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CASO PRÁTICO 1
António
(74
anos)
e
Bernardo
(17
anos),
pai
e
filho
respectivamente
com
74
e
17
anos
de
idade,
estavam
embarcados
num
navio
de
pesca
que
após
largada
do
porto
da
Figueira
da
Foz,
deixou
de
ser
visto
ou
contactado
desde
15
de
Setembro
de
2006.
Após
continuo
patrulhamento
da
marinha
de
guerra
portuguesa
durante
30
dias,
após
várias
diligências
do
Ministro
dos
Negócios
Estrangeiros
e
após
terem
aparecido
a
boiar
os
cadáveres
de
3
outros
marinheiros,
em
10
de
Janeiro
de
2007,
por
sonda,
descobriu-se
um
navio
a
10
milhas
de
profundidade.
António
estava
casado
com
Carla
e
Bernardo
com
Dalila.
Bernardo
é
o
único
filho
de
António
e
Carla.
António
era
proprietário
de
um
terreno
agrícola
e
uma
loja
comercial
de
artigos
de
pesca.
A
quem
devem
ser
entregues
tais
bens?
2
pessoa
cujo
cadáver
não
foi
encontrado
ou
reconhecido,
quando
o
desaparecimento
se
tiver
dado
em
circunstancias
que
não
permitam
duvidar
da
morte
dela”.
Também
aqui
se
aplica
a
hipótese
de
presunção
de
comoriência
prevista
no
n.º
2
do
artigo.
De
acordo
com
este
artigo,
quando
certo
efeito
jurídico
depender
da
sobrevivência
de
uma
a
outra
pessoa,
presume-‐se,
em
caso
de
dúvida,
que
uma
e
outra
faleceram
ao
mesmo
tempo.
O
desaparecimento
de
uma
pessoa
nestas
circunstâncias
em
que
não
se
encontra
ou
não
é
possível
identificar
o
cadáver
é
pois
bem
exemplificado
pelo
afundar
de
um
navio,
exactamente
como
nos
refere
o
enunciado.
Neste
caso,
se
o
filho
morreu,
já
não
pode
herdar,
sendo
que
quem
herda
é
Carla,
esposa
de
António,
de
acordo
com
o
art.
2141º
do
CC.
Ambos
os
institutos
mencionados
perfilam,
digamos,
o
termo
da
personalidade
jurídica.
Relativamente
aos
navios
de
que
António
era
proprietário
e
para
efeito
de
sucessão
de
bens
(art.
2133º)
aplica-‐se
o
artigo
68.º,
n.º2,
segundo
o
qual
se
presume
que
António
e
Bernardo
faleceram
ao
mesmo
tempo,
em
virtude
de
ser
impossível
aferir
qual
dos
dois
faleceu
primeiro.
De
notar
que
a
presunção
de
comoriência
não
se
confunde
com
a
morte
presumida
(artigo
114.º
do
Código
Civil).
Neste
último
instituto
apenas
se
presume,
decorridos
os
prazos
estabelecidos,
a
morte
da
pessoa,
havendo
sempre
a
possibilidade
de
a
mesma
regressar
e
reclamar
o
seu
património
(a
lei
atribui
essa
salvaguarda
à
pessoa
desaparecida,
conforme
decorre
do
artigo
119.º
do
CC).
Tratando-‐se
eventualmente
de
morte
presumida,
acrescenta-‐se
que
esta
somente
podia
ser
declarada
em
relação
a
António
“decorridos
dez
anos
sobre
a
data
das
últimas
notícias,
ou
passados
cinco
anos,
se
entretanto
o
ausente
tiver
completado
oitenta
anos
de
idade”,
ou
seja,
em
Setembro
de
2016
aplicando
os
dez
anos.
Aplicamos
os
dez
anos
uma
vez
que
5
anos
após
os
74
anos
de
António
este
ainda
não
havia
completado
os
80
anos.
Há
duas
doutrinas
relativamente
a
esta
questão:
uma
considera
que
os
5
anos
só
se
aplicam
se
a
pessoa
em
questão
já
tivesse
à
data
80
anos.
Assim,
à
data
dos
seus
85
anos
presumia-se
a
sua
morte.
Outra
doutrina
entende
que
devemos
acrescentar
5
anos
à
idade
da
pessoa
em
questão
e
ver
se
se
perfazem
os
80
anos.
É
esta
doutrina
que
aqui
seguimos.
Em
2011
poderíamos
afirmar
que
3
António
faria
81
anos
e
não
dava
notícias
há
mais
de
5
anos.
A
sua
morte
poderia
assim
ser
declarada.
Já
quanto
a
Bernardo,
por
ser
menor,
a
declaração
de
morte
presumida
apenas
podia
ser
proferida
passados
cinco
anos
sobre
a
data
em
que
o
jovem,
se
fosse
vivo,
atingiria
a
maioridade,
isto
é,
apenas
podia
ser
proferida
quando
Bernardo
completasse
23
anos
de
idade
(2012).
Os
herdeiros
de
Bernardo
seriam
a
sua
mãe
e
a
sua
mulher.
O
que
agora
fica
exposto
alicerça-‐se,
respectivamente,
nos
n.º
1
e
2
do
artigo
114.º.
4
CASO PRÁTICO 2
Incapacidades
Miguel
vem
evidenciando,
desde
há
largo
tempo,
sinais
de
perturbações
psíquicas
que
o
impedem
de
reger
os
seus
bens.
Em
virtude
disso,
José,
seu
pai,
propõe
contra
si
a
competente
acção
judicial
tendente
a
restringir
a
sua
capacidade
de
exercício
de
direitos.
Foi
dada
publicidade
à
mesma
em
1
de
Abril
de
2008
e
foi
registada
a
sentença
que,
dando
razão
a
José,
o
nomeia
tutor
do
seu
filho
em
1
de
Outubro
de
2009.
Desde
o
momento
da
propositura
da
acção,
Miguel
praticou
uma
série
de
actos:
a)
Em
3
de
Junho
de
2009
vendeu
a
Constança
um
bilhete
de
lotaria
que
comprara
e
que
viria
a
ser
premiado
uma
semana
mais
tarde;
b)
Em
3
de
Maio
de
2010
comprou,
sem
autorização
do
seu
pai,
um
apartamento;
c)
Em
5
de
Novembro
de
2010
vendeu
os
frutos
de
um
pomar,
também
sem
autorização
do
seu
tutor.
Sabendo
que
José
teve
conhecimento
imediato
dos
actos,
diga
quem
pode
hoje
reagir
contra
eles.
A
presente
situação
prática
trata
do
problema
da
capacidade
de
exercício
de
direitos
(ou
capacidade
para
agir).
Ora,
em
primeiro
lugar,
e
antes
de
proceder
à
resolução
do
caso
em
concreto,
é
fundamental
esclarecer
em
que
é
que
consiste
a
capacidade
de
exercício
de
direitos
e
a
capacidade
de
gozo
de
direitos.
Nas
palavras
de
Manuel
de
Andrade,
a
personalidade
jurídica
consiste
na
aptidão
ou
idoneidade
para
ser
sujeito
de
relações
jurídicas,
ou
seja,
para
ser
centro
de
imputação
de
efeitos
jurídicos
(constituição,
modificação
ou
extinção
de
relações
jurídicas).
Nas
pessoas
singulares
esta
qualidade
é
uma
exigência
do
direito
à
dignidade
e
ao
respeito
que
se
tem
de
reconhecer
a
todos
os
seres
5
humanos.
À
personalidade
jurídica
(art.
66.º
do
CC)
é
inerente
a
capacidade
de
gozo
de
direitos,
que
se
traduz
na
aptidão
para
ser
titular
de
um
circulo,
maior
ou
menos,
de
relações
jurídicas
(art.
67.º
CC).
Diferente
é
a
capacidade
para
o
exercício
de
direitos,
a
qual
corresponde
à
aptidão
para
actuar
juridicamente,
exercendo
direitos
e
cumprindo
obrigações,
adquirindo
direitos
e
assumindo
obrigações
(e
deste
modo
se
deveria
falar
em
capacidade
para
agir),
por
acto
próprio
e
exclusivo
ou
mediante
um
representante
voluntário
ou
um
procurador.
A
pessoa
age
pessoalmente,
não
carecendo
de
ser
substituída
por
um
representante
legal
e
age
autonomamente,
não
necessitando
do
consentimento,
anterior
ou
posterior
ao
acto,
de
outra.
