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Resumo: O artigo procura discutir o audiolivro em sua relação com a história das tecnologias de
gravação e reprodução sonora. Trata-se de um produto que vem se firmando no mercado editorial
brasileiro dentre um público geral, mas que conta com presença consolidada como tecnologia assistiva
dentre os deficientes visuais. Através de pesquisa bibliográfica, o texto elenca as principais tecnologias de
gravação e reprodução utilizadas ao longo da história para a gravação de audiolivros, destacando como
essas condicionaram os usos e as apropriações por seus usuários. Por fim, destaca-se o momento atual,
pontuado pela presença dos dispositivos e formatos digitais, que promovem uma profunda reconfiguração
na presença dessa tecnologia no contexto brasileiro.
Palavras-chave: história da mídia sonora; audiolivro; formatos de áudio; gravação sonora; tecnologias
em áudio
Introdução
Os sentidos do audiolivro
6
Seguem as funcionalidades previstas na patente do fonógrafo, conforme declaração à North American
Cientific Review: “1) escrever cartas e toda espécie de ditado; 2) livros falantes para cegos; 3) ensino de
elocução; 4) reprodução musical; 5) registros familiares: anotações de poupança,lembranças de família
pelas vozes de seus componentes e mesmo as últimas palavras de pessoas moribundas; 6) brinquedos:
bonecas falantes, etc.; 7) relógios falantes; 8) preservação da linguagem, através da reprodução da
pronúncia exata; 9) preservação das explicações faldas de professores de modo que os alunos pudessem
recorrer a elas quando desejassem; 10) conexão como telefone para fazer deste instrumento auxiliar na
transmissão de gravações permanente s e valiosas em vez de recipientes de momentâneas e fugazes
comunicações.(PICCINO, 2010, p. 2, o grifo é nosso)”
gravação digital. A primeira fase vai do patenteamento do fonógrafo, no final do século
XIX, aos primeiros anos do século XX, a segunda, a partir dos anos 1920; e a terceira,
tem início aproximado nos anos 1960.
Na época das gravações acústicas, o qual os equipamentos de gravação e
reprodução só podiam ser adquiridos por grandes corporações e se destinavam
principalmente a fins comerciais; a operacionalização dos equipamentos requeria
pessoal altamente especializado, os chamados recordists, responsáveis por conduzir o
processo de captura do áudio, que ocorria com alto grau de dificuldade uma vez que não
existiam o que modernamente entendemos como estúdios de gravação. Na gravação
acústica
as gravações são feitas sem o uso de eletricidade, não há válvulas e no lugar
do microfone é usado um grande cone metálico. Daí o nome gravação
mecânica. Na extremidade do cone um diafragma vibra e uma agulha sulca
nos cilindro vibrações análogas. Girados em sentido contrário no fonógrafo
percorrem o sentido inverso, fazendo o cone ou corneta amplificar o som do
diafragma (PICCINO, 2010, p. 11).
Muitas das gravações eram feitas com vários equipamentos ligados, com o
intuito de ser selecionado o material que obtivesse a melhor qualidade de gravação –
uma espécie de “tentativa e erro” (PINTO, 2012). Esses empecilhos, enfrentados por
aqueles que adentravam no difícil campo das gravações musicais, dificultavam a
gravação de audiolivros, que só se concretizariam mais tarde.
A partir das técnicas de gravação elétricas, são introduzidas importantes
modificações que adicionam considerável padrão de fidelidade sonora ao processo. Em
meados dos anos 1920, os antigos recordists foram substituídos pelos engenheiros de
gravação, cuja função era captar toda a nuance do som através de microfones de
captação elétrica em estúdios cuidadosamente construídos. Isso proporcionou uma
gravação com uma maior amplitude de frequência captada e menor nível de distorção
sonora (MORTON, 2006). A melhoria no padrão também foi afetada pelo uso da
gravação magnética, utilizada na Europa a partir da década de 1930, que proporcionava
um barateamento na produção e o uso de fitas reutilizáveis. Já nos anos 1950, a edição
sonora aperfeiçoa-se com a técnica de overdub, que consiste em fazer uma gravação em
duas ou mais partes, mixando-as depois para gerar a gravação final (PINTO, 2012).
