a fun- os p a t r õ e s no terreno económico e para romper com
d a ç ã o da A S S O C I A Ç Ã O I N T E R N A C I O N A L DOS a t á c t i c a de todos os partidos radicais puramente po-
T R A B A L H A D O R E S em Setembro de 1864". Esta líticos ( 1 ) .
ementa provocou, na s e s s ã o de 20 de M a r ç o , uma dis- E m M a r x e outros, essa união das duas principais
c u s s ã o muito animada durante a qual um delegado pre- correntes o p e r á r i a s socialistas da época encontrou deci-
sente, Jung, que assistira à fundação da " I n t e r n a c i o - dido apoio dos remanescentes da o r g a n i z a ç ã o política
n a l " e fora a t é u m dos membros do seu Conselho Ge- secreta dos comunistas-maerialistas que representavam
ral, confirmou que, na verdade, a A s s o c i a ç ã o I n t e r n a - ao tempo o que fora possível conservar das sociedades
cional dos Trabalhadores tivera por início o facto da
r e u n i ã o dos o p e r á r i o s por ocasião da E x p o s i ç ã o de
1862. (1) — Vide: W . Tcherkesoff, — Précurseurs de 1,'lntcr
nationale, (vol. 16.° da "Bibliothéque des Tempu Nouvemn),
BruxelJcs. 1899, — cap. I.
N. do I .
148 P K T K K K R O P O T K I N
O A N AROU is MO K A CIÊNCIA MODERNA 149
secretas organizadas por Barbes e Blanqui em 1830-40,
as quais, paralelamente com as sociedades secretas ale- A A. I . T. se estendeu rapidamente por todos os
mãs, tiveram a sua origem na c o n s p i r a ç ã o de Babeuf países latinos; a sua grande força de combate tor-
em 1794-95. nou-se a m e a ç a d o r a , era irresistível. Quanto à s ideias,
os congressos particulares das suas v á r i a s federações
<• os .inuais ila Associação inteira, proporcionavam
a o s trabalhadores a oportunidade de discutirem em
O leitor deve estar lembrado do que leu no cap. V qUC deveria i o m i In e reali/ai dc lacto a obra
do presente estudo a respeito do que foi o despertar d | R#VoluçAo 'o« • .i 1
l
Mas como a l i b e r t a ç ã o dos trabalhadores '1.. jugo tas) e dos comuni ita a l e t n i e i (Kommunisten-Bund)
capitalista se faria. que formas tomaria a nova orga- p a r t i d á r i o s de Weitling. Ambas essas tendências de-
nização da p r o d u ç ã o c da troca, eis o que n i n g u é m rivavam das t r a d i ç õ e s do fero/ jacobinismo dc 1793.
saberia dizer ao certo. A este respeito, os socialistas Ainda em 1818 sonhavam conquistai um dia, por efei-
estavam t ã o divididos em 1 8 6 4 - 1 8 7 0 quanto já o es- to de alguma con pua. ao, o podei político do Esta-
tavam vinte anos antes, quando os representantes das do, - de certo com o apoio prévio de qualquer dita-
diversas escolas.socialistas se encontraram na Assem- dor, — e estabelecer, fundada no i leio das socie-
bleia da Constituinte Republicana em 1 8 1 8 cm Paris. dade' jacobina >\ ' M , porém desta leita em exclusivo
Como os seus predecessores franceses de 1 8 4 8 . proveito .la classe trabalhadora, uma "ditadura do
cujas a s p i r a ç õ e s foram t ã o admiravelmente expendi • proletariado" Esta ditadura, a nu pensavam, impo
das por V i c t o r C o n s i d é r a n t ( 1 ) no seu livro L e Socia- ria, mediante uma f é n e a legislação, o comunismo.
lismo devant le Vieux Monde, 1 8 4 8 (O Socialismo Nessas condições, a função dc p r o p r i e t á r i o , sob
ante o Velho M u n d o ) , os socialistas da Internacio- o vexame e dureza de toda a espécie de lei rc .tritivas
nal n ã o se arregimentavam debaixo da bandeira de e de pesados impostos, tornar-se-ia de tal i lo d i h
uma única doutrina. Oscilavam entre muitas e distin- cil, s e n ã o i n s u p o r t á v e l , (pie os p r o p r i e t á r i o s . veriam
tas soluções e nenhuma era considerada suficiente- obrigados a renunciar aos seus privilégios e muito
mente justa nem bastante precisa para poder congre- felizes se considerariam se conseguissem livrar-se da
gar os e s p í r i t o s , tanto mais que, — cousa notável, — carga de suas propriedades e poder cedê-la- ao Estado
os presumidamente mais a v a n ç a d o s n ã o haviam ain- Poder-se-ia e n t ã o organizar o " e x é r c i t o de agricul-
da rompido completamente com o endeusamento ao tores" que seriam destinados a cultivar os campos,
Capital e à Autoridade. e a p r o d u ç ã o industrial, dirigida igualmente pelo Es-
Vale a pena fazermos um exame retrospectivo tado, se organizaria sob o mesmo tipo. isto é numa v
tavam, — a d m í t i r - s e como mui p r o v á v e l , s e n ã o certa. já citada obra, — Le Socialisme devant le Vieux Monde, pafl
< ita nova t r a n s f o r m a ç ã o social, poisque tais e tantas 36 se vê como os socialistas de 1848 compreendiam as ideias
teem sido as fases por que h ã o passado a t r a v é s da dc Saint-Simon e como a maioria delas constitui •> fundo dos
ensinos da social-democracia moderna.
história a propriedade e a autoridade que é lícito su- N. do A.
O ANARQUISMO E A C I Ê N C I A MODERNA 157
156 P E T 1: R K R O P O T K I N
individual. X ã o obstante os excelentes trabalhos que
lhores na Ciência, na A r t e e na I n d ú s t r i a . A distribui- muitos dentre eles produziram em m a t é r i a de econo-
ção dos produtos se faria neste sistema segundo a mia política, não chegaram, entretanto, a conceber a
fórmula sau-simoniana: " a cada um segundo a sua p r o d u ç ã o das riquezas como um facto social, isto é,
capacidade, a cada capacidade segundo as suas obras." um facto global. Se a tal chegassem, teriam sido, for-
Aparte essas pre vis õe s do futuro, a escola san- ç o s a m e n t e , levados a compreender que é materialmen-
simoniana e a filosofia positiva de Comte, que dessa te impossível determinar, com inteira justiça, I parte
escola deriva, foram as inspiradoras, durante o século que deva sri atribuída a rada um dos produtores na
X I X , de u m sem n ú m e r o de n o t á v e i s trabalhos histó- massa lotai das ii<pie/a piodii/idas
ricos em que se discutiram, de uma maneira verda- Nesse (Minto havia uma profunda divergência «n-
deiramente científica, as origens da autoridade, da trt comunistas i MUI ilmoniano ELm um caso, porém,
propriedade privada e do Estado, obras essas que ain- c.tavani de pleno acordo me e OUtro era na q u e s t ã o
da hoje conservam todo o seu p r i m i t i v o valor. lelativa ao individuo, em «pie, de um lado c ,|< outro,
A o mesmo tempo os san-simonianos submetiam ignoravam completamente <piai os direitos (pie, por
a uma severa crítica toda a economia política clássica Ordem natural dos factos, a este as istiam.
de Adam Smith e Ricardo, conhecida maia tarde pela Quando muito o (pie os comunistas concediam ao
d e n o m i n a ç ã o de ''escola liberal dc Manchester", cujo indivíduo era o direito de eleger os seus administra*
lema era "a n ã o - i n t e r v e n ç ã o do Estado". dores e governantes, cousa que, antes de 1848, n ã o
P o r é m , enquanto combatiam tenazmente o prin- admitiam os primeiros san-simonianos, os quais, a
cipio individualista industria! e de livre c onc orrê nc ia princípio, nem sequer reconheciam o p r ó p r i o direito
dos eitados economistas, incidiam os san-simonianos. dc eleição. Debaixo da bandeira do comunismo auto-
sem talvez o saberem, no mesmo erro quando c r i t i - r i t á r i o , como da do san-simonismo e do colectivismo,
cavam o Estado M i l i t a r e as classes hierarquicamente 0 indivíduo não passavam de um mero funcionário do
organizadas. Acabavam por reconhecer a Oni potência Estado. E com Etienne Cabet, autor de um livro que
do Estado e baseavam o seu sistema social, — como teve certa voga. — Voyage en Icarie, 5.* edição. 1848,
o notara C o n s i d é r a n t , — na desigualdade e na auto- — fundador de uma colónia comunista na América,
ridade e, consequentemente, na necessidade de mau representante perfeito do tipo do comunismo jacobino,
ter uma hierarquia administrativa, chegando a t é a a s u p r e s s ã o do indivíduo atinge o auge.
dar a toda essa hierarquia governamental o c a r á c t e r A-pesar-da bela e p í g r a f e , que vem estampada'
de s a c e r d ó c i o ! nesse livro, a cada um segundo as suas necessidades,
* de cada um segundo as suas forças, topamos a cada
è A passo com a autoridade, o Estado, indo este a t é imis-
cuir-se na cozinha de cada família c o m u n i t á r i a ! N ã o
Diferem os san-simonianos dos socialistas de 48 contente com o fornecer um "Guia do Cozinheiro"
em admitirem que o indivíduo tem, na massa dos bens para uso de cada família, a República acrata de l i a r i a
produzidos pela comunidade, uma parte puramente
158 1* i- T i . R K R O P O T K I N Q ANARQUISMO t A CIÊNCIA MODKRNA 159
vai ate formular uma completa lista dos alimentos da sabedoria m á x i m a . As nossas aceradas críticas res-
aprovados; os vários agricultores e o p e r á r i o s da Repú- pondiam-nos com estas palavras de Cabet:
blica produzem-nos e, em seguida, ela os faz distribuir " N ã o resta dúvida que a comuna para se manter
equitativamente. "Como n i n g u é m , escreve Cabet, po- impõe necessariamente incómodos e t r o p e ç o s de vária
derá ter outros alimentos senão os que a República e q i é c i e . o que n ã o é dc admirar unia vez que a sua prin-
prescreve, concebe-se que n i n g u é m possa consumir se- eipal mis a.» c produzir a riqueza e estabelecer a feli-
n ã o os que ela aprova". (Voyage en Icarie, p a £ . 52). cidade paia i o d o , Ora, para (pie a comuna possa cum-
A comissão administradora chega a t é ao desplante prii o eu d . ' . i n eial. necessário é evitar os duplos
de regular o n ú m e r o de refeições, as horas em que de- rtuprcgoN < a p m d a . ; cumpre economizar e dupli-
vem ser tomadas, o tempo que nelas deve ser gasto, o • * « taittu preciso n p r o d u ç ã o agrícola <• industrial,
n ú m e r o de pratos, a qualidade, a espécie e a ordem i i i rvtdentemeu11 11• < i lário que a Sociedade
por que devem seguidas. Quanto ao v e s t u á r i o , as mes- « o i i e r i i l M ' , iliupoiíha <- • f t j a . t u d o , <|iie nuhmetn i o d a *
ma- m i n ú c i a s : á mesma c o m i s s ã o incumbe o r d e n á - l o an v o i í t u d r n «• l o d i m nu aeçòen it rum regra, « Min ordem
convenientemente, estabelecendo um certo p a d r ã o , e à sua disciplina. 0 bom cidadão deve m< abs
mandando mesmo usar determinado uniforme segundo i i i ic de t u d o que nfto lhe fôi ordenado iVoyage,
• as condições e. a posição do indivíduo na República. pag < Q 3 ) .
Os o p e r á r i o s , fabricando sempre «• constantemente o E o (pie mais lamentável em tudo isto é que,
mesmo objecto, constituem um perfeito regimento, — nos a u t o r i t á r i o s , permanecia a convicção (pie, no fim
" t a l a ordem e a disciplina reinantes", exclama exta- de contas, como o dissera Cabet. '"a comunidade é
siado o famoso Cabet! t ã o possível coexistir com um monarca como com uni
A vista do exposto, inútil será dizer (pie n i n g u é m presidente republicano.*' Foi precisamente essa ideia
poderia publicar qualquer cousa sem o assentimento que adornou o caminho para ô golpe de Estado de
da República, e se a l g u é m se quisesse a b a l a n ç a r ao pa- M i p o l e l o N I e que, muito mais tarde, foi a fórmula
pel de autor, só depois de uni maduro exame e de uma que permitiu aos socialistas a u t o r i t á r i o s consentirem
especial a u t o r i z a ç ã o , devidamente documentada, o con- t ã o facilmente na r e a c ç ã o burguesa.
seguiria !
E' naturalmente de duvidar-se que a utopia de *
Cabet houvesse obtido no seio da Internacional maioria * *
absoluta de p a r t i d á r i o s , mas o que, por outro lado, é
certo é que o e s p í r i t o dessa maravilhosa utopia íicõu. Para completar éste período histórico devemos
í . absolutamente certo. — e n ó s sentiamos muito bem
: mencionar a escola de Louis Blanc que. na época, con-
nas discussões que t r a v á v a m o s com os a u t o r i t á r i o s , so- tava numerosos p a r t i d á r i o s na F r a n ç a e na Alema
bretudo com os comunistas a l e m ã e s , — que mesmo a nha onde era representada por corpo compacto dc
r e g u l a m e n t a ç ã o citada, que hoje nos parece t ã o absur- lassalianos. Estes socialistas, t ã o estatistas quanto 0
da, era. e n t ã o e agora, considerada como a expressar» eram os precedentes, consideravam que a passagem da
160 1' K T B K K R O P O T K I N
< ' ANARQUISMO E A CIÊNCIA MODERNA 161
propriedade industrial das m ã o s do Capital para as do Junho desse ano, eram largamente espalhadas na A . I .
Trabalho poderia efectuar-se, se um governo, o r i g i - T. E r a m , certamente, muito acentuadas as diferenças
n á r i o de uma revolução e inspirado em ideias socia- de opiniões individuais, mas. como acabamos de ver,
listas, prestasse m ã o forte aos trabalhadores para se os p a r t i d á r i o s das diversas correntes estavam de intei-
organizarem por si p r ó p r i o s , estabelecendo, em uma ro acordo para reconhecerem, como base da p r ó x i m a
larga escala e unidas entre si em um vasto sistema ^e r e v o l u ç ã o , um governo forte que, conservando a or-
p r o d u ç ã o nacional, associações o p e r á r i a s cooperativas, gtnizaçfto centralizadora e h i e r á r q u i c a do Estado,
à s quais o governo emprestaria o capital ne cessário. mantivesse, ao mesmo tempo, nas suas mãos toda a
Como forma t r a n s i t ó r i a praticar-se-ia nessas as- vida económica da nação
sociações o princípio de uma r e t r i b u i ç ã o igual para
Kcli/iiieiite ipic .li» lado destas ideias jacobinas
todos os seus membros, conquanto o objectivo final
• los endeti adoi i do Estado, havia ainda, a pesar na
fosse o de chegar, em tempo oportuno, ao princípio
balança, as ideias dos pai t idai i< >•. de boiíriei (• delas
da distribuição dos produtos segundo as necessidades
que em seguida nos ocuparemos
de cada u m dos produtores. Era, como se vê e Consi-
d é r a n t o nota, a p r á t i c a de um san-simonismo comu-
nista sob a tutela governamental de um Estado de-
mocrático.
Amparadas por um largo sistema de c r é d i t o na-
cional, (pie forneceria os capitais n e c e s s á r i o s a uma
taxa de juros ínfima, colocadas assim cm condições
i \ competir eficazmente com a p r o d u ç ã o capitalista,
além de preferidas para as encomendas do Estado, —
essas associações o p e r á r i a s , dentro em breve, ]>ode-
riam e s c o r r a ç a r da indústria o capitalista, substituin-
do-o vantajosamente. E n ã o só na i n d ú s t r i a exerce-
r i a m a sua actividade; na agricultura igualmente fa-
r i a m experiência a n á l o g a estendendo assim o seu
campo de acção. Esse fim e c o n ó m i c o , — digamos,
socialista, — e n ã o o ideal simplesmente d e m o c r á t i c o
dos políticos burgueses, jamais os trabalhadores de-
veriam perdê-lo de vista.
Todas essas ideias, com diversas modificações
nas particularidades que o desenrolar dos factos indi-
cavam, elaboradas no decurso da propaganda socia-
lista anterior a 1848. pelas revoluções de Fevereiro e
O ANARQUISMO E A CIÊNCIA MODKRNA 163
qual deduzira as suas ideias essenciais, j á n ã o era v i - povo parisiense houvesse expulsado da C o n v e n ç ã o os
vo ao tempo da A . I . T . A s suas doutrinas tinham, "girondinos" e promulgasse ,i chamada lei do ma-
porem, sido t ã o popularizadas por seus adeptos, espe- ximum.
cialmente por C o n s i d é r a n t que lhes deu certa unidade
Como o deixou escrito Considérant na sua mento
científica, que, cientemente ou n ã o , os e s p í r i t o s mais
rável obra L e Socialisme devant le Vieux Monde, pag
lúcidos da Internacional se deixaram fortemente i n -
38, que nunca será supérfluo recomendar aos locialia
fluenciar pelas doutrinas do mestre ( 1 ) .
tas modernos, Fourier via que o" meio único a «.pôr
Para bem se compreender a influência das d o u t r i - a todas as infâmias da e x p l o r a ç ã o actual estava em
nas sociais de Fourier, cumpre notar que a sua ideia "pôr em relações directas produtor e consumidor
predominante n ã o era a da a s s oc ia ç ã o do Capital, do
mediante a o r g a n i z a ç ã o de a g ê n e i a s comunais inter-
Trabalho e do Talento para a p r o d u ç ã o das riquezas a
m e d i á r i a s , d e p o s i t á r i a s , e n ã o p r o p r i e t á r i a s , dos g é n e -
que se dá tanta i m p o r t â n c i a e se põe sempre em lo-
ros e produtos, tomados directamente das fontes pro-
dutoras, expedindo-o se entregando-os directamente
(1) — E ' hoje já demasiado sabido que Marx e Engels aos consumidores apenas com a adição dos gastos reais
tomaram a parte teórica dos princípios económicos expostos
de transporte, armazenagem e a d m i n i s t r a ç ã o que s ã o
no seu célebre "Manifesto Comunista" da obra de Considé-
rant, Príncipes du Socialigme, manifeste de la Démocratie do sempre insignificantes." Nestas condições, os produ-
X I X . ' Siécle, publicada em 1848. Com efeito, basta compul- tos, naturais ou manufacturados, n ã o seriam jamais
sar os dois "Manifestos" para so ter a prova inconcussa que objecto de especulações.
não só as ideias económicas, mas a própria contextura, foram
extraídas por Marx e Engels da obra de Victor Considérant. J á na sua infância, Fourier, que seus pais colo-
Quanto ao programa de acção prática que se lê no "Ma- caram em uma casa comercial, votara ao c o m é r c i o
nifesto Comunista" dc Marx e Engels, é êle o mesmo, como u m ódio execrávcl por observar de perto as inominá-
o demonstrou o professor C. Andler na edição crítica dessa veis especulações e fraudes cometidas. Desde e n t ã o
obra, do programa das organizações secretas comunistas fran-
cesas e alemãs que continuaram a obra das sociedades secre- j u r o u c o m b a t ê - l o com todas as suas força |
tas de Babeuf e Buonaroti. Mais tarde, durante a Grande R e v o l u ç ã o , poda
N. do A . observar pessoalmente as inqualificáveis especulaCj6ei
164 P )•: T K R K K O P O T K I N t) ANAKOIISMO K A CIKNCIA MODKKNA 165
que M faziam com a compra «los bens nacionais e o Conheceu o grande plano dos "sans-culottes" de
que se praticava, durante I guerra, com a alta de pre- 1793-94 de nacinalizar o comércio, e nessa ideia, sem
ç o s dos g é n e r o s de primeira necessidade. Observou dúvida, se inspirou tornando-se, como dissemos, seu
igualmente, — e observou bem, — que nem a Con- adepto. Michelet, em uma das suas muitas a n o t a ç õ e s
v e n ç ã o jacobina, nem o T e r r o r conseguiram opor um manuscritas citadas por J a u r é s , faz esta curiosa i n -
dique a essas torpes especulações. P ô d e t a m b é m com- t e r p e l a ç ã o : "Quem fez Fourier? nem Ange, nem Ba-
preender como a ausência de um instituto de permu- beuf, única e simplesmente Lyon foi o predecessor de
ta socializada paralizava, nos mais profícuos resulta- Fourier". Melhor diremos hoje: " L y o n e a Revolu-
dos que seriam de esperar-se, os efeitos de uma re- ção de 1793-1794" ( 1 ) .
v o l u ç ã o económica como a que fora a realizada pela
e x p r o p r i a ç ã o dos bens do clero e da nebreza em favor *
da democracia. Por todos estes factos, pôde Fourier * *
entrever claramente a necessidade dc se proceder à
nacionalização do comércio e. apreciando devidamen-
A C O M U N A L I V R E , a municipalidade livre, o
te a tentativa operada nesse sentido pelos " m a l t r a p i -
Falanstério, como a denominava Fourier, resolvia, em
lhos" (sans-culottes) de Paris em 1793-94, fez-se ar-
sua opinião, o magno problema da |>crmuta e da dis-
doroso a p ó s t o l o das suas generosas reivindicações re-
t r i b u i ç ã o dos produtos de primeira necessidade. Po-
volucionárias.
r é m , essa Comuna n ã o seria a proprietária, como ho-
Aliás, éste aspecto particular da personalidade de je o são os negociantes e a t é as cooperativas actuais,
Fourier, isto é, a sua a d e s ã o à s o p i n i õ e s manifestas dos produtos armazenados; seria apenas a sua depo-
dos "sans-culottes" (maltrapilhos), n ã o era conhe- sitária, uma como que a g ê n c i a para recepção e dis
cido no seio da Internacional. I n v e s t i g a ç õ e s h i s t ó r i c a s t r i b u i ç ã o dos produtos, sem poder, contudo, realizai
e bibliográficas recentes informam-nos, todavia, que lucros alguns, sem impor tributos de qualquer espt i l(
um certo L'Ange, leonês, impressionado com o espe- aos consumidores, impedida, portanto, de especulai
c t á c u l o desolador das m i s é r i a s de L y o n durante a re- sobre as flutuações de preços. Atacar o problema so
volução, publicara u m plano de " A s s o c i a ç ã o V o l u n t á - ciai pela permuta e pelo consumo, foi o que fei d l
r i a " extensivo a toda a n a ç ã o . Esta associação teria Fourier o mais profundo pensador socialista.
