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2016
Setembro de 2016
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Agradecimentos
Não poderia, antes mais, de deixar de agradecer a três pessoas que foram
fundamentais, através da sua experiência e das suas histórias, para o conteúdo desta
dissertação. Um obrigado muito especial a Arnaldo Trindade, João Pedro Castro e José
Fortes, por me terem recebido nas suas casas e por terem aceite o meu convite para
participar neste projecto.
Queria agradecer, também, aos meus grandes amigos, que me ajudaram na execução
técnica dos vídeos, sem receber nada em troca, apenas pela amizade: Luís Freitas Carvalho,
que me ajudou na edição dos vídeos, apresentados em anexo, referentes ás entrevistas que
elaborei para este projecto, e ao José Luís Braga, pela sua captação de som na entrevista a
Arnaldo Trindade.
Por último, agradeço á minha família (especialmente aos meus pais) e amigos pelas
conversas e trocas de ideias que contribuíram explicita ou implicitamente para a minha
orientação ideológica neste mesmo projecto.
Obrigado!
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Resumo
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Índice
Resumo...................................................................................................................................................................v
1. Introdução...................................................................................................................................................... 3
1.1 Metodologia ............................................................................................................................................. 4
1.2 Descrição da estrutura da dissertação ......................................................................................... 4
2. Contexto global: A curiosidade humana em descobrir a gravação ............................... 6
3. A Era da gravação Acústica .................................................................................................................. 9
3.1 Primeiras Tecnologias de gravação que chegam a Portugal.............................................10
3.2 A comercialização e produção de fonogramas em Portugal..............................................13
3.3 Primeiros técnicos e primeiras gravações efectuadas ........................................................16
4. A Era da gravação eléctrica ...............................................................................................................21
4.1 O surgimento de novas tecnologias – contexto geral ..........................................................24
4.2 A era da gravação eléctrica em Portugal – primeiras gravações ...................................26
4.3 A gravação eléctrica e o aparecimento da rádio ...................................................................27
4.4 A gravação eléctrica e o aparecimento do cinema sonoro ...............................................30
4.5 A transição do mercado discográfico .......................................................................................35
5. A Era da gravação Magnética ...........................................................................................................37
5.1 Origens ....................................................................................................................................................37
5.2 Gravação em disco de 78 rpm na Era Magnética ..................................................................40
5.3 Primeiras fábricas de discos em Portugal ................................................................................41
5.4 Primeiros gravadores de fita magnética ..................................................................................43
5.5 Novas estruturas editoriais ............................................................................................................46
5.6 Aparecimento dos Primeiros Estúdios ......................................................................................47
5.7 Estereofonia ..........................................................................................................................................51
5.8 Constituição dos Discos ...................................................................................................................53
5.9 Histórias nos Estúdios da Valentim de Carvalho ...................................................................55
5.10 Processos de Produção ..................................................................................................................62
5.11 Desenvolvimento do Mercado fonográfico............................................................................64
5.12 O Aparecimento da Gravação Multipista ................................................................................70
5.13 Novos Estúdios, Novos Equipamentos ....................................................................................72
6. A Era da gravação Digital ....................................................................................................................75
6.1 Origens ....................................................................................................................................................75
6.2 Primeiros Sistemas Digitais ...........................................................................................................77
1. Introdução
Não há muita informação documentada sobre os estúdios as técnicas e os
protagonistas que fizeram parte da história da gravação sonora no nosso país.
Dentro da pesquisa que fiz encontrei um grupo de pessoas ligadas ao Instituto de
Etnomusicologia da Universidade de Lisboa, de entre elas destacam-se Leonor
Losa, Susana Belchior e Salwa Castelo-Branco.
“Machinas Fallantes” de Leonor Losa (2013) foi a primeira obra que
adquiri para este projecto e que me permitiu delinear os meus objectivos a nível
de dissertação. Trata-se de um estudo etnomusicológico da musica gravada em
Portugal que percorre a historia (desde as primeiras noticias referentes ao
fonógrafo de Edison, 1878, até à industrialização da produção fonográfica em
meados do século XX.
A Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX redigida por Salwa
Salwa El-Shawan Castelo Branco foi a Enciclopédia mais completa que encontrei
relativamente ao Universo musical no panorama português, com alguns artigos
como - “Industria Fonográfica”.
Tive sempre como objectivo, no que concerne á redação da minha
dissertação, estabelecer uma ligação lógica e coerente entre os acontecimentos
que surgiram a nível Mundial (nomeadamente nos Estados Unidos e Alemanha
com o advento das tecnologias Acústica, eléctrica, magnética e mais tarde,
Digital) que se repercutiram no seio do mercado fonografico português.
É importante referir que esta relação dicotômica assume-se de forma
indissociável no que toca ao objectivo de relatar os acontecimento inerentes que
se sucederam em Portugal. Importante ainda é conhecer as origens e
acontecimentos que tiveram base na criação das eras sonoras a que me refiro.
Tentei com que se percebesse os diferentes mecanismos alusivos á
gravação sonora e o aspecto que eles assumiram na evolução do meio.
O meu objectivo passa por datar o inicio da gravação sonora em Portugal
e relatar os principais acontecimentos que evoluíram devido ao desenvolvimento
tecnológico desde os primórdios ate aos dias de hoje. É relevante mencionar as
diferentes épocas relacionadas com as diversas tecnologias em questão.
Tais como:
Era acustica (1877 to 1925)
Era eléctrica (1925 to 1945)
Era magnética (1945 to 1975)
Era digital (1975 até aos dias de hoje)
Quis, através de um percurso coronológico, relatar os principais
acontecimentos desde o surgimento das primeiras gravações e identificar causas,
motivos que despoletaram mudanças e fizeram com que estas diferentes eras da
gravação sonora se diferenciassem como marcos históricos.
1.1 Metodologia
1 cerca de 10.916 metros de profundidade
2 http://www.o-que-e.com/o-que-e-um-hidrofone/
4 O Fonautógrafo consistia num megafone falante em forma de cone com uma cobertura flexível
na pequena extremidade. A sua ponta afiada era ligada ao diafragma flexível, que tocava na
superfície de uma folha de papel. O papel era coberto com uma fina camada de fuligem preta e se
tocasse entre a caneta quando alguém gritasse para o megafone criava uma vibração no
diafragma e seria captado como uma linha ondulada na fuligem do papel.
http://ethw.org/Phonautograph
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Leonor Losa, por sua vez, menciona J. Kruesi como sendo um dos protagonistas
que registaram a patente do aparelho.
“Em 1878, um ano após o registo de patentes do fonógrafo por T. A.
Edison e J. Kruesi, a revista Occidente publicou um artigo
explicativo do funcionamento detalhado desta tecnologia pioneira,
exclusivamente mecânica, de registo e reprodução sonora.” (Losa,
2010)
Na obra coordenada por J. A. T. Lourenço da Silva é referida a disparidade de
riqueza entre Edison e Cros, podendo justificar desta forma a afirmação de
Edison face a Cros.
“Houve muita polémica, a que não será alheio o espírito de competição
entre europeus e norte-americanos, sobre qual dos dois inventores
terá concluído o trabalho em primeiro lugar. Mas as conclusões mais
serenas apontam para uma coincidência na descoberta, tendo por certo,
como base comum, o fonoautógrafo de Leon Scott, que aparecera vinte
anos antes e fora desprezado. E depois, há dois tipos de reacção
publica, que caracterizaram, por certo, dois estilos e duas
possibilidades de trabalho diferentes. Com efeito, enquanto que Cros,
7 Em português Paleofone ou segundo S. Simões Parleofone
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8 Spawn Studios é um estúdio independenete de videojogos localizado em São João da Madeira.
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Segundo Lourenço da Silva, o Fonógrafo, sofreria melhorias nos anos
vindouros, permitindo uma melhor audição por parte do ouvinte:
“Uma versão melhorada do fonógrafo inicial, dispondo de um volante
maciço no extremo da manivela oposto ao manipulo, permitindo obter um
movimento de rotação mais uniforme e menos dependente das flutuações
da força aplicada pelo operador, veio trazer nova vida ao fonógrafo.
E não tardou também que Edison fizesse substituir o cilindro de
estanho por um de cera. Aí, a modificação foi importante e acabou por
arrastar outras. Assim, diversos artifícios provocaram uma imediata
melhoria nas condições de audição, sendo um dos primeiros o uso de
uma simples chapa fina solidária com a agulha leitora (ou estilete),
chapa essa que evoluiu rapidamente para a forma da conhecida corneta
acústica. Anos mais tarde, já em 1886, Chichester Bell e Charles
Tainter ainda acrescentaram diversos melhoramentos ao fonógrafo, como
a adopção de um cilindro oco de cartão, revestido a cera, como
suporte da gravação, e a utilização de um estilete de suspenção
oscilante. A esse fonógrafo deram o nome de “Graphophone”.”
(da Silva, 1977)
Segundo Losa: “as características do crescimento da comercialização e
produção de fonogramas em Portugal tiveram como base na criação de redes de
agentes representando marcas internacionais.”
Segundo a autora, nos primeiros anos do século XX, surgiriam anúncios de
estabelecimentos comerciais e periódicos que alertariam para uma necessidade
de reprodutores e suportes gravados, nomeadamente para repertórios em
música ou pequenos números cómicos falados.
Losa refere também que em 1887, Émile Berliner (técnico de telefone),
baseando-se nos mecanismos funcionais referentes ao Fonógrafo, substituiria os
cilindros de cera graváveis por discos planos de goma-laca, mais fáceis de
manusear e de manter, tornando o dispositivo menos complexo. A
comercialização destes suportes faria com que se implementasse uma nova
tecnologia de reprodução no mercado. Estaríamos na eminência do
aparecimento do Gramofone.
Lourenço da Silva (cor.) refere, na sua obra, que um alemão que residia
nos Estados Unidos (Berliner), baseando-se no trabalho de Edison, iria
acrescentar-lhe alterações profundas. A sua nova técnica de gravação acabaria
por revolucionar o fonógrafo de Edison. O técnico alemão decide substituir o
chamado registo de profundidade (a modelação do sulco dá-se na direcção
longitudinal do estilete, pelo registo lateral, em que a modulação do sulco se
verificaria na perpendicular ao plano definido pelo sulco e pela agulha do seu
ponto de contacto).
Em 23 de Abril de 1888, Emile Berliner fazia em Paris, na
Academia das Ciências, o registo de um fonógrafo, que, em vez de um
cilindro, usava como suporte de gravação um disco horizontal
revestido a cera. Era o primeiro disco directo e rodava sobre um
prato giratório. Berliner chamou “Gramophone” ao seu invento. O
gramofone do inventor alemão, de funcionamento manual e destinado
apenas à reprodução, permitia uma fidelidade muito superior a tudo
quanto até então tinha sido oferecido ao público.”
(da Silva, 1977)
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O primeiro nome técnico que pude apurar foi mencionado pela autora de
Machinas Fallantes, e é respectivo a Sinkler Darby11, altura em que se dá a
primeira expedição de gravação de repertório português, ao serviço da empresa
Gramophone Company (então Gramophone & Typewriter Limited), empresa
inglesa parceira da americana E. Berliner’s Gramophone, e de Emile Berliner.
Embora anos antes Ana Cardoso de Matos e Gonçalo Rocha Gonçalves
considerarem o facto de ter sido muito provável que já se tivessem realizado
gravações sonoras antes desta mesma expedição:
“Uma dessas mostras ocorreu entre 1893 e 1894 e foi realizada por uma
empresa dirigida por dois americanos J.F. Shelton e John Morris, que
percorreu o país com demonstrações e possivelmente também com a venda
de alguns [Fonógrafos] (especialmente em Lisboa e no Porto). Para
alem destas duas cidades a empresa visitou Coimbra, Viseu e Figueira
da Foz, sendo bastante provável que tivesse passado por outras
localidades, sobretudo no norte. Nos sítios onde se mostrava o
fonógrafo faziam-se também gravações, as quais foram muito
provavelmente as primeiras gravações sonoras portuguesas a terem
alguma difusão.”
(de Matos & Gonçalves, 2005)
Segundo os dois autores da “Gravação sonora e a TSF em Portugal” é
possível identificar alguns dos protagonistas que compuseram um dos primeiros
repertórios portugueses, sendo constituído maioritariamente por gravações
elaboradas em alguns dos principais teatros de Lisboa. Assim podemos
considerar como alguns dos principais intervenientes pioneiros neste processo a
actriz Izaura e os actores Queirós, Alfredo e Augusto de Carvalho, cantando uma
opereta denominada o “Brasileiro Pancrácio”.
Quanto aos intervenientes técnicos, o primeiro técnico português a gravar
com tecnologia “acústica” de gravação foi Júlio Cunha, funcionário da empresa
Valentim de Carvalho, que a partir de 1926 terá feito ainda gravações para
edição comercial da empresa utilizando Gramofones. (Tilly & Silva, 2010)
É também possível identificar a actriz Ângela Pinto protagonizando a sua
intervenção em “O solar das barrigas”, opereta em cena no Príncipe Real, um dos
maiores teatros portuenses da época e o estudante/fadista Augusto Hilário como
alguns dos protagonistas das primeiras gravações realizadas em solo lusitano.
