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Resumo
Ocupar e invadir poderiam ser apenas modos diferentes e inofensivos de se referir a uma
mesma ação não fosse o fato de essas duas palavras trazerem significados distintos e valores
ideológicos que se antagonizam na cena política em que atores coletivos travam suas lutas. A
trabalhadoras rurais sem terra – MST – que orientam suas lutas sob o mote ‘ocupar, resistir e
produzir’. Como podemos verificar nos verbetes do dicionário Koogan/Houaiss, ocupar significa
“Encher um espaço de lugar e de tempo / Habitar/ Tomar posse de / (...) trabalhar em, dedicar seu
tempo com”. Assim, ocupar equivale a dar sentido, implica em construção social que permite com
que um espaço passe a ser um lugar temporalmente marcado e no qual se pode trabalhar, produzir
algo. Nesse sentido, parece-me que isso implica em reconhecer aquele/a que ocupa como sujeito
que constrói sentidos, que fala e se faz ouvir. No caminho contrário encontramos a palavra invadir
responsabilidade pela violência, se constrói a imagem de um outro que deve ser contido, domado,
silenciado. Nunca se pára para refletir sobre as questões que leva o outro a ocupar um lugar e fazer
sua voz ser ouvida. Assim, do lado de quem ocupa um espaço e faz dele um lugar e um tempo,
temos uma ação de visibilizar a si próprio, de impor-se enquanto sujeito político da ação. Do outro,
irracionalidade.
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Atitudes que busquem depreciar e deslegitimar as ações de sujeitos coletivos, que buscam
impor uma estética irracional às ações coletivas de todas as ordens já são marcas bastante comuns e
remontam ao surgimento das Ciências Sociais e da Psicologia Social como se pode verificar em
obras como a de Gustave Le Bon. Parece-nos que o pensamento desse autor continua bastante atual,
ainda que não seja citado, Garantir a irracionalidade alheia e nunca por em xeque a própria
dominante que busca garantir a permanência de uma estrutura que nomeia, constrói e consolida
lugares marginais. No caso da greve das Universidades Paulistas, e de modo particular no caso da
Desde que o governador Serra (PSDB) baixou o conjunto de decretos a partir de janeiro de
2007, instalou-se um vazio entre os acadêmicos e as acadêmicas da Universidade de São Paulo que,
tomados por uma letargia, calaram-se, muitas vezes estupefatos, mas emudecidos. Frente ao ataque
à autonomia universitária deflagrado pelo governo peessedebista, e que, em certa medida, segue os
passos do governo petista em nível federal; frente à letargia de professores e professoras dessa
universidade e graças a uma inabilidade política da reitora Suely Vilela, alunos tomaram a dianteira
da defesa da escola pública de nível superior e ocuparam, encheram um espaço, a reitoria, de lugar e
de tempo, habitaram o coração político e administrativo da USP com o fim de trabalhar em, dedicar
seu tempo com a defesa da coisa pública e enfrentar a força de governos que se negam a construir
São Paulo em duas secretarias, sendo que uma supostamente concentra o pólo tecnológico e de
pesquisa e outra o ensino superior, como se ensino, pesquisa e extensão não devessem, mais do que
pela força da lei, estar unidos de modo indissociável. Assim, enquanto certos setores da pesquisa
em Ciências, sejam eles em humanas ou não, parecem servir apenas para dar lustre às áreas
profissionalizantes, emprestando seus métodos, mas não necessariamente balizando teórica e/ou
criticamente os resultados dos trabalhos nessas áreas, pois não poucas vezes se vestem com uma
aura de neutralidade quase celestial. Disso decorre o escamoteamento de suas visões de mundo, isto
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é, ideologias, por parte de pesquisadores, em nome da absoluta, mas – esquecem-se de dizer –
impossível neutralidade científica. Aparentemente, essa suposta postura neutra tornou-se regra,
como se as metodologias teóricas ou práticas não tivessem relações com as lutas políticas e sociais,
deslegitimar quem esteja ocupando uma posição que colida com os espaços já marcados como
decretos do governador Serra, supostamente revisto por meio de um “decreto declaratório”, depois
decreto de n. 51.461, em seu segundo artigo, lia-se que constituiria o campo funcional da recém-
criada Secretaria do Ensino Superior, “a promoção da realização de estudos para”, entre outras
problemas da realidade nacional”. Juntava-se a esse item o seguinte, que previa estudos para
“busca de formas alternativas e adequadas ao atual estado tecnológico para oferecer formação
nos níveis de ensino de terceiro e quarto graus, com vista (sic) a aumentar a quantidade de jovens
que cursam a universidade” (grifos nossos). Como se percebe, estava se criando o cenário para que
se sacramentasse, de vez, não só a ênfase em uma tal pesquisa operacional, como também uma
mudança no sentido das universidades paulistas, agora entendidas como reprodutoras dos anseios
do governo e das empresas privadas, já que se tratava de adequar a formação tanto em nível de
essa mudança de ênfase seria um problema? Quais concessões os setores mais progressistas das
Ciências Humanas – e, da mesma forma, aqueles setores que produzem pesquisa básica nos campos
das Ciências Exatas e Biológicas – teriam que fazer para se adequar a tais imperativos?