30.000 celeiros, fartamente nutridos, instalados em
Mas n ã o ficou nisso-o esforço de FouriCl foi
cada comuna, sendo seu objecto a supressão da pro-
a l é m , deu à sua ideia uma maior e x t e n s ã o . Supó qt|<
priedade privada e do comércio privado dos objectos
todas as famílias de uma comuna rural ou indn u • .!
de primeira necessidade, o que viria a estabelecer a
permuta dos produtos pelo seu verdadeiro valor. (1) — Para maiores esclarecimentos, veja-sc I •HAIU»
Teria esse plano de L'Ange inspirado Fourier que que das brochuras de L'Ange fez primeiramente M 1 '
e n t ã o meditava sobre o m e s m í s s i m o problema? eis o pois Jaurés e ultimamente Hubert Bourgin no seu M I
tudo sobre F O U R I E R . editado em Paris em 190
que n ã o se sabe ao certo. Mas é evidente que Fourier
N '
166 I' i T i. K K R O P O T K I N O ANARQUISMO E A C I Ê N C I A MODERNA 167
— melhor, mixla, — constituiriam uma falange, isto F o r ç o s o é confessar, todavia, que Fourier n ã o con-
é, u m falanstério, que teria em comum as terras, o seguira desenvencilhar-se completamente da influên-
gado. os bens móveis, os instrumentou a g r á r i o s , as cia das ideias estatistas. E ' assim que, para fazer o
m á q u i n a s , e t c , cultivando uns a terra enquanto outros ensaio da sua ideal a s s o c i a ç ã o , para tentar, como êle
se dedicariam aos empreendimentos industriais como o dizia, "uma harmonia simples", e fosse esse ensaio o
se a terra, os bens, as m á q u i n a s e os instrumentos precursor da "verdadeira h a r m o n i a " , — " u m coroa-
fossem propriedade comum e, alem disso, mantendo do poderia intervir nessa r e a l i z a ç ã o " . Poder-se-ia
um cuidadoso registo daquilo com que cada membro conceder mesmo ao chefe político ria F r a n ç a a honra
houvesse c o n t r i b u í d o para a f o r m a ç ã o do capital co- de t i r a r a espécie humana do caos social em que jaz,
mum. de ser, portanto, o fundador da harmonia e o libertador
Dois princípios básicos, dizia, devem absolutamen- do g l o b o " . — assim se exprimia em u m dos sus p r i -
te ser respeitados no í a l a n s t é r i o . E m primeiro logar, meiros escritos. Ainda em 1 8 0 8 repetia a mesma ideia
n ã o deve haver trabalho desagradável. Todo o t r a - na sua obra Théorie des quatre mouvements. Mais
balho deve ser organizado, repartido e diversificado tarde a t é , com o nobre intuito de realizar a sua ideia,
de maneira a ser sempre atractivo. E m segundo logar, para tentar um ensaio preliminar, n ã o hesitou em d i r i -
nenhuma espécie de coacção seria exercida. Em uma gir-se a Luis Filipe (vide a obra de seu discípulo Char-
sociedade organizada segundo o princípio da livre as- les Pellarin, — FOURTER. SA VTE, SA T H É O R T E .
sociação, nenhuma espécie de coacção poderia ser ad- 4.eme edition).
mitida, poivs. sob esse princípio, nem motivo sequer Quanto à 'verdadeira harmonia'*, a "harmonia
haveria para ser exercida. universal", n ã o deveria ter nenhuma espécie de gover-
Com um pouco de a t e n ç ã o inteligente á s necessi- no. Essa "harmonia'* não poderia t ã o pouco estabel-'
dades individuais de cada membro do falanstério e um cer-se à moda de um edifício, "peça por p e ç a " . A trans-
pouco de tolerância para as particularidades dos d i - f o r m a ç ã o deveria ser, em simultaneidade, eminente-
versos caracteres, combinados proficuamente o t r a - mente social, política, e c o n ó m i c a e moral. E quando
balho a g r í c o l a , industrial, intelectual e a r t í s t i c o , os Fourier chegava à crítica do Estado, fazia-o t ã o acer-
membros do falanstério dentro em pouco reconhece- bamente quanto n ó s , anarquistas, a fazemos hoje. " A
riam que, mesmo as paixões dos homens, m a l s ã s e desordem política, assim se exprimia, é simultanea-
perigosas na actual estrutura social e. porisso. ser- mente a consequência e a e x p r e s s ã o da desordem so-
vindo sempre de pretexto ao emprego da força, pode- cial e por ela a desigualdade se converte em iniquidade.
r i a m muito bem constituir uma fonte de progresso O Estado, em nome do qual age o poder, é. funda-
deixadas que fossem a sua natural e x p a n s ã o , procu- mentalmente, por sua origem e princípio, o servidor
rando apenas dar-lhes uma aplicação social útil pela e o protector das classes privilegiadas contra as que
sua t r a n s f o r m a ç ã o em aventuras e empreendimentos o n ã o s ã o " . E , nesse diapasão, continua.
heróicos, em actos de a n i m a ç ã o social, em m u t a ç õ e s Na "sociedade h a r m ó n i c a " que resultaria da apli-
diversas de actividade, etc. cação rigorosa dos seus princípios, toda a coacção te-
lo* I ' I : T E R K R O P O T K I N O ANARQUISMO E A C I Ê N C I A MODERNA 169
ria de ser banida. A este respeito é deveras de lamen- uma simples concessão ao ambiente r e a c c i o n á r i o da
tar que Fourier faça ainda certas r e s t r i ç õ e s , fale. época, aspecto esse que em nada afectava o essencial
com uma inconsequência singular, de " d i s t i n ç õ e s " e do sistema cuja s í n t e s e se podia formular nos seguin-
" g r a u s " a conferir com o intuito de estimular o ardor tes termos:
ao trabalho, ou e n t ã o quando nos adverte da obediên-
cia à s leis e à s regras n e c e s s á r i a s nas e x p e r i ê n c i a s rela- 1. " — A Comuna, ou seja uma pequena unidade
tivas ao ensaio de aplicação da sua teoria. t e r r i t o r i a l independente, será considerada como
A-pesar-disso, a ideia geral de todo o sistema de a base da nova sociedade socialista;
Fourier é a liberdade absoluta do indivíduo na socie- 2. ° — A Comuna será a d e p o s i t á r i a de tudo que
dade h a r m ó n i c a do futuro. " A liberdade, dizia êle, se produzir nas c i r c u n v i z i n h a n ç a s e a i n t e r m e d i á -
consiste em poder realizar os actos para os quais as ria para todas as permutas. R e p r e s e n t a r á t a m b é m
nossas simpatias nos solicitam. "Se h á indivíduos que a associação dos consumidores e, na maioria dos
se vangloriam de dominar a natureza humana sujei- casos, será m u i provavelmente a célula produtora,
tando-a à s exigências da sociedade actual e que, com a qual p o d e r á constituir-se de um grupo profis-
esse p r o p ó s i t o , a estudam, n ó s n ã o pertencemos a esse sional ou de uma federação de grupos produtores;
n ú m e r o " , acrescenta seu discípulo Pellarin na obra
3. ° — As Comunas se f e d e r a r ã o livremente en-
citada, pag. 222.
t r e si para c o n s t i t u í r e m a F e d e r a ç ã o regional, pro-
* vincial ou nacional:
* * 4. ° — O trabalho t o r n a r - s e - á forçosamente
atractivo, sem o q u ê será sempre uma e s c r a v i d ã o .
E, enquanto essa t r a n s f o r m a ç ã o do trabalho n ã o
Relativamente ao modo de organizar a distribui- fôr conseguida, impossível será qualquer solução
ção dos produtos, Fourier, que depois do fracasso da racional do problema social. N ã o é cousa de du-
Grande R e v o l u ç ã o e durante a espantosa r e a c ç ã o que vidar-se a possibilidade desta t r a n s f o r m a ç ã o :
se lhe seguiu se inclinava para as soluções pacíficas,
insistia sobre a necessidade de reconhecer o princípio 5. ° — Afim-de manter-se a devida harmonia
da a s s o c i a ç ã o do Capital, do Trabalho e do Talento. entre as diversas comunidades ou grupos produ-
De acordo com esse princípio, o valor de cada pro- tores, nenhuma c o e r ç ã o seria necessária. Basta-
duto obtido no F a l a n s t é r i o deveria ser dividido, se- ria, para alimentar essa harmonia, a influência da
gundo o seu modo de ver, em t r ê s partes: uma se opinião pública.
destinaria a remunerar o Capital, outra a recompensar
o Trabalho e a terceira como c o m p e n s a ç ã o ao Talento. Quanto à r e p a r t i ç ã o dos produtos e ao seu con-
A maioria, p o r é m , dos que sustentavam as ideias sumo, as opiniões, na verdade, divergiam bastante. Se-
de Fourier, n ã o ligava grande i m p o r t â n c i a a esse as- ria esse u m assunto que incumbiria à Comuna resol-
pecto particularista do seu sistema, admitiam-no como ver, quer estabelecendo o princípio comunista "a cada
170 I' KT KK K R O P O T K I N () ANARQUISMO E A C I Ê N C I A
V MODERNA 171
um segundo as suas necessidades", quer adoptando em 1839 e 1842, depois por Vidal em 1848, e aos quais
qualquer outro sistema de r e m u n e r a ç ã o segundo os j á tivemos ensejo de nos referirmos ( 1 ) .
resultados. Esta alternativa dos meios de remunera-
ção do trabalho constituiu a essência do sistema co- *
nhecido entre as n a ç õ e s latinas com a d e n o m i n a ç ã o * *
de colectivismo em oposição ao comunismo a u t o r i t á r i o
e n t ã o dominante. Nos escritos.de James Guillaume, que tomou par-
te activa na propaganda do colectivismo, — Idées sur
Com a fundação da A . I . T., a ideia socialista pro- 1'Organisation Sociale, brochura publicada em 1876, na
gredira notavelmente. Primeiramente no Congresso sua monumental obra L'InternationaIe, documents et
de Bruxelas, em 1868, e depois no de Bale. em 1869, souvenirs, 4 vols. publicados em 1905-1910, e, final-
a Internacional, por numerosas maiorias, pronunciava- mente, em u m artigo seu, publicado na Encyclopédie
se abertamente pela propriedade colectiva do solo a r á - Syndicaliste, sob o t í t u l o O Colectivismo da Interna-
vel, das florestas, dos caminhos de ferro, dos canais, cional, — podem ser examinadas todas as modalidades
dos t e l é g r a f o s , das minas, das m á q u i n a s , dos instru- do sentido preciso a t r i b u í d o pelos membros mais acti-
mentos de trabalho, etc. vos da Inetrnacional federalista, — V a r l i n , Guillaume,
De Paepe, Bakunine e seus c o r r e l i g i o n á r i o s , — ao
Aceito o princípio da propriedade colectiva. ímpu- termo " C o l e c t i v i s m o " . Todos eles declaram que. por
nha-sc, para a obter, a e x p r o p r i a ç ã o . Os anti-estatis- o p o s i ç ã o ao comunismo a u t o r i t á r i o , designavam pelo
tas da Internacional adoptaram a d e s i g n a ç ã o de cole- termo "Colectivismo" um comunismo rjão-autoritá-
ctivistas para se distinguirem, com maior calreza, n ã o rio, federalista, anarquista. Denominando-se "cole-
só do comunismo estatista e centralizador de M a r x c ctivistas", afirmavam-ae primeiramente, anti-autori-
Engels e seus sequazes, mas do comunismo francês t á r i o s : n ã o queriam prejulgar a forma que tomaria o
adstrito à t r a d i ç ã o a u t o r i t á r i a de Babeuf e Cabet a consumo em uma sociedade (pie houvesse já realizado
que j á aludimos. a e x p r o p r i a ç ã o da propriedade. essencial, para eles,
era n ã o se pretender previamente encerrar a soc-edade
Por essa época os social-democratas. cuja maio- em um quadro r í g i d o ; a maior latitude a este respeito
ria se compunha de comunistas a u t o r i t á r i o s , n ã o havia ficaria reservada aos grupos mais a v a n ç a d o s .
precisado o seu sistema chamado Colectivismo de E s -
tado. E, ao que bem se pode ver, já nas v é s p e r a s e du- (1) — Vide: C. P E C Q U E U R . — Économie Sociale, des
intérets du commerce, de 1'industrie et de 1'agriculture, et de
rante a r e v o l u ç ã o de 1848, tinha-se completamente des- la civilisatíon en general sous 1'influence des applications de
curado o sentido preciso de e x p r e s s õ e s tais como C a - la vapeur, em 1839; — Théorie nouvelle de 1'économie sociale
pitalismo de Estado e retribuição segundo as horas de et politique: études sur 1'organisation des sociétés. cm 1842;
F. V I D A L , — Vivre en travaillant! Projecta, voies et moyens
trabalho para as incorporar ao termo "colectivismo", de reformes sociales, em Junho de 1848.
que fora claramente definido, primeiro por Pecqueur N. do Ai
O ANARQUISMO K A CIÊNCIA MODERNA 173
172 I ' I T I' K K KllfllTK IN
A independência completa da Comuna, a federa- q u e s t ã o importante era relegada para segundo plano
ção das comunas livres, a r e v o l u ç ã o social na comuna, como q u e s t ã o s e c u n d á r i a que no futuro seria melhor
os agrupamentos corporativos para a p r o d u ç ã o substi- resolvida pelas comunas interessadas e pelas organi-
tuindo-se à actual o r g a n i z a ç ã o estatista da sociedade. z a ç õ e s do trabalho.
— T a l é, o demonstrava Bakunine, o ideal que surge Com aquelas concepções, Bakunine foi u m ardo-
das trevas do passado, dos escombros da nossa civili- roso propagandista da revolução social cujo advento
zação. O homem, finalmente, c o m e ç a a compreender a m ó r parte dos socialistas de antanho previam e que
que só s e r á verdadeiramente livre na p r o p o r ç ã o em Bakunine, nos seus v á r i o s escritos, convictamente
que o sejam os que com êle convivam. apregoava com palavras de fogo.
Enquanto à s concepções e c o n ó m i c a s , Bakunine foi
um e s t r é n u o comunista; mas, de acordo com seus ca-
maradas federalistas da Internacional e como mera
c o n c e s s ã o ao e s p í r i t o a n t a g ó n i c o reinante que, na
F r a n ç a , o comunismo a u t o r i t á r i o inspirara contra o
comunismo em geral, êle se tlizia "colectivista-anar-
q u i s t a " . P o r é m . o que bem se compreende, n ã o era
um "colectivista" u maneira de Vidal e Pecqueur ou
de seus sequazes modernos que, em s í n t e s e , procla-
mam u m "Capitalismo de Estado". Bakunine enten-
deu o colectivismo no sentido que acima lhe damos e
n ã o no sentido de d e t e r m i n a ç ã o p r é v i a da forma de
d i s t r i b u i ç ã o que os produtores adoptariam nos dife-
rentes grupos c o n s t i t u í d o s , quer fosse a solução co-
munista, quer a dos " b ó n u s de t r a b a l h o " , a dos sa-
lários iguais ou outra qualquer solução inspirada em
m é t o d o diferente. •
A isto devemos acrescentar que um certo n ú m e -
ro de cooperadores, amigos e p a r t i d á r i o s de Bakunine,
nomeadamente V a r l i n , Guillaume e a maioria de ita-
lianos, j á em 1869 se declaravam francamente comu-
nistas-anarquistas. P o r é m , forçados pelas c i r c u n s t â n -
cias de momento, quando as o r g a n i z a ç õ e s revolucio-
n á r i a s da época exigiam a presteza da sua acção e u m
trabalho exaustivo em prol da independência das suas
respectivas federações mais os preocupavam, essa
O ANARQUISMO K A CIANCIA MODKRNA 185
As tentativas feitas nos diferentes países com o E ' evidente que uma vez que cessassem de existir
fim de aliviar parcialmente os males sociais dentro da os monopólios c o n s t i t u í d o s e solidificados pelo Esta-
o r g a n i z a ç ã o estatista burguesa, outra cousa n ã o l o - do, este n ã o teria mais r a z ã o de ser. Desta nova
graram mais do que demonstrar, com a maior evi- s i t u a ç ã o surgiriam, certamente, novas formas de
dência, a completa inanidade de semelhantes tenta- agrupamento social desde que as relações entre os
tivas e, porisso mesmo, quanto mais se dilata o campo homens n ã o fossem mais as relações decorrentes da
dessas e x p e r i ê n c i a s , mais avoluma a certeza de que condição de explorados e exploradores. A vida se
a m á q u i n a do Estado n ã o p o d e r á ser utilizada como simplificaria notavelmente se o mecanismo hoje do-
instrumento de e m a n c i p a ç ã o humana. minante com o único f i m de permitir ao rico explorar
o trabalho do pobre, cessasse de existir.
Emerso do curso da história para estabelecer e
A ideia de comunas independentes constituindo-
manter o monopólio da propriedade t e r r i t o r i a l em
se para a o r g a n i z a ç ã o t e r r i t o r i a l e a de vastas fede-
proveito de uma classe que, por esse facto, se tornava
r a ç õ e s corporativas de ofícios para a o r g a n i z a ç ã o de
a classe governante por excelência, — que meios pode
agrupamentos conforme as diversas funções sociais,
o Estado oferecer tendentes a abolir esse monopólio
— ambas mesclando-se e solidarizando-se para satis-
que a classe trabalhadora n ã o encontre na sua p r ó p r i a
fazer as m ú l t i p l a s necessidades sociais, — permitem
força, na força dos seus agrupamentos? A p e r f e i ç o a d o aos anarquistas conceberem logicamente, de uma ma-
no transcorrer de todo o século X I X para assegurar neira concreta, real, precisa, a possibilidade da orga-
As novas classes de ricaços o monopólio da proprie- nização de uma sociedade livre, regenerada pela re-
dade industrial, os privilégios do c o m é r c i o e os fa- v o l u ç ã o social. A estes dois modos principais de orga-
vores dispensados aos institutos b a n c á r i o s , o Estado, nização social adicionaremos ainda u m t e r c e i r o : o dos
fornecedor de " b r a ç o s " a bom preço pela apropria- agrupamentos por afinidades pessoais, agrupamentos
ção indébita das terras pertecentes outrora à s comu- i n ú m e r o s , variados a t é ao infinito, de longa ou e f é -
nas aldeãs e crivando de impostos os pobres cultiva- mera d u r a ç ã o , surgindo de todos os lados para todos
dores, que vantagens pode oferecer para abolir esses os fins e para todos os gostos possíveis, segundo as
mesmos privilégios? Acaso a m á q u i n a governamen- necessidades dc momento, — agrupamentos, aliás, que
tal, essência do Estado, evidentemente montada com já hoje vemos surgirem na sociedade actual fora de
o p r o p ó s i t o de manter tais privilégios, p o d e r á servir todos os c o n v e n t í c u l o s políticos e profissionais.
na actualidade para os abolir? A novas funções n ã o Essas t r ê s espécies de agrupamentos, cobrindo
c o r r e s p o n d e r ã o novos ó r g ã o s ? Acaso estes novos ó r - uma extensa á r e a t e r r i t o r i a l e constituindo uma com-
g ã o s , dado já o p e r í o d o h i s t ó r i c o que atravessamos, plexa rede de actividades sociais, permitiriam, sem
n ã o poderiam e n ã o deveriam antes ser i n s t i t u í d o s dúvida, a satisfação de todas as e x i g ê n c i a s da socie-
pelos p r ó p r i o s o p e r á r i o s nas suas uniões, nas suas dade: o consumo, a p r o d u ç ã o e a troca, e n ã o s ó isso
federações, absolutamente fora de toda a acção e i n - mas a realização dos v a r i a d í s s i m o s meios de comu-
t e r f e r ê n c i a do Estado? nicação, as modernas instalações de toda a espécie, a
186 P E T E R K R O P O T K I N O ANARQUISMO E A CIÊNCIA MODERNA 187
As tentativas feitas nos diferentes países com o E ' evidente que uma vez que cessassem de existir
fim de aliviar parcialmente os males sociais dentro da os monopólios constituidos e solidificados pelo Esta-
o r g a n i z a ç ã o estatista burguesa, outra cousa n ã o l o - do, este n ã o teria mais r a z ã o de ser. Desta nova
g r a r a m mais do eme demonstrar, com a maior evi- s i t u a ç ã o surgiriam, certamente, novas formas de
dência, a completa inanidade de semelhantes tenta- agrupamento social desde que as relações entre os
tivas e, porisso mesmo, quanto mais se dilata o campo homens n ã o fossem mais as relações decorrentes da
dessas e x p e r i ê n c i a s , mais avoluma a certeza de que condição de explorados e exploradores. A vida ae
a m á q u i n a do Estado n ã o p o d e r á ser utilizada como simplificaria notavelmente se o mecanismo hoje do-
instrumento de e m a n c i p a ç ã o humana. minante com o único f i m de permitir ao rico explorar
o trabalho do pobre, cessasse de existir.
