You are on page 1of 114

Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa

Mestrado em Som e Imagem

História da gravação sonora em Portugal

Design de Som
2016

Ricardo Gil Góis Correia Portela

Professor Orientador: Pedro Pestana

Setembro de 2016
ii
iii
Agradecimentos

Não poderia, antes mais, de deixar de agradecer a três pessoas que foram
fundamentais, através da sua experiência e das suas histórias, para o conteúdo desta
dissertação. Um obrigado muito especial a Arnaldo Trindade, João Pedro Castro e José
Fortes, por me terem recebido nas suas casas e por terem aceite o meu convite para
participar neste projecto.

Um agradecimento, de igual modo, especial ás pessoas que me ajudaram na


estruturação de conteúdos, na sua revisão, e elaboração, sendo elas o meu avô, Felisberto
Góis, que me ajudou bastante na revisão ortográfica de todo o conteúdo, e á Manuela
Araújo, que me prestou uma ajuda inestimável na formatação e elaboração do índice.

Queria agradecer, também, aos meus grandes amigos, que me ajudaram na execução
técnica dos vídeos, sem receber nada em troca, apenas pela amizade: Luís Freitas Carvalho,
que me ajudou na edição dos vídeos, apresentados em anexo, referentes ás entrevistas que
elaborei para este projecto, e ao José Luís Braga, pela sua captação de som na entrevista a
Arnaldo Trindade.

Agradeço ao meu orientador, Pedro Pestana, pelo seu acompanhamento nesta


jornada.

Por último, agradeço á minha família (especialmente aos meus pais) e amigos pelas
conversas e trocas de ideias que contribuíram explicita ou implicitamente para a minha
orientação ideológica neste mesmo projecto.

Obrigado!





iv




Resumo

Em Março de 1878 o Fonógrafo é apresentado à Academia das Ciências de Paris, os


académicos franceses nem queriam acreditar, uns ficam indignados com o aprelho,
insurgindo-se e afirmando tratar-se de um truque de ventriloquia, só quando tiveram
oportunidade de testar o aparelho é que puderam comprovar que era verdade, que haveria
tecnologia capaz de gravar e reproduzir som.
A primeira Era da Gravação (Acústica) fica marcada pelo seu carácter mítico, pela sua
magia, pelo inexplicável. Os Fonógrafos eram apresentados frequentemente no âmbito de
sessões de Taumaturgia e os músicos que queriam gravar através do estranho aparelho
reuniam-se em volta da sua campânula como suplicantes num altar, oferecendo à máquina o
sacrifício dos seus sons e esperando que a máquina os abençoasse com um som audível.
É nessa primeira época que William Sinkler Darby irá efectuar a primeira expedição
sonora em solo lusitano. Com o evoluir dos anos, as pessoas vão se acostumando ao
processo de gravação e passa a haver periódicos e lojas que comercializarão Fonógrafos e
cilindros, o Fonógrafo e mais tarde o Gramofone começa a ganhar expressão em Portugal.
Com o evoluir do tempo surge o microfone no âmbito da gravação.
O microfone irá mudar tudo, irá mudar esse paradigma, essa forma arcaica de relação
entre homem-máquina. O microfone passaria a trabalhar efectivamente para o seu utilizador,
funcionando como uma espécie de “ouvido” eléctrico, captando som mediante a direcção que
o utilizador idealizava.
A era da gravação eléctrica é por si só, um período de mudanças, passando a existir
novas possibilidades estilísticas, houve melhorias nas formas de captação, uma mais gravação
de voz mais eficaz e um alargamento do número de instrumentos passíveis de serem captados
e também, reproduzidos de forma mais fidedigna e audível.
Na terceira era (magnética) surgem outras possibilidades, permitindo que o técnico de
som tivesse uma maior liberdade no que concerne ao processo técnico de gravação.
Paralelamente ás novas possibilidades haveria também maior qualidade sonora no que
concerne ao processo de gravação, com a inclusão de novos equipamentos (como por
exemplo: o Magnetophon).
É importante referir que foi nessa época que surgiram espaços dedicados á gravação
sonora em Portugal, nomeadamente ao estúdio da Valentim de Carvalho situado em Paço de
Arcos. Haveria agora melhores condições para o processo de gravação.
Por último, a Era Digital surge intrinsecamente ligada ao aparecimento do compact
disc e as tecnologias computacionais que se geraram, havendo um processo de transformação,
em que os grandes estúdios munidos de máquinas de gravação de grande envergadura deram
origem a sistemas mais pequenos e práticos, nomeadamente a DAWs (Digital Work Stations)
como o Pro Tools, até ao momento que o conhecemos hoje.

Palavras Chave: História / gravação / som / evolução / intervenientes



v

vi

História da gravação sonora em Portugal



Índice

Resumo...................................................................................................................................................................v
1. Introdução...................................................................................................................................................... 3
1.1 Metodologia ............................................................................................................................................. 4
1.2 Descrição da estrutura da dissertação ......................................................................................... 4
2. Contexto global: A curiosidade humana em descobrir a gravação ............................... 6
3. A Era da gravação Acústica .................................................................................................................. 9
3.1 Primeiras Tecnologias de gravação que chegam a Portugal.............................................10
3.2 A comercialização e produção de fonogramas em Portugal..............................................13
3.3 Primeiros técnicos e primeiras gravações efectuadas ........................................................16
4. A Era da gravação eléctrica ...............................................................................................................21
4.1 O surgimento de novas tecnologias – contexto geral ..........................................................24
4.2 A era da gravação eléctrica em Portugal – primeiras gravações ...................................26
4.3 A gravação eléctrica e o aparecimento da rádio ...................................................................27
4.4 A gravação eléctrica e o aparecimento do cinema sonoro ...............................................30
4.5 A transição do mercado discográfico .......................................................................................35
5. A Era da gravação Magnética ...........................................................................................................37
5.1 Origens ....................................................................................................................................................37
5.2 Gravação em disco de 78 rpm na Era Magnética ..................................................................40
5.3 Primeiras fábricas de discos em Portugal ................................................................................41
5.4 Primeiros gravadores de fita magnética ..................................................................................43
5.5 Novas estruturas editoriais ............................................................................................................46
5.6 Aparecimento dos Primeiros Estúdios ......................................................................................47
5.7 Estereofonia ..........................................................................................................................................51
5.8 Constituição dos Discos ...................................................................................................................53
5.9 Histórias nos Estúdios da Valentim de Carvalho ...................................................................55
5.10 Processos de Produção ..................................................................................................................62
5.11 Desenvolvimento do Mercado fonográfico............................................................................64
5.12 O Aparecimento da Gravação Multipista ................................................................................70
5.13 Novos Estúdios, Novos Equipamentos ....................................................................................72
6. A Era da gravação Digital ....................................................................................................................75
6.1 Origens ....................................................................................................................................................75
6.2 Primeiros Sistemas Digitais ...........................................................................................................77

6.3 Definição de Bit Rate/ Sample Rate ............................................................................................79


6.4 Estúdios de Gravação ........................................................................................................................82
6.5 A Era Pro Tools ....................................................................................................................................83
6.6 Mercado Discográfico .......................................................................................................................85
7. O Papel do técnico ao logo da Historia da Gravação em Portugal ..............................92
8. Conclusão .....................................................................................................................................................95
Bibliografia ......................................................................................................................................................97
APÊNDICE A: DVD com conteúdos digitais .................................................................................102
APÊNDICE B: Guião de entrevistas ...................................................................................................103

1. Introdução

Não há muita informação documentada sobre os estúdios as técnicas e os
protagonistas que fizeram parte da história da gravação sonora no nosso país.
Dentro da pesquisa que fiz encontrei um grupo de pessoas ligadas ao Instituto de
Etnomusicologia da Universidade de Lisboa, de entre elas destacam-se Leonor
Losa, Susana Belchior e Salwa Castelo-Branco.
“Machinas Fallantes” de Leonor Losa (2013) foi a primeira obra que
adquiri para este projecto e que me permitiu delinear os meus objectivos a nível
de dissertação. Trata-se de um estudo etnomusicológico da musica gravada em
Portugal que percorre a historia (desde as primeiras noticias referentes ao
fonógrafo de Edison, 1878, até à industrialização da produção fonográfica em
meados do século XX.
A Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX redigida por Salwa
Salwa El-Shawan Castelo Branco foi a Enciclopédia mais completa que encontrei
relativamente ao Universo musical no panorama português, com alguns artigos
como - “Industria Fonográfica”.
Tive sempre como objectivo, no que concerne á redação da minha
dissertação, estabelecer uma ligação lógica e coerente entre os acontecimentos
que surgiram a nível Mundial (nomeadamente nos Estados Unidos e Alemanha
com o advento das tecnologias Acústica, eléctrica, magnética e mais tarde,
Digital) que se repercutiram no seio do mercado fonografico português.
É importante referir que esta relação dicotômica assume-se de forma
indissociável no que toca ao objectivo de relatar os acontecimento inerentes que
se sucederam em Portugal. Importante ainda é conhecer as origens e
acontecimentos que tiveram base na criação das eras sonoras a que me refiro.
Tentei com que se percebesse os diferentes mecanismos alusivos á
gravação sonora e o aspecto que eles assumiram na evolução do meio.
O meu objectivo passa por datar o inicio da gravação sonora em Portugal
e relatar os principais acontecimentos que evoluíram devido ao desenvolvimento
tecnológico desde os primórdios ate aos dias de hoje. É relevante mencionar as
diferentes épocas relacionadas com as diversas tecnologias em questão.

Tais como:
Era acustica (1877 to 1925)
Era eléctrica (1925 to 1945)
Era magnética (1945 to 1975)
Era digital (1975 até aos dias de hoje)

Quis, através de um percurso coronológico, relatar os principais
acontecimentos desde o surgimento das primeiras gravações e identificar causas,
motivos que despoletaram mudanças e fizeram com que estas diferentes eras da
gravação sonora se diferenciassem como marcos históricos.





1.1 Metodologia

Para esta dissertação a nível de metodologia optei por usar método de


Investigação usado para a História, uma vez que se trata de um assunto
pertencente a uma área de estudo da História.

Para isso pesquisei dentro das minhas fontes bibliográficas e examinei-as
consoante o conteúdo de interesse para esta dissertação, examinei quanto á sua
veracidade, não apenas por uma questão de saber se o que o autor escreve se
coaduna com a informação registada e documentada sobre o tópico descrito mas
também porque cada autor pode transmitir uma interpretação diferente
consoante as suas próprias experiências e ideologias.

Este processo de Investigação exige passos diferentes:
- Identificar uma ideia, um tópico ou uma pergunta emitida;
- Conduzir uma pesquisa sobre o conteúdo em questão;
- Refinar a ideia ou conteúdo;
- Identificar as fontes primárias e secundárias que originaram a ideia;
- Avaliar a autenticidade e a precisão das fontes;
- Analisar a data do conteúdo.

Tive como objectivo primordial a obtenção de fontes primárias,
testemunhos que me permitissem obter, em primeira mão, histórias e diferentes
experiências por parte de intervenientes que tivessem passado pelos diferentes
períodos de transição. Refiro assim, as entrevistas efectuadas a Arnaldo
Trindade, João Pedro Castro e José Fortes, como sendo entrevistas exclusivas e
que assumem uma importância considerável para o conteúdo deste mesmo
trabalho.

1.2 Descrição da estrutura da dissertação

Esta dissertação encontra-se organizada em oito capítulos distintos.
Na primeira parte, apresento o tema, enquadrando-o globalmente,
referindo também, algumas obras imprescindíveis de consulta, assim como a
estrutura metodológica no qual assenta a minha pesquisa, verificação e
transcrição de ideias de algumas obras estudadas.
Na segunda parte, (capítulo 2) começo por enquadrar o tema desta
dissertação no seu sentido mais lato, indo progressivamente do geral para o
concreto, referindo aspectos circundantes á origem do Homem, e á sua relação
com o som, comparando-a com a de alguns animais. Abordo também a relação
entre o ser humano com a música e, por conseguinte, com a gravação sonora.
A terceira parte é referente à primeira era de gravação, era acústica, em
que refiro os primeiros aparelhos de gravação que surgem, como e onde surgem,
os principais intervenientes ligados a eles, e o contexto português, como é esses
primeiros aparelhos surgem em Portugal, quando surgem e como surgem. Refiro
também os processos de gravação, bem como as técnicas de captação e os seus
principais intervenientes.
A quarta parte (ou capítulo 4) refere-se à era de gravação eléctrica. Refiro,
uma vez mais o meio, a evolução e os intervenientes. Tenho como objectivo um

enquadramento geral, falando do local de origem, e os aparelhos que se iram


desenvolver nessa mesma era.
A quinta parte está ligada à era de gravação magnética. Uma vez mais,
meio onde surge, evolução e intervenientes. Uma vez mais, tenho como objectivo,
um enquadramento geral, centrando-me depois no panorama português da
gravação.
O capítulo 6 (ou sexta parte) refere-se à era de gravação digital. De forma
idêntica, ás alíneas anteriores já descritas, refiro o meio geral, e a evolução
tecnológica que irá decorrer, situando-me de seguida no panorama português da
gravação.
A sétima parte (ou capítulo sete) é referente á evolução de um dos
principais intervenientes alusivos ao processo de gravação, o técnico de som.
Nesta parte refiro a evolução relativa a esta função, nomeadamente ao seu papel
enquanto interveniente no meio.
Na oitava parte (ou capitulo 8) concluo a dissertação tirando algumas
conclusões daquilo que escrevi e dando uma perspectiva futura do que poderá
ser o processo evolutivo da gravação sonora.
Por fim, refiro também a Bibliografia (fontes bibliográficas consultas) e
conteúdo presente em respectivo apêndice.





























2. Contexto global: A curiosidade humana em descobrir a gravação



Falar de som não é apenas falar do que se ouve, da ligação entre fonte
sonora e receptor (como o ouvido). Existem animais, (como por exemplo, o
morcego) que apesar de serem “cegos” conseguem, devido às suas capacidades
sensoriais únicas, orientar-se na escuridão total, conseguindo percepcionar o
ambiente que os rodeia através do som. Tal como a Dra. Emma Teeling nos
explica na conferência “O segredo do genoma do morcego” na TED Ideas Worth
Spreading, os morcegos usam a ecolocalização, emitindo um som proveniente da
laringe que sai pela boca ou pelo nariz. Esta onda sonora é emitida, reflecte-se e
produz um eco a partir dos objectos do meio ambiente, o morcego percepciona
este eco e transforma esta informação numa imagem acústica.
Tanto no morcego, que usa a sua capacidade sensorial para sobreviver no
seu habitat, como no ser humano, que a usa para comunicar e percepcionar
aquilo que o rodeia (seja hoje em dia, seja nos primórdios da civilização), a
audição assume-se como um dos principais sentidos.
Desde os primórdios que a audição é essencial para comunicar com os
restantes elementos da sua espécie. A linguagem assume-se como uma das
maiores demonstrações de inteligência do ser humano, uma vez que esta evolui à
medida que a própria espécie evolui. Outra forma de comunicação inerente ao
ser humano é a sua capacidade de compreender música: de concebê-la e idealizá-
la como fenómeno artístico.
Apesar da ligação entre a música e o ser humano, há quem diga que
existem outros exemplos na Natureza de comunicação, e mesmo de execução
musical como por exemplo o canto da baleia ou o do rouxinol.
Num artigo elaborado pelo Diário de Noticias a 4/3/2016 (na secção
Sociedade) denominado “Há cantos de baleia e vozes da Terra na banda sonora
do fundo oceânico,” um grupo de cientistas que elaborou uma expedição à Fossa
das Marianas, o local mais fundo dos Oceanos1 ficou admirado com o mundo rico
de sons que se vivia debaixo de água.
Segundo Filomena Naves, autora do artigo, o grupo esperava encontrar um
silêncio abissal. Mas após gravações sonoras concebidas através da captação
sonora por um hidrofone2 Robert Dziak (líder da expedição) ficou surpreendido
com o resultado das gravações:
“Poder-se-ia pensar que o local mais profundo do oceano seria o ponto
mais silencioso da Terra” No entanto o investigador sublinha:
“O som ali é quase constante, (...) o ambiente dominado pelo barulho de
sismos, que ocorrem perto e à distância, com diferentes cantos de baleias, ou o
clamor de um tufão de categoria 4 [o segundo mais grave na escala de
intensidade] passando na superfície."
Por sua vez, Silke Kipper, professora de bio comunicação da Universidade
Livre de Berlim afirma que:
“O rouxinol é capaz de cantar durante duas horas sem repetir uma única
vez a mesma sequência. Quem ouve, pensa que são pássaros diferentes.”


1 cerca de 10.916 metros de profundidade
2 http://www.o-que-e.com/o-que-e-um-hidrofone/

Segundo a especialista, é a partir das 23:00 que os rouxinóis começam a


cantar mais inspirados, continuando a cantoria ao longo de toda a madrugada.
Durante o dia o pássaro fica mais calmo, cantando apenas de vez em quando.
É justo dizer que a música tem influência no comportamento animal. Ao
analisarmos um artigo da TSF (TSF, 2001) podemos observar que em estudos
elaborados por psicólogos da Universidade de Leicester em que estes estudaram
o comportamento de um grupo de vacas leiteiras enquanto estavam em processo
de produção os cientistas concluíram que as vacas produziam mais leite ao som
de música relaxante do que sem música. Concluiu-se que a música estimulou o
aumento de produtividade.
Mas se pensarmos do ponto de vista racional, na nossa forma de
percepcionar o que nos rodeia e descrever aquilo que se passa em nosso redor
poderemos questionar, não seremos nós, que com a nossa sensibilidade auditiva
pensamos e interpretamos o canto animal sobre a forma de música? Será que um
rouxinol sabe o que é cantar? Será que ele canta porque gosta de música? O que é
gostar de música? Não é algo unicamente intrínseco ao ser humano?
Ulrich Michels descreve no seu Atlas de Música, a origem e o surgimento
do fenómeno música associando-o com a Natureza:

Desde o final do século XVIII, existem (...) teorias sobre a origem
da música que a associam à linguagem (HERDER), às vozes dos animais,
nomeadamente ao canto dos pássaros (DARWIN), aos chamamentos sem
palavras (STUMPF), às interjeições emocionais (SPENCER), etc.”
(Michels, 2003)

O ser humano, desde os primórdios, tem-se vindo sempre a dedicar à
música. Idealizando-a, no início, sobre a forma de canto. É precisamente por
gostar de música e se dedicar a ela que o ser humano começa a escrever notação
musical. Michels associa a origem da música a um fenómeno mítico:

“O início da musica não é conhecido. Os antigos mitos atribuem à
musica uma origem divina. Na verdade, em épocas primitivas, a música
pertence à esfera do culto e o seu som é a evocação do invisível pelo
mundo circundante e pelo homem. Ao procurar os inícios da música é
necessário incluir eventualmente no âmbito do sonoro, outros
fenómenos para alem dos que estão contidos no conceito de música. O
conceito ocidental de música remonta á Antiguidade grega assim como
às civilizações antigas da Ásia Menor e do Extremo Oriente.
(Michels, 2003)

É por isso possível afirmar que o ser humano sempre teve uma ligação
profunda à música chegando ao ponto de a querer memorizar, primeiro sobre a
forma de notação musical, e depois, registar (sobre a forma de aparelhos de
gravação de som).
Segundo Fernando Kitzinger Dannemann (Dannemann, 2013), jornalista
brasileiro, hoje em dia é possível determinar que os sistemas de notação musical
existem há milhares de anos, tendo sido encontradas evidências arqueológicas
de escrita musical praticada no Egipto e Mesopotâmia que datam por volta do
terceiro milénio A.C.3

3 http://www.efecade.com.br/notas-musicais-como-surgiram/

Mas se recuarmos ainda mais no tempo, podemos encontrar vestígios


daqueles que foram provavelmente os primeiros instrumentos musicais, as
flautas de divje babe, que segundo o site, http://hypescience.com/ foram
encontrados numa caverna no sudoeste da Alemanha e datam de 35 mil anos
atrás. Segundo o livro “The Museum of Music: A History of Mechanical
Instruments” (Fowler, 1967) ficamos a saber que desde muito cedo que a música
se aliaria à tecnologia no desenvolvimento de instrumentos musicais:

“podemos constatar que foi no século IX que os irmãos Banū Mūsā
inventaram o primeiro instrumento musical mecânico, o órgão hidro-
alimentado, que tocava cilindros intercambiáveis automaticamente,
embora não saibamos se o seu intuito tenha sido ou não o de execução
musical.
O primeiro registo de um instrumento musical mecânico na Europa
provém da Flandres, século 14, ano em que foi introduzida uma
campainha mecânica controlada por um cilindro rotativo, sucedendo-se
o aparecimento dos Relógios Musicais (1958), pianolas (1805) e caixas
de música (1815). Todas estas máquinas poderiam produzir música, pré-
programada, mas não podiam tocar sons de forma arbitrária, não podiam
gravar uma execução ao vivo e eram limitadas pelo seu tamanho
físico.”
(Fowler, 1967)

Como já referi, aliado à música, o interesse do ser humano pela gravação
de som, aparece desde muito cedo. J. A. T. Lourenço da Silva coordenador de “A
Grande Aventura da Gravação” conta-nos através da sua obra, a origem e os
mitos que circundam a origem da gravação sonora:

Uma velha lenda chinesa diz que 2000 anos a. C. um imperador
recebera um misterioso cofre de pequenas dimensões, oferta de um dos
seus súbditos. Quando o abriu, uma mensagem sonora saiu lá de dentro.
Mas se evocamos a milenária lenda chinesa e recordamos que Rabelais,
no seu “Pantagruel” (que data de 1548), fala em palavras congeladas,
é para frisar que o registo, a conservação e a reprodução do som
foram para o homem, durante séculos, o mesmo que a “pedra filosofal”
para os alquimistas. Assim, passando pela lenda chinesa, por
Rabelais, por Cyrano de Bergerac (que descreve uma caixa complicada
que permite “ler com as orelhas”) e, já no século XVIII, pelo “turco
falante” um autómato construído pelo barão Kempelen, poderemos chegar
ao mais credenciado antepassado das gravações sonoras, um cilindro
revestido de negro de fumo onde o físico Thomas Young, conhecido
pelos seus trabalhos no campo da Elasticidade, conseguiu inscrever,
em 1806, as vibrações de uma fonte sonora, comandando directamente um
estilete “inscriptor”.
(da Silva, 1977)

3. A Era da gravação Acústica



“Os académicos franceses não queriam acreditar. A Academia das
Ciências de Paris estava reunida e vira o estranho aparelho enviado
por Edison repetir uma série de palavras que alguém antes
pronunciara. O antigo médico de Napoleão III, Bouillaud, levanta-se e
grita, indignado, que havia um ventríloquo na sala, que ninguém tinha
o direito de troçar daquela maneira da séria Academia. A discussão
azedou-se, e foi necessário que o secretário da instituição fizesse
transportar o aparelho para o seu gabinete e aí, um a um, os
renitentes académicos efectuassem experiências de gravação para se
convencerem que, de facto, era possível guardar as palavras e
reproduzi-las sempre que isso fosse necessário. Em 11 de Março de
1878 o fonógrafo de cilindro e folha de estanho de Edison conquistava
a aprovação da Academia das Ciências francesa. No fundo, os
Académicos viram com mágoa que um norte-americano, Edison,
ultrapassara um francês, Charles Cros, que tivera a ideia ao mesmo
tempo, um ano atrás. A grande aventura da gravação estava lançada.
Era um dos sonhos que o homem conseguiria tornar realidade. Como
voar...”
(da Silva, 1977)

Antes do fonógrafo, outros aparelhos foram criados com o intuito de
gravar som. O primeiro antecessor da gravação sonora surge em 1857. É nesse
ano que é criado o primeiro aparelho com capacidade para gravar sons
mecanicamente. O Fonautógrafo de Édouard-Léon Scott de Martinville (tipografo
e livreiro de profissão) era um aparelho capaz de registar som em cilindros de
papel, madeira ou vidro com uma capa de fuligem. Ron Cowan, jornalista e
escritor do US News conta-nos num artigo que o Fonautógrafo4 se destinava a
criar partituras através da recriação da voz de um cantor ou o timbre de um
instrumento musical. Léon Scott nunca teria pretendido que a impressão
gravada do som emitido fosse reproduzida.
No entanto estas impressões visuais do som denominadas fonautogramas
definharam no escritório de patentes francês e noutros lugares de Paris cerca de
150 anos atrás. Só recentemente, em 2008, o historiador de gravações David
Giovannoni of Derwood, Md. juntamente com os seus colegas (grupo
denominado First Sounds) descobriu o sítio onde eles se escondiam.
“Foi imediatamente evidente que esta seria uma das mais importantes
escavações (fonográficas) até á data” – afirmou Giovannoni.
Segundo o jornalista Ron Cowen, (USNews, 2009): “A gravação reproduzida por
ele e pelos seus colegas após a descoberta em que é perceptível a voz de uma
menina a cantar 10 segundos do trecho da canção popular francesa “Au Clair de
la Lune” é então a gravação sonora mais antiga de sempre.”

“Isto é um achado histórico, a mais antiga gravação sonora
conhecida” comprova Samuel Brylawski, o ex-chefe da divisão de


4 O Fonautógrafo consistia num megafone falante em forma de cone com uma cobertura flexível
na pequena extremidade. A sua ponta afiada era ligada ao diafragma flexível, que tocava na
superfície de uma folha de papel. O papel era coberto com uma fina camada de fuligem preta e se
tocasse entre a caneta quando alguém gritasse para o megafone criava uma vibração no
diafragma e seria captado como uma linha ondulada na fuligem do papel.
http://ethw.org/Phonautograph

gravação sonora da Biblioteca do Congresso Norte Americano, ao New


York Times.”
(NYTimes, 2008)

O Fonógrafo, que seria idealizado mais tarde (1877) por Thomas Edison
com o intuito de gravar a “reprodução de palavras” (Losa, 2013) inspirar-se-ia
no mecanismo funcional do Fonautógrafo.
Devido à capacidade de reproduzir som imediatamente o Fonógrafo de
Edison é muitas vezes erradamente considerado como o primeiro aparelho
capaz de gravar e reproduzir sons5 embora tivesse tido um sucesso comercial
muito mais significativo do que o Fonautógrafo de Léon Scott.

3.1 Primeiras Tecnologias de gravação que chegam a Portugal

“As primeiras noticias anunciando o Fonógrafo (...) que vieram a
público em Portugal datam de 1878.
O artigo redigido pelo físico Francisco Fonseca Benevides na
“(...) secção “Actualidades Scientificas” do jornal O Occidente no
dia 15 de Abril de 1878, descrevia detalhadamente o funcionamento do
fonógrafo (...):
O phonographo é um apparelho que reproduz sons que se emitem na
sua presença em certas condições. (...) Um cylindro C, cujo eixo é
roscado, recebe por meio de uma manivella M, ou de um mechanismo de
relojoaria, um movimento de rotação e de translação ao mesmo tempo; o
cylindro tem uma ranhura r em espiral, cujo passo é egual ao da rosca
do eixo, e é envolvido por uma folha de estanho.
Um portavoz f é munido de um diaphragma metallico, assentando sobre a
almofada caoutchoue, e tendo ao centro uma ponta metallica que se
apoia contra a folha de estanho do cylindro, no logar aonde está a
ranhura. Fallando com força na embocadura d’este portavoz e fazendo
girar o cylindro, o diaphragma metallico vibra, e a ponta que encosta
sobre a folha de estanho no logar aonde está a ranhura, e portanto
aonde falta o apoio, vibrando também em um plano prependicular ao
eixo do cylindro, produz na dita folha de estanho, uma dentadura ou
linha sinuosa com altos e baixos ou saliencias e reintrancias, mais
ou menos profundas, que representa o movimento vibratorio dos sons
produzidos no portavoz.
O mechanismo fallante compõe-se de um tubo o com um outro diaphragma
metallico com uma ponta, que uma delicada mola encosta á folha de
estanho do cylindro C do apparelho no logar da ranhura.
Dando pois movimento de rotação ao cylindro C, as sinusidades da
folha de estanho fazem vibrar a ponta metallica e portanto o
diaphragma do tubo o, que fará as mesmas vibrações que o do portavoz,
e portanto reproduzir-se-hão os sons que n’este se haviam dado, se o
movimento de rotação do cylindro, na occasião em que falla ao
instrumento e n’elle se inscrevem os sons, e no momento em que elle
os reproduz, é preferível empregar como motor um mechanismo de
relojoaria.
Se o movimento do cylindro não for idêntico, os sons são reproduzidos
noutro tom6.”
– O Occidente, nº 8, 15.04.1878: 64 (Losa, 2013)

Losa conta nos que o artigo enfatizava ainda que o “mais singular no
phonographo é poder a reprodução dos sons ser feita em qualquer occasião, e

5 contudo na altura era o único capaz de o fazer.
6 Ao transcrever o artigo optei por me manter fiel á escrita da altura

10

portanto muito depois, em differente logar d’aquelle em que se inscreverem no


instrumento as vibrações do portavoz”.
Losa refere ainda que, a par de outros inventos modernos
contemporâneos ao aparecimento das primeiras “máquinas falantes”,
revolucionaria as formas de percepção do real e mais concretamente, da escuta e
do consumo musical.
Ao contrario do seu antecessor Léon Scott, Edison vislumbrava a
potencialidade comercial do seu aparelho. Segundo Ana Cardoso de Matos e
Gonçalo Rocha Gonçalves o Fonógrafo teria sido pensado para a utilização nos
escritórios de empresas.
Apesar de haver autores a referenciar Edison como tendo sido o criador
do Fonógrafo existem outros como é o caso de Daniel Leal Werneck (professor
na escola de Belas Artes da UMFG) que levantam dúvidas quanto ao facto do
norte-americano ter sido o único inventor e mencionam outro criador deste
mesmo aparelho.
Segundo Werneck (2010), Cros é considerado como um dos criadores do
Fonógrafo, apesar de não o ter apresentado. Soraia Simões (presidente de
Direcção da Associação Mural Sonoro) menciona Cros como tendo sido “apenas”
o inventor do Paleophone7 (instrumento que nunca fora comercializado talvez
devido á estrondosa recepção que Edison obteve em 1877 com a demonstração
do seu Fonógrafo ou talvez devido à falta de fundos do seu criador para tornar a
concepção do seu invento em realidade.)

“só com a informação descritiva de Charles Cros do parleofone é que a
preocupação com a gravação e a reprodução do som gravado no mesmo
aparelho começa a ganhar força e é suplantada por T. Edison na medida
em que, apesar do alerta de C. Cros este nunca [ter chegado] a
conceber as suas ideias.”
S. Simões (2014)

Leonor Losa, por sua vez, menciona J. Kruesi como sendo um dos protagonistas
que registaram a patente do aparelho.

“Em 1878, um ano após o registo de patentes do fonógrafo por T. A.
Edison e J. Kruesi, a revista Occidente publicou um artigo
explicativo do funcionamento detalhado desta tecnologia pioneira,
exclusivamente mecânica, de registo e reprodução sonora.” (Losa,
2010)

Na obra coordenada por J. A. T. Lourenço da Silva é referida a disparidade de
riqueza entre Edison e Cros, podendo justificar desta forma a afirmação de
Edison face a Cros.

“Houve muita polémica, a que não será alheio o espírito de competição
entre europeus e norte-americanos, sobre qual dos dois inventores
terá concluído o trabalho em primeiro lugar. Mas as conclusões mais
serenas apontam para uma coincidência na descoberta, tendo por certo,
como base comum, o fonoautógrafo de Leon Scott, que aparecera vinte
anos antes e fora desprezado. E depois, há dois tipos de reacção
publica, que caracterizaram, por certo, dois estilos e duas
possibilidades de trabalho diferentes. Com efeito, enquanto que Cros,


7 Em português Paleofone ou segundo S. Simões Parleofone

11

no principio de Dezembro de 1877, pede uma leitura ou uma divulgação


pública da sua descoberta registada em Abril, quase ao mesmo tempo,
nos Estados Unidos, Edison exibe um novo modelo do seu fonógrafo aos
delegados do “Scientific American”, registando dois dias depois,
justamente na véspera de natal, a primeira patente de um fonógrafo ou
“máquina de falar” (Patente 200 521-US). O registo descreve um
sistema de gravação por cilindro e é de um modo geral considerado
como a primeira invenção da indústria de gravação mundial.
Entre Cros e Edison há um fosso no tocante a possibilidades
financeiras. O americano tem dinheiro para investir e em dez anos
registou 65 novas patentes relativas a melhoramentos na sua invenção.
E, ante a imobilidade de Cros, por falta de meios, Edison manda um
seu representante em 11 de Março de 1878 à capital francesa exibir
perante a Academia das Ciências o fonógrafo, na tal demonstração que
levou o médico Bouillaud a perguntar se não havia um ventríloquo na
sala. A reacção de Charles Cros tarda quase dois meses, pois apenas
em 1 de Maio entrega um pedido oficial de patente (novos métodos de
fonografia) contendo o essencial das técnicas modernas: cilindro de
sulco em profundidade (vertical) ou lateral. O inventor francês
menciona ainda um processo electroquímico para o registo e reprodução
do som por meios puramente eléctricos, utilizando um altifalante
electromagnético rudimentar cuja patente havia sido registada em 10
de Dezembro de 1877 pelo alemão Siemens. A corrida estava perdida,
mas Cros ficaria na história da gravação sonora.”
(da Silva, 1977)

Adrian Dos Santos (designer de som português e membro técnico dos
Spawn Studios8) referencia ainda que o primeiro Fonógrafo que Edison
apresentou tinha, contudo, grandes limitações, sendo elas a duração possível de
gravação e o facto do utilizador usando a voz ou algum tipo de instrumento
musical ter de estar próximo do equipamento para conseguir que o aparelho
captasse com uma amplitude de gravação maior.
O coordenador da obra “A grande aventura da Gravação Sonora”
menciona também dificuldades na execução do aparelho:

“O fonógrafo de Edison era constituído, na sua versão original,
por um cilindro giratório em torno do seu eixo. Este era accionado
manualmente graças a uma simples manivela de progressão axial por
sistema de parafuso.
Um estilete solidário com o vértice de uma concha, contendo no
seu interior um diafragma e suportado por uma lâmina metálica
vibrátil fixa à placa de base, permitia a gravação numa folha de
estanho que revestia o cilindro, segundo um sulco helicoidal de
profundidade variável de acordo com a modelação sonora, se, enquanto
um orador falava para a concha, simultaneamente accionasse a
manivela. A reprodução era conseguida por processo semelhante,
bastando para tal colocar o estilete no inicio da gravação efectuada
e fazê-lo percorrer o sulco gravado. Necessariamente que a obtenção
de condições de movimento iguais nas operações de gravação e leitura
e a relativa dureza de estanho eram dificuldades que surgiam a cada
passo.”
(da Silva, 1977)

Luís Henrique refere que: “os rolos eram de uma capacidade máxima de
dois ou quatro minutos. Apesar de ser um sistema rudimentar, havia a


8 Spawn Studios é um estúdio independenete de videojogos localizado em São João da Madeira.

12

possibilidade de gravar mais do que um instrumento sonoro misturando-os


através do distanciamento do pavilhão das fontes sonoras.” (Henrique, 2009).

Ana Cardoso de Matos e Gonçalo Rocha Gonçalves referem que o primeiro
contacto dos portugueses com o fonógrafo se daria em Outubro de 18799, na
apresentação no intervalo dos espectáculos realizados no Teatro da Trindade de
exibições de fonografia e taumaturgia por Borgeon de Viverols. Os autores de “A
gravação sonora e a TSF em Portugal”, capítulo incluído no livro “A história da
Energia” de Nuno Luís Madureira referem que as demonstrações eram
anunciadas como sessões de alta magia10 perante uma plateia numerosa como
era a do Teatro da Trindade. Matos e Gonçalves salientam também que as
audições seriam provavelmente de muito má qualidade. (de Matos & Gonçalves,
2005)

Tal como Leonor Losa menciona no seu “Machinas Fallantes” também Matos
e Gonçalves referem na sua obra o facto de ser provável que o Fonógrafo fosse
anunciado mais como uma máquina falante do que propriamente como uma
máquina cantante uma vez que o que era enaltecido era a clareza com que se
reconhecia a voz humana. (de Matos & Gonçalves, 2005)

3.2 A comercialização e produção de fonogramas em Portugal

“Foi na década de 90, que o fonógrafo conheceu uma maior difusão em
Portugal, quer em termos dos vários estratos sociais, quer em termos
geográficos. A possessão de um aparelho próprio era ainda reservado a
um numero de famílias abastadas, as mostras transformaram o fonógrafo
num espectáculo publico, comum em cidades como Lisboa e Porto, embora
fosse uma novidade no resto do país.”
(de Matos & Gonçalves, 2005)

Quanto ao comércio Losa afirma que nas últimas décadas do século XIX,
seria bastante provável já haver comercialização de cilindros e fonógrafos por
parte de alguns lojistas. A escritora refere ainda que não se trataria de uma
actividade comercial intensa. Estamos a falar de uma inovação e como tal, a
sociedade portuguesa ainda se estaria a “familiarizar” com os respectivos
aparelhos. Não havia portanto uma estratégia por parte dos comerciantes
respectivamente a estas novas mercadorias nem lojas exclusivas á venda deste
tipo de produto. Losa refere ainda que o Fonógrafo não constaria nos principais
canais de mediatização e divulgação comercial da época como seriam os
anúncios em periódicos (jornais diários e semanais).
Cardoso de Matos e Rocha Gonçalves referem contudo, que no final do
século XIX surgiram estabelecimentos comerciais dedicados especialmente à
venda do fonógrafo como a empresa dos dois americanos J. F. Sheldon e John
Morris, o Salão do Phonógrapho, instalado em Lisboa desde Novembro de 1893
até Janeiro de 1894 na Avenida da Liberdade e mais tarde no Porto, inaugurado a
13 de Janeiro de 1894, no salão nobre do teatro Príncipe Real.

