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dossiê iphan 3

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras }


dossiê iphan 3
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras }
“Todo capixaba tem
Um pouco de beija flor no bico
Uma panela de barro no peito
Uma orquídea no gesto
Um cafezinho no jeito
Um trocadilho na brincadeira
Um congo no andar
Um jogo de cintura
Um chá de cidreira
Uma moqueca perfeita
E uma rede no olhar.”

Elisa Lucinda
presidente da república Edição do Dossiê Ficha Técnica Ofício das Paneleiras
Luiz Inácio Lula da Silva
edição de texto de Goiabeiras
ministro da cultura Ana Claudia Lima e Alves registro do ofício das paneleiras de
Gilberto Gil Moreira Carol Abreu goiabeiras, na cidade de vitória/es
presidente do iphan revisão de texto Processo nº 01450.000672/2002-50
Luiz Fernando de Almeida Claudia Marina Macedo Vasques proponente:
Graça Mendes Associação das Paneleiras de Goiabeiras e
chefe de gabinete
Secretaria Municipal de Cultura – Vitória/ES
Aloysio Guapindaia projeto gráfico
data de abertura do processo:
Victor Burton
procuradora-chefe federal 26/03/2001
Tereza Beatriz da Rosa Miguel diagramação Pedido de Registro aprovado na 37ª reunião
Ana Paula Brandão e Fernanda Garcia do Conselho Consultivo, em 21/11/2002
diretora de patrimônio imaterial
Inscrição no Livro de Registro dos Saberes
Marcia Sant’Anna fotografias
em 20/12/2002
Álvaro Abreu
diretor de patrimônio material Cacá Lima
e fiscalização Christiane Lopes Machado Inventário Nacional de Referências
Dalmo Vieira Filho Humberto Capai Culturais do Ofício das Paneleiras
diretor de museus e centros culturais José Alberto Junior de Goiabeiras
José do Nascimento Junior Márcio Vianna
coordenação geral
Tadeu Veiga
diretora de planejamento Carol Abreu
e administração parceria institucional
Instituto Brasileiro de Educação supervisão
Maria Emília Nascimento Santos
e Cultura – Educarte Ana Claudia Lima e Alves
coordenadora-geral de pesquisa,
agradecimentos especiais pesquisadores
documentação e referência
Alceli Maria Rodrigues Augusto Drumond de Moraes
Lia Motta
Centro de Tecnologia Mineral Carol Abreu
coordenadora-geral de promoção Prefeitura Municipal de Vitória Gerson Dalfior Vidal
do patrimônio cultural Rosemary Loureiro Amorim Luciano Santos Nascimento
Thays Pessotto Zugliani Universidade de Vitória - Univix Sheila Gomes
Suely Pereira dos Santos
superintendente regional equipe técnica da gerência de registro
do espírito santo Ana Lúcia de Abreu Gomes revisão de fichas
Carol Abreu Fabíola Nogueira Gama Cardoso Alexandre Fiorotti
Mariana Mello Brandão Ana Claudia Lima e Alves
gerente de registro
Rafaella Tamm Carol Abreu
Ana Claudia Lima e Alves
Silvia Guimarães Felipe Berocan Veiga
Marina Verne
equipe técnica da 21a sr/iphan
instituto do patrimônio histórico Suely Pereira dos Santos
Agnes Lang Scolforo
e artístico nacional
Caroline Maciel Lauar fotografias
SBN Quadra 2 Bloco F Edifício Central Brasília
Letícia von Krüger Pimentel Márcio Vianna
Cep: 70040-904 Brasília – DF
Lorenza Cosme Gomes
Telefones: (61) 3414.6176, 3414.6186, 3414.6199
Faxes: (61) 3414.6126 e 3414.6198 impressão
http://www.iphan.gov.br webmaster@iphan.gov.br Imprinta
Instrução técnica do processo de Registro Instituto Histórico e Geográfico página 4
do Ofício das Paneleiras de Goiabeiras do Espírito Santo detalhe da queima
Secretaria de Desenvolvimento da panela de barro.
equipe técnica iphan da Cidade - PMV foto: josé alberto
junior.
departamento do agradecimentos especiais
patrimônio imaterial Associação das Paneleiras de Goiabeiras página 8
Supervisão Associação Espírito-santense de Folclore aspecto do
Ana Cláudia Lima e Alves Berenícia Corrêa Nascimento manguezal junto
Carla da Costa Dias ao galpão da
apoio
Célia Maria Corsino associação das
Alessandra D’Aqui Velloso
Celso Perota paneleiras.
Cícero Ramos foto: josé alberto
Edinaldo Araújo Elizabeth Salgado
junior.
Linda Macedo Federação das Bandas de Congo
Marina Verne do Espírito Santo
Mônica Souza Guacira Waldeck
Rodrigo Castanheira Luiz Guilherme Santos Neves
Sheila Lemos Renato Pacheco in memoriam
Secretaria de Cultura de Vitória
21 a superintendência regional Secretaria de Estado da Cultura
Coordenação-geral
Carol Abreu apoio
Centro Nacional de Folclore
apoio e Cultura Popular
Elienne de Oliveira Machado 6ª Superintendência Regional - RJ
Gerson Dalfior Vidal EMA Vídeo
elaboração do texto STV Rede SescSenac de Televisão
Carol Abreu
fotografias
Márcio Vianna
fontes de pesquisa
Iphan:
Arquivo e Biblioteca
Aloísio Magalhães - Brasília
Arquivo Noronha Santos - RJ
Arquivo 21ª SR - Vitória
Centro Nacional de Folclore e
Cultura Popular - Biblioteca
Amadeo Amaral - RJ
Vitória - ES:
Arquivo Público Estadual
Biblioteca Central UFES
Biblioteca Estadual
SUMÁRIO
10 APRESENTAÇÃO SEM TORNO NEM FORNO 59 ANEXO 1 Referências
31 As matérias-primas documentais anexadas ao
INTRODUÇÃO 32 Os instrumentos de trabalho processo de registro
13 Ofício de paneleira 33 Os trabalhadores do ofício
35 As etapas de produção 60 ANEXO 2 Artesãos
HISTÓRIA E PRÉ-HISTÓRIA 37 As panelas cadastrados na Associação das
15 A herança das paneleiras Paneleiras de Goiabeiras
NA PANELA
O TERRITÓRIO DO OFÍCIO 39 Moquecas e torta capixaba 62 ANEXO 3 Processo de registro
19 A ocupação urbana da área de Patrimônio Imaterial
21 Goiabeiras, o lugar 42 O OFÍCIO COMO OBJETO
das paneleiras DE REGISTRO
23 O manguezal
24 O barreiro 46 O PLANO DE SALVAGUARDA
25 O galpão, vitrine do ofício
52 NOTAS
26 PANELEIRAS DE
GOIABEIRAS 54 BIBLIOGRAFIA
apresentação
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 11