Emerso do curso da história para estabelecer e
manter o monopólio da propriedade t e r r i t o r i a l em A ideia de comunas independentes constituindo-
se para a o r g a n i z a ç ã o t e r r i t o r i a l e a de vastas fede-
proveito de uma classe que, por esse facto, se tornava
l a ç õ e s corporativas de ofícios para a o r g a n i z a ç ã o de
a classe governante por excelência, — que meios pode
agrupamentos conforme as diversas funções sociais,
o Estado oferecer tendentes a abolir esse monopólio
— ambas mesclando-se e solidarizando-se para satis-
que a classe trabalhadora n ã o encontre na sua p r ó p r i a
fazer as m ú l t i p l a s necessidades sociais, — permitem
força, na força dos seus agrupamentos? A p e r f e i ç o a d o
aos anarquistas conceberem logicamente, de uma ma-
no transcorrer de todo o século X I X para assegurar neira concreta, real, precisa, a possibilidade da orga-
à s novas classes de ricaços o monopólio da proprie- nização de uma sociedade livre, regenerada pela re-
dade industrial, os privilégios do c o m é r c i o e os fa- volução social. A estes dois modos principais de orga-
vores dispensados aos institutos b a n c á r i o s , o Estado, nização social adicionaremos ainda u m t e r c e i r o : o dos
fornecedor de " b r a ç o s " a bom p r e ç o pela apropria- agrupamentos por afinidades pessoais, agrupamentos
ç ã o indébita das terras pertecentes outrora à s comu- i n ú m e r o s , variados a t é ao infinito, de longa ou efé-
nas a l d e ã s e crivando de impostos os pobres cultiva- mera d u r a ç ã o , surgindo de todos os lados para todos
dores, que vantagens pode oferecer para abolir esses os fins e para todos os gostos possíveis, segundo as
mesmos privilégios? Acaso a m á q u i n a governamen- necessidades dc momento, — agrupamentos, aliás, que
tal, essência do Estado, evidentemente montada com já hoje vemos surgirem na sociedade actual fora de
o p r o p ó s i t o de manter tais privilégios, p o d e r á servir todos os c o n v e n t í c u l o s políticos e profissionais.
na actualidade para os abolir? A novas funções n ã o Essas t r ê s espécies de agrupamentos, cobrindo
c o r r e s p o n d e r ã o novos ó r g ã o s ? Acaso estes novos ó r - uma extensa á r e a t e r r i t o r i a l e constituindo uma com-
g ã o s , dado j á o p e r í o d o histórico que atravessamos, plexa rede de actividades sociais, permitiriam, sem
n ã o p'oderiam e n ã o deveriam antes ser instituídos dúvida, a satisfação de todas as e x i g ê n c i a s da socie-
pelos p r ó p r i o s o p e r á r i o s nas suas u n i õ e s , nas suas dade: o consumo, a p r o d u ç ã o e a troca, e n ã o só isso
t e d e r a ç õ e s , absolutamente fora de toda a a c ç ã o e i n - mas a realização dos v a r i a d í s s i m o s meios de comu-
t e r f e r ê n c i a do Estado? nicação, as modernas instalações de toda a espécie, a
188 P i: T i: K K R O P O T K I N *
O ANARQUISMO I: A CIÊNCIA .MOUKRNA M
n ã o p o d e r á , evidentemente, eximir-se á regra que a mas políticas representadas pelo Estado absorvedor.
h i s t ó r i a ilustra. O homem será e n t ã o levado, por força dos factos, a
elaborar novas formas de o r g a n i z a ç ã o para suprir
aquelas funções outrora privativas do Estado e que
este, a seu bel-prazer, distribuía por entre os seus
áulicos. E enquanto essa obra n ã o se realizar, nada
D e s n e c e s s á r i o recordar que a Igreja e o Estado de útil t e r á sido feito.
foram, a t r a v é s dos tempos, a força política a que as Para facilitar a r e a l i z a ç ã o efectiva dessas novas
classes privilegiadas, logo no nascedouro da sua for- formas de vida social é que o Anarquismo trabalha
m a ç ã o , recorreram para firmarem solidamente a sua com afino- IVla força construtiva das massas popu-
o r g a n i z a ç ã o como classes definitivamente estabeleci- larei < com o poderoso auxílio (pie os conhecimentos
das, armadas, pela crença e pela lei, de todos os pode- m...lemos fornecem, essa a s p i r a ç ã o se d a r á , como,
res para o exercício dos seus privilégios e dos pre- aliás, j á se verificou no passado sempre que fortes
tensos direitos sobre os demais homens e o Estado foi c o m o ç õ e s libertadoras agitaram as populações.
a instituição que melhor serviu para fundar esse se- Tais são as r a z õ e s porque os anarquistas recusam
guro m ú t u o que garantia o uso e gozo desses direitos. aceitar as funções de legisladores ou qualquer outra
Por essas mesmas r a z õ e s , e porque a h i s t ó r i a função, — de servos ou m a n d õ e s , — nas esferas do
no-lo prova, é que nem o Estado nem a Igreja podem Estado. Mais do que convencidos estamos que a Re-
ser hoje a força que d e v e r á demolir os privilégios con- v o l u ç ã o Social n ã o se fará a poder de leia decretadas.
quistados com o seu apoio e a sua s a n ç ã o . Porisso As leis seguem naturalmente na esteira dos factos
mesmo é que, nem aquele nem essa, p o d e r ã o vir a ser consumados e admitindo mesmo, o que é p r o b l e m á t i -
a forma de o r g a n i z a ç ã o que, fatalmente, s u r g i r á quan- co, sejam honestamente seguidas, caso pouco habitual,
do tais privilégios forem, de verdade, abolidos. s e r ã o letra morta enquanto n ã o se produzam as forças
Do mesmo modo que a Igreja nunca p o d e r á ser vivas n e c e s s á r i a s para converter em factos concretos
utilizada como meio de l i b e r t a ç ã o do homem à sub- as t e n d ê n c i a s expressas nas leis.
m i s s ã o incondicional à s velhas s u p e r s t i ç õ e s ou para S ã o essas t a m b é m as r a z õ e s porque um grande
lhe fornecer uma nova ética social livremente .aceite; n ú m e r o de anarquistas, desde os p r i m ó r d i o s da Inter-
do mesmo modo que em todos os homens os senti- nacional a t é nossos dias, tomaram sempre parte activa
mentos de igualdade, de solidariedade e de unidade, nas o r g a n i z a ç õ e s o p e r á r i a s formadas para a luta d i -
que se s o b r e p õ e m a todas as religiões, t o m a r ã o um recta do Trabalho contra o Capital e seu g e n u í n o pro-
dia forma totalmente diferente das que hoje as diver- tector o Estado.
sas igrejas interessadas i m p õ e m quando se acostam Essa luta, de eficácia muito mais positiva do que
a esses sentimentos para os explorar em proveito de qualquer outra a c ç ã o indirecta pela qual se pudessem,
u m clero r e t r ó g r a d o , assim a l i b e r t a ç ã o económica da porventura, obter quaisquer melhorias na vida do ope-
humanidade só se fará d e s p e d a ç a n d o as arcaicas for- rário, abre muito melhor os olhos aos trabalhadores
198 P E T E R K R O P O T K I N O ANARQUISMO E A C I Ê N C I A MODERNA 199
#
A corrente individualista «= *
b a l h o " . Estes " b ó n u s " representariam o n ú m e r o de A isso acrescente-se as diferenças de energia muscular
horas dispendidas por tal indivíduo em funções reco- e cerebral que os o p e r á r i o s , em conjunto, dispeudem
nhecidas de utilidade pública. nos diversos ramos da p r o d u ç ã o . Tomados na devida
Ora, na realidade, este sistema deixa de ser indi- c o n s i d e r a ç ã o esses factos, ocorre perguntar se é pos-
vidualista no sentido que ao termo, em rigor, cabe. sível admitir-se racionalmente a hora de trabalho
Representa u m compromisso entre o comunismo e o como medida de valor para a permuta dos produtos a
individualismo. Individualismo na r e t r i b u i ç ã o devida que se quer dar o c a r á t e r mercantil.
ao produtor, comunismo na posse coletiva do que Na sociedade actual compreende-se a permuta
serve para produzir, terras, m á q u i n a s , fábricas, etc. mercantil; mas n ã o se compreende uma permuta mer-
E ' este dualismo que, a nosso ver, cria u m o b s t á - cantil quando baseada em um processo de avaliação,
culo i n s u p e r á v e l à possibilidade de ser introduzido e — a hora de trabalho, — que nada tem de mercantil
posto em p r á t i c a o sistema preconizado. E ' absoluta- se a força de trabalho cessa dc ser tratada como mer-
mente impossível a uma sociedade organizar-se na cadoria. A hora de trabalho só poderia servir de me-
base de dois princípios c o n t r a d i t ó r i o s : u m que pre- dida de equivalência dos produtos, ou melhor, para
tende a comunidade do que fôr produzido e outro que os avaliar grosso modo, em uma sociedade que já hou-
pretende individualizar o que vai ser produzido. O sis- vesse admitido o princípio comunista para a m ó r parte
tema é inconciliável, n ã o j á tanto para a p r o d u ç ã o dos produtos de primeira necessidade.
desses objectos de luxo para os quais os gostos e a E se, como concessão à ideia de r e m u n e r a ç ã o i n -
procura variam a t é ao infinito, mas para o que con- dividualista, i n t r o d u z í s s e m o s , além da hora de traba-
cerne ao estrito n e c e s s á r i o sobre que, em cada socie lho "simples", uma r e m u n e r a ç ã o especial para o t r a -
dade, se estabelece uma certa uniformidade de apre balho "qualificado" que exige prévia aprendizagem,
ciação. ou se r e c o r r ê s s e m o s à d e t e s t á v e l p r á t i c a das " p r o m o -
Por outro lado cumpre n ã o perder de vista a imen- ções por m é r i t o " na hierarquia dos funcionários da
sa variedade de m á q u i n a s e de m é t o d o s que, em dife- i n d ú s t r i a , t e r í a m o s desse modo restabelecido integral-
rentes logares, servem para produzir, e isso em uma mente o regime do salariato moderno com todos os
sociedade numerosa e em uma i n d ú s t r i a em via de seus c a r a c t e r í s t i c o s e todos os vícios e defeitos já so-
desenvolvimento, o que faz que, com tal m á q u i n a , a bejamente conhecidos que, por tal, nos leva a procu-
soma de trabalho por ela produzido seja duas ou t r ê s rarmos os meios de o abolir.
vezes maior do que com outra em iguais circuns- A-pesar-de tudo, as ideias mutualistas tiveram na
tâncias. agricultura u m certo sucesso nos Estados Unidos onde
D á - s e o facto apontado, por exemplo, na indústria o sistema, ao que somos informados, continua a ser
actual de tecelagem. As funções de t e c e l ã o s ã o t ã o praticado no meio de algumas poucas o r g a n i z a ç õ e s de
diferentes em r a z ã o das v á r i a s qualidades exigidas no colonos e rendeiros.
seu desempenho, quanto o s ã o os teares, que variam
de t r ê s a vinte, que u m só homem pode superintender.
204 PETER KROPOTKIN* O ANARQUISMO E A. CIÊNCIA MODERNA 205
ordem social; o seu serviço militar o b r i g a t ó r i o em que E n ã o será exagerado prever que quando m o v i -
dispende rios de dinheiro; os seus monopólios, os seus mentos sérios em prol da e m a n c i p a ç ã o dos trabalha-
vícios, a sua tirania, — tudo decorre dessa primeira dores c o m e ç a r e m a acentuar-se nas cidades e nos cam-
premissa : a protecção dos direitos do indivíduo lesado pos, tentativas se f a r ã o no sentido puramente anar-
por outro. quista e essas, sem dúvida, muito mais profundas das
Basta esta breve crítica do Estado para explicar que levou a cabo o povo francês em 1793-94.
p o r q u ê o sistema individualista-anarquista, que só en-
contra aderentes por entre os "intelectuais" burgue-
ses, n ã o os encontra, todavia, em grande n ú m e r o en-
tre a massa p r o l e t á r i a . Postoque r e c o n h e ç a m o s a i m -
p o r t â n c i a da crítica que ao Estado fazem os individua-
listas-anarquistas, isso n ã o nos leva, a n ó s , anarquis-
tas-comunistas, ao ponto de cairmos em cheio no cen-
tralismo e na burocracia em que dariam a reconsti-
t u i ç ã o do Estado por outras vias. Os anarquistas-co-
munistas manteem bem alto o princípio do indivíduo
livre, origem p r i m á r i a de toda a sociedade livre, pois-
que a tendência a recair nos erros do passado, mesmo
entre os revolucionários ditos a v a n ç a d o s , é bastante
característica.
Sem receio dc c o n t e s t a ç ã o , pode-se dizer que no
momento actual o comunismo-anarquista é a solução
que mais terreno ganha entre as massas o p e r á r i a s ,
principalmente nas n a ç õ e s latinas, que e s t ã o interes-
sadas nas q u e s t õ e s de a c ç ã o revolucionária em um f u -
turo mais ou menos p r ó x i m o e teem perdido a con-
fiança nos pretensos benefícios do Estado.
O movimento o p e r á r i o , que permite aos traba-
lhadores de todos os países sentirem-se solidários nas
suas reivindicações, afasta-se das fúteis a g i t a ç õ e s dos
partidos políticos para empregar as suas forças e as
suas a p t i d õ e s em actividades muito mais eficazes, em
contribuir para preparar e esclarecer as ideias, do que
d e s p e r d i ç a n d o - a s no mecanismo e f é m e r o e inútil das
eleições.
O ANARQUISMO E A C I Ê N C I A MODERNA 209
VII
Outrora dava-se ao Direito uma origem divina;
mais tarde deu-se-lhe uma base m e t a f í s i c a : hoje, po-
Principais conclusões do Anarquismo r é m , estamos felizmente aparelhados a estudar a o r i -
gem das concepções j u r í d i c a s e o seu desenvolvimento
Fixadas as ideias directrizes e as origens do Anar- a n t r o p o l ó g i c o do mesmo modo por que se estudaria
quismo, daremos agora algumas i l u s t r a ç õ e s que nos a evolução da tecelagem ou os processos de obter mel
p e r m i t i r ã o precisar melhor o logar que as nossas ideias de abelha.
ocupam no movimento científico e social contempo- M e r c ê dos trabalhos da escola a n t r o p o l ó g i c a , ago-
râneo. ra postos ao alcance de todos, é cousa fácil observar
como surgiram os costumes sociais e as concepções do
Quando se nos diz que devemos acatar a L e i , —
direito, a c o m e ç a r pelos selvagens mais primitivos, se-
com maiúscula, — porque "a L e i é a objectivação da
guir-lhe. passo a passo, o gradual desenvolvimento
Verdade", ou nos buzinam os ouvidos com frases des-
a t r a v é s dos códigos desde as mais remotas épocas his-
te jaez: "as leis do desenvolvimento do Direito s ã o
t ó r i c a s a t é aos tempos actuais. Chegaremos e n t ã o a
as leis do desenvolvimento do espirito humano", " o
esta conclusão j á por n ó s anteriormente enunciada:
Direito e a M o r a l são idênticos e só na sua e x p r e s s ã o
Todas as leis teem uma dupla origem, sendo precisa-
d i f e r e m " , escutamos estas sonoras a s s e r ç õ e s com
mente esta circunstância que as distingue dos cos-
aquela mesma r e v e r ê n c i a com que as acolhia iguais o
tumes estabelecidos pelo uso. 08 (piais representam
Mefistófeles do F A U S T O de Goethe.
os princípios de moralidade inerentes a uma deternr-
Embora tendo na devida conta o enorme e s t o r ç o nada sociedade em uma dada época.
intelectual que, para traduzirem os seus pensamentos, A lei simplesmente confirma os costumes criados,
teriam tido os autores dessas frases, que se julgam cristaliza-os nos preceitos j u r í d i c o s : mas, ao mesmo
profundas mas que na verdade nada dizem, tais pen- tempo, aproveita-se deles para introduzir, subrepti-
sadores trilhavam, evidentemente, caminho errado. ciamente, com a sua sanção, algumas novas institui-
Nas suas frases sonoras podemos ver, ainda que as- ções fundadas no interesse das minorias guerreiras e
sentes em bases frágeis, os t e n t â m e n e s de generaliza- governantes. E ' a lei que introduz e sanciona a escra-
ções inconscientes, as quais, aliás, para c ú m u l o da sua vidão ou a divisão da sociedade em castas, que esta-
manifesta insuficiência, mais i n c o m p r e e n s í v e i s se tor- belece a p r e e m i n ê n c i a da autoridade paternal, das clas-
nam devido ao emprego de u m v o c a b u l á r i o de estilo ses sacerdotais e militares, estimula o servilismo para,
210 P E T E R K R O P O T K I N O ANARQUISMO E A CIÊNCIA MODERNA 211
finalmente, levar o indivíduo à obediência incondicio- leis escritas e daí o r e p u d i á - l a s todas, n ã o obstante
nal ao Estado. aspirarem, mais e melhor do que todos os legislado-
Amparada por tais meios, a lei consegue desse res, à J u s t i ç a , que, para eles, é o equivalente, repe-
modo impor ao homem, sem que o perceba, um jugo timos, da igualdade, sem a qual aquela é impossível
tal de que só revolucionariamente é possível desem- existir de-facto.
baraçar-se.
T a l é o processo histórico desde os tempos mais
remotos a t é nossos dias. V ê - l o - e m o s em a c ç ã o nas
mais adiantadas legislações actuais, nas falazes leis
o p e r á r i a s em que, ao lado da denominada " p r o t e c ç ã o Quando nos objectam, a pretexto de n ã o reconhe-
ao t r a b a l h o " , que representa o f i m confesso, se firma cermos o "imperativo c a t e g ó r i c o " de que nos fala
habilmente a ideia da arbitragem obrigatória (arbi- K a n t , que, repudiando a L e i , repudiamos a M o r a l , res-
tragem o b r i g a t ó r i a , que contrasenso!) se impõe, por pondemos que a p r ó p r i a linguagem da objecção nos
tantas horas, a obrigatoriedade desse trabalho. E as- é i n c o m p r e e n s í v e l e absolutamente estranha ( 1 ) .
sim se abrem as portas à e x p l o r a ç ã o militar dos ca- K A N T dizia, efectivamente, que a lei moral se re-
minhos de ferro quando declarada uma parede; do sume nesta f ó r m u l a : " t r a t a sempre o i «nitros dental
mesmo modo é a lei que estabelece a s a n ç ã o legal da maneira que a tua COUdttta potta t<>rnar-se uma lei
o p r e s s ã o em que vivem ainda os camponeses da I r - universal". " I s s o . di/ia o filósofo de Kocnigsberg, é
landa, fixando-lhes elevadas taxas para redimirem suas um "imperativo c a t e g ó r i c o " , nina lei inata no ho-
terras das rendas que sobre elas pesam; é ainda a lei mem. Esta linguagem é para nós t ã o estranha e i n i n -
que introduz o seguro contra a doença, a velhice e a t é teligível quanto <> seria para um naturalista que se
contra a falta de trabalho, dando-se assim ao Estado decidisse a estudar a Moral pelo m é t o d o que lhe é
o direito e o dever de fiscalizar diariamente cada acto peculiar.
do o p e r á r i o , o direito de o forçar a n ã o dispor de si Antes, p o r é m , de entrarmos na m a t é r i a , formula-
como, porventura, lhe apraza sem a a u t o r i z a ç ã o legal remos aos nossos contraditores esta p r o p o s i ç ã o : "que
do Estado ou do funcionário que o representa. quereis significar com os vossos i n t e r m i n á v e i s "impe-
E esse sistema p r e v a l e c e r á enquanto uma parte da rativos c a t e g ó r i c o s " ? " N ã o poderíeis, acaso, tradu-
sociedade se a t r i b u i r a faculdade de fabricar leis para zir as vossas a s s e r ç õ e s em uma linguagem clara, com-
toda a sociedade, alargando por essa forma os pode- preensível, como, por exemplo, o fazia Laplace pro-
res do Estado, que constituem os esteios principais do curando meios de exprimir as f ó r m u l a s das altas ma-
Capitalismo. Enquanto se fabricarem leis, forçoso será t e m á t i c a s em uma língua correntia, ao alcance de toda
obedecer-lhes e os resultados, necessariamente, s e r ã o
sempre os mesmos. (1) — Não inventamos a objecção; ela nos foi feita por
C o m p r e e n d e r - s e - á e n t ã o porque os anarquistas, um doutor germânico em polémica que por correspondência
sustentámos.
desde Godwin para cá, teem negado a eficácia das N. do A.
O ANARQUISMO E A CIÊNCIA MODERNA 213
212 1 i. T 1: K
1 K R O P O T K I N
cunho "diabolicamente socialista" dizer-se que o tra- altura adquire uma velocidade maior do que outra
balho é a verdadeira medida do valor. pedra que caia somente da altura de u m metro, —
" E ' possível que assim seja", respondemos. Mas esses fizeram, sem dúvida, descobertas verdadeira-
n ã o vedes que fazendo tal a s s e r ç ã o sustentais, por esse mente científicas. F o i , precisamente, o que fez Adam
facto, que o valor e a quantidade de trabalho n e c e s s á - Smith tratando da q u e s t ã o do valor.
rio são proporcionais, tal como a velocidade da queda Mas o que viesse, depois de estabelecidos estes
de u m corpo é proporcional ao n ú m e r o de segundos princípios gerais, afirmar que a quantidade de chuva
gastos no percurso? Desse modo, sem talvez dardes caída se mede exactamente pelo n ú m e r o de m i l í m e t r o s
pelo facto, afirmais uma certa r e l a ç ã o quantitativa a que, da média conhecida, houvesse baixado o b a r ó -
entre duas grandezas: trabalho e valor. A d m i t i d o este metro, ou que o espaço percorrido por uma pedra que
princípio ocorre preguntar: "podereis efectuar medi- cai é proporcional ao tempo do seu percurso e que se
ções, cálculos, o b s e r v a ç õ e s , — medidas quantitativas, calcula por este, — afirmaria positivamente uma sé-
— únicas que possam confirmar exactamente a regra rie de tolices. Provaria, ao demais, que o m é t o d o de
no que respeita à s quantidades? i n v e s t i g a ç ã o científica lhe é absolutamente estranho,
Pode-se admitir, de uma maneira geral, que o valor e, portanto, nulo todo o seu trabalho por anti-cienti-
de troca das mercadorias cresça à medida que aumenta fico, ainda que viesse recheiado de palavras as mais
a quantidade de trabalho n e c e s s á r i o para as produzir. escabrosas e x t r a í d a s do mais arrevesado f o r m u l á r i o
São estas as p r ó p r i a s e x p r e s s õ e s de Adam Smith nas científico. F o i isso que fizeram os que enunciaram
conclusões a que chegara nos seus estudos e c o n ó m i - prematuramente as mencionadas teorias do valor.
cos. Mas Smith teve o cuidado de nos advertir que
sob o regime da p r o d u ç ã o capitalista a p r o p o r ç ã o entre *
o valor de troca e a soma de trabalho n e c e s s á r i o n ã o * *
existe.
