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Professora:
Me. Amanda Crispim Ferreira
DIREÇÃO
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
•• Compreender os conceitos de Eugenia e Raça.
•• Entender como as ideias eugenistas influenciaram as relações sociais no
Brasil e no mundo.
•• Refletir sobre o mito da democracia racial e seus efeitos no Brasil.
•• Perceber como o mito da democracia racial atrapalha as discussões sobre
racismo no Brasil.
•• Diferenciar o racismo brasileiro do existente em países que adotaram leis
segregacionistas como Estados Unidos e África do Sul.
PLANO DE ESTUDO
Caro(a) aluno(a)!
Pensar o racismo não é uma tarefa simples, mas, quando nos referimos ao pre-
conceito racial no Brasil, a atividade torna-se ainda mais complexa, pois, trata-se
de um “racismo diferenciado” que se afasta do que foi o Apartheid na África do
Sul, das leis segregacionistas nos Estados Unidos da América ou do holocausto
durante a Segunda Guerra Mundial. Afasta-se não por ser “menos nocivo”, mas
por ser mascarado.
Ou seja, diferente de outros países que criaram leis contra negros, índios,
judeus, declarando-se abertamente racistas, no Brasil, alimentamos o mito da
democracia racial, acreditamos que pelo fato de sermos um país miscigenado,
não somos racistas e assim, continuamos permitindo que a população negra e
indígena seja marginalizada. O racismo no Brasil é velado e, por isso, mais difícil
de ser combatido.
Sendo assim, discutir racismo no Brasil requer disposição para a pesquisa
e para o diálogo, para compreendermos como um país miscigenado tornou-
-se um país racista. Requer “mente aberta” para a absorção de novas ideias e
assim se libertar de preconceitos. Requer, acima de tudo, coragem para admitir-
mos que o Brasil seja um país racista, para podermos caminhar para o possível
combate ao racismo.
Diante disso, proponho a você esse desafio: aceite mergulhar comigo pela
história do Brasil a fim de entendermos como o racismo adentrou em nosso
país desde o seu descobrimento e até hoje permeia nossa sociedade. Desafio
aceito? Lá vamos nós!
introdução
6 Pós-Universo
Compreendendo
Conceitos: Eugenia
Pós-Universo 7
saiba mais
A palavra Holocausto tem origem grega e significa “sacrifício pelo fogo”.
Contudo, após a Segunda Guerra Mundial, o termo passou a ser utilizado
para se referir ao massacre de mais de 6 milhões de judeus pelo governo
Nazista, que os consideravam “racialmente” inferiores. Não só os judeus, mas
outros grupos como: ciganos, Testemunhas de Jeová, negros, homossexuais,
pessoas com deficiências físicas e mentais, que também foram perseguidos
e assassinados pelos nazistas.
Fonte: adaptado de USHMM ([2016], on-line)1.
““
Purificar a raça. Aperfeiçoar o homem. Evoluir a cada geração. Superar-se. Ser
saudável. Ser belo. Ser forte. [...] Para ser o melhor, o mais apto, o mais adap-
tado é necessário competir e derrotar o mais fraco pela concorrência. Luta
de raças. Para a política, luta de classes (DIWAN, 2007, p. 21).
Galton, após várias questionáveis pesquisas, defendeu e divulgou a ideia de que “[...]
o talento é hereditário e não o resultado do meio ambiente” (DIWAN, 2007, p. 40),
para isso, estimulava o matrimônio entre os casais considerados superiores e o celi-
bato entre os considerados inferiores. A intenção era descobrir o homem superior,
aperfeiçoá-lo e depois cuidar para que as suas características se perpetuassem, a fim
de criar, não somente o “super-homem”, mas também uma nação de “super-homens”,
que dominariam os fracos, até que esses desaparecessem.
Assim, finalmente, segundo Galton (1873 apud DIWAN, 2007), teríamos um mundo
belo, forte e seguro, livre de doenças, feiuras e até criminalidade, que segundo o
teórico, também é uma característica hereditária. Para fortalecer esses ideais, os eu-
genistas se inspiraram nas teorias evolucionistas da Modernidade, nos ideais de
superioridade da Idade Média e também remontaram à Grécia Antiga, observando
seus padrões de beleza e força.
