You are on page 1of 32

A PESSOA TOTAL: DICOTOMIA OU TRICOTOMIA?

por

Anthony Hoekema

Um dos aspectos mais importantes da visão cristã do homem é a de que devemos


vê-lo em sua unidade, como uma pessoa total. Os seres humanos têm sido imaginados
como consistindo de partes separadas e, algumas vezes, de partes distintas, que são, dessa
forma, abstraídas da totalidade. Assim, nos círculos cristãos, tem sido crido do homem
como consistindo tanto de “corpo” e “alma” como de “corpo”, “alma” e “espírito”. Tanto
os cientistas seculares como os teólogos cristãos, contudo, estão reconhecendo
gradativamente que tal entendimento dos seres humanos está errado, e que o homem deve
ser visto como uma unidade. Visto que nossa preocupação é com a doutrina cristã do
homem, devemos dar uma nova olhada para o ensino bíblico a respeito dos seres
humanos, para ver se de fato isto é assim.

O que devemos observar primeiro de tudo é que a Bíblia não descreve o homem
cientificamente; na verdade, o julgamento (dos teólogos) é que a Bíblia não nos dá
nenhum ensino científico a respeito do homem, nenhuma “antropologia” que deveria ou
poderia estar em competição com uma investigação científica do homem nos vários
aspectos de sua existência ou com a antropologia filosófica. [1]

Além disso, a Bíblia não usa uma linguagem científica exata. Ela usa termos
como alma, espírito e coração mais ou menos indistintamente. Isto é por causa das partes
do corpo que são tidas, não primariamente do ponto de vista de suas diferenças ou de suas
inter-relações com outras partes, mas como significando ou enfatizando os diferentes
aspectos do homem total em relação a Deus. Do ponto de vista da psicologia analítica e
da fisiologia, o uso do Antigo Testamento é caótico: ele é o pesadelo do anatomista
quando qualquer parte pode ser entendida como sendo a totalidade. [2]

Portanto, não é impossível construir uma psicologia bíblica exata e científica.


Alguns têm tentado fazer isso. Um dos mais notáveis nessa tarefa é Franz Delitzsch, cujo
livro System of Biblical Psychology foi originalmente publicado em 1855. Mas mesmo
Delitzsch teve que admitir que “a Escritura não é um livro escolástico [or didática] de
ciência” e que “é verdade que em assuntos psicológicos, assim tão pouco quanto em
assuntos éticos ou dogmáticos, a Escritura abrange (ou contém) qualquer sistema
proposto na linguagem das escolas”. [3]

Em 1920, o teólogo holandês Herman Bavinck escreveu um livro intitulado Biblical


and Religious Psychology (Psicologia Bíblica e Religiosa). Semelhantemente a Delitzsch,
ele admitiu que [a Bíblia] não nos fornece uma psicologia popular ou científica mais do
que ela nos proporciona uma narrativa [schets] da história, geografia, astronomia ou
agricultura... Mesmo se alguém desejasse tentar, seria impossível retirar da Bíblia uma
psicologia que pudesse satisfazer as nossas necessidades. Porque não somente seria
impossível ter uma narrativa completa de todos os vários dados, mas também as palavras
que a Bíblia usa, tais como espírito, alma, coração e mente, foram emprestadas da
linguagem popular dos judeus daqueles dias, ordinariamente possuindo um conteúdo
diferente daquele que associamos com esses termos, e nem sempre usados no mesmo
sentido. As Escrituras nunca usam conceitos abstratos e filosóficos, mas sempre falam a
rica linguagem do dia a dia. [4]

Embora não derivemos uma antropologia ou psicologia científica exata da Bíblia,


podemos aprender da Escritura muitas verdades importantes a respeito do homem. Na
verdade, isso é o que tentamos fazer nos capítulos anteriores deste livro. Deveríamos nos
lembrar novamente que a coisa mais importante que a Bíblia diz a respeito do homem é
que ele está inescapavelmente relacionado a Deus. Berkouwer coloca este assunto da
seguinte maneira: “Podemos dizer sem medo de contradição que a coisa mais notável no
retrato bíblico do homem repousa nisto: que nunca chama a atenção para o homem em
si mesmo, mas exige a nossa atenção mais plena para o homem em sua relação com
Deus.” [5] Podemos acrescentar que a Bíblia também dirige nossa atenção para o homem
à medida em que ele se relaciona com os outros seres humanos e com a criação. [6] Em
outras palavras, as Escrituras não estão primariamente interessadas nas “partes”
constituintes do homem ou na sua estrutura psicológica, mas nos relacionamentos que ele
mantém.
TRICOTOMIA OU DICOTOMIA?

Vez por outra, entretanto, tem sido sugerido que o homem deveria ser entendido como
consistindo de certas “partes” especificamente distintas. Um desses entendimentos é
usualmente conhecido como tricotomia — a ideia que, segundo a Bíblia, o homem
consiste de corpo, alma e espírito. Um dos proponentes mais antigos da tricotomia, como
vimos, é Irineu, que ensinava que enquanto os incrédulos possuíam somente almas e
corpos, os crentes adquiriam espíritos adicionais, que eram criados pelo Espírito
Santo. [7] Um outro teólogo que usualmente está associado com a tricotomia é Apolinário
de Laodicéa, que viveu de 310 a aproximadamente 390 AD. A maioria dos intérpretes
atribuem a ele a idéia de que o homem consiste de corpo, alma e espírito ou mente
(pneuma ou nous), e que o Logos ou a natureza divina de Cristo tomou o lugar do espírito
humano na natureza humana que Cristo assumiu. [8]Berkouwer, contudo, assinala que
Apolinário desenvolveu primeiro a sua cristologia errônea em um contexto
de dicotomia. [9] Mas J. N. D. Kelly diz que é uma questão de importância secundária
se Apolinário era um dicotomista ou tricotomista. [10]

A tricotomia foi ensinada no século XIX por Franz Delitzsch, [11] J. B. Heard, [12] J. T.
Beck, [13] e G. F. Oehler. [14] Mais recentemente tem sido defendido por escritores
como Watchman Nee, [15] Charles R. Solomon (que afirma que através do seu corpo, o
homem relaciona-se com o ambiente, através de sua alma com os outros, e do seu espírito
com Deus), [16] e Bill Gothard. [17] É interessante observar que a tricotomia é também
defendida na antiga e na nova Scofield Reference Bible. [18] A despeito deste apoio,
devemos rejeitar a visão tricotomista da natureza humana.

Primeiro, ela deve ser rejeitada porque ela parece fazer violência à unidade do homem.
A palavra em si mesma sugere que o homem pode ser separado em três “partes”: a
palavra tricotomia é formada de duas palavras gregas, tricha, “tríplice” e temnein,
“cortar. Alguns tricotomistas, incluindo Irineu, até sugeriram que certas pessoas tinham
os seus espíritos cortados, enquanto que outras não.

Segundo, devemos rejeitá-la porque ela freqüentemente pressupõe uma antítese


irreconciliável entre espírito e corpo. Realmente, a tricotomia originada na filosofia
grega, particularmente na concepção de Platão, que possuia também um entendimento
tríplice da natureza humana. Herman Bavinck levanta uma discussão útil deste assunto
no seu livro Biblical Psychology. Ele assinala que em Platão e em outros filósofos gregos
havia uma aguçada antítese entre as coisas visíveis e as invisíveis. O mundo como
substância material não foi criado por Deus, diziam os gregos, mas sempre esteve contra
ele. Um poder intermediário se fazia necessário para que pudesse haver ligação entre o
mundo e Deus, e, assim, haver harmonia entre eles — este era o mundo da alma. A idéia
do homem, encontrada no pensamento grego, pensa Bavinck, é semelhante: o homem é
um ser racional que possui razão (nous), mas ele é também um ser material que tem um
corpo. Entre esses dois deve haver uma terceira realidade que age como mediador: a alma,
que é capaz de dirigir o corpo em nome da razão. [19]

A Bíblia, contudo, não ensina qualquer tipo de distinção aguda entre espírito (ou mente)
e corpo. Segundo as Escrituras, a matéria não é má porque foi criada por Deus. A Bíblia
nunca denigre o corpo humano como uma fonte necessária do mal, mas o descreve como
um aspecto da boa criação de Deus, que deve ser usado no serviço de Deus. Para os gregos
o corpo era considerado “uma sepultura para a alma” (soma sema) que o homem
alegremente abandonava na morte, mas esta idéia é totalmente estranha às Escrituras.

Devemos rejeitar também a tricotomia porque ela faz uma aguda distinção entre o
espírito e a alma que não encontra suporte algum nas Escrituras. Podemos ver isto mais
claramente quando observamos que as palavras hebraica e grega traduzidas
como alma e espírito são freqüentemente usadas indistintamente nas Escrituras.

