You are on page 1of 84

Convergência simples e convergência uniforme

1. Convergência simples e convergência uni-


forme

Definição 1.1 Seja X ⊂ R. Uma seqüência de funções (fn )n∈N é uma


correspondência que associa a cada número natural n ∈ N uma função
fn : X −→ R.

Definição 1.2 Dizemos que a seqüência de funções fn : X −→ R con-


verge simplesmente para a função f : X −→ R quando, para cada x ∈ X, a
seqüência (fn (x))n∈N de números reais converge para o número f(x). Ou
seja, para todo x ∈ X, lim fn (x) = f(x). A convergência simples é
n→+∞ também chamada convergência
ponto a ponto ou convergência
Abreviadamente, dizemos que fn converge simplesmente para f em X ou pontual .
fn −→ f simplesmente em X.

Exemplo 1.1 Sejam X ⊂ R, (an )n∈N uma seqüência de números reais


com lim an = a e g : X −→ R uma função.
n→+∞

Consideremos a seqüência de funções fn : X −→ R definidas por


fn (x) = an g(x) e a função f : X −→ R dada por f(x) = a g(x).

Como lim fn (x) = lim an g(x) = a g(x) = f(x) para todo x ∈ X, temos
n→+∞ n→+∞

que fn −→ f simplesmente em X.
x
Em particular, a seqüência de funções fn (x) = converge simplesmente
n
para a função f identicamente nula em toda a reta. 

Figura 1: Gráficos das funções fn (x) = nx .

Instituto de Matemática - UFF 1


Análise na Reta

Exemplo 1.2 Seja a seqüência de funções fn : [0, 1] −→ R definidas


por fn (x) = xn . Então, a seqüência (fn ) converge simplesmente para a
função f : [0, 1] −→ R, dada por f(x) = 0 se 0 ≤ x < 1 e f(1) = 1, já que
lim xn = 0 se 0 ≤ x < 1 e lim 1n = 1 .
n→0 n→+∞

Figura 2: Gráficos das funções fn (x) = xn .

Qualquer reta vertical levantada de um ponto x ∈ [0, 1) corta o gráfico


das funções fn (x) = xn numa seqüência de pontos cujas ordenadas con-
vergem monotonamente para zero. No ponto x = 1, fn (x) = 1 para todo
n ∈ N. 

Exemplo 1.3 A seqüência de funções fn : [0, 2π] −→ R definidas por


fn (x) = cos(nx) não converge simplesmente para função alguma, pois
para x = π, temos fn (x) = (−1)n e, portanto, não existe lim fn (x). 
n→+∞

Observação 1.1 Dizer que fn −→ f simplesmente em X significa que,


fixado um ponto x ∈ X, os gráficos das funções fn intersectam a reta
vertical levantada pelo ponto (x, 0) numa seqüência de pontos cujas or-
denadas convergem para f(x). Porém, coletivamente, os gráficos das
fn podem ser bem diferentes do gráfico da função f e mesmo nunca se
aproximarem dele, como podemos observar no exemplo acima e no ex-
emplo a seguir.

Exemplo 1.4 A seqüência de funções fn : [0, 1] −→ R definidas por


fn (x) = xn (1 − xn ) converge simplesmente para a função identicamente
nula em [0, 1].

2 J. Delgado - K. Frensel
Convergência simples e convergência uniforme

Como fn (0) = fn (1) = 0 para todo n ∈ N e o intervalo [0, 1] é compacto,


o ponto de máximo xn da função fn pertence ao intervalo aberto (0, 1).
Logo, fn0 (xn ) = 0, ou seja,
n xn−1
n (1 − xnn ) − xnn n xn−1
n = nxn−1 n
n (1 − 2xn ) = 0 .
r
1 1 1 1
 
n
Sendo xn 6= 0, temos que xn = e fn (xn ) = 1− = .
2 2 2 4

Figura 3: Gráficos das funções fn (x) = xn (1 − xn ).


r
1
−→ 1 quando n → +∞ e que cada gráfico apresenta
n
Observe que
2
1
um calombo, cuja altura se mantém constante, igual a , de modo que
4
quando n → +∞ a forma do gráfico de fn não se aproxima da forma do
gráfico da função limite. 

Observação 1.2 Dizer que a seqüência de funções fn : X −→ R con-


verge simplesmente para a função f : X −→ R significa que: dado ε > 0,
existe, para cada x ∈ X, um número natural n0 = n0 (ε, x), que depende
de ε e de x, tal que n > n0 =⇒ |fn (x) − f(x)| < ε.

Pode ocorrer, assim, que para um ε > 0 fixo, não exista n0 ∈ N algum que
sirva simultaneamente para todo x ∈ X.

Exemplo 1.5 Seja a seqüência de funções fn : [0, 1] −→ R dadas por


fn (x) = xn . Já vimos que (fn ) converge simplesmente para a função
f : [0, 1] −→ R onde f(x) = 0 se x ∈ [0, 1) e f(1) = 1.
1
Seja ε = > 0, por exemplo, e seja n0 ∈ R. Como lim− xn0 = 1, existe
2 x→1
1 1
δ > 0 tal que 1 − δ < x < 1 =⇒ xn0 > , ou seja, |fn0 (x) − f(x)| > .
2 2
Então, seja qual for n0 ∈ N, existem pontos x ∈ [0, 1) tais que
1
|fn0 (x) − f(x)| ≥ . 
2

Instituto de Matemática - UFF 3


Análise na Reta

Definição 1.3 Dizemos que uma seqüência de funções fn : X −→ R


converge uniformemente para uma função f : X −→ R quando, para todo
ε > 0 dado, existe n0 ∈ N tal que n > n0 =⇒ |fn (x) − f(x)| < ε para todo
x ∈ X.

Definição 1.4 Dada uma função f : X −→ R, chamamos de faixa de


raio ε (e amplitude 2ε) em torno do gráfico de f ao conjunto dos pontos
(x, y) ∈ R2 tais que x ∈ X e |y − f(x)| < ε, ou seja, f(x) − ε < y < f(x) + ε,
onde ε é um número real positivo.

Figura 4: Faixa de amplitude 2ε em torno do gráfico de f.

Assim, dizer que fn −→ f uniformemente em X significa afirmar que


para todo ε > 0 dado, existe n0 ∈ N tal que todas as funções fn , com
n > n0 , tem seus gráficos contidos na faixa de raio ε em torno do gráfico
de f.

Observação 1.3 Se fn −→ f uniformemente em X, então fn −→ f


simplesmente em X. Mas a recı́proca é falsa, como vimos no exemplo
1.5.

Observação 1.4 fn não converge uniformemente para f se, e somente


se, existe ε0 > 0 tal que, para todo n0 ∈ N, existem n > n0 e x ∈ X com
|fn (x) − f(x)| ≥ ε0 .

Exemplo 1.6 Sejam (an )n uma seqüência de números reais com


lim an = a e g : X −→ R uma função.
n→+∞

Já vimos que a seqüência de funções fn = an g : X −→ R converge

4 J. Delgado - K. Frensel
Convergência simples e convergência uniforme

simplesmente para f = a g : X −→ R em X.

• No caso em que existe n0 ∈ N tal que an = a para todo n ≥ n0 , temos


que fn −→ f uniformemente em X, já que fn = f para todo n ≥ n0 .

• Se an 6= a para uma infinidade de valores de n, então fn −→ f uniforme-


mente em X se, e só se, g : X −→ R é limitada.

De fato, se |g(x)| ≤ k para todo x ∈ X, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que


ε ε
n > n0 =⇒ |an −a| < e, portanto, |fn (x)−f(x)| = |an −a| |g(x)| < k = ε
k k
para todo x ∈ K.

Suponhamos, agora, que g : X −→ R não é limitada. Sejam ε = 1 > 0 e


n0 ∈ N. Então existe n > n0 tal que an 6= a e, portanto, existe x ∈ X tal
1
que |g(x)| ≥ . Logo,
|an − a|
1
|fn (x) − f(x)| = |an g(x) − ag(x)| = |an − a| |g(x)| ≥ |an − a| · = 1.
|an − a|

Assim, fn não converge uniformemente para f em X.


x
• Como caso particular, temos que a seqüência de funções fn (x) =
n
converge uniformemente para a função identicamente nula num conjunto
X se, e só se, X é limitado.

De fato, como, neste exemplo, g(x) = x, temos que g é limitada se, e só
se, X é limitado. 

Exemplo 1.7 Já vimos que a seqüência fn (x) = xn converge simples-


mente em [0, 1] para a função f : [0, 1] −→ R, onde f(x) = 0 se 0 ≤ x < 1 e
f(1) = 1, mas não converge uniformemente para f em [0, 1] nem em [0, 1).

Mostraremos, agora, que fn converge uniformemente para f ≡ 0 em todo


intervalo da forma [0, 1 − δ] com 0 < δ < 1.

De fato, dado ε > 0, existe n0 ∈ N, tal que n > n0 =⇒ (1 − δ)n < ε, já que
lim (1 − δ)n = 0.
n→+∞

Então, para todo x ∈ [0, 1 − δ], temos que

n > n0 =⇒ |fn (x) − f(x)| = xn ≤ (1 − δ)n < ε . 

Instituto de Matemática - UFF 5


Análise na Reta

Exemplo 1.8 A seqüência de funções fn : [0, 1] −→ R, definidas por


fn (x) = xn (1 − xn ), converge simplesmente para a função f identicamente
1
nula em [0, 1], mas não converge uniformemente, pois existe ε0 = > 0
8
r !
1 1 1

tal que para todo n ∈ N temos que fn n − f(0) = > .

2 4 8

Mas, para todo 0 < δ < 1, fn −→ f uniformemente no intervalo [0, 1 − δ],


pois como xn −→ 0 uniformemente no intervalo [0, 1 − δ] e
0 ≤ xn (1 − xn ) ≤ xn para todo n ∈ N e x ∈ [0, 1],

temos que, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que |xn − 0| < ε para todo n > n0
e x ∈ [0, 1 − δ] e, portanto, |xn (1 − xn ) − 0| = xn (1 − xn ) ≤ xn < ε para todo
n > n0 e x ∈ [0, 1 − δ]. 

Definição 1.5 Dizemos que uma seqüência de funções fn : X −→ R é


uma seqüência de Cauchy quando, para todo ε > 0 dado, existe n0 ∈ N
tal que m, n > n0 =⇒ |fm (x) − fn (x)| < ε para todo x ∈ X.

Teorema 1.1 Uma seqüência de funções fn : X −→ R é uniformemente


convergente se, e só se, é uma seqüência de Cauchy.

Prova.
Suponhamos, primeiro, que fn −→ f uniformemente em X. Então, dado
ε > 0, existe n0 ∈ N tal que n > n0 =⇒ |fn (x) − f(x)| < ε para todo x ∈ X.
Logo,
ε ε
m, n > n0 =⇒ |fm (x) − fn (x)| ≤ |fm (x) − f(x)| + |f(x) − fn (x)| < + =ε
2 2
para todo x ∈ X. Portanto, (fn )n é uma seqüência de Cauchy.

Suponhamos, agora, que (fn )n é uma seqüência de Cauchy. Então, (fn (x))
é uma seqüência de Cauchy de números reais para todo x ∈ X e é, por-
tanto, convergente para todo x ∈ X. Podemos, assim, definir uma função
f : X −→ R fazendo f(x) = lim fn (x) para todo x ∈ X.
n→+∞

ε
Dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que n, m > n0 =⇒ |fm (x) − fn (x)| < para
2
todo x ∈ X. Mantendo n > n0 e x ∈ X fixos, temos que

6 J. Delgado - K. Frensel
Convergência simples e convergência uniforme

ε
lim |fm (x) − fn (x)| = |f(x) − fn (x)| ≤ < ε.
m→+∞ 2

Logo, |fn (x) − f(x)| < ε para todo n > n0 e x ∈ X.

Isto prova que fn −→ f uniformemente em X. 

Corolário 1.1 Se as funções fn : X −→ R são contı́nuas e (fn ) converge


uniformemente em X, então a seqüência (fn )n converge uniformemente
em X.

Prova.
ε
Dado ε > 0 existe n0 ∈ N tal que m, n > n0 =⇒ |fm (x) − fn (x)| <
2
para todo x ∈ X.

Sejam y ∈ X e (xk )k uma seqüência de pontos de X tal que xk −→ y.


Como as funções fn são contı́nuas em X, temos que lim fn (xk ) = fn (y)
k→+∞

para todo n ∈ N.
ε
Logo, como |fm (xk ) − fn (xk )| < para m, n > n0 e k ∈ N, temos que
2
ε
|fm (y) − fn (y)| = lim |fm (xk ) − fn (xk )| ≤ < ε .
k→+∞ 2

Provamos, assim, que dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que


m, n > n0 =⇒ |fm (y) − fn (y)| < ε para todo y ∈ X,

ou seja, (fn )n é uma seqüência de Cauchy em X, logo, uniformemente


convergente em X. 
X
Observação 1.5 A soma f = fn de uma série de funções
fn : X −→ R é um caso particular de um limite de seqüência: f = lim sn ,
onde sn = f1 +. . .+fn . Tem sentido, portanto, dizer que a série de funções
X
fn converge simplesmente ou uniformemente em X.

Reciprocamente, todo limite ϕ = lim ϕn de uma seqüência de funções


n→+∞

ϕn : X −→ R também pode ser obtido como soma de uma série, pois,


tomando f1 = ϕ1 , f2 = ϕ2 − ϕ1 , . . . , fn = ϕn − ϕn−1 , . . ., temos que
X
f1 + . . . + fn = ϕn para todo n ∈ N. de modo que ϕ = fn .
X
Por definição, a série fn , fn : X −→ R, converge uniformemente em X

Instituto de Matemática - UFF 7


Análise na Reta

se, e só se, a seqüência de suas reduzidas sn = f1 + . . . + fn é uniforme-


X
mente convergente em X. Assim, dizer que fn converge uniforme-
mente para f em X significa que, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que o resto
rn (x), definido pela identidade
f(x) = f1 (x) + . . . + fn (x) + rn (x) ,

cumpre a condição |rn (x)| < ε para todo n > n0 e todo x ∈ X.

Assim, a todo conceito ou teorema sobre seqüências corresponde um


análogo para séries. Mas, há alguns tipos especiais de séries, como as
séries de potências, cujas propriedades não decorrem de teoremas gerais
sobre seqüências.

Definição 1.6 Dizemos que uma série de funções fn : X −→ R é


normalmente convergente quando existe uma seqüência de constantes
X
an ≥ 0 tais que an converge e |fn (x)| ≤ an para todo n ∈ N e todo
x ∈ X.

X

sen(nx)
Exemplo 1.9 A série de funções é normalmente conver-
n2
n=1
1
gente em R, pois |fn (x)| ≤ para todo n ∈ N e todo x ∈ R, onde
n2
sen(nx) X

1
fn : X −→ R, fn (x) = , e a série é convergente. 
n2 n2
n=1

Teorema 1.2 (Teste de Weierstrass)


X
Se a série de funções fn , fn : X −→ R, converge normalmente em X,
X X
então, fn e |fn | são uniformemente convergentes em X.

Prova.
Seja (an ) uma seqüência de números reais não-negativos tal que |fn (x)| ≤
X
an para todo n ∈ N e todo x ∈ X e an é convergente.

Dado ε > 0, existe n0 ∈ N, tal que


n > n0 e p ∈ N =⇒ an + an+1 + . . . + an+p < ε .

Logo,

8 J. Delgado - K. Frensel
Propriedades da convergência uniforme

|fn (x) + fn+1 (x) + . . . + fn+p (x)| ≤ |fn (x)| + |fn+1 (x)| + . . . + |fn+p (x)|
≤ an + an+1 + . . . + an+p < ε ,

quaisquer que sejam n > n0 , p ∈ N e x ∈ X.


X X
Então, pelo critério de Cauchy (teorema 1.1), fn e |fn | convergem
uniformemente em X. 

X

sen(nx) X

| sen(nx)|
Exemplo 1.10 As séries e convergem
n2 n2
n=1 n=1

uniformemente em R. 

• A convergência normal é uma condição sufiente, mas não é necessária


para a convergência uniforme.

Exemplo 1.11 Seja a seqüência de funções fn : [1, +∞) −→ R definidas


1
por fn (x) = se x ∈ [n, n + 1) e fn (x) = 0 se x ∈ [1, ∞) − [n, n + 1).
x
1
Como sn (x) = f1 (x) + . . . + fn (x) = se x ∈ [1, n + 1) e sn (x) = 0 se
x
X

1
x ≥ n + 1, temos que fn (x) = para todo x ∈ [1, +∞).
x
n=1

X 1
A convergência f = fn , f : [1, +∞) −→ R, f(x) = é uniforme em
x
1
[1, +∞), pois |f(x) − sn (x)| = |f(x) − (f1 (x) + . . . + fn (x))| < para todo
n
1
x ∈ [1, +∞), já que f(x) − sn (x) = 0 se x ∈ [1, n + 1) e f(x) − sn (x) =
x
para x ≥ n + 1.
X
Mas a série fn não converge normalmente em [1, +∞), pois se exis-
tissem constantes an ≥ 0 tais que |fn (x)| ≤ an para todo x ∈ [1, +∞),
1 X
terı́amos, tomando x = n, que an ≥ e, portanto, a série an não
n
convergiria.
X
Assim, a série fn de funções não negativas converge uniformemente,
mas não converge normalmente em [1, +∞). 

Instituto de Matemática - UFF 9


Análise na Reta

2. Propriedades da convergência uniforme

Mostraremos que a convergência uniforme nos permite inverter a


ordem de limites repetidos. Mas, antes, veremos um exemplo onde isso
não é possı́vel.

Exemplo 2.1 Seja fn (x) = xn , x ∈ [0, 1]. Já sabemos que fn −→ f


simplesmente em [0, 1], onde f(x) = 0 se x ∈ [0, 1) e f(1) = 1.

Assim,
 
lim lim fn (x) = lim f(x) = 0
x→1 n→∞ x→1

e
 
lim lim fn (x) = lim 1 = 1 .
n→∞ x→1 n→∞

Portanto,
   
lim lim fn (x) =6 lim lim fn (x) ,
n→∞ x→1 x→1 n→∞

ou seja, neste exemplo não podemos inverter a ordem em que são toma-
dos os limites. 

Teorema 2.1 Seja a ∈ X 0 . Se a seqüência de funções fn : X −→ R


converge uniformemente para a função f : X −→ R e, para cada n ∈ N,
existe Ln = lim fn (x), então existe L = lim Ln e L = lim f(x).
x→a n→∞ x→a

Em outras palavras, vale


   
lim lim fn (x) = lim lim fn (x) ,
n→∞ x→a x→a n→∞

desde que existam os dois limites dentro dos parênteses, sendo o


segundo deles uniforme.

Prova.
Para mostrar que existe L = lim Ln , basta provar que a seqüência (Ln ) é
n→∞

de Cauchy.

Dado ε > 0, como fn −→ f uniformemente em X, existe n0 ∈ N tal que


ε
m, n > n0 =⇒ |fm (x) − fn (x)| < para todo x ∈ X.
3

10 J. Delgado - K. Frensel
Propriedades da convergência uniforme

Sejam m, n > n0 . Como a ∈ X 0 , lim fn (x) = Ln e lim fm (x) = Lm , existe


x→a x→a
ε ε
x0 ∈ X − {a} tal que |Ln − fn (x0 )| < e |Lm − fm (x0 )| < .
3 3
Logo,
|Lm − Ln | ≤ |Lm − fm (x0 )| + |fm (x0 ) − fn (x0 )| + |fn (x0 ) − Ln |
ε ε ε
< + + = ε.
3 3 3
Portanto, m, n > n0 =⇒ |Lm − Ln | < ε, ou seja, (Ln )n é uma seqüência de
Cauchy. Seja L = lim Ln .
n→∞

• Mostraremos, agora, que L = lim f(x).


x→a

ε ε
Dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que |L − Ln | < e |fn (x) − f(x)| < para
3 3
todo n > n0 e todo x ∈ X.