É no mês de Novembro de 1900 que William Sinkler Darby efectua as
primeiras gravações de repertório português. Foi desta expedição que surgiram
os primeiros discos gravados em Portugal. Neste período inicial da constituição
dos mercados fonográficos locais, a tecnologia de gravação e reprodução em
disco ainda se encontrava em fase de desenvolvimento. Os discos eram gravados
de um dos lados enquanto no outro, em baixo relevo, surgia o “anjo” que era
imagem de marca da E. Berliner’s Gramophone.
“Em viagem, os técnicos de gravação de repertório português gravavam
os interpretes directamente num disco. As características do material
dos discos de gravação diferiam dos discos comerciais. Esse disco
servia de matriz para a realização de um molde de prensagem, processo
que era levado a cabo já nas fábricas. O molde era um disco em
11 http://www.recordingpioneers.com/RP_DARBY1.html
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14 Traduzindo do inglês: “Senhor Watson venha cá. Eu quero-o.”
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15 traduzido do inglês
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Valentim de Carvalho vem, no final dos anos 20, reformular a produção
fonográfica até então, contrariando a tendência estabelecida de gravar
intérpretes experientes, em particular do teatro musical, o disco passa então a
assumir um papel central na criação de novas vedetas.
Leonor Losa acrescenta:
“No final dos anos 20, [Valentim de Carvalho] contactou Maria
Alice, que não tinha experiencia enquanto cantora ou actriz, mas que,
por incentivo do comerciante, gravou para a editora Brunswick. A
carreira de Maria Alice prolongou-se até à data em que se casou com
Valentim de Carvalho, em 1950, altura em que abandonou a actividade
de cantora. Contudo, Maria Alice foi um dos primeiros e poucos
exemplos, no seu tempo, de interpretes criadas no seio da industria
fonográfica portuguesa. A partir do início da década de 30, uma
eficaz organização da rádio estatal seria determinante para
formalizar novos estilos e repertórios disseminados no país, o que
teve um reflexo imediato nas gravações, mas não permitiu que estas se
emancipassem enquanto terreno autónomo de produção e criação de
repertório e vedetas.”
(Losa, 2013)
4.3 A gravação eléctrica e o aparecimento da rádio
Greg Milner refere na sua obra que a crescente popularização da rádio se
estava a tornar numa séria ameaça para a Industria Fonográfica nos Estados
Unidos. Para o autor de “Perfecting Sound Forever”:
“a rádio não estaria só a competir com a industria Fonográfica
por ouvintes como também estaria a afectar a forma como as pessoas
queriam que a musica soasse. Devido ao facto de o rádio requerer um
microfone, o som da musica na rádio acentuou o papel da amplificação
eléctrica, e os ouvintes do Fonógrafo começaram a querer que os seus
discos tivessem um som mais alto, mais completo.”
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(Milner, 2009)
Losa refere também que:
“a progressiva banalização da radiodifusão e dos aparelhos
transmissores a partir dos anos 30 suscitaram uma contracção no
mercado fonográfico em Portugal. À semelhança do que se passou
noutros países, como a Inglaterra [...] os agentes do mercado
fonográfico ressentiram-se das novas formas de consumo doméstico de
música, o que desmotivou alguns dos até então principais lojistas e
levou ao encerramento ou mudança de ramo comercial de diversos
estabelecimentos. Contudo, a relação simbiótica que rapidamente se
instalou entre rádio e musica gravada reconfiguraria os consumos e
ambos os contextos de produção musical.”
(Losa, 2013)
Ana Cardoso de Matos e Gonçalo Rocha Gonçalves referem também o
decréscimo de vendas que a indústria fonográfica sofreu mas realçam o factor de
exportação como sendo preponderante para a continuidade e regularização do
sector industrial:
“Até ao final dos anos 20 as gravações discográficas passaram a
ser feita de forma sistemática nos diferentes países, embora nem
todas [tivessem] sido lançadas no mercado [da] altura. Assim, após a
grande crise económica de 1929 as empresas discográficas deixaram de
investir em novas gravações, optando por rentabilizar os registos
feitos no final dos anos 20 e durante a década de 30 e 40 lançam no
mercado edições discográficas das matrizes registadas que tinham em
depósito.
No entanto o menor número de gravações não correspondeu a um
decréscimo de vendas em termos internacionais, embora em Portugal é
possível que se tenha registado uma ligeira quebra.
Uma das mais interessantes características desta indústria é,
aliás, o seu carácter internacional. Se até aos anos 20 uma
incipiente indústria não permitia grandes exportações, com a regular
edição e a boa qualidade sonora, adquirida com a gravação eléctrica,
o lançamento de edições portuguesas nos Estados Unidos e, sobretudo,
no Brasil tornou-se regular. Assim, mesmo com o decréscimo de vendas
em Portugal os discos portugueses continuavam-se a vender. Atenda-se
ao caso de Edmundo Bettencourt, cantor do fado de Coimbra.”
(de Matos & Gonçalves, 2005)
“nos anos subsequentes a 1929, Edmundo Bettencourt viveu quase
exclusivamente de direitos autorais. Os seus discos vendiam-se bem no
Brasil [e] eram reproduzidos no extremo Oriente – Rádio Pequim e
Hawai.17”
(de Matos & Gonçalves, 2005)
Foi, segundo o site Intertique (especializado na compra e venda de
fonógrafos, caixas de música e outros produtos musicais) com o aparecimento de
um novo modelo de Fonógrafo e com a tecnologia de gravação eléctrica (Victor
Orthophonic Victrola) que desse aparelho adveio, a partir de 1925, uma autêntica
revolução na gravação sonora:
17 Edmundo Bettencourt continuaria a receber direitos de autor ate aos anos 60, referente às
suas gravações no final dos anos 20. [...] (de Matos & Gonçalves, 2005)
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“no fim de 1924 era evidente que as vendas da Victrola estariam
a entrar em séria recessão, devido à concorrência da transmissão da
rádio livre. Embora a amplificação eléctrica de discos fonográficos
estivesse para acontecer, estariam a ser conduzidas experiências com
gravação eléctrica, e a Western Electric, divisão da Bell
Laboratories foi a primeira a desenvolver um sistema viável. Ao mesmo
tempo, era reconhecível que os novos discos gravados electricamente
precisariam de uma campânula e reprodutor com um design mais
especifico. A construção das campânulas do fonógrafo teriam sido
durante muito tempo uma questão de tentativa e erro, mas pelos
princípios básicos da acústica isso teria ficado compreendido. Os
novos discos gravados electricamente ofereciam um aumento na gama de
frequência de mais de duas oitavas, principalmente audível nas
frequências mais baixas. Através da tradução de formulas de energia
eléctrica para energia mecânica chegar-se-ia á conclusão que uma
campânula cujas proporções aumentassem exponencialmente desde a sua
“boca” até á sua abertura seria a modificação técnica ideal para o
funcionamento das novas gravações. As novas máquinas Victor,
apelidadas de Orhtophonic (do grego “verdadeiro som”) foram
introduzidas no mercado a 2 de Novembro de 1925 através de uma
“enxurrada” imensa de publicidade mesmo para os padrões dos modelos
Victor. Estas teriam sido uma autentica revelação, propiciando uma
mudança radical na gravação acústica. Em antecipação ao novo modelo
Ortophonic Victor, a empresa teria já lançado discos especifico para
funcionar com este novo modelo, denominados VE (Victor electrical) -
designação visível no rótulo do disco.”
Greg Milner sublinha que foi com o seu sucesso estrondoso de vendas,
que se deu uma reconciliação entre indústria Fonográfica e a rádio. Podemos
também concluir, que foi nos anos de 25 que a relação simbiótica entre Rádio e
gravação sonora começa a surgir nos Estados Unidos.
No início de 1929, a companhia Victor (Victor Talking Machine Company)
fundiu-se com a Rádio Corporation of América (RCA), criando-se uma nova
corporação cujo valor de mercado era superior a $626 milhões18. O vice-
presidente executivo David Sarnoff teve visão de longo prazo em relação à
sinergia entre as duas indústrias. No livro de Milner é possível observar uma
afirmação do vice-presidente em relação ao papel que a gravação eléctrica iria
assumir:
“É claro que na nova era do entertenimento eléctrico agora
expressado em radiodifusão, talking motion pictures, e nas
instalações de teatro, rádio e fonógrafo assumem papeis distintos mas
complementares. (...) A presente unificação ira melhorar
significativamente ambos os serviços ao tornar intercambiáveis as
invenções e desenvolvimentos das duas industrias.”
(Milner, 2009)
A compreensão de Sarnoff face à mudança conceitual prefigurada pela
revolução eléctrica era ainda mais presciente. “Cada performance dramática é
um acto de comunicação,” escreveu ele [num artigo] ao New York Times que
tinha como cabeçalho “onde a oportunidade acena.” “O fonógrafo, a pianola, o
aparelho de rádio, todos são instrumentos de discurso e comunicação.” A
gravação sonora deixaria de ser uma entidade frágil e de teor mitológico e
18 dólares
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19 a partir de 1931, acentuou-se o fenómeno de centralização da produção e distribuição
fonográfica num número restrito de companhias, que se organizaram em conglomerados e
partilharam o monopólio industrial. Na Europa, em 1931, as empresas Gramophone Company e
Columbia Graphophone (que já haviam adquirido a alemã Odeon) fundiram-se e formaram a EMI
(Electric and Music Industries). (Losa, 2013)
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Das Leben auf dem Dorf, um filme “falado” com o sistema de som
síncrono Tri-Ergon, inventado por Josef Engl, Hans Vogt e Joseph
Massolle, no entanto, [o filme resultaria] em fracasso.
Em 1926, a companhia de cinema Warner Brothers introduz a Vitaphone,
outro sistema de sincronização, ainda, o som era gravado num disco. O
primeiro filme exibido, com música e efeitos sonoros sincronizados e
sem diálogos falados, foi Don Juan (1926) de Alan Crosland.”
(de Barros, 2014)
António de Barros refere a data de 6 de Outubro de 1927, como a data que
anunciava o aparecimento do cinema sonoro, ano esse em que seria exibido o
filme "The Jazz Singer" de Alan Crosland, exibido pelo sistema de sonorização
Vitaphone. Este sistema era o primeiro a introduzir passagens faladas e cantadas
em filmes e sincronizava a exibição do filme a um disco de 78 rotações, cujo som
seria melhor do que aquele obtido no Fonógrafo de Edison. Tinha naturalmente
inconveniências, como por exemplo, um rangido inerente ao processo de
gravação, e os eventuais riscos produzidos no disco que retiravam sincronização
entre imagens e sons. Mas, só no ano seguinte, a 6 de Julho de 1928, é que seria
estreado o primeiro filme inteiramente falado Lights of New York de Bryan Foy, e
que seria, também, exibido no sistema de sonorização Vitaphone pela Warner
Brothers.
Resumidamente, o cinema passa por um processo sonoro metamórfico,
em que o filme era sonorizado através de disco síncrono, e recorria a película à
margem da imagem numa dimensão que em 1928 se acorda ser estabelecida em
2,5 mm.
Só em 1929 é que som e imagem convergem impressos e sincronizados
na mesma película, o filme Syncopation foi o primeiro a obedecer a este novo
padrão estreando-se pela RCA20
Posteriormente a esta data, praticamente todas as companhias
recorreriam a esta nova invenção destacando-se filmes como The Love Parade
(1929) de Ernst Lubitsch, Der Blaue Engel (1930) de Joseph von Sternberg, e M –
Matou (1931) de Fritz Lang.
Segundo Deniz Silva, a nível internacional já se estaria a sentir a
metamorfose tecnológica implementada no cinema pelas novas descobertas e em
Portugal assistia-se a um panorama que alertava uma mudança urgente na
reconfiguração cinematográfica. Até ao final da década 20 houve reclamações de
espectadores em relação ao repertório de pianistas ou mesmo de grupos
musicais em que diziam que a música tocada na exibição do filme não se
adequava com a mensagem nem conteúdo que o filme transmitiria. Deniz Silva e
Rui Vieira Nery referem que:
“[tal] como no resto da Europa, a transição do cinema mudo para o
sonoro confrontou-se em Portugal com um movimento de resistência, em
particular por parte da crítica especializada que tinha fundado o
carácter artístico do cinema na sua dimensão estritamente visual.
Duas revistas Kino e Imagem (...) destacaram-se no entanto na defesa
do sonoro [...]. Para os entusiastas da nova tecnologia, esta
aparecia como uma oportunidade para relançar a indústria
cinematográfica nacional, que no final dos anos 20 se encontrava numa
profunda crise, uma vez que as grandes empresas que tinham marcado o
período mudo tinham ido sucessivamente à falência. Um dos principais
20 Radio Corporation of America.
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minúsculos sons, uma vez que estes eram reconvertidos a partir de impulsos
eléctricos.