1. O homem é descrito na Bíblia tanto como alguém que é corpo e alma como alguém
que é corpo e espírito: “Não temais aqueles que matam o corpo mas não podem matar a
alma” (Mt 10.28); “Também a mulher, tanto a viúva como a virgem, cuida das coisas do
Senhor, de como agradar ao Senhor, assim no corpo como no espírito” (1 Co 7.34);
“Como o corpo sem o espírito está morto, assim a fé sem as obras é morta” (Tg 2.25).

2. A dor é atribuída tanto à alma como ao espírito: “Levantou-se Ana e, com amargura
de espírito, orou ao Senhor, e chorou abundantemente” (1 Sm 1.10); “Porque o Senhor
te chamou como a mulher desamparada e de espírito abatido; como a mulher da mocidade,
que fora repudiada, diz o teu Deus” (Is 54.6); “Agora está angustiada a minha alma” (Jo
12.27); “Ditas estas cousas, angustiou-se Jesus em espírito” (Jo 13.21); “Enquanto Paulo
os esperava em Atenas, o seu espírito se revoltava, em face da idolatria dominante na
cidade” (At 17.16); “(Porque este justo [Ló], pelo que via e ouvia quando habitava entre
eles, atormentava a sua alma justa, cada dia, por causa das obras iníquas daqueles)” (1 Pe
2.8).

3. O louvor e o amor a Deus são atribuídos tanto a alma como ao espírito: “A minha alma
engrandece ao Senhor e o meu espírito se alegra em Deus meu Salvador” (lc 1.46-47);
“Amarás, pois, o Senhor teu Deus de todo o teu coração e de toda a tua alma, de todo o
teu entendimento e de toda a tua força” (Mc 12.30).

4. A salvação é associada tanto à alma como ao espírito: “Acolhei com mansidão a


palavra implantada em vós, a qual é poderosa para salvar as vossas almas” (Tg 1.21);
“...entregue a Satanás, para a destruição da carne, a fim de que o espírito seja salvo, no
dia do Senhor” (1 Co 5.5).

5. O morrer é descritivo tanto como uma partida da alma como do espírito: “Ao sair-lhe
a alma (porque morreu), deu-lhe o nome de Benoni” (Gn 35.18); “E estendendo-se três
vezes sobre o menino, clamou ao Senhor, e disse: Ó Senhor meu Deus, que faças a alma
deste menino tornar a entrar nele” (1 Rs 17.21); “Não temais os que matam o corpo e não
podem matar alma; temei antes aquele que pode fazer perecer no inferno tanto a alma
como o corpo” (Mt 10.28); “Nas tuas mãos entrego o meu espírito” (Sl 31.5); “E Jesus
clamando outra vez com grande voz, entregou o espírito” (Mt 27.50); “Voltou-lhe o
espírito, ela imediatamente se levantou”(Lc 8.55); “Então Jesus clamou em alta voz: Pai,
nas tuas mãos entrego o meu espírito!” (Lc 23.46); “E apedrejavam a Estevão que
invocava e dizia: Senhor Jesus, recebe o meu espírito!” (At 7.59).

6. Aqueles que já haviam morrido eram algumas vezes chamados tanto de almas e outras
vezes deespíritos: Mt 10.28, citado acima; “Quando ele abriu o quinto selo, vi debaixo do
altar as almas daqueles que tinham sido mortos por causa da palavra de Deus e por causa
do testemunho que sustentavam” (Ap 6.9); “e a Deus, o juíz de todos, e aos espíritos dos
justos aperfeiçoados “ (Hb 12.23); “Pois também Cristo morreu...para conduzir-vos a
Deus; morto, sim, na carne, mas vivificado em espírito, no qual também foi e pregou aos
espíritos em prisão, os quais noutro tempo foram desobedientes quando a longanimidade
de Deus aguardava nos dias de Noé” (1 Pe 3.18-20).
Os tricotomistas freqüentemente apelam para duas passagens do Novo Testamento: Hb
4.12 e 1 Ts 5.23, para dar suporte ao seu conceito, mas nenhuma dessas passagens prova
o ponto deles.

Hebreus 4.12 diz o seguinte:

Porque a Palavra de Deus é viva e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois
gumes, e penetra até o ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e apta para
discernir os pensamentos e propósitos do coração.

Estas palavras descrevem o poder penetrante da palavra de Deus. O autor de Hebreus não
pretende dizer que a palavra de Deus causa uma divisão entre uma “parte” da natureza
humana chamada alma e outra “parte” chamada espírito, assim como não pretende dizer
que a palavra causa uma divisão entre as juntas do corpo e a medula encontrada nos ossos.
A linguagem é figurativa. A cláusula seguinte aponta para o intento do autor: ele deseja
dizer que a palavra de Deus discerne “os pensamentos e atitudes (ou intenções) do
coração”. A palavra de Deus (seja ela entendida como a Escritura ou como Jesus Cristo)
penetra nos recônditos mais interiores de nosso ser, trazendo à luz os motivos secretos de
nossas ações. Esta passagem, na verdade, está em paralelo com um texto de Paulo: “[o
Senhor] não somente trará à plena luz as cousas ocultas das trevas, mas também
manifestará os desígnios dos corações” (1 Co 4.5). Não há, portanto, nenhuma razão para
se entender Hebreus 4.12 como ensinando uma distinção psicológica entre alma e espírito
como sendo duas partes constituintes do homem.

A outra passagem é 1 Tessalonicenses 5.23, onde se lê:

O mesmo Deus da paz voz santifique em tudo; e o vosso espírito,


alma e corpo, sejam conservados íntegros e irrepreensíveis na
vinda de nossos Senhor Jesus Cristo.

Deveríamos observar primeiro que esta passagem não é uma afirmação doutrinária, mas
uma oração. Paulo ora para que seus leitores tessalonicenses possam ser santificados e
completamente preservados ou guardados por Deus até que Cristo volte novamente. A
totalidade da santificação, pela qual Paulo ora, é expressa no texto por duas palavras
gregas. A primeira, holoteleis, é derivada de holos, significando a totalidade, e telos,
significando a finalidade ou o alvo; a palavra significa “a totalidade de modo que se
alcance o alvo”. A Segunda palavra, holokleron, derivada de holos e kleros, porção ou
parte, significa “completa em todas as suas partes”. É interessante observar que na
segunda metade da passagem, ambos o adjetivos holokeron e o verbo teretheie (“possam
ser guardados ou preservados”) estão no singular, indicando que a ênfase do texto está
sobre a totalidade da pessoa. Quando Paulo ora pelos tessalonicenses para que o espírito,
alma e corpo possam ser guardados, ele não está tentando separar o homem em três partes,
mais do que Jesus pretendeu fazer em quatro partes quando disse: “Amarás o Senhor teu
Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de toda a
tua força (Lc 10.27). Esta passagem, portanto, também não proporciona qualquer base
para a visão tricotômica da constituição do homem. [20]

A outra idéia usualmente sustentada a respeito da constituição do homem é a


chamada dicotomia — a idéia de que o homem consiste de corpo e alma. Esta visão tem
sido mais largamente sustentada do que a tricotomia. Nossa rejeição de tricotomia
significa que devemos optar pela dicotomia? Um número de teólogos afirma esta crença.
Louis Berkhof, por exemplo, crê que “a representação dominante da natureza do homem
na Escritura é claramente dicotômica”. [21]

É minha convicção, contudo, que nós deveríamos rejeitar tanto a dicotomia como a
tricotomia. Como cristãos deveríamos certamente repudiar a dicotomia no sentido em que
os antigos gregos a ensinaram. Platão, por exemplo, formulou a idéia de que o corpo e a
alma devem ser tidos como duas substâncias distintas: a alma pensante, que é divina, e o
corpo. Visto que o corpo é composto de substância inferior chamada matéria, ele é de um
valor inferior à da alma. Na morte simplesmente o corpo se desintegra, mas a alma
racional (ou nous) retorna “aos ceús”, se o seu curso de ação foi justo e honrado, e
continua a existir para sempre. A alma é considerada uma substância superior,
inerentemente indestrutível, enquanto que o corpo é inferior à alma, mortal, e condenado
à destruição total. Não há no pensamento grego, portanto, lugar algum para a ressurreição
do corpo. [22]

Mas mesmo à parte do entendimento grego da dicotomia, que é claramente contrário à


Escritura, devemos rejeitar o termo dicotomia como tal, visto que ele não é uma descrição
exata da visão bíblica do homem. A palavra em si mesma é objetável. Ela vem de duas
raízes gregas: diche, significando “dupla” ou “em duas”; e temnein, significando “cortar”.
Ela, portanto, sugere que a pessoa humana pode ser cortada em duas “partes”. Mas o
homem nesta presente vida não pode ser separado dessa maneira. Como veremos, a Bíblia
descreve a pessoa humana como uma totalidade, um todo, um ser unitário.