Seja n > n0 fixo. Como lim fn (x) = Ln , existe δ > 0 tal que x ∈ X,
x→a
ε
0 < |x − a| < δ =⇒ |fn (x) − Ln | < . Logo, se x ∈ X, 0 < |x − a| < δ, então
3
ε ε ε
|f(x) − L| ≤ |f(x) − fn (x)| + |fn (x) − Ln | + |Ln − L| < + + = ε. 
3 3 3

X
Corolário 2.1 Seja a ∈ X 0 . Se a série fn converge uniformemente
X
para f em X e para cada n ∈ N, existe Ln = lim fn (x), então Ln é uma
x→a
X
série convergente e Ln = lim f(x).
x→a

Em outras palavras,
X X
!

lim fn (x) = lim fn (x) ,
x→a x→a
n n

desde que existam os dois limites dentro dos parênteses, sendo o


segundo deles uniforme.

Prova.
Seja sn (x) = f1 (x) + . . . + fn (x). Como a seqüência de funções (sn )
converge uniformemente para f em X e, para cada n ∈ N, existe
X
n X
n
lim sn (x) = lim fj (x) = Lj ,
x→a x→a
j=1 j=1

Instituto de Matemática - UFF 11


Análise na Reta

X
temos, pelo teorema anterior, que a série Ln converge e tem por soma
X
Ln = lim f(x), ou seja,
x→a

X X
!

lim fn (x) = lim fn (x) . 
x→a x→a
n n

Observação 2.1 Quando X é ilimitado superiormente o teorema e o


corolário acima valem também quando a = +∞. Nesse caso, temos
   
lim lim fn (x) = lim lim fn (x) ,
n→∞ x→∞ x→∞ n→∞

desde que existam os dois limites dentro dos parênteses, sendo o se-
gundo deles uniforme. A demonstração é a mesma, tomando, no final,
ε
em vez de δ, A > 0 tal que x > A =⇒ |fn (x) − Ln | < .
3

Observação 2.2 Seja a ∈ X 0 . Dada uma seqüência de funções


fn : X −→ R, dizemos que existe lim fn (x) = Ln uniformemente em
x→a

relação a n se, para todo ε > 0, existe δ > 0 tal que


x ∈ X , 0 < |x − a| < δ =⇒ |fn (x) − Ln | < ε , ∀ n ∈ N.

O mesmo raciocı́nio usado na demonstração do teorema 2.1 permite provar


que se, para todo n, existe lim fn (x) = Ln , uniformemente em relação a n,
x→a

e se fn −→ f simplesmente em X, então existe L = lim Ln e L = lim f(x)


n→∞ x→a

(exercı́cio).

Juntando os dois resultados, podemos dizer que existem e são iguais os


limites repetidos, desde que existam os limites dentro dos parênteses,
sendo qualquer um deles uniforme.

Observação 2.3 Tal simetria não se aplica para séries. Ou seja, não é
X
verdade que se a série fn (x) converge para f(x) em todo ponto x ∈ X
e se, para cada n ∈ N, existe Ln = lim fn (x) uniformemente em relação a
x→a
X X 
n, então Ln converge e é igual a lim fn (x) . Em outras palavras,
x→a

pode-se ter
X  X 
lim fn (x) 6= lim fn (x)
x→a x→a

12 J. Delgado - K. Frensel
Propriedades da convergência uniforme

mesmo que existam todos os limites, sendo apenas lim fn (x) uniforme em
x→a

relação a n.

Exemplo 2.2 Seja a seqüência de funções fn : [0, 1] −→ R, f1 (x) = x e


fn (x) = xn − xn−1 para n ≥ 2. Então lim f1 (x) = 1 e lim fn (x) = 0 se n ≥ 2,
x→1 x→1

uniformemente em relação a n, pois, dado ε > 0, existe δ = ε > 0 tal que


se x ∈ (1 − δ, 1] =⇒ |f1 (x) − 1| = |x − 1| < ε e |fn (x) − 0| = |xn−1 (x − 1)| ≤
|x − 1| < ε para todo n ≥ 2.
X
Como f1 (x) + . . . + fn (x) = xn , temos que fn (x) = lim xn = f(x), onde
n→∞

f(x) = 0 se x ∈ [0, 1) e f(1) = 1.


X  X 
Logo, lim fn (x) = 1 6= lim fn (x) = 0 . 
x→1 x→1

Corolário 2.2 Se fn −→ f uniformemente em X e todas as fn são


contı́nuas num ponto a ∈ X, então f é contı́nua no ponto a.

Prova.
Isto é óbvio se a é um ponto isolado de X. Se a ∈ X 0 , temos que ex-
iste lim fn (a) = fn (a) para todo n ∈ N. Logo, pelo teorema 2.1,
x→a
   
lim f(x) = lim lim fn (x) = lim lim fn (x) = lim fn (a) = f(a) .
x→a x→a n→∞ n→∞ x→a n→∞

Logo, f é contı́nua no ponto a. 

Corolário 2.3 O limite uniforme de uma seqüência de funções contı́nuas


é uma função contı́nua.

Observação 2.4 Podemos ver, assim, que a convergência da seqüência


de funções contı́nuas fn (x) = xn no intervalo [0, 1] não é uniforme, já que
a função limite f, dada por f(x) = 0 se x ∈ [0, 1) e f(1) = 1, não é contı́nua
no ponto 1.

Observamos, também, que a continuidade da função limite f = lim fn


não é suficiente para garantir que a convergência é uniforme, já que as
funções contı́nuas fn (x) = xn (1 − xn ) convergem em [0, 1] para a função
contı́nua f ≡ 0, mas a convergência não é uniforme.

Instituto de Matemática - UFF 13


Análise na Reta

Há, porém, um caso em que a continuidade da função limite garante


que a convergência de uma seqüência de funções contı́nuas é uniforme.

Definição 2.1 Dizemos que uma seqüência de funções fn : X −→ R


converge monotonamente para a função f : X −→ R quando, para cada
x ∈ X, a seqüência (fn (x))n é monótona em R e lim fn (x) = f(x).
n→∞

Teorema 2.2 (de Dini)


Seja X ⊂ R compacto. Se uma seqüência de funções contı́nuas fn : X −→
R converge monotonamente para uma função contı́nua f : X −→ R, então
a convergência é uniforme.

Prova.
Dado ε > 0, consideremos, para cada n ∈ N, o conjunto
Kn = {x ∈ X | |fn (x) − f(x)| ≥ ε} .

Como fn e f são contı́nuas e X é fechado, segue-se que cada Kn é


fechado, pois se xk −→ x, xk ∈ Kn para todo k ∈ N, então x ∈ X e
|fn (x) − f(x)| = lim |fn (xk ) − f(xk )| ≥ ε .
k→∞

Logo, cada Kn é compacto, já que Kn ⊂ X e X é limitado.

Afirmação: K1 ⊃ K2 ⊃ . . . ⊃ Kn ⊃ . . . .
De fato, seja x ∈ Kn+1 e suponhamos que a seqüência (fn (x))n é não-
decrescente.

Então,
ε ≤ |fn+1 (x) − f(x)| = f(x) − fn+1 (x) ≤ f(x) − fn (x) = |fn (x) − f(x)| ,

já que fn+1 (x) ≥ fn (x) e lim fn (x) = f(x) = sup{fn (x) | n ∈ N}.
n→∞

Logo, x ∈ Kn .
\
Mas Kn = ∅, pois se x ∈ Kn para todo n ∈ N, terı́amos que
n∈N

|fn (x) − f(x)| ≥ ε , ∀ n ∈ N,

o que é um absurdo, já que lim (fn (x) − f(x)) = 0.


n→∞

14 J. Delgado - K. Frensel
Propriedades da convergência uniforme

\
Então, como Kn = ∅, temos, pelo teorema 4.5 da parte 4, que existe
n∈N

n0 ∈ N tal que Kn0 = ∅. IMPORTANTE!


O teorema de Dini é falso quando
X não é compacto, como mostra
Logo, Kn = ∅ para todo n ≥ n0 , ou seja, n ≥ n0 =⇒ |fn (x) − f(x)| < ε o exemplo 2.3.
para todo x ∈ X. 

Exemplo 2.3 A seqüência de funções contı́nuas fn : [0, 1) −→ R dada


por fn (x) = xn , converge monotonamente para a função contı́nua f ≡ 0
no intervalo não compacto [0, 1), mas a convergência não é uniforme. 

x
Exemplo 2.4 A seqüência fn : R −→ R, fn (x) = , converge mono-
n
tonamente para a função contı́nua f ≡ 0 em toda a reta R, mas a con-
vergência não é uniforme em R. 

Corolário 2.4 Uma série convergente de funções contı́nuas não-nega-


tivas fn : X −→ R definidas num conjunto compacto X é uniformemente
convergente se, e só se, a soma é uma função contı́nua no compacto X.

Prova.
Basta observar que se fn ≥ 0 para todo n ∈ N, então a seqüência das
reduzidas sn = f1 + . . . + fn é monótona não-decrescente. 

X

x2
Exemplo 2.5 A série de funções não-negativas converge
(1 + x2 )n
n=0

x2
para a função f : R −→ R dada por f(x) = = 1 + x2 se x 6= 0 e
1
1−
1 + x2
f(0) = 0. Como a função f não é contı́nua no ponto 0, a convergência não
é uniforme em compacto algum do qual 0 seja ponto de acumulação. 

Corolário 2.5 Seja X ⊂ R compacto. Se as funções fn : X −→ R


X
são contı́nuas e, para todo x ∈ X, |fn (x)| = f(x) onde f : X −→ R
X
é contı́nua, então a série fn converge uniformemente em X.

Prova.
X
Pelo corolário 2.4, a série de funções |fn | converge uniformemente

Instituto de Matemática - UFF 15


Análise na Reta

em X. Então, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que


n > n0 =⇒ |fn (x)| + |fn+1 (x)| + . . . + |fn+p (x)| < ε , ∀ x ∈ X e ∀p ∈ N .

Logo, quaisquer que sejam n > n0 , p ∈ N e x ∈ X, temos


|fn (x) + fn+1 (x) + . . . + fn+p (x)| ≤ |fn (x)| + |fn+1 (x)| + . . . + |fn+p (x)| < ε .
X
Segue, então, do critério de Cauchy, que a série fn converge uniforme-
mente em X. 

Teorema 2.3 Se uma seqüência de funções integráveis fn : [a, b] −→ R


converge uniformemente para f : [a, b] −→ R, então f é integrável e
Zb Zb
f(x) dx = lim fn (x) dx .
a n→∞ a

Zb Zb
Ou seja, lim fn = lim fn , desde que lim fn seja uniforme.
a n→∞ n→∞ a

Prova.
Sejam Dn e D os conjuntos dos pontos de descontinuidade de fn e f
respectivamente.

Pelo corolário 2.2, se x ∈


/ Dn para todo n, ou seja, se fn é contı́nua em x
para todo n ∈ N, então f é contı́nua em x, ou seja, x ∈
/ D.
[
Logo, D ⊂ Dn .

Como cada Dn tem medida nula, temos que D tem medida nula e,
portanto, f é integrável.
ε
Dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que n > n0 =⇒ |fn (x) − f(x)| < para
b−a
todo x ∈ [a, b]. Então
Z b Zb Z b

f(x) dx − fn (x) dx = (f(x) − fn (x)) dx

a a a
Zb
ε
≤ |f(x) − fn (x)| dx ≤ · (b − a) = ε ,
a b−a
Zb Zb
para todo n ≥ n0 . Logo, lim fn (x) dx = f(x) dx . 
n→∞ a a

X
Corolário 2.6 Seja fn uma série uniformemente convergente de

16 J. Delgado - K. Frensel
Propriedades da convergência uniforme

funções integráveis fn : [a, b] −→ R. Então, sua soma é integrável e


Zb X X Zb
fn = fn .
a n n a

Exemplo 2.6 Pelo teste de Weierstrass, a série geométrica


1
= 1 − t2 + t4 − . . . + (−1)n t2n + . . .
1 + t2
converge uniformemente em todo intervalo fechado contido no intervalo
aberto (−1, 1), pois, nesse caso, |t| ≤ k < 1 para todo t ∈ [a, b] ⊂ (−1, 1)
e, portanto, |(−1)n t2n | ≤ (k2 )n para todo n ∈ N e todo t ∈ [a, b].
X

Observe que a série (−1)n t2n converge simplesmente em (−1, 1), mas
n=0

não uniformemente, pois, caso contrário, pelo corolário 1.1, como as


funções t 7−→ (−1)n t2n são contı́nuas em [−1, 1], a série convergiria
uniformemente em [−1, 1], o que é um absurdo, já que a série diverge
nos pontos 1 e −1.

Como a série converge uniformemente em todo intervalo fechado contido


em (−1, 1), então, para |x| < 1, temos
Zx ∞ Z x
X 
dt n 2n
arctg x = = (−1) t dt
0 1 + t2 0
n=0

x3 x5 x2n+1
= x− + + . . . + (−1)n + ...
3 5 2n + 1

Isto nos dá o desenvolvimento de arctg x em série de Taylor em torno do


ponto 0 no intervalo (−1, 1).
X

(−1)n x2n+1
Mas, como a série também converge nos pontos x = 1 e
2n + 1
n=0

x = −1, teremos, como conseqüência do teorema de Abel que provare-


mos depois, que a série converge para arctg x para todo x ∈ [−1, 1].

Daremos, agora, uma demonstração desse fato sem usar o teorema de


Abel.

De fato, como

Instituto de Matemática - UFF 17


Análise na Reta

1 2n
2 4 n t
= 1 − t + t − . . . + (−1) ,
1 + t2 1 + t2
temos que
Zx
1 x3 (−1)n−1 x2n−1
arctg x = dt = x − + . . . + Rn (x) ,
0 1 + t2 3 2n − 1

onde
Z |x|
(−1)n t2n
Rn (x) = dt .
0 1 + t2

Então, para |x| ≤ 1, temos que


Zx
|x|2n+1 1
|Rn (x)| ≤ t2n dt = ≤ .
0 2n + 1 2n + 1

X

(−1)n x2n+1
Portanto, a série converge uniformemente para a função
2n + 1
n=0

arctg x no intervalo [−1, 1].

Em particular, para x = 1, obtemos a fórmula:


π 1 1 1
= arctg 1 = 1 − + − + . . .
4 3 5 7

Observação 2.5 Se uma seqüência fn : [a, b] −→ R de funções


integráveis converge simplesmente para uma função f em [a, b], pode
ocorrer que f não seja integrável.

Exemplo 2.7 Seja {r1 , r2 , . . . , rn . . .} uma enumeração dos números racionais


contidos no intervalo [a, b], e definimos, para n ∈ N, a função fn (x) = 1
se x ∈ {r1 , r2 , . . . , rn } e fn (x) = 0 se x ∈ [a, b] − {r1 , . . . , rn }.

Então, fn −→ f simplesmente em [a, b], onde f(x) = 1 se x ∈ Q ∩ [a, b] e


f(x) = 0 se x ∈ (R − Q) ∩ [a, b]. Cada fn é integrável em [a, b], pois tem
apenas um número finito de descontinuidades, mas f não é integrável, já
que é descontı́nua em todos os pontos do intervalo [a, b]. 

Observação 2.6 Quando se tem fn −→ f simplesmente em [a, b],


mesmo que f e cada fn sejam integráveis, pode ocorrer que
Zb Zb
lim fn (x) dx 6= f(x) dx .
n→∞ a a

18 J. Delgado - K. Frensel
Propriedades da convergência uniforme

Exemplo 2.8 Seja a seqüência de funções fn : [0, 1] −→ R definida por


fn (x) = (n + 1)xn se 0 ≤ x < 1 e fn (1) = 0.
X
Pelo teste da razão, a série (n+1)xn é convergente para todo x ∈ [0, 1),
pois
|(n + 1)xn | n+1
lim = lim x = x < 1.
n→∞ |nx n−1 | n→∞ n

Logo, lim (n+1)xn = 0 para todo x ∈ [0, 1). Então, fn −→ f simplesmente


n→∞

em [0, 1], onde f é a função identicamente nula.


Z1 Zb Zb Z1
Assim, lim fn 6= f(x) dx , pois f(x) dx = 0 e fn (x) = 1 para
n→∞ 0 a a 0
todo n ∈ N. 

Observação 2.7 Se fn −→ f simplesmente no intervalo [a, b], se f e


Zb Zb
cada fn são integráveis, então lim fn = f, desde que exista K > 0
n→∞ a a

tal que |fn (x)| ≤ K para todo n ∈ N e todo x ∈ [a, b]. Este resultado é uma
conseqüência do teorema da convergência dominada de Lebesgue.

Observação 2.8 Para a derivação termo a termo, não basta que a


seqüência dada convirja uniformemente.

sen(nx)
Exemplo 2.9 A seqüência de funções fn (x) = converge
n
uniformemente para a função identicamente nula em toda a reta, mas
a seqüência de suas derivadas fn0 (x) = cos(nx) não converge sequer
simplesmente em intervalo algum.

 2m + 1 
De fato, como o conjunto n
π m∈Zen∈N

2
é denso em R, dado um intervalo I, existe m0 ∈ Z e n0 ∈ N tais que
 2m + 1 
0
n0
π ∈ I.
2
  2m + 1  
0
Logo, a seqüência cos n π não converge, pois a subseqüência
2n0
  2m + 1  
cos n 0
π , onde N 0 = {2k2n0 | k ∈ N}, converge para 1, e a
2n0 N0
  2m + 1  
subseqüência cos n 0
n0
π , onde N 00 = {(2k + 1) 2n0 | k ∈ N},
2 N 00

Instituto de Matemática - UFF 19


Análise na Reta

  2m + 1  
0
converge para −1, já que cos n π = 1 para todo n ∈ N 0 e
2 n0
  2m + 1  
0
cos n π = −1 para todo n ∈ N 00 . 
2n0

Teorema 2.4 Seja (fn )n uma seqüência de funções deriváveis no inter-


valo [a, b]. Se, para um certo c ∈ [a, b], a seqüência (fn (c)) converge,
e se a seqüência das derivadas (fn0 ) converge uniformemente em [a, b]
para uma função g, então (fn ) converge uniformemente em [a, b] para
uma função derivável f tal que f 0 = g, ou seja,
(lim fn ) 0 = lim fn0 .

PRIMEIRA DEMONSTRAÇÃO. Prova.


Daremos, primeiro, uma demonstração no caso em que as funções fn0
são contı́nuas no intervalo [a, b].

Pelo teorema fundamental do Cálculo, temos que


Zx
fn (x) = fn (c) + fn0 (t) dt , (I)
c

para todo n ∈ N e todo x ∈ [a, b].

Como existe lim fn (c) e, pelo teorema 2.3,


n→∞
Zx Zx
0
lim fn (t) dt = g(t) dt ,
n→∞ a a

temos que o limite lim fn (x) = f(x) existe para cada x ∈ [a, b] e
n→∞
Zx
f(x) = f(c) + g(t) dt . (II)
a

Então f é derivável e f 0 (x) = g(x) para todo x ∈ [a, b], pois g : [a, b] −→ R
é contı́nua, já que g é um limite uniforme de funções contı́nuas em [a, b].

Além disso, por (I) e (II),


Zx
fn (x) − f(x) = fn (c) − f(c) + [fn0 (t) − g(t)] dt .
a

Logo,
|fn (x) − f(x)| ≤ |fn (c) − f(c)| + |x − a| sup |fn0 (t) − g(t)| .
t∈[a,b]

Dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que

20 J. Delgado - K. Frensel
Propriedades da convergência uniforme

ε ε
n > n0 =⇒ |fn (c) − f(c)| < e |fn0 (t) − g(t)| < ,
2 2(b − a)

para todo t ∈ [a, b].

Assim, n > n0 =⇒ |fn (x) − f(x)| < ε para todo x ∈ [a, b], ou seja, fn −→ f
uniformemente em [a, b]. 

Prova. SEGUNDA DEMONSTRAÇÃO.

Dados m, n ∈ N, temos, pelo teorema do valor médio, que, para todo


x ∈ [a, b], existe d entre c e x tal que
0
fm (x) − fn (x) = fm (c) − fn (c) + (x − c)(fm (d) − fn0 (d)) .

Dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que


ε ε
m, n > n0 =⇒ |fm (c) − fn (c)| < e |fm
0
(x) − fn0 (x)| < ,
2 b−a

para todo x ∈ [a, b].

Logo, m, n > n0 =⇒ |fm (x) − fn (x)| < ε, para todo x ∈ [a, b] e, por-
tanto, pelo critério de Cauchy, a seqüência (fn ) converge uniformemente
no intervalo [a, b].

A igualdade acima, com x0 em vez de c, pode ser reescrita da seguinte


forma:
fm (x) − fm (x0 ) f (x) − fn (x0 )
− n 0
= fm (d) − fn0 (d) , (?)
x − x0 x − x0

onde d está entre x e x0 , para todo x 6= x0 .

Sejam, para cada x0 ∈ [a, b] fixo e cada n ∈ N, as funções


qn : [a, b] − {x0 } −→ R e q : [a, b] − {x0 } −→ R

definidas, respectivamente, por


fn (x) − fn (x0 ) f(x) − f(x0 )
qn (x) = e q(x) = .
x − x0 x − x0

Como qn −→ q simplesmente em [a, b] − {x0 } e pela igualdade (?), a


seqüência (qn )n satisfaz o critério de Cauchy, temos que qn −→ q uni-
formemente em [a, b] − {x0 }.

Além disso, lim qn (x) = fn0 (x0 ) para todo n ∈ N.


x→x0

Assim, pelo teorema 2.1, existem e são iguais os limites repetidos

Instituto de Matemática - UFF 21


Análise na Reta

lim lim qn (x) = lim lim qn (x) ,


x→x0 n→∞ n→∞ x→x0

ou seja,
f(x) − f(x0 )
lim = lim fn0 (x0 ) = g(x0 ) .
x→x0 x − x0 n→∞

Como x0 ∈ [a, b] foi tomado arbitrariamente, temos que f é derivável em


[a, b] e f 0 = g. 
X
Corolário 2.7 Seja fn uma série de funções deriváveis no intervalo
X X
[a, b]. Se fn (c) converge para um certo c ∈ [a, b] e a série fn0 con-
X
verge uniformemente para uma função g em [a, b], então fn converge
uniformemente em [a, b] para uma função derivável f com f 0 = g.

Corolário 2.8 Uma seqüência (ou uma série) de funções deriváveis num
intervalo arbitrário I pode ser derivada termo a termo desde que convirja
num ponto c ∈ I e a seqüência (ou série) das derivadas convirja uniforme-
mente em cada subintervalo compacto de I.

• Ou seja, se uma seqüência de funções (fn )n satisfaz as condições


acima, então (fn )n converge simplesmente para uma função f derivável
no intervalo I, sendo a convergência uniforme em todo subintervalo com-
pacto de I e lim fn0 (x) = f 0 (x) , para todo x ∈ I .
n→∞
X
• E se fn é uma série de funções que satisfaz as condições acima,
X
então fn converge simplesmente para uma função derivável em I,
sendo a convergência uniforme em cada subintervalo compacto de I, e
X
fn0 (x) = f 0 (x) , para todo x ∈ I .

3. Série Dupla

Uma seqüência dupla (xnk )n,k é uma função x : N × N −→ R que


associa a cada par (n, k) de números naturais um número real xnk .

Podemos imaginar os números xnk dispostos num arranjo retangular,

22 J. Delgado - K. Frensel
Série Dupla

de modo que o ı́ndice n em xnk indica a n−ésima linha e o ı́ndice k indica


a k−ésima coluna:
x11 x12 x13 · · ·
x21 x22 x23 · · ·
x31 x32 x33 · · ·
.. .. .. . .
. . . .
X
Para cada n ∈ N, xnk é a série obtida somando os termos da
k
X
n−ésima linha, e fixado k ∈ N, xnk é a soma dos termos da k−ésima
k

coluna.
X X
Mesmo quando xnk converge, para todo k ∈ N, xnk converge
n k
XX XX
para todo n ∈ N e as séries xnk e xnk convergem, pode
k n n k
ocorrer que
XX XX
xnk 6= xnk .
k n n k

Exemplo 3.1 Considere a série dupla dada no quadro abaixo:


1
2
− 21 0 0 0 ··· −→ 0
3
0 4
− 34 0 0 ··· −→ 0
7
0 0 8
− 78 0 ··· −→ 0
15
0 0 0 16
− 15
16
· · · −→ 0
.. .. .. .. .. .. ..
. . . . . . .
↓ ↓ ↓ ↓
1 1 1 1
2 4 8 16
···
XX
Somando primeiro as linhas, obtemos xnk = 0, enquanto que, se
n k
XX X 1 1
somarmos primeiro as colunas, teremos xnk = = .
2k 2
k n k

X
Lema 3.1 Se, para cada n, a série xnk é convergente e se, definindo
k

Instituto de Matemática - UFF 23


Análise na Reta

X
as funções fn : N −→ R por fn (k) = xn1 + xn2 + . . . + xnk , a série fn
n

converge uniformemente em N, então são convergentes e iguais as somas


repetidas
X X X X
! !
xnk = xnk .
n k k n

Prova.
X X
Como as séries fn (1) = xn1 e
n n
X X
(fn (k) − fn (k − 1)) = xnk ,
n n

para k > 1, são convergentes, temos pelo corolário 2.1 e pela observação
X X X
!

2.1, que xnk = lim fn (k) é convergente e
k→∞
n k n

X X X X
!

xnk = lim fn (k) = lim fn (k)
k→∞ k→∞
n k n n

X X X X X
! !
= lim xn1 + xn2 + . . . + xnk = xnk ,
k→∞
n n n k n
X X X
já que xn1 + xn2 + . . . + xnk é a reduzida de ordem k da série
n n n

X X
!
xnk . 
k n

Teorema 3.1 Dada a seqüência dupla (xnk )n,k , suponhamos que cada
X
linha determina uma série absolutamente convergente, ou seja |xnk | =
k
X X
an , para cada n, e que an < +∞. Então, as séries xnk , para
n n

X X X X X
! !
todo k ∈ N, xnk , xnk , para todo n ∈ N e xnk são
n k k k n

convergentes e
X X X X
! !
xnk = xnk .
n k k n

24 J. Delgado - K. Frensel
Séries de potências

Prova.
Pondo fn (k) = xn1 + xn2 + . . . + xnk , temos que
|fn | = |xn1 + xn2 + . . . + xnk | ≤ |xn1 | + |xn2 | + . . . + |xnk | ≤ an ,
X
para todo k ∈ N e todo n ∈ N. Logo, a série de funções fn é normal-
mente convergente e, pelo teste de Weierstrass, é uniformemente conver-
gente em N.

Logo, pelo lema anterior, temos que

X X X X
! !
xnk = xnk . 
n k k n

4. Séries de potências

As séries de funções do tipo


X∞
an (x − x0 )n = a0 + a1 (x − x0 ) + . . . + an (x − x0 )n + . . .
n=0

são chamadas séries de potências.

Observação 4.1 Para simplificar a notação consideramos quase sem-


pre o caso x0 = 0, ou seja, as séries de potências da forma
X ∞
an x n = a0 + a1 x + . . . + an x n + . . .
n=0

X

Os resultados que obtivermos para an xn poderão ser adaptados para
n=0

X

as séries an (x − x0 )n , fazendo a mudança de variável y = x − x0 .
n=0

X

xn
Exemplo 4.1 A série de potências converge para ex para todo
n!
n=0

x ∈ R. 

X

Exemplo 4.2 A série de potências n ! xn converge apenas para
n=0

Instituto de Matemática - UFF 25


Análise na Reta

(n + 1) ! |x|n+1
x = 0, pois, para x 6= 0 lim = lim (n + 1)|x| = +∞ . 
n→∞ n ! |x|n n→∞

X

1
Exemplo 4.3 A série de potências xn converge para para todo
1−x
n=0

x ∈ (−1, 1) e diverge fora desse intervalo. 

X

(−1)n−1
Exemplo 4.4 A série de potências xn converge para a função
n
n=1

log(1 + x) para todo x ∈ (−1, 1] e diverge para x ∈ R − (−1, 1]. 

X

(−1)n
Exemplo 4.5 A série de potências x2n+1 converge para a função
2n + 1
n=0

arctg x para todo x ∈ [−1, 1] e diverge fora desse intervalo. 

• Mostraremos que o conjunto dos pontos x para os quais uma série de


X

potências an xn converge é sempre um intervalo de centro 0, que pode
n=0

ser aberto, fechado, semi-fechado, reduzido ao ponto 0 ou igual à reta


X

toda. Para as séries an (x − x0 )n , o conjunto dos pontos onde a série
n=0

converge são intervalos centrados em x0 .


X

Dada uma série de potências an xn , vamos analisar a seqüência
n=0

|an |)n :
p
n
de números reais não-negativos (
X

(1) Se a seqüência ( |an |)n é ilimitada, a série
p
n
an xn converge
n=0

apenas para x = 0.

De fato, a seqüência (|x| n |an |)n é ilimitada para x 6= 0 e, portanto, o


p

termo geral |an xn | = (|x| n |an |)n não tende para zero. Por exemplo, isso
p

X

acontece na série nn xn .
n=0

X

|an | = 0, então a série
p
(2) Se lim n
an xn converge absoluta-
n→∞
n=0

26 J. Delgado - K. Frensel
Séries de potências

mente para todo x ∈ R.

De fato, lim n |an x|n = |x| lim n |an | = 0 para todo x ∈ R. Logo,
p p
n→∞ n→∞

X

a série an xn converge, pelo teste da raiz, absolutamente para todo
n=0

X

xn
x ∈ R. Por exemplo, isso ocorre com a série .
nn
n=0

1
|an | < +∞, ou seja, lim sup n |an | = , com
p
n
p
(3) Se 0 < lim sup
n→∞ n→∞ r
X

r > 0, então an xn converge absolutamente para todo x ∈ (−r, r),
n=0

diverge se |x| > r e nenhuma afirmação pode ser feita para x = ±r.
|x|
|an xn | = |x| lim sup n |an | =
p
n
p
De fato, como lim sup , temos,
n→∞ n→∞ r
|x|
pelo teste da raiz, que a série converge absolutamente quando < 1, ou
r
seja, quando x ∈ (−r, r).
|x| |x|
> 1, então lim sup n |an xn | = > 1 e, portanto, |an xn | > 1
p
E se
r n→∞ r
X

para uma infinidade de valores de n. Logo, a série an xn não converge
n=0

quando |x| > r, pois, para esses valores de x, o termo geral (an xn ) não
converge para zero.

Observação 4.2 Se ( n |an |)n é limitada e n→∞ |an | =


p p
n
lim 6 0 então

0 < lim sup n |an | < ∞, pois, caso contrário, lim sup n |an | = 0 e, por-
p p
n→∞ n→∞

p
|an | = 0, já que 0 ≤ |an | ≤ sup n |an |, |an+1 |, . . . .
p
n
p
n
p
n+1
tanto, lim
n→∞

X

Observação 4.3 Quando |x| = r, ou seja, x = ±r, a série an x n
n=0

pode convergir ou não, conforme o caso.

X

1
Exemplo 4.6 Para a série xn = , temos que r = 1, pois
1−x
n=0

Instituto de Matemática - UFF 27


Análise na Reta


|an | = lim 1 = 1. Neste exemplo, a série não converge para
p
n n
lim
n→∞ n→∞

x = ±1. 

X

(−1)n−1
Exemplo 4.7 Para a série xn = log(1 + x), temos que
n
n=1
1
lim n |an | = lim √
p
n
= 1, ou seja, r = 1. Neste exemplo, a série con-
n→∞ n→∞ n
verge para x = 1 e diverge para x = −1. 

X

(−1)n
Exemplo 4.8 Para a série x2n+1 = arctg x, temos que
2n + 1
n=0
1
|an | = 0 se n é par |an | = √ se n é ı́mpar,
p
n
p
n
e
n

|an | = 1, ou seja, r = 1. Neste exemplo, a série


p
n
e, portanto, lim sup
n→∞

converge para x = ±1. 

 −1
lim sup |an |
p
Definição 4.1 O número r = n
chama-se raio de con-
n→∞

X

vergência da série de potências an xn . Convencionamos que r = 0,
n=0

quando lim sup n |an | = +∞ , e r = +∞ , quando lim sup n |an | = 0.


p p
n→∞ n→∞

Quando r > 0 ou r = +∞, o intervalo (−r, r) chama-se intervalo de


X

convergência da série an xn , lembrando que a série pode convergir ou
n=0

não nos pontos r ou −r situados fora do intervalo de convergência.

X

Teorema 4.1 Uma série de potências an xn , ou converge apenas
n=0

para x = 0 ou existe r > 0 (que pode ser +∞) tal que a série converge
absolutamente no intervalo aberto (−r, r) e diverge fora do intervalo fechado
[−r, r]. Nos extremos −r e r, a série pode convergir ou divergir, conforme
1
o caso. Tem-se = lim sup n |an |.
p
r n→∞

28 J. Delgado - K. Frensel
Séries de potências

Teorema 4.2 Uma série de potências converge uniformemente em todo


intervalo compacto contido no seu intervalo de convergência.

Prova.
X

Seja (−r, r) o intervalo de convergência da série an x n .
n=0

Basta mostrar que a série converge uniformemente em todo intervalo


compacto do tipo [−s, s], com 0 < s < r.
X

Como a série an sn é absolutamente convergente e, |an xn | ≤ |an |sn ,
n=0

X

para todo x ∈ [−s, s], temos, pelo teste de Weierstrass, que a série an x n
n=0

é uniformemente convergente no intervalo [−s, s]. 

X

Corolário 4.1 A função f : (−r, r) −→ R, definida por f(x) = an xn , é
n=0

contı́nua no intervalo de convergência (−r, r).

Prova.
X

Como, para todo 0 < s < r a série de funções contı́nuas an xn con-
n=0

verge uniformemente para f no intervalo [−s, s], temos que f é contı́nua


no intervalo [−s, s]. Logo, f é contı́nua no intervalo (−r, r). 

X

Observação 4.4 Uma série de potências an xn pode não convergir
n=0

uniformemente em todo o seu intervalo de convergência (−r, r), pois, pelo


corolário 1.1, quando uma série de funções contı́nuas em X converge
uniformemente em X, ela também converge uniformemente em X.
X

Assim, por exemplo, a série xn não converge uniformemente no seu
n=0

intervalo de convergência (−1, 1), pois, caso contrário, ela seria conver-
gente nos pontos 1 e −1, o que não ocorre.

Instituto de Matemática - UFF 29


Análise na Reta

X

(−1)n−1
Também a série xn não converge uniformemente no seu inter-
n
n=1

valo de convergência (−1, 1), pois, embora ela seja convergente no ponto
x = 1, ela é divergente para x = −1.

Teorema 4.3 (de Abel)


X

Seja an xn uma série de potências cujo raio de convergência r é finito
n=0

X
∞ X

e positivo. Se an rn converge, então an xn converge uniformemente
n=0 n=0

X
∞ X

n
no intervalo [0, r]. Em particular, lim− an x = a n rn .
x→r
n=0 n=0

X

Lema 4.1 Seja αp uma série cujas reduzidas sp = α1 + . . . + αp são
p=1

limitadas, ou seja, existe k > 0 tal que |sp | ≤ k para todo p ∈ N. Seja
b1 ≥ b2 ≥ . . . ≥ bp ≥ . . . uma seqüência não-crescente de números
não-negativos. Então
|α1 b1 + . . . + αp bp | ≤ k b1 , para todo p ∈ N.

Prova.
Com as hipóteses feitas, temos que
|α1 b1 + . . . + αp bp | = |s1 b1 + (s2 − s1 )b2 + . . . + (sp − sp−1 )bp |
= |s1 (b1 − b2 ) + s2 (b2 − b3 ) + . . . + sp−1 (bp−1 − bp ) + sp bp |
≤ k(b1 − b2 + b2 − b3 + . . . + bp−1 − bp + bp ) = kb1 .

para todo p ∈ N. 

Vamos, agora, provar o teorema de Abel.

Prova.
Dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que
n > n0 =⇒ |an+1 rn+1 + . . . + an+p rn+p | < ε para todo p ∈ N.

Dado n > n0 , seja αp = an+p rn+p para todo p ∈ N.

Para todo x ∈ [0, r], temos

30 J. Delgado - K. Frensel
Séries de potências

x  x p  x n
|an+1 x n+1
+ . . . + an+p x n+p
| = α1
+ . . . + αp .
r r r
 x p
Fazendo bp = , temos, pelo lema anterior, que, para todo n > n0 e
r
todo x ∈ [0, r],
 x n
|an+1 xn+1 + . . . + an+p xn+p | = |α1 b1 + α2 b2 + . . . + αp bp |
 x n+1 r
≤ ε ≤ ε,
r
para todo p ∈ N, já que (bp )p é uma seqüência não-crescente de números
não-negativos e |α1 + . . . + αp | < ε para todo p ∈ N.

Logo, pelo critério de Cauchy, a série converge uniformemente em [0, r]


para uma função f : [0, r] −→ R contı́nua, pois cada termo an xn da série
é uma função contı́nua.
X
∞ X

Então, an rn = f(r) = lim− f(x) = lim− an x n . 
x→r x→r
n=0 n=0

Observação 4.5 O mesmo vale para −r no lugar de r, ou seja, se a


X
série (−1)n an rn converge, onde r é o raio de convergência, então a
X
série an xn converge uniformemente no invervalo [−r, 0]
X
De fato, como o raio de convergência da série (−1)n an xn é r e ela
converge no ponto x = r, temos, pelo teorema anterior, que a série
X
(−1)n an xn converge uniformemente no intervalo [0, r]. Logo, a série
X
an xn converge uniformemente no intervalo [−r, 0].

X
Observação 4.6 A série an xn converge uniformemente no seu in-
tervalo de convergência (−r, r) se, e só se, converge nos pontos r e −r. E,
X
neste caso, a série an xn converge uniformemente no intervalo [−r, r].

X (−1)n−1
Exemplo 4.9 A série xn converge uniformemente em cada
n
intervalo [−1 + δ, 1], 0 < δ < 2, mas não converge uniformemente no
intervalo (−1, 1]. 

Teorema 4.4 (Integração termo a termo)

Instituto de Matemática - UFF 31


Análise na Reta

X
Se a série de potências an xn converge em todos os pontos do inter-
valo fechado [α, β], então
Z b X  X an
an xn dx = βn+1 − αn+1 .

a n+1

Prova.
X
Se (−r, r) é o intervalo de convergência da série an xn , temos que
X
[α, β] ⊂ [−r, r]. Logo, pelo teorema de Abel, a série an xn converge
uniformemente no intervalo [α, β].
X
Então, pelo corolário 2.6, a função f(x) = an xn , x ∈ [α, β], é integrável
e temos:
Zβ Z β X  X Zβ
n
f(x) dx = an x dx = (an xn ) dx
α α α

X an β X an
xn+1 α = βn+1 − αn+1 .

=
n+1 n+1

Observação 4.7 A integral de Riemann que estudamos se refere ape-


nas a funções limitadas num intervalo compacto [a, b].

• Se f : [a, b) −→ R é tal que, para cada c ∈ [a, b), f é (limitada) integrável


em [a, c], então define-se a integral imprópria
Zb Zc
f(x) dx = lim− f(x) dx ,
a c→b a

caso este limite exista.

1
Exemplo 4.10 Seja a função f : [0, 1) −→ R definida por f(x) = √ .
1−x
Z1
Então a integral imprópria f(x) dx existe, já que
0

Z1 Zc
1 √ c
f(x) dx = lim− √ dx = lim− −2 1 − x 0
0 c→1 0 1−x c→1

 √ 
= lim− 2 − 2 1 − c = 2 .
c→1

32 J. Delgado - K. Frensel
Séries de potências

1
Exemplo 4.11 A função f : [0, 1) −→ R, f(x) = , não possui inte-
1−x
gral imprópria no intervalo [0, 1), pois
Z1 Zc
1 1
dx = lim− dx = lim− (− log(1 − c)) = +∞ .
0 1−x c→1 0 1−x c→1

X
Observação 4.8 Se a série an xn não converge no extremo r do
seu intervalo de convergência, podemos ainda efetuar termo a termo a
Z r X  X an
integral imprópria an xn dx, desde que a série rn+1 seja
0 n+1
convergente.