Outro facto que deve ser mencionado e que o escritor de Perfecting Sound
Forever refere é que as investigações nos Estados Unidos se centravam no
desenvolvimento tecnológico no âmbito de tecnologias militares. Após os
alemães, em clima de guerra, terem, alegadamente, usado a tecnologia do
Telegrafon para afundarem um navio norte-americano os investigadores
americanos dedicaram-se a uma extensa pesquisa sobre as aplicações militares
que a tecnologia do Telegrafon poderia conter, não encontrando nenhuma. Essa
pesquisa iria contribuir para uma maior fidelidade no campo sonoro, o problema
é que as pesquisas desenvolvidas eram centralizadas no campo da gravação
informativa ao invés da sonora. Os investigadores nunca teriam em conta a
relação entre o telefone e o Telegrafon. Porque se tivessem teriam, segundo
Milner, provavelmente, acelerado a história da gravação sonora, no mínimo,
vinte anos.
Um dos grandes impulsionadores da gravação de fita magnética seria,
anos mais tarde, o engenheiro austríaco, Fritz Pfleumer, criador do primeiro
gravador moderno de fita magnética, reconfigurando o aparelho de gravação.
O gravador de fio de aço era uma ferramenta cara e o que Pfleumer fez foi
idealizar um novo gravador que funcionasse com diferentes materiais. Pfleumer
pensou numa tira de papel, e numa substância magnética que aderisse ao papel.
Ele inventaria o Tönendes Papier (Máquina sonora de papel) que usaria grânulos
de pó de ferro que aderiam ao papel, o problema era que o som era horrível, mas
interessaria a AEG, o suficiente, para justificar a comprar da sua patente. Anos
mais tarde em colaboração com a BASF23 a AEG cria o Magnetophon, ferramenta
barata mas que gerava uma péssima qualidade sonora. Em 1940, ano em que a
Alemanha invade a Dinamarca, os investigadores alemães descobrem o
Telegrafon de Poulsen.
Eureka! Em 1940 a AEG e RRG apresenta um novo e melhorado
Magnetophon, aclamado pela imprensa alemã, como uma revolução total na
gravação sonora. A gravação magnética tinha vindo, desde sempre, a trabalhar
com uma corrente contínua (DC). O que Walter Weber (engenheiro da RRG) viria
a descobrir seria que a injecção de uma corrente alternada (AC) de frequências
ultra-elevadas inaudíveis, integrada na fita, melhoraria drasticamente a
qualidade do material sonoro. Em termos simples, as altas frequências
sacudiriam as partículas magnetizadas na fita. O processo conhecido como
polarização de AC, transformaria de forma contundente as possibilidades de
efectuar gravações magnéticas de alta qualidade.
Milner conta-nos ainda um dos episódios, que considera ser, uma das
mais estranhas falhas de inteligência da guerra moderna. Em Junho de 1941 os
alemães teriam exibido o AC-bias Magnetophon, artigos sobre o assunto teriam
aparecido em revistas de interesse geral (alguns inclusive, teriam sido vendidos
fora da Alemanha), a invenção do Magnetophon seria por isso, dificilmente
secreta e seria portanto estranho que os americanos não tivessem tido
conhecimento da existência dessa tecnologia. Contudo, Milner refere que Jack
Mullin (engenheiro electrotécnico norte-americano) teria ficado surpreendido ao
ouvir as transmissões claras, nítidas, de som de música ao vivo reproduzidas
23 Badische Anilin und Soda Fabrik
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pela rádio alemã, perguntando mesmo se Hitler seria suficientemente louco para
obrigar a banda Filarmónica de Berlim a tocar ao vivo e em regime nocturno,
noite após noite.
Quando em Agosto de 1944, após o D-day, Jack Mullin descobre em Paris o
Magnetophon, fica completamente chocado com a sua definição sonora: “Eu não
poderia ter a certeza a partir do som [que ouvia] se [estava] a ouvir uma
gravação ao vivo ou reproduzida. Simplesmente não tinha qualquer ruído de
fundo.”
Após examinar o aparelho cuidadosamente ele descobre aonde se centrava o
busílis da questão: na injecção de corrente alternada.
Lourenço da Silva acrescenta ainda que:
“No final da guerra de 40-45, existiam já gravadores de cinta com uma
característica plana dos 100 aos 8000 Hz e uma dinâmica de 50 dB.
Também se construíram curiosas maquinas de registo magnético em
disco, usando quer discos de aço quer discos de papel revestido a
material magnético.
Existem ainda, com interesse histórico, máquinas de gravar em arame,
de modelos os mais diversos, que vão da máquina profissional de
estúdio ao gravador [portátil]”
(da Silva, 1977)
5.2 Gravação em disco de 78 rpm na Era Magnética
“O período que sucedeu à Segunda Guerra Mundial corresponde ao
momento da industrialização e de intensificação de uma ordem
capitalista numa parte substancial do globo. Em Portugal, um dos
sectores rapidamente afectados foi o da produção fonográfica. Embora
o seu relevo para a leitura da realidade de industrialização do país
não seja geralmente considerado, o fomento industrial por parte do
Estado criou um contexto propício para a constituição de uma
indústria fonográfica local.”
(Losa, 2013)
Leonor Losa acrescenta que os comerciantes portugueses gravavam as
matrizes dos discos, enviando-as para prensagem no estrangeiro, de onde
importavam os discos para venda no mercado local.
É importante referir que no período que se sucede à Segunda Guerra
Mundial, a gravação directa ainda constava nas tecnologias de gravação do país,
caso disso é Hugo Ribeiro, um dos mais importantes protagonistas da gravação
sonora em Portugal (Tilly & Silva, 2010), e que é, provavelmente, o técnico de
som vivo mais antigo do nosso país. Ribeiro que começa a gravar, desde o final
da década de 40, rábulas e números de revistas sob a orientação de Júlio Cunha,
explica, em entrevista à Restart24, como é que se realizava a gravação em disco
de 78 rpm:
“Gravava eu directamente para o disco [numa maquineta RCA pequenina
que gravava em 78 rotações.] E eu estava a ajuda-lo [referindo-se a Júlio Cunha]
Depois ele deixou e passei a ser eu. E nesse momento ninguém podia nem
respirar. Porque o disco nunca poderia ser ouvido. Fazia-se um ensaio, gravava-
se um disco de acetato e ouvíamos se estava bem. Está bem, é assim que se vai
24 entrevista realizada a 9 de Abril de 2009, conduzida por José Fortes e Carlos Vales, á Restart
40
gravar. O que se gravava a seguir já não podia ser ouvido. Nós quando
começamos a gravar na Valentim de Carvalho, era no primeiro andar na sala dos
pianos. Tínhamos uma sala onde metíamos os artistas com uma porta de vidro e
essa porta de vidro servia de janela de cabine de som. E nós estávamos no lado
de cá, quando era orquestra com um artista. Pouco tempo depois, conseguimos
arranjar maneira de ligar dois microfones. Mas normalmente um microfone
gravava tudo.”
Hugo Ribeiro refere ainda que tudo aquilo que seria gravado teria de ser
muito bem ensaiado porque “senão poderia estragar-se um acetato”. O técnico
afirma que para gravar: “metia-se aquilo dentro de uma caixa dentro de um
espigão de aço e metia-se os discos com uma parte de plástico para separar cada
disco, uma no centro e outras à roda e depois da caixa de ar cheia, era uma caixa
metálica, ia para Inglaterra. [...] De barco, houve uma altura que ia de barco,
depois passaram a ir de avião. Depois nós, ao fim de vários dias, recebíamos as
provas, eles mandavam seis provas de cada disco. E aí é que nós íamos ouvir o
que é que tínhamos feito. Nós com a máquina de discos, à antiga, a 78 [rpm]
nunca tivemos dois microfones, foi sempre um. Nem havia maneira de gravar,
porque a máquina é que servia de misturador. A própria máquina tinha um
amplificador e o microfone entrava ali.”
Na entrevista, o técnico de som refere que na altura não havia
possibilidade de edição e que o técnico de som apenas poderia aproveitar os
takes inteiros. Não havendo hipótese de editar nem cortar nada porque o
processo era feito directamente no disco:
“Era feito directamente [no] disco. Não havia nada a fazer. Tinha que ser
assim. Quando apareceu a fita, aquilo facilitou muito. O Magnetophon foi
inventado pelos Alemães. E a máquina de fio (fio de aço) era o mesmo sistema,
era tudo magnético, mas a máquina de fio era Americana.”
Lourenço da Silva refere que: “a gravação directa, salvo raríssimas
excepções, deixou totalmente de se praticar a partir de 1947.”
Quando falamos na Era Magnética, temos evidentemente que identificar o
aparecimento de toda uma tecnologia de gravação que terá transformado todo o
meio de gravação sonora reconfigurando-o até aos dias de hoje. A fita magnética
provou ser na época uma autêntica revelação e as possibilidades que se geraram
permitiram que o técnico de som tivesse uma maior liberdade no que concerne
ao processo técnico de gravação.
Lourenço da Silva refere, na obra coordenada por si, o conceito de fita
magnética: “Um revestimento que se pretende tão uniforme quanto possível de
óxidos de ferro ou cobalto aplicado a uma fita de base “mylar” ou acetato pré-
esforçada, constitui o meio magnético que serviu de suporte à gravação do sinal.”
(da Silva, 1977)
5.3 Primeiras fábricas de discos em Portugal
“No período que sucedeu a Segunda Guerra Mundial, em sintonia com a
ordem capitalista que então se estabelecia determinando o
funcionamento das estruturas económicas, formalizou-se em Portugal,
pela criação de fabricas de fonogramas, uma indústria de bens
fonográficos destinados ao consumo interno. Através da acção de
indivíduos que por motivação pessoal e visão económica se
sintonizaram com os processos da economia moderna, os modelos do
mercado formalizado ao longo das primeiras duas décadas do século
41
42
5.4 Primeiros gravadores de fita magnética
Uma das primeiras tecnologias a terem sido usadas, em Portugal, na Era
da gravação da Fita Magnética seria o gravador de fio de aço que teria sido
inventado por Poulsen e desenvolvido posteriormente por Marvin Camras.
No panorama Português José Fortes e o pioneiro Hugo Ribeiro apresentam-se
como técnicos que terão usado essa tecnologia.
Segundo António Tilly: José Fortes terá iniciado a actividade de técnico de
som na EN [Emissora Nacional] aos 13 anos, colaborando na transmissão de um
espectáculo no Teatro Nacional de São João (Porto), utilizando um gravador
magnético de fio (ou «magnetofone de fio») (Tilly, 2010). Tilly refere ainda que
Fortes realizaria a sua primeira gravação para edição comercial aos 15 anos,
captando José Régio, fonograma que viria a ser incluído na série Antologia da
Poesia Portuguesa, da editora Arnaldo Trindade.
José Fortes conta-me, em entrevista, as suas primeiras experiencias de
captação sonora, que começaram com esse aparelho:
“Onde eu começo a ter gosto por isso ainda foi nos anos 50. Nos anos 50, ainda
no Cineclube do Porto. Ou seja, havia umas pessoas do Cineclube do Porto,
clientes do café do meu pai, que eram cineclubistas e eu entusiasmei-me a ir ao
Cineclube e comecei a fazer sonorização dos filmes que eles faziam. Pronto, aí a
captação. Ia para a estação de Campanhã captar os comboios.
Conheci algumas pessoas que me apoiaram. Não só, a incentivar a fazer coisas,
como também a corrigir coisas que eu fazia mal. Porque é onde se aprende mais.”
José Fortes explica também a constituição do aparelho que usou para
essas captações:
“São gravadores de gravação electromagnética, exactamente como os
gravadores de fita. E exactamente como a gravação que se faz hoje digital. Aquilo
é um registo electromagnético. Quer dizer o processo de armazenamento é muito
idêntico. O processo do formato do armazenamento é que é diferente. Um tem lá
43
uma sinusoidal eléctrica e outro tem lá uma informação binária que é o resultado
de uma sinusoidal eléctrica. A grande evolução destes sistemas todos está
baseada no armazenamento da informação. Quando se fala do fio de aço e do
sistema digital o fundamental é o armazenamento da informação. Porque se nós
pegarmos no sinal eléctrico, sinal áudio à saída de um microfone de carvão de
não sei quantos anos atrás e o registarmos num fio de aço e em simultâneo
registarmos num sistema digital a diferença é a mesma do que se for um
microfone electroestático. É certo que há uma coisa que nós temos que aceitar,
todo o sistema, o padrão é o elo mais fraco da cadeia. Aqui o elo mais fraco da
cadeia é o microfone de carvão, não é o sistema digital.”