O melhor modo de determinar a visão bíblica do homem como uma pessoa total é
examinar os termos usados para descrever os vários aspectos do homem. Antes de fazer
isso, contudo, duas observações devem ser feitas: (1) Como foi dito, a preocupação
primária da Bíblia não é a constituição psicológica ou antropológica do homem mas a sua
capacidade inescapável de relacionar-se com Deus; e (2) devemos sempre Ter em mente
que J. A. T. Robinson diz a respeito do uso que o Antigo Testamento faz destes termos:
“Qualquer parte pode ser tomada pelo todo”, [23] e o que G. E. Ladd afirma a respeito do
uso que o Novo Testamento faz dessas palavras: “A recente erudição tem reconhecido
que termos como corpo, alma e espírito não são diferentes, faculdades separadas do
homem mas diferentes modos de ver a totalidade do homem.” [24]

Com isto em mente, nós trataremos primeiro das palavras do Antigo Testamento e, então
com as encontradas no Novo Testamento.

AS PALAVRAS DO ANTIGO TESTAMENTO

Começamos com a palavra hebraica nephesh, mais comumente traduzida como


“alma”. O léxico Hebraico de Brown, Driver e Briggs [25] dá dez significados para essa
palavra, da qual os mais importantes para o nosso propósito são: “o ser mais interior do
homem”, “o ser vivo” (usado a respeito de homens e animais), [26] “o homem em si
mesmo” (freqüentemente usado como um pronome pessoal: eu mesmo, ele mesmo, etc.;
neste sentido pode significar o homem como um todo), “o lugar dos apetites”, “o assento
das emoções”. A palavra pode, algumas vezes, se referir a uma pessoa falecida, com ou
sem meth(“morta”). É algumas vezes dito que a nephesh morre.

Está claro, portanto, que a palavra nephesh pode significar a pessoa total. Edmond
Jacob diz o seguinte: “Nephesh é o termo usual para a natureza total do homem, para o
que ele é e não apenas pelo que tem... Por isso a melhor tradução em muitos casos é
‘pessoa’”. [27]

A palavra hebraica seguinte é ruach, usualmente traduzida como “espírito”. O significado


da raíz desta palavra é “ar em movimento”; ela é freqüentemente usada para descrever o
vento. Brown-Driver-Briggs listam nove significados, incluindo os seguintes: “espírito”,
“animação”, “disposição”, “espírito de vida e ser que respira morando na carne de homens
e animais” (somente um exemplo deste último: Ec 3.21), “assento das emoções”, “órgão
de atos mentais”, “órgão da vontade”. Ruach, portanto, sobrepõe-se em significado
a nephesh. W. D. Stacey diz:

Quando a referência é feita ao homem em sua relação com Deus, ruach é o termo mais
provável para ser usado..., mas quando referência é feita ao homem em relação a outros
homens, ou o homem vivendo a vida comum dos homens, então nephesh é mais provável,
se um termo psíquico é exigido. Em ambos os casos a totalidade do homem está
envolvida. [28]

Portanto, não deve ser pensado de ruach como um aspecto separado do homem, mas
como a pessoa total vista de determinada perspectiva.

Olhamos a seguir para as palavras do Antigo Testamento usualmente traduzidas como


“coração”: lebh elebhabh. Brown-Driver-Briggs dá dez significados para estas duas
palavras, incluindo os seguintes: “o homem mais interior ou alma”, “mente”, “resoluções
da vontade”, “consciência”, “caráter moral”, “o homem em si mesmo”, “o lugar dos
apetites”, “o assento das emoções”, “o assento da coragem”. F. H. Von Meyenfeldt, em
seu estudo final da palavra, conclui que lebh ou lebhabh usualmente representa a pessoa
total e tem uma significação predominantemente religiosa. [29]

A palavra coração não somente é usada no Antigo Testamento para descrever o assento
do pensamento, do sentimento e da vontade; é também a sede do pecado (Gn 6.5; Sl 95.8,
10; Jr 17.9), a sede da renovação espiritual (Dt 30.6; Sl 51.10; Jr 31.33; Ez 36.26), e o
lugar da fé (Sl 28.7; 112.7; Pv 3.5).

Mais do que qualquer outro termo do Antigo Testamento, a palavra coração significa o
homem no mais profundo centro de sua existência, e como ele é no mais profundo do seu
ser. Herman Dooyeweerd, o filósofo holandês, entendeu o coração na Escritura como
sendo “a raiz religiosa da existência total do homem”. [30] A filosofia que ele
desenvolveu enfatiza que o coração é o centro e a fonte de toda a atividade religiosa,
filosófica e moral do homem. Ray Anderson chama o coração de “o centro do eu
subjetivo”. Ele é “a unidade do corpo e da alma na verdadeira ordem deles — ele é a
pessoa”. [31]

Todos esses três termos examinados do Antigo Testamento, portanto, descrevem o


homem em sua unidade e totalidade, embora olhando-o de aspectos ligeiramente
diferentes. H. Wheeler Robinson comenta: “Não é possível fazer uma diferenciação exata
das províncias cobertas pelo ‘coração’, nephesh eruach, pela simples razão de que tal
diferenciação exata nunca foi feita.” [32]

A próxima palavra é basar, usualmente traduzida como “carne”. Brown-Driver-Briggs


lista seis significados, incluindo os seguintes: “”carne” (para o corpo), “parentesco de
sangue”, “homem contra Deus como fraco e errante”, “raça humana”. N. P. Bratsiotis diz
que basar é mais freqüentemente usado no Antigo Testamento para “o aspecto externo e
carnal da natureza humana”. [33] Ele continua a dizer que quando basar é distinto do
aspecto externo do homem e nephesh é entendido como sendo o aspecto interno, mesmo
assim nunca devemos pensar destas palavras como descrevendo um dualismo de alma e
corpo no sentido platônico.

Ao contrário, basar e nephesh devem ser entendidos como aspectos diferentes da


existência do homem como uma entidade dual. É precisamente esta totalidade
antropológica enfática que é determinante para a natureza dual do ser humano. Ela exclui
qualquer noção de uma dicotomia entre basar enephesh...como irreconciliavelmente
opostos uma a outra, e revela o relacionamento psico-somático mútuo entre elas. [34]

A palavra basar é freqüentemente usada para descrever o homem em sua fraqueza. H. W.


Wolff observa que freqüentemente basar descreve a vida humana como débil e fraca,
dando como exemplo deste uso Jeremias 17.5 – “Maldito o homem que confia no homem,
faz da carne mortal o seu braço”. [35]

Basar pode algumas vezes denotar a pessoa total, não apenas o aspecto físico. [36] Mas
ela pode também ser juntada com nephesh em maneiras que referem ao homem total.
Clarence B. Bass, comentando as palavras do Antigo Testamento para “corpo”, afirma:

Corpo e alma são usados quase que indistintamente, sendo que a alma indica o homem
como um ser vivo, e corpo (carne) denota-o como uma criatura corporalmente
visível...Esta unidade de corpo e alma [tem] conduzido alguns escritores a concluir que o
Antigo Testamento carece de uma idéia do corpo físico como uma entidade
discreta...Mais propriamente, contudo, o Antigo Testamento vê o corpo e a alma como
coordenadas que se interpenetram em funções para formar um todo simples. [37]

Basar, portanto, também é freqüentemente usado no Antigo Testamento para denotar a


pessoa total, embora com ênfase no lado exterior.

Assim, o mundo do pensamento do Antigo Testamento exclui totalmente qualquer


espécie de dicotomia ou dualismo que pinte o homem como feito de duas substâncias
distintas. Como H. Wheeler Robinson diz, “a ênfase final deve cair sobre o fato de que
os quatro termos [nephesh, ruach, lebh ebasar]...simplesmente apresentam aspectos
diferentes da unidade da personalidade.” [38]

AS PALAVRAS DO NOVO TESTAMENTO

A primeira palavra do Novo Testamento que examinaremos é psyche, a palavra grega


equivalente anephesh, usualmente traduzida como “alma”. O léxico do Novo Testamento
Grego de Arndt-Gingrich lista um número de significados para esta palavra, alguns dos
quais são: “princípio de vida”, “vida terreal”, “assento da vida mais interior do homem”
(incluindo sentimentos e emoções), “a sede e o centro da vida que transcende o que é
terreno”, “aquilo que possui vida: uma criatura viva” (plural, pessoas). [39]

Eduard Schweizer afirma que psyche é usado freqüentemente nos Evangelhos para
descrever o homem total, [40] para representar a verdadeira vida em distinção da vida
puramente física, [41] e para referir-se à existência dada por Deus que sobrevive à
morte. [42] Schweizer diz que Paulo usa psychequando se refere à vida natural e à vida
verdadeira; ele freqüentemente usa a palavra para descrever a pessoa. [43] No Livro do
Apocalipse psyche pode ser usada para denotar a vida após a morte (como em
6.9). [44] Está claro, portanto, que psyche, como nephesh, freqüentemente significa a
pessoa total.