De fato, pelo teorema anterior, podemos integrar termo a termo em [0, t]


se t ∈ [0, r). Logo,
Z r X  Z t X 
n
an x = lim− an xn dx
0 t→r 0

X an tn+1 X an
= lim− = rn+1 ,
t→r n+1 n+1

sendo a última igualdade verdadeira pelo teorema 4.3 (Abel).

Exemplo 4.12 A função


x2 xn
f(x) = 1 + x + + ... + + ...
2 n
é contı́nua no intervalo [0, 1), onde 1 é o raio de convergência da série de
X xn
potências .
n
n≥1

Apesar da série não convergir no ponto x = 1, a série das integrais


X Z 1 xn X 1
dx =
n n(n + 1)
n≥1 0 n≥1

converge para 1.

Logo, podemos integrar termo a termo e obter:

Instituto de Matemática - UFF 33


Análise na Reta

Z1
1 1 1
f(x) dx = 1 + + + ... + + ... = 2. 
0 1·2 2·3 n(n + 1)

Teorema 4.5 (Derivação termo a termo)


X

A função f(x) = an xn , definida por uma série de potências, é derivável
n=0

em todo ponto x do seu intervalo de convergência (−r, r). Além disso,


X

0
f (x) = nan xn−1 e a série de potências das derivadas também tem
n=1

raio de convergência r.

Prova.
X

Como a série nan xn−1 é convergente se, e somente se, a série
n=1

X
∞ X

nan xn = x nan xn−1 converge, temos que o raio de convergência
n=1 n=1

X

da série das derivadas é igual ao da série nan xn , ou seja, o raio de
n=1

convergência da série das derivadas é o inverso do número


√ 
 
lim sup n |an | = lim n lim sup |an | = lim sup n |an |,
pn n
p
n
p
n→∞ n→∞ n→∞ n→∞

n
pois lim n = 1.
n→∞

X
∞ X

Assim, an xn e nan xn−1 têm o mesmo raio de convergência r.
n=0 n=1

X

Como a série das derivadas nan xn−1 converge uniformemente em
n=1

todo intervalo compacto contido em (−r, r), temos, pelo corolário 2.8, que
X
∞ X

n
f(x) = an x é derivável e f (x) =0
nan xn−1 em todo x ∈ (−r, r). 
n=0 n=1

X

Corolário 4.2 A função f(x) = an xn , definida por uma série de
n=0

potências, possui derivada de todas as ordens em todos os pontos do

34 J. Delgado - K. Frensel
Séries de potências

seu intervalo de convergência (−r, r) e suas derivadas sucessivas podem


ser calculadas por derivação termo a termo.

Assim, para x ∈ (−r, r) e k ∈ N, tem-se


X

(k)
f (x) = n(n − 1) . . . (n − (k − 1))an xn−k .
n=k

fk (0)
Em particular, ak = , ou seja, a série de potências que converge para
k!
f(x) em (−r, r) é a série de Taylor de f em torno de 0.

Exemplo 4.13 Funções seno e cosseno .


X

(−1)n X

(−1)n
As séries x2n e x2n+1 têm raio de convergência
(2n) ! (2n + 1) !
n=0 n=0

infinito, logo definem funções C∞ na reta.

Sejam c : R −→ R e s : R −→ R dadas por


X

(−1)n 2n X

(−1)n
c(x) = x e s(x) = x2n+1
(2n) ! (2n + 1) !
n=0 n=0

Então, c(0) = 1, s(0) = 0, c(−x) = c(x), s(−x) = −s(x) e, derivando termo


a termo, temos que c 0 (x) = −s(x) e s 0 (x) = c(x).

Afirmação: s(x)2 + c(x)2 = 1 para todo x ∈ R.

De fato, como a função f(x) = s(x)2 + c(x)2 tem derivada


f 0 (x) = 2s(x)s 0 (x) + 2c(x)c 0 (x) = 2s(x)c(x) − 2c(x)s(x) = 0 ,

para todo x ∈ R e f(0) = 1, temos que f(x) = 1, ou seja, s(x)2 + c(x)2 = 1


para todo x ∈ R.

Afirmação: s(x + y) = s(x)c(y) + c(x)s(y) e c(x + y) = c(x)c(y) − s(x)s(y)


quaisquer que sejam x, y ∈ R.

De fato, fixando y ∈ R, podemos definir as funções


f(x) = s(x + y) − s(x)c(y) − c(x)s(y)

e
g(x) = c(x + y) − c(x)c(y) + s(x)s(y).

Como

Instituto de Matemática - UFF 35


Análise na Reta

f 0 (x) = s 0 (x + y) − s 0 (x)c(y) − c 0 (x)s(y)


= c(x + y) − c(x)c(y) + s(x)s(y) = g(x) ,

e
g 0 (x) = c 0 (x + y) − c 0 (x)c(y) + s 0 (x)s(y)
= −s(x + y) + s(x)c(y) + c(x)s(y) = −f(x) ,

temos que
(f(x)2 + g(x)2 ) 0 = 2f(x)f 0 (x) + 2g(x)g 0 (x) = 2f(x)g(x) − 2g(x)f(x) = 0 ,

para todo x ∈ R. Logo, f(x)2 + g(x)2 = 0 para todo x ∈ R, já que


f(0) = s(y) − s(0)c(y) − c(0)s(y) = 0

e
g(0) = c(y) − c(0)c(y) + s(0)s(y) = 0 .

Então, f(x) = g(x) = 0 para todo x ∈ R, valendo, portanto, as fórmulas de


adição.

Afirmação: Existe x > 0 tal que c(x) = 0.

De fato, como c(0) = 1 > 0 e c : R −→ R é contı́nua, terı́amos c(x) > 0


para todo x ≥ 0, caso c(x) 6= 0 para todo x > 0.

Daı́, s(x) seria uma função crescente em [0, ∞). Logo, para todo x > 1,
Zx Zx
s(1)(x − 1) ≤ s(t) dt = −c 0 (t) dt = c(1) − c(x) ≤ 2 ,
1 1

pois s(1) ≤ s(t) para todo t ∈ [1, x] e −1 ≤ c(t) ≤ 1 para todo t ∈ R, já
que s(t)2 + c(t)2 = 1. Mas a desigualdade s(1)(x − 1) ≤ 2 válida para todo
x > 1 é absurda, pois s(1) > s(0) = 0.

Logo c deve anular-se em algum ponto x > 0.

• Como o conjunto { x ∈ (0, ∞) | f(x) = 0 } é fechado, já que a função c é


contı́nua e c(0) > 0, existe um menor número positivo para o qual c se
π
anula. Chamamos tal número .
2

Assim, como c(2x) = c(x)2 − s(x)2 = 2c(x)2 − 1, temos que c(π) = −1 e


c(2π) = 1 e, portanto, s(π) = s(2π) = 0.

Logo, pelas fórmulas de adição, temos que

36 J. Delgado - K. Frensel
Operações aritméticas com sériesde potências

s(x + 2π) = s(x)c(2π) + c(x)s(2π) = s(x) ,

e
c(x + 2π) = c(x)c(2π) − s(x)s(2π) = c(x) ,

para todo x ∈ R, ou seja, as funções s(x) e c(x) são periódicas com


perı́odo 2π.

Outras propriedades das funções seno e cosseno podem ser provadas de


modo analı́tico usando suas séries de potências. 

X
∞ X

Observação 4.9 Embora as séries an xn e nan xn−1 tenham o
n=0 n=1

X

mesmo intervalo de convergência (−r, r), pode ocorrer que a série an x n
n=0

X

convirja num dos extremos ±r e a série nan xn−1 seja divergente nesse
n=1

ponto.
X

xn
Por exemplo, a série converge em [−1, 1], mas a série derivada
n2
n=1

X

xn−1
diverge no ponto x = 1.
n
n=1

X

Mas, se a série derivada nan xn−1 converge num dos extremos ±r do
n=1

X

intervalo de convergência, então a série an xn também converge nesse
n=0

extremo.
X

De fato, se a série nan xn−1 converge no ponto x = r (ou no ponto x =
n=1

X

−r), então a série nan xn−1 converge uniformemente no intervalo [0, r]
n=1

X

(ou no intervalo [−r, 0]) e, portanto, pelo corolário 2.7, a série an x n
n=0

converge no ponto x = r (ou x = −r).

Instituto de Matemática - UFF 37


Análise na Reta

5. Operações aritméticas com séries


de potências
X X
Sejam r e s os raios de convergência das séries a n xn e bn xn ,
respectivamente.
X
• Se r < s, então o raio de convergência da série (an + bn )xn é r.
X
De fato, a série (an + bn )xn converge para todo x ∈ (−r, r) e diverge
X X
se t ∈ (r, s), pois an tn diverge e bn tn converge.
X X
• Mas, se an xn e bn xn têm o mesmo raio de convergência r, então
X
a série (an + bn )xn pode ter qualquer número ≥ r como raio de con-
vergência.
X X
Por exemplo, se os raios de an x n e bn xn são, respectivamente, r
X X
e s, com r < s, então as séries (−an )xn e (an + bn )xn têm raio de
X X
convergência r, enquanto bn xn = ((−an ) + (an + bn )) xn tem raio
de convergência s.

X X
Teorema 5.1 Se as séries de potências a n xn e bn xn convergem
X
para todo x ∈ (−r, r), então a série cn xn é convergente e
X X  X 
cn xn = an xn bn xn ,

para todo x ∈ (−r, r), onde cn = a0 bn + a1 bn−1 + . . . + an b0 .

Prova.
Como o intervalo (−r, r) está contido no intervalo de convergência de cada
X X
uma das séries an x n e bn xn , temos que estas séries convergem
absolutamente para todo x ∈ (−r, r).

Logo, pelo teorema —, da parte 3, a série de termo geral


a0 x0 bn xn + a1 x1 bn−1 xn−1 + . . . + an xn b0 x0 = cn xn

38 J. Delgado - K. Frensel
Operações aritméticas com sériesde potências

converge e
X X  X 
cn xn = an x n bn xn . 

X
∞ X
∞ X

Corolário 5.1 Se as séries an , bn e cn são convergentes,
n=0 n=0 n=0

onde cn = a0 bn + a1 bn−1 + . . . + an b0 , então


X X   X 
cn = an bn .

Prova.
X X
Pelo teorema de Abel, as funções f(x) = an xn e g(x) = bn xn são
definidas e contı́nuas para todo x ∈ (−1, 1]. Então, pelo teorema acima,
X
f(x) · g(x) = cn xn para todo x ∈ (−1, 1).
X
Como, por hipótese, a série de potências cn xn converge no ponto
X
x = 1, temos, pelo teorema de Abel, que a série cn xn converge uni-
formemente em [0, 1] e, portanto,
X   X  X X
an bn = lim f(x) · g(x) = lim cn xn = cn . 
x→1 x→1
X X
• Se bn xn tem raio de convergência s e an xn tem raio de con-
X X  X 
vergência r < s, então a série cn xn = a n xn bn xn tem raio
de convergência ≥ r.

Mesmo se as séries dadas têm o mesmo raio de convergência, a


série produto pode ter raio de convergência maior. Por exemplo
1−x X 1 + x2 X
n 2n
2
= (1 − x) · (−1) x e = (1 + x 2
) xn
1+x 1−x
n≥0 n≥0

têm ambas raio de convergência 1, mas o produto destas duas séries tem
X
raio de convergência infinito, pois cn xn = 1 para todo x ∈ (−1, 1) e,
portanto, c0 = 1 e cn = 0 para todo n ≥ 1.

• Mostramos, então, que a soma e o produto de duas séries de potências


X
é ainda uma série de potências. Mais precisamente, se f(x) = an x n e
X
g(x) = bn xn para todo x ∈ (−r, r), então os valores das funções f + g

Instituto de Matemática - UFF 39


Análise na Reta

e f · g no intervalo (−r, r) ainda são dados por séries de potências:


X X
f(x) + g(x) = (an + bn )xn e f(x) · g(x) = cn xn ,

onde cn = a0 bn + a1 bn−1 + . . . + an b0 .
X
• Mostraremos, agora, que se f(x) = an xn para todo x ∈ (−r, r) e
1
f(0) = a0 6= 0, então existe s ∈ (0, r] tal que a função é representada
f(x)
1 X
por uma série de potências em (−s, s), ou seja, tem -se = bn xn
f(x)
para todo x ∈ (−s, s).

Devido aos possı́veis zeros de f em (−r, r), o intervalo de convergência


1
pode realmente diminuir quando passamos de f para . Por exemplo,
f
f(x) = 1 − x é uma série de potências convergente em toda a reta, mas
1
= 1 + x + x2 + . . . + xn + . . . converge apenas no intervalo (−1, 1), o
f(x)
1
que é de se esperar já que f(1) = 0, ou seja, não tem sentido para
f(x)
x = 1.

Também para f(x) = 1 + x2 , que converge para todo x ∈ R, temos


1 1
que = = 1 − x + x4 − . . . + (−1)n x2n + . . . converge apenas no
f(x) 1 + x2
intervalo (−1, 1). Neste exemplo, apesar de f(x) = 1 + x2 6= 0 para x ∈ R,
sabemos que essa função tem dois zeros com valores complexos: i e −i.

A segunda diferença, com respeito à soma e ao produto de séries


de potências, é o fato de que não se tem uma fórmula simples para os
1
coeficientes bn da série = b0 + b1 x + . . . + bn xn + . . . em função dos
f(x)
coeficientes an .

Para se determinar os valores bn aplica-se o método dos coeficientes


a determinar, que consiste em escrever sucessivamente
(a0 + a1 x + a2 x2 + . . .)(b0 + b1 x + b2 x2 + . . .) = 1;
a0 b0 + (a0 b1 + a1 b0 )x + (a0 b2 + a1 b1 + a2 b0 )x2 + . . . = 1;
a0 b = 1 ; a0 b1 + a1 b0 = 0 ; a0 b2 + a1 b1 + a2 b0 = 0 ; . . . (?)

40 J. Delgado - K. Frensel
Operações aritméticas com sériesde potências

1
A primeira equação a0 b0 = 1 de (?) nos dá que b0 = . A partir
a0
daı́, cada bn é determinado sucessivamente em função dos coeficientes
a0 , a1 , . . . , an e b0 , b1 , . . . , bn−1 que foram obtidos nas equações anteri-
ores. A hipótese a0 6= 0 assegura que o sistema de infinitas equações (?)
possui uma solução única, obtida por recorrência.

Devemos, porém, observar que, para obter as equações (?) a par-


tir da igualdade anterior, foi utilizado o seguinte fato: se uma série de
X
potências h(x) = cn xn é igual a 1 para todo x ∈ (−s, s), então c0 = 1 e
cn = 0 para todo n > 1. Este resultado é uma conseqüência do corolário
h(n) (0)
4.2, pois c0 = h(0) = 1 e cn = = 0 para todo n > 1, já que h é
n!
constante igual a 1 no intervalo (−1, 1).
1
No entanto, para provarmos que pode ser escrita como uma
f(x)
série de potências num intervalo (−s, s) ⊂ (−r, r) não precisaremos cal-
cular os coeficientes bn do inverso.
X
Seja, então, uma série de potências an xn que converge para f(x)
para todo x ∈ (−r, r) tal que a0 = f(0) 6= 0. Vamos supor que a0 = 1.

Como f é contı́nua em (−r, r) e f(0) = 1, existe δ > 0 tal que


x ∈ (−s, s) =⇒ |f(x) − 1| < 1.

Então, para todo x ∈ (−s, s), temos que

1 1
=
f(x) 1 + (f(x) − 1)

= 1 − (f(x) − 1) + (f(x) − 1)2 − . . . + (−1)n (f(x) − 1)n + . . .


!n
X∞ X∞ X∞
= (−1)n (f(x) − 1)n = (−1)n ak xk .
n−0 n=0 k=1

Pelo teorema 5.1, podemos escrever


!n
X∞ X

k
ak x = cnk xk ,
k=1 k=0

Assim, para todo x ∈ (−s, s), temos que

Instituto de Matemática - UFF 41


Análise na Reta

X X
!
1
= (−1)n cnk xk .
f(x)
n k

Provaremos, agora, que podemos inverter a ordem do somatório, ou


seja, que
X
∞ X

!
1
= (−1)n cnk xk ,
f(x)
k=0 n=0

1
o que exprimirá como uma série de potências no intervalo (−s, s) com
f(x)
X
coeficientes bk = (−1)n cnk .
n

Para isso, utilizaremos o teorema 3.1, o qual exige que, para todo n,
X X
(−1)n cnk xk convirja, o que é verdade, já que (−1)n cnk xk é uma
k k

série de potências convergente em (−r, r), e, portanto, absolutamente


convergente para todo x ∈ (−r, r). Além disso, o teorema 3.1 também
X X
!

exige que a série cnk xk convirja, o que não é evidente.
n k

X X
!

Afirmação: cnk xk converge.
n k
X
A série ϕ(x) = |ak |xk tem o mesmo raio de convergência que a
k
X
série ak x e ϕ(0) = |a0 | = 1. Então, podemos diminuir o número s > 0
k

de tal modo que |ϕ(x) − 1| < 1 e |f(x) − 1| < 1 para todo x ∈ (−s, s).

Para todo x ∈ (−s, s) e todo n ∈ N, podemos escrever


!n
X∞ X

n
(ϕ(x) − 1) = |ak |x k
= dnk xk .
k=0 k=0

X

Como a série (ϕ(x) − 1)n converge para todo x ∈ (−s, s), temos
n=0

X
∞ X

!
que a série dnk xk é convergente para todo x ∈ (−s, s).
n=0 k=0

Se provarmos que |cnk | ≤ dnk para todo n e todo k, teremos que

42 J. Delgado - K. Frensel
Operações aritméticas com sériesde potências

X X X X
!
a série |cnk xk | converge, já que |cnk xk | ≤ dnk |xk | e
n k k k

X X
!
dnk |x|k converge.
n k

Afirmação: |cnk | ≤ dnk para todo n e todo k.


Vamos provar a afirmação por indução em n.

• Para n = 0, c00 = d00 = 1 e c0k = d0k = 0 para todo k > 1. Então,


|c0k | ≤ |d0k | para todo k.

• Seja n > 0 e suponhamos que |cnk | ≤ dnk para todo k.

Como os números cnk e dnk são dados pelas relações


!n !n
X X X X
ak xk = cnk xk e |ak |xk = dnk xk ,
k k k k

e observando que
!n+1 !n
X X X
!
ak x k = ak x k ak x k
k k k
!n
X X
!
= cnk xk a k xk ,
k k

e
!n+1 !n
X X X
!
|ak |xk = |ak |xk |ak |xk
k k k
!n
X X
!
= dnk xk |ak |xk ,
k k

temos, fazendo a0 = 0, que


cn+1 k = a0 cnk + a1 cn (k+1) + . . . + ak cn0

e
d(n+1) k = |a0 |dnk + |a1 |dn (k−1) + . . . + |ak |dn0 .

Logo, usando a hipótese de indução,

Instituto de Matemática - UFF 43


Análise na Reta

| c(n+1) k | ≤ |a0 | |cnk | + |a1 | |cn (k−1) | + . . . + |ak | |cn0 |


≤ |a0 |dnk + |a1 |dn (k−1) + . . . + |ak |dn0
= d(n+1) k ,

o que conclui a demonstração do seguinte teorema:

X
Teorema 5.2 Seja an xn uma série de potências que converge ao
valor f(x) para todo x ∈ (−r, r).
X
Se a0 6= 0, então existem s > 0 e uma série de potências bn xn que
1
converge, para todo x ∈ (−s, s), ao valor
f(x)

44 J. Delgado - K. Frensel
Funções analı́ticas

6. Funções analı́ticas

Definição 6.1 Uma função f : I −→ R, definida num intervalo aberto


I, chama-se analı́tica quando é de classe C∞ e, para todo x0 ∈ I, existe
r > 0 tal que (x0 − r, x0 + r) ⊂ I e
f(n) (x0 )
f(x) = f(x0 ) + f 0 (x0 )(x − x0 ) + . . . + (x − x0 )n + . . .
n!
para todo x ∈ (x0 − r, x0 + r).

