You are on page 1of 19
CAPITULO UM Introdugao: moderno, pés-moderno e contemporaneo QUASE AO MESMO TEMPO, ignorando totalmente 0 pensa- mento um do outro, 0 historiador de arte alem&o Hans Belting e eu publica- mos textos sobre o fim da arce.' Nés dois haviamos chegado a uma percep¢do vivida de que alguma mudanga histérica transcendental havia ocorrido nas ~The End of Arc” {0 fim da arte} foi o ensaio principal do liveo The Death of Arr, editado por Berel ‘Lang (New York, Haven Publishers, 1984), © projeto do livro era que vérios autores fizessem sua réplica as idéias propostas no ensaio principal. E eu continuei a explicar com mais decalhes sobre o fim ‘de arte em varios ensaios. “Approaching the End of Art” [Para abordar o fim da arse] foi ministrado como conieréncia em fevereiro de 1985, no Whitney Museum of American Art ¢ publicado no the State of the Art (New York, Preatice Hall Press, 1987). “Narratives of the End of Art” foi uma conferéncia ‘ministrada no ciclo Lionel Trilling Lecture, da Universidade de Columbia, publicada pela primeita vez na Grand Soret e republicada em meus Encounters and Reflections: Art in the Historical Present (New York, Noonday Press, Farrar, Seraus and Giroux, 1991.) © The End of Histry of Art, de Hans Beleing, eradu- Gllo de Christopher 8. Wood (Chicago, University of Chicago Press, 1987), apareceu pela primeira vez sob 0 titulo de Das Ende der Kunstgescichte? (Munchen: Verlag C. H. Beck, 1983). Belting deixou de lado 0 ponto de interrogacéo quando ampliou o texto de 1983 em Das Ende der Kansigeschichte: Eine Revision nach zebn Jabre (Miinchen: Verlag C. H. Beck, 1995). O presence livro, rambém escrito dez anos depois cla declaracio original, é 2 minha tentativa de atualizar a idéia, formulada de modo um tanto quanto vago, sobre o fim da arte. Deve-se mencionar, também, que « idéia esceve em circulagio em meados da década de 1980. Gianni Vateimo dedica um capitulo, “The Death or Decline of Are”, em seu The End of Modernity: Nibilism anal Hermeneutics in Post-Modern Caltare (Camabridge, Polity Press, 1988), originalmence publicado como La Fine della Medernita (Gatzani Editore, 1985). Vateimo vé 0 fentdmeno com que eu ¢ Beleing nos ocupamos, de uma perspectiva bastante mais ampla do que as adoradas por qualquer um de nds: ele pensa o fim da arte sob a perspectiva da morce da merafisica em geral, bem ‘como de cercas resposta filoséficas a problemas estéticos suscitados por uma “sociedade tecnologicamente ‘evancada’. “O fim da arte” € apenas um ponto de ineersecio entre a linha de pensamento seguida por ‘Vactimo e aquela que eu ¢ Belting procuramos esbocar com base no prdprio estado interno da arte, considerado em maior ou menor isolamento de determinantes histéricos e culturais mais amplos. Assim, Vactimo fala de earsbworks (arte da terra), body art (arte do corpo), teatro de rua, etc., em quel a condigdo da obra se rorna fundamentalmente ambigua: a obsa nio mais busca um sucesso que Ihe _permitira se posicionar em determinado conjunco de valores (0 museu imaginario de objeros dotados de ‘qualidade estética)(p. 53). O ensaio de Vartimo & uma proposta bastante objetiva, das proocupagées da Escole de Frankfure. Mais ainda, € para a “volatlidade” da idéia, qualquer que seja a perspectiva, que estou chamando a arencio. condigdes de produgiio das artes visuais, ainda que, de um ponto de vista extetno, os complexos institucionais do mundo da arte — galerias, escolas de arte, periddicos, museus, o establishment da critica, as curadorias — parecessem relativamente estveis. Belting j4 havia publicado um livro surpreendente, reconstituindo a histéria das imagens devotas no Ocidente cristo desde 0 final do império romano até aproximadamente o ano 1400 d.C., a0 qual ele deu o extraordindrio subtitulo de ‘The Image before the Era of Art {A imagem antes da era da arte}. Nao que aquelas imagens deixassem de ser arte em um sentido amplo, mas serem arte nao fazia parte de sua producio, uma vez que o conceito de arte ainda nao havia surgido de fato na consciéncia geral, e essas imagens — icones, realmente — desempenhavam na vida das pessoas um papel bem diferente daquele que as obras de arte vieram a ter quando o conceito finalmente emergiu ¢ alguma coisa como consideragées estéticas comecaram a governar nossas relagdes com elas. Elas nem eram pensadas como arte no sentido elementar de terem sido produzidas por artistas — seres humanos co- locando marcas em superficies — mas eram vistos como tendo uma origem miraculosa, como a impressao da imagem de Jesus no véu de Verdnica.” Teria, entio, havido uma profunda descontinuidade entre as prdticas artisticas an- tes ¢ depois da era da arte ter se iniciado, uma vez que 0 conceito de artista no fazia parte da explicaco das imagens devotas,* mas é claro que o conceito de artista se tornou central na Renascenca, a ponto de Giorgio Vasari ter escrito um grande livro sobre a vida dos artistas. Até entio teriam existido apenas, quando muito, livros sobre a vida de santos dilecantes. * “Do ponto de vista de suas origens, & possivel distingui dois generos de imagens de culto que foram publicamente veneradas pela Cristandade. Um dos géneros, inicialmente incluindo apenas imagens de Cristo © uma imagem em pedaco de pano de Santo Estévio a0 norte da Africa, compreende imagens ‘nao pintadas’ ¢ por isso especialmente autéaticas, que seriam de origem celestial ou produzidas por impressio mecinica durante a vida do modelo. Para essas imagens, passou a ser utilizado 0 termo cheiropeieton no feito & mao"), em latim nom manufaction” (Belting, H. Likeness and Presence: A History of the Image before the Eva of Art, trad. de Edmund Jephcose (Chicago, University of Chicago Press, 1994}, p. 49, Com feito, essas imagens eram vestigios fiscos, como impresses digitais, razdo pela qual adqui riram a condicio de religuia. * Mas a segunda classe de imagens cautelosamente admitidas pela Igreja em seus primérdios eram ‘aquelas de faro pintadas, contanto que o pintor fosse um santo, como Sio Lucas, “para quem, acreditou- se, Maria ceria posado para um retrato em vida ... A propria Viegem teri finalizado a pintura, ou entio teria ocotrido um milagre do Espirito Sanco para garantir ainda maior autenticidade 20 retrato" (Belting, H, Likenes and Presence, p. 49). Quaisquer que tenham sido as incervengées miraculosas, Lucas natural- ‘mente se tornou o santo patrono dos artistas, ¢ S40 Lucas retratando Nossa Senhora e 0 Menino passa- ram a ser um tema favorito e autocelebratério. eyes: cartroLo ux Se isso é perfeitamente concebivel, poderia entao ter havido outra descontinuidade, ndo menos profunda, entre a arte produzida durante a era da arte ¢ a arte produzida apés o término desta. A era da arte nfo se iniciou abruptamente em 1400 ¢ tampouco terminou de maneira repentina em al- gum momento em meados da década de 1980, quando os meus textos ¢ os de Belting surgitam respectivamente em inglés e em aleméo. Talvez nenhum de és tivesse uma idéia clara, como agora podemos ter, dez anos depois, do que estévamos tentando dizer, mas agora que Belting apresentou-se com a idéia de arte antes do inicio da arte, podemos pensar em arte depois do fim da arte, como se estivéssemos emergindo da era da arte para algo diferente, cuja for- ma e estrutura exatas ainda precisam ser compreendidas. Nenhum de nés pretendia que nossas observagoes fossem tomadas como julgamento critico sobre a arte de nosso tempo. Na década de 1980, alguns teéticos radicais apareceram em defesa do tema da morte da pintura, baseando 0 seu julgamento na alegacio de que a pincura moderna parecia apresentar todos os sinais de esgotamento interno, ou pelo menos de limites demarcados para além dos quais nao era possivel avancas. Eles pensavam nas telas quase totalmente brancas de Robert Ryman, ou talvez na agressividade mondtona das pinturas de listras do artista francés Daniel Buren; seria dificil nao levar em conta a abordagem desses teéricos como, de certa forma, um juizo critico, tanto sobre os artistas quanto sobre a pratica da pintura em geral. Mas era plenamente consistence com o fim da era da arte, tal como Belting e eu 0 compreendiamos, o fato de que a arte deveria ser extremamente vigorosa € no mostrar nenhum sinal, qualquer que fosse, de esgotamento interno. De- fendiamos o argumento de como um complexo de praticas tinha dado fugar a outro, mesmo se 0 formato do nove complexo fosse impreciso — ¢ ainda estd impreciso. Nenhum de nés estava falando em morte da arte, embora meu proprio texto acabasse sendo o artigo principal em um volume sob o titulo The Death of Art {A morte da arte}. O titulo nao era meu, visto que eu estava escrevendo sobre uma forma de narrativa que, assim eu pensava, havia sido objetivamente se completado na histéria da arte, ¢ era essa narrativa, pare- ceu-me, que havia chegado a um fim. Uma histéria havia acabado. Nao era meu ponto de vista que nfo haveria mais arte, o que cercamente significa “morte”, mas o de que, qualquer que fosse a arte que se seguisse, ela seria feita sem o beneficio da narrativa legitimadora, na qual fosse vista como a proxima etapa apropriada da histéria. O que havia chegado a um fim era a nartativa, e ndo o tema da narrativa. Apresso-me a esclarecer. INTRODUGKO: MODERNO, POS-MODERNO E CONTEMPORANE

You might also like