Agora nos voltamos para a palavra pneuma, o equivalente do Novo Testamento a ruach,
que quando se refere ao homem é mais usualmente traduzida como “espírito”. O léxico
de Arndt-Gingrich dá oito significados, incluindo os seguintes: “o espírito como parte da
personalidade humana”, “o ego de uma pessoa”, “uma disposição ou estado de mente”.
Schweizer diz que Paulo usa pneuma para as funções físicas do homem, que ele é
freqüentemente um paralelo de psyche, e que pode denotar o homem como um todo, com
ênfase mais forte sobre o seu psíquico do que sobre a sua natureza física. [45]

George Ladd, numa discussão da psicologia paulina, diz-nos que no pensamento de Paulo
o homem serve a Deus com o espírito e experimenta a renovação no espírito. Paulo
algumas vezes contrasta o pneumacom o corpo como a dimensão mais interior em
contraste com lado exterior do homem (2 Co 7.1; Rm 8.10). Pneuma pode descrever a
auto-consciência do homem( 1 Co 2.11). [46] W. D. Stacey argumenta que Paulo não vê
o pneuma como algo que somente o regenerado tem: “Todos os homens têm pneuma
desde o nascimento, mas o pneuma cristão, na comunhão com o Espírito de Deus, assume
um novo caráter e uma nova dignidade” (Rm 8.10). [47]

É interessante observar que pneuma pode se referir à vida após a morte. Como já vimos,
Hebreus 12.23 descreve santos mortos como “os espíritos dos justos aperfeiçoados”, e
ambos, Cristo (Lc 23.46) e Estevão (At 7.59), como moribundos encomendando seus
espíritos a Deus o Pai ou Deus o Filho. Cristo é também dito ter pregado aos “espíritos
em prisão”, obviamente se referindo a pessoas falecidas (1 Pe 3.19).

Pneuma também é em grande parte sinônimo de psyche, as duas palavras freqüentemente


usadas indistintamente no Novo Testamento. Ladd, contudo, sugere uma distinção entre
elas: “O espírito é freqüentemente usado a respeito de Deus; a alma nunca é usada dessa
forma. Isto sugere que pneumarepresenta o homem em seu lado voltado para Deus,
enquanto que psyche representa o homem em seu lado humano.” [48] Em geral, eu
concordo com isto, mas há duas exceções. Por exemplo, a psyche é descrita algumas
vezes como louvando e magnificando o Senhor (Lc 1.46), e Tiago nos diz a respeito da
palavra em nós implantada que é capaz de salvar as nossas almas (psychas, Tg
1.21). Pneuma, está claro, pode ser usado como designativo da pessoa total; como psyche,
ele descreve um aspecto do homem em sua totalidade.

A próxima palavra que olharemos é kardia, a palavra do Novo Testamento equivalente


a lebh e lebhabh, usualmente traduzida como “coração”. Arndt-Gingrich dá o seguinte
sentido principal da palavra: “a sede da vida física, espiritual e mental”. Ele é também
descrito como o centro e a fonte da totalidade da vida mais interior do homem, com seu
pensamento, sentimento e vontade. O coração é também dito ser o lugar de morada do
Espírito Santo.

Johannes Behm semelhantemente descreve o coração no Novo Testamento como o


principal órgão da vida psíquica e espiritual, o lugar no ser humano no qual Deus
testemunha de si mesmo. O coração é o centro da vida mais interior de uma pessoa: de
seus sentimentos, entendimento, e vontade. O coração significa a totalidade do ser interior
do homem, a parte mais profunda dele; ele é sinônimo de ego, a pessoa. Kardiaé
supremamente o centro no homem para o qual Deus se volta, no qual a vida religiosa está
enraizada, e que determina a conduta moral. [49]

Anteriormente já observamos que lebh no Antigo Testamento é também usado para


indicar o coração como a sede do pecado, a sede da renovação espiritual e o lugar da fé.
Isto também é verdade de kardia. Além disso, podemos observar que as outras virtudes
cristãs são descritas como kardia. O amor é associado com o coração em 2
Tessalonicenses 3.5 e 1 Pedro 1.22. A obediência é ligada ao coração em Romanos 6.17
e em Colossenses 3.22. O perdão é associado ao coração em Mateus 18.35. O coração é
ligado com humildade em Mateus 11.29, e é descrito como o assento da pureza em Mateus
5.8 e Tiago 4.8. A gratidão é associada com o coração em Colossenses 3.16, e a paz é dita
guardar o coração em Filipenses 4.7.

Em uma seção de sua Dogmatics na qual ele trata com “o homem como alma e corpo”,
Karl Barth, falando do coração no Novo e no Antigo Testamentos, diz:

Se fôssemos verdadeiros com os textos bíblicos deveríamos dizer do coração que ele é in
nuce o homem total em si mesmo, e, portanto, não somente o locus de sua atividade mas
de sua essência...Assim, o coração não é meramente uma realidade mas a realidade do
homem, ambos – da totalidade da alma e da totalidade do corpo. [50]

Assim, novamente aqui vemos a ênfase bíblica na totalidade do homem. Kardia significa
a pessoa total em sua essência mais interior. No coração a atitude básica do homem para
com Deus é determinada, seja de fé ou de incredulidade, de obediência ou de rebelião.

Embora estritamente falando o Antigo Testamento não tenha uma palavra para corpo, ele
usa basar para descrever o aspecto físico do homem, sua carne. No Novo Testamento há
duas palavras para corpo: sarx esoma. Arndt-Gringrich lista oito significados para sarx,
usualmente traduzidos como “carne”; entre outros significados estão: “corpo”, “um ser
humano”, “natureza humana”, “limitação física”, “o lado exterior da vida”, e “o
instrumento desejoso do pecado” (particularmente nos escritos de Paulo).

Sarx no Novo Testamento, então possui dois significados principais: (1) o aspecto
externo, físico da existência do homem — neste sentido ele pode ser usado do homem
como um todo; e (2) carne como a tendência dentro do homem caído para desobedecer a
Deus em todas as áreas da vida. [51] Neste segundo sentido, encontrado principalmente
nas epístolas de Paulo, não devemos restringir o sentido desarx como se referindo
somente ao que usualmente chamamos de “pecados da carne” (pecados do corpo); ao
contrário, deveríamos entendê-lo como referindo-se aos pecados cometidos pela pessoa
total. Na lista das “obras da carne” (ta erga tes sarkos) encontrada em Gálatas 5.19-21,
onde cinco de quinze dizem respeito aos pecados do corpo; o restante diz respeito ao que
chamamos de “pecados do espírito”— como ódio, discórdia, ciúme, e que tais. Assim,
mesmo quando a palavra sarks é usada neste segundo sentido, ela diz respeito à pessoa
total, e não apenas a uma parte dela.

Agora nos voltamos para a palavra soma, usualmente traduzida como “corpo”. Arndt-
Gingrich dá cinco significados, incluindo os seguintes: “o corpo vivo”, “o corpo da
ressurreição”, e “a comunidade cristã ou igreja”. Clarence B. Bass, num artigo sobre o
corpo nas Escrituras, também lista cinco definições da palavra soma: “a pessoa total como
uma entidade diante de Deus”, “o locus do espiritual no homem”, “o homem total como
destinado para a membrezia no reino de Deus”, “o veículo para a ressurreição”, e “o lugar
do teste espiritual em termos do qual o julgamento acontecerá”. [52] Ele chega à seguinte
conclusão:

Assim, está claro que o corpo é usado para representar a totalidade do homem, e milita
contra qualquer idéia da visão bíblica do homem como existindo à parte da manifestação
corporal, a menos que seja durante o estado intermediário [que é, o estado entre a morte
e a ressurreição]. [53]

Podemos resumir nossa discussão das palavras bíblicas usadas para descrever os vários
aspectos do homem, como segue: o homem deve ser entendido como um ser unitário. Ele
tem um lado físico e um lado mental ou espiritual, mas não devemos separar esses dois.
A pessoa humana deve ser entendida como uma alma corporificada ou um corpo
“espiritualizado” (“animado”). [54] A pessoa humana deve ser vista em sua totalidade,
não como uma composição de diferentes “partes”. Este é o ensino claro de ambos os
Testamentos. [55]

UNIDADE PSICOSOMÁTICA

Embora a Bíblia veja o homem como uma totalidade, ela também reconhece que o ser
humano possui dois lados: o físico e o não-físico. Ele possui um corpo físico, mas ele
também é uma personalidade. Ele tem uma mente com a qual ele pensa, mas também um
cérebro que é parte do seu corpo, e sem o qual ele não pode pensar. Quando as coisas
andam errada com ele, é necessária uma cirurgia, mas outras vezes ele pode precisar de
um aconselhamento. O homem é uma pessoa que pode, contudo, ser vista dedois ângulos.