9 O fonógrafo para além de fazer a sua estreia em Portugal muito rapidamente, também entra
depressa no vocabulário citadino. Em 1879 começa a publicar-se em Lisboa o jornal de crítica
social O Jacaré: Phonographo do Escândalo. (apud Matos & Gonçalves, 2005)
10 Diário Ilustrado nº 2307, 22 de Outubro de 1879. (de Matos & Gonçalves, 2005)

13


Segundo Lourenço da Silva, o Fonógrafo, sofreria melhorias nos anos
vindouros, permitindo uma melhor audição por parte do ouvinte:

“Uma versão melhorada do fonógrafo inicial, dispondo de um volante
maciço no extremo da manivela oposto ao manipulo, permitindo obter um
movimento de rotação mais uniforme e menos dependente das flutuações
da força aplicada pelo operador, veio trazer nova vida ao fonógrafo.
E não tardou também que Edison fizesse substituir o cilindro de
estanho por um de cera. Aí, a modificação foi importante e acabou por
arrastar outras. Assim, diversos artifícios provocaram uma imediata
melhoria nas condições de audição, sendo um dos primeiros o uso de
uma simples chapa fina solidária com a agulha leitora (ou estilete),
chapa essa que evoluiu rapidamente para a forma da conhecida corneta
acústica. Anos mais tarde, já em 1886, Chichester Bell e Charles
Tainter ainda acrescentaram diversos melhoramentos ao fonógrafo, como
a adopção de um cilindro oco de cartão, revestido a cera, como
suporte da gravação, e a utilização de um estilete de suspenção
oscilante. A esse fonógrafo deram o nome de “Graphophone”.”
(da Silva, 1977)

Segundo Losa: “as características do crescimento da comercialização e
produção de fonogramas em Portugal tiveram como base na criação de redes de
agentes representando marcas internacionais.”
Segundo a autora, nos primeiros anos do século XX, surgiriam anúncios de
estabelecimentos comerciais e periódicos que alertariam para uma necessidade
de reprodutores e suportes gravados, nomeadamente para repertórios em
música ou pequenos números cómicos falados.
Losa refere também que em 1887, Émile Berliner (técnico de telefone),
baseando-se nos mecanismos funcionais referentes ao Fonógrafo, substituiria os
cilindros de cera graváveis por discos planos de goma-laca, mais fáceis de
manusear e de manter, tornando o dispositivo menos complexo. A
comercialização destes suportes faria com que se implementasse uma nova
tecnologia de reprodução no mercado. Estaríamos na eminência do
aparecimento do Gramofone.
Lourenço da Silva (cor.) refere, na sua obra, que um alemão que residia
nos Estados Unidos (Berliner), baseando-se no trabalho de Edison, iria
acrescentar-lhe alterações profundas. A sua nova técnica de gravação acabaria
por revolucionar o fonógrafo de Edison. O técnico alemão decide substituir o
chamado registo de profundidade (a modelação do sulco dá-se na direcção
longitudinal do estilete, pelo registo lateral, em que a modulação do sulco se
verificaria na perpendicular ao plano definido pelo sulco e pela agulha do seu
ponto de contacto).
Em 23 de Abril de 1888, Emile Berliner fazia em Paris, na
Academia das Ciências, o registo de um fonógrafo, que, em vez de um
cilindro, usava como suporte de gravação um disco horizontal
revestido a cera. Era o primeiro disco directo e rodava sobre um
prato giratório. Berliner chamou “Gramophone” ao seu invento. O
gramofone do inventor alemão, de funcionamento manual e destinado
apenas à reprodução, permitia uma fidelidade muito superior a tudo
quanto até então tinha sido oferecido ao público.”
(da Silva, 1977)

14

Milner mostra-nos no seu livro, “Perfecting Sound Forever” as


semelhanças entre o Fonógrafo de Edison e o Gramofone de Berliner, referindo
que fonógrafo e gramofone funcionariam baseando-se no mesmo principio geral,
em ambos os aparelhos, durante a gravação inseria-se uma campânula e
impactado, um diafragma ligado a uma agulha que extraía um análogo das
vibrações numa superfície macia; durante a reprodução, o estilete refazia essas
ranhuras, fazendo com que o diafragma vibrasse, e que o som fosse amplificado
naturalmente pela campânula.
Embora os princípios fossem os mesmos, as duas tecnologias seriam
bastante diferentes. No Fonógrafo usavam-se cilindros (o estilete gravava o seu
padrão de acordo com um método hill-and-dale, ou seja o estilete mover-se-ia
para cima e para baixo tal como o cilindro girava). No Fonógrafo, a ranhura
mantinha uma largura relativamente constante, embora contivesse uma
profundidade variável. O Gramofone utilizaria discos planos (á medida que
vibrava de lado a lado, dentro de uma ranhura que mantinha uma profundidade
razoavelmente constante e continha uma largura variável.
Apesar de nos anos seguintes, a rivalidade entre os inventores ter
contribuído para os melhoramentos técnicos que são introduzidos nas pequenas
máquinas que gravavam e reproduziam sons em rolos de cera (de Matos &
Gonçalves, 2005) o escritor e colunista Greg Milner afirma que ao consumidor o
que lhe interessava mais era o produto low cost e não o que possuísse melhor
qualidade.
O típico comprador de música estava disposto a abdicar de algum do
pedigree sonoro alusivo ao cilindro e respectivo aparelho de gravação pela
conveniência e o menor custo dos discos.
Segundo Leonor Losa podemos observar que num artigo referente ao
jornal “O Occidente” que data de 20/5/1903 e que fala sobre a morte trágica de
um jovem de vinte e cinco anos é identificado Alberto Santos Diniz, o jovem em
questão, como o introdutor do Gramofone em Portugal.

Durante vários anos ambas as tecnologias, Fonógrafo e Gramofone,
seriam comercializadas em simultâneo. Leonor Losa refere que o sucesso do
Gramofone de Berliner, seria mais acentuado do que o Fonógrafo de Edison,
tendo sido comercializados bastantes mais discos do que cilindros, prova disso
são os exemplares que hoje ainda se podem encontrar.
É de salientar também a invenção de novos aparelhos que surgiam, tal
como a Grafonola pela “mão” de Eldridge Johnson. Lourenço da Silva conta-nos
obra coordenada por si que Johnson se basearia na invenção de Berliner para
criar o seu aparelho:

“...não tardou que a descoberta de Berliner recebesse nova e
importante achega. Ela veio de Elridge Johnson, que lhe juntou um
motor de corda com regulação mecânica da velocidade, o que permitiu
um movimento circular mais ou menos uniforme. Aí estava a “Grafonola”
que fez a alegria de muitos dos nossos antepassados e que hoje é
objecto de museu ou disputada por elevadas somas nos antiquários.
O estilete ou agulha sofreu, por sua vez, uma longa evolução,
sendo de referir que foram utilizados na sua confecção materiais como
o marfim, a madeira o aço, o tungsténio, a safira e o diamante.”
(da Silva, 1977)

15

Segundo os autores do capítulo “A gravação sonora e a TSF em Portugal”,


a entrada do disco em Portugal dita em poucos anos o fim do fonógrafo e dos
cilindros, não só pelos factores de qualidade mas também pela transformação
que Lisboa sofrera em poucos anos, tornando-se um centro de gravação e de
venda discográfica.
Ana Cardoso de Matos e Gonçalo Rocha Gonçalves mencionam ainda que a
concorrência dos discos tornou pouco rentável a indústria dos cilindros razão
pela qual Edison, em 1910, encerra a sua fábrica de cilindros na Europa.

“A Grande Aventura da Gravação Sonora” refere que Berliner legaliza, em
Maio de 1887 em Washington, um método de corte de sulco gravado que
permitia a duplicação do volume de gravação e abria caminho à progressiva
substituição do cilindro pelo disco como meio de reprodução doméstica. O
projecto continha ainda os planos de duas máquinas distintas: o “Inscrevedor” e
o “Reprodutor”. No ano, seguinte, o mesmo Berliner faria a apresentação pública
de um Gramofone reprodutor de discos. Porém, as iniciativas pessoais estavam
por um fio. A partir daí começavam a surgir as grandes empresas.

Após o aparecimento da American Graphophone, que surgiria nos finais de
1887, direccionada para o fabrico dos primeiros cilindros gravados comerciais
(tinham como capacidade de fabrico diário três a quatro cilindros), que seriam
comercializados pela Columbia Graphophone. Surgem anos mais tarde a The
Gramophone Company of London no Reino Unido e a Victor Company of Camden
nos Estados Unidos potenciando a comercialização no mercado discográfico.
Matos & Gonçalves mencionam o papel que as primeiras grandes editoras
discográficas iriam desempenhar na indústria Fonográfica:

“A difusão de discos e gramofones data das ultimas décadas do século
XIX, altura em que aparecerem as duas primeiras grandes editoras
discográficas: em 1897 a “The Gramophone Company of London”, na Grã
Bretanha; em 1898 a “Victor Company of Camden” nos EUA. Desde
praticamente o inicio do seu funcionamento que estas duas empresas
alargaram as suas vendas para o mercado internacional e as vantagens
dos discos fizeram com que rapidamente a venda de discos suplantasse
a venda de cilindros. (...)
O inicio da comercialização de discos em Portugal data de 1903,
altura em que se instala em Lisboa a Companhia Francesa do
Gramophone, empresa associada da Gramophone Company of London.
(de Matos & Gonçalves, 2005)


3.3 Primeiros técnicos e primeiras gravações efectuadas

Segundo Losa, as primeiras gravações locais estiveram a cargo de técnicos
internacionais de forma semelhante a outros territórios europeus e extra-
europeus, que, trabalhando para as empresas que detinham o monopólio
fonográfico, investiam na “conquista” de novos territórios.

16

O primeiro nome técnico que pude apurar foi mencionado pela autora de
Machinas Fallantes, e é respectivo a Sinkler Darby11, altura em que se dá a
primeira expedição de gravação de repertório português, ao serviço da empresa
Gramophone Company (então Gramophone & Typewriter Limited), empresa
inglesa parceira da americana E. Berliner’s Gramophone, e de Emile Berliner.

Embora anos antes Ana Cardoso de Matos e Gonçalo Rocha Gonçalves
considerarem o facto de ter sido muito provável que já se tivessem realizado
gravações sonoras antes desta mesma expedição:

“Uma dessas mostras ocorreu entre 1893 e 1894 e foi realizada por uma
empresa dirigida por dois americanos J.F. Shelton e John Morris, que
percorreu o país com demonstrações e possivelmente também com a venda
de alguns [Fonógrafos] (especialmente em Lisboa e no Porto). Para
alem destas duas cidades a empresa visitou Coimbra, Viseu e Figueira
da Foz, sendo bastante provável que tivesse passado por outras
localidades, sobretudo no norte. Nos sítios onde se mostrava o
fonógrafo faziam-se também gravações, as quais foram muito
provavelmente as primeiras gravações sonoras portuguesas a terem
alguma difusão.”
(de Matos & Gonçalves, 2005)

Segundo os dois autores da “Gravação sonora e a TSF em Portugal” é
possível identificar alguns dos protagonistas que compuseram um dos primeiros
repertórios portugueses, sendo constituído maioritariamente por gravações
elaboradas em alguns dos principais teatros de Lisboa. Assim podemos
considerar como alguns dos principais intervenientes pioneiros neste processo a
actriz Izaura e os actores Queirós, Alfredo e Augusto de Carvalho, cantando uma
opereta denominada o “Brasileiro Pancrácio”.
Quanto aos intervenientes técnicos, o primeiro técnico português a gravar
com tecnologia “acústica” de gravação foi Júlio Cunha, funcionário da empresa
Valentim de Carvalho, que a partir de 1926 terá feito ainda gravações para
edição comercial da empresa utilizando Gramofones. (Tilly & Silva, 2010)
É também possível identificar a actriz Ângela Pinto protagonizando a sua
intervenção em “O solar das barrigas”, opereta em cena no Príncipe Real, um dos
maiores teatros portuenses da época e o estudante/fadista Augusto Hilário como
alguns dos protagonistas das primeiras gravações realizadas em solo lusitano.
É no mês de Novembro de 1900 que William Sinkler Darby efectua as
primeiras gravações de repertório português. Foi desta expedição que surgiram
os primeiros discos gravados em Portugal. Neste período inicial da constituição
dos mercados fonográficos locais, a tecnologia de gravação e reprodução em
disco ainda se encontrava em fase de desenvolvimento. Os discos eram gravados
de um dos lados enquanto no outro, em baixo relevo, surgia o “anjo” que era
imagem de marca da E. Berliner’s Gramophone.

“Em viagem, os técnicos de gravação de repertório português gravavam
os interpretes directamente num disco. As características do material
dos discos de gravação diferiam dos discos comerciais. Esse disco
servia de matriz para a realização de um molde de prensagem, processo
que era levado a cabo já nas fábricas. O molde era um disco em


11 http://www.recordingpioneers.com/RP_DARBY1.html

17

negativo da gravação inicial que servia para prensar vários discos em


série, fabricando assim as copias comerciais. (...)
Essas primeiras gravações eram constituídas por um leque de
repertórios díspares, em sintonia com a moda da época: bandas, hinos,
fados e canções populares ou de inspiração rural (...).”
(Losa, 2013)

Losa refere ainda que os repertórios gravados não correspondiam a uma
captação real de repertórios preexistentes, mas que a familiaridade dos
conteúdos constituía um elemento fundamental na edificação rápida da
economia dos mercados locais.
Segundo a autora de Machinas Fallantes podemos dividir o repertório em
quatro tipologias distintas: repertório de banda (Ou adaptações de canções
populares ou trechos operáticos à formação de banda); pequenas peças para
piano, pequenas peças de carácter lírico e canções de carácter popular.
A escritora afirma ainda que na sua maioria, os cantores que Darby reuniu para
as gravações são-nos completamente desconhecidos, e sobre eles escasseiam
informações mesmo nas fontes da época.

“As características vocais que um interprete de gravação
deveria reunir eram diferentes daquelas que eram valorizadas nos
interpretes de actuação presencial. Independentemente da sua
qualidade, uma voz com pouca amplitude sonora não seria uma boa
aposta de gravação, pois as formas de captação acústica estavam
completamente dependentes da pressão do ar quando movimentado. Por
este motivo, as gravações não ficaram a cargo dos interpretes mais
afamados, mas sim daqueles que melhor se adequavam aos
constrangimentos tecnológicos da captação sonora.
Pela mesma razão, a gravação de repertório de banda tinha
a vantagem de facilitar o processo de captação sonora, graças à
amplitude sonora que os agrupamentos instrumentais de sopro
geravam (embora as questões acústicas da fonte de captação
limitassem o numero de músicos que participavam nas gravações).
Dentro dos artistas da época é possível identificar como pioneiros
deste modelo de gravação a Banda da Guarda Municipal do Porto que
gravaram arranjos de géneros regionais como A Chula e Cantos do
Minho, gravando também danças em voga, como a Branca-Polka, e
tradicionais marchas como Marcha Energica ou mesmo o Hymno nacional
Portuguez; J. Pontes, gravando A Portuguesa de Alfredo Keil, algumas
peças para piano e danças de salão em voga, como a scottische, a
polka, a valsa, e a gavotte e Vicenta Polope, interpretando a Valsa
dos Narcisos e a Ária do Rei Damnado.
Contudo o estilo predominante relativamente ás gravações efectuadas
por William Sinkler Darby foi a pequena canção popular.
O fado apareceu como género predominante destacando-se o Fado
de Coimbra, o Fado Portuense, o Fado da Beira, o Fado da Madrugada, o
Fado das Trevas, o Fado Hilário, entre outros fados.
É possível ainda identificar as interpretes femininas Acácia Reis e
Señora H. Veiga, sob a qualificação de soprano e alguns interpretes
masculinos entre os quais: José Brito e Souza, Duarte Silva e o mais
requisitado, Reynaldo Varella, gravando cerca de quinze faixas, tendo
como género musical o fado e outro tipo de canção popular.
(Losa, 2013)

Lourenço da Silva conta-nos, na obra por si coordenada, algumas das
gravações mais famosas que terão ficado para a história:

18

“A Columbia Gramophone apresentara ao publico, em 1907, um


disco de face dupla, com a espessura de um centímetro. Era uma
novidade tão espectacular que a Columbia deu ordem aos seus
vendedores, para atirarem com os discos ao chão provando assim, aos
clientes etupefactos, como os discos de face dupla eram inquebráveis.
As gravações celebres sucedem-se, desencadeadas, sobretudo,
pela atitude do papa Leão XIII, de 93 anos, que ignorando os
conselhos de desaprovação da Cúria Romana, permitiu ao engenheiro
Enriço Bellini o registo da sua voz. Victorien Sardou, Frederico
Mistral, Tennyson, Tolstoi, Bergson, lendo textos ou poemas da sua
autoria, [deixariam] imagens sonoras para a posteridade.“
(da Silva, 1977)

Outras histórias poderão ser encontradas na mesma obra tais como o
desmaio por parte de Sarah Bernhardt na primeira vez em que ouve a sua
própria voz:

“Diz-se que a famosa artista do teatro francês, Sarah
Bernhardt, desmaiou quando ouviu pela primeira vez a sua voz. Mas
para a história da gravação esse desmaio pouco mais conta do que um
simples apontamento, uma vez que nessa época do romantismo o desmaio
era um facto convencional, estava na moda. A ópera era também o
espectáculo favorito. Isso explica que vozes famosas do mundo da
ópera, como Caruso, Francesco Tamagno, Nellie Melba, Adelina Patti,
Suzanne Adams, Giuseppe Campanari, Charles Gilibert, Antonio Scotti,
Marcela Sembrich, Ernestine Schumann-Heink, Edouard de Reske, tenham
sido registadas em disco de vários tamanhos, como LP’s de 50 e 60 cm
de diâmetro e 15 minutos de duração.”
(da Silva, 1977)

A obra referencia também que as versões integrais da 5ª e 6ª Sinfonia de
Beethoven teriam sido gravadas pela primeira vez em 1913.

“No período entre 1904 e 1915 estabeleceram-se no país as empresas
Odeon, Beka e Favourit e as francesas Simplex e Ideal, aparecendo
também as primeiras editoras portuguesas Luzofone e Chiadofone.”
(de Matos & Gonçalves, 2005)

“Em 1905 são efectuadas gravações interpretadas pela banda de
sopros (banda da Sociedade Phonographica, ou Banda Municipal de
Lisboa) pela empresa alemã Homokord e editadas por esta e pela
portuguesa Simplex, embora este repertório tivesse sido quase
completamente abandonado nas gravações de 1910, pela Homokord e 1915,
pela Simplex. “
(Losa, 2013)

Leonor Losa refere ainda que

“apesar de os catálogos das diversas editoras e lojas incluírem
fonogramas de ópera e música instrumental, estes géneros surgiam na
categoria de “discos estrangeiros”, incluindo, sobretudo, gravações
de intérpretes espanhóis, franceses e italianos, o que resume a
condição marginal dos intérpretes locais no circuito dos intérpretes
internacionalmente afamados.”
(Losa, 2013)

19

Em relação à ausência de gravações de orquestra a autora refere como


causa principal a inexistência de condições técnicas de gravação e espaços de
gravação próprios, o que, em conjunto com as tendências locais de gosto, definiu
uma política de gravação sobretudo assente em tipologias de repertório menos
complexas a nível instrumental, tendencialmente de cariz popular.
Não era de estranhar, portanto, que em lojas como a da Companhia
Franceza do Gramophone houvesse catálogos respectivos a música erudita que
continham repertório unicamente estrangeiro12.

“Durante a primeira década do século XX, a gravação sonora
torna-se um acontecimento, senão banal, pelo menos usual.
Através da tabela de preços mínimos da Associação de Classe dos
Músicos Portugueses de 1914, constatamos que já estavam perfeitamente
regulamentadas as “Sessões de Gramofone, Fonógrafo ou outra qualquer
máquina reprodutora de sons.” Nas orquestras e bandas os preços
variavam entre 2$000 e 1$000 réis por cada duas horas, estando
perfeitamente estabelecidos e regulamentados os ensaios e as horas
extraordinárias. Curiosa também a alínea que estabelecia que “Nas
sessões realizadas por conta de empresas ou companhias portuguesas, é
concedida a redução de 40% das respectivas tabelas.”13
(de Matos & Gonçalves, 2005)

Losa refere que não existiam contratos de exclusividade relativamente a
intérpretes, optando ainda por trabalhar para diferentes editoras, a autora
menciona ainda que poucos seriam seleccionados para realizar este tipo de
trabalho, sendo que ainda que, implicitamente, uma nova categoria profissional
no âmbito do universo do espectáculo se ia afigurando de uma forma discreta: a
de intérprete de gravação. Leonor Losa conta ainda, na sua obra, o aparecimento
da primeira protagonista como intérprete de gravação:

“O processo de valorização do interprete faz-se sentir com o
aparecimento de um fonograma no mercado referente á editora Simplex,
onde se pode observar o conteúdo do selo do disco referente á sua
interprete “Cantado pela distinta actriz Maria Litaly”, até então
inexpressivo no contexto de edição fonográfica.”
(Losa, 2013)

A autora de Machinas Fallantes refere que as actividades de gravação se
retraíram com a queda no fabrico de discos devido à Primeira Guerra Mundial
(mencionando Martland), aliada à conjuntura económica da Europa, a
acrescentando ainda que: “as dificuldades que o país atravessava por
consequência das convulsões sociais da Primeira República, bem como a entrada
de Portugal na Guerra em 1916, apoiando os Aliados e inaugurando o conflito
com a Alemanha, terão sido factores determinantes para que a actividade de
gravação se retraísse.”
Contudo é possível saber através da divulgação do Anuário Commercial de
Portugal que em 1921 vários lojistas que haveriam começado a actividade nos
primeiros anos do século XX permaneceriam ainda em funcionamento.


12 discos em stock em Lisboa (1908) – Companhia Franceza do Gramophone
13 Associação de Classe dos Músicos Portugueses, Regulamento Interno e Tabelas de Preços
Mínimos, Lisboa, Tipografia do Comércio, Maio de 1914 (apud Matos & Gonçalves 2005)

20

4 A Era da gravação eléctrica



“A gravação eléctrica foi a maior revolução na gravação sonora
desde a sua invenção. Ela ofusca a invenção do LP, fita ou digital”
(Michael Devecka in Milner, 2009)

Michael Devecka, um coleccionador de Fonógrafos dos dias de hoje afirma
que o som se teria tornado flexível e elástico e que esse seria o legado da era
eléctrica.
É possível, através da obra de Milner, vislumbrar o poder que a gravação
eléctrica terá trazido ao mundo sonoro reconfigurando-o tanto em termos de
tecnologia de gravação como na visão conceptual e idealização que o ouvinte
possuía em relação à gravação sonora.
Milner afirma que na era acústica: “os músicos reuniam-se em volta da
campânula do Fonógrafo como suplicantes num altar, oferecendo à máquina o
sacrifício dos seus sons e esperando que a máquina os abençoasse com um som
audível.” (Milner, 2009) O microfone muda tudo, muda esse paradigma, essa
forma arcaica de relação entre homem-máquina. O microfone passa a trabalhar
efectivamente para o seu utilizador, funcionando como uma espécie de “ouvido”
eléctrico, captando som mediante a direcção que o utilizador idealizava.
É afirmado por vários autores que o microfone terá sido um aparelho que
reconfigurou todo o meio sonoro da época mas para falarmos de microfone
teremos que falar, em primeiro lugar, em electricidade e situar os seus
primórdios na história. Segundo Lourenço da Silva:

“Pode dizer-se que a electricidade só começou a ser estudada e
conhecida, embora ainda muito mal, [por volta] de 1800. Assim, parece
ter sido estabelecida em 1794 a primeira noção de corrente eléctrica.
Depois, Volta apresentou a sua famosa pilha eléctrica em 1800,
seguindo-se os elementos de Daniell, Bunsen e, finalmente, o de
Leclanché, que muito veio contribuir para a praticabilidade do estudo
laboratorial de electricidade.
Em 1819, Oersted, físico dinamarquês, demonstrou que uma corrente
eléctrica dava origem no espaço que circunda a um campo magnético.
Com base nessa experiencia, Ampère enunciou a sua importantíssima
lei, e o principio foi imediatamente aplicado na construção de
galvanómetros: basicamente aparelhos de medida de correntes
eléctricas estabelecidas nos circuitos em que são intercalados.”
(da Silva, 1977)

Desde 1861 que seriam inventados aparelhos semelhantes ao microfone,
sendo o primeiro que pude apurar, (Woolf, 2001) o “transmissor de som”, criado
pelo físico alemão Johann Philipp Reis, que usava uma fita metálica inserida
numa membrana com um ponto de contacto de metal que completava um
circuito eléctrico. A partir deste primeiro modelo a tecnologia do microfone foi
sendo optimizada, sendo que a primeira transmissão de discurso inteligível foi
levada a cabo por Alexander Graham Bell em 10 de Março de 1876. A primeira
transmissão de sinal consistia numa pequena frase em que o seu criador, Graham
Bell chama um assistente seu através do aparelho: “Mr. Watson, come here. I want
you.14” (Wolfe, 2001)


14 Traduzindo do inglês: “Senhor Watson venha cá. Eu quero-o.”

21

O desenvolvimento do microfone teria sido muito importante para o


surgimento da rádio ou da televisão, e para além disso para a transmissão e
recepção de mensagens em clima de Guerra ou conflito armado. Em 1878, David
Edward Hughes aperfeiçoou o microfone, melhorando as invenções de Thomas
Edison e Emil Berliner, apresentou um microfone de carbono, mais resistente e
com melhor definição na amplificação do som. Mais tarde, desenvolvido durante
a década de 20, do século XX, o microfone Hughes foi o primeiro modelo para os
microfones de carbono que actualmente ainda são usados. (de Barros, 2014)

Em entrevista a João Pedro Castro, técnico de som e ex-director técnico
dos estúdios Namouche, o técnico salienta a importância do microfone no meio
da gravação sonora, tratando-se de uma tecnologia que não terá tido grandes
evoluções: “Os microfones, curiosamente [...] não tiveram uma evolução muito,
muito grande, porque ainda hoje passados 50, 60 anos, os melhores microfones
são esses. São os mais antigos, exactamente [devido à] qualidade sónica.”

Greg Milner refere que foi Bell e a sua equipa de investigadores que
descobriram o primeiro processo viável para fazer gravações de discos
eléctricos:

“No início dos anos de 1920, [a] Bell Telephone Laboratories, a
ala de investigação da AT&T, começou um extensivo estudo da fala e
audição. Embora o seu objectivo fosse o de melhorar a qualidade do
som de transmissões telefónicas, a pesquisa também levou a
prodigiosas inovações na gravação, incluindo o primeiro processo
viável para fazer gravações de discos eléctricos. Os engenheiros de
Bell descobriram que o seu processo eléctrico ampliou o leque de som
gravável em 2,5 oitavas, tornando possível gravar música em grandes
salas, produzindo as gravações mais altas da história. Bell terá
assumido que a empresa de maior sucesso do mundo de máquinas falantes
correria atrás da oportunidade de licenciar esta nova tecnologia.”
(Milner, 2009)

António de Barros menciona também, na sua dissertação “Filme-
Concreto: Música e Cinema”, o papel que o desenvolvimento do altifalante terá
tido enquanto tecnologia revolucionária da época:

“Em meados dos anos 20, aparece a primeira experiência que
conhecemos, sobre o altifalante. Este dispositivo permitia que a
energia eléctrica fosse convertida em energia sonora de elevada
potência, constituído essencialmente pelo dispositivo transmissor (um
cone de cartão encerado) e pelo dispositivo motor, que pode ser
electromagnético, electrostático ou electrodinâmico, também conhecido
por megafone. [...] Foi inventado por Hermann Ludwig Ferdinand von
Helmholtz, em 1859, este iniciou uma série de estudos sobre a
propagação, transmissão e possibilidade de reforço das ondas sonoras.
Este esforço rendeu uma série de conhecimentos teóricos e práticos
legados por este cientista. Posteriormente, na posse deste legado,
Alexander Graham Bell patenteou em 1876, o primeiro altifalante
eléctrico que era utilizado no telefone, também um instrumento já
pesquisado pelo próprio Helmholz. No ano seguinte, Bell patenteou a
versão melhorada de Ernst Siemens. Nikola Tesla entre outros, também
desenvolveu uma versão em 1881, sem, contudo patenteá-la. Thomas
Edison, em 1898, foi o primeiro a adaptá-lo num amplificador
atmosférico que não produziu o efeito desejado. Contudo iniciou a

22

comercialização do primeiro modelo conhecido pelo sistema de vibração


da agulha adaptado a uma trompa usada nos primitivos sistemas de
fonógrafos a cilindro e posteriormente a discos. O sistema actual da
bobina móvel foi proposto e realizado por Oliver Lodge em 1898. Este
foi utilizado pela primeira vez em 1915, pelos sócios Jensen e
Pridham, nos produtos Magnavox.”
(de Barros, 2014)

Greg Milner refere a importância e protagonismo de Leopold Stokowski
(maestro britânico de origem Polaca e Irlandesa) no mundo sonoro da altura. É
através de Stokowski que nascem conceitos (que hoje em dia achamos básicos)
mas que vieram a revolucionar toda a tecnologia e a forma de pensar em
gravação sonora na altura (nomeadamente: gama de frequências, alcance de
“volume” / amplitude e redução de ruído indesejado.)
Além disso a própria forma de gravar mudou substancialmente, segundo
Milner, Stokowski descobriu algo profundamente simples mas ao mesmo tempo
massivo na forma como um técnico de som idealizava a captação de um
instrumento musical: “se tu queres ouvir mais trompa, enfia um microfone
mesmo dentro da sua campânula.”
Stokowski como Milner refere, além de ter sido um génio musical era
também um estudioso de som e conciliando estas duas faculdades acabaria por
se tornar um visionário. O autor acrescenta que:

“nos primeiros tempos da gravação eléctrica, a sabedoria convencional
pressupunha que o técnico colocasse o microfone a aproximadamente à
mesma distância da fonte musical como um espectador observando o seu
desempenho - a implicação é que o microfone é um “stand-in” sintético
para o ouvido humano. O que Stokowski se veio a aperceber era que o
ouvido é "mais inteligente" do que o microfone porque os nossos
sistemas auditivos fazem ajustes em perspectiva em que um microfone
não consegue.”
(Milner, 2009)

Além do conceito de direccionalidade na captação sonora é importante
referir também o conceito de Estereofonia, conceito esse que aparece também
nesta altura, novamente, quando Stokowski convida os engenheiros de Bell para
conceberem o mais “temível” sistema de som da altura:

“Em 1931, Stokowski convidou os engenheiros de Bell para virem para
a Academia de Música e pendurar os seus microfones em qualquer sitio
que quisessem, transformando um quarto de arrumos num estúdio e
laboratório de som, concebendo o sistema de som mais “temível” da
altura. Eles construíram amplificadores sensíveis e altifalantes que
eram maiores do que os próprios homens.”
(Milner, 2009)

É dessa parceria (entre os engenheiros de Bell e Stokowski) que nasce o conceito
de estereofonia:

“Arthur C. Keller (engenheiro americano) [ter-se-á] lembrado
que a pesquisa anterior de Bell tinha demonstrado que as palavras
ditas por telefone eram mais inteligíveis quando ouvidas em dois
canais. Ele argumentou que canais duais teriam o mesmo efeito sobre a
música. Os engenheiros experimentaram separar frequências altas e
baixas em dois canais descobrindo dessa forma uma redução no tempo de

23

distorção. "Ouvindo monoauralmente dá-me a sensação da música a ser


sufocada e esmagada em conjunto”, disse Stokowski."Binaural, a música
soa livre.” Os engenheiros fizeram alguns registos com as frequências
altas e baixas separadas em duas ranhuras. Foi o exemplo mais antigo
de som estereofónico e para Stokowski foi uma revelação.”
(Milner, 2009)

Aliando esta descoberta à sua sensibilidade auditiva e musical e ao seu
conhecimento de engenharia sonora, Stokowski em parceria com os engenheiros
de Bell elevariam o conceito de Estereofonia para aquilo a que Harvey Fletcher
(físico americano) apelidaria de “Perspectiva de Auditório.”

“Se dois microfones fossem instalados em ambos os lados do
palco, com os canais equilibrados, a gravação, quando ouvida através
de dois altifalantes, soaria como se os instrumentos estivessem nas
suas posições no palco. Se um terceiro microfone fosse colocado no
meio do palco, a música fundir-se-ia em som, que não parecia emanar
de nenhum dos altifalante. A música estavam em todo o lado e em lugar
nenhum.”
(Milner, 2009)

Harvey Fletcher assumiria também um papel fulcral, devido ao “desafio”
que teria lançado a Stokowski, no que se tornaria mais tarde na gravação sonora
por multipistas.
Milner conta-nos no seu “Perfecting Sound Forever” que Fletcher teria
perguntado a Stokowski porquê é que este faria captação a vinte e cinco ou
quarenta violinos invés de captar apenas um, amplificado.
Com efeito após tentativas no seu estúdio e laboratório sonoro Stokowski
consegue reduzir o numero de instrumentos necessários para captação (não em
um, como Fletcher teria sugerido mas em seis invés do extenso numero de
elementos que compunham a orquestra).

4.1 O surgimento de novas tecnologias – contexto geral

Ambos os autores de “A gravação sonora e a TSF em Portugal” e “Machinas
Fallantes” referem as datas de 1924 e 1925 como sendo decisivas para a
gravação sonora e para o mercado fonográfico:

“O ano de 1925 marca decisivamente a gravação sonora. Após
prolongadas investigações a “The American Western Electric Company”
inventou um novo método, a gravação eléctrica. As antigas cornetas
acústicas foram substituídas por microfones e amplificadores e todo o
processo passou a fazer-se por meios eléctricos. O novo sistema
permitiu, entre outras coisas, ouvir o som mais alto e com melhor
definição, e também, a possibilidade de copiar o disco muito mais
vezes (provocando uma redução do preço dos discos).”
(de Matos & Gonçalves, 2005)

“Entre 1924 e 1925, a Victor Talking Machine e a Columbia Gramophone
Company trabalharam no sentido de desenvolver a tecnologia de
gravação mecânica por meio de processos de transformação do sinal
acústico em eléctrico, em particular, com a aplicação de um
microfone. Embora a tecnologia de gravação eléctrica tenha sido
inventada em 1925, apenas na transição para 1926 as empresas
concordaram em disponibilizá-la publicamente.

24

A invenção da gravação eléctrica desencadeou um novo impulso no


mercado fonográfico, que, no espaço de poucos anos, levou à
reconfiguração dos padrões do comércio nacional e internacional. As
melhorias de qualidade sonora desencadeadas pela invenção foram
também um importante motor do desenvolvimento dos repertórios
gravados. Perante a gravação eléctrica, passaram a existir novas
possibilidades estilísticas, desde uma mais eficaz gravação da voz,
até ao alargamento do número de instrumentos passíveis de serem
gravados e reproduzidos de forma mais fidedigna e, sobretudo,
audível.”
(Losa, 2013)

Segundo Greg Milner, no final do primeiro século da era eléctrica era
difícil imaginar como é que alguém poderia argumentar que o microfone [não
seria um equipamento melhor] do que o gravador acústico, ou que a amplificação
de alguma forma poderia corromper o processo de reprodução. Mas tal
mentalidade existia na sociedade americana, e segundo o escritor essa era a
mentalidade típica de um “Edisonian.”
Milner conta-nos ainda algumas reacções no seu livro “Perfecting Sound
Forever” de algumas personalidades americanas à introdução de aparelhos de
gravação eléctrica no mercado:
“Eu pergunto-me se o tom puro não desaparecerá da Terra?” – escreve um crítico
britânico em 1928 explanando o seu medo pela influência da rádio, referindo
ainda:
“É um grave perigo, pois o homem na sala de estar é um bom diabo índole
descuidado disposto a engolir todos os tipos de mentiras para lhe ser dito que ele
tem perfeita reprodução.”
Walter L. Welch, um arquivista de som, escritor e um “Edisonian”
entusiasta crítica:

“[Trata-se de uma] concepção inadequada do que constitui uma
leitura adequada. (...)
O microfone não veio clarificar o som. Veio corrompe-lo. (...)
Quaisquer que tenham sido as limitações do método acústico os
inconvenientes consistiram em grande parte do que foi deixado de fora
do processo de gravação, e, vez dos actuais defeitos, que são
adicionados, ou seja, excesso de ressonância, distorção, amplificação
excessiva e ruídos estranhos.
O que uma gravação deve fazer é manter a definição invés de a
misturar e de modular sobretons, harmónicos, etc.”15
(Milner, 2009)

Tal como foi dito na introdução deste capítulo, Michael Devecka,
manifesta uma opinião completamente adversa, afirmando que a gravação
eléctrica terá sido a maior revolução na gravação sonora desde o momento em
que foi implementada. Segundo Milner, Devecka teve uma forma interessante de
conceber o advento da amplificação eléctrica:

“As pessoas pensão que o que a amplificação faz é pegar num
sinal minúsculo e torná-lo grande. [Enquanto] o que realmente faz é
“emprestar-lhe” electricidade de outro lado qualquer. Electrões são
portadores de energia. Tu estas a adicionar mais deles para imitar na


15 traduzido do inglês

25

perfeição o padrão dos electrões originários. É por isso que um


microfone pode “ouvir” melhor do que uma campânula acústica.
Ele não depende exclusivamente da energia das ondas sonoras. Ele
empresta electrões de lá de fora do mundo, da tomada de parede e da
rede de energia para além dela. A relação entre a gravação e aquilo
que é gravado era agora mais complexa. As paredes da sala em que o
som é gravado não se limitam a denotar um espaço “tranquilo” para
captar som. Elas agora deixam-no no mundo confuso lá de fora.
Subitamente gravar um som não parece ser uma simples preposição.
Tocar no que circulava por de trás daquelas paredes significava que
tu poderias trazer electrões para dentro, ou enviar o som para fora.
O som era agora flexível, elástico. Este é o legado da era
eléctrica.”
(Milner, 2009)

4.2 Primeiras gravações

“Entre 1926 e 1931, um conjunto de acontecimentos reconfigurou
as estruturas dominantes da industria de fonogramas e bens
associados, instaurando uma nova ordem económico-empresarial aos
níveis local e global. Entre os diferentes factores na origem da
reorganização do mercado fonográfico podemos apontar,
internacionalmente, e em primeiro lugar, as consequências económicas
da Primeira Guerra Mundial, responsável por, no contexto europeu,
enfraquecer as companhias fonográficas germânicas e fortalecer
aquelas sediadas na Grã-Bretanha, como a His Master’s Voice e a
Columbia. As relações destas corporações com empresas parentes norte-
americanas propiciaram uma maior proximidade de mercados e uma
abertura a repertórios emergentes na América, processo que também em
Portugal teve reflexos nos estilos musicais. Permeáveis às novas
sonoridades, músicos e compositores portugueses alargaram as suas
possibilidades estilísticas àquelas internacionalmente em voga.”
(Losa, 2013)

Leonor Losa acrescenta ainda que:
“o ano de 1926 é igualmente simbólico para o contexto político-
social português. Sucedendo aos conturbados anos da Primeira
República, o golpe militar de 28 de Maio desse ano inaugurou um novo
período da história nacional, com a implantação da ditadura militar.
A formalização do Estado Novo (1933) e o desenvolvimento de uma
política de teor nacionalista reflectiram-se numa atitude distintiva
perante a cultura. A orientação nacionalista do poder não só penetrou
nos repertórios gravados, como encontrou apoio na edição fonográfica,
dada a sua capacidade de ampla projecção de conteúdos.”
(Losa, 2013)

Segundo Milner, a primeira sessão eléctrica a nível mundial terá ocorrido
a 11 de Marco de 1925, nos Estados Unidos, com a chegada da Universidade da
Pensilvânia, Mask and Wig Club a Camden.
Apenas um ano mais tarde, realizar-se-ia a primeira sessão em Portugal.
Ana Cardoso de Matos e Gonçalo Rocha Gonçalves referem que a primeira
gravação eléctrica realizar-se-ia em Agosto de 1926, na sede de Valentim de
Carvalho na rua nova do Almada (ao que pude apurar essa sessão terá sido,
provavelmente16, gravada por Júlio Cunha (Tilly & Silva, 2010), funcionário da

16 António Tilly e Hugo Silva mencionam o facto de Júlio Cunha ter realizado as primeiras
gravações sonoras em 1926, utilizando Gramofones e gravadores de disco.

