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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Faculdade de Direito

Disciplina: Antropologia do Direito

A SOCIEDADE CONTRA O ESTADO

PIERRE CLASTRES

Trabalho apresentado ao Prof. Francisco


Barreto, como requisito à aprovação na
disciplina Antropologia do Direito, cursada
no 2º semestre de 2009.

Aluna: Paula Pereira Monteiro


Matrícula: 200620406111

Rio de Janeiro

07 de Janeiro de 2010.
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO

2. AS SOCIEDADES CONTRA ‘O ESTADO’

3. A FIGURA DO CHEFE E O DOMÍNIO DEMOGRÁFICO

4. CONCLUSÃO
1. INTRODUÇÃO

Este trabalho tem o escopo de analisar o texto denominado “A sociedade contra


o Estado”, de autoria de Pierre Clastres. Este autor inova na teoria política
antropológica, na medida em que questiona o Estruturalismo de Levi-Strauss, mais
especificamente a sua teoria da reciprocidade; ao fazer isto, Clastres amplia o conceito
de poder político e propõe um amplo debate teórico acerca das diferentes formas de
organização política, que não apenas aquelas de origem ocidental.

Não há duvidas que o trabalho de campo realizado nas ‘terras baixas da América
do Sul’ e as experiências dele trazidas contribuíram para o aperfeiçoamento da tese
central de Clastres, embora a mesma já tivesse sido idealizada por ele mesmo antes de
sua ida a campo. Esta tese por ele desenvolvida pode ser sintetizada, a meu ver, a partir
das últimas palavras por ele escritas no capítulo 11, ‘a sociedade contra o Estado’:

“(...) o que os selvagens nos mostram é o


esforço permanente para impedir os chefes de
serem chefes, é a recusa da unificação, é o
trabalho de conjuração do Um, do Estado. A
história dos povos que têm uma história é, diz-
se, a história da luta de classes. A história dos
povos sem história é, dir-se-á com ao menos
tanto verdade, a história da sua luta contra o
Estado.”

Conforme se pode apreender desta passagem supracitada, o ponto chave da


teoria desenvolvida por Clastres consiste na idéia de que a sociedade civil pode sim
prescindir da figura do Estado. Este autor pretendeu comprovar - empiricamente – este
fato a partir do estudo das experiências de alguns dos povos indígenas da América do
Sul.
Em linhas gerais, Clastres busca demonstrar que, ao contrário do que pensavam
os antropólogos que o antecederam, a evolução das sociedades não está pautada no
surgimento do Estado, isto é, não há um ‘primitismo’ nas sociedades tribais, onde há
ausência do Estado, bem como não há um ‘modernismo’ nas sociedades ocidentais, em
que se verifica a presença do Estado. Não há, pois, um movimento evolucionista do
primitismo ao modernimo, a partir do desenvolvimento da figura do Estado. Não há,
tampouco, em última instância, sequer uma evolução das sociedades tribais às
sociedades modernas, vez que as primeiras não buscam necessariamente a formação do
Estado, mas, ao contrário, lutam contra ele.

É nesse sentido que Clastres entende que as sociedades tribais não estariam
evoluindo em direção à estatização, mas, ao contrário, constituem-se como verdadeiras
sociedades ‘contra o Estado’, vez que sua organização cultural busca, a todo tempo,
impedir a formação de uma classe de dirigentes e outra classe de dirigidos.

Neste trabalho, se pretende entender a importância desta idéia central trazida por
Clastres e as suas implicações teóricas na Antropologia Política. É, sem dúvida, uma
obra brilhante que, ao refutar a visão europocentrista e criticar o entendimento de que as
sociedades tribais são ‘menos desenvolvidas’ por não terem presente a figura do Estado,
tornou-se um marco na teoria antropológica.

2. SOCIEDADES CONTRA ‘O ESTADO’

Já no início do capítulo 11, Clastres chama atenção para o fato de que, embora
as sociedades primitivas não tenham presente a figura do Estado e, por esta razão, sejam
assim consideradas como sociedades sem Estado, isto não significa que elas estejam
privadas do Estado, como se o almejassem, porém, não conseguissem desenvolvê-lo.

