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Audiolivro e história das tecnologias

de gravação e reprodução sonora: um produto em construção1


DALMOLIN, Aline Roes2
MARONEZ, Indira Tatsch3
UFSM/RS

Resumo: O artigo procura discutir o audiolivro em sua relação com a história das tecnologias de
gravação e reprodução sonora. Trata-se de um produto que vem se firmando no mercado editorial
brasileiro dentre um público geral, mas que conta com presença consolidada como tecnologia assistiva
dentre os deficientes visuais. Através de pesquisa bibliográfica, o texto elenca as principais tecnologias de
gravação e reprodução utilizadas ao longo da história para a gravação de audiolivros, destacando como
essas condicionaram os usos e as apropriações por seus usuários. Por fim, destaca-se o momento atual,
pontuado pela presença dos dispositivos e formatos digitais, que promovem uma profunda reconfiguração
na presença dessa tecnologia no contexto brasileiro.

Palavras-chave: história da mídia sonora; audiolivro; formatos de áudio; gravação sonora; tecnologias
em áudio

Introdução

Mesmo após quase quatro décadas presentes no país, os audiolivros ainda


carecem de pesquisas que auxiliem a compreensão de sua estrutura, dos seus potenciais
narrativos e suas adequações ao contexto contemporâneo da convergência e público
ouvinte. Embora não seja uma novidade, o audiolivro tem recebido cada vez mais
atenção no contexto da convergência, em função das possibilidades advindas com as
narrativas hipermidiáticas e com a pluralização dos suportes e formatos de gravação e
reprodução sonora.
Nos Estados Unidos, a produção e consumo de audiolivros é uma prática
cristalizada. O país possui o maior mercado de audiolivros do mundo, com vendas
estimadas em 1,2 bilhões de dólares anuais, conforme dados de 2011 da Audio
Publishers Association (NEWMANN, 2013). Já no Brasil o mercado de audiolivros

1 Trabalho apresentado no GT de História da Mídia Sonora, integrante do 10º Encontro Nacional de


História da Mídia, 2015.
2 Doutora e Mestre em Ciências da Comunicação pela Unisinos, professora do Departamento de Ciências
da Comunicação da UFSM, email: dalmoline@gmail.com.
3
Graduada em Comunicação Social – Produção Editorial pela Universidade Federal de Santa Maria,
email: indiramaronez@gmail.com.
ainda é pequeno. De acordo com um levantamento de novas empresas interessadas em
apostar nesse segmento, existem entre 600 e 1.000 títulos em áudio no Brasil
(MEIRELLES, 2014). Esse levantamento leva em consideração apenas publicações
formais e comerciais, pois não há como contabilizar a quantidade de audiolivros
caseiros e/ou de acesso livre, disponíveis no país.
Apesar de no país o audiolivro ser um produto conhecido principalmente pelo
propósito de atender às pessoas com deficiência visual, Aquino (2008) lembra que, aos
poucos, o consumo tem se disseminado, principalmente nas grandes cidades, onde as
pessoas passam mais tempo no trânsito do que em outras tarefas. Ou seja, o audiolivro
vem despertando interesse dos consumidores e se firmando como um novo produto
também no mercado editorial brasileiro.
Do ponto de vista tecnológico, a disponibilização destas obras tem sido afetada
positivamente nos últimos anos pelo avanço das tecnologias da informação e da
comunicação. Costa (2004) explicam que a difusão de extensões como .wma, .mp3 e
.wave facilitam a transmissão dos áudios por suportes digitais ampliando a abrangência
da produção. A sintetização e o caráter multitarefa dos dispositivos móveis permitem o
consumo em telefones celulares, players digitais, smartphones, tablets e rádios de carro.
Através de pesquisa bibliográfica, o artigo busca elencar as principais
tecnologias de gravação e reprodução utilizadas ao longo da história para a gravação de
audiolivros, destacando como essas condicionaram os usos e as apropriações por seus
usuários. Em um primeiro momento, busca-se definir os principais sentidos e
conceituações resguardadas pelo termo, seguido pela análise de um breve histórico das
tecnologias de gravação e reprodução de áudio. Por fim, destaca-se o momento atual,
pontuado pela presença dos dispositivos e formatos digitais, que promovem uma
profunda reconfiguração na presença do audiolivro no contexto brasileiro, demarcando
um cenário pleno de potencialidades e desafios aos produtores editoriais.