26

Valentim de Carvalho e técnico de som nessa época.) Até à data as gravações


eram realizadas de forma esporádica, estas novas evoluções tecnológicas
permitiram uma maior regularidade das sessões de gravação, alargando um
mercado até então bastante restrito e diminuto.
Os escritores da história da gravação e TSF referem ainda:

“As primeiras sessões de gravação duravam poucos dias (entre dois e
sete), realizavam-se maioritariamente em teatros, S. Luís e Trindade,
(...) e o papel preponderante era assumido pelo editor. Era ele que
contratava os artistas, gravando com vários por sessão, planeava os
ensaios e definia os arranjos. Os técnicos de gravação eram
estrangeiros e vinham especificamente para a ocasião. O ambiente
vivido nestas primeiras gravações é assim descrito por Maria Alice,
uma das primeiras vedetas do disco[:]
O Sr. Valentim de Carvalho pôs-me horas a fio a cantar em
frente dos aparelhos, recomendando-me que os não podia fazer sair de
uma certa oscilação. Eu ficava aflita porque gostava de soltar a voz,
mas ele dizia-me que era preciso modulá-la, aprender a respirar e a
coordenar as entradas com as violas e guitarras. Foram muitas
horas.”[...]
(de Matos & Gonçalves, 2005)


Valentim de Carvalho vem, no final dos anos 20, reformular a produção
fonográfica até então, contrariando a tendência estabelecida de gravar
intérpretes experientes, em particular do teatro musical, o disco passa então a
assumir um papel central na criação de novas vedetas.
Leonor Losa acrescenta:

“No final dos anos 20, [Valentim de Carvalho] contactou Maria
Alice, que não tinha experiencia enquanto cantora ou actriz, mas que,
por incentivo do comerciante, gravou para a editora Brunswick. A
carreira de Maria Alice prolongou-se até à data em que se casou com
Valentim de Carvalho, em 1950, altura em que abandonou a actividade
de cantora. Contudo, Maria Alice foi um dos primeiros e poucos
exemplos, no seu tempo, de interpretes criadas no seio da industria
fonográfica portuguesa. A partir do início da década de 30, uma
eficaz organização da rádio estatal seria determinante para
formalizar novos estilos e repertórios disseminados no país, o que
teve um reflexo imediato nas gravações, mas não permitiu que estas se
emancipassem enquanto terreno autónomo de produção e criação de
repertório e vedetas.”
(Losa, 2013)

4.3 A gravação eléctrica e o aparecimento da rádio

Greg Milner refere na sua obra que a crescente popularização da rádio se
estava a tornar numa séria ameaça para a Industria Fonográfica nos Estados
Unidos. Para o autor de “Perfecting Sound Forever”:

“a rádio não estaria só a competir com a industria Fonográfica
por ouvintes como também estaria a afectar a forma como as pessoas
queriam que a musica soasse. Devido ao facto de o rádio requerer um
microfone, o som da musica na rádio acentuou o papel da amplificação
eléctrica, e os ouvintes do Fonógrafo começaram a querer que os seus
discos tivessem um som mais alto, mais completo.”

27

(Milner, 2009)

Losa refere também que:

“a progressiva banalização da radiodifusão e dos aparelhos
transmissores a partir dos anos 30 suscitaram uma contracção no
mercado fonográfico em Portugal. À semelhança do que se passou
noutros países, como a Inglaterra [...] os agentes do mercado
fonográfico ressentiram-se das novas formas de consumo doméstico de
música, o que desmotivou alguns dos até então principais lojistas e
levou ao encerramento ou mudança de ramo comercial de diversos
estabelecimentos. Contudo, a relação simbiótica que rapidamente se
instalou entre rádio e musica gravada reconfiguraria os consumos e
ambos os contextos de produção musical.”
(Losa, 2013)

Ana Cardoso de Matos e Gonçalo Rocha Gonçalves referem também o
decréscimo de vendas que a indústria fonográfica sofreu mas realçam o factor de
exportação como sendo preponderante para a continuidade e regularização do
sector industrial:

“Até ao final dos anos 20 as gravações discográficas passaram a
ser feita de forma sistemática nos diferentes países, embora nem
todas [tivessem] sido lançadas no mercado [da] altura. Assim, após a
grande crise económica de 1929 as empresas discográficas deixaram de
investir em novas gravações, optando por rentabilizar os registos
feitos no final dos anos 20 e durante a década de 30 e 40 lançam no
mercado edições discográficas das matrizes registadas que tinham em
depósito.
No entanto o menor número de gravações não correspondeu a um
decréscimo de vendas em termos internacionais, embora em Portugal é
possível que se tenha registado uma ligeira quebra.
Uma das mais interessantes características desta indústria é,
aliás, o seu carácter internacional. Se até aos anos 20 uma
incipiente indústria não permitia grandes exportações, com a regular
edição e a boa qualidade sonora, adquirida com a gravação eléctrica,
o lançamento de edições portuguesas nos Estados Unidos e, sobretudo,
no Brasil tornou-se regular. Assim, mesmo com o decréscimo de vendas
em Portugal os discos portugueses continuavam-se a vender. Atenda-se
ao caso de Edmundo Bettencourt, cantor do fado de Coimbra.”
(de Matos & Gonçalves, 2005)

“nos anos subsequentes a 1929, Edmundo Bettencourt viveu quase
exclusivamente de direitos autorais. Os seus discos vendiam-se bem no
Brasil [e] eram reproduzidos no extremo Oriente – Rádio Pequim e
Hawai.17”
(de Matos & Gonçalves, 2005)

Foi, segundo o site Intertique (especializado na compra e venda de
fonógrafos, caixas de música e outros produtos musicais) com o aparecimento de
um novo modelo de Fonógrafo e com a tecnologia de gravação eléctrica (Victor
Orthophonic Victrola) que desse aparelho adveio, a partir de 1925, uma autêntica
revolução na gravação sonora:


17 Edmundo Bettencourt continuaria a receber direitos de autor ate aos anos 60, referente às
suas gravações no final dos anos 20. [...] (de Matos & Gonçalves, 2005)

28


“no fim de 1924 era evidente que as vendas da Victrola estariam
a entrar em séria recessão, devido à concorrência da transmissão da
rádio livre. Embora a amplificação eléctrica de discos fonográficos
estivesse para acontecer, estariam a ser conduzidas experiências com
gravação eléctrica, e a Western Electric, divisão da Bell
Laboratories foi a primeira a desenvolver um sistema viável. Ao mesmo
tempo, era reconhecível que os novos discos gravados electricamente
precisariam de uma campânula e reprodutor com um design mais
especifico. A construção das campânulas do fonógrafo teriam sido
durante muito tempo uma questão de tentativa e erro, mas pelos
princípios básicos da acústica isso teria ficado compreendido. Os
novos discos gravados electricamente ofereciam um aumento na gama de
frequência de mais de duas oitavas, principalmente audível nas
frequências mais baixas. Através da tradução de formulas de energia
eléctrica para energia mecânica chegar-se-ia á conclusão que uma
campânula cujas proporções aumentassem exponencialmente desde a sua
“boca” até á sua abertura seria a modificação técnica ideal para o
funcionamento das novas gravações. As novas máquinas Victor,
apelidadas de Orhtophonic (do grego “verdadeiro som”) foram
introduzidas no mercado a 2 de Novembro de 1925 através de uma
“enxurrada” imensa de publicidade mesmo para os padrões dos modelos
Victor. Estas teriam sido uma autentica revelação, propiciando uma
mudança radical na gravação acústica. Em antecipação ao novo modelo
Ortophonic Victor, a empresa teria já lançado discos especifico para
funcionar com este novo modelo, denominados VE (Victor electrical) -
designação visível no rótulo do disco.”

Greg Milner sublinha que foi com o seu sucesso estrondoso de vendas,
que se deu uma reconciliação entre indústria Fonográfica e a rádio. Podemos
também concluir, que foi nos anos de 25 que a relação simbiótica entre Rádio e
gravação sonora começa a surgir nos Estados Unidos.
No início de 1929, a companhia Victor (Victor Talking Machine Company)
fundiu-se com a Rádio Corporation of América (RCA), criando-se uma nova
corporação cujo valor de mercado era superior a $626 milhões18. O vice-
presidente executivo David Sarnoff teve visão de longo prazo em relação à
sinergia entre as duas indústrias. No livro de Milner é possível observar uma
afirmação do vice-presidente em relação ao papel que a gravação eléctrica iria
assumir:

“É claro que na nova era do entertenimento eléctrico agora
expressado em radiodifusão, talking motion pictures, e nas
instalações de teatro, rádio e fonógrafo assumem papeis distintos mas
complementares. (...) A presente unificação ira melhorar
significativamente ambos os serviços ao tornar intercambiáveis as
invenções e desenvolvimentos das duas industrias.”
(Milner, 2009)

A compreensão de Sarnoff face à mudança conceitual prefigurada pela
revolução eléctrica era ainda mais presciente. “Cada performance dramática é
um acto de comunicação,” escreveu ele [num artigo] ao New York Times que
tinha como cabeçalho “onde a oportunidade acena.” “O fonógrafo, a pianola, o
aparelho de rádio, todos são instrumentos de discurso e comunicação.” A
gravação sonora deixaria de ser uma entidade frágil e de teor mitológico e

18 dólares

29

passaria a se assumir como “informação, a ser amplificada e transmitida à


vontade.” (Milner, 2009)
No contexto português, o grande pioneiro e visionário desta mudança foi
Valentim de Carvalho, que, possivelmente, tendo tido como exemplo a fusão das
corporações americanas Victor com a RCA decide na década de 30 associar-se
com a EMI. Segundo Losa:

“Num momento em que a TSF se começa a constituir como meio de
comunicação revolucionário, despertando a atenção do publico e
motivando grandes e longas reportagens sobre a tecnologia de
radiodifusão, as suas possibilidades e as suas vantagens, diversos
comerciantes de material fonográfico terão receado que os gramofones
fossem substituídos por rádios, e a sua área de mercado se tornasse
obsoleta. Esta suposição terá estado na base do encerramento de
diversas lojas de discos e gramofones ao longo da década de 30.
Promovendo tanto a fonografia quanto a TSF através da Eufonia,
Valentim de Carvalho foi reconhecidamente um pioneiro na história do
mercado fonográfico, pois anteviu que a relação entre discos e rádio
constituía potencialmente uma mais-valia comercial, o que se
verificaria globalmente.”
(Losa, 2013)

A autora de Machinas Fallantes refere que terá sido nessa mesma década,
que Valentim de Carvalho se assumiria enquanto representante local do recém-
formado conglomerado EMI19. Colaboração essa que perduraria ao longo de todo
o século XX e que seria determinante para o seu sucesso comercial e a sua
centralidade no mercado fonográfico local. A autora refere ainda que:

“A constituição de um catálogo coeso de gravações e uma longa
história de mais de cinco décadas seriam o mais importante feito da
parceria entre Valentim de Carvalho e a EMI, que adquiriu o estatuto
de caso excepcional na história da gravação e da música popular no
país. A par de outros géneros, a intensa gravação de fado, tanto na
sua expressão lisboeta como na variante coimbrã, agiu de modo
decisivo na codificação dos traços estilísticos que ainda hoje
caracterizam o género.”
(Losa, 2013)

4.4 A gravação eléctrica e o aparecimento do cinema sonoro

“Quando surge o cinema, em 1895, houve a necessidade de
inventar e incorporar todo um conjunto de tecnologias, para tornar o
espectáculo com condições para a exibição dos filmes, desde à
acústica das salas de cinema, os microfones, os altifalantes, e
principalmente, inventar um sistema geral de amplificação sonora e
instalar as salas de cinema com esse equipamento, que mais tarde,
reunia as condições técnicas para surgir o cinema sonoro e falado,
isto é, o invento da tecnologia que permitia gravar o som na imagem
em película e obter a sincronização perfeita do som na imagem.”
(de Barros, 2014)


19 a partir de 1931, acentuou-se o fenómeno de centralização da produção e distribuição
fonográfica num número restrito de companhias, que se organizaram em conglomerados e
partilharam o monopólio industrial. Na Europa, em 1931, as empresas Gramophone Company e
Columbia Graphophone (que já haviam adquirido a alemã Odeon) fundiram-se e formaram a EMI
(Electric and Music Industries). (Losa, 2013)

30

É neste momento relevante incluir um pequeno parêntesis sobre o papel


do cinema na gravação sonora até à altura. A par da invenção dos sistemas de
gravação, seriam criados sistemas de gravação sonora especificamente para o
cinema entre eles o Kinetoscope de Edison que terá sido o primeiro sistema
integrando som e imagem em movimento.
O cinema sonoro teve um papel preponderante enquanto agente
modificador na concepção e interpretação da música e repertório musical e da
própria gravação sonora.
O Cinema (do grego: κίνημα - kinêma "movimento") (Machado, 1991)
desde cedo começou a tentar conjugar imagem em movimento com som.
Segundo António de Barros, desde o seu nascimento que a Sétima Arte procura
encontrar “voz”, uma forma de falar que ultrapassasse a linguagem das imagens.
No período designado por cinema mudo os filmes já teriam
acompanhamento sonoro mesmo que tivesse sido o som emitido da própria
máquina de filmar. Quando a máquina de projectar começava a trabalhar à
manivela produzia um som que fazia o próprio acompanhamento sonoro do
filme. Facto que podemos confirmar actualmente, através da projecção do filme
em película.
Para a criação de um sistema de sincronização de som e imagem, houve a
necessidade de inventar todo um sistema de sonorização, para isso, muito
contribuiu a invenção e as tecnologias que estão associadas ao telefone e à rádio.
No cinema, a sonorização e a sincronização passou por várias experiências até
aos finais da década de 20.
É em 14 de abril de 1894, que se dá a primeira exibição comercial de
filmes da história, em Nova Iorque, usando o Kinetoscope. (de Barros, 2014)
E apenas um ano depois, surge uma das primeiras tentativas de sincronização de
som e imagem, em que Edison apresenta uma nova versão do Kinetoscope, mas
desta vez contendo um fonógrafo dentro do armário do modelo, permitindo ver
filmes e ouvir sons através do uso de auriculares.
O Cinema como arte do “espectáculo “nasce” a 28 de Dezembro de 1895,
no Grand Café (Boulevard des Capucines, Paris), com a projecção de 10 filmes
dos irmãos Lumière, na primeira sessão oficial com entradas pagas da história.
(de Barros, 2014) É relevante dizer que houve diversas experiencias e tentativas
de sincronizar imagem em movimento com som e que até essa data já se
realizavam sessões de cinema em que o som acompanhava a imagem, através de
música ao vivo, no qual, era necessário amplificar o som de instrumentos,
geralmente o piano, o órgão ou até mesmo orquestras. Segundo Deniz Silva, no
contexto português, o cinema surge:

“apenas alguns meses depois da apresentação do cinematógrafo pelos
irmãos Lumière , em Paris, realizaram-se as primeiras experiencias de
projecção cinematográfica em Portugal, levadas a cabo por Edwin
Rousby no Coliseu dos Recreios de Lisboa (CRL) e por Aurélio Paz dos
Reis no Teatro do Príncipe Real no Porto, respectivamente em Julho e
Dezembro de 1986. Inseridos inicialmente em espectáculos de
variedades, os filmes só passaram a ser exibidos em locais
especializados a partir dos primeiros anos do séc. XX, tendo a
primeira sala de cinema Portuguesa, o Salão Ideal, sido inaugurada em
Lisboa em 1904. Foi no contexto da organização de recintos
consagrados exclusivamente à projecção cinematográfica que se
desenvolveu a prática do acompanhamento musical dos filmes mudos,

31

geralmente por um pianista ou uma pianola (piano mecânico), ou por


pequenos agrupamentos instrumentais nas salas mais importantes.
Nesses primeiros anos, os grupos de câmara constituíram a base do
acompanhamento musical das exibições cinematográficas(...) No
entanto, outros processos de sonorização foram experimentados,
nomeadamente através de canções gravadas em disco, registos que
depois eram exibidos em simultâneo com o filme, procurando alcançar
um sincronismo entre a imagem e o som.” [...]
(Silva, M. D, 2010)

Segundo Barros, a primeira aparição do cinema sonoro, que se daria
entre 14 Abril e 30 Outubro 1900 na Exposição Universal de Paris, traziria à luz
do público, os primeiros sistemas de sincronização de som com imagem. O
cinema ocupava um lugar de destaque, onde se poderiam encontrar novidades a
ser exploradas em futuras décadas. Entre elas aparecia o Phono-Cinéma-Théâtre,
de Clément-Maurice e Henri Lioret, que levou aos espectadores as imagens e as
vozes do teatro. A exposição terá também apresentado uma das primeiras
gravações em cilindro para filme, que tivera lugar no ano 1899́ “Le Muet
Mélomane”, filme da companhia cinematográfica Pathé. António de Barros conta-
nos que Raoul Grimoin-Samson apresentara também na sua exposição, o
Cinéorama, um processo de projecção de filmes numa tela circular varrida por
dez projectores sincronizados. Outros sistemas de sincronização foram
desenvolvidos, tais como o Phonorama de Berthon, Dussaud e Jaubert, que se
caracterizava por um sistema de escuta individual. Estes sistemas não eram
contudo fiáveis no que concerne à sincronização entre som e imagem.
Durante mais de vinte anos surgem várias experiências que visavam a
sincronização audiovisual. As primeiras experiências de sonorização foram
realizadas por diversos inventores, entre eles, Thomas Edison, Auguste Barons
que terá apresentado ao mundo em o Grafonoscópio e Henri Joly apresentando o
seu Cronógrafo (1900), sistemas que possuíam ainda falhas de sincronização. Em
1902 Léon Gaumont procede à exibição de filmes através da sua invenção, o
Chronophone que tinha como objectivo a integração de som gravado em disco (o
aparelho estaria localizado perto mas fora da máquina de projecção) sendo
necessário dois fonógrafos para proporcionar um som suficiente audível para
uma sala de cinema.
Nos EUA, em 1906, é apresentado o Cameraphone, um sistema com
características semelhantes ao Chronophone, no entanto, em 1910, quer este
sistema quer o anterior cessariam funções devido à dificuldade em sincronizar o
som gravado com a imagem.
Em 1908, surge uma novidade importante no panorama cinematográfico
português, o produtor e distribuidor, Júlio Costa introduz uma novidade, um
outro processo de sonorização denominado por Animatógrafo Falado. O sistema
era meramente “orgânico” uma vez que consistia na ilusão criada por um grupo
de actores que por detrás do ecrã ia dialogando e emitindo efeitos sonoros
“relativamente” síncronos com o filme em questão, sonorizando alguns excertos.
Este processo seria conhecido também como “Fitas Faladas” e continuaria a ser
utilizado até cerca dos finais dos anos vinte.
Barros refere que em 1913, Thomas Edison apresenta o Kinetophone,
outra tentativa de sistema de som gravado em disco que não perdurou, mais uma
vez, devido a problemas de sincronização, e de amplificação. O amplificador
ampliava o ruído de superfície do disco, bem como as vozes gravadas.

32

O autor conta que na década de 10, do século XX, os sistemas de


sonorização, ao aplicar o sincronismo entre som e imagem, adquiriam
capacidade de sonorizar filmes sem recorrer a orquestras ou pianistas,
principalmente devido ao facto de ser mais rentável exibir os filmes sem se ter
de contratar músicos. No entanto, até ao aparecimento do cinema sonoro (nos
finais dos anos 30), continuava-se a exibir filmes com acompanhamento musical
ao vivo interpretado por músicos, inclusive, no dia 28 de Dezembro de 1895,
data oficial do nascimento do cinema como espectáculo, a primeira exibição
cinematográfica orquestrada pelos irmãos Lumière terá sido acompanhada por
um piano. (de Barros, 2014)

Manuel Deniz Silva menciona ainda o facto de em Junho de 1929, a revista
Cinéfilo fazer referencia a um filme de 1909 intitulado Maria Vitória, em que a
actriz de revista Maria Vitória teria sido acompanhada pela reprodução sonora
de diálogos e canções através de um gramofone.
O autor do artigo “Do início do cinema à introdução do «sonoro» (1896-
1930) ” refere também, que ao longo dos anos, o piano deu lugar a orquestras
com cada vez mais elementos. Segundo Deniz Silva:
No livro “Cinema em Portugal - Os Primeiros Anos” (Baptista, Parreira, &
Borges, 2011, p. 26) o autor escreve que em Portugal, antes de 1910, alguns
filmes registaram em película e em disco fonográfico, separadamente, canções
interpretadas por actrizes (como por exemplo: Júlia Mendes ou Maria Vitória).
Mais tarde, no momento da exibição do filme, gramofone e aparelho de projecção
eram activados simultaneamente, procurando um sincronismo de som e imagem
“tão exacto quanto possível.” (Silva, M. D, 2010)
Barros afirma que no final da Primeira Guerra Mundial, em 1918, o
cinema encontrar-se-ia no auge da sua força, havendo vários progressos técnicos
e tecnológicos, nomeadamente, investigações sonoras, explorando, mesmo de
forma experimental, algumas tecnologias que apenas mais tarde se
institucionalizariam. Em 1907, surge um pioneiro na investigação de filme
sonoro, Augustin Lauste, inventor francês, que emigrara para os Estados Unidos
e que terá trabalhado nos laboratórios de Edison e de Bell, patenteando nesse
ano, um processo de gravação e reprodução simultâneo, gravando e
reproduzindo os movimentos e gestos de pessoas e objectos e os sons por eles
produzidos numa película de filme de 35 mm de celulóide. O autor de “Filme-
Concreto” refere também que em 1911, ano em que Eugène Lauste terá exibido a
sua invenção nos Estados Unidos, surgiria a primeira experiência de filme sonoro
que conseguiria gravar imagem e som em película, processo esse que
anteriormente se realizava separadamente e que recorria ao uso da
sincronização.
Barros refere a importância da rádio para o advento do cinema falado
assim como outros avanços tecnológicos e invenções que assumiriam um papel
preponderante no desenvolvimento do cinema sonoro:

“Em 1922, Lee De Forest, pioneiro das emissões radiofónicas, cria
também o Phonofilm, um aparelho de gravação magnética em película,
que permite a reprodução simultânea de imagens e sons, e faz as
primeiras demonstrações deste sistema a 12 de Abril de 1923. Este
sistema que se enquadra na base do cinema falado, foi acompanhado por
outras experiências, em 1923, os estúdios da UFA, na Alemanha, exibe

33

Das Leben auf dem Dorf, um filme “falado” com o sistema de som
síncrono Tri-Ergon, inventado por Josef Engl, Hans Vogt e Joseph
Massolle, no entanto, [o filme resultaria] em fracasso.
Em 1926, a companhia de cinema Warner Brothers introduz a Vitaphone,
outro sistema de sincronização, ainda, o som era gravado num disco. O
primeiro filme exibido, com música e efeitos sonoros sincronizados e
sem diálogos falados, foi Don Juan (1926) de Alan Crosland.”
(de Barros, 2014)

António de Barros refere a data de 6 de Outubro de 1927, como a data que
anunciava o aparecimento do cinema sonoro, ano esse em que seria exibido o
filme "The Jazz Singer" de Alan Crosland, exibido pelo sistema de sonorização
Vitaphone. Este sistema era o primeiro a introduzir passagens faladas e cantadas
em filmes e sincronizava a exibição do filme a um disco de 78 rotações, cujo som
seria melhor do que aquele obtido no Fonógrafo de Edison. Tinha naturalmente
inconveniências, como por exemplo, um rangido inerente ao processo de
gravação, e os eventuais riscos produzidos no disco que retiravam sincronização
entre imagens e sons. Mas, só no ano seguinte, a 6 de Julho de 1928, é que seria
estreado o primeiro filme inteiramente falado Lights of New York de Bryan Foy, e
que seria, também, exibido no sistema de sonorização Vitaphone pela Warner
Brothers.
Resumidamente, o cinema passa por um processo sonoro metamórfico,
em que o filme era sonorizado através de disco síncrono, e recorria a película à
margem da imagem numa dimensão que em 1928 se acorda ser estabelecida em
2,5 mm.
Só em 1929 é que som e imagem convergem impressos e sincronizados
na mesma película, o filme Syncopation foi o primeiro a obedecer a este novo
padrão estreando-se pela RCA20
Posteriormente a esta data, praticamente todas as companhias
recorreriam a esta nova invenção destacando-se filmes como The Love Parade
(1929) de Ernst Lubitsch, Der Blaue Engel (1930) de Joseph von Sternberg, e M –
Matou (1931) de Fritz Lang.
Segundo Deniz Silva, a nível internacional já se estaria a sentir a
metamorfose tecnológica implementada no cinema pelas novas descobertas e em
Portugal assistia-se a um panorama que alertava uma mudança urgente na
reconfiguração cinematográfica. Até ao final da década 20 houve reclamações de
espectadores em relação ao repertório de pianistas ou mesmo de grupos
musicais em que diziam que a música tocada na exibição do filme não se
adequava com a mensagem nem conteúdo que o filme transmitiria. Deniz Silva e
Rui Vieira Nery referem que:

“[tal] como no resto da Europa, a transição do cinema mudo para o
sonoro confrontou-se em Portugal com um movimento de resistência, em
particular por parte da crítica especializada que tinha fundado o
carácter artístico do cinema na sua dimensão estritamente visual.
Duas revistas Kino e Imagem (...) destacaram-se no entanto na defesa
do sonoro [...]. Para os entusiastas da nova tecnologia, esta
aparecia como uma oportunidade para relançar a indústria
cinematográfica nacional, que no final dos anos 20 se encontrava numa
profunda crise, uma vez que as grandes empresas que tinham marcado o
período mudo tinham ido sucessivamente à falência. Um dos principais

20 Radio Corporation of America.

34

argumentos era a barreira «linguística», que fazia supor que o


publico português não seria particularmente receptivo a filmes
falados numa língua estrangeira. Abria-se assim a perspectiva de um
espaço para as produções nacionais e parecia então evidente que os
temas «genuinamente» portugueses seriam os mais adequados para
conquistar novos públicos para o cinema sonoro. Nesse sentido, a
escolha do fado como tema do primeiro «fono-filme» português, A
Severa (1931), realizado por Leitão de Barros, não foi casual.
Adaptação da obra de Júlio Dantas, o filme procurava tirar partido da
identificação desse género, que na época se impunha no nascente
mercado fonográfico e nas emissões de rádio, como um tema
«tipicamente português», apesar de a qualificação do fado enquanto
«canção nacional» continuar a ser contestada [...].”
(Silva, M. D. e Nery, R. V. 2010)

Leonor Losa refere que:

“a partir da introdução do cinema sonoro em Portugal, a musica
popular gravada passou a focar-se igualmente em repertório musical
divulgado por esse meio de comunicação, que progressivamente ganhou
maior capacidade de alcance do que o teatro de revista.
A estreia do primeiro fonofilmes português, A Severa (...) marca o
início da intimidade entre a produção cinematográfica e a
fonografia.”
(Losa, 2013)

4.5 A transição do mercado discográfico

Num artigo redigido por Leonor Losa (Losa, 2010) a autora traça o percurso
que a Indústria Fonográfica terá percorrido entre as décadas de 30 a 60, a
conjugação entre indústria fonográfica, rádio, cinema e teatro de revista
permanece de modo indissociável referindo ainda aqueles que terão sido os seus
principais protagonistas.
Segundo Losa, a partir de 1930, a edição fonográfica de fado assentaria num
conjunto de intérpretes e compositores que conheceria a mediatização através
de fonogramas (a título de exemplo: Maria Alice.)
A escritora refere ainda que, entre as décadas compreendidas entre 30 e 60,
intérpretes e compositores de música ligeira desenvolveriam o seus percurso
profissional no âmbito do teatro de revista, transitando posteriormente para a
rádio e, nalguns casos, para o Cinema.
Tavares Belo, Nóbrega e Sousa e Ferrer Trindade (compositores), e Ercília
Costa, Maria Alice, Hermínia Silva, Amália Rodrigues, Francisco José, Artur
Ribeiro, Milú, Tony de Matos, Maria de Lurdes Resende, Maria Clara e Mário
Simões (intérpretes), desenvolveriam a sua actividades simultaneamente em
três diferentes eixos de produção contando com a edição fonográfica de
repertórios aí celebrizados.
Segundo Losa, esta sobreposição significaria um número restrito de
intérpretes e tipologias de repertórios similares, sendo que as bases ideológicas
que enformavam a produção musical da Emissora Nacional estariam na origem
da criação de novos repertórios e respectivo consumo, através de diversas
iniciativas.
O facto da política estatal se encontrar, nesse período, fortemente assente nas
potencialidades da rádio como meio comunicacional motivaria a adesão a novas

35

formas de escuta e por conseguinte, á sua disseminação musical, vindo a


fomentar valores estéticos padronizados relativos à música ligeira.
Leonor Losa refere ainda que estes valores estéticos, enformados por
ideologias de integração de diferentes símbolos musicais num mesmo
repertórios (atenda-se a tipologias rítmicas associadas a práticas coreográficas
tradicionais, instrumentação que remeteria para géneros populares urbanos, tal
como o fado), articulando a presença de orquestração, e estilos performativos
transversais (como a colocação vocal intermédia entre canto lírico e práticas
populares, e dicção cuidada do texto) unificariam a canção ligeira numa estética
«nacional».
Em relação á distribuição e disseminação de produtos de outros contextos, o
posicionamento da actividade de edição fonográfica assumir-se-ia como factor
preponderante para a cristalização destes mesmos valores, estando a relação
entre rádio e edição fonográfica intrinsecamente patente na acção da fábrica e
editora Rádio Triunfo, que seria responsável pela edição de vários cantores que
constavam nos quadros da Emissora Nacional (a titulo de exemplo refira-se:
Armando Tavares Belo, José Belo Marques, Carlos Nóbrega e Sousa e Francisco
Ferrer Trindade) que constituiriam o corpus do repertório gravado, e se
assumiriam como participantes activos no processo de «aportuguesamento da
música ligeira.»
João Nobre, cujas gravações proliferariam na Valentim de Carvalho, seria um
dos exemplos de artistas ligados ao teatro de revista que fariam parte deste
mesmo processo.

36

5. A Era da gravação Magnética



“Em 10 de Junho de 1940, AEG21 e RRG22 realizariam uma demonstração
pública em Berlim para mostrar o novo e melhorado Magnetophon. Um
relato da imprensa alemã descreve a demonstração como "uma revolução
total na gravação de som.”
(Milner, 2009)

Assim como a gravação eléctrica não substitui de forma imediata a
gravação acústica (refiro-me amplamente às tecnologias, técnicas e mecanismos
tanto de captação como de gravação) a gravação em fita magnética não se veio a
impor logo no momento em que aparece.
Quando falamos de gravação temos de ter em consideração todos os
meios técnicos envolvidos no processo, sejam as ferramentas usadas pelos
técnicos de som, seja os próprios discos ou cilindros impressos ou mesmo as
técnicas de execução no processo de gravação.
Assim como o microfone veio revolucionar o meio da gravação acústica,
temos de vislumbrar todo o mecanismo tecnológico, o processo de
transformação que advém do primeiro “transmissor de som” inventado por
Philipp Reis até o microfone desenvolvido por Edward Hughes que culmina com
o microfone de carbono que é usado hoje.
Não estamos a falar de uma era em que a tecnologia lhe confere uma
afirmação imediata, mas sim de um processo metamórfico, que passo a passo se
vai transformando, e que assume contornos mediante o impacto que irá causar
no meio sonoro.

5.1 Origens

O conceito de magnetização já vem de longe, desde os tempos primordiais
da era acústica, desde os tempos em que Oberlin Smith pensou em aperfeiçoar o
som emitido pelo Fonógrafo de Edison.
Antes de falar na origem da gravação magnética é importante referir o
conceito / definição de magnetismo para um melhor entendimento
relativamente ao aparecimento de máquinas eléctricas de indução, os diferentes
tipos de transdutores e as cabeças de gravação. O coordenador Lourenço da Silva
define na sua obra o conceito de magnetismo:

“O magnetismo terrestre, a agulha magnética da bússola e em
ultima análise o íman comercial em ferradura ou bastão, são
suficientemente conhecidos nas suas propriedades físicas para
permitirem uma fácil introdução aos fenómenos magnéticos e
electromagnéticos. Materiais facilmente magnetizáveis dizem-se
ferromagnéticos se [possuírem] a propriedade de reter em si a
magnetização ficando a construir ímanes permanentes, como, por
exemplo, o aço, o cobalto e o níquel; e paramagnéticos se não
[reterem] a magnetização, como o ferro macio. Os restantes não são
magnetizáveis e dizem-se não magnéticos ou diamagnéticos com menor
exactidão.
O campo magnético criado por um íman permanente, ou magneto
natural, pode ser facilmente visualizado, através das suas linhas de

21 Allgemeine Elektricitäts-Gesellschaft AG
22 Reichs-Rundfunk-Gesellschaft

37

força se apoiado o íman sobre o papel polvilhado de limalha de ferro


percutirmos leve e repetidamente o referido papel. As partículas de
limalha de força do campo com uma densidade proporcional à
intensidade daquele e a figura resultante recebe o nome de espectro
do campo magnético no plano de ensaio.
O campo magnético do magneto natural pode ser recriado
electricamente por meio do electromagneto ou electroíman. Na
realidade, uma bobina que se faz percorrer por uma corrente induz um
campo magnético no espaço circundante, nos momentos do
estabelecimento e da interrupção da corrente no caso de esta ser
contínua, e de modo permanente se se tratar de uma corrente
constantemente variável como é o caso da corrente alternada
sinusoidal.
Com base no conhecimento destes fenómenos físicos e nas acções de
atracção de repulsa entre pólos de imanes ou electroímanes
diferentes, constituíram-se (...) as máquinas eléctricas de indução,
diversos tipos de transdutores como microfones e altifalantes e ainda
as cabeças de gravação utilizadas nas maquinas de gravar em fita.”
(da Silva, 1977)

Para situarmos a origem dos primeiros aparelhos que usavam a
tecnologia magnética devemos recuar no tempo até 1878, altura em que Milner
nos conta a visita de Oberlin Smith ao laboratório de Edison:

“Em 1878, um engenheiro mecânico chamado Oberlin Smith visita o
laboratório de Edison e pede para ouvir o fonógrafo. Embora fascinado
pela máquina, Smith decide que a sua falha fundamental se encontra no
contacto directo entre o estilete e o registo gravado. Ele argumenta
que, se houver uma maneira de descodificar uma gravação sem se ter de
tocar na superfície do que se esta a gravar poderá resultar num som
mais perfeito. Após pensar no assunto por 10 dez anos Smith resolve
escrever um artigo em que descreve um método de gravação sonora
usando impressões magnéticas. Ele teoriza que um fio de algodão ou
seda poderia ser coberto por uma substância - pó de aço ou pequenos
pedaços de fio - que poderiam ser magnetizados pela corrente de um
telefone movido em toda a linha. O artigo recebeu pouca atenção, e
Smith nunca tentou construir esta máquina. Anos depois Valdemar
Poulsen (um engenheiro dinamarquês apelidado de Edison dinamarquês)
constrói um protótipo denominado Telegrafon. O seu aparelho usava
cordas de aço de piano enroladas em torno de um tambor de latão.
Poulsen consegue resolver um dos problemas que vinha desafiando os
teórico pioneiros da gravação magnética. O modelo de Smith incluía
pedaços discretos de pó de aço ou arame que era magnetizado, em vez
de um completo fio de aço. Contudo e tal como Edison, Poulsen nunca
teria imaginado o seu aparelho a ter implicações no campo sonoro, mas
sim um método para a recepção e armazenamento temporário de noticias
ou sinais, imaginando uma ferramenta útil para a gravação de chamadas
telefónicas. A sua invenção teria um impacto estrondoso na Exposição
Universal de Paris, [a tal exposição que António de Barros nos fala e
que contemplava as invenções de sistemas de sincronização sonora
entre som e imagem em movimento e que se realizaria entre 14 Abril e
30 Outubro 1900.]”
(Milner, 2009)

Milner conta-nos que à medida que as pessoas ouviam os seus minúsculos
e frágeis sons denotavam o quanto eles soavam tão naturais. O único “senão” que
o Telegrafon continha era o facto de ter aparecido anos antes de um modelo de
amplificação eléctrica eficaz e que portanto não haveria forma de aumentar os

38

minúsculos sons, uma vez que estes eram reconvertidos a partir de impulsos
eléctricos.
Outro facto que deve ser mencionado e que o escritor de Perfecting Sound
Forever refere é que as investigações nos Estados Unidos se centravam no
desenvolvimento tecnológico no âmbito de tecnologias militares. Após os
alemães, em clima de guerra, terem, alegadamente, usado a tecnologia do
Telegrafon para afundarem um navio norte-americano os investigadores
americanos dedicaram-se a uma extensa pesquisa sobre as aplicações militares
que a tecnologia do Telegrafon poderia conter, não encontrando nenhuma. Essa
pesquisa iria contribuir para uma maior fidelidade no campo sonoro, o problema
é que as pesquisas desenvolvidas eram centralizadas no campo da gravação
informativa ao invés da sonora. Os investigadores nunca teriam em conta a
relação entre o telefone e o Telegrafon. Porque se tivessem teriam, segundo
Milner, provavelmente, acelerado a história da gravação sonora, no mínimo,
vinte anos.
Um dos grandes impulsionadores da gravação de fita magnética seria,
anos mais tarde, o engenheiro austríaco, Fritz Pfleumer, criador do primeiro
gravador moderno de fita magnética, reconfigurando o aparelho de gravação.
O gravador de fio de aço era uma ferramenta cara e o que Pfleumer fez foi
idealizar um novo gravador que funcionasse com diferentes materiais. Pfleumer
pensou numa tira de papel, e numa substância magnética que aderisse ao papel.
Ele inventaria o Tönendes Papier (Máquina sonora de papel) que usaria grânulos
de pó de ferro que aderiam ao papel, o problema era que o som era horrível, mas
interessaria a AEG, o suficiente, para justificar a comprar da sua patente. Anos
mais tarde em colaboração com a BASF23 a AEG cria o Magnetophon, ferramenta
barata mas que gerava uma péssima qualidade sonora. Em 1940, ano em que a
Alemanha invade a Dinamarca, os investigadores alemães descobrem o
Telegrafon de Poulsen.
Eureka! Em 1940 a AEG e RRG apresenta um novo e melhorado
Magnetophon, aclamado pela imprensa alemã, como uma revolução total na
gravação sonora. A gravação magnética tinha vindo, desde sempre, a trabalhar
com uma corrente contínua (DC). O que Walter Weber (engenheiro da RRG) viria
a descobrir seria que a injecção de uma corrente alternada (AC) de frequências
ultra-elevadas inaudíveis, integrada na fita, melhoraria drasticamente a
qualidade do material sonoro. Em termos simples, as altas frequências
sacudiriam as partículas magnetizadas na fita. O processo conhecido como
polarização de AC, transformaria de forma contundente as possibilidades de
efectuar gravações magnéticas de alta qualidade.
Milner conta-nos ainda um dos episódios, que considera ser, uma das
mais estranhas falhas de inteligência da guerra moderna. Em Junho de 1941 os
alemães teriam exibido o AC-bias Magnetophon, artigos sobre o assunto teriam
aparecido em revistas de interesse geral (alguns inclusive, teriam sido vendidos
fora da Alemanha), a invenção do Magnetophon seria por isso, dificilmente
secreta e seria portanto estranho que os americanos não tivessem tido
conhecimento da existência dessa tecnologia. Contudo, Milner refere que Jack
Mullin (engenheiro electrotécnico norte-americano) teria ficado surpreendido ao
ouvir as transmissões claras, nítidas, de som de música ao vivo reproduzidas

23 Badische Anilin und Soda Fabrik

39

pela rádio alemã, perguntando mesmo se Hitler seria suficientemente louco para
obrigar a banda Filarmónica de Berlim a tocar ao vivo e em regime nocturno,
noite após noite.
Quando em Agosto de 1944, após o D-day, Jack Mullin descobre em Paris o
Magnetophon, fica completamente chocado com a sua definição sonora: “Eu não
poderia ter a certeza a partir do som [que ouvia] se [estava] a ouvir uma
gravação ao vivo ou reproduzida. Simplesmente não tinha qualquer ruído de
fundo.”
Após examinar o aparelho cuidadosamente ele descobre aonde se centrava o
busílis da questão: na injecção de corrente alternada.