Assim, Clastres refuta a idéia, até então dominante, de que as sociedades,


quaisquer que seja, buscam a presença Estado. O que ele observa é que nas sociedades
tribais não há que se falar em privação de algo ou atraso na sua evolução por não se
verificar a presença do Estado. Estas são sociedades que, diferente da nossa sociedade
ocidental, são contrárias à figura do Estado. São, pois, sociedades contra o Estado e não
puramente sociedade sem Estado.
Em clara oposição aos evolucionistas, Clastres entende que a ausência de Estado
e a presença da econômica de subsistência nas sociedades primitivas não representam
um atraso quando comparadas às sociedades ocidentais. Não se trata, pois, de um
caminho evolucionista em que as sociedades sem Estado e de economia de subsistência
se transformarão, com o tempo e com o seu desenvolvimento, em sociedades com
Estado e de economia de mercado. Ao contrário do que defendiam os evolucionistas,
Clastres argumenta que a ausência do Estado e a economia de subsistência são
claramente escolhas destas sociedades, que refutam a figura do Estado e que produzem
quilo que julgam necessário para atender às suas necessidades – não agem assim por
desconhecimento ou por atraso, mas por escolha. Enquanto que as sociedades modernas
optaram pela figura do Estado, as sociedades primitivas, sob o ponto de vista de
Clastres, recusaram-no.

Para este autor, não interessa a dedução de princípios cognitivos universais que
tornam possível o entendimento de qualquer sociedade – como se propuseram os
estruturalistas – mas sim a verificação de como determinadas sociedades – no caso, as
sociedades tribais da América do Sul – respondem de maneiras diferentes a problemas
gerais, como a possibilidade de vigência de um poder político separado, que não o
Estado, bem como a prevalência de um tipo de economia que não aliena o trabalho, nem
se pauta na produção de excedente.

A questão de Clastres é, pois, demonstrar que não se trata de atraso, mas de


escolha por parte destas sociedades. Ele observa que as sociedades arcaicas quase
sempre são determinadas de maneira negativa pelos antropólogos, sob o critério da
falta, isto é, trata-se de sociedades sem Estado, sociedades sem escrita, sociedades sem
história. Percebe-se que sempre a referência é o nosso próprio mundo, a nossa
sociedade moderna ocidental. O que ocorre é que essa Antropologia parte de referências
externas para analisar o mundo social das sociedades tribais e, desta maneira, torna-se
cega e, portanto, incapaz de compreender a lógica nativa.

Como observa Clastres, não há que se falar em hierarquia no campo da técnica,


tampouco de tecnologia superior ou inferior; a seu ver:

“(...) só se pode medir um equipamento


tecnológico pela sua capacidade de satisfazer,
num determinado meio, as necessidades da
sociedade. E, sob esse ponto de vista, não
parece de forma alguma que as sociedades
primitivas se mostraram incapazes de se
proporcionar os meios de realizar esse fim”.

Conclui Clastres que, se as sociedades primitivas repousam em uma economia


de subsistência, não é por lhes faltas uma habilidade técnica. Mas, Clastres vai além;
para ele deve-se questionar se a economia dessas sociedades é, de fato, uma economia
de subsistência. Ele demonstra a falácia que envolve a idéia da miserabilidade nas
sociedades tribais, a qual é típica de economias de subsistência. Os índios, ao contrário
do que comumente se afirma, não estão em constante busca por alimentos, que
garantam a sua sobrevivência; ao contrário, eles trabalham não mais que 3 horas por dia
e podem usar o resto do tempo em ocupações encaradas não como trabalho, mas como
prazer, a exemplo da caça, pesca, festas.

Nesse sentido, Clastres afirma:

“Podemos admitir, para qualificar a


organização econômica dessas sociedades, a
expressão economia de subsistência, desde
que não a entendamos no sentido da
necessidade de um defeito, de uma
incapacidade, inerentes a esse tipo de
sociedade e à sua tecnologia, mas, ao
contrário, no sentido da recusa de um excesso
inútil, da vontade de restringir a atividade
produtiva à satisfação.”