Como, então, haveremos de expressar esses “dois lados” do homem? Já observamos as


dificuldades relacionadas com o termo dicotomia. Alguns tem falado de
um dualismo, [56] enquanto outros preferem o termo dualidade, fazendo maior justiça à
unidade do homem. Berkouwer, por exemplo, explica que “a dualidade e o dualismo não
são idênticos de forma alguma, e...uma referência ao momento dual na realidade cósmica
não implica necessariamente em dualismo.” [57] Semelhantemente, Anderson diz que
“devemos fazer uma distinção entre uma ‘dualidade’ do ser no qual uma modalidade de
diferenciação é constituída como uma unidade fundamental, e um ‘dualismo’ que opera
contra essa unidade”. [58]

Minha preferência, contudo, é falar do homem como uma unidade psico-somática. A


vantagem desta expressão é que ela faz plena justiça aos dois aspectos do homem, ao
mesmo tempo em que enfatiza a sua unidade. [59]

Podemos ilustrar isto olhando para o relacionamento entre a mente e o cérebro.


Reconhecendo que o homem deveria ser tido como uma unidade com muitos aspectos
que constituem um todo indivisível, Donald M. MacKay faz três comentários
significativos a respeito da relação entre mente e cérebro:

Nós não precisamos retratar a ‘mente’ e o ‘cérebro’ como duas espécies ‘substâncias” que
se interagem. Não precisamos pensar dos eventos mentais e dos eventos cerebrais como
dois conjuntos distintos de eventos...Parece-me suficientemente melhor descrever os
eventos mentais e seus eventos cerebrais correlatos como os aspectos “interiores” e
“exteriores” de uma e da mesma seqüência de eventos, que em sua plena natureza são
mais ricos — tem mais para eles — do que pode ser expresso tanto numa categoria mental
como física, isoladamente. [60]

Nós os estamos considerando [minha experiência consciente e as obras do meu cérebro]


como dois aspectos igualmente reais de uma e da mesma unidade misteriosa. O
observador externo vê um aspecto, como um padrão físico da atividade cerebral. O
próprio agente conhece um outro aspecto como sua experiência consciente...O que
estamos dizendo é que estes aspectos são complementares. [61]

O homem, então, existe num estado de unidade psico-somática. Assim, fomos criados,
assim somos agora, e assim seremos após a ressurreição do corpo. Porque a redenção
plena inclui a redenção do corpo (Rm 8.23; 1 Co 15.12-57), visto que o homem não é
completo sem o corpo. O futuro glorioso dos seres humanos em Cristo inclui ambos, a
ressurreição do corpo e uma nova terra purificada e aperfeiçoada.[62]

O ESTADO INTERMEDIÁRIO

Agora, enfrentaremos uma pergunta importante: O que dizer a respeito do período entre
a morte e a ressurreição, o chamado “estado intermediário”? Quando uma pessoa morre,
o que acontece? Visto que alguém não é completo sem o corpo, então uma pessoa cessa
de existir até ao tempo da ressurreição? Ou ela “existe” num estado completamente
inconsciente? Ou imediatamente após a morte recebe a ressurreição do corpo? Ou ela
recebe uma espécie de corpo intermediário, para ser substituído mais tarde por um corpo
ressuscitado?

A idéia de que o homem cessa de existir entre a morte e a ressurreição, sustentada pelas
Testemunhas de Jeová e pelos Adventistas do Sétimo Dia, deve ser rejeitada como não-
bíblicas. [63] A idéia de que após a morte as pessoas recebem imediatamente corpos
“intermediários” também não encontra base nas Escrituras. O contraste no Novo
Testamento é sempre entre o corpo presente e o corpo ressuscitado (cf. Fp 3.21; 1 Co
15.42-44). Os aderentes dessa idéia, às vezes, citam 2 Coríntios 5.1 para provar que
receberemos tais corpos “intermediários”: “Sabemos que, se a nossa casa terrestre deste
tabernáculo se desfizer, temos da parte de Deus um edifício, casa não feita por mãos,
eterna, nos céus.” Mas esta passagem fala a respeito da casa eterna no céu. Se tivéssemos
que entender esta “casa eterna” como se referindo a um novo corpo, ela não designaria
um corpo “intermediário”, temporário. [64]

Uma outra idéia, usualmente chamada de “sono da alma”, é a de que o homem, ou sua
“alma” , existe num estado inconsciente entre a morte e a ressurreição. Esta idéia tem sido
sustentada por vários grupos cristãos. João Calvino escreveu sua primeira obra
teológica, Psychopannychia, para combater os ensinos do sono-da-alma sustentados
pelos anabatistas da sua época. [65] Mais recentemente, esta posição tem sido defendida
por G. Vander Leeuw, [66] Paul Althaus [67] e Oscar Cullmann. [68]

Herman Dooyeweerd, rejeitando a dicotomia alma-corpo, afirma um novo entendimento


dos dois aspectos do homem: coração e “função de capa” (functie-mantel), sendo este
último termo relativo ao corpo, que é a totalidade de sua existência temporal e a estrutura
inteira de todas as suas funções temporais. [69] O coração e a função-de-capa não devem
ser entendidos como duas substâncias distintas dentro do ser humano, mas ao contrário,
como descrevendo o homem em sua totalidade unitária.

Mas isto não responde à nossa pergunta sobre o que acontece ao ser humano entre a morte
e a ressurreição. Quando a Dooyeweerd foi perguntado: Que espécie de funções podem
ainda ser deixadas para a “alma” (anima rationalis separata, alma racional separada)
quando ela separada de sua conjunção temporal com as funções pre-psíquicas [70] (i.e.,
pós a morte), sua resposta foi: “Nada” (niets!). [71] Em sua resposta, contudo,
Dooyeweerd

Não nega a existência continuada da alma após a morte, nem ele apresenta o estado da
alma desincorporada como sendo de inconsciência. Todavia, por privar a alma de suas
funções temporais, ele parece deixar somente o mais indefinido dos aspectos no lugar das
almas racionais desincorporadas. [72]

No mesmo raciocínio, Berkouwer afirma que nós não deveríamos concluir da “negativa”
de Dooyeweerd de que ele rejeita a idéia da comunhão com Cristo após a morte. [73]

Quando Dooyeweerd pronunciou o seu “nada!”, ele estava respondendo a uma questão a
respeito de uma idéia do homem que ele próprio não subscrevia: a de que o homem
possuía duas “partes” separadas, um corpo mortal inferior e uma “alma racional” superior,
indestrutível e imortal — o ensino dos filósofos gregos antigos. Assim, nós não seríamos
justos com Dooyeweerd se aplicássemos suas palavras ao seu próprio entendimento do
estado intermediário. Não obstante, devemos admitir que a afirmação é enigmática. Ela
tem conduzido muitas a levantar questões a respeito da posição de Dooyeweerd a respeito
do estado dos crentes entre a morte e a ressurreição. [74]

O ensino central da Bíblia a respeito do futuro do homem é o da ressurreição do corpo.


Mas o Novo Testamento indica que o estado dos crentes entre a morte e a ressurreição é
o de alegria provisória, expressa no dito de Paulo de ser “incomparavelmente melhor” do
que o estado aqui na terra (Fp 1.23). Se isto é assim, a condição dos crentes durante o
estado intermediário não pode ser um estado de não-existência ou de inconsciência.

Algumas vezes o Novo Testamento simplesmente diz que o crente continuará a existir
neste estado de alegria provisória:

Entretanto, se o viver na carne traz fruto para o meu trabalho, já não sei o que hei de
escolher. Ora, de um e de outro lado estou constrangido, tendo o desejo de partir e estar
com Cristo, o que é incomparavelmente melhor. (Fp 1.22-23)

Jesus, respondendo ao pecador penitente, disse: “Em verdade te digo que hoje estarás
comigo no paraíso. (Lc 23.43)

Temos, portanto, sempre ânimo, sabendo que, enquanto no corpo, estamos ausentes do
Senhor; visto que andamos por fé, e não pelo que vemos. Entretanto estamos em plena
confiança, preferindo deixar o corpo e habitar com o Senhor. (2 Co 5.6-8)

Na passagem aos Filipenses Paulo contrasta “o viver na carne” com “partir e estar com
Cristo”, sugerindo claramente que é possível para uma pessoa não mais estar vivendo no
presente corpo e, todavia, estar com Cristo — um estado que é muito melhor que o
presente estado. Particularmente significativo neste ponto é a passagem de 2 Coríntios,
onde Paulo contrasta o “enquanto no corpo” (endemountes en to somati) com o estar
“ausente do corpo” (ekdemesai ek tou somatos). Se Paulo tivesse pretendido descrever a
bênção do crente após a ressurreição, ele poderia Ter usado uma expressão como
“ausentes destecorpo”, sugerindo que os crentes então estariam “habitando” um novo
corpo. Mas ele simplesmente “ausentes do corpo”, dizendo aos seus leitores que ele está
pensando de uma existência entre o corpo presente e o corpo da ressurreição. Observe
que, em ambas as passagens, Paulo afirma que é possível para os crentes estarem com
Cristo, mesmo quando eles não mais vivem em seus presentes corpos e antes deles
receberem seus corpos ressuscitados.