A f i r m a r , porem, categoricamente que, por conse- Antes do mais, diremos que n ã o é r a z ã o a d m i s s í -
quência, as duas quantidades dadas s ã o proporcionais, vel, desculpa aceitável, o facto da carência de dados
que uma é a rigorosa medida da outra, constituindo n u m é r i c o s e e s t a t í s t i c o s exactos para justificar a su-
isso uma lei da economia política, — é cometer um perficialidade em m a t é r i a económica, isto é, para es-
grosseiro erro. T ã o grosseiro como afirmar, por tabelecer por medidas exactas o valor de tal merca-
exemplo, que a quantidade de chuva que irá cair ama- doria e a quantidade de trabalho n e c e s s á r i o para a sua
nhã será proporcional ao n ú m e r o de m i l í m e t r o s a que produção.
o b a r ó m e t r o houver baixado da média estabelecida No d o m í n i o das ciências exactas conhecemos m i -
para certo logar e uma dada e s t a ç ã o . O que primeiro lhares de casos em que duas quantidades guardam
notou existir uma certa c o r r e l a ç ã o entre o baixo nível entre si uma r e l a ç ã o de dependência de tal ordem que
do b a r ó m e t r o e a quantidade de chuva que c a i ; o que se uma aumenta, a outra aumenta igualmente sem
primeiro reconheceu que uma pedra ao cair de grande que, entretanto, sejam reciprocamente proporcionais.
216 I ' i: T iv R K R O P O T K I N O ANARQUISMO E A CIÊNCIA MODI.K.N \
Assim, por exemplo, a rapidez do crescimento de uma s ã m e n t e , o valor de troca e a quantidade de trabalho
planta depende, certamente, dentre outras causas, da n ã o s ã o reciprocamente proporcionais: uma nunca se
quantidade de calor e de luz que recebe. A altura do mede pela outra. É o que j á havia notado Adam Smith.
sol acima do horizonte e a temperatura média diá- Esse economista, depois de haver escrito que o
ria, factos deduzidos a p ó s largos anos de o b s e r v a ç ã o , valor de troca de cada objecto se mede pela quanti-
aumenta ao mesmo tempo e cotidianamente a partir dade de trabalho n e c e s s á r i o à sua p r o d u ç ã o , teve que
de 22 de m a r ç o (para a Europa). O retrocesso dc um aduzir, após um estudo detalhado dos valores mer-
c a n h ã o aumenta na medida que é aumentada a quan- cantis, que se esse era o caso para o regime p r i m i t i v o
tidade de pólvora queimada na carga. E assim suces- da troca (no estado tribal da humanidade), n ã o é o
sivamente. caso no regime capitalista, o que é. perfeitamente
Mas qual o sábio, digno desse nome, que depois exacto.
de estabelecer estas relações, teria a ideia extrava- O regime capitalista do trabalho forçado e da
gante de vir afirmar, sem haver traduzido essas rela- troca com o fito único no lucro destrói essas simples
ções em quantidades numéricas, que, consequente- relações e introduz, na sociedade capitalista, muitos
mente, a rapidez do crescimento de uma planta e a novos factores que vêem alterar por completo as re-
quantidade de luz que recebe, ou o retrocesso do ca- lações entre o trabalho e o valor de troca. Ignorar a
n h ã o e a carga dc pólvora queimada, são quantidades acção desses factores é desfazer a própria economia
proporcionais: que uma aumenta duas, t r ê s . dez ve- política : é embrulhar as ideias e impedir o desenvol-
Kfl enquanto a outra aumenta nas mesmas propor- vimento natural da verdadeira ciência. económica
ções, |>or outras palavras, que as duas quantidades Os mesmos reparos que fizemos à teoria do valor
se medem exactamente uma pela outra, como se afir- se aplicam a quase todas as a f i r m a ç õ e s e c o n ó m i c a s
ma, desde Ricardo, para o que respeita ao valor e ao que circulam hoje como verdades estabelecidas, —
trabalho? sobretudo entre os socialistas, que tanto se jactam
Quem é esse sábio que depois de haver estabele- de científicos. — a que se pretende, como uma impa-
cido a h i p ó t e s e , a suposição, que uma certa r e l a ç ã o gável ingenuidade, dar 0 0 0 0 0 leis naturais. N ã o só sus-
existe entre duas quantidades dadas, ousasse apre- tentamos ser a maioria dessas pretendidas leis inexa-
sentar essa simples h i p ó t e s e como uma lei definiti- ctas, como estamos maii do que certoi que os que
vamente provada? Só os economistas e os legistas, nelas c r ê e m r e c o n h e c e r ã o o seu erro se alguma vez
que n ã o teem a menor n o ç ã o do que seja uma " l e i " tiverem a necessidade dc examinar detidamente as
nas ciências naturais, seriam os únicos capazes de suas gratuitas afirmações, submetcndo-Js, como fa-
a v a n ç a r semelhante p r o p o s i ç ã o . zem os naturalistas, a uma severa crítica, a uma a n á -
Geralmente, a r e l a ç ã o entre duas quantidades é lise quantitativa.
excessivamente complexa para ser expressa em uma
p r o p o r ç ã o a r i t m é t i c a , o que, mais do que em nenhum
outro, é o caso para o valor e o trabalho. Ora. preci- * *
218 I* i: r K K K R O P O T K I N O ANARQUISMO K A CIÊNCIA MODKRNA 219
Toda a economia política adquire, ante a conce- ferro, dos meios de p r o d u ç ã o , e m - í i m , — em tais
pção anarquista, um aspecto completamente diferente casos se d a r ã o estas ou aquelas c o n s e q u ê n c i a - .
do que lhe emprestam os economistas clássicos, quer Ora, a t é hoje a economia política, pelos seus aca-
os do campo b u r g u ê s , quer os social-democratas. Pa- démicos expositores, tem-se limitado a uma simples
ra uns como para outros o m é t o d o científico, indutivo, e n u m e r a ç ã o dos factores daquelas condições, sem,
lhes é absolutamente estranho e daí o seu completo contudo, enumerar c analisar essas mesmas condições,
desconhecimento do que seja uma " l e i n a t u r a l " , n ã o sem examinar como tais condições operam em cada
obstante fazerem p r a ç a do emprego dessa e x p r e s s ã o . caso particular, nem o elemento que m a n t é m essas
N ã o notam, entretanto, que toda a lei natural tem condições. E se alguma vez essas condições são men-
um c a r á c t e r condicional que pode ser expresso nos cionadas, é para serem imediatamente postergadas.
seguintes termos: "se, em a natureza, tais e tais con- N ã o se l i m i t a r a m os economistas a esse como que
dições se produzirem, o resultado s e r á tal e t a l ; se proposital olvido, fizeram peor: representaram os fa-
uma linha recta cortar outra de modo a formar â n g u - ctos económicos, resultantes dessas condições, como
los iguais dos dois lados do ponto de i n t e r s e c ç ã o (na leis fatais, imutáveis. E teem ainda o topete de cha-
geometria euclidiana), os resultados s e r ã o estes ou mar a essas e l o c u b r a ç õ e s C I Ê N C I A 1
aqueles: se os movimentos peculiares ao e s p a ç o i n - Quanto à economia política socialista, os seus ex-
terstelar actuarem sobre dois corpos e, se a uma dis- positores criticam, é certo, algumas das conclusões dos
tância infinitamente grande, n ã o interferir sobre eles economistas clássicos ou e n t ã o explanam certos fa-
um terceiro ou quarto corpos, os centros de gravidade ctos e c o n ó m i c o s diferentemente, p o r é m , igualmente
dos dois corpos t e n d e r ã o a aproximar-se com determi- esquecem as condições expressas e d ã o aos factos de
nada velocidade. — eis a lei da a t r a c ç ã o universal. E uma dada época demasiada estabilidade inculcando-os
assim sucessivamente; sempre um se, sempre uma como "leis naturais". O que é certo é que nenhum
condição realizada ou a realizar-se. desses expositores conseguiu, a t é boje, t r a ç a r uma d i -
rectriz firme <• própria à ciência «la economia; per-
Consequentemente, todas as pretendidas leis e
manece esta ainda a dentro <l«>s antigos moldes, se-
teorias da economia política d e v e r ã o subordinar-se ao
gue os h á b i t o s rotineiros <1«» passado
c a r á c t e r do m é t o d o científico da i n d u ç ã o : admitindo
que se encontra sempre, em uma dada r e g i ã o , u m O mais que essa economia fei ( M a r x na sua cele-
n ú m e r o considerável de indivíduos que n ã o podem sub- brada obra O C A P I T A L ) í«»i tomar as definições da
sistir u m m ê s , ou mesmo uma quinzena sem perce- economia política metafísica e burguesa e declarar
berem u m certo salário e sem se sujeitarem à s con- enfaticamente: "vede bem (pie. mesmo aceitando as
dições de trabalho que o Estado lhes quiser impor, vossas definições, podemos fau d mente provar que o
condições tais que se traduzem em forma de c o n t r i - capitalista explora o trabalhador!*' Frase bem soante
buições e impostos vários, — ou e n t ã o as condições e que se enquadra excelentemente em um panfleto,
daqueles que o mesmo Estado reconhece como senho- mas que está longe de constituir toda a ciência eco-
res do solo, das usinas, das fábricas, dos caminhos de nómica.
I ' i: r i: R K R O P O T K I N
O ANARQUISMO K A ( IÊNCIA MODERNA 221
De u n i modo geral, pensamos que. para se consti-
tuir como ciência, a economia política requerc assen- d ê n c i a s da vida e c o n ó m i c a moderna conclusões t ã o
tar em bases diferentes. Deve, em primeiro logar, ser diversas das suas com r e l a ç ã o ao que é desejável e
tratada como ciência natural e, nessas condições, fazer p o s s í v e l : por outros termos, porque concluímos, no
a aplicação dos m é t o d o s usuais das ciências exactas, nosso socialismo, pelo comunismo libertário, ao passo
e m p í r i c a s , investigando ao mesmo tempo qual a sua que êlcs se deteem no Capitalismo estatista e no sis-
finalidade precisa. Com relação à s sociedades huma- tema do salariato colectivista.
nas, a economia política d e v e r á ocupar posição aná- É possível que estejamos em erro e eles com a
loga à que ocupa a fisiologia relativamente aos ani- r a z ã o . Mas a q u e s t ã o de saber quem e s t á ou não com
mais e à s plantas.
a r a z ã o n ã o se resolve por meio de c o m e n t á r i o s b i -
E tal fisiologia deve ter por escopo o estudo das zantinos sobre o que tal ou qual escritor disse ou
necessidades sempre crescentes da sociedade e dos pretendia dizer ou ainda divagando tolamente à c ê r e a
diversos meios de satisfazê-las. — como o foram no da " t r i l o g i a " de Hegel e menos, certamente, teiman-
passado e como o s e r ã o no presente. Cumpre-lhe ana- do abusivamente no emprego exclusivo do m é t o d o
lisar esses meios, verificar a t é que ponto, o u t r o r a e dialético.
hoje. se ajustaram eles ao fim proposto, e. em segui- A questão unicamente pode ser resolvida estudan-
da. — j á tjue a predição, a aplicação à vida, como o do os factos económicos pelo mesmo método por que
dissera Bacon, é B finalidade dc toda a ciência. — é
se estudam as ciências naturais.
de sua alçada estudar os meios que melhor possam
realizar a soma das necessidades modernas: os meios
de obter, com o menor dispêndio possível de energia, * *
— com economia, — os melhores resultados p r á t i c o s
para a humanidade em geral. E n t r c - p a r ê n t e s e s citaremos, em abono do que
acabamos de dizer, as seguintes passagens de uma car-
ta recebida de um biologista ilustre, professor na Bél-
* gica, que, talvez, melhor p e r m i t i r ã o esclarecer o ponto
* * em q u e s t ã o . Escreve esse professor:
É, pois, evidente a r a z ã o porque a s nossas con- " A medida «pie prossigo na leitura da sua
clusões diferem t ã o grandemente, em tantos aspectos, "obra FIELDS, PACTORIES AND VVORR-
das que adopta a maioria dos economistas, quer bur- "SMOPS ( I ) . cada vez mais me convenço que o
gueses, quer social-democratas; o motivo porque n ã o
reconhecemos como " l e i s " meras c o r r e l a ç õ e s de fa- Ml UriKiii.il me.lis editado, c m segunda edição revis-
ctos expostas por uns e o u t r o s : p o r q u ê a nossa ex ta • alimentada, em \*H2. por Thomas Nelson & Sons Ltd
posição de socialismo difere t ã o radicalmente da sua dc i • • 11<11• \o francesa sob o título CHAMPS, USI-
NES ET \ M I I I K S . publicada em Paris, em 1910, por P
e. finalmente, porque deduzimos do estudo das ten- V. Stock. N. do T .
0 ANAKOI-ISMO i \A MODI.KNA 22.^
P E T E R K R O P O T K I N
ás formas políticas das sociedades humanas, notada- romano, o Estado, na sua e x p r e s s ã o romana, n ã o exis-
mente à q u e s t ã o do Estado, a conclusões que lhe são te. O c o n t r á r i o desta verdade histórica deparamos, é
caracteristicamente peculiares. O anarquista n ã o se certo, nos livros escolares didácticos em que se pre-
deixa levar, e muito menos intimidar, por a s s e r ç õ e s tende narrar a h i s t ó r i a atribuindo ao Estado origens
metafísicas tais como: " O Estado é a a f i r m a ç ã o da dos c o m e ç o s do p e r í o d o b á r b a r o . Mas n ã o passa isso
ideia de J u s t i ç a Suprema na sociedade", — " O Esta- de u m produto da i m a g i n a ç ã o dos historiadores em-
do é o instrumento" e o condutor do progresso". — penhados em t r a ç a r a á r v o r e g e n e a l ó g i c a da realeza
"Sem Estado n ã o há sociedade", e quejandas. na E r a n ç a a t é aos chefes dos bandos m e r o v í n g i o s , e
Fiel ao seu m é t o d o , o anarquista procede ao es- na Rússia a t é à casa real de R u r i k em 862. Ora os
tudo do Estado com as mesmas disposições de espí- v e r d a d e i í o s historiadores e s t ã o fartos de saber que o
r i t o com que um naturalista se proporia ao estudo Estado surgiu das ruinas das cidades livres da idade
das sociedades das formigas, das abelhas ou das aves média.
arribadas às margens dos lagos nas r e g i õ e s do Norte.
Pelo breve escorço que a t r á s fizemos da exposi- •
ç ã o dos princípios anarquistas e da crítica à s ideias * *
socialistas estatistas, somos, por via desses estudos,
logicamente levados a conclusões diferentes das dos Por outro lado, o Estado, como poder político e
nossos antagonistas no que concerne às formas po- militar, assim como a J u s t i ç a governamental, a Igre-
líticas do passado e da sua promissora evolução no ja e o Capitalismo s ã o factos e concepções impossí-
futuro. veis de serem estudados separadamente. No decurso
Acrescentaremos apenas que para a nossa c i v i l i - da história estas quatro instituições, — o Estado, a
z a ç ã o europeia, — civilização dos ú l t i m o s quinze sécu- Igreja, a J u s t i ç a e o Capitalismo, — e v o l u í r a m apoian-
los de que somos o r i g i n á r i o s , — o Estado é uma for- do . i reforçando-se reciproamente. S ã o conexas,
ma de vida social que só começou a incrementar-se n ã o surgiram acidentalmente, ligam-se muito bem por
depois do século X V I e ainda assim sob a influência laços de causa e efeito.
de uma série de causas para cujo exame o leitor con- O Estado é. cm suma. unia sociedade de seguro
sultará o nosso estudo O Estado e o seu papel his- m ú t u o concluída entre <» p r o p r i e t á r i o de latifúndios,
tórico (1). a casta militar, o j u i l t 0 padre com o claro objectivo
Antes dessa época e depois da queda do i m p é r i o de se assegurarem mutuamente a-autoridade sobre o
povo e a e x p l o r a ç ã o das massas p r o l e t á r i a s . T a l foi a
(1) — Desta obra há diversas edições: cm inglês, em origem do Estado, tal é a sua h i s t ó r i a , tal é a sua
francês, em espanhol e uma em português, publicada no estrutura actual
Porto em 1924. decalcada sobre a versão castelhana, porisso
muito prejudicada. Oportunamente editaremos uma nova
Imaginar, pois. a abolição do capitalismo man-
versão. tendo o Estado nu nele apoiar-se para esse f i m , —
N. do T . quando é certo que o Estado foi criado simplesmente
226 P E T E R K R O P O T K I N
aproveitar-se dos velhos ensinamentos da hierarquia quos a t r a v é s de muitas cidades federadas; cm seguida
religiosa ou das j á decaídas teorias do qualquer forma o g á s , a luz, a força eléctrica para as fábricas e usi-
de um governo. — imperial ou ditatorial. nas, as minas c a r b o n í f e r a s , as leitarias de leite puro.
No mesmo momento em que os princípios socia- os rebanhos de cabras para tuberculosos (como já
listas se incorporarem à vida social, será preciso cons- existem em algumas r e g i õ e s ) , os condutores de á g u a
t i t u i r uma nova forma de o r g a n i z a ç ã o política. E, na quente e fria a domicílio, as hortas, pomares e jardins
conformidade desses princípios, é mais do que claro comunais, e t c . etc.
que essa nova forma de o r g a n i z a ç ã o política d e v e r á De-certo n ã o será o imperador a l e m ã o , os impe
depender o menos possível do princípio das represen- realistas ingleses ou os radicais jacobinos instalados
t a ç õ e s , t e r á de ser, sobre as anteriores, mais popular, no poder que governa a Suiça que h ã o de levar por
mais descentralizada, mais próxima do governo do diante essa obra social, — esses teem os olhos voltados
povo por si-mesmo do que qualquer outra forma de para o passado e procuram, pelo c o n t r á r i o , tudo cen-
governo representativo conhecida ou por conhecer. tralizar nas m ã o s do Estado e anular todo o esforço
Foi o (pie o proletariado de Paris procurou realizar de independência t e r r i t o r i a l ou funcional ( 1 ) .
em 1871 ; foi o que tentaram, em 1793-94. as Secções Felizmente, p o r é m , que há, na Europa como na
comunais de Paris e outras menos importantes. A m é r i c a , uma parte progressiva da sociedade, princi-
Incontestavelmente esta t e n d ê n c i a se acentua e palmente entre os homens activos, que trabalha para
predomina hoje nas concepções dos homens libertos do o bem social, que luta denodadamente para abrir no-
preconceito da autoridade. Se observarmos atenta- vos horizontes à vida e ato trabalho comuns, indepen-
mente a vida política actual da F r a n ç a , da Inglaterra, dentemente e fora de todo o p a t r o c í n i o do Estado
dos Estados Unidos e de outros países, notaremos ime- Este movimento tende, cada vez mais. a alastrar-se e
diatamente haver uma decidida tendência a constituir a substituir, em todas as suas funções, o Estado que
comunas independentes, urbanas e rurais, a fundar as- nunca soube cumprir convenientemente nenhuma das
sociações, agrupamentos e federações livres, unidas que se arrogou.
todas entre si, para a satisfação das mais complexas Se a Igreja teve ]w>r missão reter o j x t v o na escra-
necessidades sociais por meio de pactos federativos, vidão intelectual, a do Estado foi. sem dúvida, m a n t ê -
firmados cada u m para um f i m especial e determi-
nado e sem a menor i n t e r f e r ê n c i a do Estado. (1) — Haja vista <>s impernlistas inglesei que fazem o
mesmo na Inglaterra Citemoi um < aso.: cm 1902 conseguiram
E esses agrupamentos sociais, — associações, co- eles abolir uma instituiçio excelente, introduzida aí pelo ano
munas, federações, — tendem cada vez mais a faze- de 1870. qtu- vinha prestando relevantes serviços à causa da
rem-se produtores de toda a espécie de comodidades instrução laica. os SCHOOL BOARDS, que eram conse-
para atender aos i n ú m e r o s gostos e necessidades dos lhos eleitos pelos contribuintes, sem distinção dc sexo. em uma
cidade ou paróquia, a-fim-de proporcionar meios para * difu-
habitantes das cidades e dos campos. Associativa, fe- são «la imtruçlo 00 distrito, especialmente organizados para
derativa e comunalmente se o r g a n i z a r ã o os serviços estabelecer escolas primárias em cada localidade.
de abastecimento dc á g u a , trazida de logares longin- N. do A.
234 P E T E R K R O P O T K I N O ANARQUISMO E A CIÊNCIA Montai?* M
lo, sob a p r e s s ã o das necessidades materiais, em uma de bem-estar para todos, nos leva necessariamente a
absoluta escravidão económica. D e s e m b a r a ç a r m o - n o s formular para a luta a t á c t i c a precisa que consiste em
desses dois jugos, — eis o que ora se impõe. elevar, ao mais alto grau possível, o e s p í r i t o de ini-
ciativa pessoal, primeiro no indivíduo e, em seguida,
* no grupo social a que se filiar, — a unidade de a c ç ã o
* * obtendo-se pela unidade do f i m a atingir e pela força
Posto isso, n ã o podemos sensatamente considerar de p e r s u a s ã o que toda a ideia c o n t ê m quando l i v r e -
a s u b m i s s ã o incondicional do indivíduo ao Estado como mente expressa, seriamente discutida e, por f i m . acha-
uma garantia de progresso. E assim sendo, procura- da justa. Esse e s p í r i t o dá à t á c t i c a anarquista u m
mos realizar o progresso pela l i b e r t a ç ã o , t ã o í n t e g r a cunho especial que se traduz praticamente na vida i n -
quanto possível, do i n d i v í d u o : na mais larga ampli- terior do indivíduo e na acção do meio em que houver
tude da iniciativa individual e social e, ao mesmo t e m - de viver.
po, na l i m i t a ç ã o das a t r i b u i ç õ e s do Estado, — nunca Afirmamos resolutamente que trabalhar para o
no seu alargamento. advento de um Capitalismo de Estado, centralizado
A nossa r e p r e s e n t a ç ã o do progresso é uma apro nas m ã o s de u m governo, que, porisso mesmo, se
x i m a ç ã o do ideal da abolição completa de toda a auto- tornaria onipotente, é trabalhar contra a corrente das
ridade governamental que se impôs * sociedades hu-
; ls
ideias modernas, seja, do progresso, que anseia por
manas, sobretudo depois do século X V I , e que nunca novas formas de o r g a n i z a ç ã o da sociedade fora do
cessou dc aumentar e engrandecer as suas a t r i b u i - Estado.
