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Guerreiro
2 Trajetória de um guerreiro
Trajetória de um Guerreiro
História do DJ Raffa
DJ Raffa
Patrocínio Apoio
Copyright © 2007 DJ Raffa
COLEÇÃO TRAMAS URBANAS
curadoria
HELOISA BUARQUE DE HOLLANDA
consultoria
ECIO SALLES
projeto gráfico
CUBÍCULO
TRAJETÓRIA DE UM GUERREIRO
produção editorial
ROBSON CÂMARA
copidesque
DIANA HOLLANDA e ROBSON CÂMARA
revisão
TETÊ OLIVEIRA
revisão tipográfica
ROBSON CÂMARA
D653t
Dj Raffa
.-(Tramas Urbanas; 5)
ISBN 978-85-7820-001-5
CDU: 78.067.26
12 Prefácio — Toni C
14 Introdução
18 Cap.01 O Começo de tudo
22 Cap.02 Meus primeiros passos como b-boy
32 Cap.03 O break
46 Cap.04 Os DJs e as equipes de som
52 Cap.05 DJ Leandronik
58 Cap.06 A transformação do rap
64 Cap.07 Freire e Rossi Black
70 Cap.08 A primeira música
78 Cap.09 Os Irmãos Brothers
84 Cap.10 A música “Parem”
90 Cap.11 O primeiro emprego
98 Cap.12 Na casa de Brahms
104 Cap.13 O dia mais triste de minha vida!
112 Cap.14 O descaso
118 Cap.15 The Recording Workshop, em Ohio
126 Cap.16 Thaíde & DJ Hum
134 Cap.17 A Kaskatas
140 Cap.18 DJ Raffa e os Magrellos
148 Cap.19 O primeiro concurso de rap do DF
156 Cap.20 Fábrica de Som
162 Cap.21 DJ Marlboro
172 Cap.22 Sony Music
180 Cap.23 O contrato
188 Cap.24 Rosana
196 Cap.25 Televisão
204 Cap.26 O fim de um sonho
214 Cap.27 Baseado nas ruas
226 Cap.28 A terra prometida do rap
238 Cap.29 Geração rap
246 Cap.30 DF movimento
258 Cap.31 Mano Rogério
264 Cap.32 Câmbio Negro
272 Cap.33 Bagulho na sequência
280 Cap.34 Bem-vindo ao Estudio Atelier
286 Cap.35 Comando DMC
292 Cap.36 1993, um ano produtivo
302 Cap.37 A volta pro DF
310 Cap.38 Planet Records
314 Cap.39 Consciência Humana, Tá na hora, e Gog,
Brasília periferia
326 Cap.40 TNT Records
332 Cap.41 O gangsta rap tem um Álibi
340 Cap.42 Discovery
346 Cap.43 Diário de um feto
352 Cap.44 A minha parte eu faço
358 Cap.45 Funk Melody dance remixes
366 Cap.46 Código Penal
372 Cap.47 Guind’art 121
378 Cap.48 Na mira da sociedade
388 Cap.49 DJ Jamaika – Utopia
394 Cap.50 Reflexão
400 Cap.51 De Menos Crime
408 Cap.52 Sociedade Anônima
414 Cap.53 Entre a adolescência e o crime
426 Cap.54 Planeta Estúdio
438 Cap.55 CPI da favela
446 Cap.56 Associação Cultural Claudio Santoro
454 Cap.57 Ameaça Urbana
462 Cap.58 Pro Vinil
466 Cap.59 Um homem só
472 Cap.60 Viela 17
478 Cap.61 DJ Raffa 20 anos
486 Cap.62 Angel Duarte
492 Cap.63 A luz no fim do túnel
DJ Raffa
Prefácio
Se você pensa que rapper voa, tem visão de raio-X e que vive na
gozolândia, então, não leia este livro.
12
Prefácio 13
20
O começo de tudo 21
24
Meus primeiros passos como b-boy 25
7 Lê-se /eks/, como em inglês. X é pioneiro na arte das rimas no Brasil e foi um dos
fundadores do Câmbio Negro.
Meus primeiros passos como b-boy 27
8 O grupo era patrocinado por uma loja chamada Jeans Oeste, daí o nome.
28 Trajetória de um guerreiro
Meus primeiros passos como b-boy 29
30 Trajetória de um guerreiro
Posso falar que esses dois DJs são responsáveis pelo que eu
sou hoje. Foi ouvindo o programa deles, as mixagens, as mon-
tagens, os remixes que faziam, e vendo eles discotecarem de
perto, que formei a minha visão de hip-hop.
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O break 35
1 Uma lanchonete que não existe mais. Foi ponto de encontro dos jovens brasilien-
ses aos domingos, nos anos 80.
36 Trajetória de um guerreiro
— É marmelada, é marmelada!
E o Leandro respondeu:
— É mesmo? Eu também!
— Vocês já se conheciam?
— Mas você vai dançar com a gente, não vai? – perguntou Glaydston.
E Leandro acrescentou:
Leandro sempre foi um cara otimista. Mas não teve jeito. A decep-
ção tomou conta de todos. Entramos no ônibus e fomos para casa.
Era uma noite estrelada, porém triste.
Não saí de casa por mais de um mês. Nem motivação para dan-
çar eu tinha. Aos poucos, a tristeza deu lugar a uma vontade de
O break 41
42 Trajetória de um guerreiro
9. Twilight 22
“Electric Kingdom” (a primeira música de protesto cantada
em rap, mas no estilo electro) – 1983
10. Grandmaster Flash & The Furious Five
“The Message” – 1983
11. Art of Noise
“Battle of the Beat Box” – 1983
12. Malcolm McLaren
“Buffalo Gals” – 1982
13. Two Sisters
“B-Boys Beware” – 1984
14. Midnight Star
“Freak-A-Zoid” – 1984
15. Shannon
“Let the music play” – 1983
16. Kraftwerk
“Tour the France” (versão do filme Break Dance) – 1982
17. Man Parrish
Hip Hop Be Bop (Don’t Stop) – 1983
18. Arthur Baker
“Breakers Revenge” (do filme Beat Street) – 1984
19. Mantronix
“Needle to the groove” – 1985
20. Cuttin’ Herbie
“Two Three Break” – 1983.
48
Os DJs e as equipes de som 49
Ele me dizia que ouvia sons em sua mente, mas não conseguia
reproduzi-los na partitura nem na orquestra. Por isso, comecou
a adquirir sintetizadores, gravadores de rolo e equipamentos de
mixagem, como mesa de som, para desenvolver peças eletro-
acústicas em casa. Cresci ouvindo os sons estranhos que ele
produzia e vendo-o trabalhar nesses equipamentos.