Os sentidos do audiolivro

Para compreendermos o contexto no qual se inscrevem os audiolivros, é


necessário considerar o modo como essas tecnologias são usadas pelos humanos e que
tipo de apropriação são feitas por indivíduos e grupos (GONÇALVES e BARBOSA,
2014, p.2). Os leitores, no contexto do livro impresso tradicional e da cultura escrita,
estão habituados a priorizar o sentido visual. Já as gravações sonoras priorizam a voz
humana. As imagens visuais são formadas na mente do leitor a partir de impressões
causadas pelos sons, pelas palavras vindas da voz, e, principalmente, pelas metáforas, as
comparações com o contexto. Nesse contexto, “a tecnologia fonográfica aparece como
uma forma de distribuir, armazenar e distribuir textos, mas sempre em relação, em
conjunção com as demais mídias, o que tem reflexo também nas práticas de audioleitura
(GONÇALVES e BARBOSA, 2014, p.7).”
Como se pode perceber, a forma de ler um audiolivro é bastante diferente da
leitura em suporte impresso. Por isso, hoje são diversas as formas de abordar o registro
do áudio e a interpretação na leitura ou locução de um texto literário dando origem a
diferentes tipologias e formatos de livros em áudio. Os deficientes visuais o utilizam,
assim como as pessoas de visão normal, com várias finalidades: educacionais, para
absorção de conhecimento ou apenas como entretenimento.
Gonçalves e Barbosa (2014) propõem reconhecer as tecnologias sonoras como
tecnologias textuais, trabalhando a ideia de mistura entre os universos oral e escrito.
Conforme os autores, a incorporação das tecnologias digitais ao contexto do livro e da
leitura propõem um deslocamento dos novos tipos de construções que nos levam
compreender o texto como um conceito de enredamento dos materiais, sem fazer
referência a nenhum material específico, que reporta diretamente à raiz etimológica da
palavra “texto”: o termo texere – “tecer”, em latim (GONÇALVES e BARBOSA,
2014). Já a etimologia da palavra “livro”, por sua vez, nos levaria ao sentido oposto, o
do texto relacionado a uma materialidade, pois sugere algo escrito ou impresso, um
documento em pranchas ou folhas (BERNSTEIN, 2011). A concepção do audiolivro
vem a implodir o conceito de “texto” como algo estritamente relacionado ao universo da
escrita e do impresso tradicional e, assim como o livro digital, explorar outros suportes,
formatos e materialidades.
Segundo alguns autores, é necessário considerarmos a distinção terminológica
entre audiolivro e livro falado. Jesus (2011) sustenta que os livros falados não
apresentam nenhum tipo de interação, sons relacionados à história, nem mesmo
emoções, na voz do leitor. O motivo pelo qual apresentam essa técnica, conhecida como
leitura branca é a não influência na imaginação do ouvinte, por isso mais destinada ao
público deficiente visual, que, assim como um leitor visual, tende a deixar a imaginação
lhe guiar através da leitura. Portanto, considera-se o livro falado como uma tecnologia
assistiva, assim como os livros lidos através de softwares específicos para traduzir
textos escritos em sons, como o Dosvox4. Já o audiolivro pressupõe um desdobramento
artístico de uma obra literária, acompanhado por uma carga de emoção na leitura
(JESUS, 2011). Menezes e Franklin (2008) os diferenciam de uma maneira simples:

[...] o audiolivro diferencia-se do livro falado devido à transmissão de


emoções facilitadas pelo recurso de multimídias apresentado; enquanto o
livro falado apresenta apenas uma leitura branca [...], que significa uma
leitura simples, objetiva, sem maiores expressões em sua narrativa, sob o
interesse de representar o livro em tinta da forma mais fiel possível
(MENEZES; FRANKLIN, 2008, p. 62).

As práticas de leitura e produção de audiolivros5 também podem sugerir uma


outra distinção terminológica em seu contexto como tecnologia assistiva: entre ledores e
leitores. Desde o surgimento do livro falado no Brasil, em 1970, chamam-se de
“leitores” os deficientes visuais que leem ou escutam audiolivros, enquanto os “ledores”
são aqueles que leem os livros em voz alta (JESUS, 2011).