Hugo Ribeiro, outro dos técnicos pioneiros que terá gravado com este
sistema conta na entrevista à Restart as suas experiências com esse gravador:
“Era um fiozinho, era uma espécie de cabelo, fininho, muito fininho. Deste lado
era a bobina, pequena, [Ribeiro aponta para o lado direito] tinha muitos metros
de fio ali, passava pelas cabeças e ia enrolar numa coisa maior. E depois
gravávamos. Quando chegava ao fim parávamos, carregava-se num botão [e]
rebobinava-se aquilo tudo. É claro que às vezes rebobinava mal e lá ia tudo dar
uma volta. Às vezes a gente até dizia uns palavrões e tudo, de raiva, quando se
estragava aquilo tudo. Rebobinava como rebobinam as máquinas de coser.
Quando havia uma falha de gravação qualquer, aquilo começava a enrolar mais
em cima do que em baixo [e] ficava tudo estragado. E aquilo não tinha conserto.
A fita tinha conserto, o fio não tinha conserto. Estragava-se. Aquilo era muito
mole, muito frágil.”
Segundo Hugo Ribeiro o surgimento das tecnologias com fita apresentou-
se como um autêntico alívio para as funções desempenhadas pelo técnico de
som:
“A parte mais emocionante da coisa é que nós podíamos ouvir o que
gravávamos. Ouvíamos directo e depois ouvíamos gravado. Antes só se ouvia
directo. Porque o gravado era proibido, não se podia ouvir.”
“Na década de 50 Hugo Ribeiro sucede a Júlio Cunha enquanto operador
de gravação, fazendo gravações nas próprias instalações da empresa
(na Rua do Almada), no Clube Estefânia, e posteriormente, no Teatro
Taborda (Costa do Castelo, Lisboa), alugado pela empresa e que seria
adaptado como estúdio de gravação. Ribeiro terá trabalhado com várias
tecnologias e aparelhos de gravação á medida que estes foram sendo
adoptados pela empresa: gravação em disco de 78 rpm até 1955,
gravação em fita magnética – monofónica (1955-1963), estereofónica
(1963-1970) e mais tarde, multipista (oito e 16 pistas de 1970-1980)
– tecnologia que terá atingido as 24 pistas durante os anos 80.”
(Tilly & Silva, 2010)
Segundo António Tilly e Hugo Silva, que referem a sua biografia na “Enciclopédia
da Musica em Portugal no século XX”:
“[Hugo Ribeiro] adoptou formas próprias de captação por forma a
reduzir ao mínimo a interferência na prática interpretativa de
cantores e instrumentistas. O cuidado no processo de gravação e o
equilíbrio entre voz e instrumentos acompanhadores redefiniu novos
padrões na qualidade de gravação musical na produção fonográfica
44
25 o entrevistado não diz quem é a pessoa em questão na entrevista
26 refere-se a Rui Valentim de Carvalho
45
46
47
comercialmente, tanto que ele não tinha editor. Ele era o próprio editor dos seus
livros. Eu fui falar com ele, em primeiro lugar. [Ele] disse que [gostou] muito da
ideia, achou muita piada à ideia e depois perguntou: como é que eu controlo a
venda dos discos? Eu [respondi-lhe]: é muito fácil, assinas as etiquetas. Portanto
todas as pessoas que têm um disco Orfeu de Miguel Torga, têm [também] um
disco autografado por ele.”
Leonor Losa refere na Enciclopédia da Musica em Portugal, que nas
primeiras décadas do séc. XX não havia ainda estúdios concebidos e
vocacionados para a gravação sonora sendo que os editores como Arnaldo
Trindade da Discos Orfeu iam improvisando espaços para a concepção sonora:
“A ausência de infra-estruturas de produção e gravação durante as
cinco primeiras décadas do século XX em Portugal pode ser considerada
um factor determinante para a constatada dependência das empresas
locais face ao mercado global. Esta ausência fez-se sentir no que
respeita à gravação bem como ao fabrico de suportes e contrastou,
durante o período do Estado Novo, com a tendência política de
nacionalização dos sectores de produção (em particular de produção
cultural).”
(Losa, 2010)
“Durante a primeira metade do século XX, a captação sonora
realizava-se nas lojas que comercializavam fonogramas, ou em teatros
(Teatro Taborda e Teatro Estefânia em Lisboa, e Teatro de São João no
Porto) e clubes, onde as condições técnicas eram praticamente
inexistentes, e os problemas de insonorização afectavam as gravações,
que tinham de ser interrompidas sempre que ruídos do exterior se
impunham.”
(Losa, 2010)
Leonor Losa refere ainda que a Emissora Nacional terá sido de alguma forma a
primeira entidade a colmatar esta ausência através dos seus estúdios:
“A inexistência de espaços tecnicamente equipados para a
gravação foi ligeiramente colmatada com a criação dos estúdios da EN
[Emissora Nacional] que passaram a servir a gravação de fonogramas,
tanto pela cedência do espaço, como pelo trabalho dos técnicos Lupi
Nogueira e Licínio Oliveira, responsáveis pelas gravações do
repertório editado pelo empresário Arnaldo Trindade, como pela Rádio
Triunfo.”
(Losa, 2010)
José Fortes, que terá tido oportunidade de assistir a gravações com o
técnico Licínio Oliveira conta as suas primeiras experiências com compressores
nos estúdios da Emissora Nacional:
“Olhe, os trabalhos que acompanhei inicialmente e muito, [foram os
trabalhos de] Licínio de Oliveira, no Porto, que foi uma das pessoas muito
importantes na minha vida. Embora ele não pudesse estar à vontade, porque era
funcionário do Estado, [na] Emissora Nacional. [E na Emissora] não podia haver
muita abertura com mirones dentro de uma instituição do Estado. Mas, o Licínio
de Oliveira, foi o que me mostrou o primeiro compressor, numa gravação que lhe
mandaram, através do Arnaldo Trindade, porque queriam fazer uma gravação de
um Rancho Folclórico (ou algo do género), mas queriam com aquele som. E
verificou-se que aquilo tinha compressor. Ele usou o compressor, não sei se bem
48
ou se mal, porque nem eu nem ele tínhamos conhecimento [para isso]. Agora, o
que é certo é que nos agradou mais o som que não tinha compressor. Porque o
outro, nós ficamos a olhar um para o outro: mas o que é isto? Isto é a mesma
coisa que eu por o som mais alto! Isto fica muito mais agradável assim, porque
eu, mais baixo, apanho sempre com esta pedrada. Eu, no outro, não tenho aquela
pedrada. E ponho mais alto e tenho o som mais alto. Esta foi a primeira reacção
que nós tivemos, e isto foi antes de ir para a tropa.27 Portanto, já nessa altura
havia uma imposição de uma tecnologia, que não interessa se vai soar bem ou
mal, interessa que vamos usar isto porque isto faz diferente. Não há nenhuma
que faz diferente, e eu posso adorar o diferente, não tenho problema em adorar o
diferente. Eu tenho usado toda a minha vida a tecnologia.”
A par dos compressores chegariam outras tecnologias ao mundo da
gravação sonora que dariam uma maior flexibilidade ao técnico de som na
execução do seu trabalho, uma dessas seria a reverberação. Nos primórdios da
gravação sonora o técnico teria que recorrer a espaços amplos para recrear o
efeito de “Reverb” na concepção do seu trabalho, mais tarde surgiriam nos
Estados Unidos, as primeiras câmaras de Reverberação emulando desta forma o
espaço físico.
Na obra Perfecting Sound Forever, Milner conta que nos anos de 1956, já
se usariam Câmaras de Reverberação nos Estados Unidos. O autor refere que
uma razão para que espaços, como os estúdios da Columbia soassem de forma
mais realista era devido ao facto de eles terem uma câmara de reverberação,
enquanto estúdios como o Sam Phillip’s Sun Studio teriam de “inventar” um
processo para criar a reverberação desejada. O efeito de “slap-back” seria
precisamente criado nesse estúdio para colmatar a lacuna subjacente à falta de
espaços.
Tal como nos Estados Unidos, em Portugal não havia estúdios que
contemplassem um espaço eficaz para a gravação com Reverb. Hugo Ribeiro
conta em entrevista (Restart) uma das suas primeiras experiencias, na loja da
Vadeca, com o intuito de obter reverberação:
“Quando saímos do clube Estefânia e estávamos em negociações para ir
para o Teatro Taborda gravamos outra vez no Valentim, no primeiro andar. E lá
no primeiro andar havia uma sala só de pianos, pianos de cauda, quase tudo
pianos concerto, e de meia cauda também.
[E] eu disse: ó Rui, a gente tem que arranjar maneira de ter reverberação
nisto. Isto é um inferno! Não ter reverberação nenhuma!
Porque a gente ouvia os outros discos.
E o Rui disse assim: ó Ribeiro e se nós [aproveitássemos] os pianos para
fazer reverberação?
[Ao que Hugo Ribeiro responde:] Ah, não é má ideia!
Depois foi o que fizemos, aproveitámos um piano. Pusemos o microfone
de um lado e o altifalante do outro, lá regulámos as distâncias, [e] fizemos uma
reverberação bestial! Ficou lindo, aquilo! Aquilo vibrava tudo! As cordas
vibravam. [Tínhamos] cuidadinho [com o] volume que se mandava lá para
dentro. E aí foi feita, a primeira reverberação foi inventada por nós, lá, com
pianos.”
27 José Fortes refere que fez tropa sensivelmente entre 1965, 66 até 1969, quatro anos e meio.
49
Apesar de nos anos que se seguiram já haver possibilidade de aquisição
de sistemas de reverberação em Portugal, esta tecnologia ainda se afigurava
como extremamente dispendiosa, Hugo Ribeiro, que terá sido um dos técnicos
com mais anos na Valentim de Carvalho e que terá procedido a uma série de
gravações usando tecnologias de fita magnética monofónica (1955-1963) (Tilly e
Silva, 2010) refere também uma das primeiras câmaras de reverberação
“improvisadas” que usou:
“Nós quando gravávamos na Costa do Castelo já gravávamos em fita, e um
senhor que era da alta-fidelidade da Valentim de Carvalho, Nuno Calvete
Magalhães, que agora é um fotógrafo conhecido, arranjou-nos um.
Eu dizia: é pá ó Nuno não temos uma câmara de eco!
[Ao que Nuno reponde:] encomenda-se uma câmara de eco!
Podia-se encomendar que já havia, mas eram muito caras as câmaras de
eco, e tu sabes [referindo-se a José Fortes] que essas coisas de negócios não
[eram] nada comigo. Eu é que ficava triste de não ter as coisas. E o Calvete diz-
me: não se preocupe que a gente arranja uma câmara de eco aqui na Costa do
Castelo.
E arranjou então uma manilha, manilha daquelas dos esgotos, mas nova. Punha-
se lá em baixo o microfone de um lado, o altifalante do outro, mas dava. O Calvete
nunca conseguiu diminuir o tempo de reverberação para onde eu queria ir. Eu é
que tinha que fazer os tempos de reverberação, à mão, ainda por cima! Às vezes
até lá ia com um dedo, porque tinha que se fazer, não podia deixar a
reverberação durante sete segundos, era impossível! E então para evitar isso
tínhamos a reverberação e tinha que se ir fazendo o “Fade out” na reverberação,
que não seria preciso se fosse uma câmara de reverberação, que nós
escolheríamos um tempo.
Era o caso da MTE, por exemplo. Tivemos duas, uma grande e outra que
era com a chapa de ouro, que esta lá ainda, se bem que eu gostasse mais da outra,
daquela grandalhona. Aquilo tinha mais de dois metros. A reverberação foi um
dos casos também tristes, porque nós ouvíamos discos que vinham de fora com a
reverberação e a gente não tinha.
A par da câmara de reverberação idealizada por Hugo Ribeiro e por Rui
Valentim de Carvalho, Ribeiro refere que á medida que a possibilidade de captar
com dois microfones ia surgindo, e os misturadores iam aparecendo, os técnicos
teriam cada vez mais facilidade no processo de gravação:
“Quando começamos a gravar com dois microfones era um bocadinho
mais fácil. Porque tínhamos a facilidade de separar a voz da orquestra. Nessa
altura já se podia parar à vontade. Passamos a ter uns misturadores, com três ou
quatro entradas. Púnhamos um microfone em cada uma, nem se podia gravar
Estéreo nem nada decentemente, era impossível. Podia-se gravar esquerdo,
direito e centro, que era o que fazia na primeira Consolette na Valentim de
Carvalho. Como não tinha panorâmicos, tínhamos que gravar esquerdo, direito e
centro. Se fosse fados era mais fácil, se fosse orquestra já era um bocadinho mais
complicado. Porque se tinha que pôr a viola de um lado, a guitarra do outro e a
voz ao meio. Dava perfeitamente. E até podíamos deslocar um bocadinho, se
fosse preciso. Mas era esquerdo direito e centro. Depois é que vieram as
50
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30 atenda-se ao ano do lançamento do livro: 1977
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54
5.9 Histórias nos Estúdios da Valentim de Carvalho
“No inicio dos anos 60, a empresa Valentim de Carvalho era
subsidiária da internacional EMI, estatuto que mantinha desde o
início da década de 30, sem alterações significativas. Os
responsáveis pela empresa começaram a demonstrar uma forte vontade de
autonomizar a produção. A dependência de Valentim de Carvalho de
sectores de produção paralelos na gravação e produção de fonogramas
revelou-se o principal obstáculo à sua autonomia face ás majors com
as quais contratava. Na produção, utilizavam as fábricas de prensagem
de discos da EMI, em Inglaterra. No que respeita a gravação, a
inexistência de estúdios especializados obrigava à adaptação de
espaços nas próprias lojas ou à utilização de teatros, onde a
insonorização era deficiente. A Valentim de Carvalho usou, até aos
anos 60, espaços como o primeiro andar da loja na Rua Nova do Almada,
o Clube Estefânia e o Teatro Taborda. A criação dos estúdios da
Emissora Nacional, tanto em Lisboa como em Vila Nova de Gaia,
permitiu, como já se frisou, que a qualidade das gravações fosse
superior, sendo, no entanto, necessário contar com esse recurso
externo.
