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O estado anímico do eu lírico não é só de um total desinteresse diante da vida,

mas, primeiramente, da vontade de morrer. O sono, no primeiro verso, é como se fosse


um ensaio à morte, o que o sujeito não quer mais. Colocado de modo consequencial,
terminando a vida também terminam as dores, o que implica afirmar que as dores não só
faziam parte da vida, mas a resumiam. Chama atenção que nesse segundo verso, as
dores são de um coletivo que o eu lírico menciona. No início parece falar consigo
mesmo, porém no segundo verso há uma integração feita do eu lírico ao coletivo. É
interessante perceber que o poema inicia com verbos no infinitivo impessoal, em que o
sujeito não está definido.

No terceiro verso, a cena do enterro é de imediato expressa na imagem que se


faz de “punhado de terra” e “flores”. Aqui a ausência de verbo indica já o desinteresse
em descrever seu desejo (eu lírico), como também estratégia do poeta, que opta por
direcionar um cenário que vem à mente do leitor, sendo possível “ver” as flores sendo
jogadas levemente. Fechando a estrofe, há a descrença no outro: “lágrima fingida” aqui,
uma vez que o eu lírico nos coloca no cenário de seu próprio enterro, remete a pessoas
que estão lá e fingem ser amigas, fingem o pesar de sua morte, porém ele tem a
convicção de que sua morte “não será sentida”, como já dá sequência na segunda
estrofe. Nos dois últimos versos ele mostra que a hipocrisia de suas poucas relações
continuará até mesmo no enterro. O sentimento de rebaixamento de autoestima, nesse
caso, é um dos “sintomas” característicos da melancolia, como explicado em Freud.

Um sentimento de ódio e/ou perseguição, um até possível vitimismo parece


resumir o terceiro verso da segunda estrofe, em que o sujeito se mostra traído por
amigos e amores, como se fossem assassinos que o desprezaram já em estado frágil
(algozes vis de uma alma consumida).

Na terceira estrofe, o sujeito poético expressa indiferença ao mundo real, que é “pobre”,
no sentido de que tudo ao seu entorno carece de sentido. Interessante notar que nem a
natureza o toca. Aqui há três particularidades a observar, nesta ordem: o mundo,
natureza e o sujeito lírico. O mundo pode desabar e, com isso, acabar com a natureza,
pois esta já está morta, não só para ele, mas nele também. Há que se considerar o que
Kristeva (1989), apoiada em Freud, diz: a melancolia narcísica apresenta uma pulsão
(de morte) na desunião com a pulsão de vida.
Ao referir-se a “exílio”, na última estrofe, o eu lírico nos faz pensar que ele não
está em seu lugar de origem, há aí uma perda ou uma inexistência de sua identidade.
Aqui pode-se perguntar: exílio de onde? Qual é o objeto perdido? Aqui, o eu lírico “tem
o sentimento de ser deserdado de [...] alguma coisa irrepresentável, que talvez só uma
[...] invocação pudesse indicar, mas que nenhuma palavra poderia significar”
(KRISTEVA, 1989, p.19). A vida é a prisão, o real, o material. O fim do exílio é passar
ao domínio do sono e do sonho: libertação da matéria, apenas um espírito e seus
sentimentos. É a passagem para um outro estado, onde o espírito é livre do mundo
material, que o eu lírico despreza, e vai-se observando um progressivo abandono do
mundo, estrofe a estrofe. O sujeito chama a morte e pede para ser transportado ao nada
(pois não sabe como é e não pode defini-la), mesmo não tendo certeza do que vai
encontrar... porém fala em dormir novamente e aponta para a esperança de sonho.
Kristeva argumenta que a tristeza, para o melancólico, é o único objeto. Em um caso de
ideação de fim da vida, como no poema de Francisco Otaviano, essa ideação seria uma
reunião com esse impossível sentido, plenitude (em alguns casos amor) que sempre está
em outro lugar, “como as promessas do nada, da morte”.

O início do poema é categórico, com o verso /termina a vida/, mas no último parece que
há uma esperança. Talvez esse eu lírico queira a morte do físico para ingressar em um
plano espiritual e então começar uma vida de verdade. É também a morte da hipocrisia,
do sofrimento, da mediocridade e passagem para um estado superior da consciência,
onde talvez haja esperança (sonho).

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