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Interpretando os certificados de calibração

Quais os principais pontos a serem analisados num certificado de calibração, os erros mais comuns de
interpretação e as formas para definição do critério de aceite do instrumento calibrado?

Rodrigo Otávio Teixeira Neto

A norma NBR ISO/IEC 17025 [1] é considerada no momento, a mais adequada para comprovar a competência gerencial e técnica
dos laboratórios de ensaios. Do ponto de vista metrológico, é extremamente importante e fundamental a comprovação da qualidade
dos instrumentos de medição, utilizados nos ensaios que atendam aos requisitos da norma. Para isso, periodicamente, esses
laboratórios enviam, sempre que possível, os seus instrumentos de medição para calibração em empresas calibradoras,
pertencentes à Rede Brasileira de Calibração (RBC). Contudo, muitas vezes os técnicos dos laboratórios de ensaios enfrentam
dificuldades na interpretação dos certificados recebidos. Essas dificuldades podem levar a interpretações inadequadas colocando
em risco os resultados das medições, mesmo com instrumentos considerados calibrados.

Também, é importante definir adequadamente um critério de aceite para dar aprovação ao instrumento calibrado. Todos esses
tópicos são discutidos neste artigo, com a finalidade de tornar mais clara a importância de cada um deles e de evidenciar os
cuidados que devem ser tomados, para que ao final sejam tomadas decisões corretas, com maior garantia da qualidade das
medições efetuadas.

É muito importante uma boa especificação do que se quer do processo de calibração, bem como a escolha do fornecedor. Contudo,
muitas vezes não se dá a devida importância a essa fase, o que pode trazer problemas no uso dos resultados. É nesta fase que se
deve definir a máxima incerteza com que se quer a calibração, os pontos que se quer calibrar, estabelecendo, sempre que possível,
uma faixa mais ampla do que a faixa de uso, para evitar o efeito dos extremos, onde as incertezas tendem a ser maiores. Pode-se
especificar a necessidade ou não de ajuste acima de um certo valor de erro ou tendência e outros requisitos que sejam relevantes
para o instrumento sob calibração.

Todo certificado de calibração traz obrigatoriamente uma série de informações úteis ao processo metrológico, visando garantir a
rastreabilidade das medidas realizadas com o instrumento calibrado, como: os padrões utilizados, o método empregado etc. A
norma NBR ISO/IEC 17025 [1], nos itens 5.10.2 e 5.10.4, solicita uma série de informações que devem estar presentes no
certificado de calibração e que o usuário do certificado deve sempre conferir se foram fornecidas pelo provedor do ensaio. Os dados
que devem estar sujeitos a uma avaliação mais criteriosa são aqueles que mostram a relação entre as medidas do instrumento sob
calibração e o padrão da empresa calibradora, a incerteza expandida observada na calibração, possíveis erros ou tendência etc.

Alguns certificados apresentam esses dados com unidades diferentes. Por exemplo, as medidas numa unidade e a incerteza e os
desvios em outra. Outros não estabelecem claramente se os dados são do instrumento sob calibração, ou do padrão da empresa
calibradora. Já outros apresentam as incertezas e os desvios em percentagem e as medidas em uma unidade física. Outros ainda
apresentam um valor único de incerteza para toda uma faixa de calibração em contraposição a incertezas específicas para cada
ponto de calibração.

Todas essas variações podem causar, obviamente, erros de interpretação. Portanto, a análise dos dados de um certificado de
calibração exige cuidados para não ser enganado com essas diferenças. Se alguma coisa parece um pouco estranha, ou
incompatível com o resultado esperado é bom que se verifique com mais cuidado cada detalhe do certificado, pois podem estar
presentes algumas das variações acima mencionadas.

Após esse cuidado é preciso ter clareza da variável que se vai medir com o instrumento e para a qual é importante saber a
correspondência com o padrão, os possíveis desvios e a incerteza, pois esses dados são fundamentais para a aprovação do
instrumento para uma determinada medição. O critério de aceite do instrumento para uma determinada medição é estabelecido para
assegurar que o risco de um equipamento de medição produzir resultados com erros inaceitáveis permaneça dentro de limites
aceitáveis, ou seja, o que se quer é que o erro imputável à calibração seja tão pequeno quanto possível. Na maioria das áreas de
medição não deveria ser maior do que um terço e, de preferência, um décimo do erro permissível do equipamento comprovado
quando em uso [2]. Portanto, geralmente o critério de aceite é definido em função da tolerância do processo. Normalmente é
utilizado um fator, que varia de 3 a 10, para dividir a tolerância, dependendo da importância do processo e da probabilidade de erro