54
DJ Leandronik 55
Essa é a minha filosofia de vida e deve ser por isso que me iden-
tifiquei tanto com o hip-hop e a periferia. O verdadeiro hip-hop
é assim, e não como muitos o fazem hoje, infelizmente. Nem
quando meu pai passou fome, ele se vendeu. Ele jamais traiu as
suas convicções ideológicas.
Foi assim que aprendemos mais sobre a cultura das ruas. Foi
assim que descobri que o hip-hop seria a minha vida.
1 Flashdance - Em ritmo de embalo. Famoso filme de 1983, dirigido por Adrian Lyne.
2 A assinatura dos grafiteiros.
58
CAPÍTULO 06:
Quando eu estava morando com o meu tio nos Estados Unidos,
mais especificamente no centro de pesquisas físicas Fermelab,
que ficava a quase uma hora e meia de automóvel de Chicago,
costumava escutar a rádio WGCY. Ela só tocava música de que
eu gostava: charme, rap e balanço. Eu gravava tudo em fita cas-
sete e mandava para o Leandro no Brasil. E fazia o mesmo com
os discos que eu comprava, com as músicas que sempre quis
ter. Por carta, Leandro me contou que quando as fitas chegavam
era uma festa. Todos se reuniam na casa dele e escutavam jun-
tos os últimos lançamentos.
60
A transformação do rap 61
Voltei dos Estados Unidos com muitos discos. Fiquei com medo
de a Alfândega barrar os meus vinis e resolvi deixar todas as
capas na casa do meu tio. Escondi os discos debaixo de roupas
numa mala e, graças a Deus, não tive problemas quando cheguei
no Brasil.
— É que ouvimos muito falar que você tem uma coleção enorme
de discos de break e a gente tá procurando música nova para
dançar – disse Rossi.
66
Freire e Rossi Black 67
1 Expressão usada por DJs para designar as mudanças de tempo em uma música,
tanto de mais lento para mais rápido quanto o contrário. Mais tecnicamente, o
termo está ligado à freqüência de um som, que, de forma simplificada, determina a
diferenciação na percepção de graves e agudos.
69
A
70
CAPÍTULO 08:
Freire, dos Magrellos, conhecia muitos DJs de equipes de som
e que tinham programas de rádio, e grupos como o União Black
Rio, cujo líder era o Fumaça, e The Funk Brothers, liderado pelo
Queen, que dançavam nos bailes da Dizi Som, no Núcleo Ban-
deirante. Ele fazia questão de me apresentar a todos que consi-
derasse importantes para eu ficar conhecido na cena.
Para mim, esse concurso foi importante. Não só porque foi minha
última apresentação dançando break em um palco, mas também
porque produzi especialmente a música para a gente dançar.
Essa base foi a primeira música que eu realmente fiz. Não foi
remix nem montagem com músicas internacionais. Eu já tinha
uma bateria eletrônica pequena da Korg DDM-110, um teclado
sampler pequeno da Casio SK1 (que sampleava 1.4 segundos em
8 bits na freqüência de 9.38 kHz, através de um microfone embu-
72
A primeira música 73
Por incrível que pareça, foi assim que algumas montagens e remi-
xes meus começaram a fazer sucesso em programas de rádio.
Uma montagem em especial chamou a atenção. Era “Holiday”, da
Madonna, misturada com a capela da versão de rap da mesma
música, produzida pela dupla européia MC Miker G e DJ Sven.
74 Trajetória de um guerreiro
Foi o Freire, dos Magrellos, quem fez a ponte para que o DJ Elí-
vio Blower conhecesse o meu trabalho como DJ. Até então, ele
só me vira dançando break.
Os Irmãos
O que era o grupo Irmãos Brothers? Cinco DJs, amigos de ver-
dade, fazendo música e cantando rap. Elívio, Toninho, Roberto,
Celsão e eu.
— Tá na hora de gravar?
80
Os Irmãos Brothers 81
Era uma grande diversão gravar com eles. E tudo de forma caseira.
Toninho e Celsão eram os principais vocalistas, Elívio programava
as baterias e eu fazia alguns arranjos com sampler, junto com o
Roberto. Tudo era novidade para mim.
meio Run DMC,1 que era o estilo mais tocado na época: batidas
com guitarras pesadas. “Fofinha” ganhou roupagem nova com
baixo, guitarra e teclados, sob o comando de músicos profissio-
nais, pois havia uma proposta de entrada em um disco compacto,
da antiga gravadora Continental. Acabou não dando certo.
1 Grupo de rap americano conhecido por mesclar ao rap guitarras elétricas típicas
do rock.
Os Irmãos Brothers 83
A música
Ao mesmo tempo em que eu estava no grupo Irmãos Brothers,
desenvolvia dois trabalhos paralelos. O primeiro foi com o Freire
e o Rossi. Fizemos a música “Contínuo”, porque eles trabalha-
vam como office-boys. Essa era a primeira música deles, e era
engraçadíssima. Nunca tocou em lugar algum, mas serviu como
uma primeira experiência.
86
A música Parem 87
92
O primeiro emprego 93
— Freire, beleza?
2 Chocados, impressionados.
3 Hoje a multinacional Sony.
O primeiro emprego 97
Viajei com os meus pais para o exterior, porque eles queriam ver
minha irmã Gisele, que morava na Alemanha. Meu pai tinha rece-
bido um convite para se hospedar, por duas semanas, na Casa de
Brahms,1 na cidade de Baden Baden. Brahms sempre foi o com-
positor preferido de meu pai. O ambiente era muito favorável para
ele, não só porque era inspirador para a composição de músicas,
mas porque o lugar oferecia muito material de pesquisa. Era o
final do inverno alemão e ainda fazia bastante frio. A casa era
pequena, mas confortável, e ficava ao pé de uma montanha.
100
Na casa de Brahms 101
106
O dia mais triste de minha vida! 107
114
O descaso 115
116 Trajetória de um guerreiro
The Recording
Em 1989, Alexandre Medeiros voltara a Brasília, após ter traba-
lhado como DJ e locutor na Rádio Cidade, em Amadora, Grande
Lisboa, Portugal. A gente se encontrou e ele me disse:
Fiquei fascinado com a idéia. Mas como eu iria? Uma das preo-
cupações que martelavam os meus pensamentos era a gravidez
da minha namorada, que tinha apenas 16 anos. E o nascimento
da a minha filha Rafaella aconteceria provavelamente quando
eu estivesse fora do Brasil. A outra preocupação era mais sim-
ples: falta de dinheiro para estudar no exterior.
120
The Recording Workshop, em Ohio 121
Não foram dias fáceis de estudo. Eu não era tão bom na parte
teórica, pois não tinha um bom conhecimento de inglês. Ima-
gine então quando se tratava de termos técnicos. Alexandre
sempre me ajudava com o idioma. Nos exercícios práticos, por
causa da minha experiência, eu era ótimo e tirava notas altas.