Audiolivro e histórico das tecnologias em áudio

Antes do surgimento do livro como objeto, o conhecimento já era transmitido


através da narrativa, pelos chamados contadores de histórias. Os sons, além das
palavras, também eram reproduzidos, mesmo antes da linguagem verbal existir, as
histórias eram contadas por meio de barulhos produzidos por batidas nas pedras e
troncos (EPSTEIN, 2002, p.11). Sendo assim, o termo audiolivro e sua
instrumentalização é algo atual, entretanto, seus propósitos são antigos.
Livro e oralidade estão mais unidos do que a princípio podemos imaginar. O ato
de ler um texto em voz alta é uma prática intimamente relacionada ao próprio
4
Segundo a página do projeto, ele é um sistema para microcomputadores que se comunica com o usuário
através de síntese de voz, viabilizando o uso de computadores pelos deficientes visuais, que adquirem um
alto grau de independência no estudo e no trabalho. Realiza a comunicação através de síntese de voz em
português, podendo ser configurado para transpor os textos também para outros idiomas. Disponível em:
<http://intervox.nce.ufrj.br/dosvox/>. Acesso em: 4 dez 2014.
5
Para fins práticos, a partir desse ponto do artigo, trataremos ambos os termos de forma indistinta, uma
vez que não está em nossos propósitos considerar aspectos que reportem à distinção entre ambos os
termos.
surgimento do livro enquanto tecnologia, muito antes mesmo desse se constituir no
formato que hoje conhecemos: o códice, constituído pela reunião de folhas dispostas em
cadernos, posteriormente colados e amarrados. A própria configuração do objeto
conforme sua apresentação anterior, seja em tábuas de argila ou rolos de pergaminho,
eram estruturadas pelo princípio de que seriam lidos em voz alta, para um público
reunido em seu entorno.
O audiolivro – enquanto tecnologia de reunir textos recitados não mais por um
ledor físico, mas por um suporte de gravação sonora – surge de forma concomitante ao
próprio surgimento das tecnologias de gravação. Nasce juntamente com o fonógrafo,
uma das primeiras tentativas exitosas de gravar os sons de maneira mecânica, que
também tinha a capacidade de reproduzir o que gravava. Cabe lembrar que o fonógrafo
em seus princípios repetia o padrão de outras tecnologias, da mesma forma que o livro
impresso pela prensa de Gutemberg possuía muitas características em comum ao seu
predecessor, o livro manuscrito (RUBERY, 2013 apud GONÇALVES e BARBOSA,
2014).
Desde a criação da primeira tecnologia de gravação e reprodução sonora a se
popularizar, estava prevista a possibilidade desta ser usar para a gravação e reprodução
de livros. Ao patentear o produto, em 1877, Thomas Edison incluiu a potencialidade
deste reproduzir “livros falantes para cegos” dentre os usos para sua nova invenção
(PICCINO, 2010)6. Além disso, conforme lembram Gonçalves e Barbosa (2014), a
própria terminologia dos aparatos traz contida essa relação: fonoautógrafo, fonografia,
gramofone, grafofone, entre outros, são termos que resguardam a conjunção semântica
entre as tecnologias da escrita e da gravação sonora.
Pinto (2012) estrutura a compreensão da evolução das tecnologias de gravação
sonora a partir de três períodos: 1) gravações acústicas; 2) gravações elétricas e 3)

6
Seguem as funcionalidades previstas na patente do fonógrafo, conforme declaração à North American
Cientific Review: “1) escrever cartas e toda espécie de ditado; 2) livros falantes para cegos; 3) ensino de
elocução; 4) reprodução musical; 5) registros familiares: anotações de poupança,lembranças de família
pelas vozes de seus componentes e mesmo as últimas palavras de pessoas moribundas; 6) brinquedos:
bonecas falantes, etc.; 7) relógios falantes; 8) preservação da linguagem, através da reprodução da
pronúncia exata; 9) preservação das explicações faldas de professores de modo que os alunos pudessem
recorrer a elas quando desejassem; 10) conexão como telefone para fazer deste instrumento auxiliar na
transmissão de gravações permanente s e valiosas em vez de recipientes de momentâneas e fugazes
comunicações.(PICCINO, 2010, p. 2, o grifo é nosso)”
gravação digital. A primeira fase vai do patenteamento do fonógrafo, no final do século
XIX, aos primeiros anos do século XX, a segunda, a partir dos anos 1920; e a terceira,
tem início aproximado nos anos 1960.
Na época das gravações acústicas, o qual os equipamentos de gravação e
reprodução só podiam ser adquiridos por grandes corporações e se destinavam
principalmente a fins comerciais; a operacionalização dos equipamentos requeria
pessoal altamente especializado, os chamados recordists, responsáveis por conduzir o
processo de captura do áudio, que ocorria com alto grau de dificuldade uma vez que não
existiam o que modernamente entendemos como estúdios de gravação. Na gravação
acústica
as gravações são feitas sem o uso de eletricidade, não há válvulas e no lugar
do microfone é usado um grande cone metálico. Daí o nome gravação
mecânica. Na extremidade do cone um diafragma vibra e uma agulha sulca
nos cilindro vibrações análogas. Girados em sentido contrário no fonógrafo
percorrem o sentido inverso, fazendo o cone ou corneta amplificar o som do
diafragma (PICCINO, 2010, p. 11).