55
56
“O técnico de som Hugo Ribeiro desenvolveu o seu trabalho em
contacto directo com as tecnologias que iam sendo adoptadas pela
empresa, concentrando-se sobretudo na gravação de fado, que
constituía uma parte substancial do catalogo.
A versatilidade no manuseamento de equipamentos de gravação
continuada, proporcionou um progressivo aperfeiçoamento da qualidade
dos registos fonográficos.
Ao longo dos anos 60, no entanto, o ênfase no trabalho de estúdio no
mercado internacional, o avanço técnico dos métodos de captação
sonora e a consolidação do papel do produtor como central na
construção de um fonograma levou a que vários compositores e
interpretes portugueses insistissem junto dos editores que a gravação
dos seus fonogramas se realizasse em estúdios estrangeiros (Celada
S.A., em Madrid, Château d’Hérouville, Strawsberry Studios, em França
e.o.).”
(Losa, 2010)
À medida que havia um aumento no número de intérpretes a ir gravar lá
fora, haveria também, muitos que prefeririam gravar na VC. Desenvolvendo-se
cada vez mais como estúdio de gravação e inspirando-se nos estúdios da Abbey
Road, Gonçalo Frota refere, num artigo ao Público31, o papel que os estúdios da
VC iriam desempenhar e representar para o mundo da música Portuguesa:
Fundados em 1963, os Estúdios da Valentim de Carvalho, em Paço de
Arcos, Oeiras, seriam uma das mais impressivas marcas deixadas por
Rui Valentim de Carvalho.
Sucedendo a dois outros estúdios improvisados em Lisboa, na Rua Nova
do Almada e na Costa do Castelo (onde actualmente se encontra o
Teatro Taborda), as instalações inauguradas em Paço de Arcos
espelhavam a ambição de um homem para a música do seu país.
A inspiração assumida eram os Abbey Road, de Londres, cuja fama
planetária se devia a ali funcionar o quartel-general das históricas
gravações dos Beatles.
Em certa medida, poder-se-ia dizer que os estúdios da Valentim de
Carvalho foram construídos para oferecer de bandeja a Amália
Rodrigues.
Se os Beatles tinham Abbey Road, Amália teria os Estúdios VC,
apetrechados para captar devidamente a voz maior da música portuguesa
e a artista que mais apaixonara o jovem editor – mesmo quando os
afazeres à frente da companhia o impediam de acompanhar o calendário
de gravações, nunca deixou de abrir uma excepção para testemunhar os
registos de Amália.
Sobre esses momentos, Amália recordaria ao seu biógrafo Vítor Pavão
dos Santos: “No estúdio de gravação do Valentim de Carvalho havia um
ambiente de grande amizade. Eu levava o jantar de casa, com carnes
minhas, carapaus meus, havia amigos à volta, comíamos e quando
começava a gravar estava completamente à vontade e gravava noite
fora”.
(Frota, 2013)
Em entrevista à Restart, Hugo Ribeiro conta, também, algumas captações
(estereofónicas) que terá feito com Amália Rodrigues, artista de que terá
gravado grande parte do seu repertório:
“Foi uma grande luta entre eu, o Alan, o Rui e os guitarristas e a Amália,
31 Este artigo data de: 11/11/2013
57
porque queríamos gravar aquilo só com uma guitarra e uma viola. Porque eles
não foram capazes de tocar as músicas do Alan. (…) Era preciso muito tempo
para aprender. A Amália aprendeu as músicas, primeiro, (…) e esteve a ensinar-
lhes. (…) O Fontes Rocha, (…) fez uns arranjos formidáveis daquelas coisas do
Alan. Que ele até devia lá estar também como compositor. (…) Porque aquela
parte do princípio (…), toda aquela parte que ele tocava, primeira, era dele, do
Fontes Rocha, depois é que entrava a melodia da Amália. (…) Ele fazia tudo o que
era introdução. (…) Isso tem muito valor! (…) Ele ficou um bocado triste porque
[não foi creditado.]
Mas eu disse: não fique Fontes, não fique triste porque fui eu que gravei e
não puseram lá o meu nome, sequer. Portanto não fique triste.
É verdade, foi autêntico! Não puseram sequer lá o meu nome, e gravei
aquilo em duas noites! A Amália estava boa para cantar, sabia as músicas de cor,
eles eram dois, era o Fontes Rocha e (…) o Pedro Leal. (…) Tocavam muito bem
viola. Acompanhavam muito bem Fado. Tinham nascido para aquilo. Não era
viola de concerto, mas tocavam muito bem aquilo. (…)
Se a Amália estivesse boa para cantar, era capaz de cantar seis números
seguidos, com intervalo, para beber um copo, que ela não bebia mas enfim... Ela
bebia o chá e nós bebíamos o champanhe. Porque a Amália levava sempre
champanhe.
Quando saía bem [perguntava]: está boa a gravação?
Ela vinha-me perguntar. Se eu dissesse que não estava boa, ela ia gravar
outra vez. Porque tinha sempre a mania que a coisa não estava boa.”
Hugo Ribeiro refere também que Amália optava por gravar na Valentim
de Carvalho e tinha sempre um grupo de amigos que a ia assistir às gravações:
“Mas é que ela tinha aqueles amigos, aquilo tudo, estava tudo bem para eles.
Tudo aos beijinhos.
Eu dizia: ó Amália não traga tanta gente porque esta gente não a ajuda
nada.
E é verdade. Eram aquelas amigas aquilo tudo. Não a ajudava nada.
[Amália respondia:] Mas o que hei-de fazer? Se elas querem vir o que é
que eu faço?
Porque Amália não era pessoa para expulsar ninguém, nem dizer não
podem vir. Não, era assim desse género.
Depois dizia-me assim: pois você como não as quer cá, você diga às
minhas amigas que não venham.
Sabia que [eu] não dizia. Eu não ia dizer uma coisa dessas. Mas vinham.
Havia uma coisa má, a maioria tinha mau gosto, e para eles estava tudo bem que
Amália cantasse. Como tinham aquela paixão por Amália, tudo que ela cantasse
está bem. E a Amália tinha noites que cantava melhor que outras, isso é como
toda a gente. (…) ”
Hugo Ribeiro refere também como é que efectuava a captação de som:
“Eu tinha que ensaiar primeiro os guitarristas. (…) O Fontes tinha um som
muito bonito mas tinha pouco volume, muito pouco volume. O outro era muito
certo. O viola era (…) um metrónomo, estava sempre certo. Digo um metrónomo,
não digo só no ritmo, era também no nível, tinha um nível sempre certo, era um
homem muito bom. O Fonte Rocha é que com aquela criação dele, aquela
58
criatividade, às vezes aquilo era tão pianinho, [que] mal se ouvia. E eu ouvia a
música uma vez, depois pedia a Amália para cantar, e ao fim da segunda ou
terceira vez estava gravada a canção. (…) Eu tinha que acertar bem a guitarra e a
viola. Tanto a viola como a guitarra eram [captadas com] dois microfones. Com a
Amália é que era mais do [que] um, porque eu tinha que enganar (…) a Amália
por causa do nível. Porque Amália quando estava boa para cantar, fazia o
contrário. (…) A Amália não nasceu para cantar ao microfone, ela mesmo [o]
dizia. Quando ela começava a cantar, se havia uma nota forte (…) aproximava-se
do microfone, se havia um pianíssimo ela afastava-se. E para mim era o diabo!
Era medonho! Então arranjei um sistema de ter um reforço de um microfone
igual, ter o reforço, para ver: se a coisa corresse bem muito bem, se a coisa
começasse a correr mal nesse aspecto, porque tinha aquela distorção harmónica,
quem era o compressor da Amália era eu. Com medo que o compressor me
estragasse. (…) Naquela altura ainda não [eram] o que são [hoje]. Eles
melhoraram muito depois. Aquela coisa de meter o compressor e o tipo cantar
pra aí não pode ser pá! E então fazia aquela coisa [sinaliza com as mãos]. Sabes
porquê? [pergunta a José Fortes.](…) Porque eu conhecia as músicas. Isso é que é
o segredo maior! Eu conhecia as músicas de as ouvir a ensaiar, e sabia como
eram as músicas. Conhecia as músicas de ouvido.”
Hugo Ribeiro refere assim que um dos maiores segredos era o
conhecimento do repertório de som por parte do técnico, que o permitia
antecipar-se a qualquer eventualidade. Paralelamente à música, Hugo Ribeiro
realizou também algumas captações de som para cinema, na dobragem de
diálogos e na mistura do «som de referência» de vários filmes, entre os quais
Belarmino (Fernando Lopes. 1964), o Cerco (António da Cunha Teles, 1970) e o
Passado e o Presente (Manoel de Oliveira, 1971) (Tilly & Silva, 2010). Hugo
Ribeiro conta em entrevista como era processada a captação de som salientando
as diferentes tecnologias e meios disponíveis existentes em Portugal e o que
existia, paralelamente, no estrangeiro:
“Nós dedicamo-nos ao cinema. Nasceu de uma lei que ia sair, para a
dobragem de filmes estrangeiros em português. Ainda bem que aquilo não foi
avante!
Já tínhamos artistas falados, uma quantidade de gente, mas o senhor que
era o presidente do Sindicato, que era o António Lopes Ribeiro, fez tudo para não
se dobrarem cá filmes em Portugal! Para mim ele até teve razão, eu não queria
estar a ouvir um cowboy [a falar espanhol.] Em Espanha estão a falar e parece
que estamos a ver mais uma tourada do que um filme de Cowboys. É claro que
isso não tem nada a ver, [tira] o espírito todo ao filme. Nós ficamos a dobrar
filmes sim, mas os portugueses. Os filmes portugueses era raro serem feitos com
som directo. Porque não era possível. Eles na América faziam com som directo
[havia estúdios para isso.] Aquilo não era nada cá fora, não era nada na rua.
Estava tudo montado. Enquanto nós aqui, íamos para as ruas de Lisboa [e] ficava
tudo uma porcaria, o som [ficava] uma coisa horrorosa, com o barulho todo que
havia!
Portanto fazia-se som de referência, que era sincronizado com o filme. E
depois punha-se uma coisa que os franceses tinham (...), chamada ritmo gráfico.
O ritmo gráfico [ficava] abaixo do ecrã, na sala de dobragens. (...)
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32 Hugo Ribeiro refere que Jorge Brum do Canto terá participado no Fado Corrido, de Amália
Rodrigues, sincronizando-o todo.
33 Na entrevista Hugo Ribeiro não refere quem é João Diogo
60
E então a mistura era feita. Uma mistura que não tinha nada a ver com a mistura
de som (...) [feita na música]. Era uma mistura de um som que já estava gravado
(...) e que a gente ia ouvir no ecrã.”
José Fortes que se encontrava no papel de entrevistador conclui no que
consistia a máquina de gravação:
“era uma máquina que recebia o som, portanto uma máquina master de
gravação e havia uma data de máquinas de fita que eram escravas, [e] isso seria a
multipista da época. Vamos supor que eram seis máquinas, que [era o que] se
usava normalmente. Eram seis máquinas que estavam todas a trabalhar com o
mesmo motor em sincronismo, com seis fitas separadas, essas fitas eram
acertadas, [e] quando se carregava para arrancar, arrancavam todas as máquinas
ao mesmo tempo.”
Hugo Ribeiro continua a explicar no que consistia o sistema:
“Aquilo arrancava tudo no momento em que passava no ecrã um pi. Tinha
um buraquinho na fita que fazia pi, [e] já estava tudo a andar, tudo síncrono. O pi
coincidia com uma cruz que também aparecia, que era para saber que estava
tudo certinho, depois [era] sempre a andar. (...) [Era] o sistema de claquete. E era
a maneira de fazer aquilo. (...) A dificuldade era quando as coisas se
“desencapistavam.” Quando começava cada um [a ir] para seu lado. Às vezes
acontecia! Mas isso era do motor grandalhão, ou de baixas de corrente, coisas
que havia às vezes...
Depois a gente voltava atrás e ia fazer outra vez, não havia problema
nenhum! E então fazia-se a montagem toda!”