Nas provas práticas eu sempre me destacava. Foi em Ohio que,
pela primeira vez, fiz gravações de efeitos sonoros para vídeos,
e tive contato com os primeiros gravadores digitais DAT (Digital
Audio Tape) e seqüenciadores que usavam computadores para
fazer música, como o Macintosh Classic, o Atari e o Amiga.
Nem tudo eram flores. Tive vários sonhos e pesadelos com meu
pai. Intensos a ponto de o Alexandre me acordar. Uma noite, eu
comecei a esmurrar o espelho do alojamento. Tive que ir para o
hospital e enfaixar as mãos. Mas não foi nada sério a ponto de
comprometer o curso.
meu pai na UnB. Foi uma festa para mim. Rênio fez duas cópias
do disquete. Fui correndo para casa ensaiar os meus primeiros
passos no mundo do sampler. Fiquei fascinado com as possibi-
lidades que finalmente tinha para produzir as minhas músicas.
1 Bairro brasiliense.
128
Thaíde & DJ Hum 129
— Raffa, eu quero levar a fita demo de vocês pra São Paulo pra
mostrar pra algumas gravadoras independentes e especializa-
das nesse gênero musical – disse ele.
— Que nada, Raffa! Esquenta não, cara. Essas coisas são assim
mesmo. Foi muito legal o intercâmbio que fizemos com eles,
dançando na rua.
— Raffa, tem certeza que você quer dar esse gravador pra
mim?
136
A Kaskatas 137
— Carlinhos, tem muita gente no salão ainda. Por que você aca-
bou com o baile?
142
DJ Raffa e os Magrellos 143
150
O primeiro concurso de rap do DF 151
158
Fábrica de Som 159
Ainda em 1990, o MC Jack veio junto com o Paulo Boy para Brasí-
lia, me pedindo para mixar um disco que eles haviam produzido
160 Trajetória de um guerreiro
164
DJ Marlboro 165
— Por quê? Você vai fazer umas rimas no estilo dos gringos
também, Marcão?
— Agora eu vou pra São Paulo e pro Rio levar essa demo pras
gravadoras.
— Gordo, vamos embora. Não vale a pena não, cara. Deus é maior!
— Tudo!
2 Nessa época, as linhas telefônicas eram tão caras que algumas pessoas aceita-
vam trocar seu carro usado por uma delas.
168 Trajetória de um guerreiro
— Tem que ser hoje ainda, até as seis horas da tarde, porque
vou viajar no final de semana – respondeu.
— Estou aguardando.
Ele pegou a fita demo e colocou numa estante atrás dele, que
tinha, pelo menos, outras cem fitas. Aquela cena foi ainda mais
triste para mim do que a da secretária jogando a demo no lixo.
Eu duvidei que ele fosse escutá-la depois. Tubarão desanimou
tanto que nem quis ficar o final de semana no Rio para pegar
uma praia, como ele dizia.
— Vamos então.
170 Trajetória de um guerreiro
— Alô?
174
Sony Music 175
— Obrigado.
— Foi o DJ Marlboro.
Então percebi que não bastava ser bom ou fazer um ótimo tra-
balho. Que ter sorte e estar no momento certo, na hora certa
e no lugar certo fazia a diferença também. Lógico que se não
tivéssemos talento, não seríamos chamados para essa primeira
conversa.
— Quem fala?
— É o Raffa, cara!
— Não esquenta!
— Cara, como é que você tira esse som só com esse equipa-
mento? – perguntou um dos técnicos imediatamente.
— Vai tentar, não. Você vai arrebentar agora, cara! Manda ver! –
exclamei e saí da cabine... – Gravando! – falei para o técnico.
182
O contrato 183
— Você já viu o novo trabalho dela? Ela tem uma voz que lembra
muito as cantoras negras americanas. Só que nunca a direcio-
nou para esse público – disse Sérgio. – A idéia é boa para ela
também, porque através da música de vocês ela vai atingir um
público que não ouve Rosana.
— Não sei. Só sei que a gente quer fazer aquilo que gosta e acha
que é certo, sem se preocupar com tendências mercadológicas.
— Entendo – respondi.
— Eu acho que você tem uma voz linda e no estilo blues, que
hoje as músicas de pista estão pedindo – comentei.
190
Rosana 191
198
Televisão 199
Rosana foi então até seu quarto e voltou com um microfone sem fio,
daqueles que se coloca na cabeça e não precisa segurar na mão.
— Pode ficar com esse, por enquanto. Não estou usando e tenho
outro – ofereceu.
— Você vai ter que tocar a minha voz no teclado igual você tocou
no disco.
— Mas, e se eu errar?
— Eu sei que você não vai errar – disse ela com toda convicção.
206
O fim de um sonho 207
— Vou tentar, Raffa. Não sei se a Sony quer mais uma banda de
rap esse ano. Você sabe que temos orçamentos anuais fecha-
dos aqui na gravadora.
— Eu sei, Cláudio, mas mostra pro Sérgio e veja o que dá pra fazer.
Sérgio ainda pediu para termos calma e não ficarmos tão empol-
gados, porque a produção do Public Enemy ainda não tinha res-
pondido se poderíamos abrir o show ou não. Dias depois recebe-
mos a resposta positiva e logo tratamos de ensaiar bastante.
— Tão perto tem não, mano! Mas também não é uma caminhada
longa.
— Não, senhor.
Nessa hora pensei que o Jeff levaria uma taca.2 Porém, naquela
noite Deus estava com a gente. Fomos todos dispensados e os
policiais foram embora. Quando finalmente chegamos à pizza-
ria descobri que faltava dinheiro na minha carteira. O policial
1 Foram revistados.
2 Levar uma taca significa apanhar.
210 Trajetória de um guerreiro
216
Baseado nas Ruas 217
— Fala, sumido!
— Estou te esperando.
pagando cachê. Assim vocês vão ter dinheiro pra pagar três
meses de aluguel adiantados. Então, tá fechado?
— Tranqüilo, Raffa?
— Pode até ser Fish, mas não acredito que seja isso. É que, cada
vez mais, as gravadoras, mesmo independentes, querem ver o
trabalho pronto antes de contratar, entendeu?
A terra prometida do
Finalmente, chegamos com todas as nossas tralhas em São
Paulo. Era o segundo semestre de 1992.
228
A terra prometida do rap 229
— Vou pedir pra ele ir lá pra vocês acertarem tudo – disse Nelsão.