Pós-Universo 9
saiba mais
O termo Darwinismo Social foi criado no século XIX e a intenção era transferir
as teorias de Darwin, que se encontravam no campo das ciências biológicas
para as ciências sociais. A ideia era de que assim como as espécies, algumas
sociedades tinham condições de adaptação melhores que as outras, tornan-
do-as superiores. O Darwinismo Social corroborou para a criação de métodos
para a compreensão da cultura repletos de equívocos e preconceitos.
Fonte: adaptado de Sousa ([2016], on-line)2.
Diwan (2007) apresentou dois tipos de eugenia, a considerada positiva, que tinha
por objetivo criar o “haras humano”, estimulando o casamento entre casais superio-
res e o desencorajando entre os considerados inferiores, e a negativa, que “[...] visava
prevenir os nascimentos dos ‘indesejáveis’ biológica, psicológica e socialmente por
meio de métodos mais ou menos compulsórios” (p. 50):
““
A eugenia negativa postulou que a inferioridade é hereditária e a única
maneira de “livrar” a espécie da degeneração seria por meio da esterilização
eugênica (consentida ou não); da segregação eugênica (por exemplo, o con-
finamento em sanatórios); das licenças para a realização de casamentos e das
leis de imigração restritiva. Por definição, a eugenia negativa prevê também
métodos como a eutanásia, o infanticídio e o aborto (DIWAN, 2007, p. 50).
Diwan (2007) recorre a documentos oficiais de estados adeptos a eugenia, como Chicago,
para apresentar as pessoas consideradas inaptas, que concorriam para a esterilização:
““
[...] é socialmente inapto toda pessoa que, por seu próprio esforço, é incapaz
de fazer o mesmo, por comparação, que as pessoas normais, não sendo um
membro útil da vida social e organizada do Estado. [...] As classes sociais de
inaptos são as seguintes: 1º os débeis mentais; 2º os loucos (e os psicopatas);
3º os criminosos (e delinquentes); 4º os epiléticos; 5º os alcoólatras (e todos
os tipos de viciados); 6º os doentes (tuberculosos, sifilíticos, leprosos e todos
com doenças crônicas e infecciosas); 7º os cegos; 8º os surdos; 9º os disfor-
mes; 10º os indivíduos marginais (órfãos, vagabundos, moradores de rua e
indigentes) (LENHARO apud DIWAN, 2007, p. 54).
Com base nessa teoria “[...] estima-se que mais de cinquenta mil pessoas tenham
sido esterilizadas entre 1907 a 1949 em todo país” (DIWAN, 2007, p. 57). A Alemanha,
assim como os Estados Unidos, absorveu as ideias eugenistas desde a publicação do
livro de Darwin. Todavia, as leis eugenistas acabaram ganhando mais força e radica-
lidade, com a chegada de Adolf Hitler ao poder, em 1933.
Segundo Gilbert (2006) foi por meio das medidas para purificação da raça adotada
pelos nazistas, durante a Segunda Guerra Mundial, que o mundo vivenciou um dos
maiores crimes contra a humanidade, a morte de mais de seis milhões de pessoas,
sob o amparo de um discurso científico.
Além disso, o regime nazista esterilizou centenas de milhares de pessoas, proibiu
casamentos interraciais e construiu uma espécie de “fábrica” de bebês, na qual os
casais geravam filhos para serem educados pelo Estado, por meio das leis eugêni-
cas, desde o nascimento (GILBERT, 2006).
A radicalidade nazista aliada ao avanço da ciência, que refutou as teorias eugê-
nicas, acabaram “manchando” a imagem do discurso eugenista no mundo, que aos
poucos perdeu adeptos e consequentemente força.
No Brasil, apesar de ter tido muitos adeptos como o médico Renato Kehl, o escri-
tor Monteiro Lobato, entre outras personalidades, a eugenia não teve a força esperada,
principalmente juridicamente, como nos Estados Unidos, frustrando seus defensores.