Em outras vezes, contudo, o Novo Testamento usa as palavras “alma” (psyche) ou


“espírito” (pneuma) para se referir aos crentes enquanto eles continuam a existir entre a
morte e a ressurreição. A palavra “alma” é usada nas seguintes passagens:

Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma” (Mt 10.28).

Quando ele abriu o quinto selo, vi debaixo do altar as almas daqueles que tinham sido
mortos por causa da palavra de Deus e por causa do testemunho que sustentavam (Ap
6.9).

A palavra “espírito é usada nos seguintes textos:

Mas tendes chegado ao monte Sião e à cidade do Deus vivo, a Jerusalém celestial, e a
incontáveis hostes de anjos, e à universal assembléia e igreja dos primogênitos arrolados
nos céus, e a Deus, o Juiz de todos, e aos espíritos dos justos aperfeiçoados. (Hb 12.22-
23)

Pois também Cristo morreu, uma única vez, pelos pecados, o justo pelos injustos, para
conduzir-vos a Deus; morto, sim, na carne, mas vivificado no espírito, no qual também
foi e pregou aos espíritos em prisão, os quais noutro tempo foram desobedientes quando
a longanimidade de Deus aguardava nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca, na
qual poucos, a saber, oito pessoas, foram salvos, através da água. (1 Pe 3.18-20)

Assim, às vezes, o Novo Testamento diz que nós que somos crentes, continuaremos a
existir num estado provisório de alegria entre a morte e a ressurreição, enquanto que em
outras vezes ele diz que as “almas” ou “espíritos” dos crentes ainda existirão durante
aquele estado. Mas a Bíblia não usa palavras como “alma” e “espírito” no mesmo modo
que nós o fazemos; dessa forma, estas passagens estão pretendendo tão somente nos dizer
que os seres humanos continuarão a existir entre a morte e a ressurreição, enquanto
esperam a ressurreição do corpo. A Bíblia não nos dá qualquer descrição antropológica
da vida nesse estado intermediário. Podemos especular a respeito dela, podemos tentar
imaginar a que esse estado será, mas não podemos formar nenhuma idéia clara da vida
entre a morte e a ressurreição. A Bíblia ensina sobre ela, mas não a descreve. Como
Berkouwer diz, o que o Novo Testamento nos conta a respeito do estado intermediário
não é nada mais do que um sussurro. [75]

Embora o homem exista agora no estado de unidade psico-somática, esta unidade poderá
ser temporariamente rompida no tempo da morte. Em 2 Coríntios 5.8 Paulo ensina
claramente que os seres humanos podem existir à parte de seus corpos presentes. O
mesmo ponto é assinalado em duas outras passagens do Novo Testamento:

A fim de que sejam os vossos corações confirmados em santidade, isentos de culpa, na


presença de nosso Deus e Pai, na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo, com todos os seus
santos. (1 Ts 3.13)

Pois se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também Deus, mediante Jesus, trará
juntamente em sua companhia os que dormem. (1 Ts 4.14)

Ambos os textos falam a respeito dos “santos” e “daqueles que dormem com Cristo”,
como existindo após a morte e antes da ressurreição — observe que a ressurreição
daqueles que dormiram em Cristo é mencionada mais tarde em 1 Tessalonicenses
4.16. [76] Pode ser observado também que neste verso a expressão “mortos em Cristo”
claramente sugere que os crentes falecidos ainda estão em algum estado de existência
antes da ressurreição.

O estado normal do homem é o da unidade psico-somática. No tempo da ressurreição ele


será restaurado plenamente ao da unidade e, assim, uma vez mais, será tornado completo.
Mas nós devemos reconhecer que, segundo o ensino bíblico, os crentes podem existir
temporariamente num estado de alegria provisória, mesmo fora de seus corpos presentes
durante o “tempo” entre a morte e a ressurreição. Este estado intermediário e, contudo,
incompleto e provisório. Nós anelamos para a ressurreição do corpo e a nova terra como
o clímax final do programa redentor de Deus.

IMPLICAÇÕES PRÁTICAS
O entendimento do homem como uma pessoa total, como foi desenvolvido neste capítulo,
tem importantes implicações práticas.

Primeira, a igreja deve estar preocupada com a pessoa total. Em sua pregação e em seu
ensino a igreja deve dirigir-se não somente às mentes daqueles a quem ela serve, mas
também às suas emoções e suas vontades. A pregação que meramente comunica
informação intelectual a respeito de Deus ou da Bíblia está seriamente inadequada; os
ouvintes devem ser despertados em seus corações e movidos a louvar a Deus. Os
professores na escola dominical devem fazer mais do que simplesmente dar aos alunos
uma rota de “conhecimento” versos da Bíblia ou das afirmações doutrinárias; seu ensino
deve exigir uma resposta que envolva todos os aspectos da pessoa. Os programas da igreja
para a juventude não deveria negligenciar o corpo; os esportes e as atividades externas
deveriam ser encorajadas como um aspecto da vida cristã globalizada.

Em sua tarefa evangelista e missionária, a igreja deveria lembrar-se também que ela está
tratando com pessoas completas. Embora o propósito principal de missões seja confrontar
as pessoas com o evangelho, de forma que elas possam se arrepender de seus pecados e
serem salvas através da fé em Cristo, todavia a igreja nunca deve se esquecer que os
objetos de sua empreitada missionária têm necessidades tanto físicas quanto espirituais.
Com isto em mente, o fato de que o homem é um ser unitário, deveríamos evitar
expressões como “salvar a alma” quando descrevendo a tarefa do missionário, e
deveríamos optar por uma abordagem holística ou abrangente em missões. Esta
abordagem, que algumas vezes é conhecida como “o ministério da palavra e das ações”,
direciona o missionário a estar preocupado não somente a respeito de ganhar convertidos
para Cristo, mas também em melhorar as condições de vida desses convertidos e seus
vizinhos, trabalhando em áreas como agricultura, dietética e saúde. O estabelecimento de
escolas para a educação cristã dos nacionais e a manutenção de clínicas e hospitais tanto
para o cuidado da saúde rotineira como da emergencial, entretanto, não deve ser
considerado como estranho à província da atividade missionária da igreja, mas como um
aspecto essencial dela. Arthur F. Glasser, ex-deão da Escola de Missões Mundiais do
Seminário Teológico Fuller (California), diz que na tarefa como missionários cristãos,

O desenvolvimento da fé individual e interior deve ser acompanhado por uma obediência


solidária e exterior ao mandato cultural extensamente detalhado na Santa Escritura. O
mundo deve ser servido, não evitado. A justiça social deve ser promovida, e as questões
de guerra, racismo, pobreza e desequilíbrio econômico devem se tornar uma preocupação
ativa e participativa daqueles que professam crer em Jesus Cristo. Não é suficiente que a
missão cristã seja redentora; ela também deve ser profética. [77]

A escola deveria também estar preocupada a respeito da pessoa total. Embora um dos
principais propósitos da escola seja a instrução intelectual, o professor nunca deveria
esquecer que o aluno que está ensinando é uma pessoa total. A escola, portanto, não
deveria treinar apenas a mente, mas deveria apelar para as emoções e vontade, visto que
o ensino eficaz deve produzir no aluno tanto o amor pela matéria como um desejo de
aprender mais a respeito dela. Além disso, as escolas deveriam evidenciar uma
preocupação pelo corpo assim como pela mente. Os esportes de espectadores, no qual
poucos jogam e muitos meramente observam, têm o seu lugar, mas muito mais importante
para o corpo discente como um todo é um bom programa de educação física, com uma
ênfase nos esportes de jogos internos que envolvam todos os estudantes.

O conceito da pessoa total tem também implicações para a vida de família. Os


pais crentes ficarão preocupados em ensinar a seus filhos a respeito de Deus, em treiná-
los na vida cristã, e a discipliná-los em amor quando carecem disto. Mas os pais devem
também estar preocupados a respeito de assuntos como uma dieta saudável e própria para
o cuidado do corpo. Está sendo cada vez mais reconhecido hoje que um programa regular
de exercício físico é essencial para uma boa saúde; os pais, portanto, deveriam tentar
ensinar a seus filhos o cuidado do corpo, não somente por preceito mas também pelo
exemplo.