É curioso que um dos únicos intelectuais a se preocupar com esta parte dos decretos do
governador tenha sido Maria Sylvia de Carvalho Franco que, em artigo recentíssimo, depois de
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discorrer, justamente, sobre o papel do conhecimento não profissional, que perde espaço cada vez
mais para uma pesquisa interessada no mercado de trabalho e na imediatez prática, argumente que o
que se conseguiu em menos de meio século “não merece ser destruído”. Embora não situe
menção “meio século”, mas advogando em prol de uma pesquisa que estivesse protegida tanto do
mercado quanto do Estado, a autora retoma Francis Bacon, para quem o saber ligado à prática e as
ciências básicas deveriam andar juntos, já que estas são as únicas capazes de nutrir, reforçar, e até
mesmo balizar aquele saber. Em outras palavras, eles são “os meios capazes de enfrentar a
violência com que os interesses lucrativos e a cobiça política estilhaçam a sociedade e a cultura”.
estudantes, funcionários e professores em greve uma reação a uma forma de invasão, de violência
decretada pelo governo do estado?! Não seria um ato legítimo de resistência a essa entrada violenta,
agressiva de um poder político sobre os rumos da universidade que não pode e nem deve servir a
quaisquer governos, mas ao povo?! Não seria a ocupação da reitoria uma forma legítima de defesa
do bem comum frente a esse espalhar-se no interior da universidade de forças que desejam servir-se
da universidade que até aqui lutou por manter-se separada de intervencionismos politiqueiros?! Do
ponto de vista da Psicologia Política, parece-nos que a ação da reitoria nasce como uma nova forma
daquele que preconizou as manifestações dos caras pintadas. Parece-nos que temos diante de nós
um novo movimento que deixa para trás velhas lideranças e velhos métodos do estilo centralismo-
democrático que, por muito tempo, caracterizou o movimento estudantil e sindical. E em muitos
sentidos, podemos dizer que nosso governador, ex-líder estudantil, traz esse estilo impregnado em
suas práticas, visto que age segundo essa metodologia, age sem dar-se conta de que hoje, na
sociedade contemporânea, como aponta Touraine (1994), o lugar do príncipe está vago e seu salão
também. Emergem os perigosos estrategas, mas esse não é o caso do governo pessedebista.
Os alunos deram-se conta disso e decidiram construir um novo movimento, uma nova cultura
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de greve, uma nova oportunidade de fazer com que sua cidadania não morra no papel, deflagrando
um imenso e irreversível processo de conscientização política muito parecidos com aqueles que
Inácio Martín-Baró já apontava quando nos falava do papel social do psicólogo. Assim, resistem os
ideológica do bem comum e nesse processo constroem suas identidades políticas, se reconhecem
enquanto sujeitos políticos aptos a construir a história da qual eles próprios são atores
privilegiados.