O Flip era muito jovem. Tinha apenas 19 anos. Ele nos procurou
na outra semana e fizemos uma grande amizade. Logo de cara,
ele se interessou pelos meus discos importados. Queria copiar
tudo. O Flip dançou para o Baseado até o fim de 1992 e depois
retornou para Fortaleza. Ele pretendia voltar a São Paulo em
março do ano seguinte, mas, infelizmente, por vários motivos,
não pôde. Ele ajudou muito no fortalecimento do movimento
hip-hop cearense. Mantivemos contato durante todos esses
anos e, hoje em dia, ele faz parte do grupo Costa a Costa.
— Loirinho, beleza?
Não era fácil. Tinha dias em que a gente não comia por falta de
dinheiro. O único jeito de enganar a dor no estômago era com-
prar um pacotinho de ki-suco, que a gente apelidou de “pó da
morte”, misturar com dois litros de água da torneira, porque
filtro era artigo de luxo, e colocar em um copo cheio de açúcar.
Assim a gente levava o dia-a-dia.
— Não tem versão. Esse cara aí tá louco. A gente nem tava falando
com ele. – respondeu Marcão.
— Não tá vendo que ele tá bêbado, véi? Isso é caô! – disse Marcão.
— Deixa “os negrão” pra lá, véio! Eles não têm nada a ver com
essa confusão – disse Marcão.
240
Geração Rap 241
gosto e respeito, você sabe. Mas acho que o rap nacional está
sendo muito discriminado e não tem espaço nenhum. Vou fazer
o que em Brasília, Genivaldo?
— Mas que Brasília tá mais carente sem você, isso tá, Gordo!
— Raffa, há muitos grupos de rap no DF, mas que não têm como
gravar. Fora o Leandro, não tem mais ninguém produzindo lá –
comentou Genivaldo.
— Não fiquei chateado por ter que trabalhar o dia inteiro num
domingo, Marcão. Fiquei chateado porque o Gog não foi comigo
para o estúdio.
244 Trajetória de um guerreiro
248
DF Movimento 249
— Beleza, onde?
— Baseado nas Ruas agora vai levar o som mais periférico que
vocês já ouviram – prosseguiu Marcão. E a galera começou a gritar.
— Meu... é uma honra fazer esse disco com você – disse Kult.
— Então vou te dar um dinheiro pra você fazer uma feira e aju-
dar na alimentação da galera, Raffa.
260
Mano Rogério 261
— Aí, mano... Não pensei em outro lugar. Por isso que eu trouxe
os armamentos. Qualquer coisa a gente troca com eles.
1 Policiais.
2 Grupos de extermínio geralmente compostos por policiais, ex-policiais e comer-
ciantes das comunidades.
262 Trajetória de um guerreiro
— Então, Raffa, pega esse três oitão3 aí pra você – zoou Marcão.
266
Câmbio Negro 267
— Mas você acha que as músicas com palavrão vão tocar nas
rádios, Raffa? – insistiu ele.
— Aí, velho, eu não vim lá do Cerrado pra queimar meu filme não.
Vou passar o som antes do show! Nino, vamos passar o bumbo
agora!
274
Bagulho na Seqüência 275
Outra música que fizemos para o disco foi “Jogo das ruas”, com-
posta a partir de um compacto do Mandril.1 O interessante era que,
depois dessa música, entrava a vinheta que havíamos gravado na
rua e começava a base de “Vacilão”. Logo depois, escutava-se o
Marcão falando que não gostava da base, pedindo para eu colo-
car a base da música anterior. Então, entrava a base de “Jogo das
Ruas” com uma outra batida, sampleada de filmes dos anos 70.
Tudo isso era emendado. O disco todo era uma faixa emendada
em outra. Eu o editei todo na fita rolo. Nessa época a gente já gra-
vava digitalmente em DAT, mas eu fiz questão de mixar para fita
magnética, porque sabia que o som analógico faria a diferença.
1 Grupo norte-americano que misturava soul com ritmos caribenhos dos anos 70.
276 Trajetória de um guerreiro
Foi nesse estúdio que eu gravei uma banda de rock que se cha-
mava Utopia. Eles eram simplesmente os Mamonas Assassinas.
Utopia era o nome da banda antes de virar Mamonas e estourar
em todo o cenário nacional. O Dinho já era engraçado e piadista;
aliás, todos eram. Fizemos uma grande amizade. Eles ainda não
sabiam muito bem o que queriam. Rock sério ou cômico. Quando
o trabalho estava quase pronto, eles me pediram conselhos
sobre como proceder com a gravadora com a qual estavam
assinando contrato. Foi uma experiência legal. Infelizmente,
depois que esse disco independente saiu, perdemos contato e
depois só os revi pela televisão, quando estrearam no programa
do Jô Soares, que ainda era no SBT. O último show deles, antes
do fatal acidente, foi em Brasília. E eu quase fui no hotel para
reencontrá-los e cumprimentá-los pelo sucesso. Mas acabou
não acontecendo. A morte dos Mamonas foi uma grande perda
para a música no Brasil.
Bagulho na Seqüência 279
Bem-vindo ao
Nos dias úteis, eu trabalhava no estúdio; nos finais de semana,
fazia as produções. Às vezes, marcava as produções durante a
semana e revezava com o Jadir no estúdio, trabalhando à noite,
indo madrugada adentro. Isso comecou a se tornar uma rotina.
282
Bem-vindo ao Estúdio Atelier 283
288
Comando DMC 289
1 Neste caso significa muito legal, mas também pode denotar algo ruim, perigoso.
290 Trajetória de um guerreiro
Voltei para São Paulo junto com a minha filha e a mãe dela, Zil-
mar. Era mais uma tentativa de reconciliação para construir um
ambiente familiar para a Rafaella. O Marcão teve que se mudar
294
1993, um ano produtivo 295
para o quarto dos fundos. Nem ele nem a Kátia ficaram chatea-
dos por isso, já que acabaram ganhando mais privacidade.
O disco Vamos apagá-los com o nosso raciocínio foi mais uma novi-
dade no cenário do rap nacional. Tanto pela capa polêmica – em
que o Gog aparece segurando uma arma –, como pelo conteúdo
das letras. Lançado em 1994, ele tocou na programação normal de
algumas rádios de São Paulo, fora dos programas de rap.
2 Dino Black e TDZ formavam o grupo Morte Cerebral, que adotou uma linha de
trabalho bastante pesada, com letras sérias e conteúdo político-social.
3 Uma das maiores avenidas de São Paulo que liga a cidade ao ABC Paulista.
298 Trajetória de um guerreiro
— Eu nunca pedi pra ficar com eles, Fábio. Você que deixou eles
comigo.
— Porra, Marcão, você sabe que eu não falo mais com o Getúlio.
E que ele nunca me pagou pelas produções que fiz pra ele –
respondi – Já se esqueceu o que aconteceu comigo por causa
disso? – disse, referindo-me à história do cheque do Gog.