Na
sua
falta
desta
capacidade
encontramo-‐nos
perante
uma
incapacidade
de
exercício
de
direitos,
que
pode
ser
genérica,
se
for
referente
a
todos
os
actos
jurídicos,
ou
específica,
se
apenas
se
referir
a
alguns
actos
em
particular.
Esta
incapacidade
de
agir
pode
ser
suprida,
quer
através
do
instituto
da
representação
legal,
significando
que
o
representante
legal
actua
em
substituição
do
incapacitado,
um
menor
ou
um
interdito,
quer
através
do
instituto
da
assistência,
em
que
o
assistente
autoriza
o
incapaz
na
sua
actuação,
caso
estejamos
perante
um
inabilitado.
No
presente
caso,
em
primeiro
lugar,
impõe-‐se
saber
se
estamos
perante
um
caso
de
interdição
(regulado
nos
arts.
138.º
e
ss)
ou
se
estamos
perante
um
caso
de
inabilitação
(consagrado
nos
arts.
152.º
e
ss).
Nesta
situação,
dada
a
existência
de
uma
anomalia
psíquica,
que
tanto
pode
dar
azo
a
uma
interdição
como
a
uma
inabilitação,
justifica-‐se
a
averiguação
do
grau
de
gravidade
da
anomalia
em
causa.
São
fundamentos
de
interdição
as
situações
de
anomalia
psíquica,
surdez-‐murdez
ou
cegueira,
quando
pela
sua
gravidade
tornem
o
interditando
incapaz
de
reger
a
sua
pessoa
e
bens
(artigo
138.º).
Quando
a
anomalia
psíquica
não
vai
ao
ponto
de
tornar
o
demente
inapto
para
a
prática
de
todos
os
negócios,
ou
quando
os
reflexos
das
deficiências
não
excluem
totalmente
a
sua
aptidão
para
gerir
os
seus
interesses,
o
incapaz
será
inabilitado.
Ora,
como
no
presente
caso
não
nos
é
dada
informação
relativamente
à
gravidade
das
perturbações,
apenas
nos
podemos
cingir
ao
facto
de
a
sentença
declarar
José
como
tutor
de
Miguel,
indicando-nos
desde
logo
que
estamos
perante
um
caso
de
interdição
(se
o
tribunal
declarasse
uma
inabilitação,
José
seria
nomeado
curador
de
Miguel).
6
Deste
modo
e
sabendo
já
que
estamos
perante
um
caso
de
interdição
(cujo
regime
se
encontra
consagrado
nos
arts.
138.º
a
151.º
do
Código
Civil),
e
que
a
acção
judicial
foi
publicitada
a
1
de
Abril
de
2008
e
a
sentença
registada
a
1
de
Outubro
de
2009,
trataremos
de
seguida
e
em
concreto
dos
actos
praticados
por
Miguel.
As
datas
são
aqui
importantes.
Na
interdição,
só
há
interdito
depois
da
sentença
que
o
declare
como
tal.
Assim,
quando
os
actos
são
praticados
antes
da
publicidade
da
acção
judicial,
eles
são
em
regra
válidos.
Quando
os
actos
são
práticos
depois
do
registo
da
sentença
judicial,
são
actos
anuláveis.
No
entanto,
no
decurso
da
pendência
da
acção,
o
problema
é
mais
complexo.
a) O
acto
foi
praticado
na
pendência
do
processo
de
interdição.
Por
regra,
estes
actos
são
válidos.
No
entanto,
de
acordo
com
o
art.
149.º,
que
regula
os
actos
praticados
pelo
interdito
no
decurso
da
acção
de
interdição,
os
negócios
jurídicos
praticados
pelo
incapaz
são
passíveis
de
ser
anulados,
contando
que
se
verifiquem
dois
requisitos:
exige-se
que
a
interdição
venha
definitivamente
a
ser
decretada
e
que
se
mostre
que
o
negócio
jurídico
em
apreço
causou
prejuízo
ao
interdito.
Veja-‐se:
se
o
acto
foi
praticado
depois
de
publicados
os
anúncios
da
proposição
da
acção
e
a
interdição
vem
a
ser
decretada,
haverá
lugar
à
anulabilidade,
desde
que
“se
mostre
que
o
negócio
causou
prejuízo
ao
interdito”.
O
primeiro
requisito
encontra-se
preenchido,
uma
vez
que
ele
veio
a
ser
declarado
interditado.
Quanto
ao
segundo,
a
questão
é
um
pouco
mais
complexa,
na
medida
em
que
os
negócios
praticados
pelo
interdito
na
pendência
do
processo
da
acção
(entre
a
publicação
dos
anúncios
da
propositura
da
acção
e
o
registo
da
sentença
de
interdição
definitiva)
só
serão
anuláveis
se
forem
considerados
prejudiciais
numa
apreciação
reportada
ao
momento
da
prática
do
acto,
não
se
tomando
em
conta
eventualidades
ulteriores,
dado
que
isso
faria
com
que
ninguém
estivesse
disposto
a
contratar
com
um
interdicendo,
pois
viria
sempre
a
correr
o
risco
de
o
negócio
desabar
(por
um
determinado
terreno
vir
a
valorizar,
por
exemplo).
Partindo
do
7
princípio
de
que
no
momento
da
venda
do
bilhete
de
lotaria
não
houve
qualquer
prejuízo
para
o
interdito
(havia,
sim,
se
este
tivesse
vendido
a
um
preço
inferior
ao
que
seria
suposto
ou
se
tivesse
feito
uma
doação,
considerada
prejudicial),
este
negócio
jurídico
não
é
susceptível
de
ser
anulado.
Mas
se,
por
hipótese,
a
venda
do
bilhete
tivesse
causado
prejuízo
a
Miguel,
podia
José
arguir
a
anulabilidade
do
acto?
Por
força
do
artigo
139.º,
o
regime
da
incapacidade
por
interdição
é
idêntico
ao
da
incapacidade
por
menoridade.
Assim
sendo,
quanto
ao
prazo
para
a
invocação
de
anulabilidade
e
às
pessoas
com
legitimidade
para
a
arguir,
é
aplicável,
em
virtude
do
artigo
139.º,
com
as
necessárias
adaptações,
o
artigo
125.º:
o
tutor
pode
requerer
a
anulabilidade
do
acto
do
menor
no
prazo
de
um
ano
a
contar
da
data
do
conhecimento
imediato
do
acto.
No
entanto,
este
acto
foi
praticado
na
pendência
do
processo
de
interdição.
Sendo
assim,
aplica-se
o
art.
149º
nº2,
sendo
que
o
prazo
de
arguição
da
anulabilidade
de
conta
a
partir
do
registo
da
sentença.
Já
passou
um
ano,
por
isso
a
anulabilidade
não
pode
ser
invocada.
b) Quanto
à
compra,
a
3
de
Maio
de
2010,
sem
autorização
do
seu
pai,
de
um
apartamento,
a
questão
que
se
coloca
é
distinta.
A
sentença
de
interdição
já
foi
registada
e
os
actos
jurídicos
praticados
neste
período
estão
feridos
de
anulabilidade.
No
entanto,
existem
excepções,
ou
seja,
certos
actos
que
podem
ser
praticados
pelo
interdito.
Estes
actos
estão
previstos
no
art.
127º
nº1
CC.
De
acordo
com
este
artigo,
são
válidos:
os
actos
de
administração
ou
disposição
de
bens
que
o
maior
de
dezasseis
anos
haja
adquirido
por
seu
trabalho;
os
negócios
jurídicos
próprios
da
vida
corrente
do
menor
que,
estando
ao
alcance
da
sua
capacidade
natural,
só
impliquem
despesas,
ou
disposições
de
bens,
de
pequena
importância;
os
negócios
jurídicos
relativos
à
profissão,
arte
ou
ofício
que
o
menor
tenha
sido
autorizado
a
exercer,
ou
os
praticados
no
exercício
dessa
profissão,
arte
ou
ofício.
Podemos
entender
que
o
apartamento
que
Miguel
comprou
não
se
enquadra
em
nenhuma
destas
alíneas,
nem
na
alínea
b),
uma
vez
que
implica
uma
despesa
de
grande
importância.
Assim
concluímos
pela
anulabilidade
deste
acto.
Mais
uma
vez
se
refere
que
quanto
ao
8
prazo
para
a
invocação
de
anulabilidade
e
às
pessoas
com
legitimidade
para
a
arguir,
é
aplicável,
em
virtude
do
artigo
139.º,
com
as
necessárias
adaptações,
o
artigo
125.º:
a
anulabilidade
pode
ser
requerida
pelo
tutor
desde
que
a
acção
seja
proposta
no
prazo
de
um
ano
a
contar
do
conhecimento
que
o
requerente
haja
tido
do
negócio
impugnado
(art.