Mas, por mais que as leis eugenistas não tenham sido aprovadas no Brasil, suas ideias se
espalharam pelo imaginário brasileiro e, ainda hoje, podemos observar práticas herda-
das desta época, como os concursos de beleza, os testes de Quociente de Inteligência
12 Pós-Universo
(QI), a popularização das cirurgias plásticas, o preconceito contra os pessoas com neces-
sidades especiais, idosos, doentes mentais, ciganos, indígenas, negros, homossexuais,
pobres e demais grupos que ainda se encontram marginalizados, e até a legalidade do
aborto diante da constatação de uma doença no bebê ou a defesa de métodos anti-
concepcionais para a população de baixa renda. Além de discursos e:
““
[...] afirmativas de cunho eugenista “Sou pobre, mas sou limpinho!”. “Esse é
um negro de alma branca!”. “Segunda-feira é dia de branco!”. “A homossexua-
lidade é um problema genético”. Se o Brasil não adotou ipsis litteris as ideias
de Francis Galton, é certo que incorporou muitas delas. Mascarado sob uma
cordialidade brincalhona, o Brasil não é exemplo de tolerância nem tampou-
co de igualdade social” (DIWAN, 2007, p. 151).
Tudo isso nos leva a perceber a importância destas discussões, para que, por meio
delas, observemos nossas práticas. Pois, de certa forma, ainda reproduzimos o dis-
curso eugenista, tão condenado durante a Segunda Guerra Mundial.
Espero que os conceitos aqui tratados tenham ficado claros. Até breve!
fatos e dados
A Eugenia no Brasil
“[...]
Renato Kehl foi o disseminador da eugenia brasileira. Os princípios eugê-
nicos alemães eram admirados por Kehl, que considerava a mestiçagem
como um problema racial.
[...].
Segundo Maciel (1999), o branqueamento foi um projeto político de nação
elaborado após o fim da escravidão no Brasil e tinha influência da socieda-
de eugênica do país. A ideia central era ser um processo civilizador, baseado
na crença da suposta superioridade do branco europeu. Para Kehl (1999, p.
135), “[...] por meio da miscigenação seria possível branquear a população
que com o passar do tempo chegaria ao fenótipo branco.” Esta ideologia
fez com que medidas para “melhoria” da população fossem criadas, prin-
cipalmente relacionadas com a imigração europeia, que era considerada
fundamental para o sucesso desse ideal”.
Fonte: Mondini et al. (2013, p. 160-161).
Pós-Universo 13
Compreendendo
Conceitos: Raça
14 Pós-Universo
Nossa tarefa aqui é definir o conceito de raça. Contudo, tal missão é mais complexa
do que se pode imaginar, pois o significado de “raça” foi se modificando ao longo do
tempo, devido a influência da eugenia na sociedade. Sim, a forma como os adeptos
da eugenia lidaram com a ideia de “raça” fizeram com que esse termo fosse redescu-
tido e reformulado pela ciência.
Banton (1994 apud GUIMARÃES, 2005, p. 23) comenta que “Antes de adquirir
qualquer conotação biológica, ‘raça’ significou, por muito tempo, “um grupo ou ca-
tegoria de pessoas conectadas por uma origem comum”’.
Já, segundo o dicionário Aurélio (1999) raça significa:
““
Conjunto de indivíduos cujos caracteres somáticos, tais como a cor da pele,
a conformação do crânio e do rosto, o tipo de cabelo etc., são semelhantes
e se transmitem por hereditariedade, embora variem de indivíduo para in-
divíduo. Ou como uso restrito da Antropologia, referente a cada uma das
grandes subdivisões da espécie humana, e que supostamente constitui uma
unidade relativamente separada e distinta, com características biológicas e
organização genética próprias (FERREIRA, 1999, p. 1695).