Assim, o valor f(x) de uma função analı́tica, em todo ponto x ∈ I, é


dado por uma série de potências, a saber, uma série de Taylor. Mas, pelo
corolário 4.2, toda função representada por uma série de potências é de
X f(n) (x0 )
classe C∞ e, se f(x) = an (x − x0 )n , então an = , ou seja, toda
n!
série de potências é uma série de Taylor.

Podemos, então simplificar a definição anterior e dizer que uma fun-


ção f : I −→ R definida num intervalo aberto I, é analı́tica quando, para
cada x0 ∈ I, existem r > 0, com (x0 − r, x0 + r) ⊂ I, e uma série de
X
potências an (x − x0 )n tal que, para todo x ∈ (x0 − r, x0 + r), temos que
X
f(x) = an (x − x0 )n .

• Note que a série de potências varia com o ponto x0 , já que seus coefi-
cientes são dados em função das derivadas f(n) (x0 ), e que, mesmo sendo
f(x) analı́tica em toda a reta, sua série de potências em torno de um ponto
x0 não precisa convergir em toda a reta.

Observação 6.1 A soma e o produto de funções analı́ticas f, g : I → R


é uma função analı́tica em I.
X
De fato, para todo x0 ∈ I, existem r > 0 e s > 0, tais que f(x) = an (x −
X
x0 )n se |x − x0 | < r e g(x) = bn (x − x0 )n se |x − x0 | < s. Então, se
|x − x0 | < t, onde t = min{r, s}, temos que
X X
f(x) + g(x) = (an + bn )(x − x0 )n e f(x)g(x) = cn (x − x0 )n ,

com cn = a0 bn + a1 bn−1 + . . . + an b0 .

Instituto de Matemática - UFF 45


Análise na Reta

Em particular, como a função constante e a função identidade são analı́ticas


em R, todo polinômio é uma função analı́tica em R.

• Pelo teorema 5.2, temos também que se f : I −→ R é uma função


1
analı́tica que não se anula em ponto algum de I, seu inverso é uma
f
p(x)
função analı́tica em I. Em particular, uma função racional f(x) = ,
q(x)
quociente de dois polinômios, é analı́tica em todo intervalo aberto onde o
denominador q não se anula.

1
Exemplo 6.1 A função f : R −→ R, dada por f(x) = , é analı́tica
1 + x2
em toda a reta, já que é uma função racional com denominador diferente
de zero em todos os pontos da reta.
X
A série de potências de f em torno de x = 0, ou seja, a série (−1)n x2n ,
só converge no intervalo (−1, 1), mas pelo teorema 5.2, para todo x0 ∈ R,
X 1
existem uma série de potências an (x − x0 )n e r > 0 tais que =
1 + x2
X
an (x − x0 )n para todo x ∈ (x0 − r, x0 + r). Os coeficientes an podem ser
obtidos pelo método dos coeficientes a determinar, a partir da igualdade
X∞
2
1 = (1 + x ) an (x − x0 )n .
n=0

Para isso, devemos desenvolver 1 + x2 em potências de (x − x0 ):


1 + x2 = 1 + ((x − x0 ) + x0 )2 = 1 + x20 + 2x0 (x − x0 ) + (x − x0 )2 .

Assim, escrevendo,
  
1 = 1 + x20 + 2x0 (x − x0 ) + (x − x0 )2 a0 + a1 (x − x0 ) + a2 (x − x0 )2 + . . . ,

e efetuando o produto indicado no segundo membro, obtemos os coefi-


cientes an , igualando os coeficientes das mesmas potências de (x − x0 )
nos dois membros da igualdade. Por exemplo,
1 = (1 + x0 )2 a0 , 0 = a1 (1 + x20 ) + 2a0 x0 , 0 = (1 + x20 )a2 + a0 + 2x0 a1 ,
1 −2a0 x0 2x0
ou seja, a0 = , a1 = − =− ,
1 + x20 2
1 + x0 (1 + x20 )2

46 J. Delgado - K. Frensel
Funções analı́ticas

−a0 − 2x0 a1 1 4x20 −1 + 3x20


a2 = = − + = .
1 + x20 (1 + x0 )2 (1 + x0 )3 (1 + x20 )3 

X
• Mostraremos, agora, que se a série de potências an (x − x0 )n con-
verge para todo x ∈ (x0 − r, x0 + r), então a função f : (x0 − r, x0 + r) → R
X
definida por f(x) = an (x − x0 )n é analı́tica, ou seja, para todo x1 ∈
X
(x0 − r, x0 + r), existe uma série de potências da forma bn (x − x1 )n que
converge para a soma f(x) numa vizinhança de x1 .

Teorema 6.1 Seja f : (x0 − r, x0 + r) −→ R a função definida pela série


X
de potências f(x) = an (x − x0 )n . Para todo x1 ∈ (x0 − r, x0 + r), existe
X X
uma série de potências bn (x − x1 )n tal que f(x) = bn (x − x1 )n se
|x − x1 | < r − |x1 − x0 |.

Prova.
Se |x − x1 | < r − |x1 − x0 |, então |x − x1 | + |x1 − x0 | ≤ r. Logo, a série
X
an (y − x0 )n converge absolutamente para y = x0 + |x − x1 | + |x1 − x0 |,
pois |y − x0 | = |x − x1 | + |x1 − x0 | < r. Logo, a série
X X
|an | |y − x0 |n = |an | (|x − x1 | + |x1 − x0 |)n

é convergente. Então, pela fórmula do binômio de Newton, temos que


X Xn  
!
n
|an | |x1 − x0 |n−k |x − x1 |k < +∞ .
n k=0
k

Assim, pelo teorema 3.1, podemos inverter a ordem do somatório, ou seja,

X X
f(x) = an (x − x0 )n = an (x1 − x0 + x − x1 )n
n≥0 n≥0

X Xn  
!
(?) n
= an (x1 − x0 )n−k (x − x1 )k
n≥0 k=0
k

X X n
" #
= an (x1 − x0 )n−k (x − x1 )k
k≥0 n≥k
k

X
= bk (x − x1 )k ,
k≥0

Instituto de Matemática - UFF 47


Análise na Reta

n

já que os coeficientes da série dupla (?) acima são ank = an k
(x1 −x0 )n−k
se k ≤ n e ank = 0 se k > n. 

• Uma das propriedades que distinguem as funções analı́ticas das funções


C∞ é dada pelo seguinte teorema.

Teorema 6.2 Se uma função analı́tica f : I −→ R se anula, juntamente


com todas as suas derivadas, num ponto do intervalo aberto I, então f se
anula em todos os pontos de I.

Prova.
• Seja A = { x ∈ I | f(n) (x) = 0 , para todo n ≥ 0 } .

Afirmação: A é aberto.
De fato, seja x0 ∈ I. Como f é analı́tica, existe r > 0 tal que
X f(n) (x0 )
f(x) = (x − x0 )n
n!
n≥0

para todo x ∈ (x0 − r, x0 + r).

Logo, f(x) = 0 para todo x ∈ (x0 − r, x0 + r), pois f(n) (x0 ) = 0 para todo
n ≥ 0. Então, (x0 − r, x0 + r) ⊂ A, já que f(n) (x) = 0 para todo n ≥ 0 e
todo x ∈ (x0 − r, x0 + r). Portanto, A é aberto.

• Seja B = { x ∈ I | ∃n0 ≥ 0 ; f(n0 ) (x) 6= 0 }.

Afirmação: B é aberto.
Sejam x0 ∈ B e n0 ≥ 0 tal que f(n0 ) (x0 ) 6= 0.

Como a função f(n0 ) : I −→ R é contı́nua, existe r > 0 tal que f(n0 ) (x) 6= 0
para todo x ∈ (x0 − r, x0 + r).

Então, (x0 − r, x0 + r) ⊂ B, e, portanto, B é aberto.

Logo, I = A ∪ B, onde A e B são abertos disjuntos. Como, por hipótese,


A 6= ∅, temos que B 6= ∅, ou seja, A = I, o que demonstra o teorema. 

Corolário 6.1 Sejam f, g : I −→ R funções analı́ticas. Se, para algum


x0 ∈ I, f(n) (x0 ) = g(n) (x0 ) para todo n ≥ 0, então f(x) = g(x) para todo
x ∈ I.

48 J. Delgado - K. Frensel
Funções analı́ticas

Lema 6.1 Seja f : I −→ R uma função C∞ . Seja X ⊂ I um conjunto com


um ponto de acumulação x0 ∈ I.

Se f(x) = 0 para todo x ∈ X, então f(n) (x0 ) = 0 para todo n ≥ 0.

Prova.
Como X 0 = X+0 ∪ X−0 , existe uma seqüência monótona crescente ou de-
crescente de pontos de X com lim xn = x0 .

Então f(x0 ) = lim f(xn ) = 0 e


n→∞

f(xn ) − f(x0 )
f 0 (x0 ) = lim = 0.
n→∞ xn − x0

Pelo teorema de Rolle, existe yn entre xn e xn+1 , tal que f 0 (yn ) = 0, já que
xn < xn+1 (ou xn+1 < xn ) e f(xn ) = f(xn+1 ) = 0.

Logo, a seqüência (yn ) é estritamente monótona e lim yn = x0 .

Assim,
f 0 (yn ) − f 0 (x0 )
f 00 (x0 ) = lim = 0.
n→∞ yn − x 0

Novamente, pelo teorema de Rolle, existe zn entre yn e yn+1 tal que


f 00 (zn ) = 0.

A seqüência (zn ) assim obtida é estritamente monótona com lim zn = x0 .


Então,
f 00 (zn ) − f 00 (x0 )
f 000 (x0 ) = lim = 0.
n→∞ zn − x0

Prosseguindo desta manaira, podemos provar, por indução, que f(n) (x0 ) =
0 para todo n ≥ 0. 

Teorema 6.3 Seja f : I −→ R uma função analı́tica tal que f(x) = 0


para todo x ∈ X, onde X ⊂ I é um conjunto com um ponto de acumulação
x0 ∈ I. Então f(x) = 0 para todo x ∈ I.

Prova.
Pelo lema anterior, temos f(n) (x0 ) = 0 para todo n ≥ 0.

Portanto, pelo teorema 6.2, f(x) = 0 para todo x ∈ I. 

Instituto de Matemática - UFF 49


Análise na Reta

Corolário 6.2 (Princı́pio da Identidade para funções analı́ticas)


Sejam f, g : I −→ R funções analı́ticas e X ⊂ I um conjunto com um ponto
de acumulação em I. Se f(x) = g(x) para todo x ∈ X, então f ≡ g.

Corolário 6.3 (Princı́pio da Identidade para séries de potências)


X X
Sejam an x n e bn xn séries de potências convergentes no intervalo
(−r, r) e X ⊂ (−r, r) um conjunto com um ponto de acumulação nesse
X X
intervalo. Se an x n = bn xn para todo x ∈ X então an = bn para
todo n ≥ 0.

Prova.
X X
Como as funções f(x) = an xn e g(x) = bn xn são analı́ticas no
intervalo (−r, r), temos, pelo corolário anterior, que f(x) = g(x) para todo
x ∈ (−r, r).

Então, f(n) (0) = g(n) (0) para todo n ≥ 0.

f(n) (0) g(n) (0)


Portanto, an = = = bn para todo n ≥ 0. 
n! n!

7. Nota sobre funções complexas

A composta de duas funções analı́ticas f e g é ainda analı́tica. Este


fato importante pode ser provado usando a mesma técnica da demonstração
do teorema 5.2, ou seja, fazendo a substituição de uma série de potências
em outra.

Vamos indicar como se pode deduzir este fato a partir da noção de


função analı́tica complexa.

Definição 7.1 Seja U ⊂ C aberto. Uma função f : U −→ C é derivável


no ponto z0 ∈ U se existe o limite
f(z) − f(z0 )
f 0 (z0 ) = lim .
z→z0 z − z0

Nesse caso, f 0 (z0 ) é a derivada de f no ponto z0 .

50 J. Delgado - K. Frensel
Nota sobre funções complexas

Embora a definição seja igual à de derivada de uma função real, con-


seqüências surpreendentes decorrem do fato de uma função complexa
ser derivável num aberto U ⊂ C:

• Se uma função f : U −→ C possui derivada em todos os pontos de um


aberto U do plano complexo C, então f é de classe C∞ em U, ou melhor
ainda, f é analı́tica em U. Ou seja, todo ponto z0 ∈ U é centro de um disco
de raio r contido em U tal que
X f(n) (z0 )
|z − z0 | < r =⇒ f(z) = (z − z0 )n .
n!
n≥0
X
Reciprocamente, se f(z) = an (z − z0 )n é dada por uma série de
n≥0

potências convergente no disco |z−z0 | < r, então f é derivável e, portanto,


analı́tica nesse disco.
1
Assim, fica fácil provar que a inversa de uma função analı́tica
f
1
complexa f, que não se anula, é analı́tica, pois basta verificar que é
f
derivável. De modo análogo ao caso real, podemos provar que se f é de-
1
10 f 0 (z0 )
rivável em z0 e f(z0 ) 6= 0, então é derivável em z0 e (z0 ) = − 2
.
f f f(z0 )

Também, de modo análogo ao caso real, podemos provar que a


composta g ◦ f de duas funções complexas f e g deriváveis é, também,
derivável e
(g ◦ f) 0 (z) = g 0 (f(z)) f 0 (z) .

Logo, a composta de duas funções analı́ticas complexas é analı́tica.


X
• Outro fato importante é que se a série de potências an xn real con-
X
verge no intervalo (−r, r), então a série de potências complexa an z n
converge no disco aberto |z| < r.

Daı́ resulta que toda função analı́tica real f : I −→ R se estende a


uma função analı́tica complexa F : U −→ R, onde U é um aberto do plano
complexo tal que U ∩ R = I.

Além disso, se f : U −→ C, é uma função analı́tica complexa que

Instituto de Matemática - UFF 51


Análise na Reta

transforma todo ponto x ∈ U ∩ R = I real num número real, então os


X
coeficientes an são reais, onde f(z) = an (z − z0 )n é a expressão de f
em séries de potências em torno de um número real x0 ∈ I.

Estes fatos nos permitem provar teoremas sobre funções analı́ticas


reais usando propriedades das funções analı́ticas complexas.

Por exemplo, suponha que f : I −→ R é uma função analı́tica real tal


que f(x) 6= 0 para todo x ∈ I. Seja f : U −→ C a função analı́tica complexa
que estende f. Podemos tomar o aberto U ⊂ C suficientemente pequeno
1
de modo que I ⊂ U e F(z) 6= 0 para todo z ∈ U. Logo, como : U → C é
F
1 1 1
analı́tica e = para todo x ∈ I, temos que : I −→ R é analı́tica
F(x) f(x) f
real.

Outro exemplo é o seguinte: sejam f : I −→ R e g : J −→ R funções


analı́ticas reais tais que f(I) ⊂ J. Estendendo-as, obtemos funções analı́ticas
complexas F e G, cuja composta G◦F é analı́tica, já que é derivável. Como
G ◦ F(x) = G(F(x)) = g(f(x)) é real para todo x ∈ I, temos que g ◦ f é uma
função analı́tica real.

8. Eqüicontinuidade

Nosso objetivo, agora, é determinar condições para que um conjunto


I de funções contı́nuas no conjunto X possua a seguinte propriedade:
se (fn ) é uma seqüência de termos fn ∈ E, então (fn ) possui uma sub-
seqüência uniformemente convergente em X.

Se E é um subconjunto de R, temos que toda seqüência de pontos


xn ∈ E possui uma subseqüência convergente se, e só se, E é limitado.

Mas o mesmo não ocorre quando E é um conjunto de funções contı́-


nuas f : X −→ R definidas num conjunto X. Por exemplo, a seqüência de
funções fn : [0, 1] −→ R definidas por fn (x) = xn (1 − xn ), do exemplo 1.4,
1
é limitada, pois 0 ≤ fn (x) ≤ para todo n ∈ N e todo x ∈ [0, 1], mas (fn )
4

52 J. Delgado - K. Frensel
Eqüicontinuidade

não possui uma subseqüência uniformemente convergente em [0, 1].

Não basta então que as funções f ∈ E tomem valores no mesmo in-


tervalo limitado para que toda seqüência em E possua uma subseqüência
uniformemente convergente. É preciso uma hipótese adicional: a eqüicon-
tinuidade.

Definição 8.1 Seja E um conjunto de funções f : X −→ R definidas


no mesmo domı́nio. Dizemos que E é eqüicontı́nuo num ponto x0 ∈ X
quando, para todo ε > 0, existe δ > 0 tal que
x ∈ X , |x − x0 | < δ =⇒ |f(x) − f(x0 )| < ε , ∀ f ∈ E .

Observação 8.1 Além de todas as funções f ∈ E serem contı́nuas no


ponto x0 ∈ X, o número δ > 0, escolhido a partir de ε, é o mesmo para
todas as funções f ∈ E.

Definição 8.2 Dizemos que (fn ) é uma seqüência eqüicontı́nua no ponto


x0 ∈ X quando o conjunto de funções E = {f1 , f2 , . . . , fn , . . .} é eqüicontı́nuo
no ponto x0 .

Observação 8.2 Dizer que a seqüência de funções fn : X −→ R é


eqüicontı́nua no ponto x0 ∈ X equivale a afirmar que lim fn (x) = fn (x0 )
x−→x0

uniformemente em relação a n (ver observação 2.2).

Observação 8.3 Pela observação 2.2, temos que se fn : X −→ R é


uma seqüência de funções eqüicontı́nua no ponto x0 ∈ X e fn −→ f sim-
plesmente em X, então f é contı́nua no ponto x0 .

Definição 8.3 Dizemos que um conjunto E de funções f : X −→ R é


eqüicontı́nuo quando E é eqüicontı́nuo em todos os pontos x0 ∈ X.

Analogamente, uma seqüência de funções fn : X −→ R é eqüicontı́nua


quando é eqüicontı́nua em todos os pontos x0 ∈ X.

Exemplo 8.1 Se X ⊂ R é um conjunto discreto, então qualquer conjunto


E de funções f : X −→ R é eqüicontı́nuo. 

Instituto de Matemática - UFF 53


Análise na Reta

Exemplo 8.2 O conjunto E = {f}, formado por uma única função contı́-
nua f : X −→ R, é eqüicontı́nuo. 

Observação 8.4 Se os conjuntos E1 , . . . , En , formados por funções reais


com o mesmo domı́nio X ⊂ R, são eqüicontı́nuos no ponto x0 ∈ X, então
a reunião E = E1 ∪ . . . ∪ En é um conjunto eqüicontı́nuo. no ponto x0 .

De fato, dado ε > 0, existem números reais positivos δ1 , . . . , δn tais que


x ∈ X , |x − x0 | < δi =⇒ |f(x) − f(x0 )| < ε , ∀ f ∈ Ei , i = 1, . . . , n .

Então, se δ = min{δ1 , . . . , δn } > 0, temos que


x ∈ X , |x − x0 | < δ =⇒ |f(x) − f(x0 )| < ε , ∀ f ∈ E1 ∪ . . . ∪ En .

Em particular, se as funções f1 , . . . , fn : X −→ R são contı́nuas no ponto


x0 ∈ X, então o conjunto E = {f1 , . . . , fn } é eqüicontı́nuo neste ponto.

Observação 8.5 Se E é eqüicontı́nuo no ponto x0 e F ⊂ E, então F é


eqüicontı́nuo neste ponto.

Observação 8.6 Se uma seqüência (fn ) de funções contı́nuas


fn : X −→ R converge uniformemente para f : X −→ R, então o con-
junto E = { f, f1 , . . . , fn , . . .} é eqüicontı́nuo.