125.º,
n.º
1,
alínea
a).
Como
José
teve
conhecimento
do
negócio
na
altura
da
sua
celebração,
não
excedeu
ainda
o
prazo
exigido
para
arguir
a
anulabilidade,
podendo
pois
fazê-lo.
Já
Miguel
não
tem
capacidade
para
praticar
negócios,
logo
não
tem
capacidade
para
invocar
a
anulabilidade.
De
acordo
com
o
art.
125º
nº1
b),
o
menor
só
pode
requerer
a
anulabilidade
uma
vez
maior.
O
Miguel
só
o
poderia
fazer
a
partir
do
momento
em
que
fosse
levantada
a
interdição.
c) No
que
diz
respeito
à
venda
dos
frutos
do
pomar,
sem
autorização
do
seu
tutor,
a
5
de
Novembro
de
2010
(ou
seja,
após
o
registo
da
sentença),
e
tendo
em
conta
que
o
interdito
se
equipara
a
um
menor,
trata-‐se
de
saber
se
o
incapaz
se
encontra
englobado
ou
não
pelas
excepções
do
art.
127º
relativas
à
incapacidade
dos
menores.
Ora,
no
art.
127.º,
n.º
2
alínea
b)
preveêm-‐se
os
negócios
jurídicos
próprios
da
vida
corrente
do
menor
(neste
caso
interdito),
que
só
impliquem
despesas
ou
disposições
de
bens
de
pequena
importância.
Impõe-‐se
aqui
a
necessidade
de
diferenciar
actos
de
disposição
de
actos
de
mera
administração,
cujo
critério
de
distinção
assenta
no
risco
que
acarretam.
Um
acto
de
disposição
de
bens
acarreta
um
risco
mais
elevado
para
o
incapaz,
é
um
acto
de
muita
responsabilidade
e,
por
isso,
necessita
de
uma
autorização
do
tutor
(venda
de
um
terreno).
Já
um
acto
de
mera
administração
acarreta
um
risco
bastante
menor
que
se
prende,
por
exemplo,
com
a
manutenção
dos
bens
do
interdito
(arranjo
de
um
telhado,
ou
venda
de
frutos
de
um
terreno).
Estes
são
actos
de
fruição,
de
gerência,
que
não
afectam
a
substância.
Nestas
circunstâncias,
a
venda
dos
frutos
do
pomar
é
um
acto
de
mera
administração
e,
por
isso,
não
é
admitida
a
possibilidade
de
ser
arguida,
por
José,
a
anulabilidade
de
tal
negócio
9
que
obedece,
como
se
verificou
a
uma
das
excepções
previstas
no
artigo
127.º
do
Código
Civil.
10
CASO PRÁTICO 3
11
exercício
de
direitos,
a
qual
corresponde
à
aptidão
para
actuar
juridicamente,
exercendo
direitos
e
cumprindo
obrigações,
adquirindo
direitos
e
assumindo
obrigações
(e
deste
modo
se
deveria
falar
em
capacidade
para
agir),
por
acto
próprio
e
exclusivo
ou
mediante
um
representante
voluntário
ou
um
procurador.
A
pessoa
age
pessoalmente,
não
carecendo
de
ser
substituída
por
um
representante
legal
e
age
autonomamente,
não
necessitando
do
consentimento,
anterior
ou
posterior
ao
acto,
de
outra.
Na
sua
falta
desta
capacidade
encontramo-‐nos
perante
uma
incapacidade
de
exercício
de
direitos,
que
pode
ser
genérica,
se
for
referente
a
todos
os
actos
jurídicos,
ou
específica,
se
apenas
se
referir
a
alguns
actos
em
particular.
Esta
incapacidade
de
agir
pode
ser
suprida,
quer
através
do
instituto
da
representação
legal,
significando
que
o
representante
legal
actua
em
substituição
do
incapacitado,
um
menor
ou
um
interdito,
quer
através
do
instituto
da
assistência,
em
que
o
assistente
autoriza
o
incapaz
na
sua
actuação,
caso
estejamos
perante
um
inabilitado.
Nascido
em
Janeiro
de
1993,
António
tem
hoje
17
anos,
ou
seja,
é
menor
de
idade
(artigo
122.º
do
Código
Civil).
Trata-‐se
aqui
de
incapacidade
do
menor.
É
uma
incapacidade
geral
(artigo
123.º
do
Código
Civil),
existindo
embora
excepções.
Assim
e
para
o
que
nos
interessa,
os
menores
podem
praticar
os
actos
e
negócios
previstos
nas
alíneas
a),
b)
e
c)
do
n.º1
do
artigo
127.º
do
Código
Civil.
Fora
estas
ressalvas,
todos
os
negócios
jurídicos
praticados
pelo
menor
são
anuláveis
(artigo
125.º
do
Código
Civil).
As
pessoas
com
legitimidade
para
requerer
a
anulabilidade
dos
negócios
são
o
representante
legal
do
menor,
dentro
de
um
ano
a
contar
do
conhecimento
imediato
do
acto
impugnado
(artigo
125.º,
n.º1,
alínea
a),
o
próprio
menor,
dentro
de
um
ano
a
contar
da
cessação
da
incapacidade
(artigo
125.º,
n.º1,
alínea
b),
ou
qualquer
herdeiro,
também
dentro
de
um
ano
a
contar
da
morte,
se
o
menor
morreu
antes
de
ter
expirado
o
prazo
em
que
podia,
ele
próprio,
requerer
a
anulação
(artigo
125.º,
n.º1,
alínea
c).
a) Deste
modo,
a
venda
da
aparelhagem
televisiva
e
considerando-‐a
um
“acto
de
administração
ou
disposição
de
bens
que
o
maior
de
dezasseis
anos
haja
adquirido
por
seu
trabalho”
(para
estes
efeitos
a
doutrina
entende
os
prémios
ganhos
em
concursos
como
bens
12
adquiridos
por
trabalho)
não
é,
por
força
do
artigo
127.º,
n.º1,
alínea
a),
um
negócio
anulável.
Para
praticar
estes
actos
o
menor
tem
que
ser
maior
de
16
anos,
sendo
que
neste
caso
não
se
coloca
nenhum
problema
uma
vez
que
António
tem
17
anos.
Este
negocio
é
valido.
b) Este
acto
é,
em
princípio,
anulável,
uma
vez
que
não
se
enquadra
no
art.
127º
nº1
b).
Este
negocio
é
inválido.
António
só
poderia
invalidar
este
negocio
quando
completasse
os
18
anos,
e
no
prazo
de
um
ano
a
partir
dessa
data
(art.
125º
nº1
b).
Caso
fossem
os
seus
pais
a
arguir
a
invalidade
do
negocio,
poderiam
fazê-lo,
de
acordo
com
o
art.
125
nº1
a),
no
prazo
de
um
ano
a
partir
do
conhecimento
do
negocio
impugnado.
c) Porém,
a
venda
de
um
andar
que
o
seu
avô
paterno
lhe
doara,
rasurando
no
seu
bilhete
de
identidade
o
ano
do
seu
nascimento
para
convencer
João
de
que
era
maior
é
um
negócio
claramente
anulável
(artigo
126.º
do
Código
Civil).
Nesta
circunstância,
o
direito
de
invocar
a
anulabilidade
é
precludido
pelo
comportamento
malicioso
do
menor.
Há
dolo
do
menor.
Nesta
hipótese,
ficam
inibidos
de
invocar
a
anulabilidade
não
só
o
menor
mas
também
os
herdeiros
ou
o
representante.
Não
parece
coerente
a
solução
que
só
pretende
aplicar
ao
menor
e
não
já
ao
seu
representante
a
preclusão
estabelecida
no
mencionado
artigo.
Este
negocio
é
inválido.
d) A
compra
do
automóvel
é
igualmente
um
negócio
ferido
de
anulabilidade.
Por
força
do
artigo
125.º
do
Código
Civil
não
pode
o
representante
do
menor
arguir
a
anulabilidade
da
compra:
António
comprou
o
automóvel
em
Novembro
de
2009,
pelo
que
só
até
Novembro
de
2010
essa
compra
podia
ser
anulada
a
pedido
dos
pais.
Por
isso
mesmo,
apenas
António
pode
requerer,
no
prazo
de
um
ano
a
contar
da
cessação
da
incapacidade,
que
este
negócio
juridico
seja
anulado
(artigo
125.º,
n.º1,
alínea
b).