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Ocupar e invadir poderiam ser apenas modos diferentes e inofensivos de se referir a uma
mesma ação não fosse o fato de essas duas palavras trazerem significados distintos e valores
ideológicos que se antagonizam na cena política em que atores coletivos travam suas lutas. A
palavra ocupar é a marca de movimentos sociais como o MST que orientam suas lutas sob o mote
‘ocupar, resistir e produzir’. Como podemos verificar nos verbetes do dicionário Koogan/Houaiss,
ocupar significa “Encher um espaço de lugar e de tempo / Habitar/ Tomar posse de / (...) trabalhar
em, dedicar seu tempo com”. Assim, ocupar equivale a dar sentido, implica em construção social
que permite com que um espaço passe a ser um lugar temporalmente marcado e no qual se pode
trabalhar, produzir algo. Nesse sentido, parece-me que isso implica em reconhecer aquele/a que
ocupa como sujeito que constrói sentidos, que fala e se faz ouvir. No caminho contrário,
outro que deve ser contido, domado, silenciado. Nunca se pára para refletir sobre as questões que
leva o outro a ocupar um lugar e fazer sua voz ser ouvida. Assim, do lado de quem ocupa um
espaço e faz dele um lugar e um tempo, temos uma ação de visibilizar a si próprio, de impor-se
enquanto sujeito político da ação. Do outro, contudo, tenta-se silenciar, deslegitimar ao outro,
Atitudes que busquem depreciar e deslegitimar as ações de sujeitos coletivos, que buscam
impor uma estética irracional às ações coletivas de todas as ordens já são marcas bastante comuns e
remontam ao surgimento das Ciências Sociais e da Psicologia Social como se pode verificar em
obras como a de Gustave Le Bon. Parece-nos que o pensamento desse autor continua bastante atual,
ainda que não seja citado, Garantir a irracionalidade alheia e nunca por em xeque a própria
dominante que busca garantir a permanência de uma estrutura que nomeia, constrói e consolida
lugares marginais. No caso da greve das Universidades Paulistas, e de modo particular no caso da
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Desde que o governador Serra (PSDB) baixou o conjunto de decretos a partir de janeiro de
2007, instalou-se um vazio entre os acadêmicos e as acadêmicas da Universidade de São Paulo que,
tomados por uma letargia, calaram-se, muitas vezes estupefatos, mas emudecidos. Frente ao ataque
à autonomia universitária deflagrado pelo governo peessedebista, e que, em certa medida, segue os
passos do governo petista em nível federal; frente à letargia de professores e professoras dessa
universidade e graças a uma inabilidade política da reitora Suely Vilela, alunos tomaram a dianteira
da defesa da escola pública de nível superior e ocuparam, encheram um espaço, a reitoria, de lugar e
de tempo, habitaram o coração político e administrativo da USP com o fim de trabalhar em, dedicar
seu tempo com a defesa da coisa pública e enfrentar a força de governos que se negam a construir
São Paulo em duas secretarias, sendo que uma supostamente concentra o pólo tecnológico e de
pesquisa e outra o ensino superior, como se ensino, pesquisa e extensão não devessem, mais do que
pela força da lei, estar unidos de modo indissociável. Assim, enquanto certos setores da pesquisa
em Ciências, sejam eles em humanas ou não, parecem servir apenas para dar lustre às áreas
profissionalizantes, emprestando seus métodos, mas não necessariamente balizando teórica e/ou
criticamente os resultados dos trabalhos nessas áreas, pois não poucas vezes se vestem com uma
aura de neutralidade quase celestial. Disso decorre o escamoteamento de suas visões de mundo, isto
impossível neutralidade científica. Aparentemente, essa suposta postura neutra se tornou regra,
como se as metodologias teóricas ou práticas não tivessem relações com as lutas políticas e sociais,
academia e na sociedade. Assim, como já apontamos em outro lugar (Mello, Silva e Mello, 2007),
ocupando uma posição que colida com os espaços já marcados como lugares e tempos de poder.
decretos do governador Serra supostamente revisto por meio de um “decreto declaratório”, depois
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de protestos e greve de estudantes, professores e funcionários das três universidades paulistas. No
decreto de n. 51.461, em seu segundo artigo, lia-se que constituiria o campo funcional da recém-
criada Secretaria do Ensino Superior, “a promoção da realização de estudos para”, entre outras
problemas da realidade nacional”. Juntava-se a esse item o seguinte, que previa estudos para “busca
de formas alternativas e adequadas ao atual estado tecnológico para oferecer formação nos níveis
de ensino de terceiro e quarto graus, com vista (sic) a aumentar a quantidade de jovens que cursam
a universidade” (grifos nossos). Como se percebe, estava se criando o cenário para que se
sacramentasse, de vez, não só a ênfase em uma tal pesquisa operacional, mas também uma
mudança no sentido das universidades paulistas, agora entendidas como reprodutoras dos anseios
do governo e das empresas privadas, já que se tratava de adequar a formação tanto em nível de
essa mudança de ênfase seria um problema? Quais concessões os setores mais progressistas das
Ciências Humanas – e, da mesma forma, aqueles setores que produzem pesquisa básica nos campos
das Ciências Exatas e Biológicas – teriam que fazer para se adequar a tais imperativos?