Ou seja, raça seria como subdivisões da espécie humana. Até esse ponto, parecia
estar tudo bem. O problema começou, quando os cientistas eugênicos passaram a
juntar às particularidades físicas das populações nativas de diferentes continentes,
características morais, psicológicas e intelectuais, que supunham definir o potencial
diferencial das raças para a civilização:
Pós-Universo 15
““
Essas doutrinas científicas que Appiah chama de racialismo, serviram de
base para justificar diferenças de tratamento e de estatuto social para os di-
versos grupos étinicos presentes nas sociedades ocidentais e americanas, e
conduziram, quase sempre, a um racismo perverso e desumano e às vezes
genocida (GUIMARÃES, 2005, p. 62).
Assim, após a Segunda Guerra Mundial e tudo que foi feito em nome da perpetuação
de uma raça considerada superior e extermínio das consideradas inferiores, tal de-
finição não fora mais aceita pela biologia (GUIMARÃES, 2005, p. 23). Sobre isso, Silva
Júnior (2002, p. 14) explica:
““
Desde os anos de 50, após estudos realizados pela Organização das Nações
Unidas (ONU), em um empreendimento mundial desenvolvido por geneti-
cistas, antropólogos, cientistas sociais, biológicos e biofisiologistas, o termo
raça é considerado, ao menos sob o prisma científico, inaplicável a seres
humanos. A conclusão destes estudos é de que os seres humanos formam
um continuum de variações da aparência, no interior da mesma espécie, sem
que estas variações afetem a possibilidade de convivência e reprodução de
outros seres humanos.
Desde então, a grosso modo, a biologia passou a considerar que raça é apenas a
humana. Ou seja,
““
[...] não existem subdivisões da espécie humana que possam ser, de modo
inequívoco, identificadas geneticamente, e às quais correspondem atribu-
tos físicos, psicológicos, morais e intelectuais distintos. As diferenças morais
e intelectuais entre os grupos humanos só poderiam, portanto, ser explica-
das por diferenças culturais. Os conceitos de “população”, em biologia, e de
“etnia”, em ciências sociais, deveriam, portanto, substituir o conceito “raça”
(GUIMARÃES, 2005, p. 63).
16 Pós-Universo
atenção
“Etnia é um conceito polivalente, que constrói a identidade de um indiví-
duo resumida em: parentesco, religião, língua, território compartilhado e
nacionalidade, além da aparência física”.
Fonte: adaptado de Santos et al. (2010, on-line)3.
fatos e dados
No Brasil, os povos indígenas constituem uma identidade racial. Porém, em
razão das diferentes características socioculturais, os grupos são definidos
por etnia. Em 2010, o Censo divulgou o número de 305 etnias indígenas: 250
dentro das terras indígenas, 300 fora delas. Do total de indígenas declara-
dos ou considerados, 672,5 mil (75%) declararam o nome da etnia, 147,2 mil
(16,4%) não sabiam e 53,8 mil (6%) não declararam. A maior etnia é a Tikúna
com 6,8% da população indígena. Também foram identificadas 274 línguas,
sendo a Tikúna a mais falada (34,1 mil pessoas). Dos 786,7 mil indígenas de
5 anos ou mais, 37,4% falam uma língua indígena e 76,9% falam português.
Fonte: adaptado de Portal Brasil (2012, on-line)4.
reflita
Sobre a complexidade do termo “raça” no Brasil: Como não falar de raças
em um país onde sempre vemos casos de racismo? Fora os que não são di-
vulgados. Como não falar de raças em um país que exclui as contribuições
africanas e indígenas da sua formação e deseja embranquecer a qualquer
custo?
18 Pós-Universo
Compreendendo Conceitos:
e o Racismo Brasileiro
Pós-Universo 19
Neste momento, vamos refletir sobre dois conceitos, o mito da democracia racial e
o racismo brasileiro. Para compreendermos essas ideias, precisamos retornar alguns
séculos e entendermos como que, de uma nação miscigenada, transformamos-nos
em uma nação racista.