De fato, seja x0 ∈ X. Dado ε > 0 existe n0 ∈ N tal que


ε
n > n0 =⇒ |fn (x) − f(x)| < , ∀ x ∈ X.
3
Como f1 , . . . , fn0 e f são contı́nuas em x0 , existe δ > 0 tal que

x ∈ X , |x − x0 | < δ =⇒ |fi (x) − fi (x0 )| < ε , ∀ i = 1, . . . , n0 ,


ε
e |f(x) − f(x0 )| < .
3
Então, para n > n0 ,
|fn (x) − fn (x0 )| ≤ |fn (x) − f(x)| + |f(x) − f(x0 )| + |f(x0 ) − fn (x0 )|
ε ε ε
< + + = ε,
3 3 3
para todo x ∈ X ∩ (x0 − δ, x0 + δ).

Logo, E é eqüicontı́nuo no ponto x0 ∈ X. Como x0 ∈ X é arbitrário, E é


eqüicontı́nua em X.

sen(nx)
Exemplo 8.3 A seqüência de funções fn (x) = é eqüicontı́nua
n

54 J. Delgado - K. Frensel
Eqüicontinuidade

em toda a reta, pois fn −→ f ≡ 0 uniformemente em R. 

Observação 8.7 Como a eqüicontinuidade é uma propriedade local,


uma seqüência de funções fn : X −→ R é eqüicontı́nua se, para todo
x0 ∈ X, existe um intervalo I de centro x0 tal que (fn ) converge uniforme-
mente em X ∩ I.

Exemplo 8.4 A seqüência de funções gn : R −→ R, definidas por


x
gn (x) = , é eqüicontı́nua em R, pois gn −→ g ≡ 0 uniformemente em
n
toda parte limitada X ⊂ R, embora (gn ) não seja uniformemente conver-
gente em toda a reta. 

Exemplo 8.5 A seqüência de funções contı́nuas fn (x) = nx, definidas


em toda a reta, não é eqüicontı́nua em ponto algum x0 ∈ R.
1 1
De fato, dado ε = > 0, para todo δ > 0 existem n ∈ N, < δ, e um ponto
2 n
1 1
x = x0 + tais que |x−x0 | = < δ, mas |fn (x)−fn (x0 )| = n|x−x0 | = 1 > ε.
n n


Exemplo 8.6 A seqüência de funções contı́nuas fn : R −→ R, definidas


por fn (x) = sen(nx), não é eqüicontı́nua em ponto algum x0 ∈ R.
1 2π
De fato, seja ε = > 0. Dado δ > 0 seja n ∈ N tal que < δ.
2 n

Afirmação: Existe xn ∈ R tal que |xn − x0 | < δ e |fn (xn ) − fn (x0 )| > ε.
Seja b ∈ [−1, 1] tal que |b−sen(nx0 )| ≥ 1 (por exemplo, b = −1+sen(nx0 ),
se sen(nx0 ) ≥ 0, e b = 1 + sen(nx0 ), se sen(nx0 ) ≤ 0).

Como nx varia entre nx0 e nx0 + 2π quando x varia entre x0 e x0 + ,
n
temos que sen(nx) assume todos os valores entre −1 e 1 no intervalo
2π 2π
h i h i
x0 , x0 + . Logo, existe xn ∈ x0 , x0 + tal que sen(nxn ) = b.
n n

Então |xn − x0 | ≤ <δe
n
1
|fn (xn ) − fn (x0 )| = | sen(nxn ) − sen(nx0 )| = |b − sen(nx0 )| ≥ 1 > = ε. 
2

Instituto de Matemática - UFF 55


Análise na Reta

• Como a seqüência (sen(nx)) não é eqüicontı́nua em ponto algum da


reta, temos, pela observação 8.7, que a seqüência (sen(nx)) não con-
verge uniformemente em intervalo algum da reta.

Na realidade, o argumento usado acima mostra que nenhuma sub-


seqüência de (sen(nx)) é eqüicontı́nua em ponto algum da reta e, por-
tanto, nenhuma subseqüência converge uniformemente em intervalo al-
gum.

Observação 8.8 Seja E um conjunto de funções deriváveis no intervalo


I para o qual existe uma constante c > 0 tal que |f 0 (x)| ≤ c para toda f ∈ E
e todo ponto x ∈ I. Então E é eqüicontı́nuo.
ε
De fato, seja x0 ∈ I. Dado ε > 0, existe δ = > 0 tal que
c
x ∈ I, |x − x0 | < δ =⇒ |f(x) − f(x0 )| < ε , ∀ f ∈ E,

pois, pelo teorema do valor médio, para toda f ∈ E, existe cx entre x0 e x


tal que
ε
|f(x) − f(x0 )| = |f 0 (cx )| |x − x0 | ≤ c|x − x0 | < c · = ε.
c

• O mesmo argumento mostra que E é eqüicontı́nuo se, para todo x ∈ I,


existem uma constante cx > 0 e um intervalo aberto Ix tais que x ∈ Ix ⊂ I
e |f 0 (y)| ≤ cx para todo y ∈ Ix e toda f ∈ E.

Observação 8.9 Como caso particular da observação anterior, seja F


um conjunto de funções f : I −→ R contı́nuas no intervalo I para o qual
existe uma constante c > 0 tal que |f(x)| ≤ c para todo x ∈ I e toda f ∈ F.

Então, fixado a ∈ I, o conjunto E das integrais indefinidas ϕ : I −→ R,


Zx
ϕ(x) = f(t) dt das funções de F é eqüicontı́nuo, pois
a
|ϕ 0 (x)| = |f(x)| ≤ c , ∀ x ∈ I e ∀ ϕ ∈ E.

Definição 8.4 Um conjunto E de funções f : X −→ R chama-se uni-


formemente eqüicontı́nuo quando, para todo ε > 0 dado, existe δ > 0 tal
que
x, y ∈ X , |x − y| < δ =⇒ |f(x) − f(y)| < ε , ∀ f ∈ E .

56 J. Delgado - K. Frensel
Eqüicontinuidade

Exemplo 8.7 Um conjunto E = {f}, formado por uma única função contı́-
nua que não é uniformemente contı́nua, é um exemplo de conjunto que é
eqüicontı́nuo mas não é uniformemente eqüicontı́nuo. 

Exemplo 8.8 Se as funções de E são deriváveis no intervalo I e |f 0 (x)| ≤


c para toda f ∈ E e todo x ∈ I, então E é uniformemente eqüicontı́nuo. 

Teorema 8.1 Seja K ⊂ R compacto. Todo conjunto eqüicontı́nuo de


funções f : K −→ R é uniformemente eqüicontı́nuo.

Prova.
Seja E um conjunto eqüicontı́nuo de funções f : K −→ R.

Suponhamos, por absurdo, que E não é uniformemente eqüicontı́nuo.

Então, existe ε0 > 0 tal que para todo n ∈ N, podemos obter xn , yn ∈ K e


fn ∈ E tais que
1
|xn − yn | < e |fn (xn ) − fn (yn )| ≥ ε0 .
n
Como K é compacto, (xn )n possui uma subseqüência (xnk )k tal que
1
xnk −→ x ∈ K. Além disso, como |xnk − ynk | < , temos ynk −→ x.
nk

Sendo E eqüicontı́nuo no ponto x, existe δ > 0 tal que


ε0
z ∈ K, |z − x| < δ =⇒ |f(z) − f(x)| < , ∀ f ∈ E.
2
Como xnk −→ x e ynk −→ x, existe n0 ∈ N tal que
δ δ
|xn0 − x| < e |yn0 − x| < .
2 2
Logo, |xn0 − yn0 | < δ e, portanto,

|fn0 (xn0 ) − fn0 (yn0 )| ≤ |fn0 (xn0 ) − fn0 (x)| + |fn0 (x) − fn0 (yn0 )|
ε0 ε
< + 0 = ε0 ,
2 2
o que é uma contradição. 

Teorema 8.2 Se uma seqüência eqüicontı́nua de funções fn : X −→ R


converge simplesmente num subconjunto denso D ⊂ X, então (fn ) con-
verge uniformemente em cada parte compacta K ⊂ X.

Instituto de Matemática - UFF 57


Análise na Reta

Prova.
Seja K ⊂ X compacto. Dado ε > 0, para todo d ∈ D, existe nd ∈ N
tal que
ε
m, n > nd =⇒ |fm (d) − fn (d)| < .
3
Além disso, como a seqüência (fn ) é eqüicontı́nua em X, para todo y ∈ K
existe um intervalo aberto Iy de centro y, tal que
ε
x, y ∈ X ∩ Iy =⇒ |fn (x) − fn (y)| < , ∀ n ∈ N.
6
ε
Logo, |fn (x) − fn (z)| < quaisquer que sejam x, z ∈ Iy ∩ X e n ∈ N.
3
[
Como K é compacto e K ⊂ Iy , existem números y1 , . . . , yp ∈ K tais
y∈K

que K ⊂ Iy1 ∪ . . . ∪ Iyp .

Sendo D denso em X, existe, em cada um dos intervalos Iyj , um número


dj ∈ Iyj ∩ D.

Seja n0 = max{nd1 , . . . , ndp } e seja x ∈ K. Então, existe i ∈ {1, . . . , p} tal


que x ∈ Iyi .

Logo, se m, n > n0 temos


|fm (x) − fn (x)| ≤ |fm (x) − fm (di )| + |fm (di ) − fn (di )| + |fn (di ) − fn (x)|
ε ε ε
< + + = ε.
3 3 3
Portanto, m, n > n0 e x ∈ K =⇒ |fm (x) − fn (x)| < ε.

Assim, (fn ) converge uniformemente em K. 

Observação 8.10 Se uma seqüência de funções fn : I −→ R, de-


riváveis no intervalo I, converge simplesmente em I para uma função f e,
além disso, |fn0 (x)| ≤ c para todo n ∈ N e x ∈ I, então a convergência é
uniforme em cada parte compacta de I.

Assim, por exemplo, a seqüência de funções fn (x) = xn (1 − xn ), que


converge simplesmente, mas não uniformemente, para a função f ≡ 0 no
intervalo [0, 1], só o faz porque as derivadas fn0 (x) = nxn−1 − 2nx2n−1 não
são uniformemente limitadas em [0, 1] por uma constante, pois fn0 (1) = −n
para todo n ∈ N.

58 J. Delgado - K. Frensel
Eqüicontinuidade

Definição 8.5 Um conjunto E de funções f : X −→ R diz-se simples-


mente limitado (ou pontualmente limitado) quando, para cada x ∈ X, existe
cx > 0 tal que |f(x)| ≤ cx para toda f ∈ E.

Assim, dizer que um conjunto E de funções é simplesmente limitado


significa que, para cada x ∈ X, o conjunto {f(x) | f ∈ E} é limitado.

Exemplo 8.9 Todo conjunto finito de funções é simplesmente limitado.




Definição 8.6 Um conjunto E de funções f : X −→ R diz-se uniforme-


mente limitado quando existe c > 0 tal que |f(x)| ≤ c para todo f ∈ E e
todo x ∈ X.

Logo, um conjunto E de funções é uniformemente limitado se os


gráficos de todas as funções de E estão contidos na faixa
{ (x, y) ∈ R2 | − c < y < c }.

Exemplo 8.10 Uma função não-limitada é um exemplo de um conjunto


simplesmente limitado que não é uniformemente limitado. 

Definição 8.7 Dizemos que uma seqüência (fn ) é simplesmente (ou


respectivamente, uniformemente) limitada, quando o conjunto de funções
{f1 , f2 , . . . , fn , . . .} é simplesmente (ou uniformemente) limitado.

Observação 8.11 Se cada função fn : X −→ R é limitada e fn −→ f


uniformemente em X, então f é limitada e (fn ) é uma seqüência uniforme-
mente limitada.

De fato, como fn −→ f uniformemente em X, existe n0 ∈ N tal que


|fn (x) − f(x)| < 1 para todo n ≥ n0 e x ∈ X.

Logo, |f(x)| ≤ |fn0 (x)| + 1 , para todo x ∈ X.

Como f1 , . . . , fn0 são limitadas em X, existe c > 0 tal que |fn (x)| ≤ c para
todo x ∈ X e todo n = 1, . . . , n0 .

Logo, f|(x)| ≤ c + 1 para todo x ∈ X e, portanto,


|fn (x)| ≤ |fn (x) − f(x)| + |f(x)| ≤ 1 + 1 + c , ∀x ∈ X , ∀n ≥ n0 .

Instituto de Matemática - UFF 59


Análise na Reta

Assim, |fn (x)| ≤ c + 2 para todo n ∈ N e todo x ∈ X, ou seja, a seqüência


(fn ) é uniformemente limitada em X.

Teorema 8.3 (Cantor-Tychonov)


Seja X ⊂ R um conjunto enumerável. Toda seqüência simplesmente lim-
itada de funções fn : X −→ R possui uma subseqüência simplesmente
convergente.

Prova.
Seja X = {x1 , x2 , . . .}. Como a seqüência (fn (x1 ))n∈N é limitada, ela possui
uma subseqüência convergente, ou seja, existe N1 ⊂ N infinito tal que
existe o limite a1 = lim fn (x1 ).
n∈N1

Sendo (fn (x2 ))n∈N1 uma seqüência limitada, existe N2 ⊂ N1 infinito tal que
o limite a2 = lim fn (x2 ) existe.
n∈N2

Prosseguindo desta maneira, podemos obter, para cada i ∈ N, um sub-


conjunto infinito Ni ⊂ N de modo que N1 ⊃ N2 ⊃ . . . ⊃ Ni−1 ⊃ Ni ⊃ . . . e,
para cada i, existe o limite ai = lim fn (xi ).
n∈Ni

Seja N? ⊂ N o subconjunto infinito de N, cujo i−ésimo elemento é o


i−ésimo elemento de Ni . Então, para cada i ∈ N, a seqüência (fn (xi ))n∈N?
é convergente, pois, a partir do seu i−ésimo termo, (fn (xi ))n∈N? é uma
subseqüência da seqüência convergente (fn (xi ))n∈Ni .

Logo, a subseqüência (fn (xi ))n∈N? é convergente para todo xi ∈ X. 

Teorema 8.4 (Ascoli-Arzelá)


Seja K ⊂ R compacto. Toda seqüência eqüicontı́nua e simplesmente
limitada de funções fn : K −→ R possui uma subseqüência uniformemente
convergente.

Prova.
Seja X ⊂ K enumerável denso em K. Então, pelo teorema 8.3, (fn ) possui
uma subseqüência (fn )n∈N 0 que converge simplesmente em X, pois (fn ) é
uma seqüência simplesmente limitada no conjunto enumerável X.

60 J. Delgado - K. Frensel
Eqüicontinuidade

Logo, pelo teorema 8.2, a subseqüência (fn )n∈N 0 converge uniformemente


em K, pois (fn )n∈N 0 é uma seqüência eqüicontı́ua em K que converge
simplesmente no subconjunto X denso em K. 

Corolário 8.1 Seja I um intervalo aberto. Toda seqüência eqüicontı́nua


e simplesmente limitada de funções fn : I −→ R possui uma subseqüência
que converge uniformemente em cada parte compacta de I.

Para demonstrar este corolário,


Prova. usaremos novamente o método
da diagonal de Cantor usado
Sejam K1 , K2 , . . . , Kn , . . . intervalos compactos tais que Ki ⊂ int Ki+1 para na prova do teorema de Cantor-
[ Tychonov.
todo i ∈ N e I = Ki .
i∈N

Então, cada compacto K ⊂ I está contido em algum dos Ki .


[
De fato, como K é compacto e K ⊂ int Ki , existem i1 , . . . , ın ∈ N tais que
i∈N

i1 < i2 < . . . < in e K ⊂ int Ki1 ∪int Ki2 ∪. . .∪int Kin . Logo, K ⊂ int Kin ⊂ Kin .

Basta, então, provar que (fn ) possui uma subseqüência que converge
uniformemente em Ki , para todo i ∈ N.

Aplicando sucessivamente o teorema 8.4, obtemos, como no teorema 8.3,


uma seqüência decrescente de conjuntos infinitos de números naturais
N1 ⊃ N2 ⊃ . . . Ni ⊃ de modo que, para cada i ∈ N, a subseqüência
(fn )n∈Ni convirja uniformemente em Ki .

Seja N? o subconjunto infinito de N, cujo i−ésimo elemento é igual ao


i−ésimo elemento de Ni .

Então, para cada i ∈ N, a subseqüência (fn )n∈N? converge uniformemente


em Ki , pois, a partir de seu i−ésimo termo, (fn )n∈N? é uma subseqüência
da seqüência (fn )n∈Ni que converge uniformemente em Ki . 

Teorema 8.5 (Ascoli-Arzelá)


Seja E um conjunto de funções contı́nuas definidas no compacto K ⊂ R.
As seguintes afirmações são equivalentes:

(1) E é eqüicontı́nuo e uniformemente limitado.

Instituto de Matemática - UFF 61


Análise na Reta

(2) E é eqüicontı́nuo e simplesmente limitado.

(3) Toda seqüência de funções fn ∈ E possui uma subseqüência uniforme-


mente convergente.

Prova.
É óbvio que (1)=⇒(2) e, pelo teorema 8.4, que (2)=⇒(3). Resta, então,
mostrar que (3)=⇒(1).

Suponhamos que toda seqüência de funções de E possui uma subseqüência


uniformemente convergente.

Afirmação 1: E é eqüicontı́nuo em K.
Suponhamos, por absurdo, que E não é eqüicontı́nuo em algum ponto
x0 ∈ K.

Então, existe ε0 > 0 tal que para todo n ∈ N existem xn ∈ K e fn ∈ E tais


que
1
|xn − x0 | < e |fn (xn ) − fn (x0 )| ≥ ε0 .
n
Por hipótese, existe N 0 ⊂ N infinito tal que a subseqüência (fn )n∈N 0 con-
verge uniformemente em K. Então, pela observação 8.6, o conjunto {fn | n ∈
N 0 } é eqüicontı́nuo em K. Existe, portanto, δ > 0 tal que
x ∈ K , |x − x0 | < δ =⇒ |fn (x) − fn (x0 )| < ε0 , ∀ n ∈ N 0 .
1
Em particular, tomando n ∈ N 0 , n > , temos que
δ
1
|xn − x0 | < < δ e |fn (xn ) − fn (x0 )| < ε0 ,
n
o que é uma contradição. Logo, (3) implica que E é eqüicontı́nuo.

Afirmação 2: E é uniformemente limitado.


Suponhamos, por absurdo, que E não é uniformemente limitado. Então,
para todo n ∈ N, existe fn ∈ E tal que supx∈K |fn (x)| > n.

Por hipótese, existe N 0 ⊂ N infinito tal que a subseqüência (fn )n∈N 0 é


uniformemente convergente em K.

Então, como cada função fn : K −→ R é limitada, pois fn é contı́nua num


compacto, e (fn )n∈N 0 é uniformemente convergente em K, temos, pela

62 J. Delgado - K. Frensel
Eqüicontinuidade

observação 8.11, que (fn )n∈N 0 é uniformemente limitada, o que é uma


contradição. Logo, (3) implica que E é uniformemente limitado. 

8.1 Aplicação

Como aplicação do teorema de Ascoli-Arzelá, veremos um exem-


plo de um problema de máximo e mı́nimo no qual, em vez de um ponto,
busca-se uma função que torne máxima ou mı́nima uma certa expressão.
O estudo desses problemas constitui o Cálculo das Variações, onde o
teorema de Ascoli-Arzelá é um instrumento muito útil para demonstrar a
existência de soluções.

(I) Seja F o conjunto das funções contı́nuas f : [−1, 1] −→ [0, 1] tais


que f(−1) = f(1) = 1.
Z1
Para cada f ∈ F, seja A(f) = f(x) dx, a área compreendida entre
−1

o gráfico de f e o eixo−OX.

Figura 5: A(f) é a área da região hachurada.

Afirmação: Não existe f0 ∈ F tal que A(f0 ) seja mı́nima, ou seja,


A(f0 ) ≤ A(f) para toda f ∈ F.

De fato, para cada n ∈ N, a função fn : [−1, 1] −→ [0, 1], definida por


fn (x) = x2n pertence a F e
Z1
2
A(f) = x2n dx = .
−1 2n + 1

Logo, como A(f0 ) ≤ A(f) para toda função f ∈ F implica que

Instituto de Matemática - UFF 63


Análise na Reta

2
A(f0 ) ≤ A(fn ) = , ∀ n ∈ N,
2n + 1

terı́amos que A(f0 ) = 0, o que é um absurdo, pois A(f0 ) > 0 se f0 ∈ F, já


que f0 (x) ≥ 0 para todo x ∈ [−1, 1], f0 é contı́nua e f(−1) = f(1) = 1 > 0.