Muitas das gravações eram feitas com vários equipamentos ligados, com o
intuito de ser selecionado o material que obtivesse a melhor qualidade de gravação –
uma espécie de “tentativa e erro” (PINTO, 2012). Esses empecilhos, enfrentados por
aqueles que adentravam no difícil campo das gravações musicais, dificultavam a
gravação de audiolivros, que só se concretizariam mais tarde.
A partir das técnicas de gravação elétricas, são introduzidas importantes
modificações que adicionam considerável padrão de fidelidade sonora ao processo. Em
meados dos anos 1920, os antigos recordists foram substituídos pelos engenheiros de
gravação, cuja função era captar toda a nuance do som através de microfones de
captação elétrica em estúdios cuidadosamente construídos. Isso proporcionou uma
gravação com uma maior amplitude de frequência captada e menor nível de distorção
sonora (MORTON, 2006). A melhoria no padrão também foi afetada pelo uso da
gravação magnética, utilizada na Europa a partir da década de 1930, que proporcionava
um barateamento na produção e o uso de fitas reutilizáveis. Já nos anos 1950, a edição
sonora aperfeiçoa-se com a técnica de overdub, que consiste em fazer uma gravação em
duas ou mais partes, mixando-as depois para gerar a gravação final (PINTO, 2012).
Essas sensíveis mudanças tecnológicas nas técnicas de gravação sonora
proporcionam ao audiolivro consolidar-se em um produto viável e de apelo junto ao
público, sobretudo com os deficientes visuais nos Estados Unidos e na Europa.
Portanto, a idealização de Edison em torno do fonógrafo como um equipamento que
possibilitava a gravação da leitura em voz alta de textos só se concretizaria na fase das
gravações elétricas, sobretudo a partir de um equipamento específico para os deficientes
visuais.
No entanto, apesar do otimismo de Edison com sua invenção e a sua ideia de
um phonographic book, somente cerca de 50 anos depois que se daria o
início de uma produção do livro falado e da popularização de um formato
semelhante, ao menos entre os deficientes visuais nos Estados Unidos. Isso
porque somente em 1934 seria lançado a talking book machine, exclusivo
para o uso de pessoas cegas. Tal modelo incluía ainda fones de ouvido e a
função de rádio (OLIVEIRA, 2013, p. 12).

A American Foundation for the Blind (AFB), nos Estados Unidos, e a Royal
National Institute of Blind People (RNIB), na Inglaterra, centralizaram o processo de
distribuições dos audiolivros como tecnologia assistiva e como alternativa à leitura em
braile. The murder of Roger Ackroyd, de Agatha Christie, adaptada em 1935 para a
linguagem sonora, e a peça Anna Christie, do dramaturgo Eugene O’Neill, de 1937 são
algumas das primeiras gravações distribuídas, respectivamente, pela instituição inglesa
e norteamericana.
No que tange ao desenvolvimento dos suportes sonoros, além da maior
fidelidade da gravação, o fator tempo também será um condicionante para o processo de
acoplamento das tecnologias de gravação em áudio ao livro sonoro. Aquele que nos
primeiros tempos serviam como suporte para as gravações sonoras, os cilindros de cera
ou metal, duravam apenas alguns minutos, impossibilitando a gravação de textos
maiores que um poema. Um outro momento se dá com o surgimento dos discos,
inicialmente lançados no mercado fabricados em vulcanite (espécie de polímero natural
semelhante à borracha), depois acetato e, na década de 20, em vinil, material que se
popularizaria como padrão até os dias atuais. No entanto, os primeiros discos ainda não
garantiam a gravação de textos longos, em função de que a rotação inicial de 76 RPM
dos discos de 10 polegadas, mais tarde padronizada em 78, proporcionava a cada disco
comportar, em média, 3 minutos de gravação em cada lado. O que era pouco para servir
como suporte para a gravação de um romance inteiro7, cuja leitura pode durar várias

7
Para se ter uma ideia, cerca de 1h 30min é o tempo médio de duração de um audiolivro de uma obra
relativamente breve para os padrões de um romance, como O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint
horas. Por sua vez, o long play (LP) acena para essa possibilidade.