ç õ e s ; a nossa r e p r e s e n t a ç ã o do progresso consiste em Na incapacidade em que se encontram os socia-
uma incessante a p r o x i m a ç ã o do maior desenvolvimen- listas-estatistas de compreenderem o verdadeiro pro-
to possível das t e n d ê n c i a s para o acordo livre, para o blema histórico do socialismo, vemos n ó s um grosseiro
pacto t e m p o r á r i o , em tudo que foi, e ainda é agora, erro de a p r e c i a ç ã o , uma sobrevivência dos preconcei-
função privativa da Igreja e do Estado; a nossa con tos absolutistas e religiosos do passado e contra tal
cepção de progresso e s t á em uma ininterrupta aproxi- tendência nos insurgimos com todas as veras.
m a ç ã o do princípio do desenvolvimento da livre i n i - Dizer aos trabalhadores que p o d e r ã o introduzir na
ciativa individual e colectiva. Temos, da estrutura das sociedade a estrutura socialista, conservando, todavia,
sociedades humanas, a noção de serem algo que nunca a máquina do Estado, mudando apenas os homens no
e s t á definitivamente c o n s t i t u í d o , mas que, transbor- poder; impedir, em logar de auxiliar, que o e s p í r i t o
dando de vida, vive em c o n t í n u a m u t a ç ã o conforme as dos trabalhadores se encaminhe no sentido de procu-
necessidades e as a s p i r a ç õ e s de cada momento h i s t ó - rar novas formas de vida que lhe seriam, porventura,
rico da humanidade. mais adequadas, — é, em nossa opinião, cometer um
Esta maneira de conceber o progresso, assim como erro histórico de evolução que toca as raias do crime
a nossa concepção do que é desejável para o futuro,
que é tudo quanto contribuir para aumentar a soma
236 PETER K R O P O T K I N O ANARQUISMO E A CIÊNCIA MOM-KNA Dl
Poisque partido r e v o l u c i o n á r i o somos, procuremos rie (1). E ' n o t ó r i o que o movimento partisse do> cam
averiguar exactamente a g é n e s e e a e v o l u ç ã o das re- pónios nas aldeias e visasse especialmente a alxdiçáo
voluções passadas, d e s e m b a r a ç a n d o a sua h i s t ó r i a das da servidão feudal e a r e i n t e g r a ç ã o das terras que lhe
falsas i n t e r p r e t a ç õ e s estatistas que os historiadores
haviam sido arrebatadas, desde 1669, por força do é d i t o
lhe teem a t r i b u í d o a t é hoje.
que sancionava legalmente essa i g n o m í n i a . Desse mo-
Nas h i s t ó r i a s escritas a t é hoje das v á r i a s revo- vimento s a í r a m eles, aliás, triunfantes, sobretudo na
luções ocorridas, o que menos vemos nelas é a acção parte leste da F r a n ç a .
do povo e nada ficamos sabendo à c ê r c a da sua g é - Criada a s i t u a ç ã o revolucionária pelas c o n t í n u a s
nese. As frases que estamos habituados a ler na i n - sublevações campesinas que duraram cerca de quatro
t r o d u ç ã o dessas h i s t ó r i a s sobre o estado de desespero anos, desdobrou-se pelas cidades esse movimento l i -
do povo nas v é s p e r a s da sublevação, n ã o nos elucidam bertador que tinha por finalidade a s u p r e s s ã o da m i -
em cousa alguma como, no meio desse desespero, sur- séria do proletariado o qual, nas suas reinvindicações,
giu no e s p í r i t o popular, e como se elaborou e desen- apelava para uma o r g a n i z a ç ã o nacional em que se f i
volveu, a e s p e r a n ç a de uma melhoria possível de si- zessem a permuta e a socialização da p r o d u ç ã o . Nas
t u a ç ã o , de uma aurora nova. que o redentasse da con cidades, principalmente, o movimento tinha uma acen-
d i ç ã o sofredora em (pie se achava. E assim é que, tuada tendência para a igualdade comunista, embora,
depois de havermos lido essas historietas, que nada por o u t r o aspecto, se visse engrandecer o poder da
esclarecem, se. ]x>rventura. quisermos encontrar a l - burguesia que, sem c o n t e s t a ç ã o , trabalhou inteligente-
guma i n f o r m a ç ã o útil sobre a marcha das ideias e mente para firmar a sua autoridade em s u b s t i t u i ç ã o
do seu despertar no seio do povo. a parte efectiva que da j á e n t ã o estropiada autoridade da realeza e da no-
este tomou nos acontecimentos, hemos de recorrer breza que aquela, sistematicamente, tratava de apear.
ás fontes h i s t ó r i c a s de primeira m ã o . sem o que fica
remos na mesma, como antes. Para t a l . a burguesia lutava desesperadamente, —
às vezes a t é com crueldade quando via periclitar a sua
Referindo-nos. por exemplo, à grande r e v o l u ç ã o supremacia. — com o único objectivo de constituir u m
francesa, n ó s a interpretamos de uma maneira com- Estado jxxleroso, centrali/ado. (pie absorvesse tudo,
pletamente diferente da que a concebe Louis Blanc, que lhe assegurseae i propriedade dos pana que conse-
que a representa sobretudo como um grande movi- guira arrebatar já durante a R e v o l u ç ã o , a plena liber-
mento político dirigido pelo c é l e b r e Clube dos Jaco- dade de explorar os "sem v i n t é m " e a faculdade de es-
binos, quando, na realidade, n ã o foi nada dr.sso. pecular, sem r e s t r i ç õ e s legais, com as riquezas nacio-
Nesse grandioso facto social n ó s vemos antes u m nais, como de-facto se deu. Essa autoridade, esse d i -
grande movimento popular onde foi preponderante o
papel do c a m p ó n i o , — "cada aldeia tinha o seu Robes-
p i e r r e " . como muito bem o disse ao historiador Sch- (1) — Vide a obra do autor, já por vezes referida neste
estudo. — L A ( i K A N D E RÉVOLUTION.
losser o abade G r é g o i r e , relator dos actos da Jacque- N. do T.
238 P E T E R K R O P O T K I N O ANARQUISMO E A CIÊNCIA MODERNA 239
reito ã e x p l o r a ç ã o . — digamos esse processo unilate- completo desses sonhos e, a consequência, a ditadura
ral de fazer o que bem entendesse. — a burguesia, militar ( 1 ) .
com efeito, o obteve e para o manter a todo o transe •
criou a forma política correspondente, — o governo
representativo n o Estado centralizado.
Sem de modo a l g u m pretendermos proceder a
Nessa c e n t r a l i z a ç ã o estatista que os jacobinos
uma análise pormenorizada dos diversos movimentos
criaram, encontrou N a p o l e ã o I o terreno fertilmente
r e v o l u c i o n á r i o s do passado, que, de-resto, simplesmen-
preparado para a fundação do seu império. E , cincoen-
te confirmam a nossa maneira de ver nesta q u e s t ã o ,
ta anos mais tarde, N a p o l e ã o I I I encontrava, igual-
b a s t a r á dizer que a concepção que temos da p r ó x i m a
mente, na realização do á u r e o sonho de uma repú-
blica d e m o c r á t i c a centralizada, que, em 1848, teve lar- r e v o l u ç ã o social difere totalmente da de qualquer for-
ga r e p e r c u s s ã o , os elementos indispensáveis à forma- ma de ditadura jacobina ou de uma possível transfor-
ção do Segundo I m p é r i o . m a ç ã o das i n s t i t u i ç õ e s sociais, promovida por qualquer
C o n v e n ç ã o , Parlamento ou Ditadura. De tais elemen-
Dessa força centralizada, que afogou durante se- tos, e essa é que é a verdade, nunca resultou r e v o l u ç ã o
tenta anos toda a vida local, todo o esforço pessoal ela- alguma proveitosa, e se a classe o p e r á r i a actual, nas
borado fora da esfera dos poderes do Estado, — o t r a - suas justas reivindicações, apelasse para esses meios,
balho profissional, o sindicato, a associação privada, estaria j á previamente condenada a ver fracassados
a comuna, — a F r a n ç a ainda hoje se ressente. A p r i - todos os seus esforços sem haver sequer obtido um
meira tentativa para quebrar êssc poderoso jugo do resultado a p r e c i á v e l .
Estado, tentativa que abre uma nova era histórica, fê- Contrariamente ao e s p í r i t o dessas v ã s ideologias,
la o proletariado francês em 1 8 7 1 com o advento da compreendemos a r e v o l u ç ã o , quando iniciada, como
Comuna. uni movimento popular (pie deve, prontamente, tomar
O que exposto deixamos explica claramente, pen- a mais l.ni-.i e x t e n s ã o e durante o qual, cm cada c i -
samos, porque a nossa i n t e r p r e t a ç ã o da história e as dade, em cada vila, em cada burgo da r e g i ã o que o
e s p í r i t o instirreecional se fizer sentir, as massas po-
conclusões que dela tiramos s ã o t ã o diferentes das que
pulares, exclusivamente por si. ponham sem d e t e n ç a s ,
t i r a m os partidos políticos burgueses e o p r ó p r i o par- m ã o s a obra da r e c o n s t r u ç ã o social. O povo, — t r a -
tido socialista. Adiantamos mais: enquanto os socia- balhadores «las cidades «• «l«.s campos, — deverá, con-
listas-estatistas n ã o abandonarem o seu sonho de socia- juntamente, começar, por si próprio, a obra constru-
lização dos instrumentos de trabalho nas m ã o s de um tiva, conforme os princípios aceitos, mais ou menos
comunistas, sem esperar ordens superiores ou planos
Estado centralizado, o resultado inevitável de todas
as suas tentativas para o estabelecimento do Capitalis-
(\ — c) que se verifica actualmente na Rússia Soviética.
mo estatista e do Estado socialista s e r á o malogro N. do T.
240 P i: t K K K R O P O T K I N O ANARQUISMO E A CIÊNCIA MODERNA 241
imaginados por altas categorias. Logo que o movimen- a casa habitada, a fábrica em funcionamento, o cami-
to insurreccional estalar, a primeira cousa a cuidar nho de ferro em marcha, os barcos a navegarem (1)
seriamente será a a l i m e n t a ç ã o e o alojamento para I n d i v í d u o s isolados podem, talvez, em casos p a r t i -
todos e, em seguida, organizar a p r o d u ç ã o do imedia- culares, encontrar a e x p r e s s ã o legal, a fórmula, que
tamente n e c e s s á r i o à subsistência, à h a b i t a ç ã o e ao resuma e compendie I ideia da d e m o l i ç ã o das velhas
v e s t u á r i o para toda a gente. formas sociais quando a demolição j á e s t á a caminho
Quanto ao governo, provenha êle da força ou dc de realizar-se. Quando muito p o d e r ã o ampliar a es-
fera dessa obra reconstrutiva e extender sobre todo o
um pleito eleitoral, quer seja uma "ditadura do prole-
t e r r i t ó r i o o que já e s t á feito em uma parte dele. Mas
t a r i a d o " , como se proclamava na F r a n ç a aí pelo ano impor a r e c o n s t r u ç ã o por uma lei, é absolutamente i m -
de 1840 e c o m » ainda se fala na Alemanha; quer seja possível, como bem o provou, em 1789-1794, entre ou-
um "governo p r o v i s ó r i o " , aclamado ou eleito, ou uma tras, a hi st ór i a da r e v o l u ç ã o francesa. Milhares de leis
" C o n v e n ç ã o " , n ã o ponhamos as nossas e s p e r a n ç a s na tais as ditou a " C o n v e n ç ã o " u l t r a - r e v o l u c i o n á r i a que,
por via da r eacção sobrevinda, n ã o chegaram mesmo
a c ç ã o de nenhum desses governos, pois, qualquer que
a executar-se e foram, porisso, l a n ç a d a s ao cesto dos
seja, de a n t e m ã o sabemos que em nada pode rá contri- papeis inúteis.
buir para o ê x i t o da revolução se o povo n ã o se decidir
a proceder energicamente á m u d a n ç a de i n s t i t u i ç õ e s , (1) — Temos um exemplo frisante do que pode, agitado
erguendo o edifício social em bases inteiramente pelos acontecimentos, o espírito colectivo das massas se este
incidir directamente nas cousas a reformar. E ' o da grande
novas. parede que, em 1905, estalou na Sibéria na imensa linha fér-
rea <1«> tran-iberiano. imediatamente após a guerra da Rússia
N ã o o dizemos por ogerisa ou porque tal seja a com o Japão cm 1904. Todo o pessoal operário desse vas-
nossa opinião pessoal, mas porque toda a h i s t ó r i a aí tíssimo caminho de ferro, desde os Montes Urais até Har-
e s t á para nos dizer que nunca os homens guindados a bin, cm uma extensão de mais dc 6 500 quilómetros, dcclarou-
se em parede. < >s paredistas, ao comunicarem o facto ao co-
um governo pela onda revolucionária estiveram à al- mandante em chefe do exercito, o velho Linevitch, assegura-
tura da m i s s ã o que se lhes queria confiar. E esse re- raram-lhe que tudo fariam para o repatriamento rápido do>
regimentos se o general quisesse diariamente entender-se com
sultado é inevitável. a comissão da parede sobre o número de homens, dc cavalos,
dc bagagens que devessem ser embarcados. O general Line-
I n e v i t á v e l , porque, na tarefa da r e c o n s t i t u i ç ã o de vitch aceitou a condição. O resultado excedeu a expectativa'
uma sociedade sobre princípios novos, homens isolados o repatriamento fez-sc na mais absoluta ordem, com menores
acidentes e com maior celeridade do que se fazia antes. E r a
que s ã o , por mais inteligentes e devotados que sejam, um verdadeiro movimento popular em que todos se empe-
teem que fracassar fatalmente. E ' que para essa gran- nhavam à porfia: operários e soldados colaboravam activa-
mente, sem atropelos, nesse imenso trabalho do transporte d<
de obra, é indispensável o espírito colectivo das massas centenas de milhares de homens e isso realizado com exclusãt
obrando sobre as cousas concretas: o campo lavrado, da férrea disciplina militar 1 (Da edição francesa).
242 P E T E R K R O P O T K I N O A N A R Q U I S M O E A C I Ê N C I A MODERNA 243
Durante um p e r í o d o revolucionário emergem ne- A burguesia que. inegavelmente, é muito mais po-
cessariamente das ruinas das formas precedentes, no- derosa, pelo n ú m e r o e pela capacidade, ao c o n t r á r i o
vas formas de vida, p o r é m , n ã o há governo capaz de do que sói afirmar-se na imprensa socialista, nunca
encontrar a e x p r e s s ã o precisa dessas novas formas en- reconheceria o direito de partilhar com os socialistas
quanto estas, por si, n ã o se definirem na obra recons- o poder de que usufrui se não visse nisso a perda da
trutiva das massas que se exerce simultaneamente em influência destes no domínio social e, portanto, a con-
diversos logares. De-facto, quem teria imaginado s e r v a ç ã o da hegemonia da sua classe.
quem poderia adivinhar, antes de 1789, o papel que de- Por outro lado, n ã o é duvidoso imaginar-se que se
sempenhariam as municipalidades, a comuna de P a r i " uma i n s u r r e i ç ã o popular conseguisse dar à F r a n ç a , à
e as suas v á r i a s secções nos acontecimentos revolu- Inglaterra ou à Alemanha um governo p r o v i s ó r i o so-
c i o n á r i o s de 1789-1794? Ora, para o futuro n ã o se le cialista, este, sem a actividade construtiva e espon-
gisla. O mais que se pode é presumir as t e n d ê n c i a s t â n e a do povo, seria absolutamente impotente e, den-
essenciais e aplainar o caminho das reivindicações. tro em breve, um empecilho, um freio, à obra da re-
E ' precisamente o que procuramos fazer. v o l u ç ã o ; serviria antes de degrau para a a s c e n s ã o de
um ditador que representasse a r e a c ç ã o .
*
* * *
* *
E ' evidente que, compreendendo desse modo o
problema da r e v o l u ç ã o social, o Anarquismo n ã o se Estudando-se bem os p e r í o d o s p r e p a r a t ó r i o s das
deixa seduzir por u m programa que tenha por obje í evoluções, chega-se à conclusão que nenhuma revo-
ctivo "a conquista dos poderes p o l í t i c o s " que o Es- lução se originou da resistência ou do ataque de um
tado d e t é m em suas m ã o s . parlamento ou de qualquer outra c o r p o r a ç ã o represen-
Ora, demais sabemos que, por meios pacíficos, t a l tativa. Todas as revoluções se geraram do povo. N u n -
conquista n ã o é possível fazer-se. E n ã o é possível ca r e v o l u ç ã o alguma fez i r r u p ç ã o , armada de capa e
fazer-se porque a burguesia n ã o cederá facilmente, espada, à maneira de Minerva emergindo do c é r e b r o
n ã o r e n u n c i a r á de boa mente aos seus p r i v i l é g i o s ; l u - de J ú p i t e r . Todas tiveram, sobre o p e r í o d o de incu-
t a r á a todo o transe, r e s i s t i r á , em-fim, a t é à ú l t i m a b a ç ã o , a fase de evolução durante a qual as massas,
pela c o n s e r v a ç ã o do seu poder. depois de haverem, a princípio, formulado timidamen-
A ' medida, p o r é m , que os socialistas participarem te as suas exigências, v ã o - s e compenetrando aos pou-
do governo e partilharem o poder com a burguesia, o cos da necessidade de desenvolver u m e s p í r i t o mais
seu socialismo d i m i n u i r á de i m p o r t â n c i a e, consequen- r e v o l u c i o n á r i o , de operar t r a n s f o r m a ç õ e s mais pro-
temente, se e n f r a q u e c e r á o seu poder. E ' exactamente fundas. Fazem-se cada vez mais ousadas, l a n ç a m - s e
o que se e s t á dando, se bem quisermos prestar a t e n ç ã o à s mais i n t r é p i d a s empresas, formulam as mais auda-
aos factos. zes concepções, adquirem progressivamente maior
244 P E T E R K R O P O T K I N O A N A R Q U I S M O E A C I Ê N C I A MODERNA 245
confiança em si e definem melhor o seu programa so- N ã o apenas uma, duas ou dez revoltas semelhan-
cial saindo da letargia de desespero, em que vivem. tes, mas centenas de i n s u r r e i ç õ e s precederam sempre
Q u e s t ã o de tempo apenas para converterem em defi- cada grande revolução. Era inevitável. Jamais as
nidas e x i g ê n c i a s r e v o l u c i o n á r i a s as "humildes peti- ciasses conservadoras fizeram ao povo a m í n i m a con-
ç õ e s " do início. Recordemos o caso da F r a n ç a que c e s s ã o que n ã o fosse precedida de uma revolta mais
só para criar uma minoria republicana que. pelo seu ou menos intensa. A verdade é que sem a rebelião o
poder, se impusesse, necessitou nada menos do que e s p í r i t o humano nunca se teria emancipado dos arrei-
quatro anos. de 1789 a 1793. gados preconceitos em que, por longos séculos, tem
vivido e a revolta, no caminho das conquistas sociais,
No período chamado de incubação v ê e m - s e e n t ã o
é a alentadora da e s p e r a n ç a que anima os homens
indivíduos isolados, profundamente desgostosos à vis-
E essa e s p e r a n ç a , — a e s p e r a n ç a de melhores dias e
ta das i g n o m í n i a s que se passam, se revoltarem aqui e
de s i t u a ç ã o melhor, — foi sempre o manancial das re-
ali, enquanto outros perecem na luta sem resultados
voluções.
a p r e c i á v e i s . P o r é m , os exemplos dessas sentinelas
*
a v a n ç a d a s do progresso teem o supremo c o n d ã o de sa-
cudir o torpor da sociedade, o que j á n ã o é pouco.