— Marcão, sinto muito, velho. Não vou te ajudar, velho. Não vou
falar com o Getúlio e pedir pra ele falar com o pai dele – disse eu.
304
A volta pro DF 305
— Então, Raffa, a gente tá com uma proposta pra fazer pra você
– disse Marquinhos, indo direto ao assunto.
— Pode falar.
— Equipe de produção?
— Vocês tão querendo fazer igual ao Dr. Dre. Ele trabalha com
equipe de produção e músicos no estúdio. É isso?
— Não sei se vai dar certo, Nino. Mas é claro que eu penso nisso,
velho – respondi – Eu continuo achando que vai ser muito difí-
cil, porque o miami bass e o freestyle ainda imperam lá. Na ver-
dade, ninguém daquela cidade sabe ao certo o que realmente
acontece no mundo do hip-hop.
Quando voltamos para casa, ela logo viajou para Brasília. Fiquei
ainda em São Paulo para resolver os últimos problemas. Antes
de entregar a casa para a imobiliária, já sem os móveis, eu fiquei
duas semanas muito doente, com febre e incomunicável. Não
tinha forças nem para levantar do colchão. Foi uma sensação
horrível de abandono e solidão, pela qual eu nunca mais quero
passar na minha vida.
312
Planet Records 313
316
Consciência Humana, Tá na hora, e Gog, 317
Brasília periferia
— Não, Gordo. É só você fazer uma feira pra ajudar com as des-
pesas em casa – respondeu.
“Tá na rua” começou com uma conversa entre mim e Nino. Ele
me chamou na loja para mostrar um disco de um grupo novo da
gravadora do Eazy-E, a Ruthless Records. O grupo se chamava
Bone Thugs-n-Harmony e o disco era um single com “Thuggish
Ruggish Bone”. A música me impressionou muito. Ela era muito
lenta, com uns 68 BPM, e a rima era inovadora. Aquilo me con-
quistou na hora e percebi imediatamente que esse estilo iria pre-
dominar nos próximos anos. Minha frustração era que a maioria
dos grupos americanos que faziam o G Funk usava muito um
instrumento chamado moog. Era um teclado analógico, criado
nos anos 70 pelo engenheiro Bob Moog, um dos pioneiros no
desenvolvimento dos sintetizadores, falecido em 2005. Seus
instrumentos foram marcantes na evolução da música, tendo
sido utilizados por artistas de vários gêneros, com um papel
fundamental na música progressiva. As sonoridades inusitadas
obtidas com os sintetizadores moog continuam a ser usadas
largamente no hip-hop, r&b e dance no mundo inteiro. Como eu
não tinha acesso a esses timbres em nenhum módulo e teclado
que eu adquiria, eu tinha que improvisar. Minha mais nova aqui-
sição era um módulo Protheus, da EMU. Ele tinha um timbre
parecido com o moog e resolvi usá-lo em “Tá na hora”.
Como o Gog já tinha pago o estúdio, o tape estava nas mãos dele.
A decepção se instalou mais uma vez quando me contaram a
reação que ele teve ao ser cobrado pelo Nino e pelo Ariel.
Eu acho que todos erraram. O Gog, por ter agido daquela forma,
sem valorizar o nosso trampo. E nós, por não termos sido profis-
sionais o suficiente para resolver questões financeiras antes de
pegarmos o trabalho. Mais uma vez, me afastei do Gog.
O telefone celular nunca funcionou direito. Não sei se porque
a gente não sabia mexer ou porque estava quebrado mesmo.
Além do mais, ter uma linha celular naquela época era inviá-
vel. Só sei que o Nino e o Ariel passaram para frente o apare-
lho e, com o dinheiro, pagaram umas contas da loja.
326
CAPÍTULO 40:
A gravadora do Donizete não parava de crescer. Voltei no ano de
1994 a São Paulo para fazer várias produções para a TNT. Fiquei
hospedado na casa do Donizete, no porão em que ficava o depó-
sito dos discos da gravadora, onde havia um espaço grande e
deu para eu montar o meu equipamento. O Donizete pegava as
músicas de trabalho de cada disco e fazia um single promocio-
nal, em vinil, para os DJs. Era mais um investimento e novidade
que crescia muito no mercado do rap nacional.
328
TNT Records 329
Eram trabalhos com letras assim que me faziam ter cada vez
mais motivação no dia-a-dia. O Produto da Rua acabou, mas o
MC Kult e o Panther formaram o grupo de rap gospel Saqueado-
res e se converteram à religião evangélica.
tem um
Em 1995, o mercado do rap nacional do DF começou a ganhar
fama em todo o Brasil. Além dos meus trabalhos no ano anterior,
o Rei montou o Cirurgia Moral e lançou o disco Cerébro assas-
sino. Esse álbum tinha uma forte influência do estilo musical do
Câmbio Negro, trazendo o trabalho para um som mais acústico.
O Cirurgia conquistou o prêmio “Revelação do ano” na categoria
rap, no evento promovido pela Metro FM de São Paulo. A influ-
ência do rap do Cerrado estava muito presente em Sampa.
— Loirinho, você tem que ver o que eu faço lá. Não tem aqueles
tubos com oxigênio?
334
O gangsta rap tem um Álibi 335
— Sim, e daí?
— Cê tá doido, velho?
— Cara, ele tá puto com essa história que você agora tá dizendo
que o Câmbio não é só mais ele e você, e sim a banda toda.
— Gordo, falei pra ele que do jeito que estava não dava mais. Ele
não gostou não velho, mas ficou por isso mesmo.
Junto com o seu irmão Rivas, ele formou o grupo que influenciou
toda uma geração de grupos de rap no DF e no Brasil inteiro,
além de iniciar o estilo gangsta no rap nacional. Nascia o Álibi.
342
Discovery 343
Nessa época, crescia muito a mania dos carros com som potente
e o bass era o ritmo perfeito para tocar bem alto nas estradas.
Por isso, cresceram bastante as vendas de discos nesse estilo
lá na Planet.
348
Diário de um feto 349
E a TV foi vendida
Pra nos garantir mais um mês de comida
Mesmo com toda essa crise, eles não desistiam
Por muitas vezes, de fome eles nem dormiam
Meu pai era meu herói, aquilo sim que era homem
Ficou dias sem comer
Pra que eu não passasse fome
Até que um dia o desespero enlouqueceu minha mãe
Disse não querer pra mim aquela vida sofrida
Comida já não havia, agora comíamos lixo
Falou que um filho seu jamais seria um bicho
Abriu as pernas com uma haste de metal
Me furou, machucou, torceu, dilacerou, estocou
A MINHA MÃE ME MATOU!!!