Em 1948 o Engenheiro da Columbia Peter Goldmark. desenvolve o


microssulco (cavidades bem mais estreitas por onde a agulha o toca-discos
percorre) que associado à já existente rotação de 33 1/3 RPM permite que se
grave de 15 a 20 minutos de cada lado contra os 4 minutos do sistema de 78
rpm.Esta possibilidade permite ao artista gravar de oito a dez músicas ao
invés das duas do sistema anterior que, além da flexibilidade maior de tempo
nas composições (pode-se então ouvir uma sinfonia inteira semintervalos
para trocar oito vezes de disco) (PICCINO, 2010, p. 20).

Como salienta Oliveira (2013), o próprio desenvolvimento do long play traduz


uma relação com a necessidade específica dos livros falados por uma tecnologia capaz
de reproduzir um maior tempo de gravação. O autor cita as palavras de Frank L. Dyer,
um dos detentores de patentes no campo da fonografia, a respeito das potencialidades
daquele formato.
Será possível fazer uma gravação de estórias de considerável duração; Será
possível em dois ou três discos dupla-face gravar um romance inteiro, já que
três discos representariam seis horas de sólida leitura; e será possível gravar
em um disco de tamanho bem pequeno uma seleção muito maior do que
possivelmente pode ser gravado e satisfatoriamente reproduzido sob as
condições existentes nos discos de tamanho padrão. Meu disco aperfeiçoado
será especialmente aceitável para os cegos, para quem a leitura pelos métodos
existentes é tediosa e insatisfatória (DYER, 1926, p.1 apud OLIVEIRA,
2013, p. 13).

Ainda na fase das gravações elétricas, um outro momento se dá no final da


década de 1970: primeiros gravadores de quatro pistas em fita cassete (os porta-
estúdios) aparecem no mercado, proporcionando o acesso do artista à gravação caseira
de seus trabalhos (PINTO, 2012). A fita cassete (K-7), desenvolvida pela Phillips e
lançada em 1963, constitui-se de dois carretéis plásticos pelos quais passa uma fita
magnética, dentro de uma estrutura do mesmo material, que permite em média 30
minutos de música de cada lado. Através do aparelho de casa ou dos conhecidos
Walkman era possível escutá-las ou gravar o que estava sendo transmitido nas rádios.
Por muitos anos foi a melhor alternativa tecnológica para a transmissão do áudio
gravado.
Essa mudança configurou uma transformação nas práticas relacionadas ao
audiolivro, uma vez que não havia mais a necessidade do leitor confinar-se em frente ao
aparelho para ouvir o produto. O audiolivro se movimenta junto com o leitor nas