Por tais actos de rebeldia, ainda mesmo os mais . Como prova da possibilidade de se realizar uma
satisfeitos da vida, os que, prazenteiramente, a gozam, profunda t r a n s f o r m a ç ã o social sem a m í n i m a comoção
os mais avessos a estudos sociais, pasmam estupefa- revolucionária, cita-se bastas vezes a abolição pacífica
ctos e são, naturalmente, compelidos a indagar: "por- da s e r v i d ã o na R ú s s i a . Mas esquece-sc, ou finge-se
que motivo estes jovens, de um c a r á c t e r impoluto, ignorar, que toda uma longa série de i n s u r r e i ç õ e s de
cheios de vida e de energia, se haviam de rebelar e aldeãos precederam e prepararam o advento dessa
fazerem o sacrifício de suas vidas?" Ante tais a u d á - e m a n c i p a ç ã o de há muito tempo reclamada. Os mo-
cias n ã o é já possível permanecer-se indiferente: há tins populares em prol desse movimento c o m e ç a r a m
que pronunciar-se p r ó ou contra, o pensamento o por meados do século passado, — 1840-50. — como
exige. éco provável do 48 da F r a n ç a o u das sublevações de
E assim, lentamente, esse e s p í r i t o de rebeldia vai 46 na Galícia, — e cada ano mais se avolumavam por
avassalando os indivíduos e formam-se e n t ã o peque- toda a R ú s s i a e adquiriam u m c a r á c t e r de maior gra
nos grupos de p a r t i d á r i o s que se revoltam, ora na es- vidade e violência a t é e n t ã o desconhecida. A t é 1857
pectativa de u m sucesso parcial. — o de vencerem, por durou o estado insurreccional, quando Alexandre I I
exemplo, uma parede e obterem um pouco de p ã o para resolveu, finalmente, e n d e r e ç a r a sua famosa carta à
seus filhos ou o de se d e s e m b a r a ç a r e m de algum fun- nobreza das províncias lituanas em que prometia a l i -
cionário detestado. — ora, e é o caso mais frequente, b e r t a ç ã o dos servos. Ficaram célebres as palavras de
sem e s p e r a n ç a alguma de sucesso: revoltados simples- H e r z e n : "melhor é que a liberdade promane de cima
mente por se lhes haver esgotado a paciência com tan- do que esperar que a imponham de b a i x o " , que o czar
to esperar em v ã o . Alexandre repetia ante a nobreza escravista de Mos-
246 P E T E R K R O P O T K I N
nascimento das ciências que se produziu nos meados pério romano e da Grécia e de outros muitos centros
do século X I X e que, como é sabido, deu um vigoroso de civilização do Oriente e do E g i t o .
impulso ao estudo, assente em bases naturalistas, das A autoridade que se constituiu no decurso da his-
i n s t i t u i ç õ e s e das sociedades humanas. tória para unificar em u m interesse comum o senhor,
o juiz, o soldado e o padre e que, a t r a v é s de todos os
As pretendidas "leis c i e n t í f i c a s " com que se da-
tempos, foi u m impedimento à s tentativas do homem
vam por satisfeitos os metafísicos a l e m ã e s dos anos
para instaurar uma vida mais segura e mais liyre, - -
de 1820-1830, n ã o encontram guarida nas concepções
essa autoridade n ã o pode converter-se em arma de
anarquistas. O Anarquista só reconhece como legíti-
l i b e r t a ç ã o , como n ã o podem erigir-se em instrumen-
mo m é t o d o de i n v e s t i g a ç ã o o científico e o aplica a
tos da obra da r e v o l u ç ã o social o cesarismo, o impe
todas as ciências geralmente designadas como ciên-
rialismo ou a Igreja.
cias h u m a n i t á r i a s . T a l é o aspecto científico do Anar-
quismo* E m economia política, o Anarquismo chegou à
c o n c l u s ã o que o mal social da nossa época n ã o se o r i -
Utilizando esse m é t o d o , bem como os resultados gina tanto do facto do capitalista se apropriar do "su-
das i n v e s t i g a ç õ e s recentes, obtidos g r a ç a s à aplicação per-valor" ou do lucro, ilicitamente adquirido, das
desse m é t o d o , intenta o Anarquismo reconstruir todo suas o p e r a ç õ e s , mas do facto de ser possível, em uma
o edifício científico relativo ao homem e rectificar as o r g a n i z a ç ã o social qualquer, obter-se tais proventos e
n o ç õ e s comuns que se teem sobre o direito, a justiça, regalias. O "super-valor" existe simplesmente por
etc. Baseado nos dados que as modernas investiga- que falta a milhões de indivíduos o estritamente ne-
ções e t n o l ó g i c a s e a n t r o p o l ó g i c a s nos fornecem, alar- c e s s á r i o à e x i s t ê n c i a c porque, para obterem o indis-
gando-as, p o r é m , quanto possível, e apoiando-se na pensável à vida, s ã o forçados a vender a sua força de
obra dos seus predecessores do século X V I I I , o A n a r - trabalho e as suas capacidades mentais a u m preço
quismo se colocou ao lado dos que pugnam pelos di- vil tal (pie torna possível aqueles excessos com que se
reitos do indivíduo contra o Estado e da sociedade locupleta o capitalista.
contra a autoridade a qual, apenas por h e r a n ç a h i s t ó -
Eis porque pensamos que em economia o primeiro
rica, tem dominado aquela. Utilizando ainda os docu-
capítulo a ser estudado é 0 que tratar do consumo
mentos históricos que a ciência moderna tem vindo ar-
antes do da p r o d u ç ã o e. na revolução, o primeiro de-
quivando, o Anarquismo demonstrou à saciedade que
ver que incumbe é o de regular o consumo de modo
a autoridade do Estado, que dá azo à o p r e s s ã o sob
a garantir a todos moradia e alimento. Os nossos
que vivemos e que cada dia aumenta mais, outra cousa
avoengos de 1793-1794 haviam tido a n í t i d a compreen-
n ã o é s e n ã o uma superstrutura, nociva e inútil, que.
são deste magno problema.
para os europeus, data somente dos séculos X V e X V I ,
Quanto à p r o d u ç ã o d e v e r á ser organizada de ma-
uma superstrutura elaborada em benefício exclusivo
neira a que as primordiais necessidades de todos os
do capitalismo e dos senhores da terra a qual, nos
membros da sociedade fiquem plenamente assegura-
tempos antigos, foi a causa p r ó x i m a da queda do i m -
das e n ã o possa dar-se, na sua satisfação, o menor
250 P E T E R K R O P O T K I N
FIM
N Ó T U L A S E X P L I C A T I V A S
A N A B A P T I S M O — M o v i m e n t o popular religio-
so do tempo da Reforma protestante. Era, como esta,
dirigido contra a autoridade da Igreja Católica, mas
foi, na sua e x p r e s s ã o , muito mais longe do e n c a b e ç a d o
por L u t e r o . Os anabaptistas propugnavam pela mais
ampla liberdade individual em m a t é r i a de religião e
moral e, no d o m í n i o social, proclamavam a igualdade
e a abolição da propriedade privada. Repudiavam toda
e qualquer reforma de c o e r ç ã o , — o juramento, a jus-
tiça t r i b u n í c i a . 0 serviço militar e toda a espécie de
obediência ao governo. tudo, e m - í i m , que conside-
ravam hostil aos principiei do cristianismo.
Geralmente, os historiadores só consideram este
movimento depois que foi objecto das p e r s e g u i ç õ e s
movidas em Zwickau, em 1520. Mas, na verdade, devia
a sua origem ao movimento iniciado no século X I V
por J o ã o \, — um dos precursores da Refor-
ma, que negou a t r a n s u b s t a n c i a ç ã o , o primeiro que
traduziu a Itíhlia em inglês, — bem como ao movi-
mento suscitado pelos hussitas ( p a r t i d á r i o s de J o ã o
254 P E T E R K R O P O T K I N O ANARQUISMO E A C I Ê N C I A MODERNA 255
Huss) na Boémia, nos finais do mesmo século X I V . tíficos realizados na segunda metade do século X I X
M u i t o antes de L u t e r o haver afixado nos portais da para estudar, sgundo o ponto de vista das ciências na-
igreja de W i t t e n b e r g as suas célebres teses teológi- turais, as origens e a evolução das i n s t i t u i ç õ e s e das
cas, já uma surda revolta contra a Igreja, o Estado e concepções sociais, sem apelar para uma i n t u i ç ã o so-
a L e i , ainda que favorável aos senhores feudais, ger- brenatural ou procurar preencher as lacunas dos nos-
minava nos e s p í r i t o s dos artífices das cidades e das sos conhecimentos com os termos de um incompreen-
aldeias, que tiveram a oportunidade de ouvir os co- sível v o c a b u l á r i o metafísico.
m e n t á r i o s da Bíblia.
Os anabaptistas contituiam a ala esquerda do mo- B A B E U F — F r a n ç o i s Noel (1764-1797), comu-
vimento, ao passo que os luteranos representavam a nista f r a n c ê s ; tomou parte na Grande R e v o l u ç ã o ; pu-
fracção moderada, favorecida pelos príncipes e senho- blicista, editou um jornal, L e Tribun du Peuple, no
res. Durante a Grande Guerra Campesina (1525), na qual propugnava pela revolução social. Depois da que-
cidade de M ú n s t e r , com J o ã o de Leyde e T o m á s da do partido de Robespierre, fundou, com Buonarot
Mtinzer, os anabaptistas se declaram em franca rebe- t i , Sylvain Marechal, D a r t h é e outros, uma sociedade
lião contra todas as autoridades c o n s t i t u í d a s . secreta comunista que tinha por f i m apoderar-se do
Estes dois movimentos foram sufocados pelo ex governo e constituir um d i r c t ó r i o que deveria introdu-
t e r m í n i o em massa em que pereceram milhares de zir o comunismo em bases políticas nacionais. A cons-
anabaptistas, 100.000 contam alguns historiadores. p i r a ç ã o foi descoberta e Babeuf, como D a r t h é , foram
Mais tarde, um movimento a n á l o g o , porem revestido fuzilados em 1797. Vide a obra de B u o n a r o t t i , —
de aspectos mais pacíficos, se produziu na Inglaterra Corwpiration de 1'Êgalité, dite de Babeuf, em 2
e o mesmo movimento, de formas mais ou menos co volumes, editada em Bruxelas em 1828.
munistas, se instaurou na Á u s t r i a , na Holanda, na
R ú s s i a pelos menonitas e a t é na Groenlândia. Para B A C O N — F r a n ç o i s (1561-1626), grande filósofo
complemento desta curta notícia vejam-se as obras inglês, considerado como o pai do método indutivo de
a l e m ã s de Keller, Hase e Cornélius e o excelente re- i n v e s t i g a ç ã o científica. E m face da escolástica e da me-
sumo escrito em inglês por Richard Heath, — A N A - tafísica que, ao tempo, dominavam como soberanas,
B A P T I S M , — publicado em 1895. demonstrou êle que a descoberta e a i n v e n ç ã o só po-
deriam progredir quando o e s p í r i t o humano se habi-
A N T R O P O L O G I A — Ciência que estuda o homem tuasse a considerar a o b s e r v a ç ã o e a i n v e s t i g a ç ã o expe-
em sua c o n s t i t u i ç ã o física nos diversos climas, em sua.* rimental, livre e m e t ó d i c a , como os ú n i c o s meios de
r a ç a s , seu desenvolvimento físico e e v o l u ç ã o das suas descobrir as leis naturais, de compreender as causas
instituições e concepções sociais, morais e religiosas. dos f e n ó m e n o s e o poder de os predizer. A e r u d i ç ã o es-
O estudo dessas instituições e concepçõs constitui a colástica, meramente palavrosa, devia, porisso mesmo,
ciência chamada Etnologia. Por "Escola A n t r o p o l ó - ser proscrita, poisque o verdadeiro saber só pela indu-
g i c a " compreende-se o conjunto dos trabalhos cien- ção pode ser adquirido. Só por u m estudo acurado dos
256 I ' i: T K R K R O P O T K I N O ANARQUISMO E A C I Ê N C I A MODERNA 257
factos, só por unia continuidade de c o m p a r a ç õ e s e ex- x ã o e entregue ao da Á u s t r i a que, por sua vez, o en-
clusões, sobre que se fundam as g e n e r a l i z a ç õ e s "indu- viou, em 1852, ao czar russo. Dois annos de p r i s ã o em
zidas", é possível encontrar o t r a ç o comum, geral, aos uma fortaleza a u s t r í a c a , onde esteve pregado a uma
factos observados, competindo, em seguida, ao obser- parede, e seis na fortaleza de S. Petersburgo (hoje:
vador atento, verificar a e x a c t i d ã o das induções, sub- Leningrado), só e m 1 8 5 6 f o i , por morte do czar Nico-
metendo-as à prova de novas pesquisas e do exame de lau I , posto em liberdade. Exilado depois para a Sibé-
novos factos que a o b s e r v a ç ã o e a experiência conti- ria, onde, aliás, o governador, Muravioff A m u r s k y , o
nuamente nos oferecem. T a l foi a ideia fundamental recebeu muito bem, conseguiu de lá evadir-se em 1 8 6 2
da obra de Bacon que permitiu considerá-lo, mui jus- por Vladivostok para v i r a encontrar-se em Londres
tamente, o pai da ciência moderna como ela se desen- com seu mais dilecto amigo Alexandre Herzen e t o -
volveu no decurso do século X I X . A esse m é t o d o de- mar parte nas a g i t a ç õ e s r e v o l u c i o n á r i a s (pie, por esse
ve a ciência moderna as suas maiores descobertas. V i - tempo, se desenrolavam pela Europa. E m breve se fez
de mais adiante I n d u ç ã o . membro da célebre A s s o c i a ç ã o Internacional dos T r a -
balhadores, dentro da qual, durante longo tempo, foi
B A I N — Alexander ( 1 8 1 8 - 1 9 0 3 ) , um dos princi- a alma da F e d e r a ç ã o J u r á s s i c a , composta principal-
pais representantes ingleses do sistema de filosofia que mente de socialistas da Suiça romanda. Esse grupo,
procura fundamentar-se, n ã o em especulações abstra- de acordo com as federações espanhola, italiana e bel-
ctas e metafísicas, mas nos factos das ciências natu- ga (oriental e central) representava, em flagrante
rais, que estuda as faculdades do e s p í r i t o humano e o oposição ao Conselho Geral da Internacional, chefiado
grau de certeza dos nossos raciocínios baseando-se por M a r x , as ideias de federalismo, de hostilidade ao
sobretudo na fisiologia e na psicologia fisiológica. S ã o Estado e de acção directa na luta contra o capital, o
suas principais obras: M i n d and Body (o e s p í r i t o e que provocou a rutura dessas federações com o Con-
o corpo), The Senses and the Intellect (os sentidos e a selho Geral sendo este transferido, em 1872, pelos mar-
i n t e l i g ê n c i a ) , Deductive and I n d u c t í v e Logic (lógica xistas para N e w - Y o r k onde, afinal, sucumbiu.
dedutiva e indutiva). E m p o r t u g u ê s existe deste au- As federações latinas, que firmaram entre si um
tor A Ciência da E d u c a ç ã o . pacto federalista, conseguiram ainda assim manter a
vida da Internacional a t é 1878, depois do que, tenaz-
B A K U N I N E — Michel ( 1 8 1 4 - 1 8 7 6 ) , publicista po- mente perseguida por todos os governos, desapareceu
lítico russo, r e v o l u c i o n á r i o e agitador infatigável. Par- do c e n á r i o do movimento o p e r á r i o . F o i e n t ã o que essas
ticipou de todos os movimentos r e v o l u c i o n á r i o s do seu federações deram origem, de u m lado, ao movimento
tempo, da Alemanha, da Suiça, da F r a n ç a , da Itália, da anarquista moderno, e, de outro lado, ao movimento
Á u s t r i a , da Polónia. Na r e v o l u ç ã o de Dresden, em sindicalista actual.
1849, foi figura proeminente pelo que foi mimoseado S ã o obras principais de Bakunine: Deus e o E s t a -
com uma c o n d e n a ç ã o à m o r t e ; convertida a s e n t e n ç a do, editado em francês, em Genebra, em 1 8 8 2 , por
em p r i s ã o p e r p é t u a foi extraditado pelo governo sa- seus ínclitos amigos Cafiero e Reclus; A ideia do
258 P E T E R K R O P O T K I N O ANARQUISMO E A C I Ê N C I A MODERNA 259
<lestacam-se: a j á citada Força e Matéria; O Homem nizadores das sociedades secretas políticas dos comu-
segundo a Ciência; L u z e Vida; Na Aurora do Século nistas franceses e italianos.
X X , todas estas existentes em edições portuguesas.
A l é m dessas, em francês, v á r i a s , como: L a Vie Psychi- B U R N O U F — Emile (1821-1907), helenista fran-
que des Betes; Nature et Science. E m 1885 publicou cês. Publicou em 1872 u m importante trabalho i n t i t u -
um n o t á v e l estudo sobre o amor e as suas relações lado L a Science des Religions fundado em bases ra-
no mundo animal que é um ensaio sobre a vida social cionalistas.
e os instintos sociáveis dos animais. Por todos os seus
muitos trabalhos científicos, contribuiu poderosa- C A B E T — Etienne (1788-1856), comunista fran-
mente para a difusão do conhecimento de uma con- cês que desenvolveu as suas ideias no j o r n a l que fun-
cepção d i n â m i n a da Natureza e, porisso. merece os dou L e Populaire (1833-45) e publicou em 1840, sem o
nossos justos incómios. seu nome, a sua principal obra Voyage en Icarie em
que e x p ô s o seu ideal c o m u n i s t a - a u t o r i t á r i o . Reeditada
a obra v á r i a s vezes, a edição de 1842 e as que se lhe
B U F F O N — Georges Louis (1709-1788), natura- seguiram c o n t ê e m uma análise dos princípios socia-
lista francês, fundador da anatomia comparada. F o i listas dos predecessores de Cabet, incluindo os da Re-
talvez o primeiro que tentou fundar u m sistema inte- volução Francesa. E m 1848 ensaiou a aplicação prática,
gral da Natureza dando-nos uma d e s c r i ç ã o completa no Texas ( A m é r i c a do N o r t e ) dos princípios que for
do mundo animal nas bases da anatomia comparada. mulata c mais tarde no Illinois, tentativas estas que
U m dos principais serviços que prestou à ciência foi o n ã o tiveram ê x i t o algum postoque a colónia Jovem
de uma severa oposição à s p r e t e n s õ e s da Igreja, pondo Icaria ainda existisse nos anos 50 e tantos do século
u m t e r m o à s e s p e c u l a ç õ e s t e o l ó g i c a s em m a t é r i a de findo. Sobre a obra de Cabet leia-se: F. Bonnaud, —
ciências naturais. Principal obra sua : Histoire Natu- Cabet et son oeuvre, Paris, 1900.
relle, 1749-1788, cujos primeiros volumes são uma ex-
posição geral da sua c o n c e p ç ã o da Natureza e, porisso C L A U S I U S — Rudolf (1822-1888), físico a l e m ã o ,
desde logo perseguida pela Igreja. n o t á v e l por seus trabalhos de óptica, electricidade e.
especialmente, sobre a teoria mecânica do calor con-
B U O N A R R O T I — Filipo (1761-1837), j u r i s t a ita- siderado como estado v i b r a t ó r i o da m a t é r i a , de que
liano. Sob a influência de Rousseau promoveu a p r o - descobriu uma das leis fundamentais. A sua principal
paganda revolucionária, sendo expulso de v á r i a s pro- obra é u m Tratado da Teoria Mecânica do Calor, em
víncias da Itália. E m Paris, em 1796, associou-se à 2 volumes.
c o n s p i r a ç ã o comunista a u t o r i t á r i a de Babeuf, cuja his-
tória êle p r ó p r i o nos conta na sua obra Gracchus B a - C O M T E — Auguste (1798-1857), fundador do Po-
beuf et la Conspira ti on des Egaux, Bruxelas, 1828, 2 sitivismo. A s suas obras principais s ã o : Cours de Phi-
vols. Nos anos de 1830-40 foi u m dos principais orga- losophie Positive, 1830-1857, em 6 volumes, obra mo-
264 P E T E R K R O P O T K I N O ANARQUISMO E A CIÊNCIA MODERNA 265
numcntal que representa um esforço inaudito para fun- * g à v e l m e n t e uma profunda influência sobre toda a ciên-
dar uma filosofia sintética doa omhei-imentos humanos cia e filosofia da segunda metade do século X I X . Os
sob u m ponto de vista estritamente científico. A sua principais continuadores da obra comteana foram J.
segunda grande obra S y s t é m e de Politique Positive S. M i l l . na Inglaterra, e Emile L i t t r é , na F r a n ç a .
ou Traité de Sociologie instituant la Religion de l ' H u -
manité, em 4 volumes, publicada em 1851-56, é uma C O N S I D É R A N T — Victor (1802-1893). escritor
aplicação social da Filosofia Positiva. Diametralmente socialista francês, discípulo e continuador das d o u t r i -
oposta ao e s p í r i t o que ditou a Filosofia, a sua Política nas e da obra de Fourier. Editou e dirigiu L e Pha-
Positiva tinha igualmente por f i m , como já o seu t í t u - lanstére, cm 1832, L a Phalange, em 1836 e L a D é m o -
lo indica, a c o n s t i t u i ç ã o de uma nova religião em que cratie Pacifique, cm 1843. TentOU fundar u m Falans-
a Humanidade" é o objecto de culto. tério no Tcxa--. Em uma série de obras dc alto valor
O termo positivo tinha, na concepção de Comte. social desenvolveu as ideias de Eourier que êle repro-
o seguinte significado: todo o saber humano começa duz fielmente. j>orêm. com melhor ordem, clareza e
por concepções teológicas, como, por exemplo, quando m é t o d o . As suas obras principais s ã , , : D e s t i n é e So-
o homem quere a t r i b u i r à a c ç ã o de uma divindade irada ciale, em 1834: Théorie de l'éducation naturelle et at-
o ribombar do t r o v ã o ou quando pretende explicar to- trayante, em 1845; Bases de Ia politique positive: ma-
ds os f e n ó m e n o s da Natureza como actos da vontade nifeste de l'école sociétaire fondée par Fourier, em
dos deuses. V e m em seguida a fase metafísica que a t r i - 1841 : Príncipes du Socialisme: manifeste de la D é m o -
bui todos 01 fenómenos físicos à acção de uma força cratie Pacifique, em 1843 e 1847. serviu de base h ela-
abstracta, i m a g i n á r i a , estranha aos factos, como as b o r a ç ã o do célebre Manifesto Comunista a t r i b u í d o a
chamadas força vital, alma da Natureza, etc Vem, M a r x e Engels. o que hoje e s t á sobejamente demons-
finalmente, a fase positiva em que se firma o saber trado: L e Socialisme devant le Vieux Monde, em 1848.
c o n s t i t u í d o , certo, averiguado, com absoluta proscri- que é uma revista das diversas escolas socialistas co-
ção da ideia das causas finais e das substancias. Nesse nhecidas naquele tempo, Sobre a obra de Victor Con-
período, a ciência positiva apenas se preocupa com es- sidérant leia-se: Efuberl Bourgin, — Victor Considé-
tabelecer as leis segundo as quais os f e n ó m e n o s se rant, son ceuvre, Lyon, 1909.
sucedem invariavelmente seguidos de determinadas
c o n s e q u ê n c i a s . A s a f i r m a ç õ e s da Filosofia Positiva D A R W I N — Charles (1809-82), naturalista inglês
baseiam-se somente na e x p e r i ê n c i a ; recusa-se formal- o mais afamado dos tempos modernos que produziu
mente a pretender o conhecimento do que esteia fora ti ma verdadeira revolução nas concepções naturalistas
do alcance da experiência. Filosofia Positiva sendo a com a publicação das suas n o t á v e i s obras sobre a Ori-
s í n t e s e das seis principais ciências, — as m a t e m á t i c a s , gem das Espécies pela Selecção Natural na Luta pela
a astronomia, a física, a química, a biologia e, final- Existência, publicada em 1859: Descendência do Ho-
mente, a sociologia, — rejeita inteiramente toda a mem e Selecção Sexual, em 1871 : Das Variações nos
crença no sobrenatural. A obra de Comte exerceu ine- animais e nas plantas domésticas, em 1868.