Começo esse capítulo com “Diário de um feto”, para mim, uma das
letras mais impressionantes que X já escreveu.
— Pode crer, X! A gente ganha mais, cara. Você tem que acre-
ditar que eu continuo seu amigo, cara, independente de estar
trabalhando com o Jamaika e o Rei.
2 Delator, dedo-duro.
352
CAPÍTULO 44:
O disco seguinte que produzi com o Jamaika foi o segundo do
Cirurgia Moral. O título é o mesmo de sua música principal: A
minha parte eu faço.
354
A minha parte eu faço 355
360
Funk Melody Dance Remixes 361
— Legal!
— Não sei, não, Ariel! A música tem que ser mostrada em estú-
dio, com qualidade – respondi.
— Claro! Mas tem que ser artistas que são distribuídos pela
Spotlight – disse Cristóvam, cuja gravadora ficava no Rio.
— Fechado!
Por que o preconceito? Por que eu não poderia fazer outro tipo
de trabalho profissionalmente? Por causa disso eu estaria
traindo o movimento hip-hop?
Mais uma vez, as letras do Gog tinham uma ligação muito forte
com os rumos da política do país. O Japão e o Mano Mix já faziam
parte do grupo, e no próximo disco o Dino Black também estaria
nesse time.
368
Código Penal 369
374
Guind’art 121 375
1 Alesis Digital Audio Tape é um gravador de áudio digital que usa fitas similares
ao formato S-VHS dos videocassetes. Cada fita tem a capacidade de gravar até oito
canais simultaneamente.
380
Na Mira da Sociedade 381
Não tem como não colocar a letra inteira aqui. Todo mundo, mesmo
quem não ouvia hip-hop, se identificou com a música. Novamente
uma música do Gog tocava em rádios de São Paulo e do Brasil.
Essa foi a minha última produção na sala da 315 antes de ir para a
minha nova sala, na 215 Norte.
Na Mira da Sociedade 387
388
CAPÍTULO 49:
O primeiro trabalho que produzi na 215 Norte foi o CD solo do
Jamaika, que se chama Utopia. Nesse trabalho revi o Brother,
vocalista, nos anos 80, do antigo grupo Black Jamaika, e depois
do Scambal a Quatro. Também conheci o Angel Duarte, cantor da
famosa banda de baile Esquema Seis, no DF. Angel já tinha uma
predestinação para cantar black music. Ele tem muito talento e,
em 2006, participou do programa Ídolos, do SBT.
390
DJ Jamaika - Utopia 391
396
Reflexão 397
— Tá fechado, véi!
— Gordo, por que você não monta uma cabine de voz aqui na
sala e fica independente? – perguntou Marcão, quando come-
çamos a produzir o repertório do disco no meu estúdio.
— Sério, Marcão?
— Gordo, não vai ser de Primeiro Mundo como você está acos-
tumado, mas vai dar pra você gravar voz, velho!
— Marcão, pede pra ele vir com tudo pra morar aqui – respondi. –
A gente arruma um emprego pra ele.
Mais uma vez, Brother emprestava a voz para fazer o refrão. Eu,
o Nino e o Ariel fizemos o lançamento do CD no Salão de Fes-
tas City, na cidade-satélite Taguatinga, com a Smurphies Disco
Clube. Aproveitamos e levamos o Comando DMC. O DJ Celsão
tocou na festa.
402
De Menos Crime 403
Outra faixa que marcou foi “1,2 1,2 Drão”. São Mateus inteira
desceu para o DF.
Lado leste de São Paulo DRR é só enquadro,
sem dá boi pra oportunista otário;
Sai da goma falsário, na banca não cola mané,
HC São Mateus pretos e brancos de fé.
Sou W. Gee, Preto Aplick firmou, Adriano CH é banca forte, morou?
Hip-hop de periferia, baixo marcando ornando em cima da batida;
Chega Pereira, chega Abelha, De Menos Crime Zona Leste
é muita treta;
Chega Pancho, chega Grand, chega Choque, U Negro, Terceira Divi-
são, Homens Crânios...
O CD São Mateus pra vida vendeu mais de 120 mil cópias, o que
foi muito bom para o grupo, para mim e para o rap nacional.
O triste foi precisar de um advogado para receber meus direitos
de 2% do total de vendas e o cachê pela produção do trabalho.
1 Otário, burro.
De Menos Crime 407
Afinal de contas, temos algum objetivo neste Mundo, seja ele qual
for, a esperança é a última que morre, me socorre.
410
Sociedade Anônima 411
Alemão nunca deixou de lado a veia política nas letras que fez.
eo
Dario veio para Brasília conversar comigo sobre o novo trabalho
do Consciência Humana. Ele estava empresariando o grupo e
queria uma data para que eles viessem ao Cerrado. Fechamos
um dia e ele pagou adiantado a produção porque eu tinha a idéia
de comprar um microfone profissional para mim. O Consciên-
cia Humana ficou hospedado na minha sala, na 215 Norte. No
primeiro dia de trabalho eu tive uma forte dor no nervo ciático,
e o Leandro, que por acaso passara por lá, me ajudou a chegar
em casa. Eu não conseguia sequer levantar. Foram cinco dias de
cama por ordem médica.
416
Entre a adolescência e o crime 417
Planeta
a
Antes de produzir o CD Entre a adolescência e o crime , eu e Ariel
nos desligamos da sociedade na Planet. Ocorreu mais ou menos
assim: logo que a tecnologia de gravadores de CDs chegou ao
mercado, eu usei meu cartão de crédito para comprar o apare-
lho. A idéia era fazermos CDs próprios para os nossos clientes.
Mas a gravadora nunca funcionou direito e, depois de vários
testes mal sucedidos, o Ariel desistiu do projeto. Com isso, nós
não conseguimos fazer os CDs que venderíamos para pagar a
conta do cartão. Tudo sobrou para mim e fiquei com uma dívida
interminável. Esse foi um dos principais motivos que fez com
que eu me afastasse da loja e de todos. O Ariel deixou tudo nas
costas do Nino, que assumiu sozinho o pepino e continuou a
levar a Planet para frente. Somente anos mais tarde descobri
que, na verdade, o Nino não tivera nada a ver com os problemas
que enfrentamos por causa da gravadora de CD.
428
Planeta Estúdio 429
— Valeu, Andy!
430 Trajetória de um guerreiro
de produção na Zen), mas não ganhava nada por isso, já que a gra-
vadora pagava as horas de estúdio diretamente para o estúdio, e
quem recebia pelo trabalho de técnico era o contratado pela Zen.
Ele não fazia praticamente nada, enquanto eu, que realizava todo
o seu serviço, recebia somente pela produção. No começo, eu
não me importava, tudo era festa, mas com o passar dos anos fui
ficando revoltado por trabalhar entre 60 e cem horas e não ganhar
nada por isso. Eu não achava justo. Fui procurar o Pauli, do Planeta
Estúdio, e perguntei se ele não me arrendaria o estúdio.