Exupéry.
atividades diárias, sendo que essa característica, fundamental para sua popularização na
época, ainda permanece como essencial mesmo na atualidade. Conforme pesquisa de
2013, desenvolvida pela Bowker (empresa de pesquisa do mercado editorial) nos
Estados Unidos, cerca de 47% dos entrevistados usuários do produto costumavam ouvir
os audiolivros no carro, enquanto 25% o faziam ao realizar os trabalhos domésticos
enquanto 23% escutavam-nos na prática de exercícios físicos (NEWMAN, 2013).
A audição de livros em cassete viria a ser consagrada no mercado editorial nos
anos 1970, desdobrando-se na década seguinte através da criação do CD como mídia de
áudio digital para produção em massa, em 1982. Com o suporte, a alta fidelidade tão
buscada parece, enfim, ter sido alcançada: a captação da amplitude de frequências
audíveis (20 a 20.000 Hz) sem distorções ou ruídos mensuráveis (PINTO, 2012).
Segundo o autor, tentativas de gravação digital já vinham sendo realizadas desde a
década de 1930, mas apenas a partir de 1967 os avanços com a gravação digital
tornaram-se mais visíveis, tendo como mídias as fitas de vídeo comerciais (VHS e
Betamax) e os discos de vídeo laser. Estas experiências convergiram para o CD
popularizar-se nos anos 1990 como mídia, ao lado dos gravadores digitais mais baratos
com registro magnético (ADAT e VS-880) que melhoram o potencial das gravações em
estúdios caseiros e profissionais tornando realidade a gravação digital dos audiolivros
(PINTO, 2012).
Contudo, na transição dos anos 1990 para os 2000, o surgimento dos primeiros
players portáteis para a audição de arquivos em formatos MP3, viriam a reconfigurar
novamente a caracterização do suporte preferencial para a reprodução dos audiolivros.
Em 2002, os livros falados começaram a ser disponibilizados para download na internet
através de arquivos de MP3. Isso possibilitou, conforme Rubery (2011), que a gravação
de obras como Guerra e Paz, de Leon Tolstói, requisitasse apenas um arquivo digital,
composto por bytes de informação para ser ouvido em um IPod, em vez de 119 discos
de long play, 45 fitas cassetes ou 50 CDs.
Nos últimos anos, as vendas de audiolivros nesse formato vem crescendo
consideravelmente, sendo que nos Estados Unidos já vendem mais do que os CDs
dentre os formatos comercializados, tendo crescido das taxas de 49%, em 2009, para
58% das unidades vendidas em 2011, conforme dados da Audio Publishers Association
(NEWMAN, 2013). Além da eliminação da necessidade do suporte material, a chegada
do digital implodiu a exigência do próprio arquivo físico, pois além da possiblidade do
download, de baixar os arquivos de áudio, a reprodução via streaming oferece outra
possibilidade de consumo de audiolivros. A esse movimento podemos correlacionar
com a própria implosão que as tecnologias digitais provocam no próprio conceito do
livro (BEIGUELMAN, 2013).
Charles Bernstein (2011) salienta que a nova fronteira para o audiolivro em
quaisquer de suas extensões digitais (podcasts, downloads, experiências em audioarte)
não é o de ser preenchido com a característica textual de uma nova mídia, mas de criar e
assumir novas características com base no novo contexto no qual ele se perfaz. Esse é o
contexto que se darão novos trabalhos em áudio criados especialmente para esse meio,
tirando proveito das gravações já existentes mas também criando algo novo. Diante
desse novo campo de possibilidades, talvez esteja no momento de pensarmos na
eminência de uma “nova cultura do ouvir”, como clama Norval Baitello (1999), como
alternativa de explorar a função da audição no contexto de uma cultura da visualidade.

Considerações finais

O tempo passa e a velocidade com que ocorrem as mudanças tecnológicas,


chega a assustar. Antigamente levava alguns anos para que essas mudanças pudessem
atingir a população comum; hoje as transformações levam meses, ou apenas semanas,
para serem incorporadas ao cotidiano das pessoas, pois o processo de desenvolvimento
tecnológico e as transformações sociais estão intimamente relacionados. A evolução das
tecnologias sonoras exemplifica o ritmo exponencial com o qual novos suportes e
formatos foram sendo incorporados ao cotidiano dos usuários, do fonógrafo aos
arquivos digitais.
Um círculo virtuoso se formou em torno das possibilidades para o audiolivro
como um produto a partir das novas tecnologias digitais. As tecnologias de gravação e
reprodução amplificaram exponencialmente a qualidade do áudio gravado. A
acessibilidade e o barateamento dos recursos técnicos destes possibilitaram o
surgimento de novos produtores, que através da web podem disponibilizar, praticamente
em tempo real, novos títulos de audiolivros para download ou na nuvem. Os
dispositivos móveis e a convergência tecnológica proporcionaram a possibilidade dos
audiolivros serem disponibilizados em múltiplas plataformas – no rádio do carro, em
tablets, smartphones, reprodutores de áudio digital – fazendo com que a leitura de uma
obra seja possível nas mais diferentes instâncias e com o leitor envolvido no texto no
mesmo tempo que desempenha as mais variadas atividades. Essas questões,
acompanhadas do fato de que cada vez temos menos tempo livre e disponibilidade para
a leitura, fazem do audiolivro uma das melhores e mais eficazes formas de divulgar o
prazer de ler, tanto por deficientes visuais como por aqueles que enxergam
normalmente.

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