Lourenço da Silva acrescenta ainda que:

“No final da guerra de 40-45, existiam já gravadores de cinta com uma
característica plana dos 100 aos 8000 Hz e uma dinâmica de 50 dB.
Também se construíram curiosas maquinas de registo magnético em
disco, usando quer discos de aço quer discos de papel revestido a
material magnético.
Existem ainda, com interesse histórico, máquinas de gravar em arame,
de modelos os mais diversos, que vão da máquina profissional de
estúdio ao gravador [portátil]”
(da Silva, 1977)

5.2 Gravação em disco de 78 rpm na Era Magnética

“O período que sucedeu à Segunda Guerra Mundial corresponde ao
momento da industrialização e de intensificação de uma ordem
capitalista numa parte substancial do globo. Em Portugal, um dos
sectores rapidamente afectados foi o da produção fonográfica. Embora
o seu relevo para a leitura da realidade de industrialização do país
não seja geralmente considerado, o fomento industrial por parte do
Estado criou um contexto propício para a constituição de uma
indústria fonográfica local.”
(Losa, 2013)

Leonor Losa acrescenta que os comerciantes portugueses gravavam as
matrizes dos discos, enviando-as para prensagem no estrangeiro, de onde
importavam os discos para venda no mercado local.
É importante referir que no período que se sucede à Segunda Guerra
Mundial, a gravação directa ainda constava nas tecnologias de gravação do país,
caso disso é Hugo Ribeiro, um dos mais importantes protagonistas da gravação
sonora em Portugal (Tilly & Silva, 2010), e que é, provavelmente, o técnico de
som vivo mais antigo do nosso país. Ribeiro que começa a gravar, desde o final
da década de 40, rábulas e números de revistas sob a orientação de Júlio Cunha,
explica, em entrevista à Restart24, como é que se realizava a gravação em disco
de 78 rpm:
“Gravava eu directamente para o disco [numa maquineta RCA pequenina
que gravava em 78 rotações.] E eu estava a ajuda-lo [referindo-se a Júlio Cunha]
Depois ele deixou e passei a ser eu. E nesse momento ninguém podia nem
respirar. Porque o disco nunca poderia ser ouvido. Fazia-se um ensaio, gravava-
se um disco de acetato e ouvíamos se estava bem. Está bem, é assim que se vai

24 entrevista realizada a 9 de Abril de 2009, conduzida por José Fortes e Carlos Vales, á Restart

40

gravar. O que se gravava a seguir já não podia ser ouvido. Nós quando
começamos a gravar na Valentim de Carvalho, era no primeiro andar na sala dos
pianos. Tínhamos uma sala onde metíamos os artistas com uma porta de vidro e
essa porta de vidro servia de janela de cabine de som. E nós estávamos no lado
de cá, quando era orquestra com um artista. Pouco tempo depois, conseguimos
arranjar maneira de ligar dois microfones. Mas normalmente um microfone
gravava tudo.”
Hugo Ribeiro refere ainda que tudo aquilo que seria gravado teria de ser
muito bem ensaiado porque “senão poderia estragar-se um acetato”. O técnico
afirma que para gravar: “metia-se aquilo dentro de uma caixa dentro de um
espigão de aço e metia-se os discos com uma parte de plástico para separar cada
disco, uma no centro e outras à roda e depois da caixa de ar cheia, era uma caixa
metálica, ia para Inglaterra. [...] De barco, houve uma altura que ia de barco,
depois passaram a ir de avião. Depois nós, ao fim de vários dias, recebíamos as
provas, eles mandavam seis provas de cada disco. E aí é que nós íamos ouvir o
que é que tínhamos feito. Nós com a máquina de discos, à antiga, a 78 [rpm]
nunca tivemos dois microfones, foi sempre um. Nem havia maneira de gravar,
porque a máquina é que servia de misturador. A própria máquina tinha um
amplificador e o microfone entrava ali.”
Na entrevista, o técnico de som refere que na altura não havia
possibilidade de edição e que o técnico de som apenas poderia aproveitar os
takes inteiros. Não havendo hipótese de editar nem cortar nada porque o
processo era feito directamente no disco:
“Era feito directamente [no] disco. Não havia nada a fazer. Tinha que ser
assim. Quando apareceu a fita, aquilo facilitou muito. O Magnetophon foi
inventado pelos Alemães. E a máquina de fio (fio de aço) era o mesmo sistema,
era tudo magnético, mas a máquina de fio era Americana.”
Lourenço da Silva refere que: “a gravação directa, salvo raríssimas
excepções, deixou totalmente de se praticar a partir de 1947.”
Quando falamos na Era Magnética, temos evidentemente que identificar o
aparecimento de toda uma tecnologia de gravação que terá transformado todo o
meio de gravação sonora reconfigurando-o até aos dias de hoje. A fita magnética
provou ser na época uma autêntica revelação e as possibilidades que se geraram
permitiram que o técnico de som tivesse uma maior liberdade no que concerne
ao processo técnico de gravação.
Lourenço da Silva refere, na obra coordenada por si, o conceito de fita
magnética: “Um revestimento que se pretende tão uniforme quanto possível de
óxidos de ferro ou cobalto aplicado a uma fita de base “mylar” ou acetato pré-
esforçada, constitui o meio magnético que serviu de suporte à gravação do sinal.”
(da Silva, 1977)

5.3 Primeiras fábricas de discos em Portugal

“No período que sucedeu a Segunda Guerra Mundial, em sintonia com a
ordem capitalista que então se estabelecia determinando o
funcionamento das estruturas económicas, formalizou-se em Portugal,
pela criação de fabricas de fonogramas, uma indústria de bens
fonográficos destinados ao consumo interno. Através da acção de
indivíduos que por motivação pessoal e visão económica se
sintonizaram com os processos da economia moderna, os modelos do
mercado formalizado ao longo das primeiras duas décadas do século

41

deram lugar a uma industria fonográfica de implantação local nos anos


50.”
(Losa, 2013)

Segundo Lourenço da Silva, até ao termo da II Guerra Mundial, todos os
discos vendidos eram importados, exceptuando o disco directo de interesse
ligado à radiodifusão, gravado em estúdios improvisados através de meios
rudimentares.
Silva refere ainda que a 23 de Março de 1946, se constituiria, no Porto,
uma sociedade fundada por Rogério de Seixas Costa Leal, José Cândido Varzim da
Cunha e Silva e Manuel Lopes da Cruz tendo como objectivo a produção
industrial de discos em Portugal, denominando-se Rádio Triunfo.
Desde o período que a sociedade fundaria a Fábrica Portuguesa de Discos
no Porto (1947) a Rádio Triunfo começaria a abastecer o mercado nacional
através de discos “Shellac” de 78 rpm, discos esses, produzidos manualmente
numa prensa Nestal da época, uma das primeiras a ser criadas para esse mesmo
fim (produzindo cerca de 180.000 / ano).
O coordenador da obra menciona que os estampadores, em cobre, seriam
fabricados na Alemanha, França e suíça, mediante fitas magnéticas contendo
gravações sonras efectuadas no estúdio da radiodifusão oficial, em Lisboa, tendo
um acordo com esta, baseado na troca de serviços.
Leonor Losa refere que o papel pioneiro que a Fábrica Portuguesa de
Discos da Rádio Triunfo teria tido, a par do contexto político nacionalista e
proteccionista, como primeira infra-estrutura de produção fonográfica criada em
Portugal garantia-lhe destaque na análise de emergência relativa á produção
fonográfica (articulada por eixos industriais e culturais).
Losa refere que a empresa se destacaria na forma como coordenaria os
sectores de edição fonográfica e fabrico de discos, vindo assim a colmatar uma
lacuna adjacente ao sector fonográfico. A fábrica passaria então a ser requisitada
por editoras nacionais que até ao momento colaborariam com fábricas sediadas
no estrangeiro. A Rádio Triunfo, além da sua mais valia relativamente á
produção, passaria a funcionar igualmente como editora de fonogramas,
possuindo catálogo próprio, sendo vasta a extensão do repertório gravado e
editado, pautando-se por uma organização estética inclusiva.
Segundo a escritora, além dos fonogramas fabricados pela fábrica, a RT
manteria igualmente, contactos com editoras estrangeiras (nomeadamente: CBS,
WEA, Asylum, Copacabana, Prestige, Sunset, Warner Bros), produzindo e
distribuindo os seus fonogramas no mercado nacional.
Outra infra-estrutura (mencionada pela autora de Machinas Fallantes),
que teria desempenhado um papel como protagonistas no advento da produção
fonográfica em mercado português, seria a Fábrica de Discos Ibéria.
Segundo Losa, a Fábrica de Discos Ibéria teria tido um perfil e motivações
distintas da fábrica dirigida pela Rádio Triunfo. A Fábrica de Discos Ibéria seria
fundada pelo comerciante entusiasta, Manuel Simões e é, hoje em dia, ainda um
caso desconhecido do ponto de vista empresarial, embora, amplamente
divulgado pela quantidade de discos gravados e pela carreiras que seriam
impulsionadas por parte de alguns artistas que contavam nos seus quadros (a
titulo de exemplo refira-se: Artur Ribeiro, Francisco José, Hernâni Ribeiro, Júlio
Vietas, Maria da Conceição, Maria Fernanda, Moniz Trindade e Tony de Matos).

42

Outro aspecto a salientar, referido pela escritora, seria um projecto de


alargamento, que visava uma ampliação das suas infraestruturas:

Manuel Simões era representante em Portugal da espanhola
Fábrica de Discos Ibéria e Columbia, sediada em San Sebastian. Na
loja da Rua 1ºde Dezembro, nº 45, 3º, em Lisboa, vendia discos de
repertório português editados pela marca espanhola. Em 1952, o
comerciante negociou com o empresário espanhol Juan Inurrieta,
proprietário da Fábrica de Discos Ibéria, a criação de uma fábrica
subsidiária em Portugal. Durante esse ano, foram projectados dois
edifícios, um provisório com licença para dois anos, e um definitivo,
cujo projecto incluía igualmente um estúdio de gravação, em Vila
Franca de Xira. Dos dois projectos, apenas o primeiro foi construído
e o período de funcionamento previsto prolongou-se do inicio da
década de 50 até aos anos 70, altura em que a fabrica terá suspendido
a actividade. Entre Maio e Dezembro de 1952, os arquitectos Jorge
Ribeiro Ferreira Chaves e Álvaro Peterson trabalharam no projecto
final, cumprindo as exigências dos sócios Manuel Simões e Juan
Inurrieta. As plantas projectadas revelam um projecto inicial de
grande envergadura que, no entanto, nunca chegou a ser concretizado.”
(Losa, 2013)


5.4 Primeiros gravadores de fita magnética

Uma das primeiras tecnologias a terem sido usadas, em Portugal, na Era
da gravação da Fita Magnética seria o gravador de fio de aço que teria sido
inventado por Poulsen e desenvolvido posteriormente por Marvin Camras.
No panorama Português José Fortes e o pioneiro Hugo Ribeiro apresentam-se
como técnicos que terão usado essa tecnologia.
Segundo António Tilly: José Fortes terá iniciado a actividade de técnico de
som na EN [Emissora Nacional] aos 13 anos, colaborando na transmissão de um
espectáculo no Teatro Nacional de São João (Porto), utilizando um gravador
magnético de fio (ou «magnetofone de fio») (Tilly, 2010). Tilly refere ainda que
Fortes realizaria a sua primeira gravação para edição comercial aos 15 anos,
captando José Régio, fonograma que viria a ser incluído na série Antologia da
Poesia Portuguesa, da editora Arnaldo Trindade.
José Fortes conta-me, em entrevista, as suas primeiras experiencias de
captação sonora, que começaram com esse aparelho:
“Onde eu começo a ter gosto por isso ainda foi nos anos 50. Nos anos 50, ainda
no Cineclube do Porto. Ou seja, havia umas pessoas do Cineclube do Porto,
clientes do café do meu pai, que eram cineclubistas e eu entusiasmei-me a ir ao
Cineclube e comecei a fazer sonorização dos filmes que eles faziam. Pronto, aí a
captação. Ia para a estação de Campanhã captar os comboios.
Conheci algumas pessoas que me apoiaram. Não só, a incentivar a fazer coisas,
como também a corrigir coisas que eu fazia mal. Porque é onde se aprende mais.”

José Fortes explica também a constituição do aparelho que usou para
essas captações:
“São gravadores de gravação electromagnética, exactamente como os
gravadores de fita. E exactamente como a gravação que se faz hoje digital. Aquilo
é um registo electromagnético. Quer dizer o processo de armazenamento é muito
idêntico. O processo do formato do armazenamento é que é diferente. Um tem lá

43

uma sinusoidal eléctrica e outro tem lá uma informação binária que é o resultado
de uma sinusoidal eléctrica. A grande evolução destes sistemas todos está
baseada no armazenamento da informação. Quando se fala do fio de aço e do
sistema digital o fundamental é o armazenamento da informação. Porque se nós
pegarmos no sinal eléctrico, sinal áudio à saída de um microfone de carvão de
não sei quantos anos atrás e o registarmos num fio de aço e em simultâneo
registarmos num sistema digital a diferença é a mesma do que se for um
microfone electroestático. É certo que há uma coisa que nós temos que aceitar,
todo o sistema, o padrão é o elo mais fraco da cadeia. Aqui o elo mais fraco da
cadeia é o microfone de carvão, não é o sistema digital.”

Hugo Ribeiro, outro dos técnicos pioneiros que terá gravado com este
sistema conta na entrevista à Restart as suas experiências com esse gravador:
“Era um fiozinho, era uma espécie de cabelo, fininho, muito fininho. Deste lado
era a bobina, pequena, [Ribeiro aponta para o lado direito] tinha muitos metros
de fio ali, passava pelas cabeças e ia enrolar numa coisa maior. E depois
gravávamos. Quando chegava ao fim parávamos, carregava-se num botão [e]
rebobinava-se aquilo tudo. É claro que às vezes rebobinava mal e lá ia tudo dar
uma volta. Às vezes a gente até dizia uns palavrões e tudo, de raiva, quando se
estragava aquilo tudo. Rebobinava como rebobinam as máquinas de coser.
Quando havia uma falha de gravação qualquer, aquilo começava a enrolar mais
em cima do que em baixo [e] ficava tudo estragado. E aquilo não tinha conserto.
A fita tinha conserto, o fio não tinha conserto. Estragava-se. Aquilo era muito
mole, muito frágil.”

Segundo Hugo Ribeiro o surgimento das tecnologias com fita apresentou-
se como um autêntico alívio para as funções desempenhadas pelo técnico de
som:
“A parte mais emocionante da coisa é que nós podíamos ouvir o que
gravávamos. Ouvíamos directo e depois ouvíamos gravado. Antes só se ouvia
directo. Porque o gravado era proibido, não se podia ouvir.”

“Na década de 50 Hugo Ribeiro sucede a Júlio Cunha enquanto operador
de gravação, fazendo gravações nas próprias instalações da empresa
(na Rua do Almada), no Clube Estefânia, e posteriormente, no Teatro
Taborda (Costa do Castelo, Lisboa), alugado pela empresa e que seria
adaptado como estúdio de gravação. Ribeiro terá trabalhado com várias
tecnologias e aparelhos de gravação á medida que estes foram sendo
adoptados pela empresa: gravação em disco de 78 rpm até 1955,
gravação em fita magnética – monofónica (1955-1963), estereofónica
(1963-1970) e mais tarde, multipista (oito e 16 pistas de 1970-1980)
– tecnologia que terá atingido as 24 pistas durante os anos 80.”
(Tilly & Silva, 2010)

Segundo António Tilly e Hugo Silva, que referem a sua biografia na “Enciclopédia
da Musica em Portugal no século XX”:

“[Hugo Ribeiro] adoptou formas próprias de captação por forma a
reduzir ao mínimo a interferência na prática interpretativa de
cantores e instrumentistas. O cuidado no processo de gravação e o
equilíbrio entre voz e instrumentos acompanhadores redefiniu novos
padrões na qualidade de gravação musical na produção fonográfica

44

portuguesa, o que é especialmente visível nas gravações de fado que


constituíram parte relevante do catalogo da editora. Efectuou grande
parte das gravações de Amália Rodrigues, para a editora, as primeiras
em 1952 – que dariam origem ao LP Amália no Café Luso (1974) até às
de finais da década de 80 (Obsessão, 1990).”
(Tilly & Silva, 2010)

Tilly & Silva referem ainda que: “as gravações de música tradicional e de
ranchos folclóricos que, na década de 50, realizou no norte do país, serviriam de
referência para muito do repertório posteriormente gravado por Amália
Rodrigues.”
Hugo Ribeiro conta em entrevista (Restart) como era gravar com as primeiras
tecnologias de fita magnética (ainda mono):
“Começamos com a fita, depois o senhor Valentim [refere-se a Valentim
de Carvalho] resolveu comprar uma fita [magnética], as BTRs E.M.I.s que eram
verdes, a BTR 1 e BTR 2, gravavam em mono a 30. Porque a 15 era muito pior
que o 7,5 modernamente. A 15 não tinha sopro, não tinha nada. Não tinha sopro
é uma forma de expressão, tinha pouco sopro. Porque a 15 não se podia gravar.
Depois melhorou a qualidade, e as máquinas eram todas a válvulas. Até tinham
umas molas que seguravam as válvulas. Portanto nós quando tínhamos que ir
dar aquelas voltas pelo norte do país nas maravilhosas estradas, aquilo andava
tudo aos saltos, e [ia] em cima de um pneu. Púnhamos a máquina em cima de um
pneu. De um pneu não, em cima de uma câmara-de-ar de um pneu de camião. E
dos lados eram outras câmaras-de-ar. Aquilo ia assim [faz um movimento com
ambos os braços da esquerda para a direita] mas nunca vibrava. Havia uma coisa
que eu e o José 25 tínhamos que fazer muito que era experimentarmos qual era a
quantidade de vento (de ar) que púnhamos dentro. Porque se ficasse muito rijo
era mau. Tinha que dançar percebes. Era artístico. Era dançarino. Tínhamos um
altifalante muito bom, também, que tinha um twitter no centro, foi o primeiro
que havia desses, que era da marca Altec. Era montado numa tábua grande e
tinha um twitter no centro para os agudos. Para aquele tempo era muito bom. Eu
e o Rui26 fazíamos as gravações.”

Lourenço da Silva refere na sua obra como é que se caracterizava o
equipamento usado na altura:

“Enquanto que as válvulas, posto que aperfeiçoadas pela
introdução de eléctrodos supranumerários chegassem a dispor de
características notáveis de amplificação, tais como factor de
amplificação, linearidade, reduzida introdução de ruído e distorção,
etc., eram elementos que funcionavam à base de correntes baixas e
tensões de polarização relativamente elevadas, o que exigia a
inclusão em qualquer aparelho que as utilizasse da respectiva fonte
de alimentação constituída por um transformador de potência com
diversos enrolamentos secundários, pelo menos uma lâmpada
rectificadora e um filtro com condensadores electrolíticos e bobinas
com núcleo de ferro para alisamento da forma de onda rectificada –
diversos artifícios permitiam simplificar um pouco os circuitos,
sendo de referir, por exemplo, o uso de ferro do antigo altifalante
como indutância de filtragem. Alternadamente o aparelho a válvulas


25 o entrevistado não diz quem é a pessoa em questão na entrevista
26 refere-se a Rui Valentim de Carvalho

45

poderia também ser alimentado a partir de uma bateria de


acumuladores, o que dados os consumos elevados permitia uma autonomia
muito limitada.
Todos aqueles elementos dos circuitos eram relativamente
volumosos, de modo que, um amplificador que deveria ainda conter os
seus próprios andares de amplificação, acopulamentos, igualização e
por vezes altifalante, etc., resultava inevitavelmente numa unidade
pesada, de grandes dimensões, consumo elevado e pouco adequada ao uso
como portátil.”
(da Silva, 1977)


5.5 Novas estruturas editoriais

“A emergência de uma realidade de produção local precisamente
na viragem para os anos 60 não pode ser senão entendida como um
grande começo: a autonomia industrial permitiu que os custos de
produção baixassem e, consequentemente, emergissem novas políticas
editoriais abrangendo estéticas e sonoridades mais alargadas. Num
contexto político de controlo e vigilância, a criação de novas
estruturas editoriais, como a Discos Orfeu, fundada por Arnaldo
Trindade no final dos anos 50, e a Sassetti e Cª, no final dos anos
60, foi fundamental para a divulgação de estéticas e valores musicais
competidores com os discursiva e institucionalmente estabelecidos,
sobretudo pela criação de condições de edição de um grupo de músicos
até então marginais e historicamente associados à chamada «canção de
intervenção».”
(Losa, 2013)

Em 1956 nasce a Discos Orfeu, uma das mais conceituadas editoras em
Portugal, que terá tido como particularidade o facto de ter nascido para a
gravação de poesia (e mais tarde prosa). Arnaldo Trindade, que gentilmente me
concedeu uma entrevista conta como surge a sua editora:
“A Orfeu quando nasceu, em 1956, fazemos 60 anos este ano, nasceu com
poesia, com discos de poesia. O porquê é fácil, eu sempre fui uma pessoa que
gostei muito de literatura [e] de poesia, apesar da minha formação académica ser
de ciências. Andei aqui na Universidade do Porto, na faculdade de engenharia, e
depois passei para a Faculdade de economia, quando foi inaugurada aqui, a nova
faculdade. Ainda estudante, [em] 1952, comecei a brincar aos discos. Foi muita
sorte a minha, porque a Philco Arnaldo Trindade & Cª, que era uma empresa que
o meu pai tinha, de electrodomésticos, uma das maiores empresas em Portugal,
era uma firma muito conceituada, portanto tinha uma boa situação financeira e
[...] deu-me [o] prazer de fazer coisas diferentes. O porquê de eu entrar no campo
da poesia? É que eu tive a sorte de ter como professores do liceu Alexandre
Herculano, que era um dos maiores liceus aqui do Porto, três grandes
professores. O Dr. António Cubeiro, que foi contemporâneo e que fez parte da
Orfeu, o Dr. Óscar Lopes, que foi também autor de vários livros e grande
pedagogo e o Dr. Alberto Uva, que era uma pessoa de facto excepcional. E
criaram um interesse no aluno, o interesse pelas coisas de Letras.”

Leonor Losa refere, na Enciclopédia da Musica em Portugal no século XX,
do que se tratariam as brincadeiras a que Arnaldo Trindade se referia em
entrevista:

46

“Ainda antes de iniciar a edição fonográfica, A. Trindade


começou por distribuir fonogramas estrangeiros no país, tendo
apostado numa série de pequenas editoras europeias e americanas
emergentes, tendo em 1952-1953 contratado com a editora italiana
Durium e, posteriormente, com as editoras francesas e inglesa Vogue e
Pye Records. Estas representações permitiram o acesso ao público
português a novos estilos emergentes da canção como o yé-yé, e a
intérpretes como Marino Marini, Sylvie Vartan, Johnny Halliday,
Françoise Hardy, France Gall Serge Gainsbourg, Sandie Shaw [entre
outros.] “
(Losa, 2013)

Arnaldo refere ainda o papel da Discos Orfeu no mercado fonográfico da
altura:
“A Orfeu trouxe a novidade. Trouxe o improviso, trouxe a ideia de fazer
diferente.”

A par da gravação de poetas e declamadores de poesia e mais tarde
escritores no âmbito da prosa, a Discos Orfeu passou mais tarde a ter um papel
preponderante na edição musical. Arnaldo Trindade afirma que a Discos Orfeu se
começa a dedicar por música nos anos 60:
“Na música começamos com Jazz, que era uma forma mais bonita da
música, na altura [e] pouco conhecida. Nós, depois, apresentamos a Motown. E
apresentávamos por exemplo na Vogue.
A Vogue tinha aquele coração de jazz, era uma decoração fantástica
americana que eles tinham para a Europa. Tinham apresentação para a Europa,
portanto eu fui imbuído nisso.”



5.6 Aparecimento dos primeiros estúdios

Arnaldo Trindade, a respeito do mercado Fonográfico da altura refere que
até ao aparecimento da Discos Orfeu a indústria fonográfica se caracterizava
sobretudo pelo Fado, folclore e a música produzida pelos artistas da Emissora
Nacional (EN). O fundador da editora conta-nos ainda, onde é que se realizavam
as primeiras gravações:
“Antes gravávamos no que havia, no Teatro de São João, no estúdio da
RTP, Monte da Virgem. Algumas vezes até gravamos no nosso armazém.
A Maria da Fé gravou no nosso armazém o primeiro disco. E todos os poetas
portugueses gravaram nas nossas cabines. E os de Lisboa, [com] esses íamos a
estúdios. Eu conhecia lá um amigo meu que tinha uma estação, dessas estações
particulares. Gravei lá o Aquilino, o Ferreira de Castro, o Jaime Cortesão. Foi lá
em Lisboa.
E os do Porto olhe, o Miguel Torga veio até cá e até foi uma coisa intensa,
estávamos à espera até às 2:00 da manhã. Nós tínhamos a loja em Santa Catarina,
em frente ao Majestic, [e] havia eléctricos [...] a fazer muito barulho. A gente não
podia gravar. Portanto nós íamos jantar, estávamos na conversa, [e] depois é que
íamos gravar. O Miguel Torga foi [o] mais difícil de todos, era uma pessoa muito
difícil, era uma pessoa que não dava sequer um autógrafo, ele tinha em grande
conta o interesse comercial da sua obra. Era uma pessoa difícil de tratar

47

comercialmente, tanto que ele não tinha editor. Ele era o próprio editor dos seus
livros. Eu fui falar com ele, em primeiro lugar. [Ele] disse que [gostou] muito da
ideia, achou muita piada à ideia e depois perguntou: como é que eu controlo a
venda dos discos? Eu [respondi-lhe]: é muito fácil, assinas as etiquetas. Portanto
todas as pessoas que têm um disco Orfeu de Miguel Torga, têm [também] um
disco autografado por ele.”
Leonor Losa refere na Enciclopédia da Musica em Portugal, que nas
primeiras décadas do séc. XX não havia ainda estúdios concebidos e
vocacionados para a gravação sonora sendo que os editores como Arnaldo
Trindade da Discos Orfeu iam improvisando espaços para a concepção sonora:

“A ausência de infra-estruturas de produção e gravação durante as
cinco primeiras décadas do século XX em Portugal pode ser considerada
um factor determinante para a constatada dependência das empresas
locais face ao mercado global. Esta ausência fez-se sentir no que
respeita à gravação bem como ao fabrico de suportes e contrastou,
durante o período do Estado Novo, com a tendência política de
nacionalização dos sectores de produção (em particular de produção
cultural).”
(Losa, 2010)

“Durante a primeira metade do século XX, a captação sonora
realizava-se nas lojas que comercializavam fonogramas, ou em teatros
(Teatro Taborda e Teatro Estefânia em Lisboa, e Teatro de São João no
Porto) e clubes, onde as condições técnicas eram praticamente
inexistentes, e os problemas de insonorização afectavam as gravações,
que tinham de ser interrompidas sempre que ruídos do exterior se
impunham.”
(Losa, 2010)

Leonor Losa refere ainda que a Emissora Nacional terá sido de alguma forma a
primeira entidade a colmatar esta ausência através dos seus estúdios:

“A inexistência de espaços tecnicamente equipados para a
gravação foi ligeiramente colmatada com a criação dos estúdios da EN
[Emissora Nacional] que passaram a servir a gravação de fonogramas,
tanto pela cedência do espaço, como pelo trabalho dos técnicos Lupi
Nogueira e Licínio Oliveira, responsáveis pelas gravações do
repertório editado pelo empresário Arnaldo Trindade, como pela Rádio
Triunfo.”
(Losa, 2010)

José Fortes, que terá tido oportunidade de assistir a gravações com o
técnico Licínio Oliveira conta as suas primeiras experiências com compressores
nos estúdios da Emissora Nacional:
“Olhe, os trabalhos que acompanhei inicialmente e muito, [foram os
trabalhos de] Licínio de Oliveira, no Porto, que foi uma das pessoas muito
importantes na minha vida. Embora ele não pudesse estar à vontade, porque era
funcionário do Estado, [na] Emissora Nacional. [E na Emissora] não podia haver
muita abertura com mirones dentro de uma instituição do Estado. Mas, o Licínio
de Oliveira, foi o que me mostrou o primeiro compressor, numa gravação que lhe
mandaram, através do Arnaldo Trindade, porque queriam fazer uma gravação de
um Rancho Folclórico (ou algo do género), mas queriam com aquele som. E
verificou-se que aquilo tinha compressor. Ele usou o compressor, não sei se bem

48

ou se mal, porque nem eu nem ele tínhamos conhecimento [para isso]. Agora, o
que é certo é que nos agradou mais o som que não tinha compressor. Porque o
outro, nós ficamos a olhar um para o outro: mas o que é isto? Isto é a mesma
coisa que eu por o som mais alto! Isto fica muito mais agradável assim, porque
eu, mais baixo, apanho sempre com esta pedrada. Eu, no outro, não tenho aquela
pedrada. E ponho mais alto e tenho o som mais alto. Esta foi a primeira reacção
que nós tivemos, e isto foi antes de ir para a tropa.27 Portanto, já nessa altura
havia uma imposição de uma tecnologia, que não interessa se vai soar bem ou
mal, interessa que vamos usar isto porque isto faz diferente. Não há nenhuma
que faz diferente, e eu posso adorar o diferente, não tenho problema em adorar o
diferente. Eu tenho usado toda a minha vida a tecnologia.”

A par dos compressores chegariam outras tecnologias ao mundo da
gravação sonora que dariam uma maior flexibilidade ao técnico de som na
execução do seu trabalho, uma dessas seria a reverberação. Nos primórdios da
gravação sonora o técnico teria que recorrer a espaços amplos para recrear o
efeito de “Reverb” na concepção do seu trabalho, mais tarde surgiriam nos
Estados Unidos, as primeiras câmaras de Reverberação emulando desta forma o
espaço físico.
Na obra Perfecting Sound Forever, Milner conta que nos anos de 1956, já
se usariam Câmaras de Reverberação nos Estados Unidos. O autor refere que
uma razão para que espaços, como os estúdios da Columbia soassem de forma
mais realista era devido ao facto de eles terem uma câmara de reverberação,
enquanto estúdios como o Sam Phillip’s Sun Studio teriam de “inventar” um
processo para criar a reverberação desejada. O efeito de “slap-back” seria
precisamente criado nesse estúdio para colmatar a lacuna subjacente à falta de
espaços.
Tal como nos Estados Unidos, em Portugal não havia estúdios que
contemplassem um espaço eficaz para a gravação com Reverb. Hugo Ribeiro
conta em entrevista (Restart) uma das suas primeiras experiencias, na loja da
Vadeca, com o intuito de obter reverberação:
“Quando saímos do clube Estefânia e estávamos em negociações para ir
para o Teatro Taborda gravamos outra vez no Valentim, no primeiro andar. E lá
no primeiro andar havia uma sala só de pianos, pianos de cauda, quase tudo
pianos concerto, e de meia cauda também.
[E] eu disse: ó Rui, a gente tem que arranjar maneira de ter reverberação
nisto. Isto é um inferno! Não ter reverberação nenhuma!
Porque a gente ouvia os outros discos.
E o Rui disse assim: ó Ribeiro e se nós [aproveitássemos] os pianos para
fazer reverberação?
[Ao que Hugo Ribeiro responde:] Ah, não é má ideia!
Depois foi o que fizemos, aproveitámos um piano. Pusemos o microfone
de um lado e o altifalante do outro, lá regulámos as distâncias, [e] fizemos uma
reverberação bestial! Ficou lindo, aquilo! Aquilo vibrava tudo! As cordas
vibravam. [Tínhamos] cuidadinho [com o] volume que se mandava lá para
dentro. E aí foi feita, a primeira reverberação foi inventada por nós, lá, com
pianos.”

27 José Fortes refere que fez tropa sensivelmente entre 1965, 66 até 1969, quatro anos e meio.

49


Apesar de nos anos que se seguiram já haver possibilidade de aquisição
de sistemas de reverberação em Portugal, esta tecnologia ainda se afigurava
como extremamente dispendiosa, Hugo Ribeiro, que terá sido um dos técnicos
com mais anos na Valentim de Carvalho e que terá procedido a uma série de
gravações usando tecnologias de fita magnética monofónica (1955-1963) (Tilly e
Silva, 2010) refere também uma das primeiras câmaras de reverberação
“improvisadas” que usou:
“Nós quando gravávamos na Costa do Castelo já gravávamos em fita, e um
senhor que era da alta-fidelidade da Valentim de Carvalho, Nuno Calvete
Magalhães, que agora é um fotógrafo conhecido, arranjou-nos um.
Eu dizia: é pá ó Nuno não temos uma câmara de eco!
[Ao que Nuno reponde:] encomenda-se uma câmara de eco!
Podia-se encomendar que já havia, mas eram muito caras as câmaras de
eco, e tu sabes [referindo-se a José Fortes] que essas coisas de negócios não
[eram] nada comigo. Eu é que ficava triste de não ter as coisas. E o Calvete diz-
me: não se preocupe que a gente arranja uma câmara de eco aqui na Costa do
Castelo.
E arranjou então uma manilha, manilha daquelas dos esgotos, mas nova. Punha-
se lá em baixo o microfone de um lado, o altifalante do outro, mas dava. O Calvete
nunca conseguiu diminuir o tempo de reverberação para onde eu queria ir. Eu é
que tinha que fazer os tempos de reverberação, à mão, ainda por cima! Às vezes
até lá ia com um dedo, porque tinha que se fazer, não podia deixar a
reverberação durante sete segundos, era impossível! E então para evitar isso
tínhamos a reverberação e tinha que se ir fazendo o “Fade out” na reverberação,
que não seria preciso se fosse uma câmara de reverberação, que nós
escolheríamos um tempo.
Era o caso da MTE, por exemplo. Tivemos duas, uma grande e outra que
era com a chapa de ouro, que esta lá ainda, se bem que eu gostasse mais da outra,
daquela grandalhona. Aquilo tinha mais de dois metros. A reverberação foi um
dos casos também tristes, porque nós ouvíamos discos que vinham de fora com a
reverberação e a gente não tinha.

A par da câmara de reverberação idealizada por Hugo Ribeiro e por Rui
Valentim de Carvalho, Ribeiro refere que á medida que a possibilidade de captar
com dois microfones ia surgindo, e os misturadores iam aparecendo, os técnicos
teriam cada vez mais facilidade no processo de gravação:
“Quando começamos a gravar com dois microfones era um bocadinho
mais fácil. Porque tínhamos a facilidade de separar a voz da orquestra. Nessa
altura já se podia parar à vontade. Passamos a ter uns misturadores, com três ou
quatro entradas. Púnhamos um microfone em cada uma, nem se podia gravar
Estéreo nem nada decentemente, era impossível. Podia-se gravar esquerdo,
direito e centro, que era o que fazia na primeira Consolette na Valentim de
Carvalho. Como não tinha panorâmicos, tínhamos que gravar esquerdo, direito e
centro. Se fosse fados era mais fácil, se fosse orquestra já era um bocadinho mais
complicado. Porque se tinha que pôr a viola de um lado, a guitarra do outro e a
voz ao meio. Dava perfeitamente. E até podíamos deslocar um bocadinho, se
fosse preciso. Mas era esquerdo direito e centro. Depois é que vieram as

50

Consolettes da Studer, já com panorâmicos e essa brincadeira toda. Já facilitou


muito.”