Hugo Ribeiro refere, também, como é que se faziam os Loops de
ambientes:
Para já havia um tipo chamado Del Negro (...), ele é que fez a Consolette de
cinema. Não tinha nada a ver com as outras, era uma Consolette por onde passava
a fita já gravada. (...) O director de cinema [estava] ao pé de mim (...) e dizia:
Agora sobe a música, agora deixa entrar a palavra, mas baixinho, agora
desce a palavra, eles vão se afastando.
Ele ia [dizendo] aquilo tudo e a gente ia fazendo. E íamos vendo,
estávamos a ver o filme, e estávamos a ver o resultado do som [no] filme. Às
vezes era preciso repetir porque não estava bem. Depois voltávamos atrás e
fazíamos novamente. Era então uma Consolette que só servia para ler, que era a
Consolette de cinema (que estava na sala de projecção). (...)
A gente estava ali, era como se estivéssemos no cinema, estávamos
sentados com a Consolette à frente e íamos fazendo a mistura. Eu gostava
daquilo! (...) achava piada! (...) Fazíamos [aquilo] para todos os filmes, mas
fizemos relativamente poucos filmes.”
Ribeiro refere também como é que se fazia a gravação musical:
“Então, a orquestra estava a tocar e o filme a passar. Estava um maestro,
ia por aí fora... Depois ficava gravado com o mesmo tempo, tudo ali impecável.
Porque depois era já tudo síncrono. A gravação que era feita já era síncrona.
Já tinha que ser senão depois aquilo começava a desviar e era uma chatice!”
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(nomeadamente letra e música). Agudo refere: “Do papel salta assim para a voz
do eleito, que fará todos os possíveis para lhe dar vida e alma.”
O passo seguinte que o artigo refere são os ensaios e os acertos. Este
processo decorre com a aprovação ou desaprovação do produtor de discos em
que este avalia o trabalho perspectivando um possível sucesso popular. Agudo
refere que havendo aprovação por parte do produtor a canção sobrevive,
permanecendo mergulhada na escuridão do futuro, mas com grandes
probabilidades de vir em breve à luz do dia.
3– Gravação
O passo que seguinte ou a categoria seguinte que o artigo refere é relativa á
gravação.
Agudo menciona um estúdio enorme, complicado. Havendo uma orquestra e
um intérprete. A régie é um autêntico arsenal de botões e de pequenas alavancas,
havendo também, uma ou mais máquinas de gravação.
Antes da gravação existem algumas afinações que são executadas. Sendo elas:
afinações de voz, de instrumentos, da própria colocação dos microfones
envolvidos no processo de captação, e uma verificação dos cabos de ligação.
Depois, ocorre um ensaio final, em que o técnico de gravação abre e fecha
atenuadores, de modo a conjugar a intensidade de níveis dos diversos
instrumentos a captar.
Só depois destes processos é que decorre a gravação, sendo que em primeiro
lugar, se grava apenas a parte orquestral. O jornalista refere que neste processo
de gravação é habitual o cançonetista assistir, cantando em voz baixa,
acompanhando a gravação da parte orquestral. Isto permite-lhe que fique a
conhecer a orquestração, facilitando-lhe a tarefa do playback, ganhando uma
maior à vontade.
Agudo refere que, após o processo de gravação da parte orquestral estar
concluído, a bobina da gravação passa para outra máquina que tem como intuito
a reprodução do conteúdo da bobina.
O passo seguinte, é a gravação de voz em «cima» da parte já gravada pela
orquestra.
O cançonetista coloca os auscultadores, fecha-se numa pequena sala de
estúdio e prepara-se para a gravação sendo que outra máquina de gravação irá,
adicionado ao conteúdo reproduzido pela máquina subjacente ao conteúdo
sonoro da orquestra, reproduzir a voz do cançonetista.
O artigo refere que se tudo estiver em perfeito sincronismo, o processo de
gravação para fita passa a estar concluído, dando origem ao conteúdo do disco. O
sincronismo entre as máquinas, a perfeita conjugação de voz com a orquestra, é
um trabalho demorado, não havendo uma estimativa quanto á qualidade do seu
resultado. Normalmente, num processo de gravação que visa um disco de 45
r.p.m. (ou seja, 12 minutos de gravação) demora-se 12 horas a executar, isto
contando, com o ensaio.
3– Abertura do Acetato
Agudo refere que este processo, referente á produção do disco, é a parte mais
desconhecida do grande público.
A gravação em fita irá dar origem ao acetato, a um disco virgem de alumínio,
com uma cobertura de acetato. São feitos uma série de ensaios que visam,
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34 A Zip seria outra editora a surgir, fazendo parte do movimento “nova música Portuguesa”
35 Capítulo incluído na Enciclopédia da Música em Portugal no século XX, editado pela “Círculo de
Leitores”
66
Na entrevista que Arnaldo Trindade me concede fiquei a compreender
que o músico, cantor de intervenção, passaria a ser marginalizado pela sociedade
e pelos diferentes grupos editoriais e de outros sectores sob influência do Estado
Novo. O rendimento mensal a que Losa se refere, na alínea anterior, terá a ver
com funções de scouting, em que José Afonso, mais conhecido nos dias de hoje
como Zeca Afonso, seria incumbido de trazer novos artistas para a editora.
Arnaldo Trindade e respectivamente a Discos Orfeu, passaria a apresentar-se
como um “porto seguro” para os cantores de intervenção que viviam à margem
da sociedade.
Antes de mais, Arnaldo Trindade refere como é que a Discos Orfeu se
posicionou perante o regime nacionalista daquela época:
“Nós queríamos era fazer coisas. (...) Uma empresa não é política. Eu
posso ser político mas a empresa tem que ser aberta para todos os géneros e o
nosso lema era a qualidade. Portanto qualidade não era com certeza o regime.
Não havia poetas, não havia gente de jeito como sabem. E o que é que era
necessário?
Era necessário que se fosse para a frente e se conseguisse gravar. Porque
se não ficavam as obras todas desconhecidas. E esse movimento que a Orfeu
alastrou não teria sido possível.
Portanto o que é que nós fizemos?
(...) Éramos uma firma (...) não política, não éramos engagé, digamos. (...)
Depois fazíamos sempre o que queríamos, e o que era bom gravávamos.
Porque houve uma altura, quando o José Afonso veio gravar para nós ninguém o
quis gravar. Ele correu as capelinhas todas de editores. (...)
Normalmente, todas as companhias de discos que eram de establishment,
eram do regime. A Rádio Triunfo, que era do Rogério Leal, que era editor da
Emissora Nacional (EN), a Valentim de Carvalho, toda a gente da altura, depois
mudou (...) com os núcleos novos. (...) E aliás, vê-se pelo repertório. Porque não
queriam, (...) achavam que as coisas estavam muito bem, outros não queriam
arriscar.
E nós [foi] ao contrario. Eu tinha vinte e tal anos, o que eu queria era tudo
o que fosse bonito, [tudo o que fosse bonito] era para gravar. E foi assim.
E depois (...) começou a haver problemas, porque nós estávamos com um
catálogo de todos os grandes cantores de intervenção. (...)
Nós para começarmos este novo sistema (...) [fizemos] um contrato muito
especial tanto com o Adriano, [como] com o José Afonso e (...) até com o José
Galvani, na parte musical, e com o Miguel Graça Moura em que eles eram (...)
colaboradores [da firma].
E o que é que eles tinham de fazer? Descobrir novos valores!
E por isso nós dávamos um ordenado que não tinha nada a ver com a
edição dos discos. Eram como colaboradores, para descobrir novos valores. (...)
E então isso resultou! Tanto o José Afonso como o Adriano que não
tinham possibilidades de sobrevivência, porque eles não tinham emprego, foram
postos fora, de lado, nas suas actividades. (...) E não era tão pouco como isso...
Dizia o Niza que podiam comprar quatro carros novos por ano, portanto não era
mau. E então [eles] trouxeram-nos o Fausto, o Vitorino [e] o Francisco Fanhais.”
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Leonor Losa refere também outras editoras que teriam tido um papel relevante
na difusão da canção de intervenção em Portugal:
“A editora Sassetti integrou as editoras Guilda da Música e
Zip, tendo em 1970 concretizado o conglomerado Sassetti S.A. Além da
vertente de música erudita da Guilda da Música, a Sassetti fundiu os
interesses da editora Zip com os dos próprios fundadores, na edição
de música popular, tendo prosseguido o trajecto de difusão de
representantes da «nova música portuguesa». A linha editorial da
Sassetti assentava sobretudo numa vertente da balada com um forte
teor
de contestação política, exemplo da canção de protesto em
Portugal (...).”
(Losa, 2010)
Arnaldo Trindade refere também o papel que a sua editora terá tido no
movimento revolucionário subjacente ao 25 de Abril:
“Não era nossa intenção fazermo-nos revolucionários. A nossa intenção
era apresentar o melhor que havia na música portuguesa e darmos condições
para que isso acontecesse, porque na altura também não havia grandes estúdios,
aqui no Porto. (...)
Não fomos nós que fizemos a revolução, agora os nossos discos fizeram.
(...) Porque não há dúvida nenhuma que essa juventude toda de oficiais, dos
milicianos, que estiveram na Guerra de África, foi bastante influenciada por esse
género de música. Nós víamos o interesse que havia na juventude e havia coisas
novas. (...)
Agora, o que é que se conseguiu? Conseguiu-se (...) iludir por uma
linguagem diferente, que só se lia nas entrelinhas, (...) que de facto, a censura não
era muito inteligente... A lei portuguesa era assim: o editor é que era o
responsável. Mas nós iludíamos muito bem, porque na altura quando veio o José
Niza para a empresa, o Zé Niza conhecia o indivíduo da censura, que era o Feitor
Pinto. Ele conseguiu negociar com o Feitor Pinto o que é que se ia gravar. Isto é,
uma pré-censura. (...) Nós entregávamos as letras todas e eles cortavam ou não
(...).
Mas como aquilo foi muito bem conduzido, nós mandámos umas [músicas] muito
fortes para eles cortarem e sabe o que é engraçado? Eles não cortaram! O caso do
[tema] “A morte saiu à rua”, foi aprovada pela censura. E o José Afonso foi cantar
no Rio de Janeiro, no Festival de Oti, está a ver? A Grândola não foi proibida, por
exemplo.
É para ver que na realidade o que é preciso é que as coisas têm que ser
feitas e que para serem feitas temos que ter inteligência suficiente, eu não estou
a dizer que é a minha. (...) Temos uma equipa, não é? Que resolveram os
problemas, e isso foi o que se sucedeu.”
José Fortes refere também, o papel do técnico de som no meio, pondo-se à
parte de guerras e opiniões, mantendo-se como um elemento neutral em que tem
apenas como papel a captação e gravação sonora. À pergunta que eu lhe
coloquei: se achava que o ambiente num estúdio seria mais subversivo José
Fortes responde:
“Nunca tive essa percepção. Eu posso-lhe contar uma história gira, que foi
passada com o Zeca Afonso e com o Zé Niza. A primeira vez que gravei com o
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Zeca Afonso [algumas coisas que o Zeca Afonso fez] na Rádio Triunfo, o Zeca
Afonso vira-se para o Zé Niza, julgando que eu não estava a ouvir (a Régie era no
primeiro andar e o estúdio cá em baixo na cave) e disse: Não sei se é melhor
avisar ali o senhor técnico o que é que eu vou cantar.
Eu já tinha assistido a gravações do Zeca Afonso nos anos 60 no Porto
com o Licínio de Oliveira. Tive esse privilégio, de assistir, [a] uma das primeiras
coisas que ele fez para o Arnaldo Trindade.
E então [ele pergunta]: não sei se o senhor técnico sabe o que é que eu
vou cantar?
O Zé Niza diz-lhe: Não, não sabe, mas porquê?
[Zeca Afonso responde:] É que eu não lhe queria ofender.
Eu desci e disse-lhe: não ofende nada, quer dizer, é o meu trabalho, sou
técnico de som.
E disse-lhe a frase que digo desde miúdo: Sou técnico de som, tanto faz
um burro a zurrar como uma orquestra a tocar, som é som, não é?
Eu nunca me apercebi dessas guerras e guerrinhas, inclusivamente de
artistas. Nunca se passou nada à minha frente que eu pudesse ficar chocado ou
reparar. A única coisa que reparei foi nesta atitude do Zeca Afonso que eu
considero uma atitude muito digna.”
Arnaldo Trindade refere também nesta mesma entrevista a evolução do
mercado discográfico antes e após o 25 de Abril:
“O mercado discográfico estava ao sabor do que as empresas portuguesas
queriam, porque eles só faziam o que queriam. A maior parte dos êxitos,
chegavam tarde e a má hora. Porquê? Porque eles faziam uma política de stocks.