O autor, então, demonstra que não se trata de falta, incompletude; não é isso
que traduz a natureza das sociedades primitivas, mas, ao contrário, elas se impõem pela
positividade, pelo domínio do meio ambiente natural e do próprio projeto social, “como
vontade livre de não deixar escapar para fora de seu ser nada que possa alterá-lo,
corrompê-lo e dissolvê-lo. Assim, as sociedades primitivas não são, de maneira alguma,
os embriões retardatários das sociedades ulteriores, como se pensou anteriormente.
3. A FIGURA DO CHEFE E O DOMÍNIO DEMOGRÁFICO

Clastres passa a discorrer sobre a figura do chefe. Diz ele: “(...) a tribo não
possui um rei, mas um chefe que não é chefe de Estado”. Isto, segundo ele, significa
que o chefe não dispõe de nenhuma autoridade, de nenhum poder de coerção, de
nenhum meio de dar uma ordem. Mesmo dotado de privilégios, como a poligamia, esse
chefe está submetido a uma série de obrigações e está em constante e grande vigilância
pela tribo.

Assim, as pessoas da tribo não têm nenhum dever de obediência. Desta


maneira, Clastres afirma: “o espaço da chefia não é o lugar” e, assim, certamente não
foi da chefia primitiva que se pode deduzir o aparelho estatal e a figura do déspota.

Pode-se dizer que o chefe indígena é, em suma, aquele que possui dons
oratórios, habilidade como caçador, capacidade de coordenar as atividades guerreiras,
ofensivas ou defensivas. O argumento deste autor vai ainda mais longe. Afirma ele que
não se trata simplesmente de constatar que o chefe indígena não detém o poder, pois,
para o autor, a sociedade primitiva não é estranha ao poder. O chefe não detém o poder
porque é impedido pela própria sociedade, esta sim detentora de certo poder, que, no
entanto, não se constitui como esfera política separada, ou seja, como Estado. O poder
ali se mantém difuso. Observa Clastres:

“a propriedade essencial da sociedade


primitiva é exercer um poder absoluto e
completo sobre tudo que a compõe, é
interditar a autonomia de qualquer um dos
subconjuntos que a constituem, é manter todos
os movimentos internos, conscientes e
inconscientes, que alimentam a vida social,
nos limites e na direção desejados pela
sociedade. (...) a tribo interdita a emergência
de um poder político individual, central e
separado.”
Um campo, contudo, parece, segundo Clastres, escapar do controle das
sociedades tribais: trata-se do domínio demográfico. Clastres constata o peso
sociológico do número da população, isto é, a capacidade que possui o aumento das
demandas de abalar as sociedades primitivas. Para Clastres, as coisas só podem
funcionar segundo o modelo primitivo se a população é pouco numerosa.

4. CONCLUSÃO

O que a obra de Clastres nos ensina, fundamentalmente, é que a presença


do Estado em uma sociedade não faz dela uma sociedade superior. Não há que se falar
sequer em evolução das sociedades sem Estado para as sociedades com Estado, uma vez
que as primeiras não o desenvolveram não por incompetência ou incapacidade, mas por
opção, porque lutam, a todo tempo, contra ele. Não se trata, pois, de sociedade sem
Estado, mas de sociedade contra o Estado.

Neste sentido, conforme constatado pelo autor, a presença ou ausência do


Estado independe de fatores econômicos e tecnológicos, mas sim de aspectos
sociológicos de cada sociedade, isto é, depende da escolha do povo de conferir ou não
poder a uma autoridade.

Nos dias atuais, diante de uma constante batalha pelo poder político e,
por conseguinte, pelo poder econômico, a obra de Clastres nos aponta para a
possibilidade de um modelo de sociedade que, acima de tudo, colocou a sua liberdade e
igualdade como prioridades máximas. Este modelo foi subestimado não só pelos
colonizadores europeus, mas, sobretudo, pela ciência. Afirmou-se o atraso, a
incapacidade, o primitismo destas sociedades; hoje, contudo, questionamos os caminhos
a que nos levou a sociedade moderna ocidental e perguntamo-nos se era aqui que
queríamos, de fato, ter chegado. Agora, resta-nos responder: foi evolução ou involução
o que presenciamos com o desenvolvimento das sociedades modernas?
REFERÊNCIAS

Clastres, Pierre. A sociedade contra o Estado – pesquisas de antropologia política. São


Paulo: Cosac & Naify, 2003.

Fonte: http://www.scielo.br/pdf/ra/v47n2/a06v47n2.pdf. Acesso em 06 de Janeiro de


2010.

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