5.7 Estereofonia

“Já um dia, o historiador pôs a questão: onde pára o progresso
humano?
Olhemos as maravilhosas realidades do nosso século. Que nos levam a
pensar?
Na extraordinária capacidade realizadora do Homem, ou na magnifica
obra que Deus, um dia decidiu colocar sobre a Terra?
A principio era o Verbo; e o Verbo se fez Homem e o Homem
depois fez o resto. Ele sonha, Deus quer, a obra nasce.
E tem nascido com o decorrer dos tempos. Primeiro
deslocar-se sobre as ondas – vieram os aviões; em seguida
conquistar o espaço sideral, e os foguetões aí estão...
Da necessidade de contar as coisas, passou-se ao luxo de
as discriminar, escrevendo-as; depois foi transcrever a verdade
da escrita para a fala, ou seja descobrir algo que permitisse
«escrever» a fala das pessoas e guardá-la como se guarda um
objecto qualquer de uso doméstico. Estava firme a vontade de
descobrir a gravação sonora, e como uma vez mais Deus quis, a
novidade surgiu. Primeiro, em forma de fio de aço, depois fita
de papel, hoje em disco estereofónico, com o máximo de
fidelidade possível.”
(Agudo, 1968)

Nos anos 60 em Portugal já se gravaria com Estereofonia.
Antes de falar das primeiras gravações que obedeciam já a este novo
conceito gostaria de ir às origens da sua designação, para isso recorrendo à obra
de Lourenço da Silva, que nos explica o seu primeiro método funcional:

“Posto que o primeiro método funcional de armazenar dois canais
estéreo de som independentes num único sulco gravado no disco se deva
ao inventor britânico Alan Dower28 e [data] de 193129, a estereofonia
fonográfica comercial nascia mos EUA apenas em 1955 e quando a
microgravação monofónica parecia abeirar-se de uma crise.
A escolha da gravação a 2 canais, após numerosas negociações
técnico-comerciais, baseava-se no método simétrico dito “45-45” em
que cada canal ocupava um dos flancos do sulco, dos laboratórios Bell
Telefone e Western Electric. As agulhas de corte e os fonocaptadores
aperfeiçoaram-se progressivamente e o raio terminal das pontes de
leitura é normalizado em 15 micra embora tivesse sido preferível
fixá-lo em 12 micra; daí a recuperação de interesse das pontas
elípticas, reduzindo entre 4 e 8 micra o raio de curvatura no ponto
de contacto com o sulco, mau grado certas dificuldades de fabrico.
Imperativos comerciais, tais como os “stocks” de discos e
material fonográfico existentes em armazém além dos capitais
empatados no desenvolvimento de material monofónico melhorado, impõe
praticamente a adopção de um sistema de corte híbrido mono-
estereofónico dito compatível e indiferentemente legível, quer por um
fonocaptador estereofónico quer por um monofónico, desde que a força
de apoio não exceda 5 g, apesar de grandes controvérsias de ordem
técnica e estética.

28 Alan Dower Blumlein (1903 – 1942) – engenheiro electrónico britânico
29 A data de 1931 refere-se á data de aplicação da sua patente britânica, tendo sido aceite em
1933

51

O sistema permanece ainda hoje em uso30 por todos os editores


de discos apesar de começarem a rarear os fonocaptadores monofónicos.
A gravação estereofónica a dois canais constituiu um método
dito “discreto”, na medida em que da captação à reprodução e audição
são mantidos e separadamente tratados dois canais de som
completamente distintos. A captação é efectuada, ou mediante um par
estéreo de microfones, com o apoio eventual de microfones pontuais,
onde necessários, ou pela técnica alternativa dos microfones
dispersos; o que não varia é a relação unívoca entre as possíveis
entradas e as duas saídas do misturador ou ainda entre as diversas
pistas possivelmente gravadas no estúdio e as duas pistas da fita
Master obtida após mistura.
No torno de corte os dois canais são transferidos do Master
lida pela máquina de fita respectivamente ás duas paredes ou flancos
interior e exterior do sulco aberto no acetato virgem; na leitura as
modulações das duas paredes do sulco são transmitidas via
amplificadores gémeos mas distintos, a altifalantes separados,
respectivamente esquerdo e direito, que apenas devem estar
correctamente localizados em relação á posição da audição, a fim de
que o efeito estéreo não [se] perca ou deteriore.”
(da Silva, 1977)

A par da estereofonia, novas possibilidades iam surgindo, e o Editing, que
a partir de 1947 (a partir do técnico Murdo Mackenzie) já constava como
ferramenta do técnico de som no panorama americano (Milner, 2009) foi
aparecendo gradualmente em Portugal. Hugo Ribeiro conta como era editar
música erudita:
“Das coisas mais difíceis que eu tive foi principalmente na música clássica.
Foi tirar bocados disso, eu não era capaz de fazer isso. Por exemplo, no caso do,
grande pianista por sinal, Sequeira Costa, [que] gravou umas sonatas de
Beethoven e umas sonatas de Chopin. [Quando] gravava, se falhava uma nota
queria que eu gravasse a nota isolada e que a pusesse lá no meio. Era impossível
fazer isso.
Eu dizia: um bocadinho de trás, tu comparas.
E até já eu andava a contar os compassos, do compasso tal ao compasso
tal, você grava. Pode vir a tocar de trás, não faz mal. Depois pegava no sítio onde
havia um ligeiro silêncio de nada e depois pegava nesse bocadinho, tirava o outro
e punha esse. É claro que aquilo era um bocado complicado porque a gente ao
princípio não tinha um sistema de eles estarem a ouvir e tocarem depois, não
[havia]. Mais tarde é que foi mais fácil por causa do andamento.
Mas o tipo era bom pianista, e depois disse [que] não gostou, do sistema de a
gente montar, e trouxe um senhor, que era o director da rádio Budapeste, da
música clássica. Era uma jóia de pessoa. Falava muito bem francês, não falava
inglês. E então ele estava doido com Lisboa e queria cá ficar.
E quando o Sequeira Costa diz: agora é que vocês vão ver como é que é,
como é que vão ficar estas sonatas de Chopin, (que ele é especialista em Chopin.)
Eu dizia: é pá, ainda bem!
Eu gostava muito dele, o homem era simpatiquíssimo. Estivemos ali a
gravar e quando chegou a altura de o gajo se enganar, enganou-se naquele
andamento, e ele diz:


30 atenda-se ao ano do lançamento do livro: 1977

52

ó Ribeiro, agora vamos gravar este bocadinho, que enganei-me, mordi


aqui umas notas, enganei-me.
E o homem, ai é que ele ficou... Porque ele julgava que tinha trazido uma
pessoa para fazer aquilo que ele queria mas não.
E ele [o director da rádio Budapeste] disse assim: não pode ser: você tem
de gravar do princípio. Grava do princípio, senão nada feito. Senão eu não
acompanho a gravação nem dou sugestões nenhumas.
Ele então tinha que voltar ao princípio do andamento, não era gravar a
sonata completa, era gravar de andamento a andamento, porque há sempre um
silêncio. E nós gravamos tudo isso, ele ficou com uma raiva ao homem, não o
podia ver.
Porque o homem disse: mas a gente não faz assim, isto é música clássica!
Então onde é que esta a sequencia disto? E o sentido da pessoa quando esta a
tocar? Não pode ser!
Aliás, também quem canta é a mesma coisa. Quem canta e vem a cantar
muito bem, e depois corta-se um bocadinho para meter... Se for daquela música
muito coisa [Ribeiro faz um gesto como se tivesse a tocar um tambor] não se
nota muito, pode não se notar mas se for uma canção bonita com bastante
melodia e tudo, nota-se pá!”

5.8 Constituição dos discos

“No inicio da década de 50, à semelhança do que acontecia
internacionalmente, a música era captada em teatros e em estúdios da
rádio. Ao longo das décadas de 50 e 60, as condições globais para a
gravação e edição mudaram significativamente com a criação de novos
estúdios e fábricas, e a prática de técnicos de som. Em 1952, no
Porto, o empresário Arnaldo Trindade iniciou a gravação de texto
declamado por poetas, editando os primeiros discos fabricados através
de um método de prensagem semiautomático de tiragem limitada.”
(Losa, 2010)

Em entrevista Arnaldo Trindade refere as características dos discos da
sua editora:
“A Orfeu só tem discos microgravados. Eram discos de 25 cm e de 33
rotações que era a medida que na altura existia. E depois é que apareceram os
singles, sobretudo nos países anglo-saxónicos, e o long play de 30 cm, que é [o]
actualmente chamado Vinil. E depois apareceu cá, então sobretudo no mercado
francês, o disco chamado extended play, que era um disco de 45 rotações, com
quatro músicas, [duas em cada lado], mas com a capa que era um mini álbum.
Era de facto o que se vendia mais. O single só muito mais tarde é que entrou no
mercado português.”

Lourenço da Silva explica, na sua obra, o trajecto da tecnologia referente
ao disco de 78 rotações e a sua característica desde as tentativas de
comercialização do cilindro de Edison até à evolução do disco e que resultaria
num interesse crescente do consumidor pela alta-fidelidade (hi-fi):

“Abandonada a tentativa de Edison no sentido da comercialização
dos seus cilindros “Amberol”, de longa duração obtida pela redução do
passo da hélice gravada, alguns anos se passariam sem que ao disco

53

fosse aplicada qualquer técnica visando aumentar o tempo de gravação


por face.
Em 1942, René Snépvangers, à frente de uma equipa “Victor”,
trabalhava na obtenção de um disco de 45 rpm de espiral cerrada,
destinado às “juke-boxes”, mas o projecto foi abandonado.
Em 1944, Snépvangers ingressava no CBS e, em 1946, a equipa
Goldmark-Snépvangers propunha o disco microgravado de 33 rpm, lançado
comercialmente em 21 de Junho de 1948. Tratava-se de um disco de
resina de vinil, capaz de tocar durante 23 minutos por face à
velocidade de 33/1/3 rpm, e contendo uma densidade de 100 espiras/cm,
o que corresponde a uma largura de sulco de 60 micra; a leitura era
feita mediante uma ponta de safira ou diamante de raio terminal 25
micra e uma força de apoio inicialmente de 6 g mas evoluindo
progressivamente até 1 g graças aos progressos mecânicos nos
fonocaptadores. A dinâmica era de 35 a 40 dB e a banda de passagem de
frequências estendia-se correntemente dos 30 Hz aos 15000 Hz contra
150-3000 Hz anteriormente a 1925, e 100-5000 Hz no período de 1926 a
1946 – gravação eléctrica introduzida pela Victor, para discos de 30
cm, rodando a 78,26 rpm, e com 34 espiras de 0,16 mm de largura por
centímetro assegurando um limite de 4 minutos de audição e cuja
leitura era feita por uma agulha de aço com uma ponta de 75 micra de
raio terminal.
Em Fevereiro de 1949 e após dois anos de estudos e experiências
a RCA Victor replica com um disco microgravado de sua própria
concepção, com 17 cm de diâmetro e furo central grande, reproduzindo
à velocidade de 45 rpm, mas cuja duração em tempo de gravação não
excedia os 5 a 7 minutos/face. Concebido com um sistema engenhoso de
mudança automática, não chegou este ultimo, todavia a impor-se
comercialmente. O disco de 45 rpm conheceu, no entanto, um êxito
brilhante nomeadamente no domínio das “juke-boxes” e da música
popular. O disco de 30 cm e 33 rpm permanece preferido para as obras
clássicas. A partir do aparecimento dos discos microgravados, começou
a manifestar-se um entusiasmo cada vez mais exigente por parte dos
coleccionadores e amantes de música, em relação aos compositores e
sistemas de alta-fidelidade: amplificadores, pratos de gira-discos,
altifalantes e auscultadores, etc.“
(da Silva, 1977)


Greg Milner, referencia também no seu “Perfecting Sound Forever” o
aparecimento do Hi-Fi e do conceito subjacente ao termo audiófilo:

“O crítico do New York Times, Howard Taubman terá falado para
muitos compradores de discos em 1950, quando ele admitiu que embora
muitos 45s fossem auralmente superiores, ele terá preferido o LP
devido ao seu "conforto de audição pura e continuidade no que toca a
performances." Mesmo o facto de o 45 ter sobrevivido á crença de
Sarnoff no ouvido do mercado, ter dado origem a uma mentira. O seu
formato acabou por ser perfeito para o mercado pop impulsionado a
canção, enquanto o público de música erudita, que geralmente se
importava muito mais com a qualidade sonora, ter abraçado o LP.”
(Milner, 2009)

Na década de 40 haveria duas revistas que relatariam o conceito e o
movimento, sendo que a High Fidelity, o caracterizaria como “um grande
fenómeno cultural” e a Life como “um grande entusiasmo Americano”.
O conceito de alta-fidelidade e aquilo que realmente significaria não era, no
entanto, claro. Em 1949, o conceito referia-se geralmente a equipamentos de

54

áudio high-end, geralmente relacionado (no início) com empresas menores, e


vendidos como componentes individuais. Milner refere que em pouco tempo, o
conceito de alta-fidelidade: significaria tudo aquilo que o consumidor queria que
significasse.
O autor refere também que no período subjacente à implementação do
conceito alta-fidelidade: “o mundo audiófilo entra na linguagem, descrevendo os
homens (a "janela hi-fi" foi uma figura muito lamentada) cujo compromisso
obsessivo em alta-fidelidade parecia excluir qualquer possibilidade de realmente
desfrutar dos seus sistemas hi-fi.”
O consumidor estaria mais interessado no seu sistema de alta definição
do que propriamente na música a reproduzir. O termo “audiófilo” agudizou-se de
tal forma que o consumidor passaria a privilegiar a reprodução sonora de efeitos
especiais invés da reprodução musical, tais como sinos de igreja, trovões, ondas
marítimas e comboios. Seria a busca por presença e definição sonora que
motivaria este consumidor a optar por reproduzir este tipo de sonorização,
apelidando-a de reprodução do mundo real. O conceito de audiófilo e audiofilia
assumiria contornos tais que haveria psiquiatras a diagnosticá-lo como uma
neurose, caracterizada pela tendência para uma preocupação e dependência do
doente em som bizarro.
Milner enfatiza ainda que: “se os audiófilos tinham um gancho conceitual
em que se pendurou a sua obsessão, era a busca por "presença", muitas vezes
descrita em termos de dialéctica entre sala de estar versus sala de concertos.”
(Milner, 2009)

A partir de finais dos anos 50, as novas sonoridades protagonizadas
por conjuntos, caracterizados pelos sistemas eléctricos de
amplificação e pela busca de um repertório inspirado nos géneros
americanos como os estilos do jazz, mas também o rock’n’roll, e, por
outro lado, a influencia europeia da canção francesa e italiana,
começaram a ganhar proeminência em contextos de preformação ao vivo.
(Losa, 2010)


5.9 Histórias nos Estúdios da Valentim de Carvalho

“No inicio dos anos 60, a empresa Valentim de Carvalho era
subsidiária da internacional EMI, estatuto que mantinha desde o
início da década de 30, sem alterações significativas. Os
responsáveis pela empresa começaram a demonstrar uma forte vontade de
autonomizar a produção. A dependência de Valentim de Carvalho de
sectores de produção paralelos na gravação e produção de fonogramas
revelou-se o principal obstáculo à sua autonomia face ás majors com
as quais contratava. Na produção, utilizavam as fábricas de prensagem
de discos da EMI, em Inglaterra. No que respeita a gravação, a
inexistência de estúdios especializados obrigava à adaptação de
espaços nas próprias lojas ou à utilização de teatros, onde a
insonorização era deficiente. A Valentim de Carvalho usou, até aos
anos 60, espaços como o primeiro andar da loja na Rua Nova do Almada,
o Clube Estefânia e o Teatro Taborda. A criação dos estúdios da
Emissora Nacional, tanto em Lisboa como em Vila Nova de Gaia,
permitiu, como já se frisou, que a qualidade das gravações fosse
superior, sendo, no entanto, necessário contar com esse recurso
externo.

55

Com a morte de Valentim de Carvalho, fundador da empresa, em


1957, a gestão ficou a cargo dos seus sobrinhos Maria de Graça
Barbosa de Carvalho e Rui Valentim de Carvalho, que havia estagiado
durante um ano na fábrica de discos da EMI e na loja da His Master’s
Voice, em Londres. Por sua iniciativa, e contra a vontade da EMI, foi
criada uma fábrica de discos em Portugal (no Campo Pequeno, Lisboa),
no início da década de 60. Nessa fábrica, eram realizadas prensagens
de EP de gravações originais e copias de gravações de editoras e
etiquetas estrangeiras representadas pela Valentim de Carvalho, como
His Master’s Voice, Columbia ou Parlophone (etiquetas da EMI), Decca
e Brunswick.
Na mesma década, foi construído um estúdio de gravação, em Paço
de Arcos, ainda hoje em funcionamento (embora cada vez mais
direccionado para o audiovisual). Esse estúdio, na altura um edifício
de vanguarda cujo projecto arquitectónico esteve a cargo de Conceição
Silva e Tomas Taveira, foi o primeiro construído especificamente para
a gravação de fonogramas. As infra-estruturas de gravação (estúdios),
produção (fábrica de discos) e distribuição (lojas) garantiram um
modo de funcionamento autónomo de quaisquer serviços paralelos à
Valentim de Carvalho (contratação de artistas, selecção de
repertório, gravação, fabrico, edição, distribuição e venda ao
consumidor), situação que se manteve até 1983, altura em que a
empresa se fundiu com o conglomerado EMI.“
(Losa, 2013)

Leonor Losa refere ainda, num texto seu (Losa, 2010), que a Valentim de
Carvalho terá fundado, em inícios da década de 60, a Valentim de Carvalho
Angola, dirigida por José Correia Nobre. A Valentim de Carvalho comercializaria
fonogramas dos seus catálogos em Angola, além de operar na rede comercial
africana gravando músicos com géneros e estilos locais, destacando-se a Rebita e
a Semba em Angola. Losa acrescenta que os fonogramas que eram gravados
localmente não constariam no circuito de vendas em Portugal.

Em meados da década de 60 Hugo Ribeiro passa a trabalhar nos estúdios
da Valentim de Carvalho em Paço de Arcos. Hugo, que acompanhara a transição
dos locais de gravação da empresa, acompanhou também a evolução tecnológica
que se seguiu: a reverberação, a compressão e a equalização, foram novidades
que apareceram pelo seu caminho. Hugo conta como e de que forma é que alguns
músicos sentiram essas mudanças, ouvindo discos “lá fora” que já
implementariam esse tipo de avanços tecnológicos:
“Quando estive em Paris eles já tinham isso tudo, ainda a gente não tinha.
Eles até ficavam admirados.
Até diziam: mas como é que você fez esta gravação. Isto está bom mas
como é que fizeram? Que microfone usou, e que compressor usou, equalizadores
e tudo?
Eu dizia assim: olhe, equalizadores estou a conhecê-los agora.
E eles ficavam admirados daquilo. Porque nós não tínhamos. Como era
uma firma particular estávamos sempre um bocado atrasados, estávamos
sempre atrasados em relação às coisas que vinham de fora. O Trio Odemira
queria cantar como os Panchos. Para já, não podiam cantar como os Panchos
porque não eram os Panchos. Mais, queriam ter aquele som e aquela
reverberação que tinham os Panchos. E ao princípio, o primeiro disco que gravei
deles não tinha a reverberação portanto não podia por lá. Não havia. Quando
apareceu, depois melhorou. Então eles ficaram todos satisfeitos.”

56


“O técnico de som Hugo Ribeiro desenvolveu o seu trabalho em
contacto directo com as tecnologias que iam sendo adoptadas pela
empresa, concentrando-se sobretudo na gravação de fado, que
constituía uma parte substancial do catalogo.
A versatilidade no manuseamento de equipamentos de gravação
continuada, proporcionou um progressivo aperfeiçoamento da qualidade
dos registos fonográficos.
Ao longo dos anos 60, no entanto, o ênfase no trabalho de estúdio no
mercado internacional, o avanço técnico dos métodos de captação
sonora e a consolidação do papel do produtor como central na
construção de um fonograma levou a que vários compositores e
interpretes portugueses insistissem junto dos editores que a gravação
dos seus fonogramas se realizasse em estúdios estrangeiros (Celada
S.A., em Madrid, Château d’Hérouville, Strawsberry Studios, em França
e.o.).”
(Losa, 2010)

À medida que havia um aumento no número de intérpretes a ir gravar lá
fora, haveria também, muitos que prefeririam gravar na VC. Desenvolvendo-se
cada vez mais como estúdio de gravação e inspirando-se nos estúdios da Abbey
Road, Gonçalo Frota refere, num artigo ao Público31, o papel que os estúdios da
VC iriam desempenhar e representar para o mundo da música Portuguesa:

Fundados em 1963, os Estúdios da Valentim de Carvalho, em Paço de
Arcos, Oeiras, seriam uma das mais impressivas marcas deixadas por
Rui Valentim de Carvalho.
Sucedendo a dois outros estúdios improvisados em Lisboa, na Rua Nova
do Almada e na Costa do Castelo (onde actualmente se encontra o
Teatro Taborda), as instalações inauguradas em Paço de Arcos
espelhavam a ambição de um homem para a música do seu país.
A inspiração assumida eram os Abbey Road, de Londres, cuja fama
planetária se devia a ali funcionar o quartel-general das históricas
gravações dos Beatles.
Em certa medida, poder-se-ia dizer que os estúdios da Valentim de
Carvalho foram construídos para oferecer de bandeja a Amália
Rodrigues.
Se os Beatles tinham Abbey Road, Amália teria os Estúdios VC,
apetrechados para captar devidamente a voz maior da música portuguesa
e a artista que mais apaixonara o jovem editor – mesmo quando os
afazeres à frente da companhia o impediam de acompanhar o calendário
de gravações, nunca deixou de abrir uma excepção para testemunhar os
registos de Amália.
Sobre esses momentos, Amália recordaria ao seu biógrafo Vítor Pavão
dos Santos: “No estúdio de gravação do Valentim de Carvalho havia um
ambiente de grande amizade. Eu levava o jantar de casa, com carnes
minhas, carapaus meus, havia amigos à volta, comíamos e quando
começava a gravar estava completamente à vontade e gravava noite
fora”.
(Frota, 2013)

Em entrevista à Restart, Hugo Ribeiro conta, também, algumas captações
(estereofónicas) que terá feito com Amália Rodrigues, artista de que terá
gravado grande parte do seu repertório:
“Foi uma grande luta entre eu, o Alan, o Rui e os guitarristas e a Amália,


31 Este artigo data de: 11/11/2013

57

porque queríamos gravar aquilo só com uma guitarra e uma viola. Porque eles
não foram capazes de tocar as músicas do Alan. (…) Era preciso muito tempo
para aprender. A Amália aprendeu as músicas, primeiro, (…) e esteve a ensinar-
lhes. (…) O Fontes Rocha, (…) fez uns arranjos formidáveis daquelas coisas do
Alan. Que ele até devia lá estar também como compositor. (…) Porque aquela
parte do princípio (…), toda aquela parte que ele tocava, primeira, era dele, do
Fontes Rocha, depois é que entrava a melodia da Amália. (…) Ele fazia tudo o que
era introdução. (…) Isso tem muito valor! (…) Ele ficou um bocado triste porque
[não foi creditado.]
Mas eu disse: não fique Fontes, não fique triste porque fui eu que gravei e
não puseram lá o meu nome, sequer. Portanto não fique triste.
É verdade, foi autêntico! Não puseram sequer lá o meu nome, e gravei
aquilo em duas noites! A Amália estava boa para cantar, sabia as músicas de cor,
eles eram dois, era o Fontes Rocha e (…) o Pedro Leal. (…) Tocavam muito bem
viola. Acompanhavam muito bem Fado. Tinham nascido para aquilo. Não era
viola de concerto, mas tocavam muito bem aquilo. (…)
Se a Amália estivesse boa para cantar, era capaz de cantar seis números
seguidos, com intervalo, para beber um copo, que ela não bebia mas enfim... Ela
bebia o chá e nós bebíamos o champanhe. Porque a Amália levava sempre
champanhe.
Quando saía bem [perguntava]: está boa a gravação?
Ela vinha-me perguntar. Se eu dissesse que não estava boa, ela ia gravar
outra vez. Porque tinha sempre a mania que a coisa não estava boa.”

Hugo Ribeiro refere também que Amália optava por gravar na Valentim
de Carvalho e tinha sempre um grupo de amigos que a ia assistir às gravações:
“Mas é que ela tinha aqueles amigos, aquilo tudo, estava tudo bem para eles.
Tudo aos beijinhos.
Eu dizia: ó Amália não traga tanta gente porque esta gente não a ajuda
nada.
E é verdade. Eram aquelas amigas aquilo tudo. Não a ajudava nada.
[Amália respondia:] Mas o que hei-de fazer? Se elas querem vir o que é
que eu faço?
Porque Amália não era pessoa para expulsar ninguém, nem dizer não
podem vir. Não, era assim desse género.
Depois dizia-me assim: pois você como não as quer cá, você diga às
minhas amigas que não venham.
Sabia que [eu] não dizia. Eu não ia dizer uma coisa dessas. Mas vinham.
Havia uma coisa má, a maioria tinha mau gosto, e para eles estava tudo bem que
Amália cantasse. Como tinham aquela paixão por Amália, tudo que ela cantasse
está bem. E a Amália tinha noites que cantava melhor que outras, isso é como
toda a gente. (…) ”

Hugo Ribeiro refere também como é que efectuava a captação de som:
“Eu tinha que ensaiar primeiro os guitarristas. (…) O Fontes tinha um som
muito bonito mas tinha pouco volume, muito pouco volume. O outro era muito
certo. O viola era (…) um metrónomo, estava sempre certo. Digo um metrónomo,
não digo só no ritmo, era também no nível, tinha um nível sempre certo, era um
homem muito bom. O Fonte Rocha é que com aquela criação dele, aquela

58

criatividade, às vezes aquilo era tão pianinho, [que] mal se ouvia. E eu ouvia a
música uma vez, depois pedia a Amália para cantar, e ao fim da segunda ou
terceira vez estava gravada a canção. (…) Eu tinha que acertar bem a guitarra e a
viola. Tanto a viola como a guitarra eram [captadas com] dois microfones. Com a
Amália é que era mais do [que] um, porque eu tinha que enganar (…) a Amália
por causa do nível. Porque Amália quando estava boa para cantar, fazia o
contrário. (…) A Amália não nasceu para cantar ao microfone, ela mesmo [o]
dizia. Quando ela começava a cantar, se havia uma nota forte (…) aproximava-se
do microfone, se havia um pianíssimo ela afastava-se. E para mim era o diabo!
Era medonho! Então arranjei um sistema de ter um reforço de um microfone
igual, ter o reforço, para ver: se a coisa corresse bem muito bem, se a coisa
começasse a correr mal nesse aspecto, porque tinha aquela distorção harmónica,
quem era o compressor da Amália era eu. Com medo que o compressor me
estragasse. (…) Naquela altura ainda não [eram] o que são [hoje]. Eles
melhoraram muito depois. Aquela coisa de meter o compressor e o tipo cantar
pra aí não pode ser pá! E então fazia aquela coisa [sinaliza com as mãos]. Sabes
porquê? [pergunta a José Fortes.](…) Porque eu conhecia as músicas. Isso é que é
o segredo maior! Eu conhecia as músicas de as ouvir a ensaiar, e sabia como
eram as músicas. Conhecia as músicas de ouvido.”

Hugo Ribeiro refere assim que um dos maiores segredos era o
conhecimento do repertório de som por parte do técnico, que o permitia
antecipar-se a qualquer eventualidade. Paralelamente à música, Hugo Ribeiro
realizou também algumas captações de som para cinema, na dobragem de
diálogos e na mistura do «som de referência» de vários filmes, entre os quais
Belarmino (Fernando Lopes. 1964), o Cerco (António da Cunha Teles, 1970) e o
Passado e o Presente (Manoel de Oliveira, 1971) (Tilly & Silva, 2010). Hugo
Ribeiro conta em entrevista como era processada a captação de som salientando
as diferentes tecnologias e meios disponíveis existentes em Portugal e o que
existia, paralelamente, no estrangeiro:
“Nós dedicamo-nos ao cinema. Nasceu de uma lei que ia sair, para a
dobragem de filmes estrangeiros em português. Ainda bem que aquilo não foi
avante!
Já tínhamos artistas falados, uma quantidade de gente, mas o senhor que
era o presidente do Sindicato, que era o António Lopes Ribeiro, fez tudo para não
se dobrarem cá filmes em Portugal! Para mim ele até teve razão, eu não queria
estar a ouvir um cowboy [a falar espanhol.] Em Espanha estão a falar e parece
que estamos a ver mais uma tourada do que um filme de Cowboys. É claro que
isso não tem nada a ver, [tira] o espírito todo ao filme. Nós ficamos a dobrar
filmes sim, mas os portugueses. Os filmes portugueses era raro serem feitos com
som directo. Porque não era possível. Eles na América faziam com som directo
[havia estúdios para isso.] Aquilo não era nada cá fora, não era nada na rua.
Estava tudo montado. Enquanto nós aqui, íamos para as ruas de Lisboa [e] ficava
tudo uma porcaria, o som [ficava] uma coisa horrorosa, com o barulho todo que
havia!
Portanto fazia-se som de referência, que era sincronizado com o filme. E
depois punha-se uma coisa que os franceses tinham (...), chamada ritmo gráfico.
O ritmo gráfico [ficava] abaixo do ecrã, na sala de dobragens. (...)

59

Havia também um ecrã pequeno, e havia as máquinas de projectar, que


passavam juntamente com a imagem (...) uma coisa branca (...) com um ponteiro.
Nessa fita branca com ponteiro estava escrita a palavra, [e] no momento em que
a palavra passava no ponteiro [o actor falava]. (...) Eles não tinham que olhar
para a boca.
A princípio era assim, olhava-se para a boca e não ficava nada certo...
Quem acertava sempre as vozes (muito bem), (...) no laboratório, era o
Jorge Brum do Canto32. Estava tudo dessíncrono, porque não [era] possível ficar
síncrono. Os tipos [sabiam] o que [iam] dizer mas [havia] sempre um atraso, e
[ficava] assim. Mas com o ritmo gráfico sim, porque eles nem olhavam para a
imagem. (...) Os franceses usavam muito o ritmo gráfico, exactamente para
evitarem o som directo (...), que era melhor, até por sinal. Faziam muito som
directo e bem feito! (...) [Os americanos] era tudo directo. Só se [fosse] nas
cataratas do Niágara, [ou] em coisas [desse género] que [era] uma grande
barulheira.
E cá não, cá era tudo dobrado. Porque [era] muito mais barato. Sabes que
lá, fazer uma cena de um filme e que saísse mal o “palavrete”, quer dizer, eles até
se riam às vezes, enganavam-se. (...) Enganavam-se [e] tinham que repetir a cena.
Tinham que refilmar. E cá não, cá a cena estava filmada e depois juntavam o som
(o som estava gravado à parte). (...) Em sincronismo com a imagem. (...)
Nós tínhamos uma Revolt, eram umas máquinas suíças, Nagra. A Nagra
gravava com um sinal, um sinal que estava ligado à máquina. Aquele sinal é que
dava o sincronismo da máquina. Era um apitinho, que a gente não ouvia. Ouvia
[só] se quisesse ouvir. Era um apitinho, arrancava e aquilo estava sempre
síncrono. (...)
O tipo que escrevia a palavra, escrevia tudo (...). [Tinha] que escrever.
[Estava] com o script ali em frente e [tinha] que estar a escrever as frases.
Mas tudo síncrono, tudo a contar com aquele ponteiro que esta no meio,
para quando a sílaba chegasse aquele ponteiro, ser o momento em que o tipo
[falava.]
Ficava sempre síncrono. Ou então, fazia-se com o Jorge Brum do Canto
que não queria nada disso, ele é que sincronizava tudo e ficava tudo bem,
também. Mas tinha muito mais trabalho. Ele tinha que tirar e pôr e ir para a
frente e para trás. Depois cortar, e tesoura para ali, para aqui. (...) Era muito mais
difícil. Nos usamos isso para dobrar os filmes, isso era a parte da dobragem.
Depois do filme dobrado, ficava uma bobina (...) magnética, dessas de 35 mm. (...)
Magnética perfurada. [Havia] uma máquina então que (...) puxava as outras, que
o senhor João Diogo33 é que trabalhava naquilo, era uma máquina que fazia
[com] que aquilo andasse certo. Uma corrente dentada, tudo certinho.
De vez em quando, o motor ia-se abaixo, por qualquer motivo. Era um
motor muito grande. (...) E então (...) tinha que se fazer outra vez.
Voltávamos atrás mas não se perdia muito porque a fita magnética, a fita
que gravava o final, podia-se apagar e as outras já estavam gravadas. (...)


32 Hugo Ribeiro refere que Jorge Brum do Canto terá participado no Fado Corrido, de Amália
Rodrigues, sincronizando-o todo.
33 Na entrevista Hugo Ribeiro não refere quem é João Diogo

60

E então a mistura era feita. Uma mistura que não tinha nada a ver com a mistura
de som (...) [feita na música]. Era uma mistura de um som que já estava gravado
(...) e que a gente ia ouvir no ecrã.”

José Fortes que se encontrava no papel de entrevistador conclui no que
consistia a máquina de gravação:
“era uma máquina que recebia o som, portanto uma máquina master de
gravação e havia uma data de máquinas de fita que eram escravas, [e] isso seria a
multipista da época. Vamos supor que eram seis máquinas, que [era o que] se
usava normalmente. Eram seis máquinas que estavam todas a trabalhar com o
mesmo motor em sincronismo, com seis fitas separadas, essas fitas eram
acertadas, [e] quando se carregava para arrancar, arrancavam todas as máquinas
ao mesmo tempo.”

Hugo Ribeiro continua a explicar no que consistia o sistema:
“Aquilo arrancava tudo no momento em que passava no ecrã um pi. Tinha
um buraquinho na fita que fazia pi, [e] já estava tudo a andar, tudo síncrono. O pi
coincidia com uma cruz que também aparecia, que era para saber que estava
tudo certinho, depois [era] sempre a andar. (...) [Era] o sistema de claquete. E era
a maneira de fazer aquilo. (...) A dificuldade era quando as coisas se
“desencapistavam.” Quando começava cada um [a ir] para seu lado. Às vezes
acontecia! Mas isso era do motor grandalhão, ou de baixas de corrente, coisas
que havia às vezes...
Depois a gente voltava atrás e ia fazer outra vez, não havia problema
nenhum! E então fazia-se a montagem toda!”

Hugo Ribeiro refere, também, como é que se faziam os Loops de
ambientes:
Para já havia um tipo chamado Del Negro (...), ele é que fez a Consolette de
cinema. Não tinha nada a ver com as outras, era uma Consolette por onde passava
a fita já gravada. (...) O director de cinema [estava] ao pé de mim (...) e dizia:
Agora sobe a música, agora deixa entrar a palavra, mas baixinho, agora
desce a palavra, eles vão se afastando.
Ele ia [dizendo] aquilo tudo e a gente ia fazendo. E íamos vendo,
estávamos a ver o filme, e estávamos a ver o resultado do som [no] filme. Às
vezes era preciso repetir porque não estava bem. Depois voltávamos atrás e
fazíamos novamente. Era então uma Consolette que só servia para ler, que era a
Consolette de cinema (que estava na sala de projecção). (...)
A gente estava ali, era como se estivéssemos no cinema, estávamos
sentados com a Consolette à frente e íamos fazendo a mistura. Eu gostava
daquilo! (...) achava piada! (...) Fazíamos [aquilo] para todos os filmes, mas
fizemos relativamente poucos filmes.”

Ribeiro refere também como é que se fazia a gravação musical:
“Então, a orquestra estava a tocar e o filme a passar. Estava um maestro,
ia por aí fora... Depois ficava gravado com o mesmo tempo, tudo ali impecável.
Porque depois era já tudo síncrono. A gravação que era feita já era síncrona.
Já tinha que ser senão depois aquilo começava a desviar e era uma chatice!”

61

5.10 Processos de produção



“O disco? Artigos de luxo? Ou não?
Seja como for, uma autêntica fonte de receitas dos nosso dias, a
avaliar pelo número de unidades que diariamente, as casas da
especialidade, fazem entrar nas discotecas particulares de cada um de
nós.
O disco. Uma pastilha de música ao agrado de todos, uma forma
bastante prática de se ter em casa, mesmo à mão, as gravações dos
nossos artistas preferidos, ou dos compositores que mais nos «dizem».
Umas tantas espiras magnéticas, que, obedecendo a princípios válidos
das técnicas modernas, estão aptos a satisfazer, em qualquer altura,
o desejo mais descabido, de qualquer descabida pessoa...
Mas... como se faz um disco?
Tinha um amigo que não sabia como se fazia uma agulha de coser.
No entanto afirmava: se as soubesse fazer, não as venderia a tostão
cada uma. Todavia é o preço delas em qualquer loja da
especialidade...”
(Agudo, 1968)

Na primeira metade da década de 60, com a construção do primeiro do


primeiro estúdio concebido propositadamente para gravação de música, em
Paço de Arcos (1963), e a criação de uma nova fábrica, direccionada para o
fabrico de discos de vinil (primeiro EP, depois LP), no mesmo local,
proporcionou a autonomia da VC, que integrou todos os processos que envolvem
a produção de fonogramas, e a sua independência face às editoras multinacionais
com que colaborava desde os anos 20. É possível, através de um artigo da época,
denominado “Discos, como se fazem?”, redigido por Orlando Dias Agudo, em
1968, perceber o processo de produção dos discos. O artigo de Orlando Dias
sistematiza de forma categórica as diferentes etapas na concepção de um disco:

1 – A Compra
Orlando Dias começa o seu primeiro capítulo sobre o processo de
produção com a compra, referindo a rádio como ponto de escuta em que o
ouvinte começa por escutar um disco que gosta e desloca-se à loja de discos para
o comprar, indo de seguida para casa, começando assim o processo de escuta. O
ouvinte escuta-o repetidamente, acabando por esquecer e arquivar o seu disco.
Não se interrogando, no fundo, sobre o seu processo de produção, o seu
respectivo custo envolvente do processo, a quantidade de mão de obra envolvida
e se esse trabalho justifica, ou não, o seu preço.

2 – A canção
Na segunda categoria a canção, o jornalista refere que o processo de uma
elaboração musical para canção não constitui profissão.
Agudo refere que a inspiração pode surgir a qualquer momento e que a
vida de um compositor se divide entre os momentos em que a inspiração lhe dita
as notas para as escrever na pauta sendo horas que lhe garantem a sua
sobrevivência no campo da honestidade.
O jornalista refere também, que a questão inspiracional se aplica a outro
interveniente no processo de elaboração de uma canção, ao poeta. A esta questão
conjugada intrinsecamente com a sua conjugação de esforço resulta a canção. O
passo seguinte sucedesse com a escolha de um intérprete, em que geralmente
este é escolhido tendo em conta as características subjacentes da canção

62

(nomeadamente letra e música). Agudo refere: “Do papel salta assim para a voz
do eleito, que fará todos os possíveis para lhe dar vida e alma.”
O passo seguinte que o artigo refere são os ensaios e os acertos. Este
processo decorre com a aprovação ou desaprovação do produtor de discos em
que este avalia o trabalho perspectivando um possível sucesso popular. Agudo
refere que havendo aprovação por parte do produtor a canção sobrevive,
permanecendo mergulhada na escuridão do futuro, mas com grandes
probabilidades de vir em breve à luz do dia.