Este
negocio
é
inválido.
e) Em
1
de
Dezembro
de
2008,
António
apenas
tinha
15
anos,
não
sendo
por
isso
abrangido
pela
hipótese
prevista
no
artigo
1850.º
do
Código
13
Civil.
Por
esse
motivo,
estamos
perante
uma
situação
de
incapacidade
de
gozo
para
perfilhar,
cuja
sanção
é
a
anulabilidade.
Esta
incapacidade
não
pode
ser
suprida.
Este
negocio
é
inválido.
14
CASO PRÁTICO 4
Menoridade
Miguel,
nascido
a
1
de
Agosto
de
1990,
praticou
os
seguintes
actos:
a) comprou
em
5
de
Janeiro
de
2006
um
automóvel
a
Pedro,
tendo
para
o
efeito
falsificado
os
seus
dados
de
identificação
fazendo
deles
constar
uma
data
de
nascimento
anterior
à
real
b) vendeu
em
9
de
Outubro
de
2006
um
valioso
anel
de
família
que
tinha
herdado
do
seu
avô
c) com
o
consentimento
dos
pais,
casou
em
1
de
Setembro
de
2007
com
Inês
d) em
30
de
Janeiro
de
2008,
vendeu
a
Eduardo
um
apartamento
sem
o
conhecimento
da
sua
mulher,
e
sem
que
até
hoje
tenha
sido
paga
a
totalidade
do
preço.
Qual
o
valor
dos
actos
praticados
por
Miguel?
Quem
e
dentro
de
que
prazo
poderá
reagir
contra
ele?
a) Em
2006,
ano
da
compra
do
automóvel
por
parte
de
Miguel,
este
tinha
15
anos.
Com
15
anos
era
menor,
e
por
isso
padecia
de
uma
incapacidade
geral,
de
acordo
com
o
artigo
123.º
do
Código
Civil.
No
entanto,
existem
excepções.
Os
menores
podem
praticar
os
actos
e
negócios
previstos
nas
alíneas
a),
b)
e
c)
do
n.º1
do
artigo
127.º
do
Código
Civil.
Fora
estas
ressalvas,
todos
os
negócios
jurídicos
praticados
pelo
menor
são
anuláveis
(artigo
125.º
do
Código
Civil).
Uma
vez
que
este
acto
não
se
enquadra
em
nenhuma
das
situações
previstas
pelo
legislador,
consideramo-lo
anulável.
O
negocio
é
inválido.
Esta
anulabilidade
pode
ser
arguida
por
Miguel,
quando
maior
ou
emancipado,
de
acordo
com
o
art.
125º
nº2.
15
No
entanto,
é
importante
notar
que
houve
dolo
na
actuação
de
Miguel.
Esta
situação
está
prevista
no
art.
126º
do
CC.
Por
ter
havido
dolo,
Miguel
não
tem
direito
a
requerer
a
anulabilidade
do
seu
acto.
Alguma
doutrina,
nomeadamente
o
DOUTOR
ORLANDO
DE
CARVALHO,
entende
que
apesar
de
Miguel
não
poder
requerer
a
anulabilidade
do
seu
acto,
os
seus
pais
podem.
Esta
é
uma
interpretação
literal
do
artigo
relativo
ao
dolo.
No
entanto,
a
POSIÇÃO
DO
CURSO
é
de
que
nem
os
pais
podem
arguir
a
anulabilidade
neste
caso.
Seguindo
esta
ideia,
o
art.
126º
do
CC
abrange
também
os
pais,
porque
caso
contrario
isto
deixaria
de
constituir
uma
censura
do
ordenamento
jurídico
ao
menor.
Mas
importa
ainda
acautelar
a
posição
jurídica
da
parte
que
foi
directamente
prejudicada
pela
actuação
do
menor,
neste
caso
Pedro.
Pedro,
nos
termos
gerais,
pode
arguir
a
anulabilidade
do
negocio
jurídico
celebrado
com
Miguel
um
ano
depois
do
conhecimento
do
dolo
do
menor.
b) Caso
não
se
tratasse
de
um
anel
valioso,
este
acto
poderia
cair
na
excepção
do
art.
127º
nº1
b).
Mas
não
cai.
E
não
cai
também
na
excepção
do
127º
nº1
a),
porque
foi
algo
herdado.
Dado
que
as
excepções
não
valem,
o
negocio
jurídico
seria
anulável.
Relativamente
ao
prazo
de
arguição
da
anulabilidade,
Miguel
podia
arguir
a
anulabilidade
até
1
ano
após
a
data
da
sua
emancipação
ou
maioridade,
ou
seja,
até
1
de
Agosto
de
2009.
Esse
prazo
já
passou,
por
isso
Miguel
já
não
pode
arguir
a
anulabilidade
do
seu
acto.
Os
seus
pais
também
já
não
o
podem
fazer,
mesmo
que
só
tenham
sabido
agora
dessas
circunstâncias,
dado
que
o
seu
filho
já
não
é
menor.
c) Em
1
de
Setembro
de
2007,
data
em
que
Miguel
se
casou,
ele
já
tinha
17
anos.
Neste
caso
tinha
autorização
para
tal,
por
isso
o
acto
é
válido.
Mas
caso
esta
autorização
não
existisse
e
o
menor
tivesse
menos
de
16
anos,
tratar-‐se-‐ia
de
uma
incapacidade
de
gozo
de
direitos,
incapacidade
essa
que
não
poderia
ser
suprida.
Com
mais
de
16
anos,
o
casamento
já
seria
válido,
embora
com
algumas
sanções.
16
d) Quando
se
trata
de
pessoas
casadas,
alguns
negócios
de
venda
de
imóveis
necessitam
a
autorização
de
ambos
os
cônjuges.
Neste
tipo
de
casos,
em
vez
de
se
falar
em
incapacidade,
fala-se
em
ilegitimidade
do
acto.
Apesar
de
Miguel
ter
capacidade
para
praticar
o
acto,
não
tem
legitimidade
para
o
fazer,
pelo
menos
sozinho,
porque
é
casado.
Neste
caso
diríamos
que
Miguel
deveria
ter
pedido
o
consentimento
da
mulher
em
vender
o
apartamento,
pressupondo
que
eles
eram
casados
em
comunhão
de
bens.
Inês,
a
sua
mulher,
tem
de
ser
parte
do
negocio,
para
que
o
negocio
seja
válido
e
produza
os
seus
efeitos
jurídicos.
Este
negocio
é
inválido
por
força
do
art.
1682º
a
e
b
CC.
Inês
pode
requerer
a
anulabilidade
do
negocio
jurídico.
Tem
6
meses
para
o
fazer,
a
contar
do
seu
conhecimento,
e
nunca
depois
de
passados
3
anos
da
celebração
da
venda.
Sendo
assim,
o
prazo
terminaria
a
30
de
Junho
de
2011.
Há
um
outro
dado
relevante
no
enunciado
que
não
devemos
esquecer.
É
referido
que
até
hoje
ainda
não
foi
paga
a
totalidade
do
preço.
Isto
indica
que
o
negocio
ainda
não
foi
cumprido.
Sendo
assim,
e
de
acordo
com
o
art.
287º
nº2
CC,
Inês
poderia
mesmo
ultrapassar
limites
temporais
anteriormente
referidos.
No
entanto,
caso
eles
fossem
casados
em
regime
de
separação
de
bens,
este
negocio
seria
perfeitamente
válido.
17
CASO PRÁTICO 5
Capacidade de exercício de direitos
Maria,
cônjuge
de
Bernardo,
propôs,
em
Novembro
de
2008,
uma
acção
em
tribunal
contra
este,
à
qual
foi
dada
publicidade
em
Maio
de
2009,
por
entender
que
o
seu
marido
pratica
repetidamente
actos
patrimoniais
injustificados
e
ruinosos.
Em
Agosto
de
2009,
Bernardo
vendeu
a
Xavier
por
18
mil
euros
um
automóvel
antigo
que
posteriormente
teve
uma
acentuada
valorização.
Findo
o
processo,
a
sentença
deu
razão
a
Maria.
Um
mês
depois,
Bernardo
comprou
a
Afonso,
com
o
dinheiro
da
venda
dos
frutos
de
um
pomar,
os
materiais
para
a
reconstrução
de
um
poço
e
vendeu,
nessa
mesma
data,
um
terreno
agrícola
seu
por
bom
preço.