É curioso que um dos únicos intelectuais a se preocupar com esta parte dos decretos do
governador tenha sido Maria Sylvia de Carvalho Franco que, em artigo recentíssimo, depois de
discorrer, justamente, sobre o papel do conhecimento não profissional, que perde espaço cada vez
mais para uma pesquisa interessada no mercado de trabalho e na imediatez prática, argumente que o
que se conseguiu em menos de meio século “não merece ser destruído”. Embora não situe
menção “meio século”, mas advogando em prol de uma pesquisa que estivesse protegida tanto do
mercado quanto do Estado, a autora retoma Francis Bacon, para quem o saber ligado à prática e as
ciências básicas deveriam andar juntos, já que estas são as únicas capazes de nutrir, reforçar, e até
mesmo balizar aquele saber. Em outras palavras, eles são “os meios capazes de enfrentar a
violência com que os interesses lucrativos e a cobiça política estilhaçam a sociedade e a cultura”.
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Se invadir é um ato de “Entrar violentamente em / Espalhar-se”, não seria a ação de
estudantes, funcionários e professores em greve uma reação a uma forma de invasão, de violência
decretada pelo governo do estado?! Não seria um ato legítimo de resistência a essa entrada violenta,
agressiva de um poder político sobre os rumos da universidade que não pode e nem deve servir a
quaisquer governos, mas ao povo?! Não seria a ocupação da reitoria uma forma legítima de defesa
do bem comum frente a esse espalhar-se no interior da universidade de forças que desejam servir-se
da universidade que até aqui lutou por manter-se separada de intervencionismos politiqueiros?! Do
ponto de vista da Psicologia Política, parece-nos que a ação da reitoria nasce como uma nova forma
daquele que preconizou as manifestações dos caras pintadas. Parece-nos que temos diante de nós
um novo movimento que deixa para trás velhas lideranças e velhos métodos do estilo centralismo-
democrático que por muito tempo caracterizou o movimento estudantil e sindical. E em muitos
sentidos podemos dizer que nosso governador, ex-líder estudantil, traz esse estilo impregnado
consigo, visto que age segundo essa metodologia, age sem dar-se conta que hoje, na sociedade
contemporânea, como aponta Touraine (1994), o lugar do príncipe está vago e seu salão também.
Emergem os perigosos estrategas, mas esse não é o caso do governo pessedebista. O senhor
governador, crendo-se um príncipe maquiavélico (e não um maquiaveliano), reiterou que ele é que
soube lutar a verdadeira luta. Como ele mesmo afirmou, “Fui o grande líder estudantil do meu
descalabros que se estava vivendo e decidiram construir um novo movimento, uma nova cultura de
greve, uma nova oportunidade de fazer com que sua cidadania não morresse no papel, deflagrando
um imenso e irreversível processo de conscientização política muito parecido com aqueles que
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Em Galvão, V. Q. (19/05/2007)
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Inácio Martín-Baró (1996) já apontava quando nos falava do papel social do psicólogo. Assim,
políticas, se reconhecem enquanto sujeitos políticos aptos a construir a história da qual eles
Mas o contexto da greve nos remete também a Antonio Candido, intelectual brasileiro da
mais alta consideração. Ele, numa palestra de 1988 cujo tema era o Centenário da Abolição da
Escravatura, dirigindo-se aos estudantes dos cursos de graduação da Faculdade de Filosofia, Letras
desde a sua criação: fornecer os quadros do magistério secundário, unificar os cursos básicos da
as elites da época ansiavam por “um tipo de ensino superior desvinculado das injunções imediatas
da formação profissional” e “ligado à pesquisa, que tivesse como finalidade maior a investigação,
a descoberta, a inovação”. “Deste modo [conclui o autor], o país teria uma fonte nova de
conhecimentos, inclusive como reforço para a aplicação profissional”. Note-se que a ênfase dos
Candido acrescenta outro item, a saber, o da inclusão, no plano das pesquisas em Ciências Sociais,
de temas que tratavam da realidade das camadas oprimidas. Procurava-se romper, ao menos no
plano universitário paulista, com “o peso das ideologias conservadoras”, e se abandonavam seja os
estudos sobre as camadas dominantes seja aqueles que liam os oprimidos pelo viés do pitoresco. No
limite, a Universidade, surgida no seio da sociedade, mais especificamente das classes dominantes,