Provamos que, embora o inf{ A(f) | f ∈ F } seja zero, não existe f0 ∈ F


tal que A(f0 ) = 0.

Observe que o conjunto F é uniformemente limitado, mas não é


eqüicontı́nuo no intervalo [−1, 1].
1 1
De fato, seja ε0 = > 0. Como a seqüência 1/2n −→ 1, dado δ > 0,
3 2
1 1

existe n0 ∈ N tal que 1/2n − 1 < δ . Logo, xn0 = 1/2n ∈ [−1, 1] e

2 0 2 0

1 1 1

|fn0 (xn0 ) − fn0 (1)| = − 1 = > ε0 = ,
2 2 3

onde fn0 (x) = x2n0 pertence a F. Ou seja, existe ε0 > 0 tal que para todo
δ > 0 podemos obter xδ ∈ [−1, 1] e fδ ∈ F com |xδ −1| < δ e |fδ (xδ )−fδ (1)| >
ε0 . Logo, F não é eqüicontı́nuo.

(II) Seja c > 0 fixo e considere o conjunto Ec formado pelas funções


f : [−1, 1] −→ [0, 1] tais que f(−1) = f(1) = 1 e |f(x) − f(y)| ≤ c|x − y| para
quaisquer x, y ∈ [−1, 1].

Mostraremos, usando o teorema de Ascoli-Arzelá, que existe uma


função fc ∈ Ec tal que A(fc ) ≤ A(f) para toda f ∈ Ec .

• O conjunto Ec é uniformemente limitado e eqüicontı́nuo. Além disso, se


fn ∈ Ec , n ∈ N, e fn −→ f simplesmente em [−1, 1], então f ∈ Ec .

De fato, f(1) = lim fn (1) = 1, f(−1) = lim fn (−1) = 1,


n→∞ n→∞

|f(x) − f(y)| = lim |fn (x) − fn (y)| ≤ c|x − y| ,


n→∞

e f(x) ∈ [0, 1] quaisquer que sejam x, y ∈ [−1, 1], pois


|fn (x) − fn (y)| ≤ c|x − y| e 0 ≤ fn (x) ≤ 1 , ∀ n ∈ N.

Seja µc = inf{ A(f) | f ∈ Ec }. Para cada n ∈ N, existe fn ∈ Ec tal que


1
µc ≤ A(fn ) ≤ µc + . Logo, lim A(fn ) = µc .
n n→∞

Assim, pelo teorema de Ascoli-Arzelá, a seqüência (fn )n∈N possui

64 J. Delgado - K. Frensel
Eqüicontinuidade

uma subseqüência (fnk )k∈N 0 , que converge uniformemente para uma fun-
ção fc ∈ Ec . Logo,
Z1 Z1
A(fc ) = fc (x) dx = lim fnk (x) dx = lim A(fnk ) = µc ,
−1 k→∞ −1 n→∞

ou seja, A(fc ) é o valor mı́nimo de A(f) para f ∈ Ec .

Determinaremos, agora, a função limite fc , para todo c > 0.

• Para c > 1, temos que



 1
h i

 (1 − c) − cx , para x ∈ −1, − 1

 h1 c 1
i
fc (x) = 0 , para x ∈ − 1, 1 −

 hc i c


(1 − c) + cx , para x ∈ 1 − 1 , 1
c
é a única função pertencente a Ec tal que A(fc ) = min{ A(f) | f ∈ Ec }.
1
Então, min{ A(f) | f ∈ Ec } = . De fato, como para toda f ∈ Ec :
c
◦ 1 − f(x) = |f(−1) − f(x)| ≤ c|x + 1| = c(x + 1) para todo x ∈ [−1, 1] e
1
h i
1−c(x+1) ≥ 0 se, e só se, x ∈ −1, − 1 , temos que f(x) ≥ (1−c)−cx ≥
c
1
h i
0 para todo x ∈ −1, − 1 .
c
◦ 1 − f(x) ≤ |f(1) − f(x)| ≤ c|1 − x| = c(1 − x) para todo x ∈ [−1, 1] e
1
h i
1−c(1−x) ≥ 0 se, e só se, x ∈ 1 − , 1 , temos que f(x) ≥ (1−c)+cx ≥ 0
c
1
h i
para todo x ∈ 1 − , 1 .
c
Logo, fc : [−1, 1] −→ R, definida acima, pertence a Ec , pois
0 ≤ fc (x) ≤ 1 para todo x ∈ [−1, 1] e:
1
h i
• se x, y ∈ −1, − 1 =⇒ |f(x) − f(y)| = c|x − y|.
c
1
h i
• se x, y ∈ 1 − , 1 =⇒ |f(x) − f(y) = c|x − y|.
c
1
h i h1 1
i
• se x ∈ −1, − 1 e y ∈ − 1, 1 − =⇒
c c c
1−c
|f(x) − f(y)| = 1 − c − cx = c − cx ≤ cy − cx = c|y − x| .
c

Instituto de Matemática - UFF 65


Análise na Reta

h1 1
i 1
h i
• se x ∈ − 1, 1 − e y ∈ 1 − , 1 =⇒
c c c
1−c
|f(y) − f(x)| = 1 − c + cy = c + cy ≤ −cx + cy = c|y − x| ,
c
c−1 1−c
pois x ≤ =⇒ ≤ −x .
c c
1 1
h i h i
• se x ∈ −1, − 1 e y ∈ 1 − , 1 =⇒
c c
|fc (x) − fc (y)| = |(1 − c) − cx − (1 − c) − cy| = c|x + y| ≤ c|y − x| ,

pois x < 0.

Além disso, como f(x) ≥ fc (x) para todo x ∈ [−1, 1] e toda f ∈ Ec ,


temos que:

• A(f) ≥ A(fc ) para todo f ∈ Ec , ou seja,


1
A(fc ) = = min{ A(f) | f ∈ Ec } .
c
• Se g ∈ Ec e A(g) = min{ A(f) | f ∈ Ec }, então
Z1
A(g) = A(fc ) =⇒ (g(x) − fc (x)) dx = 0 =⇒ g ≡ f ,
−1

pois g − fc ≥ 0 em [−1, 1] e g − fc é contı́nua. Ou seja, fc é o único


”ponto”de mı́nimo do problema.

• De modo análogo, podemos provar que:

◦ para c = 1,


−x , se x ∈ [−1, 0]
fc (x) =

x , se x ∈ [0, 1]

é a única função pertencente a Ec tal que A(fc ) = min{ A(f) | f ∈ Ec }.

Então min{ A(f) | f ∈ Ec } = 1 .

◦ para 0 < c < 1,




(1 − c) − cx , se x ∈ [−1, 0]
fc (x) =

(1 − c) + cx , se x ∈ [0, 1]

é a única função pertencente a Ec tal que A(fc ) = min{ A(f) | f ∈ Ec }.

Então, min{ A(f) | f ∈ Ec } = 2 − c .

66 J. Delgado - K. Frensel
Eqüicontinuidade

Nas figuras abaixo mostramos os gráficos das funções fc em cada


um dos casos possı́veis.

Figura 6: Gráfico de fc para c > 1.

Figura 7: Gráfico de fc para c = 1.

Figura 8: Gráfico de fc para 0 < c < 1.

Instituto de Matemática - UFF 67


Análise na Reta

9. Apêndice: Teorema de Stone-Weierstrass

O nosso objetivo agora é demonstrar o Teorema de Weierstrass


(caso particular do Teorema de Stone-Weierstrass) que diz que toda função
contı́nua pode ser uniformemente aproximada por uma função polinomial.

Tal técnica de aproximação desempenha um papel importante no


âmbito teórico e numérico.

As funções usuais da Análise (como sen x, ex , log x etc.) são analı́ti-


cas, isto é, admitem, em torno de cada ponto a do seu domı́nio, um de-
senvolvimento de Taylor, que representa a função dada como a soma de
uma série de potências:
X

f(x) = an (x − a)n .
n=0

Escrevendo
pn (x) = a0 + a1 (x − a) + . . . + an (x − a)n ,

temos que cada pn é um polinômio e


f(x) = lim pn (x)
n→∞

para todo x no intervalo de convergência da série.

Além disso, fn −→ f uniformemente em cada subconjunto compacto


do intervalo de convergência. Como já sabemos, as funções analı́ticas
são de classe C∞ .

Um resultado notável, demonstrado por Karl Weierstrass em 1885,


generaliza a situação acima descrita. Segundo Weierstrass, qualquer
função contı́nua f : [a, b] −→ R é limite uniforme de uma seqüência de
polinômios no intervalo [a, b]. Ou seja, dada f : [a, b] −→ R contı́nua e
dado ε > 0, existe um polinômio p tal que |f(x) − p(x)| < ε para todo
x ∈ [a, b].

PRIMEIRA DEMONSTRAÇÃO. Daremos a seguir três demonstrações do Teorema de Weierstrass. A


primeira é uma ligeira modificação, devida a Edmund Landau, da demons-
tração original de Weierstrass.

68 J. Delgado - K. Frensel
Apêndice: Teorema de Stone-Weierstrass

Teorema 9.1 (Teorema de Aproximação de Weierstrass)


Dada uma função contı́nua f : [a, b] −→ R, existe uma seqüência de
polinômios pn tal que pn −→ f uniformemente em [a, b].

Prova.
Para cada n ∈ N, seja ϕn : R −→ R a função definida por


0 , se |t| ≥ 1 Edmund Georg Hermann Landau
ϕn (t) = (1 − t2 )n (1877-1938) Alemanha.

 , se |t| < 1 , Estudou matemática na Univer-
cn sidade de Berlim onde, sob a
orientação de Frobenius, finali-
onde zou o seu doutorado em 1899
Z1 com uma tese sobre teoria dos
cn = (1 − t2 )n dt . números. Em 1909 foi nomeado
para a cadeira de Minkowski
−1
na Universidade de Göttingen,
na Alemanha, tendo Hilbert e
Então, ϕn é contı́nua em R, ϕn (−t) = ϕn (t), para todo t ∈ R e
Klein como colegas. O princi-
Z1 pal trabalho de Landau foi na
ϕn (t) dt = 1. teoria analı́tica dos números e
−1 no estudo da distribuição dos
números primos. Em 1903 ele
• O teorema de Weierstrass resulta dos três lemas abaixo.  deu uma nova prova do teorema
dos números primos que diz que
o número de primos menores
Lema 9.1 Se 0 < δ < 1, então n→∞
lim ϕn (x) = 0 uniformemente para que n tende a infinito quando
n → ∞ tão rápido quanto
|x| ≥ δ. n
log n
. A sua prova foi mais
simples que as provas conheci-
das devidas a Vallée Poissin e
Prova. Hadamard. A partir desse tra-
balho Landau obteve resultados
Sendo ϕn uma função par, temos que: relativos à distribuição de ideais
primos em corpos de números
Z1 Z1 algébricos.
2 n
cn = (1 − t ) dt = 2 (1 − t2 )n dt
−1 0
Z1 Z1
n n
= 2 (1 + t) (1 − t) dt ≥ 2 (1 − t)n dt
0 0

2
= .
n+1

Logo, para todo n ∈ N,


(1 − x2 )n (1 − δ2 )n
δ ≤ |x| ≤ 1 =⇒ ϕn (x) = ≤ (n + 1) .
cn 2

Como (1 − δ2 ) é um número positivo menor que 1, temos que


(1 − δ2 )n+1 (n + 2)
lim (1 − δ2 )n (n + 1) = 0 , pois lim = 1 − δ2 < 1 .
n→∞ n→∞ (1 − δ2 )n (n + 1)

Instituto de Matemática - UFF 69


Análise na Reta

(1 − δ2 )n (n + 1)
Logo, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que < ε para todo
2
n ≥ n0 e, portanto, 0 ≤ ϕn (x) < ε para todo n ≥ n0 e todo x com |x| ≥ δ.

Figura 9: Gráficos de ϕn .

A figura acima ilustra a forma aproximada dos gráficos das funções ϕn . A


área subtendida pelo eixo das abscissas e cada gráfico é igual a 1, o que
obriga lim ϕn (0) = +∞.
n→∞

Se existisse ϕ = lim ϕn , terı́amos ϕ(x) = 0 para todo x 6= 0 e


n→∞
Z1
ϕ(x) dx = 1 .
−1

Uma função como essa é o que os fı́sicos chamam de função de Dirac.


Evidentemente, ela não é uma função no sentido usual. A formulação
matemática adequada das funções de Dirac se faz na Teoria das Distribuições.

Lema 9.2 Seja f : [0, 1] −→ R contı́nua, com f(0) = f(1) = 0. Considere


f definida e contı́nua em toda a reta pondo f(x) = 0 se x 6∈ [0, 1]. Para
todo x ∈ [0, 1] e todo n ∈ N, seja
Z1
pn (x) = f(x + t)ϕn (t) dt .
−1

Então, pn : [0, 1] −→ R é a restrição de um polinômio.

Prova.
Para x ∈ [0, 1], a mudança de variável y = x + t nos dá:
Z x+1 Z1
pn (x) = f(y)ϕn (y − x) dy = f(y)ϕn (y − x) dy ,
x−1 0

pois x − 1 ≤ 0 ≤ 1 ≤ x + 1, ou seja, [0, 1] ⊂ [x − 1, x + 1] para todo x ∈ [0, 1],

70 J. Delgado - K. Frensel
Apêndice: Teorema de Stone-Weierstrass

e f(x) = 0 para x 6∈ [0, 1].

Sendo x, y ∈ [0, 1], temos que y − x ∈ [−1, 1], e, portanto,

(1 − (y − x)2 )n X
2n
ϕn (y − x) = = ξi (y) xi .
cn
i=0

X
2n Z1
i
Logo, pn (x) = ai x para todo x ∈ [0, 1], onde ai = f(y) ξi (y) dy ,
i=0 0

i = 0, 1, . . . , 2n. 

Lema 9.3 Nas condições do lema anterior, tem-se n→∞


lim pn = f uniforme-

mente no intervalo [0, 1].

Prova.
Z1 Z1
Como ϕn (t) dt = 1 , temos f(x) = f(x) ϕn (t) dt . Logo,
−1 −1
Z1
pn (x) − f(x) = (f(x + t) − f(x))ϕn (t) dt ,
−1

para todo n ∈ N e todo x ∈ [0, 1].

Sendo f uniformemente contı́nua em R (por quê?), dado ε > 0, existe


δ > 0, δ < 1, tal que
ε
|t| < δ =⇒ |f(x + t) − f(x)| < , ∀ x ∈ [0, 1] .
3
Seja M = sup |f(x)|. Pelo lema 9.1, existe n0 ∈ N tal que
x∈[0,1]
ε
n > n0 , |t| ≥ δ =⇒ |ϕn (t)| < .
6M
Logo, para todo n > n0 e todo x ∈ [0, 1], temos que:
Z −δ Zδ
|f(x) − pn (x)| ≤ |f(x + t) − f(x)| ϕn (t) dt + |f(x + t) − f(x)| ϕn (t) dt
−1 −δ
Z1 Zδ
2M · ε ε 2M · ε
+ |f(x + t) − f(x)|ϕn (t) dt < + ϕn (t) , dt +
δ 6M 3 −δ 6M

ε ε ε
< + + = ε.
3 3 3

Então, |f(x) − pn (x)| < ε para todo n > n0 e todo x ∈ [0, 1]. 

Instituto de Matemática - UFF 71


Análise na Reta

• Os lemas acima mostram que toda função contı́nua f : [0, 1] −→ R, tal


que f(0) = f(1) = 0, é limite uniforme de uma seqüência de polinômios. O
caso geral do Teorema de Aproximação de Weierstrass se reduz a este.

De fato, se g : [0, 1] −→ R é uma função contı́nua arbitrária, então


f : [0, 1] −→ R definida por
f(t) = g(t) − g(0) − t[g(1) − g(0)] ,

é uma função contı́nua tal que f(0) = f(1) = 0.

Logo, existe uma seqüência (pn )n de polinômios que converge uni-


formemente para f no intervalo [0, 1].

Então, qn (t) = pn (t) + g(0) + t(g(1) − g(0)), t ∈ [0, 1], é uma


seqüência de polinômios que converge para g uniformemente em [0, 1].

Finalmente, se h : [a, b] −→ R é uma função contı́nua, então


g : [0, 1] −→ R, definida por g(s) = h((1−s)a+sb), é uma função contı́nua
e, portanto, existe uma seqüência (qn ) de polinômios que converge uni-
formemente para g no intervalo [0, 1].

Logo, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que


n > n0 e s ∈ [0, 1] =⇒ |qn (s) − g(s)| < ε .

Então, n > n0 e t ∈ [a, b] =⇒

t−a
   t − a  
t−a
  t−a 
qn −g = qn −h a+ (b − a)

b−a b−a b−a b−a

= |hn (t) − h(t)| < ε ,

t−a t−a
 
pois ∈ [0, 1], onde hn (t) = qn .
b−a b−a

Como hn é um polinômio para todo n ∈ N, provamos que existe uma


seqüência de polinômios que converge uniformemente para h no intervalo
[a, b].

SEGUNDA DEMONSTRAÇÃO. • Daremos, agora, a demonstração do Teorema de Weierstrass devida ao


matemático russo Sergei Bernstein.

Prova.
O n−ésimo polinômio de Bernstein da função f : [0, 1] −→ R é definido

72 J. Delgado - K. Frensel
Apêndice: Teorema de Stone-Weierstrass

por
Xn  k  n
Bn (x) = f xk (1 − x)n−k
n k
k=0

Como, pela fórmula do binômio de Newton,

X
n  
n
xk (1 − x)n−k = (x + (1 − x))n = 1 , (1)
k=0
k
Sergei Natanovich Bernstein
(1880-1968) Rússia.
podemos dizer que Bn (x) é uma média ponderada dos valores de f nos Na sua tese de doutorado na Sor-
bone de Paris (1904) resolveu o
1 2 n−1 19o Problema de Hilbert, enunci-
, 1 , com peso igual a nk xk (1 − x)n−k no ponto

pontos 0, , , . . . , ado em 1900, relativo a soluções
n n n
k analı́ticas de equações diferenci-
f , k = 0, 1, . . . , n. ais elı́ticas. Retornou à Rússia
n em 1905, e teve que fazer um
novo doutorado, pois naquele
Mostraremos que, se f : [0, 1] −→ R é uma função contı́nua, então os paı́s não eram válidos tı́tulos
acadêmicos estrangeiros. Na
polinômios de Bernstein Bn associados a f convergem uniformemente sua segunda tese de doutorado
(1913) resolveu o 20o problema
para f no intervalo [0, 1].
de Hilbert sobre as soluções
analı́ticas do problema de Di-
Ou seja, provaremos que dado ε > 0 existe n0 ∈ N tal que richlet para uma classe mais am-
n ≥ n0 =⇒ |f(x) − Bn (x)| < ε , ∀ x ∈ [0, 1] . pla de de equações elı́ticas não-
lineares. Em 1911 deu uma prova

Xn  
n k
construtiva do Teorema de Weier-
strass usando os polinômios que
Como f(x) = f(x) x (1 − x)n−k , temos que hoje são denominados com o seu
k=0
k
nome. Os trabalhos de Bernstein
deram grandes contribuições para
a axiomatização da teoria de
X
n
 k  n Probabilidades.
|f(x) − Bn (x)| = f(x) − f k
x (1 − x) n−k

n k


k=0

Xn  k  n
≤ f(x) − f xk (1 − x)n−k . (2)

n k

k=0

Como f é contı́nua em [0, 1], f é uniformemente conı́nua. Logo, dado


ε > 0, existe δ > 0 tal que
ε
x, y ∈ [0, 1] , |x − y| < δ =⇒ |f(x) − f(y)| < .
2
Além disso, como f([0, 1]) é compacto, existe M > 0 tal que |f(x)| < M
para todo x ∈ [0, 1].