Era interessante gravar, vender isto ou vender aquilo... Conforme os seus
interesses comerciais. E nós (...) ultrapassámos isto tudo. Porque o nosso
interesse [era] um interesse artístico. A nossa vitória foi essa. É que nós jogámos
noutro campeonato. Nós queríamos era o bonito, o que era bom. Íamos buscar os
melhores artistas gráficos, as melhores condições de gravação, os melhores
cantores, as melhores letras, e era isso. E depois criámos uma equipa. E
trabalhamos em equipa. Se algum valor que eu tenha foi [o de] fazedor de equipa,
e só isso.”
Leonor Losa refere que a liberdade de expressão que surgiu após o 25 de
Abril potenciou novos estilos musicais, e que editoras discográficas consolidadas,
como era o caso da Valentim de Carvalho, tiveram que repensar o seu repertório
e toda a sua estratégia comercial:
“O período pós-revolucionário caracterizou-se pelo proliferar
da música popular portuguesa na sua vertente interventiva. A crítica
política e social e o carácter pedagógico constituíam um eixo central
de uma parte significativa da música produzida no país. A recém-
adquirida liberdade de expressão, aliada ao interesse na «música
tradicional» que havia sido explorado pela «nova música portuguesa»,
fomentou, por um lado, o interesse na recolha de práticas musicais
tradicionais de todas as regiões do país, sobretudo levada a cabo por
grupos como GAC-Grupo de Acção Cultural Vozes na Luta, e.o.
Os sistemas de edição musical, em muitos casos, ficavam
igualmente a cargo desses grupos que montaram estruturas de edição e
produção musicais, estimuladas pelas energia dos anos de fervor
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nossa Consolette dava para dezasseis. Depois das 8 passamos para as 24. Nunca
tivemos máquinas de 16.”
António Tilly e Hugo Silva referem que a partir de 1970 o técnico Hugo
Ribeiro já gravaria com o sistema de multipista, primeiro com oito pistas e já
mais tarde (a partir da década de 80) 24. Hugo Ribeiro refere uma gravação em
que captaria Hermínia Silva com acompanhamento de orquestra e refere que
chegaria a usar cerca de 10 a 12 microfones para a captação da orquestra:
“Eu [...] gravava, por exemplo, quando tinha os violinos, quando era com o
Galarza e coisas assim, (...) levava seis violinos e eu achava que era pouco, e era.
Duplicava os violinos, gravava novamente os violinos. (...)
Não se podia gastar mais dinheiro nos violinos, tinham que ser aqueles, e então
tinha que se duplicar. É claro que levava mais tempo, mas eles tocavam bem!
Punha-se os auscultadores e aí não havia hipótese!”
Ribeiro refere outras técnicas de gravação, como por exemplo, quando
gravou os Shadows, usando para o efeito altifalantes, salientando o facto da
banda se sentir mais confortável desta forma para modular a voz:
“Também se podia gravar com altifalantes.” Quando foi do Shadows,
tiveram lá a gravar e vieram os ingleses com eles. Eles não quiseram
auscultadores e gravaram com altifalantes. Punham uns microfones, por exemplo
um 67 em 8 para meter duas vozes, punha um à frente do outro e o altifalante
aqui e gravavam.
E eu [perguntava]: não acha que entra um bocadinho de som?
Entrava um bocadinho, no altifalante. Mas [nós] preferimos assim. Sabes
porquê que eles queriam assim? [pergunta ao seu entrevistador] Bem sei, que
isso foi há muito tempo, mas os Shadows queriam controlar a voz! E com os
auscultadores não controlavam bem a voz.
Eles queriam dar nuances e coisas que com um altifalante davam melhor do que
com os auscultadores. Para eles era melhor! Para mim era pior! Porque se tivesse
alto demais ou qualquer coisa, lá vinha, lá entrava a música... Mas lá me consegui
safar...”
Hugo Ribeiro refere também as gravações do pianista Pedro Osório, em
que o pianista gravava o piano a uma velocidade e reproduzia-a ao dobro, de
modo a que o piano “soasse” mais rápido:
“O Pedro Osório era um homem dificílimo de gravar. Ele gravou tudo do
Paco Bandeira, ao princípio. (...) Esse sempre quis fazer truques!
Um dos truques que ele fazia, (...) era (...) gravar o piano a sete e meio, (...) para
depois [o] reproduzir a 15. Então ficava um piano [que] parecia o Carmen
Cavallaro. Lembraste do Carmen Cavallaro, que era aquele grande pianista
americano de música ligeira, tocava numa espécie de piano de cristal e tocava
com uma velocidade bestial, “plplplpl”, tudo aquilo muito brilhante!
O Valadas36 também era um bocadinho assim, tudo aquilo muito brilhante.
Eu tinha que fazer assim.”
João Pedro Castro refere que também ele teria trabalhado com diversas
36 Na entrevista, o técnico de som não é explícito quanto á identidade da pessoa em questão
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37 http://imagemesomhd.blogspot.pt/2009/10/audio-analogico-x-digital.html
38 Peter Burkowitz (1920 – 2012) terá sido, segundo a Audio Engineer Society, uma das maiores
sumidades no campo da engenharia de som (aes.org)
39 Num artigo redigido Por Sam Katz e que consta no site http://www.stockhamfilm.com/, Katz
afirma que Thomas G. Stockham Jr., teria sido um engenheiro eléctrico que terá revolucionado a
indústria de gravação de áudio, desenvolvendo os primeiros métodos práticos para gravar e
editar som digitalmente. Katz refere ainda que Stockham terá mudado a forma como ouvimos
música, hoje.
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deveria documentar um evento exactamente tal como ele terá ocorrido. Milner
refere que Stockham terá argumentado que uma gravação deveria documentar
um evento exactamente como ele ocorresse. Stockham referia que numa
gravação feita em fita magnética, não interessando para o efeito, o quão bem-
feita ela seria, consistia em mais do que apenas a gravação da música, ela própria
consistiria também numa gravação da própria fita. O som da fita faria parte da
gravação. Stockham defendia: “nós não queremos uma gravação que consiste na
fita mais música, nós só queremos a música.” (Milner, 2009)
6.2 Primeiros sistemas digitais
“É uma história familiar, uma [história] que vai desde trás
[percorrendo] todo o caminho de volta para o cilindro de Edison e a
sua luta perdida contra o disco de Berliner. Stockham foi um
verdadeiro visionário. O seu pensamento era tão avançado que, em
1977, dois anos antes da Sony lançar o seu primeiro Walkman, ele já
previa [a aparição] do iPod ("Não é ultrajante imaginar carregando
várias horas de música numa caixa do tamanho de um baralho de
cartas"). O gravador Soundstream foi cuidadosamente trabalhado por
pessoas obcecadas com a ideia de fidelidade e mostrou-se, de uma
forma mais obvia, no sistema de edição digital Soundstream. Outras
empresas começaram a construção de gravadores digitais no final dos
anos setenta, mas apenas o Soundstream oferecia [uma] edição visual
baseada em computador.”
(Milner, 2009)
Thomas Fine, dono de um estúdio de conversão analógica para digital em
Nova Iorque e membro da AES40, escrevera num artigo, denominado “The Dawn
of Commercial Digital Recording”, o papel que Thomas Stockham terá tido para o
mundo da gravação sonora digital através dos seus programas de computador
que contemplavam reversão da distorção inerente às campânulas de gravação:
“De volta ao local de nascimento de PCM, os engenheiros dos
Estados Unidos, em várias empresas, começaram a olhar para gravação
de áudio digital na década de 1970.
Na vanguarda estaria um professor da Universidade de Utah, Dr. Thomas
Stockham. No seu laboratório, em Salt Lake City, Stockham desenvolveu
um sistema de gravação e edição de áudio digital, primeiro utilizando
unidades de fita de computador e, posteriormente, usando um
Honeywell, sistema de edição de uma instrumentação linear. O sistema
de edição de Stockham, que corria numa DEC, [refere-se a um]
computador principal permitindo a edição visual de formas de onda
musicais, foi um precursor directo da estação de trabalho digital
moderna (DAW) e gravação e edição baseada em computador. Stockham
também foi pioneiro no processamento de sinal digital, criando
programas de computador para reverter as distorções inerentes ás
campânulas de gravação usadas para
fazer as gravações de Enrico Caruso no início do século 20.”
(Fine, 2008)
Milner refere também que a gravação de bombos teria sido sempre um
desafio devido ao facto de estes produzirem frequência graves que um microfone
teria dificuldade em reproduzir. O autor menciona que para lidar com essa
40 Audio Engineering Society
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41 dólares
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79
maiores, como por exemplo 32 bits, apenas serão usadas para processamento
interno dos aparelhos. Resoluções que contemplam o bit rate de 16 bits serão
consideradas aceitáveis, e usadas em “produtos acabados”, numa altura em que o
áudio já não precise de mais processamento (usadas, por exemplos, em CDs).
O autor de “Introdução à Engenharia de Som” afirma também que para se
obter um sinal digital é necessário efectuar constantemente medições ao sinal de
entrada. Levantando, com isso, duas questões: Com que frequência é que se
fazem essas medições e com que precisão? Segundo o autor:
“Sabe-se hoje em dia (através do teorema de Nyquist), que se
efectuarmos essas medições a uma determinada frequência (a que
chamaremos frequência de amostragem ou sample rate), poderemos captar
sinais com frequências até metade desse valor.
Como o áudio utiliza frequências que vão até aos 20 kHz, precisamos
de uma frequência de amostragem de pelo menos 40 kHz, ou seja,
precisamos de fazer 40 000 medições por segundo. De forma a existir
alguma margem de manobra, optou-se por [um] valor ligeiramente
superior: 44.1 kHz (usada nos CD de áudio) ou 48 kHz.
A segunda questão está relacionada com a precisão dessas
medições. Para medir o sinal de entrada, o conversor analógico-
digital irá considerar um conjunto de intervalos que correspondem aos
valores possíveis da medição.
Imagine que quer medir o comprimento de um lápis. É óbvio que
para o mesmo comprimento, uma régua com a escala em milímetros terá
muito mais intervalos do que uma régua com a escala em centímetros. O
mesmo se passa no áudio – quando mais intervalos existirem, maior
será a precisão da medida.
(Fonseca, 2007)
No capítulo da mesma obra intitulado “Qual a frequência de amostragem /
resolução a usar?”, Fonseca refere as três principais razões pela qual se usa uma
melhor resolução: maior gama dinâmica, menor distorção provocada pela
quantização e maior headroom43.
É importante mencionar que sempre houve uma grande discordância
entre os especialistas de som no que toca aos sistemas de resolução a utilizar.
Fonseca refere que:
“Em relação à frequência de amostragem, ainda não há consenso
entre os especialistas – uns defendem que sample rates de 96 e 192
kHz só servem para gravar frequências para serem ouvidas por
golfinhos e morcegos [como é o caso de João Pedro Castro], outros
declaram que essas frequências acima dos 20 kHz podem ser sentidas
pelo ser humano [como é o caso de Gustavo Carvalho44].”
(Fonseca, 2007)
43 Headroom é um termo usado em engenharia de som que pode ser interpretado como “margem
de manobra”. Se no meio do percurso da amostra digital, alguém baixar o volume ao sinal e mais
tarde voltar a aumentá-lo, há informação que se perde. Se dividir o número 1234 por 10, fica com
123; se multiplicar 123 por 10, fica com 1230, que é diferente do número original – 1234. É
precisamente o mesmo com as amostras digitais. Tendo em conta que durante a fase de produção
e pós-produção, um sinal é transformado de tantas formas, quanto maior for a resolução do sinal,
menor será a perda de informação. (Fonseca, 2007)
44 Engenheiro de som e dono do estúdio Laboratório Musical, sediado em Amarante.
80
45 anti-alias ou anti-aliasing
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47 dissertação elaborada na área de especialização em sistemas gráficos e multimédia para o
IGEC
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Greg Milner refere também, que nos inícios dos anos 2000, o Pro Tools
conquistaria o campo que lhe faltava, o da mistura:
“Ele só não aconteceu em 200148. Aconteceu mais em 2003, 2004 e 2005. Em
2007, entre 70 e 80 por cento de toda a música pop (e, provavelmente, quase 100
por cento de todo o hip-hop, R&B e música de dança) misturou-se in-the-box [ou
seja, totalmente dentro do computador].”
Milner reitera ainda que o Pro Tools foi para o pós-11 de Setembro o que a fita
magnética tinha sido para o período que se sucedeu à Segunda Guerra Mundial.
“No passado, ainda antes do século XX a música era uma
experiência meramente social. Não se podia leva-la para casa, copia-
la ou vende-la. A música estava vinculada a um contexto social que
servia para fins sociais como cerimónias, entretenimento, música de
igreja, etc. Desfrutava-se no momento, mas depois passava a ser uma
simples memória.
No século XX tudo mudou, com o avanço da tecnologia, a música
passou a ser gravada e reproduzida e consequentemente, comercializada
e consumida.
Todo um império se edificou. Surgiram bandas de culto, artistas
que ficaram na história da humanidade e um modelo de negócio regido
pelas grandes editoras discográficas que singrou.”