1 Armadilha.
Planeta Estúdio 433
— Queremos que você assine uma produção sem ter feito ela –
responderam.
— Pensa bem que quando ele estiver lá dentro, ele vai te cha-
mar pra você produzir o CD junto com ele. Aí você poderá cobrar
uma fortuna de cachê pela sua produção.
— Porra, Raffa, por que você fez isso, cara? – perguntou Genivaldo.
440
CPI da Favela 441
— Raffa, a gente tem que fazer esse disco com você – disse
Japão.
Profissão pedreiro
Passatempo predileto
Pandeiro
Preso portando pó passou pelos piores pesadelos
Presídio porões problemas pessoais
Psicológicos perdeu parceiros passado presente
Pais parentes principais pertences
PC
Político privilegiado preso parecia piada
Pagou propina pro plantão policial
Passou pela porta principal
Posso parecer psicopata
Pivô pra perseguição
Prefeitos populares portando pistolas
Pronunciando palavrões
Promotores públicos pedindo prisões
Pecado pena prisão perpétua
Palavras pronunciadas
Pelo poeta irmão...
Da gente um desespero
Um sonho um pesadelo o sangue
O crime está no ar e você é mais um herdeiro
Vou novamente me apresentar
Sou revolucionário sou nova forma de pensar
Eu sou o papelote a inscrição pra receber o lote
A bomba que explode
O batalhão inteiro
A esperança o orgulho do povo brasileiro.
Depois que o disco saiu, a revista Show Bizz publicou uma crí-
tica excelente sobre ele, com um comentário onde dizia que o
Gog tinha reencontrado o seu melhor parceiro de produção, DJ
Raffa. Não sei se isso agradou ao Gog, mas sei que esse jorna-
lista lera os meus pensamentos. No entanto, todo o processo
financeiro desse trabalho fora tratado diretamente com a Ales-
sandra, que tinha o dom de estragar tudo e de espantar todos
os meus clientes e amigos com quem eu trabalhava. Só eu não
enxergava isso e, por muito tempo, enquanto estávamos juntos,
as pessoas começaram gradativamente a se afastar de mim.
448
Associação Cultural Claudio Santoro 449
— Tá fechado, Raffa.
456
Ameaça Urbana 457
— Ai... Não sou lenda não, velho! Lenda é coisa que não existe –
respondi. – Mas pega o meu telefone e me liga essa semana.
Quero falar com vocês.
1 Fofoqueiros.
458 Trajetória de um guerreiro
459
460 Trajetória de um guerreiro
464
Pro Vinil 465
468
Um Homem Só 469
— Beleza, velho!
— Combinado! – exclamei.
— Saquei!
2 Pegada, peso.
472
CAPÍTULO 60:
No estúdio da Associação Cultural Claudio Santoro eu produzi
o primeiro disco do Viela 17, em 2001. Japão, Mano Mix e Dino
Black se libertaram do Gog – assim o Dino descrevia a saída
deles – depois do último disco dos quatro juntos, o CPI da
Favela. Não posso dizer que esta separação fora amigável, por-
que havia muita mágoa no coração dos três. Achei que o Dino
fora muito oprimido pelo Gog, a ponto de não dar valor ao pró-
prio trabalho que desenvolvia, como idéias de bases, rimas e
letras. Eu o senti muito inseguro com tudo.
— Por que você acha que já não pode fazer um CD inteiro seu,
Dino?
— Sei lá, Raffa! Acho que ainda não tenho essa capacidade,
velho – respondeu.
474
Viela 17 475
O disco já estava pronto, mas ainda não tinha ido para a prensa,
quando eu tentara negociar o trabalho com o Serafim, da Zâm-
bia, em São Paulo.
Acho que foi a primeira vez que não fiquei grilado de estar
prejudicando um grupo de rap por tomar uma decisão firme.
O Japão estava junto comigo nessa reunião e assim não havia
motivos para duas versões da história. O único estresse ocor-
reu porque ele se envolveu com a dupla de empresários pára-
quedistas que afundara a carreira do Jamaika. Antes mesmo de
começar a produção, o Japão contara sobre o disco a ela, que
se interessara por empresariar o Viela 17. Voltando para o DF,
sem saber do assédio da dupla, tive a péssima idéia de dar uma
cópia da master do CD pronta para o Japão ouvir. Os filhos da
puta dos empresários pegaram essa master e foram direto para
São Paulo, entregando-a para o Serafim prensar o CD. Quando
eu soube, fiquei muito nervoso, chateado e me senti profunda-
mente traído. Fechei os olhos, acreditei de todas as maneiras
na inocência do Japão, e me afastei de todos.
1 Influência negativa.
2 Parte do complexo penitenciario da papuda, em Brasília.
480
DJ Raffa 20 Anos 481
488
Angel Duarte 489
— Sim!
No outro dia, o Angel foi para sessão de fotos à noite. Achei que
o estilo do fotógrafo e das fotos não tinham nada a ver com o do
disco, mas eu não poderia criticar sem ver o resultado final. O
Niltão então promoveu no Direct TV Hall, em São Paulo, o lan-
çamento da Obi Music, com shows do Berimbrau, Angel Duarte,
Jamelão – da Velha Guarda da Mangueira – e outros artistas. Eu
não estava presente porque viajara para fora do Brasil, acom-
panhando a minha mãe em assuntos relacionados ao Seminá-
rio Internacional de Dança de Brasília. Antes de embarcar, no
entanto, resolvi adiantar para todo mundo o dinheiro que o Nil-
tão prometera pagar, cobrindo os gastos com a produção do CD.
Depois, como a minha escala passava por São Paulo, aproveitei
para ir vê-lo na Obi Music.
A minha amizade com o Angel nunca mais foi igual. Nem mesmo
quando a gente produziu faixas para o seu segundo CD, que
nunca se concretizou. No final das contas, o Niltão não trabalhou
o Black Soul como deveria, e deu mais atenção ao Berimbrau; o
Angel ficou “congelado” na gravadora como acontece a vários
artistas ao “ameaçarem” os artistas de ponta. O resultado é
que, algum tempo depois, infelizmente o Angel emprestou a voz
para um estilo musical que nada tinha a ver com ele. Formou
uma banda de rock pop que só deu certo por um curto período
de tempo. Recentemente, ele participou do programa Ídolos, no
SBT. Sempre conversei muito com ele sobre o que significa se
expor em programas de TV com essa temática: os resultados
podem ser bons temporariamente, mas, na maioria das vezes,
são muito ruins no final.