Em 1500, durante o primeiro contato entre os colonizadores europeus e os indí-
genas brasileiros, antes mesmo das ideias eugenistas ganharem força, já pudemos
perceber, por meio dos relatos dos cronistas a respeito do novo mundo, que estes já
se sentiam superiores aos indígenas. Schwarcz (2012) corrobora esta ideia a partir da
análise dos textos de Caminha, Américo Vespúcio e Gândavo. Deste último, Gândavo,
é possível observar em seus escritos publicados em 1576, os seguintes apontamentos:
““
[...] não se pode numerar nem compreender a multidão de bárbaro gentio
que semeou a natureza por toda essa terra do Brasil; porque ninguém pode
pelo sertão dentro caminhar seguro, nem passar por terra onde não ache
povoações de índios armados contra todas as nações humanas [...] a língua
deste gentio toda pela costa é uma: carece de três letras - scilicet, não se acha
nela F, nem L, nem R, coisa digna de espanto, porque assim não tem Fé, nem
Lei, nem Rei; e desta maneira vivem sem justiça e desordenadamente. [...] fi-
nalmente que soa estes índios muito desumanos e cruéis, não se movem a
nenhuma piedade: vivem como brutos animais sem ordem nem concerto de
homens, soam muito desonestos e dados à sensualidade e se entregam aos
vícios como se neles não houvera razão de humanos [...]. Estes índios vivem
muito descansados, não tem cuidado de coisa alguma senão de comer e
beber e matar gente; [...] (GÂNDAVO apud SCHWARCZ, 2012, p. 21-23).
Segundo Diwan (2007), assim como a população indígena, que foi considerada
selvagem, a população negra chegou a este país sob o status de não humanos. Eram
escravizados que se tornaram o mesmo que nada. Desprovidos de suas histórias, di-
reitos e memórias, roubados de suas terras, separados de suas famílias, os africanos
adquiriram no imaginário do colonizador europeu, o significado de coisa. E foi dessa
forma, que se construiu a nacionalidade brasileira, exterminando o índio, escravizan-
do o negro e exaltando o branco.
Sabe-se que após a Lei Áurea, assinada em 1888, o Brasil era um país majoritariamen-
te negro e mestiço. E esta, não era uma “boa imagem” para o país, que já absorvera
as ideias eugenistas e concluíra que o branco era o símbolo da “europeidade”, con-
sequentemente de prestígio. Sendo assim, algo precisava ser feito para branquear e
“salvar” este país do fracasso. A primeira atitude foi o desamparo aos negros alforria-
dos, que foram obrigados a saírem das fazendas dos seus senhores e “vagarem” pelas
ruas sem trabalho, dinheiro, escola, moradia, dentre outros direitos básicos do cidadão.
Enfim, o país não se preocupou em integrar os negros recém-libertos à socieda-
de, pelo contrário, os excluíram mais ainda. Acredita-se que a ideia era que com isso,
os negros voltariam para a África ou morreriam. Como isso não aconteceu, a ideia
foi clarear a população por meio da miscigenação. Acreditando que o gene da cor
branca era dominante em relação ao da cor negra, incentivaram a imigração branca
européia no país, enquanto os “[...] mais de setecentos mil negros escravos foram al-
forriados e deixados de lado, sem nenhum tipo de reconhecimento por séculos de
trabalho forçado” (DIWAN, 2007, p. 117).
Nascimento (1978) denunciou essas medidas e, acrescentou o episódio que
ocorreu em 1911, em Londres, durante o Primeiro Congresso Universal de Raças, no
qual o cientista João Batista de Lacerda declarou que “[...] no ano de 2012 a raça negra
teria desaparecido do Brasil” (NASCIMENTO, 1978, p. 72).
Schwarcz (2012) complementa:
““
Também o antropólogo Roquete Pinto, como presidente do I Congresso
Brasileiro de Eugenia, que aconteceu em 1929, prévia, anos depois e a des-
peito de sua crítica às posições racistas, um país cada vez mais branco: em
2012 teríamos uma população composta de 80% de brancos e 20% mesti-
ços; nenhum negro, nenhum índio” (SCHWARCZ, 2012, p. 26).