266 P E T E R K R O P O T K I N O ANARQUISMO E A C I Ê N C I A MODERNA 267
que todo o governo, j á pelo facto da sua p r ó p r i a exis- formar-se em calor, magnetismo, som e movimento
tência, j á pela sua i n t r í n s e c a natureza, impede o de- mecânico.
senvolvimento da moralidade pública e a n t e v ê o dia
Grove ousou propor a q u e s t ã o de saber se a p r ó -
em que cada qual, liberto de toda a coacção, guiado
pria g r a v i t a ç ã o não seria uma resultante dessas d i -
t ã o somente pelos princípios da r a z ã o , a c t u a r á no sen-
tido do bem comum. Por esta p r o c l a m a ç ã o de p r i n - versas espécies de vibrações. Todo o progresso me-
cípios e sob a falsa a c u s a ç ã o de professarem um repu- cânico realizado na segunda metade do século X I X
blicanismo jacobino, Godwin e seus p a r t i d á r i o s esti- foi c o n s t i t u í d o por uma série de aplicações deste p r i n -
veram a m e a ç a d o s de trabalhos forçados pelo que o cípio de física, — o da t r a n s f o r m a ç ã o das diversas
nosso autor teve de suprimir na segunda e terceira forças físicas.
edição da sua citada obra (1796-1798) as passagens
HABCKEL Ernst (1843-1919), célebre biolo-
que se viam na primeira relativas ao comunismo.
gista e filósofo a l e m ã o . Foi um dos primeiros e dos
Para u m estudo mais amplo da obra de Godwin mais entusiastas discípulos de Darwin e pouco depois
veja-se: C. Kegan Paul, — W . Godwin, his Friends da publicação da obra deste sobre a origem das e s p é -
and Contemporânea, 2 volumes. London, 1876: Ray- cies, Haeckel publicava em 1866 u m n o t á v e l trabalho
mond Gourg, — William Godwin, Paris, 1908. U m sobre a Morfologia Geral, seguido de outros n ã o me-
resumo da sua doutrina se lê na obra de A n t o n M e n - nos importantes como a H i s t ó r i a da C r i a ç ã o N a t u r a l
ger, — L e Droit au produit integral du travail, Paris, em que estabelece a escala dos diferentes e s t á d i o s de
1900. e v o l u ç ã o dos seres vivos, desde o mais rudimentar or-
ganismo a t é ao homem. Na ú l t i m a fase da sua activi-
G R O V E — W i l l i a m Robert (1811-1896). físico i n - dade científica propendeu para o Monismo filosófico
g l ê s que escreveu em 1842 uma n o t á v e l m e m ó r i a e em sobre que escreveu uma interessante monografia i n t i -
1856 um livro sobre a unidade e c o r r e l a ç ã o das forças tulada O Monismo, laço entre a Religião e a Ciência,
físicas com o intuito de provar que o som. o calor, a profissão de f é de um naturalista, na qual ataca vigo-
luz, a electricidade, o magnetismo e a acção química rosamente a c o n c e p ç ã o dualista da Natureza. As suas
n ã o s ã o s u b s t â n c i a s independentes ou entidades sepa- obras tiveram larga voga e muito mais haveria a es-
radas, como a t é e n t ã o se julgava, mas simplesmente perar da sua obra se o seu e s p í r i t o n ã o se confinasse
formas diversas do movimento v i b r a t ó r i o das molé- demasiado na metafísica do hegelianismo que o levou
culas de que todos os corpos são c o n s t i t u í d o s Todas a formular uma bizarra concepção do E s p í r i t o como
as diferentes formas v i b r a t ó r i a s da m a t é r i a , outrora uma e m a n a ç ã o da M a t é r i a em vez de se ater como t
chamadas de forças, podem transformar-se umas em nos primeiros anos da sua vida científica, a uma con-
outras, poisque todas são modos diversos de movimen- c e p ç ã o puramente dinâmica do universo.
to mecânico. O movimento mecânico pode transfor- As obras de Haeckel acham-se quase todas tra-
mar-se em som, luz, calor, electricidade e magnetis- duzidas em p o r t u g u ê s , editadas pela L i v r a r i a Char-
m o ; por sua vez a luz e a electricidade podem trans- dron, do Porto. S ã o elas: História da Criação Natu-
272 P E T E R K R O P O T K I N O ANARQUISMO E A C I Ê N C I A MODERNA 273
ral, Enigmas do Universo, Maravilhas da Vida, O Mo- peores formas do reaccionarismo político e religioso
nismo, A Origem do Homem, Religião e Evolução, S ã o obras principais de H e g e l : Fenomenologia do E s -
todas, aliás, dignas de serem lidas. pírito, 1 8 0 7 ; Lógica, 1 8 1 2 ; Filosofia do Direito, da
História e da Natureza, 1 8 2 1 , e v á r i a s obras póstu-
H E G E L — Georg W i l h e l m (1770-1831).. filósofo mas, quase todas traduzidas em francês.
metafísico a l e m ã o que exerceu n o t á v e l influência nas
ideias do século X I X durante o p e r í o d o r e a c c i o n á r i o H E L M H O L T Z — Herman L u d w i g ( 1 8 2 1 - 1 8 9 4 ) .
que se seguiu à r e v o l u ç ã o Francesa. Para esse filó- grande fisiologista e físico a l e m ã o . Publicou em 1847
sofo, a Ideia é o princípio universal que se manifesta uma notável obra sobre a c o n s e r v a ç ã o da força que foi
nas diversas fases do ser. O seu sistema divide-se em um dos mais notáveis trabalhos que serviu de funda-
t r ê s ciclos de pensamento: o primeiro compreende a mento a filosofia materialista científica dos meados
L ó g i c a , — a ciência da ideia pura (idee an sich); o do século X I X . Além de vários trabalhos sobre óptica,
segundo a Filosofia da Natureza em que a ideia se acústica e electricidade em (pie era especialista, dei
exterioriza nos f e n ó m e n o s naturais; finalmente o ter- xou-nos uma importante ó p t i c a Fisiológica, publicada
ceiro, a Filosofia do E s p í r i t o em que o filósofo pre- em 1856-66.
tende mostrar-nos como a ideia pura (idee ausser
sich), depois dc se haver exteriorizado em a Natureza, H E R Z E N — Alexander ( 1 8 1 2 - 1 8 7 0 ) . escritor po-
IC retrai com.» Espírito (idee an und fiir sich) e atin- lítico russo. Exilado por largos anos em uma provín-
ge assim a sua perfeita realização. Estes t r ê s ciclos cia oriental da Rússia, perseguido por suas opiniões
da Ideia são conhecidos como a tese, a a n t í t e s e e a políticas, deixou o país para ir viver na F r a n ç a e I t á
síntese. O mal que esta filosofia produziu afastando- lia travando amistosas relações com todos os socia-
se completamente das i n v e s t i g a ç õ e s científicas inau- listas e radicais a v a n ç a d o s . A p ó s o fracasso da revo-
guradas nos finais do século X V I I I e sancionando, por lução de 1848, escreveu uma obra a d m i r á v e l , — De
uma nova autoridade, quer as bíblicas i n t e r p r e t a ç õ e s l'autre rive, — em que faz a crítica da r e v o l u ç ã o sob
da Natureza, quer as irisantes e l o c u b r a ç õ e s baseadas o ponto de vista socialista. E m Paris foi o auxiliar
t ã o somente no uso e abuso de termos puramente me- precioso de Proudhon na fundação do jornal L e Peu-
tafísicos de sentido vago e impreciso, podemos melhor ple, vindo a ser expulso da F r a n ç a em j u n h o de 1849
apreciar no facto das novas pesquisas científicas, b r i - para se estabelecer na Inglaterra onde fundou o p r i -
lhantemente iniciadas nos finais do século X V I I I . não meiro jornal russo intitulado Free Russian Press e,
terem tomado o impulso devido e desejado na p r i - mais tarde, o Kololcol (O Sino) tendo por colaborado-
meira metade do século seguinte. A péssima influên- res, de c o m e ç o , os seus dedicados amigos Ogareff e
cia que essa d e t e s t á v e l filosofia deixou a podemos ver Turgueneff e depois Bakunine, j o r n a l esse que, ata-
t a m b é m em m a t é r i a política quando os hegelianos cando vivamente a servidão e a autocracia, exerceu
sustentam, no seu calão filosófico, "que tudo o que uma poderosa influência na R ú s s i a em prol da liber-
existe é racional", desculpando, por esse modo, as t a ç ã o dos servos. Em 1863, por ocasião da subleva-
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P E T E R K R O P O T K I N
ç ã o polaca, tomaram corajosamente parte a seu lado. meiro a propugnar por uma concepção irreligiosa e
Herzen, que possuia vastos conhecimentos de h i s t ó - absolutamente materialista do universo.
ria e filosofia, foi u m dos mais c o n s p í c u o s escritores
do seu tempo na Europa; as suas obras, traduzidas H O L B A C I I — Barlo d'-Pattl Henri ( 1 7 2 3 - 1 7 8 9 ) ,
em francês e a l e m ã o , s ã o de u m valor i n e s t i m á v e l , n ã o filósofo materialista c ateu. u m dos mais famosos co-
falando j á do seu alcance político-social que ê alta- laboradores da Enciclopédia Francesa na qual e x p ô s
mente significativo. S ã o elas, entre outras, Cartas da uma inteligente i n t e r p r e t a ç ã o do conhecimento da
França e da Itália, a sua auto-biografia Passado e Natureza em bases puramente materialistas, que am-
Pensamentos, que s ã o de uma beleza estilística i n - plamente desenvolveu na sua principal obra, publica-
comparável. da em 1770, S y s t é m e de la Nature. Nas obras subse-
quentes demonstrava que a religião não é somente i n ú -
t i l , mais do que isso, nociva á verdadeira moralidade
H O B B E S — Thomas ( 1 5 8 8 - 1 6 7 9 ) , u m dos mais e felicidade do povo. Vejam se, além da já citada, as
originais escritores políticos e filósofos ingleses. Re- suas obras: L e Christianime Devoilé, L a Morale U n i -
tintamente realista ao tempo em que j á se esboçava a verselle; L a Politique Na tu rei le.
r e v o l u ç ã o de 1648, f o i , talvez porisso, obrigado a re-
fugiar-se na F r a n ç a . A s suas obras principais s ã o :
H U T C H E S O N — Francis ( 1 6 9 4 - 1 7 4 7 ) . filósofo e
D e Cive, publicada em 1 6 4 2 ; D e Corpore Politico, em
moralista irlandês, u m dos mais n o t á v e i s represen-
1 6 5 8 - 5 9 ; Leviathan, em 1 6 5 1 . Nesta ú l t i m a obra. de
tantes da escola de filosofia conhecida pela denomi-
u m i n c o n t e s t á v e l valor, o autor se pronunciava em
n a ç ã o de Filosofia escocesa, que assentava o seu sis-
filosofia pelo materialismo, em moral pelo egoismo
tema de ética no princípio da simpatia r e c í p r o c a E m
e em política pelo despotismo. " O direito, afirmava
suas obras procurava provar que, se é certo podermos
êle, é a força e nada existe de intrinsecamente justo
classificar os motivos que impelem a nossa vontade
o u i n j u s t o " . Dos homens primitivos tinha a opinião que
em egoistas e a l t r u í s t a s , são, todavia, estes que me-
eram seres em guerra c o n t í n u a uns contra os o u t r o s :
recem a nossa a p r o v a ç ã o e os actos que deles decor-
na desconfiança e no receio que os homens tinham
rem e isso em r a z ã o de possuirmos naturalmente o
uns dos outros e na sua comum miséria via êle a prin-
"sentimento m o r a l " . S ã o obras suas: Enquiry into the
cipal causa da origem do Estado. Sustentava que uma
origin of our ideas of Beauty and Virtue; Essay on
forte autoridade teria sido n e c e s s á r i a para assegurar
Nature e Conduct of Passions and Affections.
a paz e melhorar as condições de e x i s t ê n c i a dos ho-
mens.
H U X L E Y — Thomas H e n r y ( 1 8 2 5 - 1 8 9 5 ) , célebre
Consequentemente, era p a r t i d á r i o a c é r r i m o dos naturalista inglês que muito se distinguiu na defesa
direitos absolutos do rei, ao mesmo tempo que era u m que fez da teoria de evolução formulada por D a r w i n
inimigo dclarado da Igreja como autoridade política em que se evidenciou um dos mais ardorosos parti-
d á r i o s do transformismo, devotando-se mais especial-
F o i ambem, entre os filósofos de notoriedade, o p r i -
276 1 RT K R
1 K R O P O T K I N
O ANARQUISMO K A C I Ê N C I A MODERNA 277
resultante da essência p r ó p r i a do nosso e s p í r i t o , o qual L a Flore Française, 1 7 7 8 ; Histoire Naturelle des Ani-
imperativo nos prescreve tratar os outros de tal modo maux sans vertèbres, 1 8 1 6 - 2 2 ; Philosophie Zoologique,
que a nossa a c ç ã o possa converter-se em uma lei ge- 1809.
ral. Da ideia do senso moral inato deduz K a n t , por L A P L A C E — Pierre Simon ( 1 7 4 9 - 1 8 2 7 ) , de to-
meio da sua metafísica, as ideias de livre-arbitrio, de das as épocas u m dos maiores m a t e m á t i c o s e a s t r ó -
imortalidade e de Deus. Na sua filosofia do Direito nomos. Ocupou-se principalmente das q u e s t õ e s de me-
pretende demonstrar-nos que o respeito absoluto da cânica celeste; reuniu em um corpo dc doutrina os
liberdade moral deveria constituir o fundamento de t o - trabalhos esparsos de N e w t o n , Halley, G a i r a u t , d'Alein-
da a vida social e da e x i s t ê n c i a do Estado e indica co- bert e Euler sobre as consequências da g r a v i t a ç ã o
mo fim do futuro desenvolvimento h i s t ó r i c o da hu- universal a que adicionou trabalhos e o b s e r v a ç õ e s pes
manidade o estabelecimento deste ideal de liberdade. soais de alto valor. Tornou-se sobretudo célebre pelo
sistema c o s m o g ó n i c o que desenvolveu na sua princi-
K O S T O M A R O F F — Nicolas ( 1 8 1 7 - 1 8 8 5 ) , brilhan- pal obra Exposition du s y s t è m e du monde, publicada
te historiador russo, fundador da escola federalista de em 1 7 9 6 , em que nos fornece a explicação puramente
estudos históricos russos. m e c â n i c a da origem do nosso sistema p l a n e t á r i o . E m
outra de suas obras, — Mécanique Celeste, — em 5
L A M A R C K — Jean Baptiste ( 1 7 4 4 - 1 8 2 9 ) , célebre vols. 1799-1825, d á - n o s a explicação materialista do
naturalista francês. Assentou as bases de uma nova sistema do mundo pela g r a v i t a ç ã o universal. Publicou
classificação das plantas e dos animais. ainda, em 1 8 1 2 , um o u t r o n o t á v e l estudo intitulado
Na sua Filosofia Zoológica, formulou, antecipan- Théorie Analytique des Probabilités e um grande n ú -
do-se a D a r w i n , a ideia do transformismo, isto é, da va- mero de m e m ó r i a s científicas. Todos os seus trabalhos
r i a ç ã o c o n t í n u a das espécies vegetais e animais, da s ã o uma maravilha de pensamento claro e de grande
sua e v o l u ç ã o gradativa sob a a c ç ã o do meio e do uso lucidez.
ou desuso de determinados ó r g ã o s que dessa evolução
L A V O I S I E R — Antoine Laurent ( 1 7 4 3 - 1 7 9 4 ) ,
resultam. Estas novas concepções naturalistas encon-
traram, como é fácil presumir, forte oposição da par- ilustre q u í m i c o francês, considerado mui justamente
280 P E T E R K R O P O T K I N O ANARQUISMO E A C I Ê N C I A MODERNA 281
como dos grandes fundadores da química moderna. ç ã o da sua brilhante Revue Positive e outros traba-
É dele o conhecido aforismo científico: "nada se per- lhos similares, n ã o se enfeudando, p o r é m , à ú l t i m a fei-
de, nada se c r i a " , que estabeleceu fundado no conhe- ç ã o de Comte no que respeita à religião da humani-
cimento de uma lei científica a t é e n t ã o ignorada, — dade, que o filósofo estabelecera na Politique Positive.
a da c o n s e r v a ç ã o da m a t é r i a . Deve-se-lhe a nomen- L i t t r é é ainda o autor e m é r i t o do Dictionnaire de la
clatura química em voga e que tanto contribuiu para Langue Française, obra monumental a que consagrou
o desenvolvimento ulterior da ciência química, o co- cerca de t r i n t a annos de trabalho assíduo.
nhecimento da c o m p o s i ç ã o do ar e a descoberta da
c o m p o s i ç ã o da á g u a . E m física deu-nos trabalhos no- L O M O N O S S O F F — Michel Vassilivitch (1711-
t á v e i s , principalmente a respeito do calor e das pro- 1765), n o t á v e l literato russo dos mais variados esti-
priedades dos corpos no estado gasoso. Fez parte da los, t ã o n o t á v e l que se disse com justa r a z ã o que só
c o m i s s ã o encarregada de establecer o sistema m é t r i - por si representava uma universidade; um dos cria-
co decimal que usamos. A sua principal obra é : Traito dores da ciência e da literatura russas. A u t o r de m u i -
élémentaire de Chimie, publicada em 1789. tas e estranhas odes, de uma g r a m á t i c a russa, que a t é
e n t ã o n ã o havia, de uma geografia física das r e g i õ e s
L E W E S — George H e n r y (1817-1878), fisiologis- polares em que j á aventava a teoria mecânica do ca-
ta e filósoso inglês, ardoroso discípulo de Comte. F o i lor, de v á r i a s obras de h i s t ó r i a , de física, de química,
um dos que assentaram as bases de uma psicologia de mineralogia.
fundada no estudo fisiológico do c é r e b r o e dos centros
nervosos. S ã o obras principais suas, traduzidas em L Y E L L — Charles (1797-1875), afamado g e ó l o g o
f r a n c ê s : Physiologie de la Vie comune, 1870; L a Base inglês. A sua n o t á v e l obra Principies of Geology, pu
physique de 1'esprit, 1877; Histoire Biographique (po- blicada em 1838, admiravelmente escrita e nas edições
pula ire) de la Philosophie, 1845 j Vie de Goethe e uma sucessivas que teve sempre consideravelmente enri
Exposition des Príncipes de la Philosophie de Comte, quecida, traduzida em todas as l í n g u a s europeias, mar-
1853. ca uma época distinta na geologia. Nessa obra de
monstrava o autor que as modificações da crosta ter-
L I T T R É — Maximilien Emile (1801-1884), eru- restre eram devidas à a c u m u l a ç ã o dos detritos das
dito filólogo e filósofo positivista francês assas conhe- lentas t r a n s f o r m a ç õ e s físicas que se produzem de con-
cido, médico e publicista n o t á v e l por todos os seus t í n u o na superfície da terra, contrariamente ao que
trabalhos. Os seus estudos sobre religião e filosofia sustentavam os sábios dos c o m e ç o s do século X I X
suscitaram polémicas ardentes e quando eleito mem (Georges Cuvier e Leopoldo von Buch entre outros)
bro da Academia Francesa provocou a d e m i s s ã o de que a t r i b u í a m essas modificações a cataclismos ines-
Monsenhor Dupanloup, clerical de fama. L i t t r é foi perados que d e s t r u í a m os animais e as plantas exis-
um dos principais representantes da filosofia de Au- tentes na terra e após os quais se produzia uma nova
guste Comte â qual muito popularizou com a publica- " c r i a ç ã o " de seres vivos, — teoria bíblica. Quando
282 P E T E R K R O P O T K I N O ANARQUISMO E A CIÊNCIA MODERNA 283
M E N D É L É E F F — D m i t r i (1834-1907), n o t á v e l
Deville. Surripio dessa edição se fez uma em S. Pauto químico russo, mais conhecido pela sua descoberta da
recentemente sem lhe declarar a o r i g e m ! A Gráfico- chamada " l e i da periodicidade dos elementos". E ' ho-
Editora U N I T A S publicou em 1932 o resumo feito por je assas conhecido que todos os corpos que se encon-
Carlos Cafiero. Muitas outras são as obras de M a r x , t r a m à superfície da terra, o r g â n i c o s (vivos), quer
entre as quais citaremos: Misére de la Philosophie, i n o r g â n i c o s ( d e s t i t u í d o s de vida) se d e c o m p õ e m em
em 1847, resposta a Proudhon; Critique de 1'Economie 80 ou 90 corpos simples ou princípios chamados ele-
Politique, em 1857. O célebre Manifesto Comunista, mentos, os quais entram em um infinito n ú m e r o de
publicado em 1848, de c o l a b o r a ç ã o com Engels, de combinações. U m exame atento do sistema de M e n -
que existem edições em todas as línguas, merece men- déléefí sugere a verificação de dois princípios impor-
ç ã o especial. Para completa elucidação das origens des- tantes: 1.° o de ser já a molécula de cada elemento,
sa peça cumpre ao leitor estudioso consultar: W . dos citados 80 ou '*>, um sistema complexo de molécu-
Tcherkesoff, — Pages d'Histoire Socialiste (doctrines las menores, ou melhor dito. de á t o m o s , em c o n t í n u o
et actes de la social-démocratie), Paris, 1896, edição movimento i n t e r n o ; 2.° que na estrutura dessa> com-
dos Temps Nouveaux; L e Manifeste Comuniste, in- posições existe uma certa periodicidade, isto é. uma
troduction et commcntaire, par Charles Andler, Pa- r e p e t i ç ã o s i s t e m á t i c a da estrutura fundamental. Essas
ris, 1901, vols. 9-10 da Bibliothèque Socialiste. descobertas fizeram a v a n ç a r m u i t í s s i m o a ciência quí-
Da obra, vida e a c ç ã o social de K a r l M a r x leiam- mica. É igualmente de suma i m p o r t â n c i a a concepção
se: Affonso Costa, — A Igreja e a Questão Social, de Mendéléeff sobre o é t e r cósmico considerado como
Coimbra, 1895; Silva Mendes, — Socialismo L i - m a t é r i a , os á t o m o s em v i b r a ç õ e s t ã o r á p i d a s que n ã o
bertário ou Anarquismo, Coimbra, 1896; principal- permitem fixar-se em c o m b i n a ç õ e s q u í m i c a s perma-
mente: Emilio Costa — K a r l Marx, (da Colecção. nentes.