estaria livre não só para as pôr em xeque, como também para contribuir, a seu modo, para a
transformação efetiva de uma sociedade atrasada e injusta, uma vez que, para o autor, “todas as
formas de estudo e pensamento que adotam perspectiva analítica adequada e optam pela
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investigação dos grupos oprimidos ou marginalizados são contribuições progressistas, que podem
inclusive ser condições de eventuais atitudes revolucionárias”. Romper com um status quo que
abre mão da gratuidade da pesquisa, do ato de pesquisar, e com uma estrutura piramidal que exclui
parcela majoritária dos processos decisórios da vida universitária foi, certamente, o elemento
Essa “linha de radicalidade dos estudos sociais” que, segundo Antonio Candido, “foi um dos
Universidade de São Paulo, teria seu aprofundamento nos anos de 1960. Surgiria, naquele contexto,
se juntam progressismo, isto é, não-conformismo, e o virar as costas seja ao mundo dos negócios,
seja ao oficialismo. Seria a autonomia científica vivida quase na sua plenitude, mas sempre com o
nominadamente marxista, este não só era declarado como se vinculava à seriedade científica e à
leitura estrutural do texto, que só então começava a existir no país. Mais do que isso, a pesquisa,
que não se limitava aos participantes do seminário de Marx, unia o aprendizado internacional às
questões específicas do país, às quais as idéias importadas, isoladamente, não poderiam jamais
na quadra anterior, com foco tanto nos oprimidos quanto também nos opressores. Criava-se, com
isso, uma compreensão do nosso atraso enquanto parte de um sistema capitalista global, que dele se
alimentava – e do qual necessitava - para existir. Não restam dúvidas que nos tempos atuais, as
ações do atual governo, marcada pela violência simbólica que beira a violência física 2 , essa
2
Eram 500 os homens da tropa de choque enviados para intimidar os cerca de 2000 participantes da manifestação que
rumava até o palácio dos bandeirantes. Uns portavam armas de contenção e outros livros, cadernos e mochilas.
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interesseiro de corte liberal, no qual não há lugar nem dinheiro para a pesquisa pela pesquisa.Como
escreve Schwarz “a sujeição violenta em que se encontra o escravo, bem como a relação de
dependência à qual o homem livre e pobre na ordem escravista não pode fugir, ambas têm como
antagonista, no pólo oposto, a camada de homens que a propriedade insere no mundo do cálculo
econômico”.
Nesse sentido, éramos capitalistas desde sempre, apesar de não vivê-lo em sua plenitude, daí
o descalabro social em que o país vivia. Nesse sentido, parece-nos claro que a dialética de
exclusão/inclusão produz espaços marginais e mantém o status quo que garante e legitima a
realidade como essencialmente contraditória e em permanente contradição” (p. 8). Tal dialética da
marginais indica um movimento efetivo dentro da universidade que buscava a superação dessa
dialética perversa que mantém naturalizadas posições sociais e garante espaços estratégicos de
poder. Afastar-se dos oficialismos e aproximar-se de espaços marginais e lugares minoritários como
a população negra, era indicativo da construção, naquele então, de um real compromisso com a
produção de uma memória política que abre portas ao empoderamento de indivíduos e sujeitos
coletivos que eram sistematicamente silenciados, que tinha suas memórias coletivas negadas e eram
desse espírito na faculdade que era (e ainda o é) o coração intelectual da Universidade de São Paulo
da irracionalidade das massas bastante populares entre o final do século XIX e princípios do século
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XX e a emergência de um sujeito racional capaz de constituir-se politicamente (Prado, 2001). Nessa
luta, vemos, de um lado, alunos/as tomando consciência de seu lugar político na história da
universidade e numa posição reativa que defende direitos já adquiridos de modo a conservá-los sim,
mas que desperta a comunidade universitária de sua apatia que lhe impedia de recordar daqueles
fundamentos proclamados por Cândido. Por outro lado, víamos, e ainda vemos, discursos Le
autoritarismo de alguns elementos minoritários a decisão em prol da greve. Isso bem seria verdade,
havia na assembléia de professores algo em torno de 300 docentes, não fosse o fato de que qualquer