Pós-Universo 21
Pois bem, embora as previsões sobre os indígenas quase se cumpriram, você pode
constatar que as previsões a respeito dos negros e mestiços fracassaram, pois, sendo
o gene da pele negra dominante, no período de um século, temos uma popula-
ção cada vez mais escura. Mesmo assim, percebe-se que a ordem ainda era tornar
o Brasil um país de brancos, já que não foi possível biologicamente, isso se concre-
tizaria ideologicamente. Nessa perspectiva, temos o branqueamento, que como o
próprio nome diz, trata-se da atitude de tornar algo branco.
Segundo Munanga (2008), a partir dessa lógica, no Brasil, ser mestiço tornou-se
algo bom, valorizado, pois significa que você não é preto e se quiser, pode ser branco,
pois, após o fim da escravatura e a mudança da ordem hierárquica, a cor passou a
ser a marca de origem sendo o branco a cor de prestígio, por ser mais próxima ao
europeu. Já o preto e o vermelho tornaram-se as cores do desprestígio, por se reme-
terem, no imaginário do colonizador a povos ora escravizados, ora selvagens.
Nesse sentido, quanto mais próximo do branco, melhor. Por isso, a insistência de
alguns negros em se identificarem como morenos ou pardos, já que, quanto mais
longe do negro, mais valorizado. Diferentemente dos Estados Unidos, que considera
negro aquele que tem ao menos uma gota de sangue negro, mesmo que física-apa-
rentemente (fenótipo) você não apresenta características negras. Já no Brasil, o negro
é aquele de pele bem escura, cabelos crespos, lábios grossos, entre outras caracte-
rísticas. Aquele que tem pele mais clara, já não é considerado negro e dificilmente
sofrerá preconceito (MUNANGA, 2008, p. 82-84).
É por meio desse raciocínio, do branqueamento, que no Brasil passou-se a conside-
rar tudo que fosse da identidade negra feio ou ruim. Assim, incentiva-se o alisamento
dos cabelos, considera-se demoníaca as religiões de matriz africana, divulga-se que
a cor negra é feia, para que cada vez mais, a comunidade negra queira assumir ca-
racterísticas brancas.
reflita
A partir da ideia de que não existem “raças” e sim, a raça humana, acabamos
por “apagar” as diferenças entre os povos, ao invés de valorizá-las, enalte-
cendo a riqueza de cada uma. Queremos “encaixar” tudo em um padrão e
não aceitamos o diferente.
22 Pós-Universo
atenção
“A palavra racismo, em sua acepção corrente, designa dois domínios muito
diferentes da realidade: trata-se, de um lado, de um comportamento, feito,
o mais das vezes, de ódio e desprezo com respeito a pessoas com caracte-
rísticas físicas bem definidas e diferentes das nossas; e, por outro lado, de
uma ideologia, de uma doutrina referente às raças humanas. As duas não
precisam estar necessariamente presentes ao mesmo tempo”.
Fonte: Todorov (1993, p. 107).
Todavia, essa exclusão era feita de forma não legitimada, não institucionalizada.
Diferente dos Estados Unidos e da África do Sul que mantiam leis segregacionistas,
no Brasil “[...] desde a abolição da escravatura, em 1888, não experimentamos nem se-
gregação, ao menos no plano formal, nem conflitos raciais” (GUIMARÃES, 2005, p. 39).
Nesse sentido, o racismo no Brasil, durante muito tempo não foi identifica-
do, pois tínhamos nas relações raciais dos Estados Unidos, “[...] o modelo para
comparar, contrastar e entender a construção das ‘raças’ em outras sociedades, es-
pecialmente no Brasil. Tal modelo, elevado a arquétipo, acabou por esconder, antes
de revelar, negar mais que afirmar, a existência das ‘raças’ no Brasil” (GUIMARÃES,
2005, p. 41).
A ausência de leis racistas, a ideia de ausência de “raças”, a utilização do termo
apenas para designar a raça humana e a mentalidade de que o preconceito não
é racial, mas sim de classe e cor fizeram com que acreditássemos que no Brasil vi-
víamos em uma perfeita democracia racial. Ou seja, harmonia entre as raças, sem
discriminações, preconceitos, racismo.