Além disso, o conceito da pessoa total tem implicações para a medicina. Em


reconhecimento do fato de que o homem é uma unidade psico-somática, a ciência médica
desenvolveu recentemente uma abordagem chamada medicina holística. [78] A medicina
holística tem sido definida como “um sistema de saúde que enfatiza a responsabilidade
pessoal para a própria saúde e empenha-se por um relacionamento cooperativo entre todos
os envolvidos em proporcionar cuidados de saúde.” [79] Os praticantes da saúde holística
“enfatizam a necessidade da busca pela pessoa total, incluindo condição física, nutrição,
maquiagem emocional, estado espiritual, valores de estilo de vida e ambiente.” [80]

Num livro fascinante entitulado Anatomy of an Illness (“Anatomia de uma Doença”)


Norman Cousins faz um comentário de que um dos aspectos mais importantes na
recuperação de uma doença está na “vontade de viver”: “A vontade de viver não é uma
abstração teórica, mas uma realidade fisiológica com características
terapêuticas.” [81] Cousins relata que centenas de médicos lhe têm dito que “nenhum
remédio que eles podem dar aos pacientes foi tão potente como o estado de alma que um
paciente traz para sua própria doença.” [82] Segundo Cousins, nos exercícios de
graduação da Escola de Medicina da Universidade John Hopkins em 1975, o Dr. Jerome
D. Frank disse aos graduandos “que qualquer tratamento de uma doença que não ministre
também ao espírito humano é grosseiramente deficiente.”[83] A Conclusão é clara: A
cura e a manutenção da saúde física envolve a pessoa total. Médicos, enfermeiras,
pastores e pacientes devem sempre ter isto em mente. [84]

Finalmente, o conceito da pessoa total tem implicações importantes para a psicologia e


para oaconselhamento. Estudos recentes de psicologia têm levado a uma nova ênfase na
totalidade do homem — uma ênfase que é chamada algumas vezes de “teoria
organísmica”. [85] Hall and Lindzey afirmam que a nova ênfase em psicologia sobre a
pessoa total é uma reação contra o dualismo mente-corpo, a psicologia das faculdade, e
o behaviorismo (comportamentalismo). Esta nova ênfase, eles dizem, tem sido
grandemente aceita:

Quem há em psicologia hoje que não seja um proponente dos principais princípios da
teoria organísmica que o total é algo além da soma de suas partes, que o que acontece a
uma parte acontece ao todo, e que não há nenhum compartimento separado dentro do
organismo? [86]

Os conselheiros devem lembrar-se também do fato de que o homem é uma pessoa total.
Eles deveriam ser treinados a reconhecer os problemas que requerem a especialidade de
outros além de si mesmos, e deveriam encaminhar seus aconselhandos, quando
necessário, a médicos e psiquiatras. Os problemas mentais não deveriam ser tidos como
totalmente distintos dos problemas físicos, porque nenhum tipo de problema está sempre
separado do outro. Visto drogas anti-depressivas podem curar certos tipos de depressão,
um conselheiro sábio fará uso desses meios. Pacientes que possuem problemas muito
profundos, de fato, podem mais eficazmente ser curados através de esforços combinados
de uma equipe terapêutica, consistindo, talvez, de um psicólogo, um assistente social, um
médico e um psiquiatra. [87]
O conselheiro não deveria pensar de uma saúde mental e espiritual como coisas
totalmente separadas. Visto que o homem é uma pessoa total, o espiritual e o mental são
aspectos de uma totalidade, de forma que cada aspecto influencia e é influenciado pelo
outro. Howard Clinebell diz o seguinte: “A saúde espiritual é um aspecto indispensável
da saúde mental. Os dois podem estar separados somente numa base teórica. Nos seres
humanos vivos, a saúde espiritual e mental estão inseparavelmente entrelaçadas.”[88]

Algumas vezes o conselheiro pastoral pode pensar que a mera

citação dos versos da Bíblia pode ser tudo o de que necessita para ajudar o membro da
igreja a resolver um difícil problema espiritual. Mas um entendimento do homem como
uma pessoa total conduz-nos a perceber que tal abordagem pode ser totalmente
inadequada. David G. Benner, num artigo no qual ele desafia a opinião comum de que a
personalidade humana pode ser dividida em duas partes, uma “parte” espiritual e uma
psicológica, ilustra seu ponto da seguinte maneira:

A tentação, portanto, de rotular a dificuldade de uma pessoa em aceitar o perdão de Deus


de seus pecados como um problema espiritual deve ser resistido a fim de deixar o
conselheiro muitíssimo aberto para tratar com ambos os aspectos, psicológico e espiritual,
daquele problema. Assumir natureza espiritual essencial e proceder por meio de uma
apresentação explícita de certas verdades bíblicas é esquecer que o perdão, esteja ele
sendo dado ou recebido, é mediado por processos psico-espirituais da personalidade e,
portanto, esses outros fatores psicológicos podem também estar envolvidos e outras
técnicas sejam apropriadas. [89]

O conselheiro cristão, portanto, deveria ver os problemas de seus aconselhandos como


problemas da pessoa total. Ele deveria não somente tratar com o aconselhando como uma
pessoa total, mas deveria também tentar restaurá-lo à sua totalidade, que é a marca de
uma vida saudável e piedosa. [90]
NOTAS:

[1] G. C. Berkouwer, De Mens het Beeld Gods (Kampen: Kok, 1957), p. 211. Cf. Ray S.
Anderson, On Being Human (Grand Rapids: Eerdmans, 1982), p. 213.

[2] John A. T. Robinson, The Body (London: SCM Press, 1952), p. 16.

[3] A System of Biblical Psychology, (Edinburgh: T & T Clark, 1867), p. 16.

[4] Bijbelsche en Religieuze Psychologie (Kampen: Kok, 1920), p. 13.

[5] Man, p. 195.

[6] Ver acima, p. 75-82 (texto em inglês)

[7] Ver acima, p. 34-35 (texto em inglês).

[8] Ver Louis Berkhof, History of Christian Doctrines (Grand Rapids: Eerdmans, 1937),
p. 106-107; J. L. Neve, A History of Christian Thought (Philadelphia: United Lutheran
Publication House, 1943), p. 126; Anderson, On Being Human, p. 207-8.

[9] Man, p. 209. Ver também o comentário de A. Grillmeier citado em n.20. Dichotomy é
a idéia de que o homem deve ser entendido como consistindo de duas “partes”, corpo e
alma.

[10] J. N. D. Kelly, Early Christian Doctrines (London: Black, 1958), p. 292.

[11] System of Biblical Psychology, pp. Vii, 247-66.

[12] The Tripartite Nature of Man (Edinburgh: T & T Clark, 1866).

[13] Outlines of Biblical Psychology, (Edinburgh: T & T Clark, 1877), p. 38.


[14] Theology of the Old Testament, edit. G. E. Day (1873; Grand Rapids: Zondervan),
149-51.

[15] The Release of the Spirit (Indianapolis: Sure Foundation, 1956), 6.

[16] The Handbook of Happiness (Denver: Heritage House Publications, 1971), 28; ver
também p. 27-58.

[17] Wilfred Brockelman, Gothard, The Man and his Ministry: An Evaluation (Santa
Barbara: Quill Publications, 1976), 85-96.

[18] The Scofield Reference Bible (New York: Oxford University Press, 1909), no texto
de 1 Ts 5.23; The New Scofield Reference Bible (New York: Oxford University Press,
1967) no texto de 1 Ts 5.23.

[19] Bijbelsche en Religieuze Psychologie, 53. Cf. TDNT, 6:395.

[20] Sobre a interpretação de Hb 4.12 e 1 Ts 5.23, ver Bavinck, Bijbelsche Psychologie,


58-59; Louis Berkhof, Teologia Sistemática (Campinas: Luz Para o Caminho, 199....),
p.......; Berkouwer, Man, 210; Sobre Hb 4.12 ver também F. F. Bruce, The Epistle to the
Hebrews, in the New International Commentary sobre a série do Novo Testamento
(Grand Rapids: Eerdmans, 1964), 80-83; Para uma defesa do pensamento tricotômico,
ver F. Delitzsch, The Epistle to the Hebrews, (Edinburgh: T. & T. Clark, 202-14,
especialmente 212-14.

[21] Teologia Sistemática, p..........; cf ª H. Strong, Systematic Theology, vol. 2


(Philadelphia: Griffith and Rowland, 1907), 483-88; J. T. Mueller, Christian Dogmatics,
(St. Louis: Concordia, 1934), 184; H. C. thiessen, Introductory Lectures in Systematic
Theology (Grand Rapids: Eerdmans, 1949), 225-26; Gordon H. Clark, The Biblical
Doctrine of Man (Jefferson, MD: The Trinity Foundation, 1984), 33-45.

[22] Cf o meu livro A Bíblia e o Futuro, (pp 86-87 edição em inglês). Sobre este ponto
ver também Berkouwer, Man, 212-22.

[23] The Body, 16.

[24] G. E. Ladd, A Theology of the New Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1974), 457.
[25] Francis Brown, S. R. Driver, e Charle Briggs, Hebrew and English Lexicon of the
Old Testament (New York: Houghton Mifflin, 1907).

[26] Provavelmente o exemplo mais conhecido do uso dessa palavra se referindo ao


homem seja Gn 2.7 – “Então formou o Senhor Deus ao homem do pó da terra, e lhe
soprou nas narinas o fôlego da vida, e o homem passou a ser alma vivente (nephesh
chayyah)”.

[27] “Psyche”, TDNT, 9:620.

[28] The Pauline View of Man (London: Macmillan, 1956), 90.

[29] F. H. Von Meyenfeldt, Het Hart (Leb, Lebab) in het Oude Testament (Leiden: E. J.
Brill, 1950), 218-19.