docente pode (e deve) comparecer a assembléia, debater e exercer seu direito de voto, mesmo não
sendo ele sindicalizado. Desta feita, caso realmente a maioria da universidade não quisesse permitir
ou mesmo permanecer em greve, bastaria apenas comparecer e votar sem que nenhum traço
autoritário se tivesse sido imposto. Mas como é comum nas elites, não se participa de ações
greve, tal recurso foi utilizado a exaustão: invade-se ao invés de ocupar; as ações são manipuladas e
irracionais e não jovens corajosos que são capazes de expor-se para garantir a defesa de seus ideais
Se nos anos 60 a formação em Ciências Humanas, na Universidade de São Paulo, tinha como
acrescidos do debate com os oficialismos, sempre em vista de uma compreensão mais ampla do
nos dias de hoje, a uma mudança radical no que tange aqueles fundamentos. Primeiramente, certos
setores da pesquisa em Ciências Humanas servem apenas para dar legitimidade, uma espécie de
lustre, às áreas profissionalizantes, emprestando seus métodos, mas não necessariamente balizando
visões de mundo por parte dos pesquisadores, em nome da absoluta, mas impossível, neutralidade
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científica, também se tornou regra, como se as metodologias teóricas ou práticas não tivessem
relações com as lutas políticas e sociais, e com os espaços que a classe docente ocupa na academia e
imediata, está em xeque, dando azo para, em quarto lugar, uma mudança radical no sentido da
Universidade: não mais transformar, ou enfrentar, o status quo, mas simplesmente reproduzi-lo,
campo científico no sentido já tratado por Pierre Bourdieu (2003). Oculta-se (ou pensas-se ocultar)
um campo de contradições e lutas em torno a uma economia política da ciência, produzindo novas
Esses quatro pontos estão inter-relacionados e, a nosso ver, formam a base de um dos recentes
decretos do governador José Serra. No decreto de nº. 51.461, mais especificamente no 2º. artigo,
lia-se que, constitui o campo funcional da recém criada Secretaria do Ensino Superior, “a
promoção da realização de estudos para”, entre outras coisas, a “ampliação das atividades de
nosso). Junta-se a esse item o seguinte, que previa estudos para “busca de formas alternativas e
adequadas ao atual estado tecnológico para oferecer formação nos níveis de ensino de terceiro e
quarto graus, com vista a aumentar a quantidade de jovens que cursam a universidade”(grifo
nosso). Além disso, tem-se a manutenção da FAPESP, a agência de fomento a pesquisa do Estado
de São Paulo, na Secretaria de Desenvolvimento Social juntamente com o Centro Paula Souza
vinculado a Unesp que, por sua vez, encontra-se alocado na recém criada, a partir da extinta
pesquisa e da extensão. Portanto, estava criado o cenário que sacramentaria, de vez, não só a ênfase
na tal pesquisa operacional, mas também o sentido da Universidade como reprodutora dos anseios
do governo. Tratava de, parece-nos, adequar a formação tanto em nível de graduação quanto de pós-
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graduação às demandas tecnológicas e profissionalizantes, embora não fique claro o que se entende
por “pesquisa operacional” (Estejamos atentos para o fato de que se convencionou no ambiente da
pesquisa falar em pesquisa Acadêmica, Aplicada e básica e não em pesquisa operacional). Tudo
isso estaria dado e sacramentado, não fossem esses vândalos, invasores, alienados, manipulados
que nos recordaram algumas das coisas que Cândido nos ensinara: o valor de uma sociedade justa e
uma sociedade nova, crentes de que um outro mundo é possível. Está mais do que na hora de
pode ter sido mais um corte na cerca que separa homens e mulheres e os fazem desiguais, pode ter
sido mais um passo rumo à ocupação que dá sentido ao tempo e ao espaço que faz a universidade
existir.
Referências Bibliografia
Bourdieu, P. (2003). Os usos sociais das ciências: Por uma sociologia clinica do campo científico.
São Paulo: Unesp.
Folha de São Paulo. (14/05/2007). “Nós não diminuímos a autonomia universitária”. Entrevista com
José Aristodemo Pinotti. Caderno Cotidiano.
Franco, M. S. C. (27/05/2007). Entre Quatro Paredes. Caderno Mais. Folha de São Paulo.
Mello, J. A.; Silva, A. S.; Mello, H. D. A. (25/06/2007). Memórias de um Passado Presente. Correio
da Cidadania, São Paulo, 25 jun.. Acessado em:
http://www.correiocidadania.com.br/content/view/520/47/
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