Pós-Universo 23
Esse mito se fortaleceu, por meio dos estudos do sociólogo brasileiro Freyre
(1984), pois, ao valorizar a contribuição africana para o país, descrevendo a relação
“tranquila” que havia entre os senhores de escravos e as escravizadas, que “espon-
taneamente” iniciavam sexualmente os filhos da casa grande e que “preferiam”
amamentar as crianças dos senhores ao invés dos seus próprios filhos, entre outras
atitudes, não só Freyre, mas vários outros seguidores reafirmaram “[...] tanto aos
brasileiros quanto ao resto do mundo, o caráter relativamente harmônico de nosso
padrão de relações raciais” (GUIMARÃES, 2005, p. 39).
Sabe-se que esse imaginário prevaleceu durante muitos anos no Brasil. Até
que o movimento contra as leis segregacionistas nos Estados Unidos começou a
ganhar força e a denunciar os efeitos do racismo no país, como a pobreza, o de-
semprego, a falta de oportunidades na educação, a organização familiar, entre
outros, e perceberam que no Brasil, mesmo sem essas leis, a condição dos negros
era semelhante à condição dos negros norte-americanos (GUIMARÃES, 2005).
Nesse momento, começamos a entender que a ideia de democracia racial
era um mito e que a ausência de racismo no país era um equívoco. Contudo, no
Brasil, o racismo é mascarado, sem rosto. Está sempre no campo do individual e do
outro, não é institucionalizado ou nosso. Ou seja, podemos até aceitar que existem
pessoas racistas no país, porém não somos nós, é o outro.
Schwarcz (2012) exemplifica essa peculiaridade do racismo brasileiro por meio
da retomada dos “[...] resultados de uma pesquisa realizada em 1988, em São Paulo,
na qual 97% dos entrevistados afirmaram não ter preconceito e 98% dos mesmos
entrevistados disseram conhecer outras pessoas que tinham, sim, preconceito”
(SCHWARCZ, 2012, p. 30).
Outra pesquisa realizada em 1995 revelou praticamente o mesmo resultado,
pois, enquanto 89% dos entrevistados concordaram que havia preconceito contra
negros no Brasil, apenas 10% admitiram tê-lo. Entretanto, indiretamente, 87% re-
velaram algum preconceito ao concordar com frases ou ditos racistas. Em 2011, a
pesquisa foi repetida e os resultados não sofreram alterações (SCHWARCZ, 2012).
24 Pós-Universo
Todas essas pesquisas nos confirmam o que falamos desde o início de nossa
discussão, há racismo no Brasil, porém, não admitimos. E isso é o que dificulta o
combate ao racismo, pois, como combater algo que não existe? Racismo é crime
no Brasil desde 1988, e, certamente, você deve ter visto, várias vezes, por meio de
jornais, revistas ou até por meio de uma pessoa próxima, um relato de alguém que
tenha sofrido racismo no Brasil. Contudo, quantas pessoas você já viu serem presas
devido a esse crime? Você entende a gravidade da situação?
Enquanto continuarmos comprando a ideia de que existe a democracia racial
brasileira, o racismo e seus efeitos permanecerão castigando os povos negro e indí-
gena desse país.
saiba mais
Em 2010, o presidente Luís Inácio Lula da Silva institui o Estatuto da Igualdade
Racial. A lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010, prevê em seu art. 1o: insti-
tui o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população negra
a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos
individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais
formas de intolerância étnica. Para conhecer todos os pontos do estatuto,
consulte: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/
L12288.htm#art60>.
Fonte: a autora.
atividades de estudo
1. Com base no que você estudou sobre a teoria eugenista e seus desdobramentos no
Brasil e no mundo, assinale a alternativa correta.
3. Com base no que abordamos ao longo da aula sobre raça, é correto afirmar:
I) Raça pode ser entendida como um grupo de pessoas conectadas por uma origem
comum.
II) Conjunto de indivíduos cujos caracteres somáticos, como cor da pele, conformação
do crânio, tipo de cabelo etc. são semelhantes e se transmitem por hereditarie-
dade, embora variem de indivíduo para indivíduo.