3– Gravação
O passo que seguinte ou a categoria seguinte que o artigo refere é relativa á
gravação.
Agudo menciona um estúdio enorme, complicado. Havendo uma orquestra e
um intérprete. A régie é um autêntico arsenal de botões e de pequenas alavancas,
havendo também, uma ou mais máquinas de gravação.
Antes da gravação existem algumas afinações que são executadas. Sendo elas:
afinações de voz, de instrumentos, da própria colocação dos microfones
envolvidos no processo de captação, e uma verificação dos cabos de ligação.
Depois, ocorre um ensaio final, em que o técnico de gravação abre e fecha
atenuadores, de modo a conjugar a intensidade de níveis dos diversos
instrumentos a captar.
Só depois destes processos é que decorre a gravação, sendo que em primeiro
lugar, se grava apenas a parte orquestral. O jornalista refere que neste processo
de gravação é habitual o cançonetista assistir, cantando em voz baixa,
acompanhando a gravação da parte orquestral. Isto permite-lhe que fique a
conhecer a orquestração, facilitando-lhe a tarefa do playback, ganhando uma
maior à vontade.
Agudo refere que, após o processo de gravação da parte orquestral estar
concluído, a bobina da gravação passa para outra máquina que tem como intuito
a reprodução do conteúdo da bobina.
O passo seguinte, é a gravação de voz em «cima» da parte já gravada pela
orquestra.
O cançonetista coloca os auscultadores, fecha-se numa pequena sala de
estúdio e prepara-se para a gravação sendo que outra máquina de gravação irá,
adicionado ao conteúdo reproduzido pela máquina subjacente ao conteúdo
sonoro da orquestra, reproduzir a voz do cançonetista.
O artigo refere que se tudo estiver em perfeito sincronismo, o processo de
gravação para fita passa a estar concluído, dando origem ao conteúdo do disco. O
sincronismo entre as máquinas, a perfeita conjugação de voz com a orquestra, é
um trabalho demorado, não havendo uma estimativa quanto á qualidade do seu
resultado. Normalmente, num processo de gravação que visa um disco de 45
r.p.m. (ou seja, 12 minutos de gravação) demora-se 12 horas a executar, isto
contando, com o ensaio.

3– Abertura do Acetato
Agudo refere que este processo, referente á produção do disco, é a parte mais
desconhecida do grande público.
A gravação em fita irá dar origem ao acetato, a um disco virgem de alumínio,
com uma cobertura de acetato. São feitos uma série de ensaios que visam,

63

principalmente, o doseamento de igualização e a necessidade de filtragem. O som


que é «lido» pela fita original, passa por um sistema de igualização e
amplificação, indo a uma agulha de safira que por sua vez irá executar uma
impressão no disco virgem.
Os sons da fita original irão ser gravados nas espiras do acetato, sendo de
imediato arquivadas num local seguro.

4– No munda da Electrólise
No processo que se segue o disco de acetato, que é impresso, é levado
para uma nova secção da fábrica, denominada galvanoplastia.
Neste processo, um técnico (com longas luvas de borracha) irá
desengordurar e sensibilizar o disco de acetato, lavando-o várias vezes e, de sem
seguida, mergulhando-o numa tina de plástico que tem um banho de sal de prata.
Este banho fará com que o disco fique prateado, liso e polido como um
espelho. O banho distribuir-se-á de forma equivalente por toda a superfície do
disco. O acetato (que se encontra preso a uma barra de cobre), já prateado, é
mergulhado noutra tina, onde irá ocorrer a acção da galvanoplastia.
O jornalista menciona: “Por intermédio de uma corrente eléctrica, deposita-
se sobre o acetato uma camada de metal em dissolução no líquido desta segunda
tina.”
Fica então, concluída a matriz.

5– Prensagem
No processo final, a matriz irá seguir para a secção mecânica, onde uma
máquina especial, com sistema óptico de controlo, irá centrá-la e abrir-lhe o furo
do meio. De em seguida, outra máquina irá aparar e polir o disco metálico.
O tratamento referente a cada matriz ocorre apenas numa das faces, em
que é retirada a camada de prata, desengordurada pela frente e polida na face
posterior, até se obter uma superfície perfeitamente lisa.
Agudo conclui o artigo com o processo final da produção do disco, em que,
depois de polida e aparada, a matriz seguirá para uma prensa, onde, de 15 em 15
segundos, sairá um exemplar do disco: “tocado na rádio, ou no nosso gira-discos,
devidamente apreciado e depois esquecido.” (Agudo, 1968)

5.11 Desenvolvimento do mercado Fonográfico

“A partir de meados da década de 60, na gravação de fonogramas
dos conjuntos marcados pela sonoridade do rock’n’roll anglo-
americano: Daniel Bacelar, Os Conchas, Conjunto João Paulo, Conjunto
Mistério, os Sheiks (Valentim de Carvalho), os Ekos (Rádio Triunfo),
e. o.; ou os agrupamentos liderados por compositores e arranjadores
como Thilo Krasmann (Thilo’s Combo) ou Joaquim Luís Gomes,
fundamentais na apropriação dos estilos musicais «modernos» e
associados à «juventude» (...), responsáveis pela gravação de
fonogramas comercialmente protagonizados por cantores ou agrupamentos
vocais.
Em meados dos anos 60, vários factores se conjugam para o
desenvolvimento de processos de mudança musical, que tiveram
continuidade na década de 70. A emergência de eventos de carácter
competitivo com o objectivo de, por um lado, eleger a melhor canção
e, por outro, evidenciar características vocais e interpretativas de
um cantor (o Festival da Figueira da Foz ou o Festival da Costa Verde

64

e, finalmente, o Festival RTP da Canção (FRTPC), proporcionou um novo


terreno de mediatização de vários estilos da música popular. Embora
não houvesse produção musical própria à televisão portuguesa, este
meio de comunicação facultou mais uma via para a divulgação dos
valores estéticos veiculados pela Emissora Nacional. Vários factores
se conjugaram em torno da Industria Fonográfica, criando condições
para que novos estilos musicais fossem experimentados. Por um lado, a
criação de estúdios de gravação levou a que o trabalho de estúdio
passasse a constituir uma parte fundamental no processo criativo e de
produção fonográfica, recebendo o contributo de técnicos como José
Fortes e Moreno Pinto. Por outro lado, a geração de compositores que
havia colaborado na EN no âmbito do Gabinete de Estudos Musicais nos
anos 40 começava a ser substituída por uma nova geração que incluía
T. Krasmann,
Pedro Osório, José Calvário, e. o.
Por último, a ampla mediatização conhecida pelos participantes
no Festival RTP da Canção, sobretudo os vencedores, levou a que, no
final da década de 60, a sua gravação constituísse uma garantia de
sucesso comercial.”
(Losa, 2010)

Arnaldo Trindade, refere na entrevista que me concedeu, a dimensão de
um Festival naquela altura, referindo o papel que os seus participantes teriam na
editora:
“Nós fomos festivaleiros! (...) Porque os festivais na altura não eram como
hoje! Era o campeonato nacional! Era mais importante que o campeonato
nacional de futebol! Quando era dia [de] festival fechava tudo! Era uma coisa
incrível! Só quem viveu isso...
[O Festival ocorria por todo o país mas assumia uma maior
preponderância na capital:] País todo [mas] mais até em Lisboa. Porque (...) a
RTP gostava sempre de ir a Lisboa. E portanto arranjei uma equipa para ganhar
isso! Foi o Zé Niza e o Carlos Cruz. O Carlos Cruz era de facto [um] profissional
excepcional! E ganhámos!
O primeiro Festival foi o Carlos Mendes [com o tema] “A festa da vida”,
depois foi à Escócia, Edimburgo. Depois foi o Duarte Mendes, em 75 (que ele era
capitão de Abril) e fomos a Estocolmo. Depois ganhámos com o Paulo Carvalho
[com o tema] “E depois do adeus.” [Tivemos] o José Cid, Tonicha, vários.
E portanto criámos nesta parte, um repertório mais ligeiro, puramente
musical, mas de qualidade. Tivemos o Tordo, também! Fernando Tordo também
gravou!
Praticamente, na altura eram os melhores!”

“A partir do final dos anos 60, o Festival RTP da Canção passou
a ser estímulo à composição, potenciando a edição fonográfica,
contribuindo, deste modo, para a experimentação de novos valores
estéticos e para a renovação da música ligeira portuguesa. (...)
Os processos de produção musical emergindo na música ligeira
compreenderam igualmente uma nova atenção ao texto cantado, sendo
fundamentais as parcerias criativas entre músicos, poetas e letristas
com destaque para José Carlos Ary dos Santos. O movimento de expansão
da Indústria Fonográfica alargou-se aos então territórios coloniais
em expansão económica e comercial, e compreendendo uma população
urbana com consumos musicais e práticas de lazer [diversificadas],
que incluíam a música produzida em Portugal continental, em África ou
no continente americano, desde o pop-rock, rhythm’n’blues e soul

65

music, à música da América Latina e da América do Sul. (...)” (Losa,


2010)

Pedro Nunes refere, num artigo publicado pela Equinox (Nunes, 2014),
que também por volta desse período se sentiriam transformações no mercado
editorial e que as novas editoras terão assumido um papel preponderante para a
criação de novo repertório:

“Em torno deste período, outros pequenos rótulos, nomeadamente
Arnaldo Trindade, ganham visibilidade e estabelecem-se como
alternativas para o sistema hegemónico da rádio, controlado pelo
Estado (ver Losa e Tilly 2010). Os novos rótulos (alem da Valentim de
Carvalho, etiquetas notáveis incluem Arnaldo Trindade, Sassetti,
Tecla e Rádio Triunfo, entre outros) foram reponsáveis pela gravação
e lançamento de novo repertório, nomeadamente, os grupos de rock dos
anos 60, grupos orquestrais conduzidos por compositores e,
posteriormente, cantores de protesto e compositores, que se tornaram
parte de um movimento conhecido como “nova música Portuguesa” [...]
(Nunes, 2014)

Losa identifica alguns dos artistas proeminentes que se terão associando


a estas novas editoras: Adriano Correia de Oliveira (Arnaldo Trindade), José
Afonso (Arnaldo Trindade; Sassetti e Rádio Triunfo), José Niza, J.M. Branco
(Sasseti), Francisco Fanhais (Zip34), Luís Cília (Sassetti; Arnaldo Trindade e
Valentim de Carvalho), José Barata Moura (Zip/Sassetti), Manuel Freire (Tecla;
Zip/Sassetti) entre outros.
A autora de Indústria Fonográfica35 refere ainda que estes novos artistas,
devido à sua formação académica, postura intelectual e políticas críticas,
passariam a assumir um papel de agentes sociais, intervindo através da sua
música. Losa refere a editora de Arnaldo Trindade como tendo sido fundamental
para o aparecimento de novos compositores e intérpretes no mercado.
Losa refere ainda que:

“A política editorial desta empresa desenvolveu-se a partir da
postura descomprometida, amadora e de desvinculação institucional do
seu fundador, que se foi firmando no mercado, à medida que a escolha
dos poetas, músicos e grupos gravados, motivada por gosto pessoal ou
por afinidades regionais, se tornou uma alternativa à edição
dominante do país.
Os interesses pessoais do editor foram ao encontro das novas
estéticas da canção portuguesa, centradas na qualidade e expressão do
texto.
Em 1960, Arnaldo Trindade editou o primeiro fonograma de
Adriano Correia de Oliveira, mantendo o exclusivo das gravações do
cantor. Adriano Correia de Oliveira foi igualmente o mediador entre a
editora e outros músicos, como José Niza (que desempenhou um papel
relevante na produção fonográfica da editora até 1974, a par com o de
compositor, autor de letras e arranjador), José Afonso (a quem o
editor atribuía um salário mensal de modo a garantir a produção de um
fonograma por ano).”
(Losa, 2010)


34 A Zip seria outra editora a surgir, fazendo parte do movimento “nova música Portuguesa”
35 Capítulo incluído na Enciclopédia da Música em Portugal no século XX, editado pela “Círculo de
Leitores”

66


Na entrevista que Arnaldo Trindade me concede fiquei a compreender
que o músico, cantor de intervenção, passaria a ser marginalizado pela sociedade
e pelos diferentes grupos editoriais e de outros sectores sob influência do Estado
Novo. O rendimento mensal a que Losa se refere, na alínea anterior, terá a ver
com funções de scouting, em que José Afonso, mais conhecido nos dias de hoje
como Zeca Afonso, seria incumbido de trazer novos artistas para a editora.
Arnaldo Trindade e respectivamente a Discos Orfeu, passaria a apresentar-se
como um “porto seguro” para os cantores de intervenção que viviam à margem
da sociedade.
Antes de mais, Arnaldo Trindade refere como é que a Discos Orfeu se
posicionou perante o regime nacionalista daquela época:
“Nós queríamos era fazer coisas. (...) Uma empresa não é política. Eu
posso ser político mas a empresa tem que ser aberta para todos os géneros e o
nosso lema era a qualidade. Portanto qualidade não era com certeza o regime.
Não havia poetas, não havia gente de jeito como sabem. E o que é que era
necessário?
Era necessário que se fosse para a frente e se conseguisse gravar. Porque
se não ficavam as obras todas desconhecidas. E esse movimento que a Orfeu
alastrou não teria sido possível.
Portanto o que é que nós fizemos?
(...) Éramos uma firma (...) não política, não éramos engagé, digamos. (...)
Depois fazíamos sempre o que queríamos, e o que era bom gravávamos.
Porque houve uma altura, quando o José Afonso veio gravar para nós ninguém o
quis gravar. Ele correu as capelinhas todas de editores. (...)
Normalmente, todas as companhias de discos que eram de establishment,
eram do regime. A Rádio Triunfo, que era do Rogério Leal, que era editor da
Emissora Nacional (EN), a Valentim de Carvalho, toda a gente da altura, depois
mudou (...) com os núcleos novos. (...) E aliás, vê-se pelo repertório. Porque não
queriam, (...) achavam que as coisas estavam muito bem, outros não queriam
arriscar.
E nós [foi] ao contrario. Eu tinha vinte e tal anos, o que eu queria era tudo
o que fosse bonito, [tudo o que fosse bonito] era para gravar. E foi assim.
E depois (...) começou a haver problemas, porque nós estávamos com um
catálogo de todos os grandes cantores de intervenção. (...)
Nós para começarmos este novo sistema (...) [fizemos] um contrato muito
especial tanto com o Adriano, [como] com o José Afonso e (...) até com o José
Galvani, na parte musical, e com o Miguel Graça Moura em que eles eram (...)
colaboradores [da firma].
E o que é que eles tinham de fazer? Descobrir novos valores!
E por isso nós dávamos um ordenado que não tinha nada a ver com a
edição dos discos. Eram como colaboradores, para descobrir novos valores. (...)
E então isso resultou! Tanto o José Afonso como o Adriano que não
tinham possibilidades de sobrevivência, porque eles não tinham emprego, foram
postos fora, de lado, nas suas actividades. (...) E não era tão pouco como isso...
Dizia o Niza que podiam comprar quatro carros novos por ano, portanto não era
mau. E então [eles] trouxeram-nos o Fausto, o Vitorino [e] o Francisco Fanhais.”

67

Leonor Losa refere também outras editoras que teriam tido um papel relevante
na difusão da canção de intervenção em Portugal:

“A editora Sassetti integrou as editoras Guilda da Música e
Zip, tendo em 1970 concretizado o conglomerado Sassetti S.A. Além da
vertente de música erudita da Guilda da Música, a Sassetti fundiu os
interesses da editora Zip com os dos próprios fundadores, na edição
de música popular, tendo prosseguido o trajecto de difusão de
representantes da «nova música portuguesa». A linha editorial da
Sassetti assentava sobretudo numa vertente da balada com um forte
teor
de contestação política, exemplo da canção de protesto em
Portugal (...).”
(Losa, 2010)

Arnaldo Trindade refere também o papel que a sua editora terá tido no
movimento revolucionário subjacente ao 25 de Abril:
“Não era nossa intenção fazermo-nos revolucionários. A nossa intenção
era apresentar o melhor que havia na música portuguesa e darmos condições
para que isso acontecesse, porque na altura também não havia grandes estúdios,
aqui no Porto. (...)
Não fomos nós que fizemos a revolução, agora os nossos discos fizeram.
(...) Porque não há dúvida nenhuma que essa juventude toda de oficiais, dos
milicianos, que estiveram na Guerra de África, foi bastante influenciada por esse
género de música. Nós víamos o interesse que havia na juventude e havia coisas
novas. (...)
Agora, o que é que se conseguiu? Conseguiu-se (...) iludir por uma
linguagem diferente, que só se lia nas entrelinhas, (...) que de facto, a censura não
era muito inteligente... A lei portuguesa era assim: o editor é que era o
responsável. Mas nós iludíamos muito bem, porque na altura quando veio o José
Niza para a empresa, o Zé Niza conhecia o indivíduo da censura, que era o Feitor
Pinto. Ele conseguiu negociar com o Feitor Pinto o que é que se ia gravar. Isto é,
uma pré-censura. (...) Nós entregávamos as letras todas e eles cortavam ou não
(...).
Mas como aquilo foi muito bem conduzido, nós mandámos umas [músicas] muito
fortes para eles cortarem e sabe o que é engraçado? Eles não cortaram! O caso do
[tema] “A morte saiu à rua”, foi aprovada pela censura. E o José Afonso foi cantar
no Rio de Janeiro, no Festival de Oti, está a ver? A Grândola não foi proibida, por
exemplo.
É para ver que na realidade o que é preciso é que as coisas têm que ser
feitas e que para serem feitas temos que ter inteligência suficiente, eu não estou
a dizer que é a minha. (...) Temos uma equipa, não é? Que resolveram os
problemas, e isso foi o que se sucedeu.”

José Fortes refere também, o papel do técnico de som no meio, pondo-se à
parte de guerras e opiniões, mantendo-se como um elemento neutral em que tem
apenas como papel a captação e gravação sonora. À pergunta que eu lhe
coloquei: se achava que o ambiente num estúdio seria mais subversivo José
Fortes responde:
“Nunca tive essa percepção. Eu posso-lhe contar uma história gira, que foi
passada com o Zeca Afonso e com o Zé Niza. A primeira vez que gravei com o

68

Zeca Afonso [algumas coisas que o Zeca Afonso fez] na Rádio Triunfo, o Zeca
Afonso vira-se para o Zé Niza, julgando que eu não estava a ouvir (a Régie era no
primeiro andar e o estúdio cá em baixo na cave) e disse: Não sei se é melhor
avisar ali o senhor técnico o que é que eu vou cantar.
Eu já tinha assistido a gravações do Zeca Afonso nos anos 60 no Porto
com o Licínio de Oliveira. Tive esse privilégio, de assistir, [a] uma das primeiras
coisas que ele fez para o Arnaldo Trindade.
E então [ele pergunta]: não sei se o senhor técnico sabe o que é que eu
vou cantar?
O Zé Niza diz-lhe: Não, não sabe, mas porquê?
[Zeca Afonso responde:] É que eu não lhe queria ofender.
Eu desci e disse-lhe: não ofende nada, quer dizer, é o meu trabalho, sou
técnico de som.
E disse-lhe a frase que digo desde miúdo: Sou técnico de som, tanto faz
um burro a zurrar como uma orquestra a tocar, som é som, não é?
Eu nunca me apercebi dessas guerras e guerrinhas, inclusivamente de
artistas. Nunca se passou nada à minha frente que eu pudesse ficar chocado ou
reparar. A única coisa que reparei foi nesta atitude do Zeca Afonso que eu
considero uma atitude muito digna.”

Arnaldo Trindade refere também nesta mesma entrevista a evolução do
mercado discográfico antes e após o 25 de Abril:
“O mercado discográfico estava ao sabor do que as empresas portuguesas
queriam, porque eles só faziam o que queriam. A maior parte dos êxitos,
chegavam tarde e a má hora. Porquê? Porque eles faziam uma política de stocks.
Era interessante gravar, vender isto ou vender aquilo... Conforme os seus
interesses comerciais. E nós (...) ultrapassámos isto tudo. Porque o nosso
interesse [era] um interesse artístico. A nossa vitória foi essa. É que nós jogámos
noutro campeonato. Nós queríamos era o bonito, o que era bom. Íamos buscar os
melhores artistas gráficos, as melhores condições de gravação, os melhores
cantores, as melhores letras, e era isso. E depois criámos uma equipa. E
trabalhamos em equipa. Se algum valor que eu tenha foi [o de] fazedor de equipa,
e só isso.”

Leonor Losa refere que a liberdade de expressão que surgiu após o 25 de
Abril potenciou novos estilos musicais, e que editoras discográficas consolidadas,
como era o caso da Valentim de Carvalho, tiveram que repensar o seu repertório
e toda a sua estratégia comercial:

“O período pós-revolucionário caracterizou-se pelo proliferar
da música popular portuguesa na sua vertente interventiva. A crítica
política e social e o carácter pedagógico constituíam um eixo central
de uma parte significativa da música produzida no país. A recém-
adquirida liberdade de expressão, aliada ao interesse na «música
tradicional» que havia sido explorado pela «nova música portuguesa»,
fomentou, por um lado, o interesse na recolha de práticas musicais
tradicionais de todas as regiões do país, sobretudo levada a cabo por
grupos como GAC-Grupo de Acção Cultural Vozes na Luta, e.o.
Os sistemas de edição musical, em muitos casos, ficavam
igualmente a cargo desses grupos que montaram estruturas de edição e
produção musicais, estimuladas pelas energia dos anos de fervor

69

político e revolucionário e pela ideia de igualdade de acesso ás


estruturas de produção cultural.
Por outro lado, as editoras já firmadas tentaram integrar nos
seus catálogos interpretes de canção de intervenção, com crescente
popularidade junto do público. O interesse do público na música
popular portuguesa e o discurso depreciativo criado em relação aos
géneros como a canção ligeira e o fado nos anos que sucederam ao 25
de Abril de 1974 levaram a que editoras como a Valentim de Carvalho
se confrontasse pela primeira vez com um mercado competitivo e com a
necessidade de criar alternativas musicais associadas a novas
estratégias comerciais. A empresa entrou numa certa estagnação,
embora o exclusivo da edição de vários intérpretes de fado, em
particular de Amália Rodrigues, continuasse a garantir a produção
discográfica.”
(Losa, 2010)

5.12 O aparecimento da gravação multipista

“Em 1970, e em circunstancias idênticas às que em 1955 favoreceram a
estereofonia, nascia nos EUA a quadrifonia, tetrafonia ou
estereofonia a 4 canais, visando reconstruir a atmosfera das salas de
concertos criando efeitos novos e espectaculares. O processo,
prejudicado pelas lutas entre sistemas rivais pouco compatíveis entre
si, não obteve um êxito retumbante, apesar de um esforço publicitário
considerável.”
(da Silva, 1977)

A par das gravações estereofónicas que contemplariam mais tarde a
amplificação, a compressão e a equalização, o desenvolvimento nos processos de
gravação foi evoluindo até ao surgimento da gravação por multipista.
No livro “Perfecting Sound Forever” o seu autor refere que já em 1956, o aparelho
de gravação Sel-Sync, referente à transformação do Ampex Model 300, já traria
um sistema de overdubbing de oito pistas. Greg Milner menciona ainda, o papel
preponderante que a gravação multipista terá tido no mundo sonoro:
“a história da música gravada na era digital, pós guerra é em grande parte a
história de gravação multipista.”

De igual modo, João Pedro Castro refere o impacto que as novas
tecnologias de gravação terão trazido ao mundo sonoro:
“Que impacto? A quantidade de pistas que houve, dar a hipótese dos
músicos poderem fazer arranjos mais complexos, com várias pistas, essa foi uma
das vantagens da evolução da tecnologia. No caso da gravação (...) o impacto que
teve foi [a possibilidade de o músico poder criar] melhores arranjos, os músicos
puderem pensar as coisas de outra forma.
Ok, eu tenho oito pistas, posso gravar isto, isto e isto se tiver 16 já posso
gravar isto e mais isto e mais isto e mais isto, ou seja os arranjos começaram a
ficar mais ricos. Esse foi o grande impacto.”

Também Hugo Ribeiro refere a importância dos sistemas multipistas no
processo de gravação:
“Facilitou, facilitou. Acabou por dar mais trabalho mas facilitou bastante.
Porque eu tinha uma multipistas só de oito pistas, que era a 3M, que era de oito
pistas, já era muito boa, ainda hoje lá está. E nós gravamos em oito pistas. E a

70

nossa Consolette dava para dezasseis. Depois das 8 passamos para as 24. Nunca
tivemos máquinas de 16.”

António Tilly e Hugo Silva referem que a partir de 1970 o técnico Hugo
Ribeiro já gravaria com o sistema de multipista, primeiro com oito pistas e já
mais tarde (a partir da década de 80) 24. Hugo Ribeiro refere uma gravação em
que captaria Hermínia Silva com acompanhamento de orquestra e refere que
chegaria a usar cerca de 10 a 12 microfones para a captação da orquestra:
“Eu [...] gravava, por exemplo, quando tinha os violinos, quando era com o
Galarza e coisas assim, (...) levava seis violinos e eu achava que era pouco, e era.
Duplicava os violinos, gravava novamente os violinos. (...)
Não se podia gastar mais dinheiro nos violinos, tinham que ser aqueles, e então
tinha que se duplicar. É claro que levava mais tempo, mas eles tocavam bem!
Punha-se os auscultadores e aí não havia hipótese!”

Ribeiro refere outras técnicas de gravação, como por exemplo, quando
gravou os Shadows, usando para o efeito altifalantes, salientando o facto da
banda se sentir mais confortável desta forma para modular a voz:
“Também se podia gravar com altifalantes.” Quando foi do Shadows,
tiveram lá a gravar e vieram os ingleses com eles. Eles não quiseram
auscultadores e gravaram com altifalantes. Punham uns microfones, por exemplo
um 67 em 8 para meter duas vozes, punha um à frente do outro e o altifalante
aqui e gravavam.
E eu [perguntava]: não acha que entra um bocadinho de som?
Entrava um bocadinho, no altifalante. Mas [nós] preferimos assim. Sabes
porquê que eles queriam assim? [pergunta ao seu entrevistador] Bem sei, que
isso foi há muito tempo, mas os Shadows queriam controlar a voz! E com os
auscultadores não controlavam bem a voz.
Eles queriam dar nuances e coisas que com um altifalante davam melhor do que
com os auscultadores. Para eles era melhor! Para mim era pior! Porque se tivesse
alto demais ou qualquer coisa, lá vinha, lá entrava a música... Mas lá me consegui
safar...”

Hugo Ribeiro refere também as gravações do pianista Pedro Osório, em
que o pianista gravava o piano a uma velocidade e reproduzia-a ao dobro, de
modo a que o piano “soasse” mais rápido:
“O Pedro Osório era um homem dificílimo de gravar. Ele gravou tudo do
Paco Bandeira, ao princípio. (...) Esse sempre quis fazer truques!
Um dos truques que ele fazia, (...) era (...) gravar o piano a sete e meio, (...) para
depois [o] reproduzir a 15. Então ficava um piano [que] parecia o Carmen
Cavallaro. Lembraste do Carmen Cavallaro, que era aquele grande pianista
americano de música ligeira, tocava numa espécie de piano de cristal e tocava
com uma velocidade bestial, “plplplpl”, tudo aquilo muito brilhante!
O Valadas36 também era um bocadinho assim, tudo aquilo muito brilhante.
Eu tinha que fazer assim.”

João Pedro Castro refere que também ele teria trabalhado com diversas


36 Na entrevista, o técnico de som não é explícito quanto á identidade da pessoa em questão

71

tecnologias e aparelhos de edição multipista:


“Comecei a trabalhar com máquinas de duas pistas, não em gravação,
neste caso, apenas como reprodutoras, e mais tarde, não muito mais tarde,
estamos a falar em 86, talvez em 88, 89, comecei a trabalhar com uma máquina
de quatro pistas, Ampex AG 440, e fazia pequenas coisas de publicidade. Tipo
trazia um playback com uma música, duas pistas para um locutor fazer uma
publicidade e as coisas eram rudimentares, eram básicas. Misturar três pistas já
era um desafio enorme! Mais tarde das quatro passaram para as oito pistas,
exactamente o mesmo modelo de máquina, mas invés das quatro pistas, [eram]
oito. AG 440, também da Ampex, e muito mais tarde, (...) [trabalhei] com uma
máquina de dezasseis pistas, uma Ampex MM 1000: um armário! Era uma coisa...
um monstro, uma coisa enorme! E mais tarde 24 pistas, também uma Ampex,
MM 1200, e isto foi a tecnologia.”


5.13 Novos estúdios, novos equipamentos

“A partir do final dos anos 60, vários estúdios de gravação,
alguns deles autónomos das editoras, iniciaram a sua actividade em
Lisboa: Estúdio Musicorde, em Campo de Ourique, por onde passaram os
técnicos de som Alberto Nunes e Rui Remígio; Estúdios da Rádio
Triunfo, fundados na primeira metade da década de 70 na Estrada da
Luz, por onde passaram os técnicos de som José Fortes (1974 e 1979-
1980), Rui Novais (1978-1979), Jorge Barata (1980) e Marinho Pinto
(1976); Estúdios Polysom, designados, a partir de 1967, Estúdios
Arnaldo Trindade, bem como outros estúdios que se foram constituindo
durante as décadas de 70 e 80, como os estúdios Angel (I e II) e o
Nacional Filmes.”
(Losa, 2010)

Na entrevista que fiz a José Fortes, o técnico refere o aparecimento, nos
anos 70, de equipamentos da Ruper Neve como uma marca topo de gama,
extremamente dispendiosa, referindo também algumas diferenças de
equipamento e tecnologia entre os estúdios Portugueses e os estrangeiros,
explicando ainda o porquê.
“Havia. Eu vou-lhe dizer porquê. Um dia foi-me dito por um artista da
nossa praça que era uma pena, aqui em Portugal, não haver o equipamento X,
que era um equipamento XPTO e que, até em Espanha já [havia] isso... Eu tive
que lhe responder de uma forma objectiva (eu gosto muito de objectividade e
gosto muito de pensar antes para não ter problemas depois.) Eu tive que lhe
dizer o seguinte: olha, tu trabalhas num país em que o disco de ouro são 20.000 e
estás-me a comparar com um país em que o disco de ouro são 250.000. Tu nem
disco de prata tens.
Esta realidade tem de ser dita, nem que seja tardiamente, mas tem que ser
dita. Como é que se podia investir? Eu investi, fui o primeiro a ter reverberação
digital, custou-me mil e tal contos, [em] 81 ou 82, 82 se não me engano. Fui o
primeiro a ter digital delay, AMS, topo de gama. Fui o primeiro a ter várias
reverberações digitais, da Roland e outras, no estúdio, que não serviram para
nada. A qualidade artística não melhorou nem os discos tiveram aumento de
vendas, veja lá. É certo que tive problemas depois. Paguei a toda a gente, mas
com muita dificuldade. Porquê? Porque quando se dizia, tem de se aumentar o

72

preço do estúdio, porque aumentaram as condições, é pá nós não temos vendas


para pagar esse preço. Muito tivemos nós. Convém não esquecer que os estúdios
Valentim de Carvalho tiveram uns estúdios apoiados pela EMI e eu tive a
coragem de ter uns estúdios em que gastei uma pipa de massa em correcção
acústica e selecção de equipamento de escuta e não tinha nenhuma EMI por trás,
nem ninguém. E a verdade é que hoje fazem alguns esforços para terem essas
coisas e grande parte deles acabam por desistir porque não têm mercado para
isso. Convém não esquecer que nos temos de [nos] reduzir à dimensão que
temos. É claro que se disserem assim: mas na altura iam lá fora muitas vezes
gravar. Pois iam e ainda bem que iam. (...) Só que, deixaram que ir porque as
vendas não aumentaram. E houve artistas estrangeiros que iam gravar fora do
seu país e continuaram a gravar fora porque as vendas aumentaram. E eu ainda
hoje estou em dúvida, ainda estou para perceber se eles não venderam por falta
de qualidade técnica ou se foi por falta de qualidade artística. Um dia ainda
alguém me há-de explicar isso. Porque vi muitos gravar com qualidade técnica,
extraordinária e deixaram de vender. Não sei, alguém há-de fazer os estudos.
Mas é um bom indício para se fazer esse estudo. É uma boa premissa.”

“Na década de 70, a intensificação do mercado fonográfico, a
sua emancipação relativamente a repertórios e a abertura à musica
gravada de países como Inglaterra, EUA, França ou Itália levou à
criação de diversos estúdios, independentes das editoras.”
(Losa, 2010)

Na Enciclopédia da Música em Portugal no século XX é possível, através do artigo
relativo ao técnico de som, redigido por António Tilly, perceber que em 1974 os
estúdios tanto da Valentim de Carvalho como o da Rádio Triunfo se
encontrariam equiparados a nível de equipamento, Tilly refere também que em
1981, ano em que José Fortes nos conta a obtenção do seu primeiro Reverb
digital, seria o ano em que integraria a sociedade que faria parte do Angel Studio.
António Tilly conta o percurso de José Fortes:

“Em 1970 fixou-se em Lisboa para dirigir as gravações da Rádio
Triunfo realizadas noutros estúdios da capital (APA, Nacional Filmes
e Polysom(...)), vindo a supervisionar, a partir de 1973, a montagem
do estúdio dessa empresa discográfica em Lisboa, inaugurado em 1974.
O actualizado equipamento do estúdio da Rádio Triunfo (Estrada da
Luz, Lisboa) rivalizou, na época, com o estúdio da Valentim de
Carvalho (Paço de Arcos). Porém, as aptidões técnicas, os atributos
humanos de José Fortes e o seu crescente envolvimento com o trabalho
criativo dos protagonistas da música popular (Sérgio Godinho, José
Mário Branco, Júlio Pereira) facilitaram o acesso aos músicos à
gravação, constituindo um forte impulso à edição fonográfica. Dirigiu
o estúdio, onde trabalhou como técnico de som, até 1979, período em
que gravou os protagonistas da emergente música popular portuguesa,
entre os quais Banda do Casaco, José Barata, Moura Fausto, Pedro
Barroso, Paulo de Carvalho, Fernando Tordo, José Jorge Letria, Carlos
Mendes, Adriano Correia de Oliveira, Jorge Palma, Fernando Girão,
GAC, etc...
Em 1979 demitiu-se da Rádio Triunfo. Após convite do maestro
Correia Martins para colaborar numa gravação de estúdio da empresa
Rádio Produções Europa (Alto de São João, Lisboa), integrou com
Carlos Dias Coelho a sociedade que revitalizou a empresa que se
passou a designar Angel Studio (1981). Após o re-equipamento do
estúdio, correcção acústica da régie e aquisição de gravadores

73

multipista e mesa de mistura MCI, assumiu as funções de direcção,


trabalhando na gravação com a colaboração do técnico de som Rui
Novais. Durante a década de 80, o estúdio tornou-se a referência da
gravação nos domínios da música popular portuguesa e do pop-rock.”
(Tilly, 2010)

74

6. A Era da gravação Digital



Nada desde as invenções de Edison e Berliner revolucionou tanto
o que pode ser ouvido a partir de um registo como a mais recente
invenção, o Compact Disc. A sua invenção [levanta] a antiga confusão
sobre aquilo que uma gravação de som realmente deve ser. Deverá ser a
derradeira estática e realística "fotografia", comparável com uma
total holográfica ainda imóvel? Ou deverá ser melhor comparar com uma
imagem em movimento; ou seja, com uma horrível transição dinâmica de
uma situação, que existe no lar do comum ouvinte ... Através das
últimas duas décadas, o processamento de som flexível tem sido,
aparentemente, o sonho [impossível de alcançar]... [A] consciência
que recentemente tem sido dirigida para os fenómenos e filosofias do
som pode muito bem valer a pena a atenção de todos aqueles que podem
fazer algo sobre isso, sejam eles artistas, produtores, engenheiros,
pessoal de marketing, etc.
Peter K. Burkowitz, Presidente [da] PolyGram Filmed Entertainment,
1983
(Milner, 2009)

Segundo Roger Lagadec, um engenheiro suíço, cuja pesquisa no
processamento do sinal digital se terá revelado como a componente chave para o
sistema de CD, a invenção do CD afigurar-se-ia como o maior “salto” em
tecnologia que a indústria sonora alguma vez terá visto. O CD terá sido mesmo o
“Big Bang” que iniciaria a revolução digital. Bob Katz (um engenheiro de som
norte-americano) consideraria, por sua vez, a invenção do CD como um dos
maiores desenvolvimentos do mundo. (Milner, 2009)
Greg Milner afirma que o que teria mudado realmente seria toda a
estrutura teórica de reprodução de som.
Segundo o escrito, o compact disc teria sido concebido no espaço virtual
entre o Japão e os Países Baixos, nascendo em Tóquio e Eindhoven, e viajado
para estas margens na custódia de uma parceria Japonesa.

6.1 Origens

Em primeiro lugar é importante perceber a distinção entre o formato
analógico e o formato digital para perceber o mecanismo funcional de um
compact disc.
Felipe Velloso, um historiador brasileiro, explica que o formato analógico
é composto por um sinal contínuo que varia em função do tempo.
O sinal contínuo é um sinal que é caracterizado pela variação contínua
entre as suas grandezas num determinado espaço de tempo.
O sinal digital tem valores discretos, com números descontínuos no
tempo e na amplitude. Enquanto o formato analógico apresenta variações
infinitas entre cada um de seus valores, o digital assumirá sempre os valores
discretos (0,1,2,3,4,5,6,7,8,9,10), diminuindo a faixa de frequência entre eles e a
oscilação.
Toshio Izawa (engenheiro electrotécnico brasileiro) faz uma pergunta
interessante em relação à nossa perceptibilidade de diferentes sistemas sonoros
(analógicos e digitais):

75

“Quem já apreciou uma música de um disco de vinil, não consegue sentir a


mesma vibração, quando ouve a mesma música em CD. Parece que falta alguma
coisa, o som parece artificial... Será psicológico?”37

Milner refere que Tony Bongiovi, um produtor e engenheiro norte-
americano (operando nos dias de hoje), referiu, numa das aulas que leccionava
enquanto docente, uma diferença significativa entre a característica sonora de
um sistema analógico (como a fita magnética) e de um digital. Bongiovi
dirigindo-se aos seus alunos, disse: “eu sei que vocês nunca viram um gravador
de fita, mas ouçam como é que essas gravações soavam. Nós não podemos fazer
isso hoje. Não podemos obter este tipo de riqueza na qualidade. Há uma certa
claridade e brilho que vocês não podem replicar no domínio digital.”
Greg Milner refere que é útil lembrar que todas as amostras de um
sistema de áudio digital se baseiam na amplitude e não na frequência. Milner
afirma: “se eu digitalmente me gravar a mim próprio a tocar um dó num piano, o
sistema digital não irá ouvir o dó; ele irá registar uma série de flutuações de
energia que, no fim irão fazer com que um dó emerja dos seus altifalantes.” O
autor de Perfecting Sound Forever refere que é no método pelo qual estas
flutuações de energia se distinguem que reside verdadeiramente a diferenciação
entre analógico e digital. Como o som naturalmente não quebra, um sistema
digital subdivide-o usando o menor pedaço possível de informação que existe: o
bit. Milner refere que o bit é uma unidade que descreve uma de duas possíveis
directivas, sendo que estas são tipicamente descritas como 0 e 1, mas quaisquer
dois símbolos ou termos poderão ser utilizados, desde que eles representem
duas - e apenas duas - alternativas. O autor salienta que o poder do código
binário é que, ao dividir a informação na sua menor forma possível, poderá
representar praticamente qualquer coisa usando apenas dois elementos.
Milner refere também, que o duelo entre analógico vs digital recordaria
debates antigos, tais como: cilindro vs disco; acústico vs eléctrico; 33⅓ vs 45
rpm, seriam todos debates sobre aquilo que uma gravação deveria ser, tal como
Peter Burkowitz38 teria referido. Burkowitz menciona também que se trataria de
uma escolha eterna entre fazer uma gravação que documentasse o mundo
objectivo ou fazer uma gravação que o transcendesse.
Milner refere que a publicação de “A Teoria Matemática da Comunicação”,
que data de 1948, e que foi redigida pelo engenheiro e matemático norte-
americano, Claude Shannon, terá sido um dos documentos mais importantes do
século XX, provando que qualquer peça de informação poderia ser transmitida a
uma determinada taxa, em bits por segundo, menor do que a capacidade de
suporte do canal, também expressa em bits por segundo.
O autor considera ainda Thomas Stockham como sendo o pai do áudio
digital , referindo que Stockham tinha como pressuposto que uma gravação
39


37 http://imagemesomhd.blogspot.pt/2009/10/audio-analogico-x-digital.html
38 Peter Burkowitz (1920 – 2012) terá sido, segundo a Audio Engineer Society, uma das maiores
sumidades no campo da engenharia de som (aes.org)
39 Num artigo redigido Por Sam Katz e que consta no site http://www.stockhamfilm.com/, Katz
afirma que Thomas G. Stockham Jr., teria sido um engenheiro eléctrico que terá revolucionado a
indústria de gravação de áudio, desenvolvendo os primeiros métodos práticos para gravar e
editar som digitalmente. Katz refere ainda que Stockham terá mudado a forma como ouvimos
música, hoje.