Essas sensíveis mudanças tecnológicas nas técnicas de gravação sonora
proporcionam ao audiolivro consolidar-se em um produto viável e de apelo junto ao
público, sobretudo com os deficientes visuais nos Estados Unidos e na Europa.
Portanto, a idealização de Edison em torno do fonógrafo como um equipamento que
possibilitava a gravação da leitura em voz alta de textos só se concretizaria na fase das
gravações elétricas, sobretudo a partir de um equipamento específico para os deficientes
visuais.
No entanto, apesar do otimismo de Edison com sua invenção e a sua ideia de
um phonographic book, somente cerca de 50 anos depois que se daria o
início de uma produção do livro falado e da popularização de um formato
semelhante, ao menos entre os deficientes visuais nos Estados Unidos. Isso
porque somente em 1934 seria lançado a talking book machine, exclusivo
para o uso de pessoas cegas. Tal modelo incluía ainda fones de ouvido e a
função de rádio (OLIVEIRA, 2013, p. 12).
A American Foundation for the Blind (AFB), nos Estados Unidos, e a Royal
National Institute of Blind People (RNIB), na Inglaterra, centralizaram o processo de
distribuições dos audiolivros como tecnologia assistiva e como alternativa à leitura em
braile. The murder of Roger Ackroyd, de Agatha Christie, adaptada em 1935 para a
linguagem sonora, e a peça Anna Christie, do dramaturgo Eugene O’Neill, de 1937 são
algumas das primeiras gravações distribuídas, respectivamente, pela instituição inglesa
e norteamericana.
No que tange ao desenvolvimento dos suportes sonoros, além da maior
fidelidade da gravação, o fator tempo também será um condicionante para o processo de
acoplamento das tecnologias de gravação em áudio ao livro sonoro. Aquele que nos
primeiros tempos serviam como suporte para as gravações sonoras, os cilindros de cera
ou metal, duravam apenas alguns minutos, impossibilitando a gravação de textos
maiores que um poema. Um outro momento se dá com o surgimento dos discos,
inicialmente lançados no mercado fabricados em vulcanite (espécie de polímero natural
semelhante à borracha), depois acetato e, na década de 20, em vinil, material que se
popularizaria como padrão até os dias atuais. No entanto, os primeiros discos ainda não
garantiam a gravação de textos longos, em função de que a rotação inicial de 76 RPM
dos discos de 10 polegadas, mais tarde padronizada em 78, proporcionava a cada disco
comportar, em média, 3 minutos de gravação em cada lado. O que era pouco para servir
como suporte para a gravação de um romance inteiro7, cuja leitura pode durar várias
7
Para se ter uma ideia, cerca de 1h 30min é o tempo médio de duração de um audiolivro de uma obra
relativamente breve para os padrões de um romance, como O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint
horas. Por sua vez, o long play (LP) acena para essa possibilidade.
Exupéry.
atividades diárias, sendo que essa característica, fundamental para sua popularização na
época, ainda permanece como essencial mesmo na atualidade. Conforme pesquisa de
2013, desenvolvida pela Bowker (empresa de pesquisa do mercado editorial) nos
Estados Unidos, cerca de 47% dos entrevistados usuários do produto costumavam ouvir
os audiolivros no carro, enquanto 25% o faziam ao realizar os trabalhos domésticos
enquanto 23% escutavam-nos na prática de exercícios físicos (NEWMAN, 2013).
A audição de livros em cassete viria a ser consagrada no mercado editorial nos
anos 1970, desdobrando-se na década seguinte através da criação do CD como mídia de
áudio digital para produção em massa, em 1982. Com o suporte, a alta fidelidade tão
buscada parece, enfim, ter sido alcançada: a captação da amplitude de frequências
audíveis (20 a 20.000 Hz) sem distorções ou ruídos mensuráveis (PINTO, 2012).