Em
Janeiro
de
2008,
havia
vendido
a
casa,
onde
vivia
com
a
mulher,
que
tinha
recebido
por
herança
e
em
Fevereiro
de
2008
vendeu
o
carro
da
sua
esposa,
o
qual
Maria
tinha
recebido
por
doação
de
um
tio.
Quid
iuris?
A
presente
situação
prática
trata
do
problema
da
capacidade
de
exercício
de
direitos
(ou
capacidade
para
agir).
Ora,
em
primeiro
lugar,
e
antes
de
proceder
à
resolução
do
caso
em
concreto,
é
fundamental
esclarecer
em
que
é
que
consiste
a
capacidade
de
exercício
de
direitos
e
a
capacidade
de
gozo
de
direitos
(ou
capacidade
jurídica).
Nas
palavras
de
Manuel
de
Andrade,
a
personalidade
jurídica
consiste
na
aptidão
ou
idoneidade
para
ser
sujeito
de
relações
jurídicas,
ou
seja,
para
ser
centro
de
imputação
de
efeitos
jurídicos
(constituição,
modificação
ou
extinção
de
relações
jurídicas).
Nas
pessoas
singulares
esta
qualidade
é
uma
exigência
do
direito
à
dignidade
e
ao
respeito
que
se
tem
de
reconhecer
a
todos
os
seres
humanos.
À
personalidade
jurídica
(art.
66.º
do
CC)
é
inerente
a
capacidade
de
gozo
de
direitos,
que
se
traduz
na
aptidão
para
ser
titular
de
um
circulo,
maior
ou
menos,
de
relações
jurídicas
(art.
67.º
CC).
Diferente
é
a
capacidade
para
o
exercício
de
direitos,
a
qual
corresponde
à
aptidão
para
actuar
juridicamente,
exercendo
direitos
e
cumprindo
obrigações,
adquirindo
direitos
e
assumindo
18
obrigações
(e
deste
modo
se
deveria
falar
em
capacidade
para
agir),
por
acto
próprio
e
exclusivo
ou
mediante
um
representante
voluntário
ou
um
procurador,
isto
é,
um
representante
escolhido
pelo
próprio
interessado.
A
pessoa
age
pessoalmente,
não
carecendo
de
ser
substituída
por
um
representante
legal
e
age
autonomamente,
não
necessitando
do
consentimento,
anterior
ou
posterior
ao
acto,
de
outra
–
o
assistente.
Na
sua
falta
desta
capacidade
encontramo-‐nos
perante
uma
incapacidade
de
exercício
de
direitos,
que
pode
ser
genérica,
se
for
referente
a
todos
os
actos
jurídicos,
ou
específica,
se
apenas
se
referir
a
alguns
actos
em
particular.
Esta
incapacidade
de
agir
pode
ser
suprida,
quer
através
do
instituto
da
representação
legal,
significando
que
o
representante
legal
actua
em
substituição
do
incapacitado,
um
menor
ou
um
interdito,
quer
através
do
instituto
da
assistência,
em
que
o
assistente
autoriza
o
incapaz
na
sua
actuação,
caso
estejamos
perante
um
inabilitado.
Neste
caso
em
concreto
estamos
perante
uma
situação
de
inabilitação.
Estão
sujeitos
a
inabilitação
os
indivíduos
cuja
anomalia
psíquica,
surdez-‐mudez
ou
cegueira,
embora
de
carácter
permanente,
não
seja
tão
grave
que
justifique
a
interdição,
indivíduos
que
se
revelem
incapazes
de
reger
o
seu
património
por
habitual
prodigalidade
ou
pelo
abuso
de
bebidas
alcoólicas
ou
de
estupefacientes
(artigo
152.º
do
Código
Civil).
Aqui
em
concreto,
o
fundamento
da
inabilitação
é
a
prodigalidade.
Esta
categoria
abrange
os
indivíduos
que
praticam
habitualmente
actos
de
delapidação
patrimonial.
Trata-‐se
da
prática
de
actos
de
dissipação,
de
despesas
desproporcionadas
aos
rendimentos,
improdutivas
e
injustificáveis.
Bernardo
enquadra-‐se
precisamente
nesta
categoria
fundamento
de
inabilitação.
De
todo
o
modo,
a
incapacidade
dos
inabilitados
não
existe
pelo
simples
facto
da
existência
das
circunstâncias
referidas
no
mencionado
artigo;
torna-‐se
necessária
uma
sentença
de
inabilitação.
A
incapacidade
dos
inabilitados
é
suprida
pelo
instituto
da
assistência
e
a
pessoa
encarregada
de
suprir
tal
incapacidade
é
designada
pela
lei
por
curador.
A
inabilitação
é
uma
incapacidade
específica.
A
lei
não
regula
directamente
o
problema
do
valor
dos
actos
praticados
pelo
inabilitado,
sendo
aplicáveis
as
disposições
que
vigoram
acerca
do
valor
dos
actos
dos
interditos,
por
força
do
artigo
156.º.
Há
que
aplicar,
portanto,
os
artigos
148.º,
149.º
e
150.º
do
CC.
As
características
da
anulabilidade
são,
com
as
19
necessárias
adaptações,
as
do
artigo
125.º,
também
ele
aplicável
por
remissão
do
artigo
156.º.
A
venda
do
automóvel
foi
praticada
na
pendência
do
processo
de
inabilitação.
Assim,
e
de
acordo
com
o
art.
149.º,
que
regula
os
actos
praticados
pelo
incapaz
no
decurso
da
acção,
os
negócios
jurídicos
praticados
pelo
incapaz
são
passíveis
de
ser
anulados,
contando
que
se
verifiquem
dois
requisitos:
exige-se
que
a
inabilitação
seja
definitivamente
decretada
e
que
se
mostre
que
o
negócio
jurídico
em
apreço
causou
prejuízo
ao
interdito.
Veja-‐se:
se
o
acto
foi
praticado
depois
de
publicados
os
anúncios
da
proposição
da
acção
e
a
inabilitação
vem
a
ser
decretada,
haverá
lugar
à
anulabilidade,
desde
que
“se
mostre
que
o
negócio
causou
prejuízo
ao
inabilitado”.
O
primeiro
requisito
encontra-se
preenchido.
Quanto
ao
segundo,
a
questão
é
um
pouco
mais
complexa,
na
medida
em
que
os
negócios
praticados
pelo
interdito
na
pendência
do
processo
da
acção
(entre
a
publicação
dos
anúncios
da
propositura
da
acção
e
o
registo
da
sentença
de
interdição
definitiva)
só
serão
anuláveis
se
forem
considerados
prejudiciais
numa
apreciação
reportada
ao
momento
da
prática
do
acto,
não
se
tomando
em
conta
eventualidades
ulteriores,
dado
que
isso
faria
com
que
ninguém
estivesse
disposto
a
contratar
com
um
interdicendo,
pois
viria
sempre
a
correr
o
risco
de
o
negócio
desabar
(por
um
determinado
terreno
vir
a
valorizar,
por
exemplo).
Partindo
do
princípio
de
que
no
momento
da
venda
não
houve
prejuízo
para
Bernardo
(a
valorização
do
automóvel
verifica-se
posteriormente
à
venda),
este
negócio
jurídico
não
é
susceptível
de
ser
anulado.
A
compra
dos
materiais
para
reconstrução
de
um
poço
trata-se
de
um
acto
de
mera
administração.
Um
acto
de
mera
administração
acarreta
um
risco
bastante
menor
do
que
um
acto
de
disposição
de
bens.
Prende-‐se,
por
exemplo,
com
a
manutenção
dos
bens
do
interdito
(arranjo
de
um
telhado,
ou
venda
de
frutos
de
um
terreno).
Nestas
circunstâncias,
não
é
admitida
a
possibilidade
de
ser
arguida
a
anulabilidade
de
tal
negócio
que
obedece
a
uma
das
excepções
previstas
no
artigo
127.º
do
Código
Civil.
Caso
considerássemos
que
este
não
era
um
acto
de
mera
administração,
este
não
seria
válido.
20
Já
a
venda
do
terreno
é,
porém,
um
negócio
ferido
de
anulabilidade.
Dizemos
isto
porque
a
venda
do
terreno
é
um
negócio
de
disposição
de
bens,
e
de
acordo
com
o
art.
153º
nº1
este
tipo
de
negócios
está
sujeito
a
autorização
do
respectivo
curador.
Sendo
assim,
o
negócio
é
inválido.
Caso
estivéssemos
no
período
de
pendência
da
acção
o
negócio
também
seria
anulável,
caso
preenchesse
os
requisitos
do
art.