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na medida que se pode admitir. A aplicação do fator 3 é o critério mais frouxo, enquanto o fator 10 é o mais apertado, ou seja, o
primeiro admite maior probabilidade de erro na medida, enquanto o segundo é mais rigoroso e com menor probabilidade de erro.
Normalmente, o primeiro critério é aceito para medidas de processos ou produtos menos sofisticados (Ex.: controle de peso de
embalagens de biscoito), com menores riscos de segurança, enquanto no outro extremo estão os processos ou produtos mais
sofisticados e com elevado risco de segurança (Ex.: controle da espessura de um componente de freio).

A aplicação de um fator mais rigoroso leva, respectivamente, a exigência de instrumentos mais sofisticados e com custos mais
elevados e, também, de uso normalmente mais difícil e vice-versa. Portanto, a definição desse fator não é tão trivial e precisa ser
bem estudada na empresa em função da segurança que se quer alcançar no processo de medição, podendo até variar de um
processo para outro. Quando se trabalha com um fator mais elevado, o que normalmente ocorre é que a variação devida ao
instrumento é muito menor do que a variação do processo medido, o que é altamente desejável, mas nem sempre possível por
questões de custo. Em contrapartida, quando se trabalha com o fator menor é possível que a variação devida ao instrumento
mascare um pouco a variação devida ao processo.

A norma NBR ISO 10012-1, 1993 [2] recomendava a utilização de um fator entre 3 e 10, já a sua versão mais nova de 2004 [3] omite
qualquer recomendação a esse respeito. A norma NBR ISO/IEC 17025 [1] não estabelece critério relacionado a isso, mas de acordo
com [4] a norma ANSI/NCSL Z540-1, muito usada nos EUA para laboratórios de calibração, estabelece que a incerteza coletiva (the
collective uncertainty) de um padrão de medição não deve exceder 25% da tolerância aceitável para cada característica, ou seja,
uma taxa de acurácia de 4:1, o que equivale a aplicação de um fator 4. Depreende-se de tudo isso que é importante levar em
consideração esse fator no estabelecimento do critério de aceite de um instrumento calibrado, para maior garantia da qualidade da
medição a ser realizada.

Por exemplo, em um ensaio cujo método estabelece que a temperatura do banho seja controlada em 80 ± 2ºC, o técnico pretende
utilizar um termômetro-controlador cujos dados de calibração são os apresentados do Quadro 1.

Quadro 1. Resultados da calibração do termômetro-controlador.

Valor da Valor Medido Erro Incerteza


Referência Expandida *

(ºC) (ºC)
(ºC) ± (ºC)

58,4 60 +1,6 0,5

88,5 90 +1,5 0,5

119,0 120 +1,0 0,5

149,9 150 +0,1 0,5

170,0 170 0,0 0,5

*Fator de abrangência k=2 para um nível de confiança de aprox. 95%.

Como no laboratório o critério de aceite estabelecido usa um fator 3, há necessidade de se utilizar um instrumento cuja incerteza
total não seja superior a 1,3ºC, que é o resultado da divisão da tolerância (campo de tolerância) pelo fator utilizado no laboratório.
Como se calcula a incerteza total? Se o instrumento não apresenta erro ou tendência a incerteza total é a própria incerteza
expandida. Normalmente, se utiliza a maior incerteza obtida em todo o intervalo de calibração. Se, no entanto, um certo erro foi
também observado, uma alternativa é somar à incerteza expandida o maior erro observado em todo o intervalo de calibração (em
módulo) para se obter a incerteza total. Essa soma não é propriamente correta por se somar uma variância com um número puro,
mas é aceita como uma aproximação com certa segurança.

Somando-se então o maior erro observado na calibração com a incerteza expandida, chega-se a um valor de incerteza total de
2,1ºC e à conclusão de que esse instrumento não pode ser utilizado para controlar a temperatura do banho no ensaio. Contudo,
como sempre que possível é desejável que se faça a correção do erro de leitura, se for feita uma curva de correção, para ajuste
matemático dos valores medidos aos valores da referência, a situação poderá mudar e o instrumento ser aprovado para o controle
da temperatura do banho. Nesse caso os dados precisam ser corrigidos por meio de uma regressão. No exemplo, usando os dados
do Quadro 1, são feitos os cálculos da regressão e se chega a um valor de R2 = 0,999, obtendo-se a seguinte equação de correção:

Yest = -2,78 + 1,016X (1)

X = Valor medido no instrumento calibrado

Yest = Valor da medida corrigido

Aplicando na equação 1 os valores medidos apresentados no Quadro 1, chega-se aos valores corrigidos que deverão ser usados
com essas leituras, conforme apresentados no Quadro 2.