492
CAPÍTULO 63:
Através do Ameaça Urbana, conheci outros grupos do entorno Sul
do DF. Para mim, esses novos artistas estavam fazendo história
no hip-hop do Cerrado, assim como os grupos da Ceilândia nos
anos 90. Eu estava produzindo um grupo chamado Tocaia, que me
apresentou ao Gueto Hábil, outro muito talentoso. Todos amigos do
Batata. Eu e o Ariel marcamos um churrasco no Clube do Vicente,
perto da casa do Thiago, integrante do Tocaia, porque queríamos
conversar com alguns grupos. A gente pensava em investir neles,
produzindo e lançando seus CDs no mercado fonográfico.
494
A luz no fim do túnel 495
498
499
Cap. 13:
— Claudio Santoro na sala da Casa de Brahms em Baden Baden
na Alemanha Ocidental, em 1989. Foto: arquivo pessoal
Cap. 14:
— Família Santoro reunida: Alessandro, Raffa, Claudio Santoro (pai),
Gisele e Gisele Santoro (mãe) na Alemanha Ocidental, na época
do exílio. Foto: arquivo pessoal
Cap.16:
— DJ Hum, DJ Raffa e Japão do Viela 17 no Rio Presidente Hotel,
no Rio de Janeiro no Prêmio Hutúz 2004. Foto: arquivo pessoal
Cap. 17:
— Relação das dez mais tocadas da Kaskatas. Revista Dj Sound, dez.1990.
Cap. 18:
— Dj Raffa e os Magrellos.
Cap. 19:
— DJ Raffa e Marcão em frente ao Congresso Nacional, em Brasília
em 2003. Foto: arquivo pessoal
Cap.21:
— Dj e os Magrellos. Detalhe de capas.
Cap.22:
— Rossi, Black, Marcão, Freire, Raffa e Tubarão, que formavam os
Magrellos, na Praça dos Três Poderes, Brasília em 1989.
Cap.24:
— Baseado nas Ruas. A sabotagem continua, detalhe da capa do cd.
Cap.27:
— Baseado nas Ruas: Marcão e DJ Raffa, em 1992.
Foto: Diário de Guarulhos
Cap.29:
— Gog. Prepare-se, detalhe da capa do cd.
Cap.30:
— Panfleto do evento Rap do Suplicy no vale do Anhangabaú,
em São Paulo, em 1992.
Cap. 32:
— Câmbio Negro, detalhe da capa do cd.
Cap. 34:
— Baseado nas Ruas, detalhe da capa do cd Reflexão.
Cap. 39:
— DJ Raffa, Gog e amigo na casa do pai de Ariel Feitosa
em Riacho Fundo, Brasília, em 2004. Foto: arquivo pessoal
500
Cap.40:
— Detalhe do estúdio. Foto: arquivo pessoal.
Cap.41:
— Panfleto do show da Torre de TV no I Encontro da Juventude
em Brasília em 1998.
Cap. 45:
— Funk melody dance remixes, detalhe da capa do CD.
Cap. 46:
— Celso Athayde, fundador da CUFA e Raffa no Hutúz, no Rio de Janeiro.
Foto: arquivo pessoal.
Cap. 47:
— Guind’art 121, detalhe da capa do cd Livre arbítrio.
Cap. 48:
— Credencial para o show do Public Enemy. São Paulo, 1991.
Cap. 49:
— Personagens do Hip-hop DF: Jamaika, X ,Fabio Macari, Gog, Panther
Souto, Kult e Pitota. Foto: Revista DJ Sound.
Cap. 51:
— De menos Crime. (detalhe).
Cap. 53:
— Entre a adolescência e o crime. Detalhe da capa do cd do grupo
Consciência Humana. (detalhe).
— DJ Adriano, ex-DJ do grupo Consciência Humana, Beth Carvalho,
DJ Raffa e Vander Carneiro no estúdio Ateliê em São Paulo, em 2004.
Foto: arquivo pessoal.
Cap. 55:
— Gog, detalhe da capa do cd CPI da Favela.
Cap. 56:
— Claudio Santoro em seu piano na casa da família Santoro em
Brasília na década de 80. Foto: arquivo pessoal.
— Claudio Santoro em seu estúdio de música eletroacústica,
na Alemanha Ocidental. Foto: arquivo pessoal.
Cap. 57:
— (da esquerda para a direita) Japão (Viela 17), DJ Raffa, Mikimba
(De Menos Crime), Batata (Ameaça Urbana), W. Gee (Consciência
Humana), Kid Nice (Sistema Negro), Boguinha e Lula (ambos do
Ameaça Urbana), no Hutúz, que aconteceu na casa de shows
Canecão, no Rio de Janeiro em 2004. Foto: arquivo pessoal.
— DJ Raffa em Belo Horizonte palestrando no evento Hip-hop Doc.
Foto: arquivo pessoal.
501
Cap. 58:
— Crachá do lançamento do CD DJ Raffa 20 anos no Ginásio Nilson
Nelson em Brasília, no ano de 2003.
Cap 60:
— Viela 17. Detalhe da capa do CD: O jogo.
Cap 61:
— DJ Raffa e grupo Antecedente Criminal, do complexo penitenciário
da Papuda, no estúdio da Associação Cultural Claudio Santoro em
2003. Foto: arquivo pessoal.
Cap.63:
— DJ Raffa e sua mulher Aninha, do grupo Atitude Feminina no
I Festival do Cerrado na Torre de TV, em julho de 2006.
Foto: Welber de Souza.
Sobre o autor
Está na cultura hip-hop desde 1983, quando dançava break nas
ruas do Distrito Federal. Montou uma equipe de som, trabalhou
como DJ em casas noturnas e bailes na periferia. Formou-se
como engenheiro de som nos Estados Unidos e começou produ-
zindo rap nacional em 1987. Foi integrante de dois grupos de rap
(Magrellos e Baseado nas Ruas), trabalhou em vários estúdios
em São Paulo, Rio de Janeiro, São Luíz e Brasília. Recebeu o prê-
mio Hutúz em 2000 e 2004. Atualmente, participa de projetos
sociais como Educador e Professor. É idealizador e coordena-
dor do “Seminário Hip-hop do DF e Entorno” e do “Festival de
Hip-hop do Cerrado”, principais eventos nesse genero no DF.
É professor da Escola de Música de Brasília e um dos produto-
res de rap mais solicitados no Brasil. Tem quatro discos de ouro
(oficiais) e mais de cem trabalhos produzidos. Divide os palcos
com o grupo Atitude Feminina, DJ Leandronik e o SomCaTadO
por todo Brasil.
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Este livro foi composto em Akkurat.
O papel utilizado para o miolo foi o Pólen Bold 90g/m2.
Para capa o papel é o Supremo Alta Alvura 250 g/m2.