149º.
Quanto
ao
prazo
para
a
invocação
de
anulabilidade
e
às
pessoas
com
legitimidade
para
a
arguir,
é
aplicável,
com
as
necessárias
adaptações,
o
artigo
125.º:
a
anulabilidade
pode
ser
requerida
pelo
eventual
curador
ou
assistente
de
Bernardo
desde
que
a
acção
seja
proposta
no
prazo
de
um
ano
a
contar
do
conhecimento
que
o
requerente
haja
tido
do
negócio
impugnado
(art.
125.º,
n.º
1,
alínea
a).
Também
o
próprio
Bernardo
o
pode
fazer
nos
termos
do
artigo
125.º,
n.º
1,
alínea
b.
A
venda
da
casa
recebida
por
herança
e
do
automóvel
recebido
por
doação
não
constituem
bens
adquiridos
em
regime
de
comunhão
de
adquiridos.
As
restrições
à
livre
actuação
jurídica
derivadas
do
casamento
são
tradicionalmente
designadas
por
incapacidades.
Tais
proibições
visam
proteger
os
interesses
do
outro
cônjuge
e
da
família
e
por
isso
mais
correctamente
se
falará
a
este
respeito
de
ilegitimidade.
O
casamento
continua
a
ser
fonte
de
ilegitimidades
conjugais,
só
que
agora
em
condições
de
plena
igualdade
de
situação
do
marido
e
da
mulher.
Ao
caso
prático
apresentado
aplicam-‐se
as
disposições
que
decorrem
do
artigo
1682.º-‐A,
partindo
do
pressuposto
de
que
Maria
e
Bernardo
estavam
casados
em
regime
de
comunhão
de
adquiridos.
Deste
modo,
para
a
prática
dos
negócios
jurídicos
mencionados,
Bernardo
carecia
do
consentimento
de
Maria
e
assim
se
compreende
que
a
ilegitimidade
conjugal
se
supre
pelo
consentimento
do
outro
cônjuge.
21
CASO PRÁTICO 6
22
proceder
à
resolução
do
caso
em
concreto,
é
fundamental
esclarecer
em
que
é
que
consiste
a
capacidade
de
exercício
de
direitos
e
a
capacidade
de
gozo
de
direitos
(ou
capacidade
jurídica).
Nas
palavras
de
Manuel
de
Andrade,
a
personalidade
jurídica
consiste
na
aptidão
ou
idoneidade
para
ser
sujeito
de
relações
jurídicas,
ou
seja,
para
ser
centro
de
imputação
de
efeitos
jurídicos
(constituição,
modificação
ou
extinção
de
relações
jurídicas).
Nas
pessoas
singulares
esta
qualidade
é
uma
exigência
do
direito
à
dignidade
e
ao
respeito
que
se
tem
de
reconhecer
a
todos
os
seres
humanos.
À
personalidade
jurídica
(art.
66.º
do
CC)
é
inerente
a
capacidade
de
gozo
de
direitos,
que
se
traduz
na
aptidão
para
ser
titular
de
um
circulo,
maior
ou
menos,
de
relações
jurídicas
(art.
67.º
CC).
Diferente
é
a
capacidade
para
o
exercício
de
direitos,
a
qual
corresponde
à
aptidão
para
actuar
juridicamente,
exercendo
direitos
e
cumprindo
obrigações,
adquirindo
direitos
e
assumindo
obrigações
(e
deste
modo
se
deveria
falar
em
capacidade
para
agir),
por
acto
próprio
e
exclusivo
ou
mediante
um
representante
voluntário
ou
um
procurador,
isto
é,
um
representante
escolhido
pelo
próprio
interessado.
A
pessoa
age
pessoalmente,
não
carecendo
de
ser
substituída
por
um
representante
legal
e
age
autonomamente,
não
necessitando
do
consentimento,
anterior
ou
posterior
ao
acto,
de
outra
–
o
assistente.
Na
sua
falta
desta
capacidade
encontramo-‐nos
perante
uma
incapacidade
de
exercício
de
direitos,
que
pode
ser
genérica,
se
for
referente
a
todos
os
actos
jurídicos,
ou
específica,
se
apenas
se
referir
a
alguns
actos
em
particular.
Esta
incapacidade
de
agir
pode
ser
suprida,
quer
através
do
instituto
da
representação
legal,
significando
que
o
representante
legal
actua
em
substituição
do
incapacitado,
um
menor
ou
um
interdito,
quer
através
do
instituto
da
assistência,
em
que
o
assistente
autoriza
o
incapaz
na
sua
actuação,
caso
estejamos
perante
um
inabilitado.
Neste
caso
em
concreto
estamos
perante
uma
situação
de
inabilitação.
Estão
sujeitos
a
inabilitação,
de
acordo
com
o
art.
138º
nº1,
os
indivíduos
cuja
anomalia
psíquica,
surdez-mudez
ou
cegueira,
embora
de
carácter
permanente,
não
seja
tão
grave
que
justifique
a
interdição,
indivíduos
que
se
revelem
incapazes
de
reger
o
seu
património
por
habitual
prodigalidade
ou
pelo
abuso
de
bebidas
alcoólicas
ou
de
estupefacientes
(artigo
152.º
do
Código
Civil).
Aqui
em
concreto,
o
fundamento
da
inabilitação
é
o
consumo
excessivo
de
23
estupefacientes.
Em
Outubro
de
2008
António
ainda
só
tinha
17
anos,
e
põe-se
a
questão
se
o
seu
pai
podia
propor
a
acção
tendo
ele
essa
idade.
A
resposta
é
afirmativa,
de
acordo
com
os
arts.
138º
nº2
e
156º
CC.
De
todo
o
modo,
a
incapacidade
dos
inabilitados
não
existe
pelo
simples
facto
da
existência
das
circunstâncias
referidas
no
mencionado
artigo;
torna-‐se
necessária
uma
sentença
de
inabilitação.
A
incapacidade
dos
inabilitados
é
suprida
pelo
instituto
da
assistência
e
a
pessoa
encarregada
de
suprir
tal
incapacidade
é
designada
pela
lei
por
curador.
O
curador
autoriza
a
prática
de
disposição
de
bens
entre-vivos,
mas
pode
também
praticar
actos
de
mera
administração.
Assim,
Belmiro
foi
nomeado
pelo
tribunal
o
curador
de
António.
A
lei
não
regula
directamente
o
problema
do
valor
dos
actos
praticados
pelo
inabilitado,
sendo
aplicáveis
as
disposições
que
vigoram
acerca
do
valor
dos
actos
dos
interditos,
por
força
do
artigo
156.º.
Há
que
aplicar,
portanto,
os
artigos
148.º,
149.º
e
150.º
do
CC.
As
caracteristicas
da
anulabilidade
são,
com
as
necessárias
adaptações,
as
do
artigo
125.º,
também
ele
aplicável
por
remissão
do
artigo
156.º.
Analisemos
em
concreto
cada
um
dos
negócios
praticados
por
António:
a) Em
15
de
Fevereiro
de
2008
António
já
era
maior.
Quanto
a
esta
venda,
realizada
em
data
anterior
à
publicidade
da
acção,
aplica-‐se
o
disposto
no
artigo
150.º,
remetendo
para
o
artigo
257.º.
O
negócio
é
anulável
se
se
preecherem
2
requisitos:
se
se
provar
que
ele
estava
incapaz
de
determinar
a
sua
vontade
e
“desde
que
o
facto
seja
notório
ou
conhecido
do
declaratário”.
O
primeiro
requisito
está
preenchido,
uma
vez
que
ele
estava
sob
o
efeito
de
estupefacientes.
Entende-‐se
aqui
que
a
venda
de
uma
casa
arrendada
vale
menos
do
que
a
venda
de
uma
casa
devoluta,
pelo
que
se
tratou
de
um
negócio
razoável.
O
facto
de
o
andar
ter
sido
vendido
por
dois
terços
do
seu
valor
não
indicia
que
tenha
sido
um
mau
negócio.
24
publicitado
o
acto
mas
antes
da
sentença.
A
troca
ou
permuta
é
um
contrato
atípico,
que
se
define
por
ser
um
acto
de
disposição
de
bens,
onde
se
aplicam
as
regras
da
compra
e
venda
(939º
CC).
Assim,
nos
termos
do
artigo
149.º
(por
remissão
do
artigo
156.º),
este
negócio
seria
anulável,
contanto
que
a
interdição
venha
a
ser
definitivamente
declarada
e
se
mostre
que
o
negócio
causou
prejuízo
ao
inabilitado.