III) A raça pode ser concebida pelas diferenças morais e intelectuais entre os grupos
humanos.
IV) Para demarcar as diferenças no Brasil, fala-se em cor ou classe social, mas não raça.
a) Estão corretas apenas as afirmativas II e IV.
b) Estão corretas apenas as afirmativas I e II.
c) Estão corretas apenas as afirmativas I, III e IV.
d) Todas as afirmativas estão corretas.
e) Nenhuma das alternativas descritas.
a) ____________ pode ser definida como uma comunidade humana marcada por
afinidades, por exemplo, religiosas, culturais, linguísticas, entre outros.
b) ____________ trata-se de uma atitude depreciativa, sem base em critérios cien-
tíficos em relação a um indivíduo, a um grupo social ou étnico.
c) ____________ é um conceito utilizado para categorizar diferentes populações
de uma mesma espécie biológica.
A opção que preenche as lacunas é:
a) Etnia; Racismo; Raça.
b) Racismo; Etnia; Raça.
c) Raça; Racismo; Etnia.
d) Etnia; Raça; Racismo.
atividades de estudo
6. Com base no que estudamos ao longo da unidade e do livro, de modo geral, sobre
o preconceito e racismo brasileiro, é correto afirmar que:
I) O modelo estadunidense de relações raciais foi adotado pelo Brasil por um longo
período, com isso, acabou por esconder, antes de revelar, negar mais e afirmar a
existência das “raças” no Brasil.
II) A mentalidade de que o preconceito não é racial, mas sim de classe e cor, fizeram
com que acreditássemos que no Brasil, vivíamos em uma democracia racial, livre
de discriminações, preconceitos e racismo.
III) Não existe racismo no Brasil.
a) Estão corretas apenas as afirmativas II e III.
b) Estão corretas apenas as afirmativas I e III.
c) Estão corretas apenas as afirmativas I e II.
d) Todas as afirmativas estão corretas.
e) Nenhuma das alternativas acima.
resumo
Caro(a) estudante, foi ótimo compartilhar informações sobre eugenia, raça, etnia e discu-
tir questões relacionadas ao racismo, ao racismo brasileiro e ao mito da democracia racial
neste encontro.
Aprendemos que biologicamente há apenas uma raça: a humana. No entanto, muitos uti-
lizam-se desta informação para pregar a falsa ideia de harmonia entre as raças no Brasil,
apagando as diferenças, homogeneizando as etnias e mascarando a política de branquea-
mento e o seu racismo. Tendo isso em vista, discutir o termo “raça”, nesse estudo, foi essencial.
Estudamos também, sobre a eugenia e seus efeitos no Brasil e no mundo, como o Holocausto
durante a Segunda Guerra Mundial e a escravização de indígenas e negros durante o período
colonial no Brasil e, posteriormente, o avanço da política de branqueamento, que buscava
tornar o Brasil um país de brancos, apagando toda contribuição indígena e negra. Vimos
que inicialmente a ideia era “clarear” a população por meio da miscigenação. Contudo, o
gene da pele negra é dominante, e no período de um século, tivemos uma população cada
vez mais escura.
1
Em: <https://www.ushmm.org/wlc/ptbr/article.php?ModuleId=10005143>. Acesso em:
12 dez. 2016.
2
Em: <http://brasilescola.uol.com.br/historiag/darwinismo-social.htm>. Acesso em: 12 dez.
2016.
3
Em: <http://www.scielo.br/pdf/dpjo/v15n3/15.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2016.
4
Em: <http://www.brasil.gov.br/governo/2012/08/brasil-tem-quase-900-mil-indios-de-
-305-etnias-e-274-idiomas>. Acesso em: 12 dez. 2016.
5
Em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/79571-conheca-a-diferenca-entre-racismo-e-in-
juria-racial>. Acesso em: 13 dez. 2016.
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SCHWARCZ, L. M. Nem preto nem branco, muito pelo contrário. São Paulo: Claro enigma,
2012.
2. d) V, V, V.
5. a) V, F, V.