[30] Wijsbegeerte der Wetsidee, vol. 1 (Amsterdam: H. J. Paris, 1935), 30.

[31] On Being Human, 211.

[32] The Christian Doctrine of Man (Edinburgh: T. & T. Clark, 1911), 26.

[33] “Basar”, na obra de G. Johannes Botterweck e Helmer Ringgren, editores,


Theological Dictionary of the Old Testament, (Grand Rapids: Eerdmans, 1977), p. 325.

[34] Ibid., 325.

[35] Anthropologie des Alten Testaments (Munich: Chr. Kaiser, 1973), 55.

[36] F. B. Knutson, “Flesh”, ISBE, 2.314.

[37] “Corpo”, ibid., 1:528-29. Observe também o comentário de J. Pedersen: “Alma e


corpo [no uso do Antigo Testamento] são tão intimamente unidos que uma distinção não
pode ser feita entre eles. Eles são mais do que ‘unidos’; o corpo é a alma em sua forma
exterior” (Israel: Its Life and Culture, vol. 1 [London: Oxford University Press, 1926],
171).

[38] The Christian Doctrine of Man, 27.


[39] William F. Arndt e F. Wilbur Gingrich, A Greek-English Lexicon of the New
Testament and Other Early Christian Literature (Chicago: Univsersity of Chicago Press,
1957).

[40] “Psyche”, TDNT, 9:639.

[41] Ibid., 642.

[42] Ibid., 644.

[43] Ibid., 648.

[44] Ibid., 654.

[45] “Pneuma”, TDNT, 6:435.

[46] Ladd, A Theology of the New Testament, 461-63.

[47] The Pauline View of Man, 135.

[48] New Testament Theology, 459.

[49] “Kardia”, TDNT, 3:611-12.

[50] Church Dogmatics (Edinburgh: T. & T. Clark, 1960), III/2, 436.

[51] Um estudo mais antigo, embora competente, a respeito do significado de sarx nos
escritos de Paulo é o de Wm. P. Dickson, St. Paul’s Use of the Terms Flesh and
Spirit (Glasgow: Maclehose, 1883). Um estudo mais recente é o de J. A. Robinson, The
Body (1952.

[52] “Body, ISBE, 1:529.

[53] Ibid.

[54] Barth, Church Dogmatics, III/2, 350.

[55] Em acréscimo aos estudos da visão bíblica sobre a pessoa total referida acima,
podemos enumerar os seguintes: G. C. Berkouwer, “The Whole Man”, em Man, 194-233;
C. A. Van Peursen, Body, Soul, Spirit: A Survey of the Body-Mind Problem, (London:
Oxford University Press, 1966); H. Ridderbos, Paul: Na Outline of His Theology (Grand
Rapids: Eerdmans, 1975), 64-68, 114-26; Rudolf Bultmann, Theology of the New
Testament, vol. 1 (New York: Scribner, 1951), 190-227; Werner G. Kümmel, Man in the
New Testament (London: Epworth, 1963); Robert Jewett, Paul’s Anthropological
Terms (Leiden: E. J. Brill, 1971).

[56] John Cooper, “Dualism and the Biblical View of Human Beings”, Reformed
Journal 32, no. 9 e 10 (Setembro e Outubro de 1982).

[57] Man, 211.

[58] On Being Human, 209. Ver também Robert H. Gundry, Soma in Biblical
theology (Cambridge: Cambridge University Press, 1976), 83. Gundry prefere
“dualidade” ao invés de “dualismo” como sendo ensinado em ambos os Testamentos,
particularmente nos escritos de Paulo.

[59] Este termo também é usado por John Murray, “Thrichotomy”, em sua obra Collected
Writings of John Murray, vol. 2 (Edinburgh: Banner of Truth Trust, 1977), 33 (“o homem
é um ‘ser psico-somático”); e por G. W. Bromiley, “Anthropology”, ISBE, 1:134 (“o
homem tem um lado físico e um lado espiritual...ambos pertencem conjuntamente a uma
unidade psico-somática”); ver também Henry Stob, Ethical Reflections(Grand Rapids:
Eerdmans, 1978), 226.

[60] Donald M. MacKay, Brains, Machines and Persons (Grand Rapids: Eerdmans,
1980), 14.

[61] Ibid., 83. Mais nesse livro (p. 101) MacKay descreve a vida futura do cristão dum
modo no qual ele parece deixar lugar somente para a ressurreição do corpo e não para
uma existência continuada do crente no estado intermediária (ver abaixo, p. 218-22). Se
esta é a posição de MacKay, eu não concordaria com ele. Podemos ainda, contudo, aceitar
as afirmações feitas nas citações acima como descrições corretas da unidade da mente
com o cérebro durante esta presente vida.

[62] Ver esse assunto no meu livro A Bíblia e o Futuro, capítulos 17 e 20.
[63] Ver meu trabalho The Four Major Cults (Grand Rapids: Eerdmans, 1963), 345-71.

[64] Para uma interpretação diferente da “casa eterna no céu”, ver A Bíblia e o Futuro,
pp. 104-6 (em inglês).

[65] Ver Calvino, Tracts and Treatises of the Reformed Faith, ,vol. 3, (Grand Rapids:
Eerdmans, 1958), 413-90.

[66] Onsterfelijkheid of Opstanding, (Assen: Van Gorcum, 1936).

[67] Die Letzten Dinge, (1922: Gütersloh: bertelsmann, 1957).

[68] Immortality of the Soul or Resurrection of the Dead? (New York: Macmillan, 1964),
10-11.

[69] William G. Young, “The Nature of Man in the Amsterdam


Philosophy”, Westminster Theological Journal 22, no. 1 (Novembro, 1959):7.

[70] A saber, as funções aritméticas, especiais, físicas e orgânicas.

[71] Herman Dooyeweerd, “Kuyper’s Wetenschapsleer”, Philosophia Reformata 4


(1939): 204.

[72] Young, “The Nature of Man”, 10.

[73] Man, 256.

[74] Ver a discussão de Berkouwer sobre este assunto em Man, 255-257.

[75] De Wederkomst van Christus, vol. 1 (Kampen: Kok, 1961), 79. Sobre o estado
intermediário, ver adicionalmente Berkouwer, The Return of Christ, (Grand Rapids:
Eerdmans, 1972), 32-64; e A Bíblia e o Futuro, 92-108 (texto inglês)

[76] Sobre esses versos ver W. Hendriksen, I and II Tessalonians, no Comentário do


Novo Testamento (Grand Rapids: Baker, 1955); Leon Morris, The First and Second
Epistles to the Thessalonians, in the New International Commentary on the New
Testament Series (Grand Rapids: Eerdmans, 1959).
[77] “Missiology”, no Evangelical Dictionary of Theology, editado por Walter ª Elwell
(Grand Rapids: Baker, 1984), 726. Ver também William Dyrness, Let the Earth Rejoice:
A Biblical Theology of Holistic Mission(Westchester, IL: Crossway Books, 1983);
Francis M. Dubose, God who Sends: a Fresh Quest for Biblical Mission (Nashville:
Broadman Press, 1983); e J. H. Boer, Missions: Heralds of Capitalism ou Christ?(Ibadan,
Nigeria: Day Star Press, 1984).

[78] The American Holistic Medical Association foi fundada em Maio de 1978.

[79] “Holistic Medicine”, Encyclopedia Americana, vol. 14 (Danbury, CT: Grolier,


1983), 294.

[80] Ibid.

[81] New York: Norton, 1979, 44.

[82] Ibid., 139.

[83] Ibid., 133.

[84] Entre a literatura volumosa sobre a medicina holística, os seguintes estudos podem
ser observados: David Allen, Whole Person Medicine (Downers Grove: InterVarsity
Press, 1980); Ed Gaedwag, Inner Balance: The Power of Holistic Healing (Englewood
Cliffs, NJ: Prentice-Hall, 1979); Jack La Patra, Healing: The Coming Revolution in
Holistic Medicine (New York: McGraw, 1978); Morton Walker, Total Health: The
Holistic Alternative to Traditional Medicine (New York: Everest House, 1979).

[85] Ver “Organismic Theory” na obra de Calvin S. Hall e Gadner Lindzey, Theories of
Personality, (New York: John Wiley, 1970), 298-337. Observe a bibliografia no final do
capítulo.

[86] Ibid., 330

[87] Karl Menninger The Vital Balance (New York: Viking Press, 1963), 335.

[88] Mental Health Through Christian Community (Nashville: Abingdon, 1965), 20.
[89] “What God Hath Joined: The Psychospiritual Unity of Personality”, The Bulletin:
Christian Association for Psychological Studies 5, no. 2 (1979): 11.

[90] Sobre a pessoa total, veja também Salvatore R. Maddi, Personality


Theories (Homewood, IL: Dorsey Press, 1980).

Capítulo 12 do excelente livro “Criados à Imagem de Deus”, da Cultura Cristã.

You might also like