76

deveria documentar um evento exactamente tal como ele terá ocorrido. Milner
refere que Stockham terá argumentado que uma gravação deveria documentar
um evento exactamente como ele ocorresse. Stockham referia que numa
gravação feita em fita magnética, não interessando para o efeito, o quão bem-
feita ela seria, consistia em mais do que apenas a gravação da música, ela própria
consistiria também numa gravação da própria fita. O som da fita faria parte da
gravação. Stockham defendia: “nós não queremos uma gravação que consiste na
fita mais música, nós só queremos a música.” (Milner, 2009)

6.2 Primeiros sistemas digitais

“É uma história familiar, uma [história] que vai desde trás
[percorrendo] todo o caminho de volta para o cilindro de Edison e a
sua luta perdida contra o disco de Berliner. Stockham foi um
verdadeiro visionário. O seu pensamento era tão avançado que, em
1977, dois anos antes da Sony lançar o seu primeiro Walkman, ele já
previa [a aparição] do iPod ("Não é ultrajante imaginar carregando
várias horas de música numa caixa do tamanho de um baralho de
cartas"). O gravador Soundstream foi cuidadosamente trabalhado por
pessoas obcecadas com a ideia de fidelidade e mostrou-se, de uma
forma mais obvia, no sistema de edição digital Soundstream. Outras
empresas começaram a construção de gravadores digitais no final dos
anos setenta, mas apenas o Soundstream oferecia [uma] edição visual
baseada em computador.”
(Milner, 2009)

Thomas Fine, dono de um estúdio de conversão analógica para digital em
Nova Iorque e membro da AES40, escrevera num artigo, denominado “The Dawn
of Commercial Digital Recording”, o papel que Thomas Stockham terá tido para o
mundo da gravação sonora digital através dos seus programas de computador
que contemplavam reversão da distorção inerente às campânulas de gravação:

“De volta ao local de nascimento de PCM, os engenheiros dos
Estados Unidos, em várias empresas, começaram a olhar para gravação
de áudio digital na década de 1970.
Na vanguarda estaria um professor da Universidade de Utah, Dr. Thomas
Stockham. No seu laboratório, em Salt Lake City, Stockham desenvolveu
um sistema de gravação e edição de áudio digital, primeiro utilizando
unidades de fita de computador e, posteriormente, usando um
Honeywell, sistema de edição de uma instrumentação linear. O sistema
de edição de Stockham, que corria numa DEC, [refere-se a um]
computador principal permitindo a edição visual de formas de onda
musicais, foi um precursor directo da estação de trabalho digital
moderna (DAW) e gravação e edição baseada em computador. Stockham
também foi pioneiro no processamento de sinal digital, criando
programas de computador para reverter as distorções inerentes ás
campânulas de gravação usadas para
fazer as gravações de Enrico Caruso no início do século 20.”
(Fine, 2008)

Milner refere também que a gravação de bombos teria sido sempre um
desafio devido ao facto de estes produzirem frequência graves que um microfone
teria dificuldade em reproduzir. O autor menciona que para lidar com essa

40 Audio Engineering Society

77

contrariedade, um bombo seria, usualmente, gravado com a cabeça virada para


longe do microfone fazendo com que no resultado dessa gravação se perdesse
uma quantidade substancial de energia, que não poderia ser gravada.
Stockham através do seu Soundstream chocaria o público com o seu resultado e
especialmente os jornalistas, que referiam o bombo como o bombo que se ouvia
em todo o mundo. Milner refere que após a captação que seria gravada de um
tambor que soava como um canhão, o próximo passo para a equipa Telarc /
Soundstream seria a captação do real.
O escritor refere ainda que se trataria de uma tecnologia extremamente
dispendiosa, sendo o seu custo avaliado em $50,00041 para a sua construção, só
para as diferentes partes. Em 1978, a empresa construiria dez, avaliados em
cerca de $160,000. Se houvesse alguém que tivesse interesse em gravar com o
Soundstream, poderia alugar o gravador e um funcionário da empresa para
ajudar na gravação.
Milner refere que nessa época haveria concorrência ao Sounstream,
sendo que empresas como a Sony, 3M, e a Denon, começaram a manufacturar
gravadores digitais muito mais baratos e mais fáceis de usar.
Thomas Fine refere também alguns aparelhos usados em gravação pelas
empresas rivais da Soundstream:

“Em Novembro de 1977, o produtor da Nippon Columbia, Yoshio
Ozawa trouxe o DN-034R, juntamente com Anazawa e o engenheiro da
Denon, Kaoru Yamamoto para o estúdio de gravação nova-iorquino, Sound
Ideas, para uma série de sessões de jazz engenharizadas por Jim
McCurdy. O primeiro álbum, gravado a 28 de Novembro de 1977, terá
sido "On Green Dolphin Street" pelo saxofonista Archie Shepp. Este
LP, lançado com o YX-7524 da Nippon Columbia, em Maio de 1978, foi a
primeira gravação digital, feita nos EUA, destinada para fins
comerciais. Curiosamente, o primeiro lançamento LP da Nippon Columbia
que viria dessas sessões seria "Manhattan Fever" por Frank Foster e
Loud Minority (YX-7521, gravado a 29-30 de Novembro de 1977 e lançado
em Abril de 1978). Ao todo, foram gravados no Sound Ideas, sete
álbuns de jazz entre Novembro e Dezembro de 1977 usando o sistema DN-
034R. E, no momento em que o compact disc foi lançado em 1982, a
Denon obteve mais de 400 gravações digitais nos seus cofres.”
(Fine, 2008)

Greg Milner refere também o contributo que a Sony terá tido na evolução
do CD, elaborando uma sofisticada correcção de erro de suma importância num
sistema que processava biliões de bits por cada disco. Milner menciona ainda a
importância que os engenheiros da Philips teriam no desenvolvimento do CD,
conjugado pela sua experiência em óptica.
Michael Fremer refere que não haveria mistério na razão de uma pessoa,
independentemente do marketing que se gerava, estar tão interessada no CD.
Segundo Fremer, o CD veio a resolver alguns problemas subjacentes ao
LP, tais como: a correcção no controlo de velocidade, ruído, pops, clicks,
ressonâncias – em suma o jornalista conta que todos os problemas subjacentes
ao gira-discos barato seriam resolvidos pelo CD. (Milner, 2009)


41 dólares

78

A indústria discográfica, rapidamente, se transformaria numa indústria


milionária e por conseguinte numa indústria bilionária.
Milner refere que a indústria discográfica sofreria um estado de evolução gigante
em pouco tempo, tratando-se de uma indústria “transmutacional”, que sofreria
uma evolução colossal num curto período de tempo:

“Todos nós sabemos como essa história acabou. O CD, apesar dos
esforços obstinados dos legalistas42 analógicos, assumiu o mundo.
Cinco anos depois de entrar no mercado com quase zero reconhecimento,
o CD foi o produto de entretenimento doméstico com mais rápido
crescimento na história. Em 1983, 800.000 CDs valendo 17,2 milhões de
dólares foram enviados para os retalhistas. Em 1991, o número de CDs
enviados superou os 333 milhões, de 4,3 biliões de dólares. O número
de leitores de CDs vendidos no mundo saltou de 350.000 em 1983 para
836.000 um ano mais tarde, e em seguida, aumentou quase 400 por
cento, para 3 milhões e, por conseguinte, 9 milhões. No início dos
anos noventa, o valor anual superou os 40 milhões. Mais do que as
gravadoras algumas vez esperariam, as pessoas foram substituindo,
metodicamente, os seus vinis e cassetes com CDs, e essa mudança
manteve a indústria da música em expansão até 1997. Mesmo depois
disso, quando a indústria começou a encolher sob o peso das
transferências e do seu próprio modelo de negócio indigesto, a
fabricação de CDs não chegaria ao seu apogeu até 2000.”
(Milner, 2009)

Segundo Milner, Alan Kilkenny, o director de relações públicas da Sony, afirmaria
em 1981, que o CD se afigurava como uma peça-chave e uma inevitabilidade no
sector musical.

6.3 Definição de Bit Rate / Sample Rate

Desde o seu aparecimento que se discute o formato e a codificação adjacente
ao compact disc.
Lagadec refere que o CD: "Foi muito superior ao LP e á cassete. Funcionou
bem. Mas na altura havia uma espécie de entendimento tácito de que o mundo
não iria parar em 44.1" (Milner, 2009).

Nuno Fonseca, um investigador em música computacional e membro da AES,
afirma no seu livro, “Introdução à Engenharia de Som” que:

“a resolução (também chamada de depth) indica a precisão com que é
medida cada amostra, e aparece indicada em números de bits. Um bit
representa um de dois estados ou dois intervalos possíveis: 0 ou 1.
Se aumentarmos o numero de bits, aumentamos o numero de intervalos –
com 2 bits podemos representar 4 valores diferentes (00,01,10,11). Se
tivermos n bits, podemos representar 2n valores. Ao nível da
conversão áudio, normalmente são usados 16 bits que permitem mais de
65 000 intervalos possíveis, embora cada vez mais se use 24 bits (16
777 216 intervalos diferentes).”
(Fonseca, 2007)

Fonseca refere também que a resolução de 24 bits é vantajosa e deve ser
usada, especialmente, na fase de produção e pós-produção, e que resoluções

42 Pessoas que pugnam pela legalidade (Priberam.pt)

79

maiores, como por exemplo 32 bits, apenas serão usadas para processamento
interno dos aparelhos. Resoluções que contemplam o bit rate de 16 bits serão
consideradas aceitáveis, e usadas em “produtos acabados”, numa altura em que o
áudio já não precise de mais processamento (usadas, por exemplos, em CDs).

O autor de “Introdução à Engenharia de Som” afirma também que para se
obter um sinal digital é necessário efectuar constantemente medições ao sinal de
entrada. Levantando, com isso, duas questões: Com que frequência é que se
fazem essas medições e com que precisão? Segundo o autor:

“Sabe-se hoje em dia (através do teorema de Nyquist), que se
efectuarmos essas medições a uma determinada frequência (a que
chamaremos frequência de amostragem ou sample rate), poderemos captar
sinais com frequências até metade desse valor.
Como o áudio utiliza frequências que vão até aos 20 kHz, precisamos
de uma frequência de amostragem de pelo menos 40 kHz, ou seja,
precisamos de fazer 40 000 medições por segundo. De forma a existir
alguma margem de manobra, optou-se por [um] valor ligeiramente
superior: 44.1 kHz (usada nos CD de áudio) ou 48 kHz.
A segunda questão está relacionada com a precisão dessas
medições. Para medir o sinal de entrada, o conversor analógico-
digital irá considerar um conjunto de intervalos que correspondem aos
valores possíveis da medição.
Imagine que quer medir o comprimento de um lápis. É óbvio que
para o mesmo comprimento, uma régua com a escala em milímetros terá
muito mais intervalos do que uma régua com a escala em centímetros. O
mesmo se passa no áudio – quando mais intervalos existirem, maior
será a precisão da medida.
(Fonseca, 2007)

No capítulo da mesma obra intitulado “Qual a frequência de amostragem /
resolução a usar?”, Fonseca refere as três principais razões pela qual se usa uma
melhor resolução: maior gama dinâmica, menor distorção provocada pela
quantização e maior headroom43.
É importante mencionar que sempre houve uma grande discordância
entre os especialistas de som no que toca aos sistemas de resolução a utilizar.
Fonseca refere que:

“Em relação à frequência de amostragem, ainda não há consenso
entre os especialistas – uns defendem que sample rates de 96 e 192
kHz só servem para gravar frequências para serem ouvidas por
golfinhos e morcegos [como é o caso de João Pedro Castro], outros
declaram que essas frequências acima dos 20 kHz podem ser sentidas
pelo ser humano [como é o caso de Gustavo Carvalho44].”
(Fonseca, 2007)


43 Headroom é um termo usado em engenharia de som que pode ser interpretado como “margem
de manobra”. Se no meio do percurso da amostra digital, alguém baixar o volume ao sinal e mais
tarde voltar a aumentá-lo, há informação que se perde. Se dividir o número 1234 por 10, fica com
123; se multiplicar 123 por 10, fica com 1230, que é diferente do número original – 1234. É
precisamente o mesmo com as amostras digitais. Tendo em conta que durante a fase de produção
e pós-produção, um sinal é transformado de tantas formas, quanto maior for a resolução do sinal,
menor será a perda de informação. (Fonseca, 2007)
44 Engenheiro de som e dono do estúdio Laboratório Musical, sediado em Amarante.

80

José Fortes na entrevista que me concedeu refere (acerca da taxa de


amostragem acima dos 44.1 kHz) que o excesso pode servir para “deitar ao lixo”:
“Vou-lhe dizer uma coisa: quando apareceram os primeiros sistemas digitais,
[falou-se] nas amostragens. Eu a determinada altura tive que dizer algumas
coisas a esses vendedores, que foi o seguinte: vamos supor que invés dos 44.1
que aos 22.050 ciclos que faz a cobertura do espectro sonoro, vamos por os 48
kHz portanto que vai aos 24.000 ciclos, portanto um está aos 22.050 ciclos e
outros está aos 24.000 ciclos, então vamos fazer o seguinte, vamos fazer este
exercício, de pensar. Vamos imaginar que há um instrumento que ultrapassa os
20.000 ciclos, vamos imaginar. Há um instrumento que ultrapassa os 20.000
ciclos, portanto se eu tenho os 22.050 ciclos, este sistema já me serve. Mas vamos
imaginar que vai aos 24.000 ciclos, pronto preciso dos 48 kHz. Eu duvido que
haja, mas vamos imaginar, aceito. Vai aos 24.000 ciclos – 48 kHz. Porreiro,
fantástico! Agora, existe esse instrumento e agora vamos imaginar que há um
microfone que faz a transdução dessa frequência. Que eu conheça, os microfones
não chegam lá. Mas vamos imaginar, há um microfone que faz a transdução
dessas frequências. Ok, está feita a transdução. E então vamos imaginar agora
que há um sistema que faz o registo dessas frequências. Sim senhor. Faz o
registo, está feito, ok. Então vamos imaginar que há um transdutor que faz a
transdução dessas frequências. Altifalante, que vai até aos 24.000 ciclos.
Fantástico. Vai até aos 24.000 ciclos. Até aqui, tudo certo. E agora vamos
imaginar que há um ser humano que ouve os 24.000 ciclos. Certo? Imaginemos:
ouve os 24.000 ciclos.
Pergunto eu, na minha inocência, qual é o técnico de som que está
preparado para pegar num microfone e posicioná-lo no sítio onde ouve os
24.000 ciclos?
Se ouvir, é por acaso, [e] se o posicionar é por acaso. Portanto, não sei do
que estamos a falar. Por isso eu continuo a dizer, que me basta o som mais
agradável possível. Porque repare, vamos agora imaginar que tudo isto foi
possível. Qual é o sistema tridimensional de escuta que me dá a possibilidade de
ouvir isso correctamente?
Eu só preciso do almoço que me cabe no estômago, se me puserem uma mesa
com 10 almoços, eu não vou conseguir comê-los. O resto pensem conforme
entenderem. O excesso nunca fez mal a ninguém, pode é servir para deitar ao
lixo, não é?”

Por sua vez, Nuno Fonseca conclui que quanto maior o sample rate, melhor o
nível de processamento destacando como justificação para a elevada taxa de
amostragem, o comportamento do filtro anti-aliasing:

“Um pormenor que pode ajudar à confusão é que, obviamente, um
conversor digital que esteja preparado para trabalhar a 96 kHz,
garantidamente, será extremamente linear na gama 20 – 20 000 Hz, algo
que um conversor a funcionar a 44.1 ou 48 kHz pode não ser, uma vez
que está preparado para trabalhar mais na fronteira. Por exemplo, o
filtro anti-alias45 existente nos conversores analógicos-digitais
que funcionam a 44.1 kHz pode chegar a afectar frequências inferiores
aos 20 kHz. Se o conversor funcionar a 96 kHz, essa situação deixa de
existir. Existem também conversores que conseguem distribuir o ruído


45 anti-alias ou anti-aliasing

81

ao longo de toda a gama captada. Se a gama captada se estender até


aos 40 kHz, significa que menos ruído existirá na gama até aos 20
kHz. Até no próprio processamento digital (unidades de efeitos, mesas
de mistura digital, etc.), quanto mais samples existirem, melhor o
processamento será feito. Como tal, embora não se saiba se o ser
humano realmente será capaz de ouvir ou sentir frequências acima dos
20 kHz (ainda não há estudos verdadeiramente conclusivos sobre este
assunto), consideramos que a utilização de sample rates superiores a
44.1 ou 48 kHz são vantajosas. Não por reproduzirem frequências acima
dos 20 kHz, mas por conseguirem uma melhor qualidade na gama 20 –
20.000 Hz. E[,] acredito que o lançamento de frequências de
amostragem altíssimas, como os 192 kHz, sejam quase uma declaração de
fim de discussão – “por muito esquisitos que os especialistas sejam,
colocamos uma frequência de amostragem de 192 kHz e não se fala mais
nisso”.”
O escritor reitera: “a postura do mundo áudio neste momento é a adopção
de 96 kHz/ 24 bits para áudio profissional.”
(Fonseca, 2007)

6.4 Estúdios de gravação



Em 1975 Kim Ryrie e Peter Vogel fundariam uma empresa que iria
influenciar profundamente o futuro digital, sendo ela a Fairlight. (Milner, 2009)
Milner refere que o duo Fairlight passaria os próximos dois anos a lutar
para construir uma máquina com síntese digital sofisticada, mas não conseguiam
fazer os sons tão realista quanto eles queriam. De em seguida idealizariam uma
forma de usar a pequena quantidade de RAM que tinham construído na sua
máquina. Segundo Milner, Ryrie anos mais tarde terá referido que seria possível
“samplar” um som real na memoria: "O que percebi foi que por ter lá dezasseis
kilobytes de memória RAM, era possível realmente “samplar” um som real na
memória. Então o Peter desenhou um conversor de oito bits A-to-D [analógico
para digital], e eis que, resolveu o nosso problema de qualidade de som.”
Ambos o denominariam por Fairlight CMI (computer musical instrument46),
acabando por ser tão complexo quanto o Synclavier para não falar do seu design
elegante. Com um preço de pelo menos $25.000, destinava-se ao usuário para
"desenhar" a forma de onda para alterar a característica sonora, contendo
também um minúsculo sampler digital. Segundo Milner, o Fairlight nunca teria
tido expressão nos Estados Unidos.

Na entrevista que me concedeu João Pedro Castro refere que nos estúdios
Namouche usar-se-ia o Fairlight, referindo-se ao primeiro sample.
O estúdio Namocuhe que resultaria de uma absorção do estúdio Rádio Triunfo e
estúdio Arnaldo Trindade por parte de José da Ponte e Guilherme Inês, os
fundadores teriam uma empresa com esse mesmo nome. Segundo João Pedro
Castro os estúdios Namouche afigurar-se-iam como uma revolução para o
mundo da gravação sonora em Portugal. Na entrevista, o técnico refere a
importância que o estúdio teria para o contexto português:
“A importância foi sempre a inovação. E além da inovação foi a sorte de
ter um estúdio sonicamente bem tratado. Bem tratado [e] bem montado.
Preferencialmente por escolhermos sempre material [que] não era o melhor,
mas era aquilo que funcionava melhor. Isso foi a grande vantagem! E depois a

46 instrumento musical computacional – traduzido do inglês

82

abordagem nos arranjos que faziam, serem, sei lá, revolucionários. O


investimento de poder comprar um Fairlight, [era] um investimento (...) enorme
mas que permitia uma qualidade sónica incrível! Primeiro sampler.”
Castro refere que o Fairlight, série 3, que data de 88, terá aparecido no
contexto português por volta de 1990, 1992.

Castro refere também o equipamento disponível nesse mesmo estúdio:
“Equipamentos? Mesas Neve, equipamento Neve, microfones Neuman, AKG,
Crown. Trabalhei por exemplo, com uma mesa Electrodaine, trabalhei com
mesas Shilton. (...) Este era basicamente o equipamento que havia. Máquinas de
gravar: Ampex. Havia outra concorrente muito grande, a Scully e a Studer. Mais
tarde a Studer do que a Scully. A Studer manteve-se, a Ampex desapareceu. Ainda
hoje, (...) se encontram algumas Studers a trabalhar, Ampexes também.
Se fores ao estúdio Namouche tens lá Ampexes. E depois, mais tarde, as Otaris.
Esse era o equipamento que nós tínhamos.”

6.5 A Era Pro Tools

“A primeira versão do Pro Tools, lançada em 1991, tinha quatro
canais e [era] vendida por $ 6.000 dólares. Ela não veio pôr o mundo
da música em chamas, e a palavra divulgada constava que era buggy. As
sucessivas versões [que se seguiriam] começaram a ganhar adeptos. A
Digidesign acrescentou um sequenciador. O hardware [do] Pro Tools,
eventualmente, começou a ter interfaces suficiente para gravar uma
banda completa. O som teria lançado qualidade ao nível do CD (16
bits, 44,1 kHz).
Foi a versão de 24-bit, 48 pistas, lançada em 1997, que começou
realmente a migração do Pro Tools nos estúdios de gravação
profissional. Produtores como Desmond Child e engenheiros como
Charles Dye deram o salto final, usando o Pro Tools não apenas como
um gravador e editor, mas também como um misturador.
Não surpreendentemente, Miami foi a primeira cidade onde o Pro Tools
[usado] como “studio standard” realmente descolou após o "Livin 'La
Vida Loca". Robi Rosa, colaborador de Ricky Martin e o produtor
executivo do seu álbum, tornou-se um crente do Pro Tools e espalhou a
palavra em torno da cidade. Em 2000, usando o Pro Tools como padrão
“standard”, músicos e engenheiros começaram a manter as suas misturas
no [programa] em vez de usar uma enorme consola de estúdio.”
(Milner, 2009)

Lisarte Cristóvão Barbosa refere na sua dissertação47 “Áudio digital – uma
abordagem ao áudio pelo método de ensino” que há relativamente pouco tempo
se alguém quisesse realizar uma gravação, teria que dispor de meios para poder
usufruir de “um templo de gravação” chamado estúdio. Barbosa refere que o
elevado custo e complexidade dos sistemas de gravação afastaria muitos
profissionais desses espaços. O autor refere ainda que nos anos 80 se iniciaria a
gravação caseira e que mais tarde, no final da década, haveria uma
reconfiguração no que tocava a sistemas de trabalho, com a inclusão dos DAWs
(Digital Audio Workstation). Segundo Barbosa assistiríamos portanto a uma
democratização no meio, criando-se um novo Universo em que novos


47 dissertação elaborada na área de especialização em sistemas gráficos e multimédia para o
IGEC

83

engenheiros de som sem treino assumiriam os “comandos” de espaços não


tratados. Segundo o autor da dissertação, o mundo digital viria a facilitar a
correcção de ruído e erro de gravação, sem, no entanto, menosprezar a qualidade
sonora da captação. Tal como Barbosa refere, qualquer gravação efectuada num
determinado espaço é afectada pelas propriedades desse mesmo espaço, sendo
que o espaço fará incidir ou mesmo esconder determinadas frequências ou
características sonoras.

É justo dizer que o Pro Tools terá revolucionado os estúdios profissionais
e que terá permitido o florescer dos Home Studios provocando com isso uma
queda no negócio dos estúdios de ponta. (Milner, 2009)
Desmond Child refere que o Pro Tools teria vindo simplificar a edição,
tornando-a, também, mais precisa. Ele refere que o técnico de som poderia agora
visualizar o som através de uma onda sonora digital num ecrã de computador e
move-la de um lado para o outro através de um simples “click” de um rato. O
técnico poderia agora repetir qualquer parte da música quantas vezes quisesse,
sem a perda de fidelidade. Poderia tentar dez variações diferentes de uma edição
e decidir qual é a que se adequava melhor. (Milner, 2009)
Segundo Milner, começar-se-ia a institucionalizar a ideia de editar e de
gravar música directamente no Pro Tools, mas a mistura ainda era um território
por conquistar, subjacente ao analógico. Milner afirma que desde os anos 70, que
a música gravada se tinha desenvolvido em torno da ideia de que a mistura
requeria uma enorme quantidade no que tocava a processamento sonoro.
A adição de efeitos, como a compressão, a equalização, o delay ou o reverb, assim
como a combinação artística de vinte e quatro pistas ou mais em dois canais
stereo (aliada a rigor profissional) requeria uma vastidão de faders e botões
fornecido por uma SSL analógica ou outra consola equiparável.
Chris Lorde-Alge (um engenheiro de som norte-americano) afirmava que
a edição digital e o Pro Tools multipista viria a mudar tudo.
Segundo o engenheiro: “agora tu podes mover o áudio por aí fora, organizá-lo,
duplicá-lo, lançá-lo por aí de uma forma muito mais fácil.” (Milner, 2009)
O engenheiro enfatiza que anteriormente o processo constava numa
tentativa e erro e que agora se assumiria como uma gratificação instantânea,
mudando 100 % a forma dele misturar. Lorde-Alge refere também que o novo
processo permitiria agora ao técnico experimentar novas ideias de uma forma
muito mais rápida. (Milner, 2009)

Na entrevista que me concedeu, João Pedro Castro, afirma que o primeiro
Pro Tools apareceria em Portugal por volta do ano 2000 no estúdio Namouche:
“a grande mudança que houve foi, sensivelmente, no ano 2000, termos adquirido
o primeiro Pro Tools em Portugal, [de] quatro pistas. (...) Com a placa áudio
midia 2. (...) Depois mais tarde, muito pouco tempo depois, compramos o Pro
Tools, (...) 5.4, já com 24 pistas. Três interfaces de oito pistas, cada um, já a
trabalhar a 20 ou 22 bits. Acho que havia preferência aí, entre os 20 e os 22. (...)
Esse foi o grande salto, comprar os DATs da Sony, de duas pistas. Depois houve
mais tarde máquinas de Tascam de oito pistas em formato A8, máquinas digitais
Tanto, mas o Pro Tools, esse, manteve-se.”

84

Greg Milner refere também, que nos inícios dos anos 2000, o Pro Tools
conquistaria o campo que lhe faltava, o da mistura:
“Ele só não aconteceu em 200148. Aconteceu mais em 2003, 2004 e 2005. Em
2007, entre 70 e 80 por cento de toda a música pop (e, provavelmente, quase 100
por cento de todo o hip-hop, R&B e música de dança) misturou-se in-the-box [ou
seja, totalmente dentro do computador].”
Milner reitera ainda que o Pro Tools foi para o pós-11 de Setembro o que a fita
magnética tinha sido para o período que se sucedeu à Segunda Guerra Mundial.

6.6 Mercado discográfico


“No passado, ainda antes do século XX a música era uma
experiência meramente social. Não se podia leva-la para casa, copia-
la ou vende-la. A música estava vinculada a um contexto social que
servia para fins sociais como cerimónias, entretenimento, música de
igreja, etc. Desfrutava-se no momento, mas depois passava a ser uma
simples memória.
No século XX tudo mudou, com o avanço da tecnologia, a música
passou a ser gravada e reproduzida e consequentemente, comercializada
e consumida.
Todo um império se edificou. Surgiram bandas de culto, artistas
que ficaram na história da humanidade e um modelo de negócio regido
pelas grandes editoras discográficas que singrou.”
(Valente, 2014)

Leonor Losa refere, na Enciclopédia da Música em Portugal no século XX,
que no final da década de 70 assistir-se-ia a um interesse de editoras
multinacionais no mercado fonográfico português, fazendo com que estilos de
música alternativos começassem a emergir em Portugal:

“No final dos anos 70 um novo contexto económico, a emergência
de uma nova geração de músicos e públicos e a formação de pequenas
estruturas de gravação, edição e distribuição de fonogramas
contribuíram para uma mudança nas estruturas comerciais nas
estéticas da [Indústria Fonográfica]. A gradual abertura das
fronteiras comerciais motivou, desde [o final da década], a
instalação e a intensificação da presença de grupos editoriais
multinacionais como a Movieplay, a Polygram, a EMI, a CBS
(posteriormente Sony), (...) no país. Em simultâneo, motivações de
ordem estética resultantes do aumento de circulação de fonogramas
internacionais no país e do contacto com estilos musicais
alternativos às tendências dominantes no mercado do pop-rock
(sobretudo provenientes do Reino Unido) conduziram a que uma nova
geração de músicos, não identificada com a causa de protesto,
desenvolvesse novos produtos musicais. Na [Valentim de Carvalho],
empresa que via o seu protagonismo ameaçado, ingressaram para as suas
secções de Promoção e A&R, David Ferreira e Francisco Vasconcelos (no
seguimento da tradição familiar da empresa), representantes de uma
geração pós-revolução, e cujos interesses musicais definiram a
selecção dos artistas gravados. A proximidade etária com músicos e
agrupamentos em fase de formação, bem como o conhecimento da
realidade musical de outros centros urbanos, como o Porto, de onde

48 Milner refere que o 9/11 (ataques do 11 de Setembro) atrasaram momentaneamente os
Estados Unidos, provocando um ligeiro retrocesso no mercado discográfico e, amplamente, no
mundo da gravação sonora.

85

era natural Vasconcelos, representou a abertura da empresa a novos


intérpretes e estéticas musicais.”
(Losa, 2010)

Pedro Nunes refere que ao longo da sua história recente, Portugal tem
vindo a ser, principalmente, um consumidor de música estrangeira em
detrimento de música nacional. No período compreendido entre 1988 e 2000,
Nunes refere, que a inclusão das Majors discográficas que se assumiriam em
Portugal, casos da EMI, da Warner, da Polygram / Universal, da Sony e da BMG,
fariam com que a distribuição e comercialização discográfica se centrasse
sobretudo em repertório internacional. O autor de Diversity and Synergy in the
Recording Industry in Portugal, refere também, que Portugal se tornaria parte
integrante da indústria internacional, existindo fusões entre editoras locais e
internacionais (como é o caso da EMI – Valentim de Carvalho), investindo
também em repertório local.
Nunes, menciona importantes reconfigurações suscitadas pelos grandes
grupos de editoras multinacionais no mercado discográfico em Portugal:

“Os anos entre 1988 e 2000 são muitas vezes considerados como a
idade de ouro para as editoras discográficas [no que toca] ao negócio
da música Portuguesa. A introdução do compact disc como um novo meio
para a produção de música e de consumo permitiu ás gravadoras em
Portugal, tal como em outros locais, vender catálogos [alternativos]
com custos mínimos de produção. Os conglomerados da midia tornaram-se
o modelo de negócio dominante na década de 1990, com a indústria cada
vez mais integrada, tanto vertical como horizontalmente [...].
Consequentemente, as editoras Major, agora firmemente estabelecidas,
operando em Portugal, aumentaram o seu investimento em repertório
nacional. O crescimento nas vendas de discos ao longo deste período
também sustentou o aumento das indústrias, alinhadas, de
entretenimento, nomeadamente, a promoção de música ao vivo, produção
de vídeo e jornalismo musical / imprensa [...]. Mais estilos musicais
se terão tornado disponíveis, e novas editoras e sub-editoras foram
lançadas para atender diferentes audiências.”
(Nunes, 2014)

Losa refere que a Valentim de Carvalho (impulsionada pela sua secção de
A&R) terá sido fundamental para a repercussão de intérpretes do estilo pop-
rock49.
Os grupos multinacionais terão sido peremptórios para a disseminação
do sucesso comercial adjacente ao rock, impulsionando a sua edição.
A escritora refere que entre intérpretes e agrupamentos editados contam-se os
GNR, UHF, Rui Veloso, Taxi, Grupo de Baile, Jafumega, Trabalhadores do
Comércio, Roquivários, António Variações, Heróis do Mar, entre outros.

A autora do capítulo “Indústria Fonográfica” refere também uma nova
estratégia editorial que viria a promover a mulher enquanto artista
interveniente do género de pop-rock:

“O recurso a formações e tipologias musicais características do
pop vocacionadas para a dança, em detrimento da estética assente na
configuração compositor-autor associada aos movimentos da música

49 Fenómeno anteriormente conhecido como Rock Português

86

popular portuguesa, obteve sucesso no panorama comercial português,


após anos de falta de investimento editorial, mas de aumento de
número de intérpretes, agrupamentos e estilos musicais. Uma
estratégia editorial de promoção da mulher enquanto intérprete de
pop-rock veio alterar o panorama quase exclusivamente masculino da
«música popular portuguesa». Intérpretes como Manuela Moura Guedes,
Gabriela Schaaf, Lena d’Água, Lara Li, Adelaide Ferreira ou as Doce
participaram desta tendência, integrando o mercado fonográfico
português, por acção de compositores e produtores que as idealizaram
enquanto intérpretes de pop-rock.”
(Losa, 2010)

Leonor Losa refere também, que as novas sonoridades promovidas pela
indústria fonográfica levariam a uma reconfiguração estilística da música
popular em Portugal, cujos artistas iriam adoptar tipologias e instrumentações
próximas do rock, entre outros géneros e a estilos da música popular anglo-
americana, aliadas a um olhar crítico referente à sociedade. Entre eles
encontram-se nomes como Jorge Palma, Sérgio Godinho ou Trovante.
Segundo Losa, com a criação da Fundação Atlântica (uma subsidiária da
Valentim de Carvalho), que apoiava de forma logística e financeira, mas que não
influiria nas escolhas criativas dos conjuntos musicais, assistiríamos ao nascer de
novas bandas no contexto português, destacando-se: Sétima Legião, Delfins e
Xutos & Pontapés.

Segundo Losa, a «música pimba» apareceria em Portugal na década de 90
nos suportes de cassete (MC) e CD, dirigida sobretudo a um público emigrante na
Europa e América do Norte e a populações que residiam longe dos principais
centros urbanos. Pedro Nunes refere que a criação da Vidisco e o seu papel no
mercado discográfico seria preponderante para a disseminação do género:

“A Vidisco emergiu como um selo independente em 1986. A sua
política girava em torno da gravação da música portuguesa num período
em que a indústria fonográfica era impulsionada pelas agendas e
estratégias das multinacionais ocidentais, orientadas para o mercado.
Enquanto a Vidisco atendia gostos diferentes na música portuguesa,
que era de amplo apelo popular, muitos destes actos musicais foram
considerados inferiores em [termos de] qualidade e desprezados por um
vasto público culto, de classe média. Estes estilos e géneros locais
incluíram (...) a música ligeira portuguesa (ou pimba) e a música de
dança. O sucesso da Vidisco, que se tornou mais proeminente quando
aderiu à AFP (Associação Fonográfica Português), foi determinado não
só pela sua escolha de repertório, que aproveitou a relutância das
majores a assinar música Portuguesa “suave”, mas também pelo
marketing inteligente baseado numa forte sinergia com a rádio e com a
cobertura local de todas as regiões geográficas em Portugal, uma
sinergia que cresceu a partir de finais dos anos 1980 em diante
[...]: "Temos agentes locais de venda, um em cada distrito. Nós
trabalhamos neles (18 distritos) de forma equalitária... Nós
traziamos os nossos artistas para rádios locais, enviando-lhes o CD
e, em seguida, marcávamos-lhes entrevistas." (entrevista com o
Director de Marketing, Vidisco, Lisboa, Junho de 2007). A rádio local
descentralizou a difusão, da mesma forma que a Vidisco (e mais tarde
Ovação e Espacial) ajudou a descentralizar a música – indústria
fonográfica, especialmente através das suas estratégias de marketing
e promoção [...].
Anteriormente dedicada à música ligeira Portuguesa, a Vidisco
expandiu o seu catálogo na década de 1990 para incluir música de

87

dança, também, com actos como Santamaria e Iran Costa tornando-se


best-sellers. A principal fonte de receita veio de compilações de
dança, que compunham cerca de um terço de todas as receitas de
compilações até o final da década [...] O seu portfólio de artistas
também estaria a receber [uma] alta exposição televisiva através de
cross-marketing em novelas e programas de manhã e televisivos. Em
1996, a Vidisco adquiriu o rótulo KAOS Records para aproveitar o
pequeno, mas importante, nicho da música de DJ.”
(Losa, 2010)

Leonor Losa refere que a aproximação ao universo da música popular


anglo-americana da década de 90 teria lugar em termos musicais e linguísticos
através da língua inglesa como veículo de expressão dos textos cantados no
domínio do pop-rock. Sendo que artistas como Madredeus e Dulce Pontes
acederiam ao mercado da world music, criando uma nova visibilidade
internacional aos intérpretes portugueses. Pedro Nunes refere o seu surgimento:

“O surgimento de "world music" como um poderoso mercado
discográfico ajudou a actos de música portugueses, como [os]
Madredeus, Dulce Pontes e (mais tarde) Mariza a chegar a mercados
estrangeiros, como "exportação musical" tornando-se parte integrante
das estratégias editoriais para repertórios domésticos [...].
Ao longo da década de 1980 e, especialmente, da década de 1990,
Portugal tornou-se membro [fulcral] da indústria musical global, o
que fez a indústria de gravação doméstica menos visível, embora não
sendo de todo redundante. Entre 1988 e 1998, o lucro de vendas de
discos aumentou de 18 milhões para 101 milhões de euros, enquanto o
mercado interno aumentou de 3,9 milhões para 17,3 milhões de euros
(...). As estratégias das gravadoras para com actos locais ou
reportórios domésticos foram variáveis: a Warner não assinou actos
locais e manteve-se focada na promoção de repertório internacional. A
EMI tinha sido associado com a gravadora local [Valentim de Carvalho]
desde 1984, e possuiu o catálogo mais significativo de artistas
portugueses, incluindo a diva do fado Amália Rodrigues, entre outros;
isto fez com que tivesse garantido a maior parte do repertório
nacional até 1998, quando foram temporariamente desafiados pela
Polygram / Universal. A BMG-Ariola, em meados da década de 1990,
teria ganho uma fatia maior do repertório local, comparativamente aos
internacionais. [A] Polygram e [a] Sony Music eram de algum modo mais
conservadores nas suas estratégias no que tocava a assinar artistas
nacionais, embora ambos tivessem aumentado a sua participação do
repertório nacional no final da década. Enquanto isso, entre os selos
independentes [a] Vidisco tornar-se-ia uma grande força no reportório
doméstico, produzindo regularmente best-sellers na música de dança e
música ligeira.”
(Nunes, 2014)

Leonor Losa refere que “no final do século, após uma tendência de
intensificação da produção musical no âmbito da indústria fonográfica, novas
tecnologias e meios de comunicação directamente acessíveis aos músicos e
consumidores, especialmente a Internet, reconfiguraram os padrões de produção
e de consumo.”
Arnaldo Trindade na entrevista que me concedeu refere que “o mercado
não existe hoje.” Segundo o editor discográfico, o mercado ter-se-á dissipado
com a chegada da Internet: “antigamente, os artistas ganhavam dinheiro nos
discos que faziam. E os espectáculos (...) eram o cartão-de-visita para venderem

88

os discos. Hoje, inverteu-se tudo. Hoje fazem-se discos que [são] o cartão-de-
visita e onde eles ganham [é] nos espectáculos. Tudo ao contrário...
E as pessoas agora não compram os discos, porque [os] têm de graça, na Internet.
(...) Eu acho que é horrível porque a qualidade da música [de] hoje, que as
pessoas ouvem é péssima! A qualidade técnica. (...)
O sistema [de] CD, eu não gosto, e aliás, está a haver um revival do vinil.
(...) Antigamente as pessoas gostavam de ter uma boa aparelhagem, (...) [o]
melhor amplificador ou pré amplificador [e] altifalantes. Havia revistas
especializadas, a Gramophonian. Não sei se ainda existe isso, (...) [onde se
escolhia] o melhor gira-discos. Havia muitos amadores nisso.