Cumpre-se
o
primeiro
requisito
(a
sentença
é
registada
em
20
de
Julho
de
2009)
e
o
segundo
também
se
considerarmos
que
as
acções
são
de
facto
mais
valiosas
que
a
bateria.
Por
outro
lado,
refere
o
texto
que
António
adquirira
as
acções
com
o
produto
do
seu
trabalho.
Analisando
este
dado,
o
negócio
não
seria
anulável,
em
virtude
da
ressalva
prevista
no
alínea
a)
do
n.º
1
do
artigo
127.º
do
Código
Civil.
c) Este
negócio
jurídico,
praticado
em
momento
posterior
ao
registo
da
sentença,
é
anulável
(artigo
148.º
do
CC).
Pode
assim
Belmiro
requerer
a
anulabilidade
da
venda:
no
prazo
de
um
ano
a
contar
do
conhecimento
que
haja
tido
do
negócio
impugnado,
ou
seja,
em
20
de
Dezembro
de
2010.
António
já
não
o
pode
fazer,
dado
ter
sido
ultrapassado
o
prazo
legalmente
previsto
para
tal
–
um
ano
a
partir
da
maioridade
ou
emancipação.
Veja-‐se
para
o
efeito
o
artigo
125.º
nº1
b)
do
CC.
d) A
venda
do
andar
com
recurso
a
certidão
de
nascimento
da
qual
não
constava
o
averbamento
de
qualquer
incapacidade
é
um
negócio
claramente
anulável
(artigo
126.º
do
Código
Civil).
Há
aqui
dolo
do
inabilitado.
Nesta
circunstância,
o
direito
de
invocar
a
anulabilidade
é
precludido
pelo
comportamento
malicioso
do
menor.
Nesta
hipótese,
ficam
inibidos
de
invocar
a
anulabilidade
não
só
o
menor
mas
também
os
herdeiros
ou
o
representante.
Não
parece
coerente
a
solução
que
só
pretende
aplicar
ao
menor
e
não
já
ao
seu
representante
a
preclusão
estabelecida
no
mencionado
artigo.
e) Enquanto
inabilitado,
e
de
acordo
com
o
art.
1601º
CC,
só
se
fosse
inabilitado
por
anomalia
psíquica
é
que
António
não
podia
casar.
25
Sendo
assim,
António
pode
casar.
Como
tinha
17
anos,
necessitava
de
autorização
dos
seus
pais,
mas
mesmo
que
tenha
casado
sem
esta
o
seu
casamento
continua
a
ser
válido,
sofre
apenas
algumas
sanções.
Veja-se
para
o
efeito
o
art.
1649º
CC.
O
facto
de
ter
casado
com
um
primo
não
padece
de
qualquer
irregularidade.
26
CASO PRÁTICO 7
1- Maria,
casada
com
Bernardo
em
1980,
em
Janeiro
de
2008
vendeu
a
casa
onde
vivia
com
o
marido,
e
que
tinha
recebido
por
herança.
2- Maria
vendeu,
a
1
de
Fevereiro
de
2006,
o
carro
de
Bernardo,
que
este
havia
recebido
por
doação
de
um
tio.
3- Maria
constitui
uma
hipoteca
sobre
um
terreno
rústico
que
ela
havia
adquirido
em
1979.
Quid
iuris?
1
–
o
art.
1682º/A/2
dá
uma
importância
tal
à
casa
de
família
que
consagra
que
os
negócios
jurídicos
que
a
afectem
carecem
de
consentimento
de
ambos
os
cônjuges,
independentemente
do
regime
de
bens
do
casamento.
Sendo
assim,
este
negócio
é
anulável
e
a
sanção
prevista
para
esta
situação
está
prevista
no
art.
1687º
CC.
O
cônjuge,
neste
caso
Bernardo,
tem
6
meses
e
nunca
mais
de
3
anos
para
arguir
a
anulabilidade
do
negocio
jurídico
praticado
por
Maria.
2
–
Isto
constitui
uma
venda
de
coisa
alheia,
e
de
acordo
com
o
art.
892º
CC,
esta
venda
é
nula.
3
–
Trata-se
de
um
bem
próprio
de
Maria,
o
terreno
é
dela.
O
regime
dos
bens
próprios
encontra-se
no
art.
1722º
CC.
No
entanto,
esta
situação
também
se
enquadra
no
art.
1682º,
neste
caso
na
alínea
a)
do
nº1.
Este
negocio
jurídico
carecia
do
consentimento
de
ambos
os
cônjuges,
e
por
isso
é
anulável.
A
sanção
está
prevista
no
art.
1687º.
27
CASO PRÁTICO 8
Este
é
um
caso
de
conflito
de
direitos.
Rosa
apresentou
uma
petição
inicial,
onde
invocou
o
direito
à
honra,
com
fundamento
legal
nos
arts.
70
nº1
CC,
26º
nº1
CRP,
484º
CC
e
79º
nº3
CC.
Jorge,
por
sua
vez,
invoca
a
liberdade
de
expressão,
com
base
no
art.
37º
da
CRP,
e
o
direito
geral
de
personalidade,
para
defender
a
sua
conduta.
O
conflito
de
direitos
está
previsto
no
art.
335º
do
CC.
Trata-se
aqui
de
direitos
desiguais
ou
de
espécie
diferente,
sendo
que
se
aplica
o
nº2
deste
artigo.
Esta
disposição
legal
preceitua
que
“prevalece
o
que
se
considerar
superior”.
Trata-se
aqui
de
saber
se
a
honra
de
Rosa
vale
mais
do
que
a
liberdade
de
expressão
de
Jorge.
28
Nos
termos
do
art.
566º
nº1,
o
direito
de
propriedade
de
Rosa
foi
lesado,
e
impõe-se
a
restauração
natural
dos
danos
causados
por
Jorge,
que
neste
caso
é
o
simples
acto
de
mandar
pintar
o
muro.
De
acordo
com
o
art.
70º/2
CC,
devem
ser
tomadas
as
providências
necessárias
a
que
tal
aconteça.
29
CASO PRÁTICO 9
Zaida,
de
20
anos,
sofre
um
acidente
de
viação
ao
sair
do
emprego.
Estava
grávida
de
9
meses
e
em
virtude
do
acidente
teve
graves
lesões
corporais.
O
feto
morreu
e
teve
que
ser
retirado
por
cesariana
já
morto.
Quid
iuris?
O
caso
sub
judice
prende-‐se
com
o
problema
de
saber
qual
a
condição
jurídica
dos
nascituros
em
sede
de
personalidade
jurídica.
Nas
palavras
de
Manuel
de
Andrade,
a
personalidade
jurídica
consiste
na
aptidão
ou
idoneidade
para
ser
sujeito
de
relações
jurídicas,
ou
seja,
para
ser
centro
de
imputação
de
efeitos
jurídicos
(constituição,
modificação
ou
extinção
de
relações
jurídicas).
Nas
pessoas
singulares
esta
qualidade
é
uma
exigência
do
direito
à
dignidade
e
ao
respeito
que
se
tem
de
reconhecer
a
todos
os
seres
humanos.
Associado
à
questão
do
começo
da
personalidade
jurídica
(artigo
66.º,
n.º1
do
Código
Civil),
surge
o
problema
da
condição
jurídica
dos
nascituros,
concebidos
ou
não
concebidos.
Estabelece
o
artigo
66.º,
n.º2
que
os
direitos
reconhecidos
por
lei
aos
nascituros
dependem
do
seu
nascimento.
Significa
isto
que,
apesar
de
não
serem
ainda
sujeitos
de
direito,
reconhecem-‐se-‐lhes
direitos,
embora
dependentes
do
seu
nascimento
completo
e
com
vida.
Desta
feita,
é
ou
não
possível
pedir
indemnização
pelo
morte
do
feto?
Trava-‐se
uma
divergência
doutrinal
na
tentativa
de
responder
a
esta
questão.
Por
força
da
posição
adoptada
pelo
curso,
é
de
admitir
a
tutela
jurídica
do
nascituro
concebido,
no
que
toca
às
lesões
provocadas.
Pode
pois
um
filho
pedir
indemnização
pelas
deformações
físicas
ou
psicológicas
que
sofreu
ainda
no
ventre
da
mãe,
causadas,
por
exemplo,
por
um
acidente.
O
surgimento
deste
direito
à
indemnização
não
implica
forçosamente
a
atribuição
de
personalidade
jurídica
aos
nascituros,
estejam
ou
não
concebidos.