Segundo o autor, tentativas de gravação digital já vinham sendo realizadas desde a
década de 1930, mas apenas a partir de 1967 os avanços com a gravação digital
tornaram-se mais visíveis, tendo como mídias as fitas de vídeo comerciais (VHS e
Betamax) e os discos de vídeo laser. Estas experiências convergiram para o CD
popularizar-se nos anos 1990 como mídia, ao lado dos gravadores digitais mais baratos
com registro magnético (ADAT e VS-880) que melhoram o potencial das gravações em
estúdios caseiros e profissionais tornando realidade a gravação digital dos audiolivros
(PINTO, 2012).
Contudo, na transição dos anos 1990 para os 2000, o surgimento dos primeiros
players portáteis para a audição de arquivos em formatos MP3, viriam a reconfigurar
novamente a caracterização do suporte preferencial para a reprodução dos audiolivros.
Em 2002, os livros falados começaram a ser disponibilizados para download na internet
através de arquivos de MP3. Isso possibilitou, conforme Rubery (2011), que a gravação
de obras como Guerra e Paz, de Leon Tolstói, requisitasse apenas um arquivo digital,
composto por bytes de informação para ser ouvido em um IPod, em vez de 119 discos
de long play, 45 fitas cassetes ou 50 CDs.
Nos últimos anos, as vendas de audiolivros nesse formato vem crescendo
consideravelmente, sendo que nos Estados Unidos já vendem mais do que os CDs
dentre os formatos comercializados, tendo crescido das taxas de 49%, em 2009, para
58% das unidades vendidas em 2011, conforme dados da Audio Publishers Association
(NEWMAN, 2013). Além da eliminação da necessidade do suporte material, a chegada
do digital implodiu a exigência do próprio arquivo físico, pois além da possiblidade do
download, de baixar os arquivos de áudio, a reprodução via streaming oferece outra
possibilidade de consumo de audiolivros. A esse movimento podemos correlacionar
com a própria implosão que as tecnologias digitais provocam no próprio conceito do
livro (BEIGUELMAN, 2013).
Charles Bernstein (2011) salienta que a nova fronteira para o audiolivro em
quaisquer de suas extensões digitais (podcasts, downloads, experiências em audioarte)
não é o de ser preenchido com a característica textual de uma nova mídia, mas de criar e
assumir novas características com base no novo contexto no qual ele se perfaz. Esse é o
contexto que se darão novos trabalhos em áudio criados especialmente para esse meio,
tirando proveito das gravações já existentes mas também criando algo novo. Diante
desse novo campo de possibilidades, talvez esteja no momento de pensarmos na
eminência de uma “nova cultura do ouvir”, como clama Norval Baitello (1999), como
alternativa de explorar a função da audição no contexto de uma cultura da visualidade.
Considerações finais
Referências bibliográficas
BAITELLO JR. Norval. A cultura do ouvir. In.: ZAREMBA, Olívia. Bentes, Ivana.
(orgs.) Rádio Nova. Rio de Janeiro: ECO/UFRJ, Publique, 1999, pp. 53-69).
COSTA, V.; CAMPOS, M.; SOARES, K.. Da Celulose ao Som: o processo de gravação
na Biblioteca Virtual Sonora. III Fórum de Informática Aplicada a Pessoas Portadoras
de Necessidades Especiais - CBComp 2004. Disponível em
<http://www.ufrgs.br/niee/eventos/CBCOMP/2004/html/pdf/Forum/t170100204_3.pdf.
> Acesso em: 24 out 2014.
MORTON JR, David. Sound Recording: the life story of a technology. Baltimore: The
Johns Hopkins University Press, 2006.
RUBERY, M. (Ed.) Audiobooks, Literature, and Sound Studies. Taylor & Francis,
2011.