"Homens e I d e i a s " ) , Lisboa 1930, em que o autor es-
tuda detalhadamente a obra de M a r x . M É T O D O I N D U T I V O - D E D U T I V O — É o processo
adoptado por toda a ciência moderna para a elabora-
ção do conhecimento positivo; é, especialmente, o m é -
M A U R E R — George L u d w i g (1790-1872). his- todo seguido nas ciências naturais a que devemos os
toriador a l e m ã o , fundador de uma escola que se dedi- imensos progressos científicos em geral do século
cava com particular cuidado ao estudo da comuna al- X I X . Consiste esse m é t o d o nos seguintes processos
deã e urbana e que, sobre este assunto, nos deu uma de i n v e s t i g a ç ã o :
enorme massa de trabalhos sérios. É obra principal de 1. ° Pela o b s e r v a ç ã o e pela experiência procura-
"Maurer uma " I n t r o d u ç ã o à h i s t ó r i a do instituto da se adquirir um conhecimento p e r f u n t ó r i o dos factos
propriedade comunal da terra, da aldeia e da cidade" e dos f e n ó m e n o s que nos propomos estudar;
publicada em 1854, seguida de outras mais sobre o 2. ° E m seguida apreciam-se e discutem-se am-
mesmo tema. plamente os factos registados e trata-se de ver se eles
286 P E T E R K R O P O T K I N O ANARQUISMO E A C I Ê N C I A MODERNA 287
n ã o conduzem a uma g e n e r a l i z a ç ã o , a uma indução deduzem-se as posições de cada planeta em tal ou tal
(do l a t i m : inducere), ou à f o r m u l a ç ã o de uma h i p ó t e - momento no seu movimento em redor do sol, compa-
se que permita unir ou englobar os f e n ó m e n o s obser- ram-se em seguida as posições calculadas com as posi-
vados, isto é, se das o b s e r v a ç õ e s feitas n ã o p o d e r á re- ções reais e, uma vez conseguida esta c o n c o r d â n c i a ,
sultar uma a f i r m a ç ã o geral que possa abranger o v e r - s e - á se a hipótese formulada se confirma em to-
maior n ú m e r o e a maior e x t e n s ã o de factos. E x e m p l o : dos os pontos. Se, porventura, na d e t e r m i n a ç ã o do
depois de ter observado uma massa enorme de factos cálculo da velocidade da marcha dos planetas resulta-
concernentes aos movimentos dos planetas, Kepler foi rem da hipótese diferenças m í n i m a s comparadas com
levado a formular uma g e n e r a l i z a ç ã o e a aventar uma os f e n ó m e n o s observados, p r o c e d e r - s e - á , pelo mesmo
hipótese na suposição de que todos os planetas se m é t o d o , a novas i n v e s t i g a ç õ e s a t é encontrar a r a z ã o
movem, ao longo das suas respectivas elipses, em re- do erro ou novas causas que venham a modificar a
dor do sol, dos quais é este o centro; D a r w i n , igual- hipótese dada;
mente após i n ú m e r a s e pacientes o b s e r v a ç õ e s , formu- 5.° Finalmente, depois de todas as verificações
lou a sua h i p ó t e s e da descendência por via de evolu- feitas, a hipótese passa a ser considerada teoria geral,
ç ã o de um tronco comum a todas as espécies de plan- lei, quando aboslutamente confirmada por u m con-
tas e animais que ainda existem e que existiram no j u n t o enorme de factos e o b s e r v a ç õ e s , quando achado
passado e que se encontram nas camadas g e o l ó g i c a s o porquê, a causa de que procedem. Para o que res-
da t e r r a ; peita à astronomia, a h i p ó t e s e kepleriana t o i aceite
3. ° Da h i p ó t e s e formulada, ou de diversas hipó- como uma lei, isto é, como relação permanente entre
teses dadas, deduzem-se as c o n s e q u ê n c i a s , ou melhor factos, que se confirmou pelos séculos adiante; a i n -
as deduções (do l a t i m : inducere), que permitam pre- d u ç ã o de Newton à c ê r e a da g r a v i t a ç ã o universal se
dizer e prever novos factos atinentes à espécie estu- é hoje uma teoria provada, uma lei, é que os facto-s
dada. As h i p ó t e s e s dadas s e r ã o tanto mais correctas as o b s e r v a ç õ e s em a b u n d â n c i a a confirmaram na ge
e exactas quanto o forem as i n d u ç õ e s , — as generali- neralidade, ainda que alguns p a r e ç a m , à primeira vis-
ç õ e s , feitas; ta, c o n t r a d i t ó r i o s . Além de que, na conformidade do
4. ° Compararemos então as deduções com os factos m é t o d o exposto, a e x p r e s s ã o lei da gravitação n ã o nos
observados ou os f e n ó m e n o s provocados de acordo com parece absolutamente correcta, poisque a causa do fa-
o que ficou dito no § 1.°. Se n e c e s s á r i o fôr procede-se cto universal denominado Gravitação ainda n ã o foi
a novas o b s e r v a ç õ e s e e x p e r i ê n c i a s para verificar se a descoberta, apenas e s t á enunciada, somente entrevista
h i p ó t e s e e s t a r á conforme aos factos observados. E as- T a l é, em resumo, o m é t o d o hoje empregado por
sim se a c e i t a r á , r e j e i t a r á ou modificará a h i p ó t e s e le- todas as ciências que se prezam de exactas.
vantada a t é que, e m dado momento, na concordância
dos factos, se haja, finalmente, encontrado uma que M I L L — John Stuart ( 1 8 0 6 - 1 8 7 3 ) , famoso eco-
satisfaça plenamente e corresponda ao estado actual nomista e filósofo inglês filiado á escola filosófica
dos nossos conhecimentos. Assim, da h i p ó t e s e de Kepler de Auguste Comte. U m dos representantes mais emi-
288 P i: t E • K R O P O T K I N O ANARQUISMO K A CIÊNCIA MODERNA 289
nentes do " e m p i r i s m o " , isto é, do sistema baseado na de pensadores radicais. S ã o obras principais suas:
o b s e r v a ç ã o directa e na experiência dos factos. No Outline of a Rational System; T h e Book of the New
seu System of Logic admiravelmente desenvolveu a Moral World e Revolution in the Mind and Practice
teoria do m é t o d o indutivo-dedutivo que acima dei- o. the Human Race.
x á m o s exposta. P a r t i d á r i o em ética das ideias de J. •
Bentham, desenvolveu-as superiormente na sua ma- P R O U D H O N — Pierre Joseph (1809-1865). so-
gnífica obra Utilitarianism. É autor de muitas outras cialista francês, o crítico mais veemente do sistema
obras entre as quais: Principies of Politicai Economy; capitalista c do Estado, como de todas as doutrina-
Essay on Liberty (desta existe uma belíssima v e r s ã o estatistas e a u t o r i t á r i a s do comunismo e do socia-
portuguesa) e Representative Government. lismo. Do seu sistema mutualista dissemos o bas
tau te no texto desta obra (cap. I I da 2." parte) para
MOLESCHOTT — Jacob (1822-1893), fisiolo- n ã o termos de õ repetir nesta nótula. S ã o obras
gista materialista h o l a n d ê s . Escreveu em língua ale- principais de Proudhon Qu eot-ce que Ia Propriété?.
mã muitas obras populares para d i v u l g a ç ã o da filo- 1840; S y s t è m e des Contradictions Économiques, 184o
sofia materialista, no n ú m e r o das quais se destaca a L e s Confessions d'un révc!u*ionnaire, 1849; Idee Gén v
sua Kreislauf des Lebens (circulação da vida), publi- rale de la Revolution au X I X Síèrlc, 1849; De la Justice
cada em 1852, de que existe uma v e r s ã o francesa. dans la Revolution et dans 1'Église, 1858: De la Capa-
O W E N — Kobert (1771-1858), u m dos principais cite Politique des Classes ouvrièies, 1864. etc.
fundadores do socialismo moderno, especialmente u m
dos promotores do movimento cooperativo e da orga- R I C A R D O — David (1772-1823), economista in
nização o p e r á r i a que êle tentou, desde 1830-31, t o r - glês da escola que a ciência u n i v e r s i t á r i a denomina
nar n ã o só nacional, extensiva ao t e r r i t ó r i o inglês, de clássica. Depois de Adam Smith (vide adiante
mas internacional pelo que teve de sofrer persegui- é s t e nome), foi quem melhor defendeu a teoria da
ções inauditas. Por essa sua tentativa pode ser con- medida do valor pela quantidade de trabalho neces-
siderado como um dos precursores da A s s o c i a ç ã o I n - sária e igualmente uma teoria da renda do solo á>
ternacional dos Trabalhadores, a que j á bastas vezes quais os economistas u n i v e r s i t á r i o s atribuem certo
neste trabalho nos temos referido. Ensaiou fazer a valor científico. Sua obra principal: On the Princi-
aplicação dos seus princípios sociais em uma manu- pies of Politicai Economy and Taxation, publicada
factura e vila cooperativas publicando uma vasta em 1817 e de que uma v e r s ã o francesa se publicou
quantidade de escritos de propaganda e jornais popu em 1819.
lares. Com Fourier e Saint-Simon foi um dos t r ê s
grandes fundadores do socialismo v o l u n t á r i o , anti- R O U S S E A U — Jean Jacques (1712-1778). céle-
estatista e exerceu uma profunda influência sobre os bre filósoí ( escritor socialista francês. U m dos
e s p í r i t o s da época, principalmente na Inglaterra, onde precursores da Grande R e v o l u ç ã o ; por suas ideias de-
as suas ideias inspiraram a t é hoje u m grande n ú m e r o m o c r á t i c a s e d e í s t a s exerceu uma inegualável i n -
I' K T I N K ROPO T K I N 0 ANARQUISMO K A CIÊNCIA MODKRNA 291
fluência sobre os e s p í r i t o s n ã o só do seu tempo, (Ro aderiram os mais brilhantes e s p í r i t o s da época, pensa-
bespierre foi desse n ú m e r o ) , mas sobre os pensado- dores eminentes, entre os (piais podemos c i t a r : o filó
res radicais de todo o século X I X e ainda boje. atra sofo Auguste Comte o historiador Augustin T h i e r r y e
vés das suas obras, se sente a sua poderosa influên- o economista Leonard Sismondi, a l é m de um grande
cia. Pregou o regresso à vida simples e natural, à n ú m e r o de filantropos do século X I X . No § 2.° do
igualdade, à p r o c l a m a ç ã o das instituições d e m o c r á t i - cap. I I I desta nossa obra desenvolvemos as doutrinas
cas e republicanas; preconizou a necessidade de unia sociais dc Saint-Simon para onde remetemos o leitor.
sólida e d u c a ç ã o baseada no conhecimento cientifico Obras principais: S y s t è m e industriei, 1821-22: Caté-
a par de um trabalho manual e, finalmente, procurou chisme des industrieis, 1823; Opinions littéraires, phi-
assentar os fundamentos de uma religião natural (pie Iosophiques et índustrielles, 1825.
substituísse a Igreja cristã dominante. E m Leon
Tolstoi, o e x t r a o r d i n á r i o pensador russo que pode SCHELLING Friedrich (1775-1854). filósofo
ser, a certos aspectos, reivindicado como anarquista, a l e m ã o do período da reacção Tentou edificar um
teve Rousseau um ardoroso adepto. Obras principais si tema de filosofia natural que representasse a iden-
dc Rou seau : De l'origine de 1'inégalité parmi le$ hom- tificação da natureza e do e s p í r i t o e desse uma signi-
mes, 1753; Emile, 17<>2; L e Contrat Social, 1762; N o u - ficação mais real ao vocabulário metafísico empre-
velle Heloise, romance, 1759; Mes Confessions, obra gado por seu» antecessores no (pie. aliás, foi frus-
p ó s t u m a . Na Profession de foi d'un vicaire savoyard, trado.
um doi episódios mais n o t á v e i s do Emile, Rousseau
procura demonstrar a necessidade de uma religião t o - SÉGUIN Mare (178o-1875). engenheiro fran-
da pessoal, fundada exclusivamente na a d m i r a ç ã o da c ê s , inventor da caldeira tubular e autor de uma con-
Natureza e no sentimento interior. cepção das forças físicas (pie. em parte, o estudo das
vibrações do é t e r confirma. Vide adiante Teoria Me-
< A I N T - S I M O N — H e n r i Claude (1760-1825). um cânica do Calor.
dos grandes fundadores, com Fourier e Owen, do so-
cialismo do século X I X . Procurou basear as conclu- S M I T H — Adam (1723-1790). célebre economis-
sões socialistas a que chegara em um sólido estudo ta e filósofo escocês, discípulo de Hutcheson. conhe-
das relações e c o n ó m i c a s como se teem apresentado cido, sobretudo, como fundador da escola liberal da
nas sociedades humanas e nas leis do seu natural de- economia politica assente em bases científicas que
senvolvimento. A sua crítica do sistema e c o n ó m i c o magistralmente expôs a sua obra clássica The
n
capitalista foi t ã o arguta e de bases t ã o científicas Wealth of Nations (a riqueza das n a ç õ e s ) , publicada
que os que hoje se denominam "socialistas científi- • in 1778 e de que existem t r a d u ç õ e s em v á r i a s lín-
cos " ou marxistas nada trouxeram de novo, limita- guas, obra essa que gosou de uma justa r e p u t a ç ã o .
ram-se a seguir e repisar o que Saint-Simon deixara Nela o autor defendeu a tese de ser o trabalho a
escrito. E m F r a n ç a , à escola chamada s ã s i m o n i a n a . única fonte da riqueza social, desenvolveu a teoria
PETER K R O P O T K I N O ANARQUISMO E A CIÊNCIA MODERNA 293
do valor baseada nas leis da oferta e da procura, de.- m b a r a ç a d a das ideias estatistas e d i n á s t i c a s com
preconizou a ideia da liberdade do c o m é r c i o , a con- que. em geral, «is legislas e os historiadores, emhui-
c o r r ê n c i a elevada à altura de um principio e atacava daa ideia do direito romano, costumam adornar
OB o b s t á c u l o s múltiplos que os governos o p õ e m ao .as nar/açõc.s «pie nos d ã o dos p e r í o d o s primitivos das
natural desenvolvimento das i n d ú s t r i a s e do c o m é r - sociedade^ gaulesas, germanas, escandinavas, esla-
cio. Para Adam Smith, finalmente, a riqueza é o re- vas, etc. para afl distinguir dfta que eles classificam de
sultado do trabalho c o capital produto do trabalho bárbaras, durante «" apos , i queda do i m p é r i o romano.
acumulado. Assas conhecido como economista não o ts: Lettrcs sur 1'histoire de France, 1820:
é tanto como filósofo, a-pesar-de notabilíssima a sua Récits des Temps Mérovingicns, 1840; Histoire de la
obra T h e Theory of Moral Sentiments, publicada em Formation et des progrês du Tiers- Etat, 1853, abri-
1759. na qual expunha, com uma largueza de vistas ram uni n >vo caminho à i n t e r p r e t a ç ã o «la história da
pouco comum, a origem p r i m á r i a dos sentimentos F r a n ç a e da Europa em geral, que infelizmente, n ã o
morais que êle fazia derivar do princípio da simpatia foi seguida pela ciência Universitária. Com uma vas-
ta i nidição soube combinar admiravelmente as suas
para com os nossos semelhantes, simpatia essa que
Ulatas opiniões sobre história com unia arte descritiva
achava puramente natural no homem. Por demasia-
e d r a m á t i c a de poeta. Além das obras acima enume-
do ousada na concepção, a obra de Smith foi poster-
radas, publicou, em 1821. uma história da conquista da
gada a t é ao presente por todos os moralistas reli-
Inglaterra pelos normandos e uma colectânea de do-
giosos.
cumentos de alto valor para a formação da história
SPENCER — Herbert (1820-1003). eminente f i - do Terceiro Estado.
lósofo inglês, u m dos maiores pensadores do século
X I X . que expôs e desenvolveu um vasto sistema de T E O R I A M E C Â N I C A DO C A L O R — Uma das
filosofia evolucionista sintética a que já longamente maiores aquisições da ciência moderna. Esta teoria
nos referimos cm dois capítulos desta nossa obra. explica os diversos fenómenos do calor demonstrando
E ' longa a lista de suas obras, citaremos apenas as que são os resultados das vibrações das moléculas dos
principais que se acham traduzidas em f r a n c ê s : Pri- corpos físicos em que vemos a temperatura elevar-se.
meiros Princípios; Princípios de Biologia; Princípios Quando a soma dessas vibrações, invisíveis a olho nu,
por exemplo, em um pedaço de ferro, em um líquido
de Psicologia; Princípios de Sociologia; A Moral
qua! píer, ou em um ;, ás. podemos observar perfeita-
r
Evolucionista; A Educação; O Homem contra o E s -
mente o aumento de temperatura desse- c >rpos. í ) ca-
tado; Introdução à Ciência Social, etc.
lor é. portanto, um modo especial v i b r a t ó r i o do m o v i -
T H I E R R Y — Augustin (1795-1856). notável his- mei t o e todo •< a t r i t o produz u m aquecimento, calor.
toriador francês, discípulo de Saint-Simon. Foi quem Quando, por exemplo, vemos uma locomotiva em mo-
primeiro estudou, nas crónicas c documentos o r i g i - vimento parar dc repente a sua marcha, g r a ç a s ã a c ç ã o
nais, a história verdadeira das instituições primitivas de : iderosos freios de que é dotada, o movimento
P K T V. K KlO?OTRl M
O A N A R O I .SMO I A CIÊNCIA MODERNA 295
se transforma em fricção sobre os trilhos e vai rea-
parecer sob a forma de calor no aquecimento dos t r i - aplicações que encontra nas ciências p r á t i c a s e nas
lhos e das rodas donde vemos saireni faúlhas de fogo i n d ú s t r i a s . A o sábio a l e m ã o F r e d é r i c Mohr (1806-
(jue outra cousa n ã o s ã o senão p a r t í c u l a - de ferro 1879) se deve. eni 1837. uma notável m e m ó r i a sobre
aquecidas e arrancadas a o s trilhos. , natun ui do Ctloi (Ueber die Natur der Warme).
A quantidade exacta de movimento necessário Da importância dos trabalhos científicos deste sábio
para elevar a temperatura de u m l i t r o de á g u a a um dá conta a obra de Buchner, L u a e Vida, — na
grau c e n t í g r a d o chama-se " o equivalente mecânico conferência acerca da circulação das forças.
do calor". A teoria mecânica do calor j á havia sido
entrevista no século X V I I I e n ã o apenas entrevista, V O G T — K a r l (1817-1895). naturalista suíço, po-
mas a t é formulada com certa precisão. Mais tarde, lítica» «• professor de geologia » zoologia. Tomou
t
na segunda década do século X I X , foi expressa posi- parte activa na r e v o l u ç ã o de ISIS na Alemanha. A u -
tivamente pelo engenheiro francês Mare Seguiu S é - tor de várias obras científicas de filosofia materia-
nior, homem de grande talento mas incompreendido lista, de (pie foi u m excelente vulgari/ador, fez se u m
do seu tempo c do seu meio e que. porisso. os con- denodado c a m p e ã o das doutrinas evolucionistas de
t e m p o r â n e o s n ã o o souberam apreciar devidamente. D a r w i n logo (pie foi publicada a obra deste sobre a
E m uma nota á t r a d u ç ã o francesa da obra de Groye. o r i g e m das espécies em 1859. Dentre muitas obras
— Corrélation des Forces Physiques, — Séguifl obsei que publicou distinguem-se: A f é do mineiro e a
vou que j á no ano de 1800 u m t i o seu. o " c i d a d ã o Ciência (Kóhlerglaube und Wissenschaft) (pie forte
M o n t g o l f i e r " proclamava "que o movimento n ã o influência exerceu no p e r í o d o do despertar das ciên-
pode ser aniquilado nem criado, que a força e o caló- cias naturais (1856-1862). Publicou ainda, traduzi-*
rico s ã o m a n i f e s t a ç õ e s , sob formas diversas. d< uma em M I M Lessons sur l'Homme; Lettres Zooio-
giques etC
só e mesma causa".
O médico a l e m ã o . Robert Mayer (1814-1878). foi
talvez o primeiro que em 1842 formulou, de uma ma- W A L L A C E — A l f r e d Russel (1822-1913). n o t á v e l
neira precisa, clara e completa, a teoria mecânica do naturalista inglês que. ao mesmo tempo que D a r w i n ,
calor, mas aconteceu-lhe o mesmo que a Seguiu. — expunha j á em 1857, em uma m e m ó r i a que enviava
n ã o foi compreendido; os sábio- daquele tempo re- da Asia. aonde fora fazer estudos naturalistas, a
cusaram-se a aceitar-lhe as teorias científicas. Joule teoria da evolução das espécies pela selecção natural
(vide seu nome neste Glossário) em 1856 procedeu a na luta pela vida. Daí o ser considerado u m emulo
n o t á v e i s experiências para a medição do equivalente de Darwin e a sua obra Darwinism, publicada em
mecânico do calor, ãfaa somente em 1860 é que es- 188°, é uma a d m i r á v e l exposição científica da m a t é r i a
ta teoria científica, (pie representa a maior com, em forma acessível. S ã o ainda obras n o t á v e i s suas:
da ciência do século X I X , foi compreendida e conver- The Malay Archipelago, 186°: Contributions to the
tida em doutrina corrente pelo grande n ú m e r o de theory*of Natural Selection, 1855-70. P a r t i d á r i o que
fora na sua mocidade das ideias de Robert Owen. de-
I* !. T K k K k O P O T K I N
o MARXISMO K
SES r DEPOIS
fendia ainda nos ú l t i m o s anos dc sua vida. o prin- MARX — de Var
cípio da nacionalix.ac.ao do solo. E m 1875 publicou Tcherkesoff
um m e m o r á v e l estudo sobre os f e n ó m e n o s psíquicos Dctte livro. que .ir.i'i.1
anormais, — On M i r a c l c and M o d e r n Spiritu&lism, aer editado pela Biblioteca P
metheti. constam, alem de V
que causou s e n s a ç ã o no mundo intelectual pela sua l i o u documentação aobre
inteira a d e s ã o á s doutrinas dominantes do espiritua- origois <|i> marxismo, dc V
Ian Tcherkesoff. doi» out
lismo científico. importante» trabalhos dc Pa
Cilie c Rodolfo Rocker, tol
o mesmo asttiTo.
X A M A N E S — De xamanismo que, por influên-
A DÔR U N I V E R S A L —
cia franee a, alguns escrevem chaman, chamar; ismo, de S e b a s t i ã o F a u r e
mu que OfientaHatas mais autorizados escrevem xa-
Xova «liçío. cm papel tu
man, xamanismo. E' o nome com que se designam perior. grande formato, co
um prefacio de Jt>*i Oitici
os bruxos e feiticeiros das v á r i a s populações do desta olira em que Schattiã
X o r t c da Asia. S u p õ e - s e terem c o m é r c i o com as r- Fanrc demonstra, com argu
mento» intofismaveia, onde et
cas negras da Natureza c mediante as p r á t i c a s dc que tão e o o I I S a« cautas do ma
Mtar t daa inquictaçõet hu
usam idmite-se terem o |K»der dos esconjuras e los mana .
encantamentos para afastar toda a espécie de infor- 1 groato vol. . . . 8$00n
t ú n i o s . As modernas teorias do Ocultismo pretende-
r ã o explicar melhor o facto! COMUNISMO LIBER-
T Á R I O — de E r r i c o
Malatesta
CLERO E FASCISMO
— MORDA DE l*.M-
BRUTECEDOREal —
de M a r i a Lacerda de
Moura
I vnl n$000
O EVANGELHO DA
H O R A — de Paulo
Bertheiot