Tal
direito
surge
só
no
momento
do
nascimento,
momento
em
que
o
dano
verdadeiramente
se
consuma,
por
isso,
se
o
feto
lesado
no
ventre
materno
não
chega
a
nascer
com
vida,
ele
não
terá
direito
a
qualquer
indemnização.
Em
face
do
exposto,
conclui-‐se
que
o
filho
de
Zaida
não
terá
assim
direito
a
qualquer
indemnização.
Não
há
direito
a
indemnização
pelo
dano
da
morte.
30
CASO PRÁTICO 10
Joana
e
Miguel
estão
casados
e
Joana
está
grávida
de
12
semanas.
Porque
tem
42
anos
e
antecedentes
familiares
de
doenças
genéticas,
sujeitou-se
a
uma
análise
para
detectar
eventuais
anomalias
genéticas
no
embrião.
O
laboratório
trocou
as
análises
e
o
relatório
enviado
a
Joana
não
dava
conta
de
qualquer
anomalia.
A
gravidez
prosseguiu
até
ao
termo
e
a
criança
que
nasceu,
o
Rui,
padece
de
sindrome
de
down
e
de
graves
insuficiências
renais.
Volvidos
dois
anos
é
intentada
a
seguinte
acção:
• Rui
demanda
o
laboratório
por
violação
grosseira
das
regras
técnicas
e
pede
indemnização
pelos
danos
patrimoniais
(tratamentos
médicos,
incapacidade
para
desempenhar
no
futuro
uma
profissão
remunerada)
bem
como
uma
compensação
por
danos
morais.
O
caso
prático
apresentado
trata
do
problema
de
saber
se
há
um
direito
a
não
nascer,
designadamente
quando
se
nasce
com
graves
malformações,
de
tal
modo
que
a
pessoa
com
essas
deficiências
possa
agir
judicialmente
contra
os
médicos
que,
por
negligência,
não
detectaram
antecipadamente
essas
anomalias,
ou
não
informaram
devidamente
os
pais,
não
lhes
proporcionando
a
oportunidade
de
interromper,
licitamente,
a
gravidez.
Nestas
circunstâncias,
pode
o
Rui
pedir
uma
indemnização
contra
os
médicos?
Esta
questão
é
normalmente
conhecida
pelas
expressões
wrongful
birth
(pais
pedem
indemnização
por
danos
próprios)
e
wrongful
life
(pais
intervêm
como
representantes
do
filho
menor,
pedindo
uma
indemnização
por
danos
sofridos
pelo
filho).
A
situação
prática
em
causa
julgo
referir-‐se
a
um
caso
de
wrongful
life.
O
que
se
pretende
indemnizar
é
o
dano
sofrido
pela
própria
criança,
por
ter
nascido
com
graves
físicas
e
mentais
(sindrome
de
down
e
insuficiências
renais),
deficiências
essas
sobre
as
quais
os
médicos
não
informaram
convenientemente
os
pais.
Não
se
tratam
de
anomalias
provocadas
pelos
médicos
mas
sim
de
31
anomalias
que
não
foram
comunicadas
aos
pais,
em
virtude
da
troca
dos
relatório
das
análise.
É
pois
a
própria
criança
que
pretende
ser
indemnizada
pelo
dano
de
ter
nascido.
A
posição
de
Rui
em
muito
se
assemelha
a
um
caso
concreto
decidido
pelo
Supremo
Tribunal
de
Justiça,
na
sequência
do
qual
uma
criança
intentou
uma
acção,
invocando
danos
por
si
sofridos.
O
fundamento
do
pedido
foi
a
conduta
negligente
do
médicos.
O
Tribunal
concluiu
que
aquilo
que
estaria
em
causa
seria
o
direito
à
não
existência
e
no
entender
do
STJ
tal
direito
não
está
consagrado
na
lei,
pelo
que
o
mesmo
não
deve
ser
reconhecido.
E
decidiu
bem
o
STJ,
diz
o
curso.
Reconhecer
à
criança
o
direito
a
uma
indemnização
por
danos
próprios
parece
que
pressuporia
reconhecer
a
alguém
um
direito
a
não
nascer,
já
que
a
alternativa
seria
ter
nascido.
E,
não
nos
parece
que
tal
direito
seja
de
reconhecer.
No
fundo,
é
esta
a
decisão
que
cobre
a
situação
de
Rui:
esta
criança
não
pode
pedir
uma
indeminzação
pelo
seu
nascimento.
Acontece
todavia
que
o
Supremo
Tribunal
não
deixou
de
considerar
que
o
problema
seria
diferente
se
os
autores
do
pedido
de
indemnização
tivessem
sido
os
pais
e
não
o
menor.
Deste
modo,
se
Joana
e
Miguel
tivessem
sido
os
autores
da
acção,
havia
lugar
a
reparação
tanto
de
danos
patrimoniais
como
de
danos
morais.
Cumpre
salientar
que
quanto
aos
danos
patrimoniais,
há
tribunais
que
entendem
que
os
pais
apenas
têm
direito
aos
sobrecustos.
Outros
há
que
entendem
que
os
pais
têm
direito
a
indemnização
na
totalidade.
32
CASO PRÁTICO 10
Responsabilidade civil extra-contratual por acto ilícito
Tânia
estava
a
fazer
uma
queimada
de
silvas
no
seu
quintal,
mas
foi
tomar
café
durante
meia
hora.
Quando
voltou,
a
casa
da
Rute
tinha
ardido,
bem
como
o
gato
Komi
e
o
pai
da
Rute
de
93
anos,
acamado
há
8
anos.
Quid
Iuris?
33
montantes
relativos
ao
pagamento
de
alojamento
para
Rute
no
lapso
temporal
no
qual
a
sua
antiga
casa
é
reconstruída.
Neste
caso,
o
lucro
cessante
prende-‐se
com
o
facto
de
Rute
ter
o
rés-‐do-‐chão
alugado
e
deixar
de
receber
o
montante
respectivo
pelo
facto
de
a
casa
ter
ardido.
Trata-‐se
de
uma
caducidade
dessas
prestações
por
inexistência
de
objecto.
Relativamente
aos
danos
não
patrimoniais
(art.
496º
CC),
temos
neste
caso
a
questão
do
gato
e
da
morte
do
avô
de
Rute.
De
acordo
com
o
nº2
do
art.
496º
CC,
a
morte
gera
direito
a
indemnização
para
o
conjugue
e
filhos,
e
na
falta
destes
para
os
pais,
irmãos
ou
sobrinhos.
Já
o
nº3
do
mesmo
artigo
regula
o
montante
da
indemnização.
Concluímos
sem
dúvidas
que
neste
caso
há lugar a responsabilidade civil
por factos ilícitos.
34
CASO PRÁTICO 10
Aplicação da lei civil no tempo
Rui
e
Patrícia:
Rui
tem
uma
casa
arrendada
a
Patrícia
e
quer
fazer
obras.
Patrícia
não
deixa.
Depois
vem
uma
lei
que
diz
que
não
precisa
de
autorização.
Rui
pode
fazer
as
obras?
Este
caso
prático
trata
da
aplicação
da
lei
civil
no
tempo.
Para
resolver
este
caso
devemos
atender
ao
art.
12º
CC.
A
primeira
parte
do
nº2
deste
artigo
poderia
levar-‐nos
a
concluir
que
deve
prevalecer
o
interesse
de
Patrícia,
quando
diz
“Quando
a
lei
dispõe
sobre
as
condições
de
validade
substancial
ou
formal
de
quaisquer
factos
ou
sobre
os
seus
efeitos,
entende-‐se,
em
caso
de
dúvida,
que
só
visa
os
factos
novos”.
No
entanto,
a
segunda
parte
do
mesmo
artigo
poderia
levar-‐nos
a
concluir
que
prevalece
o
interesse
de
Rui:
“quando
dispuser
directamente
sobre
o
conteúdo
de
certas
relações
jurídicas
(...)
entender-‐se-‐á
que
a
lei
abrange
as
próprias
relações
já
constituídas”.
Assim,
temos
que
pensar
em
duas
situações.
Se
no
contrato
de
arrendamento
estiver
combinado
que
para
se
efectuarem
obras
se
exige
um
pedido
de
autorização,
a
nova
lei
não
se
aplicará.
Mas
se,
por
outro
lado,
o
contrato
for
omisso
em
relação
a
esta
questão,
aplica-se
a
lei
nova
e
Rui
pode
fazer
as
obras
que
entender.
35