Na dissertação de Céline Valente, intitulada “O impacto da Internet e das
Novas Tecnologias na Criação e Produção Musical Portuguesa”, a autora faz um
levantamento de opiniões de alguns artistas intervenientes no mercado
fonográfico de hoje em dia, sendo interessante destacar algumas delas, de forma
a explicar o actual panorama do mercado discográfico.

João Pedro Pires, conhecido como Ka§par refere:

“A liberdade inerente na Internet parece tornar demasiado fácil
a expropriação dos conteúdos criativos por parte dos utilizadores. A
melhor forma de devolver algum lucro ao mercado é educar melhor os
utilizadores e ao mesmo tempo devolver alguma da qualidade que se
perdeu (de forma avassaladora) na música “mais mainstream” ao longo
dos últimos anos.
Os singles mais vendidos hoje em dia não são os melhores, mas os mais
bem desenhados para serem o #1 – assim sendo, desaparecem da cognição
social com a mesma rapidez com que surgem e deixam o mundo
desinteressado e desligado da música. As majors que querem fazer
música exclusivamente “pirosa” com grandes lucros em vista fazem mais
mal a si mesmas do que imaginam.”
(Valente, 2014)

Vasco Espinheira dos Blind Zero, refere que a música terá perdido valor, e
que os lucros provenientes da sua venda se encontram mal distribuídos:

“Hoje, a forma como ouvimos música mudou. A nossa música é
temporária e descapotável, vive em função do nosso espaço em disco. A
música não deixou, simplesmente, de dar dinheiro. Apenas todo o
dinheiro que era dividido por todos os “players” da indústria passou
a entrar, quase na sua totalidade, nas contas dos ISP’s (Internet
Service Providers). Afinal, a razão máxima da escolha do seu plano de
Internet é a velocidade de download. Esta é a geração onde se tornou
vulgar anunciar os melhores carros de fuga.”
(Valente, 2014)

John Almeida, músico e escritor nascido em Londres, filho de pais
portugueses reitera que o conceito da música grátis assume-se como endémico e
revoltante:

“[...] o público tem de se convencer que os músicos não vivem
de ar e vento. Um dia vão querer ouvir música e todos os artistas
estão a trabalhar em escritórios porque ninguém lhes pagava a música
e deixaram de ter possibilidade de a fazer. O conceito de que toda a

89

música tem de ser grátis e que temos o direito absoluto de roubar


tudo o que é criado é absurdo. Mas a verdade é que o público sente um
direito absolutista de ter tudo de graça, e que fica escandalizado se
um músico [lhe pedir] que [pague pelo] seu trabalho, como qualquer
outro profissional.
Em Portugal, um país onde as pessoas nunca levaram a sério a
música como ocupação, isso é muito mais complicado, é virulento, é
endémico e revoltante.”
(Valente, 2014)

Miguel Ribeiro, guitarrista e vocalista dos “The Happy Mess” refere que
uma transformação na sociedade no que toca a hábitos de consumo aliada a um
“bombardeamento” de informação referente a novos conteúdos musicais faz com
que cada vez mais o consumidor tenha menos tempo para se dedicar a ouvir
música:

“De acordo com David Byrne, a música tornou-se objecto de
consumo imediato. Há excessiva produção e edição de discos. Os
consumidores são bombardeados todos os dias com novos conteúdos. Já
não há tempo para compreender as obras, na maioria das vezes os
consumidores não conseguem, sequer, explorar mais do [que] um ou dois
singles e vídeos.”
(Valente, 2014)

Ribeiro enfatiza: “é natural que com o MP3 e streaming, o objecto físico
do disco se torne residual ou se torne apenas uma peça de merchandising como
uma t-shirt ou um pin”. (Valente, 2014)

Jorge Queijo, baterista da banda “os Torto” refere ainda a diferença entre
a música que é gravada e a música que é tocada ao vivo enfatizando ainda uma
menor capacidade critica por parte do consumidor:

“No caso da música, o que se vê na Internet acaba muitas vezes
por ser muito diferente do que se vê ao vivo, como se tem visto nos
festivais com bandas com [muito] fraca qualidade e que tiveram um
“boom” mediático que não corresponde à realidade. Acho que hoje em
dia, a capacidade crítica é menor e o tempo para pensar sobre o que
vemos na Internet é muito reduzido e volátil.”
(Valente, 2014)

Ben Monteiro, conhecido pelo projecto musical D’Alva, refere que a


“democratização” associada à disseminação musical em “massa” veio trazer
“ruído” – má música e a esconder os génios existentes:

“Eu não concordo necessariamente com o “modelo tradicional” mas
há aspectos positivos. A internet possibilita a criação e
disseminação de “entulho” ou ruído. Vivemos numa era em que existe a
ideia de que toda a gente tem uma voz, e que essa voz é válida em
qualquer meio, e na música há cada vez mais coisas “não boas” o que
fica difícil para a percentagem mais reduzida, os chamados “génios”
emergirem. Há quem diga que nos tempos em que vivemos alguns dos
clássicos que todos reconhecemos como grandes, nunca veriam a luz do
dia devido ao ruído enorme que existe. Por outro lado, isto também
cria uma capacidade de desdobramento, e a música acaba por reflectir
isso.”
(Valente, 2014)

90


Zé Pedro, o mítico guitarrista dos Xutos e Pontapés, menciona que a
indústria discográfica terá perdido o seu lugar no mercado e que o músico como
membro activo da indústria deverá participar e contribuir como puder:

“A indústria discográfica não soube acompanhar as novas
tecnologias. Está a tentar agora, encontrar a sua posição de
[controlo]. (...) Acho que vivemos um ponto de viragem mas que mais
tarde ou mais cedo, tudo se ajustará. Parece-me impossível e
desajustado pensarmos em voltar para outro sítio, ou acharmos que lá
atrás “é que era bom”. Vivemos com o que vivemos, e a isso não
pudemos fugir. Como membros activos nesta indústria temos de
participar e contribuir como pudermos.”
(Valente, 2014)

Segundo Manuel Palha, guitarrista dos Capitão Fausto, o futuro da venda
musical passa por dois factores fundamentais: uma legislação que proteja o
músico, e a adaptabilidade do artista face à realidade vigente:

“Na minha opinião, o futuro passa por um equilíbrio saudável
entre [uma boa e eficaz] legislação que proteja o artista e a
capacidade do artista se adaptar à realidade vigente nos dias que
correm. Como se pode ver, existem ainda, apesar de todas as questões
ligadas à pirataria, milhares de artistas que conseguem vingar. Há
que haver uma evolução da Indústria analógica [face] à evolução das
plataformas de disseminação musical.
Presumo, que se falássemos com um compositor e orquestra do
início do século XIX, e lhes explicássemos que, em vez de venderem
pautas ou esgotar salas de concertos, iriam gravar para um disco [em]
que as pessoas ouviriam a sua música num pequeno aparelho, certamente
ficariam chocados e revoltados com tal diminuição.
Ainda assim, ao longo dos tempos, houve uma adaptação ao
panorama vigente. [Tem] de [se] continuar [a] descobrir como [é que]
se chega a esse equilíbrio.”
(Valente, 2014)

Segundo Giliano Boucinha, cantor e compositor da banda Paraguaii, o
artista tem de acompanhar a evolução do tempo: “Não podemos ser clássicos
para toda a eternidade, temos de nos adaptar sobretudo ao mercado, quanto [à]
criatividade, [ela] estará sempre presente. Mas os tempos mudam e as vontades
também.” (Valente, 2014)
Boucinha vaticina um mau presságio para a indústria discográfica: “O
digital é o futuro e os discos ou vinil serão vendidos nos concertos. A indústria
discográfica infelizmente está [à] porta do fim.” (Valente, 2014)

91

7. O papel do técnico ao longo da história da gravação em Portugal



Ao falarmos em gravação sonora é importante atentarmos aos seus
intervenientes técnicos, nomeadamente, ao papel do técnico de som enquanto
interveniente activo no processo.
Leonor Losa refere que até às décadas de 60 não haveria técnicos de som
com formação específica, sendo Júlio Cunha e Hugo Ribeiro, tal como João Pedro
Castro indica, self-made men.
Durante anos, o técnico de som aprendia com as suas próprias
experiências no terreno, sendo autodidactas. José Fortes refere também que
técnicos de som como Hugo Ribeiro não teriam oportunidade de escolher o
equipamento de gravação, trabalhando com o que os donos dos estúdios lhes
proporcionavam:
“Olhe, o Hugo Ribeiro aprendeu com ele. O Moreno Pinto aprendeu com
ele. O Alberto Nunes já teve alguma informação que não teve a ver com o som
embora tivesse sido um excelente técnico de som. Teve a ver com electrónica,
com a electroacústica e pouco mais. (...) O Hugo Ribeiro não sabe uma linha de
electrónica, não sabe uma linha de electroacústica. (...) Ele sabe só sobre som. (...)
Foi a grande lição que ele me deu na vida como técnico de som. (...) Quando eu
andei a perguntar que microfone é que ele usava para ter aquele som de voz e
aquela perceptibilidade, aquela clareza, tudo aquilo [eu perguntei-lhe]: que
microfone é que usas?
E ele: sei lá, uso o microfone que o Rui de Carvalho me põe lá. Agora está a
representar a Sennheiser, agora tem o Sennheiser não sei quê... E um dia destes
põe-me lá o Sennheiser não sei quantos, [ou] outra marca qualquer.
E eu [insisti]: não ó Hugo! Mas o que é que usas? Como é que fazes?
E ele acabou por me dizer a grande verdade: nós temos é que ouvir o
cantar da guitarra, quero lá saber do equipamento...
Ele nunca escolheu o equipamento. Nunca teve a oportunidade de opinar
sobre o equipamento que se comprava. E fez (...), é histórico, está gravado! O que
ele fez, está gravado e está muito bom. (...)
O Moreno Pinto, também nunca teve formação nenhuma. É claro que [ele]
sabia a lei de Ohm. Mas o Hugo Ribeiro nem a lei de Ohm sabia. Por acaso, o
Alberto Nunes sabia muita coisa de electrónica e electroacústica, que (...) o
Moreno Pinto também não sabia. Agora, qualquer [um] deles, dedicou a sua
atenção, de facto, ao som. E se calhar, foram eles que me induziram a dar mais
atenção ao som do que a matemática, ou seja do que ao áudio.”

António Tilly refere que a admiração que José Fortes nutria pelo trabalho
do técnico de gravação da Emissora Nacional de Lisboa, Alberto Nunes, seria
determinante para o interesse de Fortes pela electrónica aplicada ao som.
Tilly refere ainda que José Fortes viria a completar o curso de electrónica
por correspondência da escola americana National Schools, que disponibilizava
componentes e exigia a montagem dos equipamentos.
Tilly menciona também que José Fortes frequentaria, durante dois anos, o
curso de Electricidade e Electrónica na Escola Industrial Infante D. Henrique
(Porto, 1958-1960), mas que o carácter teórico e elementar das matérias
leccionadas contrastava com a experiência que adquiria no trabalho de

92

montagem de misturadores, amplificadores e colunas de altifalantes,


equipamentos que, na altura, começariam a ser usados pelos conjuntos musicais.

Em entrevista a João Pedro Castro, o técnico sublinha o facto de, na sua
altura, não haver escolas e os aprendizes a técnicos de som aprenderem com os
seus mentores, imitando-os o “máximo possível”:
“Nós éramos self made men, não havia escolas. Tentávamos, o máximo
possível, imitar o nosso mentor. Estar nas costas dele, [para] ver o que é que ele
fazia, para podermos, mais tarde, fazer exactamente como ele. (...)
Portanto, quanto tínhamos oportunidades, éramos postos a trabalhar com
pequenos trabalhos, coisas às vezes sem grande importância, que nos eram
postas, e [nós] aprendíamos dessa forma. Era mesmo com a experiência,
portanto, as histórias que há para contar, (...) são histórias da experiência que
eles nos transmitiam.
O Moreno Pinto foi uma pessoa que veio da rádio, e depois (...) veio para o
estúdio. Portanto, foi uma pessoa que aprendeu exactamente [dessa] mesma
forma, self made man.
Não havia escolas, não havia formação, havia cursos de electrotécnica, de
electrotecnia, de electrónica, coisas muito básicas e rudimentares.”

João Pedro Castro refere que os cargos de direcção dos estúdios
afiguravam-se apenas de forma simbólica, sendo que um director técnico não
teria qualquer tipo de decisão sobre a escolha de material:
“É uma função pura e simplesmente escrita. (...) Era director técnico
porque disseram que eu era director técnico, mais nada. Eu não tinha nenhum
poder de decisão sobre [a] escolha de material. (...) ”

Tanto José Fortes e Hugo Ribeiro afirmavam que o técnico de som teria de
estar preparado para qualquer eventualidade que surgisse no processo de
gravação, tendo ainda, de “enganar” o cantor ou instrumentista. Atenda-se ao
capítulo 5.9, referente à Era Magnética, em que o técnico conta que teria de
enganar Amália para grava-la nas melhores condições.
José Fortes salienta que uma dificuldade inerente à função do técnico de
som é a dificuldade entre o diálogo entre o técnico e o músico, (sobretudo o
músico sem cultura geral de som) tendo o técnico de resolver problemas do
músico com a contrariedade do mesmo.
Ribeiro sublinha que com os avanços tecnológicos haveria muitos
músicos a querer usufruir de novas possibilidades de gravação, chagando mesmo
ao ponto de “exagerar” (atenda-se ao caso de Sequeira Costa, capítulo 5.7)
José Fortes refere que existiam músicos que não tinham cultura geral de
som e o técnico de som precisava de resolver o problema desses mesmos
músicos com a contrariedade deles.

Devo destacar ainda o facto de durante anos a condição de técnico de som
ter sido de alguma forma marginalizada no âmbito da gravação sonora. Tal como
Hugo Ribeiro refere nesse mesmo capítulo, apesar de dedicar “horas” ao
processo de gravação, aliando rigor e perfeccionismo, o técnico de som não seria,
na maior parte das vezes, creditado pelo seu trabalho em estúdio.

93

À medida que a tecnologia evolui, evolui, também, o seu reconhecimento


como membro activo no processo, passando a ser creditado e destacado
mediante a qualidade final do trabalho, por si, executado.





























94

8. Conclusão

Muito mais há a dizer sobre o som, muito mais há a escrever sobre o som
e sobre o papel que ele tem vindo a desempenhar nomeadamente na indústria
Fonográfica Portuguesa.
Desde as primeiras notícias das “machinas fallantes” relatadas por jornais
portugueses da época até aos últimos estúdios de gravação equipados com as
mais recentes tecnologias no campo digital sonoro.
Sendo o objectivo primordial do meu trabalho descrever a evolução do
mundo sonoro no meu país, a sua história, e as histórias adjacentes aos seus
intervenientes e principais protagonistas que se encontram intimamente ligadas
com este tema central, história da gravação em Portugal, devo referir as
diferenças relativas entre diferentes paradigmas.
Desde a primeira era da gravação até aos dias de hoje é visível o contraste
entre os principais “mundos” sonoros em foco, como tantas vezes nos retrata
Greg Milner, atentando objectivamente ao caso do seu país, com as realidades de
países que se encontram no “hemisfério” sonoro secundário como é o caso de
Portugal.
Mais uma vez, se atentarmos aos acontecimentos ocorridos na primeira
era da gravação, poderemos constatar que em Portugal dava-se mais relevância
aos produtos estrangeiros do que portugueses. Sem me querendo afastar do meu
próprio tema, penso ser essa uma premissa intrinsecamente ligada ao estado
evolutivo do país, o facto de não se valorizar verdadeiramente o que era
nacional, facto que ainda hoje ocorre...
Outra justificação lógica e evidente que me aprece mencionar será,
inequivocamente, a diferença de “budget” entre o meio sonoro português,
enquadrando-se no hemisfério secundário e o meio sonoro primordial (refira-se
a titulo de exemplo: Estados Unidos, Alemanha, ou Inglaterra.) Não havendo por
isso, um investimento de forma alguma semelhante ou mesmo proporcional.
Tal como José Fortes refere o disco de ouro em Portugal era 20.000 e em
Espanha, 250.000. Esta realidade não pode ser negada ou negligenciada. Esta
diferença de investimento faz com que Portugal estivesse descontextualizado
com a realidade sonora presente noutros países, embora, por outro lado, faça
com que intervenientes do processo, como o técnico de som seja criativo,
inventivo, solucionando problemas (a titulo de exemplo refiro-me á
reverberação “inventada” por Hugo Ribeiro na sede da Valentim de Carvalho).
Mas o facto de eu me centrar diversas vezes no panorama sonoro
americano não se deve a questões de investimento mas sim, maioritariamente,
ao facto de ser nesse país que iram ocorrer o aparecimento de novas tecnologias.
Tive como objectivo obedecer a uma escrita académica (não
completamente cientifica, mas no limiar do cientifico, e da escrita corrente, não
tornando a dissertação demasiado “maçuda” nem demasiado “leve”. Fazendo
com que algumas obras que me serviram como fonte de informação se
conjugassem com as entrevistas que realizei e transcrevi para este documento,
no fundo criando um contraponto entre uma escrita mais cuidada, em que
transponho ideias de alguns escritores e das suas obras por si redigidas e as
histórias contadas, principalmente pelos três principais intervenientes que tive a
honra de entrevistar. É claro, que seria estranho, falar de três e não de quatro.

95

Refiro o adjectivo principal, devido apenas á sua condição de fonte


primária, ou seja, á sua exclusividade a nível de conteúdo e de informação. Seria
injusto, da minha parte, não invocar o quarto interveniente, que, com muita pena
minha, não pude entrevistar devido a motivos de doença. Refiro-me a Hugo
Ribeiro, que conta agora com 91 anos, cuja sua experiência se assume como
fulcral para o conteúdo desta mesma dissertação.
Não quis deixar de lado as suas histórias de experiência (como João Pedro
Castro refere no âmbito dos tutores) que inevitavelmente enriquecem o mundo
da história sonora em Portugal. Recorri por isso á entrevista conduzida por
Carlos Vales e José Fortes no âmbito da Restart para contar as experiencias
vivenciadas por este mesmo senhor, sendo, provavelmente, o único
interveniente vivo que conheceu três das quatro eras da gravação (tendo
começado a captar som directamente para o disco de 78 rpm, cessando funções
apenas em 1996 com a gravação do fonograma referente a Carlos Paredes “Na
Corrente” (Tilly & Silva, 2010)).
Uma curiosidade que não posso deixar de referir, é o facto do começo da
era da gravação digital estar intimamente ligada ao aparecimento do compact
disc, tecnologia que viria a substituir o LP e a cassette. Tal como Fremer refere, o
CD viria a resolver alguns problemas subjacentes ao LP, tais como: a correcção
no controlo de velocidade, ruído, pops, clicks, ressonâncias, vindo a crescer e a
assumir-se como produto standard no mundo da gravação sonora, o mais
curioso é que 34 anos após o seu surgimento (se tivermos em conta o
surgimento do primeiro CD comercial, referente ao lançamento do álbum de Billy
Joel, 52nd Street, que data de 1 de Outubro de 1982 (Sawers, 2012)) assistimos
agora, possivelmente, ao seu fim, tendo em conta que os novos laptops da
Macintosh já nem incluem porta de entrada para este equipamento.
Agora que vivemos na época em que os downloads imperam, e o ficheiro
MP3 assumem domínio, devido unicamente ao facto de ocupar menos espaço,
assistimos continuamente a uma menor exigência por parte do consumidor,
existindo tal como João Pedro Castro refere, estúdios de gravação profissionais,
munidos com equipamento de topo, que executam uma captação, mistura e
masterização de topo e que depois iram converter um ficheiro de áudio num
ficheiro com perdas, apenas porque o cliente quer poupar espaço, passo a
perguntar: onde é que irá parar o mundo da gravação digital? Deixará de existir
qualquer tipo de formato físico? Que era se sucederá a esta?













96

Bibliografia:

Agudo, O. D. (1968). Discos, como se fazem?, Rádio Clube Português

Barbosa, L. (2012). Áudio digital: uma abordagem ao áudio pela área de ensino,
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado de Sistemas Gráficos e
Multimédia no Instituto Superior de Engenharia do Porto

da Silva, J. A. T. L. (1977). A grande aventura da gravação : 100 anos de gravação


sonora, Edição da Rádio Triunfo, Lda.

Dos Santos, A. G. (2013). Criação Interactiva de Efeitos Sonoros: estudo sobre o uso
de interfaces interactivos no Design de Som, Tese apresentada ao Programa de
Mestrado de Design de Som na Escola das Artes da Universidade Católica
Portuguesa, Porto

Fine, T. (2008). The Dawn Of Commercial Digital Recording, ARSC Journal

Fonseca, N. (2007). Introdução à Engenharia de Som, FCA – Editora de


Informática

Fowler, C. (1967). The Museum of Music: A History of Mechanical Instruments,


SAGE Publications

Henrique, Luís L. (2009). Acústica Musical, Lisboa, Fundação Calouste Gulbekian

Losa L. (2010). Industria Fonográfica in Castelo-Branco, Salwa (dir.) Enciclopédia


da Música em Portugal no Século XX. Lisboa: Círculo de Leitores.

Losa, L. (2013). Machinas Fallantes, Tinta da China

Machado, J. P. (1991). Grande Dicionário da Língua Portuguesa, Círculo de


Leitores

Matos, A. & Gonçalves G. (2005). A gravação sonora e a TSF in Madureira, N.


(cor.) A historia da energia, Livros Horizonte

Michels, U. (2003). Atlas de Música, Gradiva

Milner, G. (2009). Perfecting Sound Forever, Granta

Nunes, P. (2014). Diversity and Synergy in the Recording Industry in Portugal,


1988 – 2008, Equinox Publishing

Silva, M. D. (2010). Música e Cinema in Castelo-Branco, Salwa (dir.) Enciclopédia


da Música em Portugal no Século XX, Lisboa: Círculo de Leitores

Silva, M. D. & Nery R. V. (2010). Música e Cinema in Castelo-Branco, Salwa (dir.)


Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX, Lisboa: Círculo de Leitores

Tilly, A. (2010). José Fortes in Castelo-Branco, Salwa (dir.) Enciclopédia da Música


em Portugal no Século XX, Lisboa: Círculo de Leitores.

Tilly, A. & Silva, H. (2010). Hugo Ribeiro in Castelo-Branco, Salwa (dir.)


Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX, Lisboa: Círculo de Leitores.

97

Velente, C. (2014). O Impacto da Internet e das Novas Tecnologias na Criação e


Produção Musical Portuguesa, Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado
de Design de Som na Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa,
Porto

Werneck, D. L. (2010). Movimentos invisíveis: A estética sonora do cinema de


animação, Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes da
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte

Woolf, C. (2001). Microphone Data Book, Human Computer Interface, 2001

Patentes:

Blumlein, A. D. (1958). British Patent Specification 394,325, Journal Of The Audio


Engineering Society, AES

Filmes, vídeos ou DVDs:

1ª Parte da Entrevista a Hugo Ribeiro

http://videos.sapo.pt/y5H2mFTT8MS6SBz6HTc2

Consultado a 11 de Julho de 2016

2ª Parte da Entrevista a Hugo Ribeiro

http://videos.sapo.pt/5YvWoDPZari5BQZm6bJM

Consultado a 11 de Julho de 2016

3ª Parte da Entrevista a Hugo Ribeiro

http://videos.sapo.pt/UVgdyZ6q3TgEUt13Lziq

Consultado a 11 de Julho de 2016

4ª Parte da Entrevista a Hugo Ribeiro

http://videos.sapo.pt/zgbuKUVaNZfttvpBNflw
Consultado a 11 de Julho de 2016

5ª Parte da Entrevista a Hugo Ribeiro

http://videos.sapo.pt/5OrAJgzD8SrS5ciaONkG

Consultado a 11 de Julho de 2016

6ª Parte da Entrevista a Hugo Ribeiro

http://videos.sapo.pt/nnr7N7Fon3z2hCwrQdUS
Consultado a 11 de Julho de 2016

7ª Parte da Entrevista a Hugo Ribeiro

98

http://videos.sapo.pt/gWHrWIHLPzvBmRZ2QSa2
Consultado a 11 de Julho de 2016

The secret of the bat genome


https://www.ted.com/talks/emma_teeling_the_secret_of_the_bat_genome/

Consultado a 2 de Julho de 2016

Sites:

Bellis, M. The Kinetoscope

http://inventors.about.com/od/kstartinventions/a/Kinetoscope_2.htm

Consulatado a 10 de Agosto de 2016

Cowen, Ron (2009)


http://www.usnews.com/science/articles/2009/06/01/earliest-known-sound-
recordings-revealed

Consultado a 2 de Julho de 2016

Dannemann, Fernando (2013)

http://www.efecade.com.br/notas-musicais-como-surgiram/

Consultado a 2 de Julho de 2016

Freitas, Rochele

http://www.o-que-e.com/o-que-e-um-hidrofone/
Consultado a 23 de Julho de 2016

Frota, Gonçalo

https://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/a-fama-dos-estudios-valentim-
de-carvalho-1612123

Consultado a

Hinkes-Jones, Llewellyn (2013)

http://www.theatlantic.com/entertainment/archive/2013/11/the-real-reason-
musics-gotten-so-loud/281707/

Consultado a 4 de Setembro de 2016

Hypescience (2009) – http://hypescience.com/flauta-da-era-das-cavernas-e-


encontrada-ouca-sua-musica/

Consultado a 2 de Julho de 2016

Izawa, Toshio (2009)

99

http://imagemesomhd.blogspot.pt/2009/10/audio-analogico-x-digital.html
Consultado a 1 de Setembro de 2016

Legalista (2013)

https://www.priberam.pt/dlpo/legalistas

Consultado a 24 de Setembro de 2016

Museum of Magnetic Sound Recording


http://museumofmagneticsoundrecording.org/

Consultado a 2 de Julho de 2016

Magalhães, Graça (2013) – http://oglobo.globo.com/sociedade/ciencia/revista-


amanha/rouxinol-uma-ave-artista-8651498

Consultado a 2 de Julho de 2016

Nogueira, Paulo (2015)

http://historiaschistoria.blogspot.pt/2015/03/televisao.html

Consultado a 20 de Agosto de 2016

Reyes, S. (2011)

https://www.lomography.com/magazine/100424-100424
Consultado a 10 de Agosto de2016

Naves, Filomena (2016)

http://www.dn.pt/sociedade/interior/ha-cantos-de-baleia-e-vozes-da-terra-na-
banda-sonora-do-fundo-oceanico-5060695.html

Consultado a 23 de Julho de 2016

Orthophonic Victrola Cadenza

http://www.intertique.com/CredenzaIDDemo.html

Consultado a 11 de Agosto de 2016

Peter Kurt Burkowitz (2012)

http://www.aes.org/aeshc/docs/jaes.obit/JAES_V60_7_8_PG639.pdf

Consultado a 20 de Setembro de 2016

Phonautograph (2015) – http://ethw.org/Phonautograph


Consultado a 2 de Julho de 2016

Plainrecordings (2011) – http://www.plainrecordings.com/comprehensive-


guide-history-sound.html

100

Consultado a 2 de Julho de 2016

Rose, Jody (2008)


http://www.nytimes.com/2008/03/27/arts/27soun.html?hp&_r=1

Consultado a 2 de Julho de 2016

Sawers, P. (2012) – http://thenextweb.com/media/2012/10/01/the-first-


commerically-available-cd-album-player-released-30-years-ago-today/#gref

Consultado a 23 de Setembro de 2016

Simões, S. (2014) – http://www.muralsonoro.com/mural-sonoro-


blog/2014/2/15/fongrafo

Consultado a 3 de Julho de 2016

Stockham: A documentary celebrating the extraordinary life and achievements of


Tom Stockham

http://www.stockhamfilm.com/

Consultado a 3 de Setembro de 2016

Strötbaum, Hugo (n.d.) Recording Pioneers

http://www.recordingpioneers.com/RP_DARBY1.html

Consultado a 18 de Julho de 2016

Vacas produzem mais leite ao som da musica

http://www.tsf.pt/arquivo/2001/ciencia/interior/vacas-produzem-mais-leite-
ao-som-de-musica-ligeira-719987.html

Consultado a 23 de Julho de 2016

Velloso, Felipe (2014)

http://www.techtudo.com.br/noticias/noticia/2014/12/sinal-analogico-ou-
digital-entenda-tecnologias-e-suas-diferencas.html

Consultado a 2 de Setembro de 2016

101

APÊNDICE A: DVD com conteúdos digitais

O DVD tem 2 pastas com os seguintes conteúdos:

Pasta 1. A presente dissertação em suporte digital, no formato Adobe Acrobat


PDF:

o Dissertação – Ricardo Gil Góis Correia Portela.pdf



Pasta 2. Apêndices digitais:

o Apêndice 1 – Entrevista a Arnaldo Trindade - O Torneio.mov
o Apêndice 2 – Entrevista a João Pedro Castro - O Torneio.mov
o Apêndice 3 – Entrevista a José Fortes - O Torneio.mov

Pasta 3. Guião de entrevistas

Conteúdo respectivo a Apêndice B, presente neste mesmo documento.




























102

APÊNDICE B: Guião de entrevistas

Entrevista a Arnaldo Trindade:

Bom dia Arnaldo e obrigado por ter aceite participar nesta entrevista.

- No livro “Machinas Fallante” Leonor Losa afirma que: “(...) A criação [da]
discos Orfeu foi fundamental para a divulgação de estéticas e valores
musicais...” Já o jornal Publico transcreve uma frase sua: "Éramos
construtores de uma ideia nova," de que forma é que a Discos Orfeu veio
revolucionar o mercado discográfico á data da sua fundação?

- Como é que era o mercado discográfico nacional até então?

- E o mercado externo, de que forma é que veio influenciar a fundação da


Discos Orfeu?

- Onde é que a Discos Orfeu veio inovar?

- Na página da Associação José Afonso, Arnaldo Trindade afirma que “Não


existem discos sem editores e um editor tem que ser independente, como um
juiz imparcial” como é que a Discos Orfeu se posicionava face ao regime
ditatorial da altura?

- De que forma é que a Discos Orfeu foi importante no movimento


revolucionário que suscitou o 25 de Abril?

- Que cuidados é que se tinha de ter para editar musica nessa época?

- Sendo o seu pai importador dos eletrodomésticos Philco e tendo lançado em


Portugal discos da PolyGram como é que avalia o mercado discográfico no
tempo do seu pai e no seu tempo em que funda (1956?) a discos Orfeu? Que
diferenças sofreu?

- O facto de viajar muito e de passar muito tempo nos Estados Unidos foi
crucial na fundação da Discos Orfeu?

- Quando é que se dá a mudança da poesia para a musica? Porquê? O que é que


suscitou essa mudança?

103

- Quais os primeiros artistas que fizeram parte da Discos Orfeu?

- Como é que faziam as gravações?

- Onde é que os artistas da Orfeu gravavam?

- Como é que avalia o mercado discográfico desde o aparecimento da Orfeu


ate aos dias de hoje?

- De que forma é que as novas tecnologias de gravação influenciaram o


mercado discográfico?

- Como é que vê o mercado discográfico de hoje em dia?

Muito obrigado Arnaldo por ter aceite o meu convite e assim dou por
concluída a entrevista.

104

Entrevista a João Pedro Castro:


Viva João e obrigado por ter aceite participar na minha entrevista.

- Bom dia João, tendo você mais de 30 anos de experiencia em estúdios de


gravação como é que começa esta aventura?

- Quem foi ou foram o seu mentor / mentores? O que é que aprendeu com ele
/ eles?

- Que historias é que eles lhe contavam sobre o mundo da gravação?

- Com quem é que eles aprenderam?

- Qual foi a primeira tecnologia que o João usou para captar som?

- Onde e em que circunstancias foram realizadas as suas primeiras captações?

- Com quem é que foram realizadas?

- De que forma é que a evolução tecnológica teve impacto no mundo da


gravação sonora?

- Ao visualizarmos a sua página no LinkedIn tomamos conehcimento que o


João assume funções como director técnico no Namouche em Janeiro de
1992, como é que se dá esta experiencia?

- Tendo sido fundado a 1972 como estúdio pertencente á Rádio Trunfo como é
que avalia o aparecimento do Namouche na comunidade musical na altura?

- Qual a sua importância enquanto estúdio ao longo de todos estes anos de


actividade?

- Qual o equipamento que tinha disponível para gravar quando chegou ao


Namouche?

105

- Que mudanças de equipamento de gravação se deram no Namouche?

- Quais foram as principais mudanças que o João sentiu no Namouche desde


que lá entrou ate a Janeiro de 1986 (estou correcto?) até Julho de 2013 ano
em que abandona o estúdio?

- Porque é que o abandona?

- Que experiencias traz consigo?

- Que reflexão faz sobre o papel da Rádio Triunfo ao longo da historia?

- Qual a reflexão do João ajudante de armazém do Riso & Ritmo até á direcção
técnica no Namouche em relação ao mercado discográfico?

- Em entrevistas a José Fortes e a Hugo Ribeiro ambos salientam a


importância do saber ouvir no que diz respeito ás competências de um
técnico de som. De que forma é que as novas tecnologias de gravação
(compressores, Reverbs, EQ) vieram tornar mais “surdo” o técnico de som ou
insensiblizá-lo a ouvir?

Obrigado João pelo tempo concedido, e assim dou por concluída a entrevista.

106

Entrevista a José Fortes


Boa noite José Fortes e obrigado por me conceder esta entrevista.

Eu sei que o José Fortes entra muito novinho para o mundo da gravação sonora
com apenas 13 anos.

- Quando e em que circunstancias entra José Fortes para o mundo do som?



- Quem são os seus mentores?


- Quem eram as referencias dos seus mentores?

- O que é que aprendeu com eles?


- Que historias é que eles lhe contavam sobre as técnicas de gravação?

- Numa entrevista á Restart, José Fortes conta-nos que começou a gravar
com fio de aço. De que tipo de equipamento estamos a falar?

- Como era operar com este equipamento? Quais as suas principais


características e limitações?

- Em que estúdio é que operava com este tipo de equipamento?

- Na altura as gravações eram todas monofónicas?

- Qual é que era o equipamento standard para os estúdios em Portugal?

- E no estrangeiro? Havia outro equipamento?

- Quais as lacunas tecnológicas nos nossos estúdios comparativamente com


os estúdios lá de fora?


- Quando é que começa a operar com fita magnética?

107

- Alem do fio de aço e da fita magnética, já mencionados, chegou a operar


com outro equipamento até á era do digital?

- Tendo o privilegio de ter vivenciado uma longa carreira e de ter passado
pelas várias fases de transição tecnológica no mundo do som como é que
sentiu a evolução da tecnologia de gravação ate aos nossos dias?

- Tendo gravado artistas tão diversos como Michel Giacometti, Zeca Afonso,
Fausto, Sérgio Godinho, UHF entre muitos outros como é que viu a
evolução do mercado discográfico ate aos nossos dias?


- De que forma é que o aparecimento de novas tecnologias suscitou uma
mudança no mercado?

- Na mesma entrevista que deu a Cajó refere que a maioria dos técnicos de
som da nova geração não sabem ouvir nem há nenhuma escola que os
ensine. Como é que se aprende a ouvir?

- Sei que o José Fortes passou pela fase de transição do período ditatorial
ate ao período de democracia. Como é que era o mercado discográfico no
tempo da ditadura?

- Como é que era o ambiente dentro de um estúdio?

- O estúdio era um sítio mais subversivo do que os locais do dia-a-dia?

- No livro “A nossa telefonia – 75 anos de rádio publica em Portugal”


Joaquim Vieira refere que foi em 1951 com “As Pupilas do Sr. Reitor” que
se deu as primeiras emissões de variedades com publico no estúdio,
estando ligado desde cedo á Emissora Nacional como é que vê a evolução
da rádio no nosso país?

- Como é ter um estúdio móvel? Quais as vantagens e desvantagens em
relação a um estúdio convencional?

Muito obrigado José Fortes pelo tempo que me disponibilizou e assim dou por
concluída a minha entrevista.

108

You might also like