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Quadro 2. Resultados da calibração do termômetro-controlador após correção dos erros pela regressão.

Valor da Valor Medido Erro Incerteza


Referência Expandida *

Corrigido (ºC)
(ºC) ± (ºC)

(ºC)

58,4 58,2 -0,2 0,5

88,5 88,7 +0,2 0,5

119,0 119,1 +0,1 0,5

149,9 149,6 -0,3 0,5

170,0 169,9 -0,1 0,5

*Fator de abrangência k=2 para um nível de confiança de aprox. 95%.

Como a incerteza total agora é inferior a 1,3ºC o


Com esses novos dados de erros é feita nova estimativa da incerteza total, que resulta agora em 0,8ºC.
instrumento pode ser usado, desde que suas medidas sejam corrigidas pelo uso da equação de regressão. Uma alternativa mais
precisa, mas mais trabalhosa para esse cálculo é fazer a correção por meio da regressão e, no cálculo da incerteza total, substituir o
erro pela incerteza da regressão, já que a regressão não corrige totalmente os dados em todos os pontos de calibração. Tem-se
então uma nova equação para o cálculo da incerteza total:

IT = k (Ic2 + Ir2)1/2 (2)

Ic = Incerteza combinada = U/k (3)

Ir = Incerteza da regressão = [S (Y – Yest)2/(n-2)]1/2 (4)

U = Incerteza expandida

k = Fator de abrangência

n = Número de pontos calibrados

Y = Valor de referência

Yest = Valor da medida corrigido

Usando as equações acima para cálculo da nova incerteza total se obtém que Ir = 0,24ºC, Ic = 0,25ºC e IT = 0,70ºC. Portanto, um
valor de incerteza total ligeiramente inferior ao obtido pelo método aproximado, confirmando a adequação ao uso do termômetro-
controlador para essa condição de tolerância. Nas empresas, onde geralmente determinados instrumentos têm função muito
específica de controlar uma única variável, tão logo o instrumento chega da calibração, o técnico examina os dados do certificado de
calibração, realiza os cálculos, compara com a tolerância da variável de controle e aprova ou não o instrumento proveniente da
calibração. No exemplo anterior, o laboratório é de pesquisas e um mesmo instrumento pode ser utilizado para diferentes controles.
Nesse caso, como as tolerâncias podem variar em cada situação, a cada uso o técnico tem que estar atento para a verificação da
adequação ao uso do instrumento disponível.

Os consumidores de serviços de calibração devem estar cientes de que nenhum serviço de calibração é perfeito, sempre haverá um
certo grau de incerteza em relação ao valor verdadeiro da medida. Por isso, é importante analisar o impacto dessa incerteza no
processo sob controle, ou seja, em função dos resultados da calibração deve ser feita uma análise da adequação ao uso do
instrumento de medida. Nesta fase é importante uma adequada avaliação do critério a ser definido para a decisão quanto a
adequação ao uso. Se essas etapas são cumpridas adequadamente, as medidas realizadas reproduzem mais fielmente o processo
que estão controlando, pois apresentam pequena interferência devida ao instrumento de medida, como é sempre desejável.

REFERÊNCIAS

[1] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). Norma NBR ISO IEC 17025: Requisitos gerais para competência de laboratórios de ensaio e
calibração. 2001, Rio de Janeiro, 20p.

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[2] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). Norma NBR ISO 10012-1: Requisitos de garantia da qualidade para equipamento de medição.
Parte 1: Sistema de comprovação metrológica para equipamento de medição. 1993, Rio de Janeiro, 14p.

[3] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). Norma NBR ISO 10012: Sistemas de gestão de medição – Requisitos para os processos de
medição e equipamento de medição. 2004, Rio de Janeiro, 20p.

[4] Morse, J & Faison, D. A comparison of ANSI/NCSL Z540-1-1994 Part I and ANSI/ISO/IEC 17025:2000. www.hartscientific.com/publications/17025.htm

Rodrigo Otávio Teixeira Neto é da Team Consulting Desenvolvimento Organizacional - rotneto@terra.com.br

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