(Valente, 2014)
Leonor Losa refere, na Enciclopédia da Música em Portugal no século XX,
que no final da década de 70 assistir-se-ia a um interesse de editoras
multinacionais no mercado fonográfico português, fazendo com que estilos de
música alternativos começassem a emergir em Portugal:
“No final dos anos 70 um novo contexto económico, a emergência
de uma nova geração de músicos e públicos e a formação de pequenas
estruturas de gravação, edição e distribuição de fonogramas
contribuíram para uma mudança nas estruturas comerciais nas
estéticas da [Indústria Fonográfica]. A gradual abertura das
fronteiras comerciais motivou, desde [o final da década], a
instalação e a intensificação da presença de grupos editoriais
multinacionais como a Movieplay, a Polygram, a EMI, a CBS
(posteriormente Sony), (...) no país. Em simultâneo, motivações de
ordem estética resultantes do aumento de circulação de fonogramas
internacionais no país e do contacto com estilos musicais
alternativos às tendências dominantes no mercado do pop-rock
(sobretudo provenientes do Reino Unido) conduziram a que uma nova
geração de músicos, não identificada com a causa de protesto,
desenvolvesse novos produtos musicais. Na [Valentim de Carvalho],
empresa que via o seu protagonismo ameaçado, ingressaram para as suas
secções de Promoção e A&R, David Ferreira e Francisco Vasconcelos (no
seguimento da tradição familiar da empresa), representantes de uma
geração pós-revolução, e cujos interesses musicais definiram a
selecção dos artistas gravados. A proximidade etária com músicos e
agrupamentos em fase de formação, bem como o conhecimento da
realidade musical de outros centros urbanos, como o Porto, de onde
48 Milner refere que o 9/11 (ataques do 11 de Setembro) atrasaram momentaneamente os
Estados Unidos, provocando um ligeiro retrocesso no mercado discográfico e, amplamente, no
mundo da gravação sonora.
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os discos. Hoje, inverteu-se tudo. Hoje fazem-se discos que [são] o cartão-de-
visita e onde eles ganham [é] nos espectáculos. Tudo ao contrário...
E as pessoas agora não compram os discos, porque [os] têm de graça, na Internet.
(...) Eu acho que é horrível porque a qualidade da música [de] hoje, que as
pessoas ouvem é péssima! A qualidade técnica. (...)
O sistema [de] CD, eu não gosto, e aliás, está a haver um revival do vinil.
(...) Antigamente as pessoas gostavam de ter uma boa aparelhagem, (...) [o]
melhor amplificador ou pré amplificador [e] altifalantes. Havia revistas
especializadas, a Gramophonian. Não sei se ainda existe isso, (...) [onde se
escolhia] o melhor gira-discos. Havia muitos amadores nisso.
Na dissertação de Céline Valente, intitulada “O impacto da Internet e das
Novas Tecnologias na Criação e Produção Musical Portuguesa”, a autora faz um
levantamento de opiniões de alguns artistas intervenientes no mercado
fonográfico de hoje em dia, sendo interessante destacar algumas delas, de forma
a explicar o actual panorama do mercado discográfico.
João Pedro Pires, conhecido como Ka§par refere:
“A liberdade inerente na Internet parece tornar demasiado fácil
a expropriação dos conteúdos criativos por parte dos utilizadores. A
melhor forma de devolver algum lucro ao mercado é educar melhor os
utilizadores e ao mesmo tempo devolver alguma da qualidade que se
perdeu (de forma avassaladora) na música “mais mainstream” ao longo
dos últimos anos.
Os singles mais vendidos hoje em dia não são os melhores, mas os mais
bem desenhados para serem o #1 – assim sendo, desaparecem da cognição
social com a mesma rapidez com que surgem e deixam o mundo
desinteressado e desligado da música. As majors que querem fazer
música exclusivamente “pirosa” com grandes lucros em vista fazem mais
mal a si mesmas do que imaginam.”
(Valente, 2014)
Vasco Espinheira dos Blind Zero, refere que a música terá perdido valor, e
que os lucros provenientes da sua venda se encontram mal distribuídos:
“Hoje, a forma como ouvimos música mudou. A nossa música é
temporária e descapotável, vive em função do nosso espaço em disco. A
música não deixou, simplesmente, de dar dinheiro. Apenas todo o
dinheiro que era dividido por todos os “players” da indústria passou
a entrar, quase na sua totalidade, nas contas dos ISP’s (Internet
Service Providers). Afinal, a razão máxima da escolha do seu plano de
Internet é a velocidade de download. Esta é a geração onde se tornou
vulgar anunciar os melhores carros de fuga.”
(Valente, 2014)
John Almeida, músico e escritor nascido em Londres, filho de pais
portugueses reitera que o conceito da música grátis assume-se como endémico e
revoltante:
“[...] o público tem de se convencer que os músicos não vivem
de ar e vento. Um dia vão querer ouvir música e todos os artistas
estão a trabalhar em escritórios porque ninguém lhes pagava a música
e deixaram de ter possibilidade de a fazer. O conceito de que toda a
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Zé Pedro, o mítico guitarrista dos Xutos e Pontapés, menciona que a
indústria discográfica terá perdido o seu lugar no mercado e que o músico como
membro activo da indústria deverá participar e contribuir como puder:
“A indústria discográfica não soube acompanhar as novas
tecnologias. Está a tentar agora, encontrar a sua posição de
[controlo]. (...) Acho que vivemos um ponto de viragem mas que mais
tarde ou mais cedo, tudo se ajustará. Parece-me impossível e
desajustado pensarmos em voltar para outro sítio, ou acharmos que lá
atrás “é que era bom”. Vivemos com o que vivemos, e a isso não
pudemos fugir. Como membros activos nesta indústria temos de
participar e contribuir como pudermos.”
(Valente, 2014)
Segundo Manuel Palha, guitarrista dos Capitão Fausto, o futuro da venda
musical passa por dois factores fundamentais: uma legislação que proteja o
músico, e a adaptabilidade do artista face à realidade vigente:
“Na minha opinião, o futuro passa por um equilíbrio saudável
entre [uma boa e eficaz] legislação que proteja o artista e a
capacidade do artista se adaptar à realidade vigente nos dias que
correm. Como se pode ver, existem ainda, apesar de todas as questões
ligadas à pirataria, milhares de artistas que conseguem vingar. Há
que haver uma evolução da Indústria analógica [face] à evolução das
plataformas de disseminação musical.
Presumo, que se falássemos com um compositor e orquestra do
início do século XIX, e lhes explicássemos que, em vez de venderem
pautas ou esgotar salas de concertos, iriam gravar para um disco [em]
que as pessoas ouviriam a sua música num pequeno aparelho, certamente
ficariam chocados e revoltados com tal diminuição.
Ainda assim, ao longo dos tempos, houve uma adaptação ao
panorama vigente. [Tem] de [se] continuar [a] descobrir como [é que]
se chega a esse equilíbrio.”
(Valente, 2014)
Segundo Giliano Boucinha, cantor e compositor da banda Paraguaii, o
artista tem de acompanhar a evolução do tempo: “Não podemos ser clássicos
para toda a eternidade, temos de nos adaptar sobretudo ao mercado, quanto [à]
criatividade, [ela] estará sempre presente. Mas os tempos mudam e as vontades
também.” (Valente, 2014)
Boucinha vaticina um mau presságio para a indústria discográfica: “O
digital é o futuro e os discos ou vinil serão vendidos nos concertos. A indústria
discográfica infelizmente está [à] porta do fim.” (Valente, 2014)
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8. Conclusão
Muito mais há a dizer sobre o som, muito mais há a escrever sobre o som
e sobre o papel que ele tem vindo a desempenhar nomeadamente na indústria
Fonográfica Portuguesa.
Desde as primeiras notícias das “machinas fallantes” relatadas por jornais
portugueses da época até aos últimos estúdios de gravação equipados com as
mais recentes tecnologias no campo digital sonoro.
Sendo o objectivo primordial do meu trabalho descrever a evolução do
mundo sonoro no meu país, a sua história, e as histórias adjacentes aos seus
intervenientes e principais protagonistas que se encontram intimamente ligadas
com este tema central, história da gravação em Portugal, devo referir as
diferenças relativas entre diferentes paradigmas.
Desde a primeira era da gravação até aos dias de hoje é visível o contraste
entre os principais “mundos” sonoros em foco, como tantas vezes nos retrata
Greg Milner, atentando objectivamente ao caso do seu país, com as realidades de
países que se encontram no “hemisfério” sonoro secundário como é o caso de
Portugal.
Mais uma vez, se atentarmos aos acontecimentos ocorridos na primeira
era da gravação, poderemos constatar que em Portugal dava-se mais relevância
aos produtos estrangeiros do que portugueses. Sem me querendo afastar do meu
próprio tema, penso ser essa uma premissa intrinsecamente ligada ao estado
evolutivo do país, o facto de não se valorizar verdadeiramente o que era
nacional, facto que ainda hoje ocorre...
Outra justificação lógica e evidente que me aprece mencionar será,
inequivocamente, a diferença de “budget” entre o meio sonoro português,
enquadrando-se no hemisfério secundário e o meio sonoro primordial (refira-se
a titulo de exemplo: Estados Unidos, Alemanha, ou Inglaterra.) Não havendo por
isso, um investimento de forma alguma semelhante ou mesmo proporcional.
Tal como José Fortes refere o disco de ouro em Portugal era 20.000 e em
Espanha, 250.000. Esta realidade não pode ser negada ou negligenciada. Esta
diferença de investimento faz com que Portugal estivesse descontextualizado
com a realidade sonora presente noutros países, embora, por outro lado, faça
com que intervenientes do processo, como o técnico de som seja criativo,
inventivo, solucionando problemas (a titulo de exemplo refiro-me á
reverberação “inventada” por Hugo Ribeiro na sede da Valentim de Carvalho).
Mas o facto de eu me centrar diversas vezes no panorama sonoro
americano não se deve a questões de investimento mas sim, maioritariamente,
ao facto de ser nesse país que iram ocorrer o aparecimento de novas tecnologias.
Tive como objectivo obedecer a uma escrita académica (não
completamente cientifica, mas no limiar do cientifico, e da escrita corrente, não
tornando a dissertação demasiado “maçuda” nem demasiado “leve”. Fazendo
com que algumas obras que me serviram como fonte de informação se
conjugassem com as entrevistas que realizei e transcrevi para este documento,
no fundo criando um contraponto entre uma escrita mais cuidada, em que
transponho ideias de alguns escritores e das suas obras por si redigidas e as
histórias contadas, principalmente pelos três principais intervenientes que tive a
honra de entrevistar. É claro, que seria estranho, falar de três e não de quatro.
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Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado de Sistemas Gráficos e
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de interfaces interactivos no Design de Som, Tese apresentada ao Programa de
Mestrado de Design de Som na Escola das Artes da Universidade Católica
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digital-entenda-tecnologias-e-suas-diferencas.html
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Bom dia Arnaldo e obrigado por ter aceite participar nesta entrevista.
- No livro “Machinas Fallante” Leonor Losa afirma que: “(...) A criação [da]
discos Orfeu foi fundamental para a divulgação de estéticas e valores
musicais...” Já o jornal Publico transcreve uma frase sua: "Éramos
construtores de uma ideia nova," de que forma é que a Discos Orfeu veio
revolucionar o mercado discográfico á data da sua fundação?
- Como é que era o mercado discográfico nacional até então?
- Que cuidados é que se tinha de ter para editar musica nessa época?
- O facto de viajar muito e de passar muito tempo nos Estados Unidos foi
crucial na fundação da Discos Orfeu?
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Muito obrigado Arnaldo por ter aceite o meu convite e assim dou por
concluída a entrevista.
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- Qual foi a primeira tecnologia que o João usou para captar som?
- Tendo sido fundado a 1972 como estúdio pertencente á Rádio Trunfo como é
que avalia o aparecimento do Namouche na comunidade musical na altura?
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- Qual a reflexão do João ajudante de armazém do Riso & Ritmo até á direcção
técnica no Namouche em relação ao mercado discográfico?
Obrigado João pelo tempo concedido, e assim dou por concluída a entrevista.
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Eu sei que o José Fortes entra muito novinho para o mundo da gravação sonora
com apenas 13 anos.
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- Tendo gravado artistas tão diversos como Michel Giacometti, Zeca Afonso,
Fausto, Sérgio Godinho, UHF entre muitos outros como é que viu a
evolução do mercado discográfico ate aos nossos dias?
- De que forma é que o aparecimento de novas tecnologias suscitou uma
mudança no mercado?
- Na mesma entrevista que deu a Cajó refere que a maioria dos técnicos de
som da nova geração não sabem ouvir nem há nenhuma escola que os
ensine. Como é que se aprende a ouvir?
- Sei que o José Fortes passou pela fase de transição do período ditatorial
ate ao período de democracia. Como é que era o mercado discográfico no
tempo da ditadura?
Muito obrigado José Fortes pelo tempo que me disponibilizou e assim dou por
concluída a minha entrevista.
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