O somatório da direita de (2) pode ser escrito na forma A + B, onde

Instituto de Matemática - UFF 73


Análise na Reta

X  k  n
A = f(x) − f xk (1 − x)n−k

n k

0≤k≤n
|x − k/n| < δ
ε X  
n k
≤ x (1 − x)n−k
2 k
0≤k≤n
|x − k/n| < δ

ε X n
n  
ε
≤ xk (1 − x)n−k = .
2 k 2
k=0

X  k  n
B = f(x) − f xk (1 − x)n−k

n k

0≤k≤n
|x − k/n| ≥ δ

X     n
k
≤ |f(x)| + f xk (1 − x)n−k
n k

0≤k≤n
|x − k/n| ≥ δ

X  
n k
≤ 2M x (1 − x)n−k
k
0≤k≤n
|nx − k| ≥ nδ

X (nx − k)2
 
n k
≤ 2M x (1 − x)n−k
(nx − k)2 k
0≤k≤n
|nx − k| ≥ nδ

2M X  
n
≤ (nx − k)2 xk (1 − x)n−k
δ2 n2 k
0≤k≤n
|nx − k| ≥ nδ

2M X n
n  
≤ 2 2
xk (1 − x)n−k (nx − k)2
δ n k
k=0

2M X n
n  
= xk (1 − x)n−k (n2 x2 − 2knx + k2 ) . (3)
δ2 n2 k
k=0

Faremos, agora, uma estimativa do último somatório.

74 J. Delgado - K. Frensel
Apêndice: Teorema de Stone-Weierstrass

Derivando, em relação a x, a fórmula do binômio de Newton

X
n  
n
n
(x + y) = xk yn−k , (4)
k=0
k

e multiplicando a identidade obtida por x, obtemos:

Xn  
n k n−k
n−1
nx(x + y) = k x y . (5)
k=0
k

Derivando (4) duas vezes em relação a x e multiplicando a igualdade


obtida por x2 , temos que:

X
n  
n k n−k
2 n−2
n(n − 1)x (x + y) = k(k − 1) x y . (6)
k=0
k

Fazendo y = 1 − x em (5) e (6), obtemos:

Xn  
n k
nx = k x (1 − x)n−k , (7)
k=0
k

e
X
n  
n k
n(n − 1)x 2
= k(k − 1) x (1 − x)n−k
k=0
k
Xn   Xn  
2 n k n−k n k
= k x (1 − x) − k x (1 − x)n−k .
k=0
k k=0
k

Logo,
X
n  
n k
2
k x (1 − x)n−k = n(n − 1)x2 + nx . (8)
k=0
k

Usando (1), (7) e (8) em (3), temos que


X
" n  
2M n k
B ≤ 2 2 n x 2 2
x (1 − x)n−k
δ n k
k=0
X X
n   n
#
n k n−k 2 k n−k
− 2nx k x (1 − x) + k x (1 − x)
k=0
k k=0

2M  2 2 2 2 2 2 2

= n x − 2n x + n x − nx + nx
δ2 n2
2M M
= 2
x(1 − x) ≤ 2 ,
δ n 2δ n

Instituto de Matemática - UFF 75


Análise na Reta

1
pois, para x ∈ [0, 1] , x(1 − x) ≤ .
4
M
Seja n0 ∈ N tal que n0 > .
εδ2
Então,
ε ε
n ≥ n0 =⇒ |f(x) − Bn (x)| ≤ A + B < + = ε , ∀ x ∈ [0, 1] . 
2 2

TERCEIRA DEMONSTRAÇÃO.
• A terceira demonstração que daremos do Teorema de Weierstrass é
devida ao matemático francês Henri Lebesgue (1897) e resulta dos quatro
lemas abaixo.

Lema 9.4 Existe uma seqüência de polinômios (pn ) tal que



lim pn (t) = t
n→∞

uniformemente para t ∈ [0, 1].

Henri Léon Lebesgue Prova.


(1875-1941) França.
Lebesgue recebeu seu diploma Tome p0 = 0 e, supondo definidos os polinômios p0 , p1 , . . . , pn , defina
de matemática em 1897 pela
École Normale Supérieure em 1 
t − pn (t)2 .

Paris. Durante dois anos estu- pn+1 (t) = pn (t) + (9)
dou intensamente os trabalhos de 2
Baire sobre funções descontı́nuas

e deu importantes contribuições Provaremos, por indução, que 0 ≤ pn (t) ≤ t para todo t ∈ [0, 1] e todo
nessa área. Em 1901 formulou
a sua teoria da medida e no seu n ∈ N.
trabalho Sur une généralisation
de l’intégrale définie, publicado no
Comptes Rendus em 29 de abril
Para isso, dado t ∈ [0, 1], considere a função f : [0, 1] −→ R definida por
de 1901, deu a definição da in- t − x2
tegral de Lebesgue que general- f(x) = x + .
iza a integral de Riemann. Esse
2
trabalho apareceu na sua tese t √ √
de doutorado Intégrale, longueur, Como f(0) = , f 0 (x) = 1 − x ≥ 0 e f( t) = t, temos que f é uma
2
aire, apresentada à Faculdade de
√ ht √ i
Ciências de Paris em 1902, e pub-
bijeção crescente de [0, t] sobre , t .
licada no mesmo ano nos Annali 2
di Matematica de Milão. √ √
Lebesgue realizou, também, im-
Em particular, 0 ≤ x ≤ t =⇒ 0 ≤ f(x) ≤ t.
portantes contribuições em outras
áreas como topologia, teoria do √
potencial, o problema de Dirichlet,
Sendo pn+1 (t) = f(pn (t)) , temos que se 0 ≤ pn (t) ≤ t para todo
no cálculo das variações, na teo-

ria de conjuntos e na teoria da di-
t ∈ [0, 1], então 0 ≤ pn+1 (t) ≤ t para todo t ∈ [0, 1]. Logo, esta de-
mensão. sigualdade é válida para todo n ∈ N e todo t ∈ [0, 1] .

Portanto, pn (t)2 ≤ t e daı́, por (9), 0 ≤ pn (t) ≤ pn+1 (t) ≤ t para todo
n ∈ N e todo t ∈ [0, 1].

76 J. Delgado - K. Frensel
Apêndice: Teorema de Stone-Weierstrass

Logo, para todo t ∈ [0, 1], existe lim pn (t) = ϕ(t).


n→∞

Fazendo n → ∞ na relação que define pn+1 indutivamente em termos de


pn , obtemos que
1
ϕ(t) = ϕ(t) + (t − ϕ(t)2 ) ,
2

donde ϕ(t) = t se t ∈ [0, 1].

Além disso, como (pn ) é uma seqüência não-decrescente de funções


contı́nuas que converge pontualmente para uma função contı́nua, temos,
pelo teorema 2.2 (Dini), que pn −→ ϕ uniformemente em [0, 1] . 

Lema 9.5 Em qualquer intervalo compacto [a, b], a função f(x) = |x|
pode ser uniformemente aproximada por polinômios.

Prova.
Não há perda de generalidade em supor que o intervalo dado é da forma
[−a, a], com a > 0, pois todo intervalo compacto está contido num inter-
valo desse tipo.

Podemos, também, supor que a = 1, pois se lim pn (t) = |t| uniforme-


n→∞
t
mente para t ∈ [−1, 1], então os polinômios qn (t) = a pn são tais que
a
t

lim qn (t) = a = t uniformemente para t ∈ [−a, a].
n→∞ a

Seja (pn ) uma seqüência de polinômios que converge uniformemente



para t em [0, 1]. Então, qn (t) = pn (t2 ) define uma seqüência de polinômios

que converge uniformemente para t2 = |t| para t ∈ [−1, 1]. 

Observação 9.1 Como, no lema 9.4, p0 ≡ 0 e, para todo n ∈ N e todo


1 
t ∈ [0, 1], pn+1 (t) = pn (t) + t − pn (t)2 , podemos mostrar, por indução,
2
que pn (0) = 0 para todo n ∈ N.

Logo, os polinômios qn tais que lim qn (x) = |x| uniformemente em [a, b]


n→∞

são desprovidos de termo constante, isto é, qn (0) = 0 para todo n ∈ N.

De um nodo geral, se 0 ∈ [a, b] e f : [a, b] −→ R é tal que f(0) = 0, dada


uma seqüência de polinômios pn com lim pn (x) = f(x) uniformemente
n→∞

Instituto de Matemática - UFF 77


Análise na Reta

em [a, b], pondo cn = pn (0), temos que lim cn = 0. Logo, os polinômios


n→∞

qn (x) = pn (x) − cn , n ∈ N, são desprovidos de termo constante e contin-


uamos a ter lim qn (x) = f(x) uniformemente em [a, b].
n→∞

Definição 9.1 Uma função f : [a, b] −→ R chama-se linear quando é da


forma f(x) = αn + β, onde α e β são constantes.

O gráfico de f é, portanto, um segmento de reta não-vertical.

Definição 9.2 Uma função f : [a, b] −→ R chama-se poligonal quando


existe uma partição a = x0 < x1 < . . . < xn = b do intervalo [a, b] tal que
f|[ti−1 ,ti ] é linear para todo i = 1, . . . , n.

O gráfico de f é uma linha poligonal cujos lados não são verticais.

Observação 9.2 Uma função poligonal f : [a, b] −→ R fica inteira-


mente determinada pelos valores yi = f(xi ) que ela assume nos pontos
x0 = a, x1 , . . . , xn = b da subdivisão do intervalo [a, b]. Esses valores de-
terminam os vértices (xi , yi ) da linha poligonal que constitui o gráfico de
f.

Um exemplo simples de uma função poligonal não-linear é dado pela


função f(x) = |x| num intervalo contendo o zero.

Outro exemplo simples de uma função poligonal não-linear, que chamamos


de rampa, é dada por uma função contı́nua f : [a, b] −→ R, com a = x0 ≤
x1 ≤ x2 ≤ x3 = b, tal que f é zero no intervalo [a, x1 ], é linear no intervalo
[x1 , x2 ] e constante no intervalo [x2 , b].

Figura 10: Gráfico da rampa f.

78 J. Delgado - K. Frensel
Apêndice: Teorema de Stone-Weierstrass

• Se f : [a, b] −→ R é uma rampa tal que f(x) = α(x − x1 ) para todo


x ∈ [x1 , x2 ], então
α
f(x) = (x2 − x1 + |x − x1 | − |x − x2 |) ,
2
para x ∈ [a, b], que pode ser verificado facilmente.

• Toda função poligonal f : [a, b] −→ R, com vértices nos pontos (xi , f(xi )),
i = 0, 1, . . . , n, se exprime como soma f = f0 + f1 + . . . + fn de um número
finito de rampas f1 , . . . , fn e da função constante f0 ≡ f(a).

De fato, se


f(x) − f(a) , se x ∈ [a, x1 ]
f1 (x) =

f(x1 ) − f(a) , se x ∈ [x1 , b] ,




0, se x ∈ [a, xk−1 ]

fk (x) = f(x) − f(xk−1 ) , se x ∈ [xk−1 , xk ]




f(xk ) − f(xk−1 ) , se x ∈ [xk , b] ,

para 2 ≤ k ≤ n − 1, e


0 , se x ∈ [a, xn−1 ]
fn (x) =

f(x) − f(xn−1 ) , se x ∈ [xn−1 , b] ,

temos que f1 , . . . , fn são funções rampa e


f0 (x) + f1 (x) + . . . + fn (x) = f(x) ,

para todo x ∈ [a, b], pois:


X
n
◦ se x ∈ [a, x1 ] =⇒ fi (x) = f0 (x) + f1 (x) = f(x) .
i=0

◦ se x ∈ [xk−1 , xk ] , 2 ≤ k ≤ n − 1 =⇒
X
n X
k−1
fi (x) = f(a) + [f(xj ) − f(xj−1 )] + f(x) − f(xk−1 ) = f(x) .
i=0 j=1

◦ se x ∈ [xn−1 , b] =⇒
X
n X
n−1
fi (x) = f(a) + [f(xj ) − f(xj−1 )] + f(x) − f(xn−1 = f(x) .
i=0 j=1

Instituto de Matemática - UFF 79


Análise na Reta

Lema 9.6 Toda função poligonal f : [a, b] −→ R pode ser uniformemente


aproximada por polinômios.

Prova.
Como toda função rampa g : [a, b] −→ R é da forma
α
g(x) = (d − c + |x − c| − |x − d|) , onde a ≤ c ≤ d ≤ b ,
2
e a função módulo é uniformemente aproximada por polinômios em qual-
quer intervalo compacto, temos que toda função rampa pode ser uniforme-
mente aproximada por polinômios.

Logo, toda função poligonal f pode ser uniformemente aproximada por


polinômios, pois, como vimos acima, f é a soma de uma função constante
com um número finito de funções rampa 

• O teorema de aproximação de Weierstrass decorre então do lema acima,


juntamente com o seguinte.

Lema 9.7 Toda função contı́nua f : [a, b] −→ R pode ser uniformemente


aproximada por funções poligonais.

Prova.
Como f é uniformemente contı́nua no intervalo [a, b], dado ε > 0 existe
δ > 0 tal que
ε
x, y ∈ [a, b] , |x − y| < δ =⇒ |f(x) − f(y)| < .
2
1 δ
Seja n ∈ N tal que < e seja
n b−a

b−a
b − a
P = a, a + ,...,a + i ,...,b
n n
uma partição de [a, b]. Então,
ε
x, y ∈ [ti−1 , ti ] =⇒ |f(x) − f(y)| < , ∀ i = 1, . . . , n .
2
Seja g : [a, b] −→ R a função cujo gráfico é a poligonal com vértices nos
pontos (xi , f(xi )), i = 0, 1, . . . , n. Ou seja, g(xi ) = f(xi ) e g é linear em
cada intervalo [xi−1 , xi ].

Dado x ∈ [a, b], existe i ∈ {1, 2, . . . , n} tal que x ∈ [xi−1 , xi ]. Então,

80 J. Delgado - K. Frensel
Apêndice: Teorema de Stone-Weierstrass

|g(x) − f(x)| ≤ |g(x) − f(xi )| + |f(xi ) − f(x)|


ε ε
≤ |f(xi−1 ) − f(xi )| + |f(xi ) − f(x)| < + = ε,
2 2
pois, como g(x) pertence ao intervalo cujos extremos são f(xi−1 ) e f(xi ),
temos que |g(x) − f(xi )| ≤ |f(xi−1 ) − f(xi )| . 

Uma análise profunda das razões que fazem o tipo de argumento us-
ado na demonstração dada por Lebesgue funcionar, levou o matemático
americano Marshal Stone a obter, em 1937, uma generalização do Teo-
rema de Aproximação de Weierstrass, conhecido como Teorema de Stone-
Weierstrass que se aplica a espaços métricos compactos arbitrários.

Antes de enunciarmos o teorema precisaremos de algumas definições.

• Seja M um espaço métrico compacto. O conjunto C(M; R) de todas


as funções reais contı́nuas f : M −→ R é um espaço vetorial, no qual
consideramos a norma
kfk = sup{ |f(x)k | x ∈ M } .

Além disso, C(M; R) possui uma multiplicação. O produto de duas


funções f, g ∈ C(M; R) é a função f · g ∈ C(M; R), definida por
(f · g)(x) = f(x) · g(x), para todo x ∈ M.

Definição 9.3 Um subconjunto A ⊂ C(M; R) chama-se uma álgebra de


funções contı́nuas ou subálgebra de C(M; R), quando é um subespaço
vetorial e f, g ∈ A =⇒ f · g ∈ A.

Exemplos triviais de subálgebras de C(M; R) são o conjunto {0}, que


consiste apenas da função nula, e o próprio espaço C(M; R). Também
o conjunto das funções constantes M −→ R constitui uma álgebra de
funções contı́nuas. Os polinômios e as funções deriváveis f : [a, b] −→ R
são subálgebras de C([a, b]; R).

Definição 9.4 Diz-se que um subconjunto S ⊂ C(M : R) separa os pon-


tos de M quando, dados arbitráriamente x 6= y em M, existe f ∈ S tal que
f(x) 6= f(y).

Por exemplo, o conjunto dos polinômios separa os pontos de um

Instituto de Matemática - UFF 81


Análise na Reta

intervalo [a, b], pois a função p(x) = x, x ∈ [a, b], é um polinômio e


p(x) 6= p(y) se x 6= y.

Teorema 9.2 (Teorema de Stone-Weierstrass)


Sejam M um espaço métrico compacto e A ⊂ C(M; R) uma álgebra de
funções contı́nuas que contém as constantes e separa os pontos de M.
Então, A = C(M; R), ou seja, toda função contı́nua f : M −→ R pode ser
uniformemente aproximada por funções pertencentes a A.

• No caso em que M = [a, b] é um intervalo compacto da reta, o Teorema


de Aproximação de Weierstrass resulta do Teorema de Stone-Weierstrass,
pois o conjunto A = {p : [a, b] −→ R | p é um polinômio } é uma subálgebra
de C([a, b]; R) que contém as funções constantes definidas sobre [a, b] e
separa os pontos de [a, b].

82 J. Delgado - K. Frensel
Apêndice: Teorema de Stone-Weierstrass

9.1 Exercı́cios
Zb
1. Seja f : [a, b] −→ R contı́nua. Se f(x) xn dx = 0 para todo inteiro
a

n ≥ 0, então f é identicamente nula.


Zb
2. Seja f : [a, b] −→ R contı́nua. Se existe p ∈ N tal que f(x) xn dx =
a

0 para todo n ≥ p, então f é identicamente nula.

3. Seja f : [a, b] −→ R de classe C1 . Se uma seqüência de polinômios


qn converge uniformemente para f 0 no intervalo [a, b], então pn (x) =
Zx
f(a) + qn (t) dt define uma seqüência de polinômios pn tais que
a
pn −→ f e pn0 −→ f 0 uniformemente em [a, b].

Generalize o resultado para funções de classe Ck .

4. Mostre que o Teorema de Weierstrass não é válido para intervalos


não-limitados.

(Sugestão: Considere a função f(x) = ex em [0, ∞)).

5. Mostre que o teorema de Weierstrass não é válido para intervalos


limitados não fechados.
1
(Sugestão: Considere a função f(x) = em (0, 1]).
x

6. Seja f : [a, b] −→ R contı́nua. Mostre que existe uma seqüência de


Zb Zb
polinômios (pn ) tal que pn (x) dx −→ f(x) dx.
a a

7. Seja f : [a, b] −→ R contı́nua. Mostre que:

(a) se f é par, dado ε > 0¡ existe um polinômio p par tal que


|f(x) − p(x)| < ε , para todo x ∈ [a, b].

(b) se f é ı́mpar, dado ε > 0, existe um polinômio q ı́mpar tal que


|f(x) − q(x)| < ε , para todo x ∈ [a, b].

8. Seja f : [a, b] −→ R uma função contı́nua e seja (pn ) uma seqüência


de polinômios que converge uniformemente para f em [a, b]. Mostre

Instituto de Matemática - UFF 83


Análise na Reta

que se f não é um polinômio, então os graus dos polinômios pn não


são limitados.
(Sugestão: Um polinômio de grau N é determinado por seus valores em N + 1
pontos distintos x0 , x1 , . . . , xN pela fórmula:
X
N
p(xj )(x − x1 ) . . . (x − xj−1 )(x − xj+1 ) . . . (x − xn )
p(x) = ,
j=0
(xj − x1 ) . . . (xj − xj−1 )(xj − xj+1 ) . . . (xj − xn )

chamada fórmula de interpolação de Lagrange).

9. Se uma seqüência (pn ) de polinômios converge uniformemente para


uma função f : R −→ R em toda a reta, então f é um polinômio.

10. Mostre que o conjunto das funções q : [0, 2π] −→ R que têm a forma
X
n
q(x) = a0 + ( ak cos(kx) + bk sen(kx) ) ,
k=0

n ≥ 0, chamadas polinômios trigonométricos, é uma subálgebra de


funções contı́nuas no intervalo [0, 2π] que contém as constantes e
que não separa apenas o par de pontos 0 e 2π.

84 J. Delgado - K. Frensel

You might also like