página ao lado
“puxando” a panela.
foto: josé alberto
júnior.

abaixo
caldeirão, panela
e frigideira.
foto: márcio vianna.

E ste Dossiê 3 trata do primeiro


Registro de um bem cultural
concretizado pelo Iphan: o Ofício
O conhecimento assim
sistematizado e produzido
constituiu a instrução técnica
das Paneleiras de Goiabeiras. do processo de Registro
Com ele se inaugurou o Livro desse ofício, concluído em
de Registro dos Saberes e também dezembro de 2002.
o instrumento legal de Desde então, o trabalho e as
reconhecimento e preservação dos questões relativas à continuidade
bens culturais de natureza do Ofício das Paneleiras de
imaterial, criado em agosto Goiabeiras vêm sendo
de 2000. acompanhados pelo Iphan,
Se as tradicionais panelas de através da elaboração e
barro do Espírito Santo já eram, implantação do Plano de e seu universo estão apresentados,
em larga medida, conhecidas em Salvaguarda, que prevê o apoio acreditamos contribuir para o
vários pontos do país, o mesmo e o fomento a ações que reconhecimento desse patrimônio
não se podia dizer das paneleiras favoreçam a valorização das pela sociedade brasileira e
que as fabricam em Goiabeiras paneleiras e a manutenção para viabilizar as condições de
Velha, bairro de Vitória. das condições objetivas para sua permanência.
Para melhor conhecer e dar a a prática de sua atividade.
conhecer o saber e o fazer dessas Ao tornar públicos processos Luiz Fernando de Almeida
cidadãs brasileiras foi aplicada, e resultados do trabalho
pela primeira vez, a metodologia institucional, onde o modo
do Inventário Nacional de de fazer as tradicionais panelas de
Referências Culturais. barro capixabas e as paneleiras
introdução
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 13

página ao lado
colocando a
“orelha” na panela.
foto: márcio vianna.

abaixo
eonetes fernandes
ofício de dos santos
paneleira modelando a borda
da panela. foto:
márcio vianna.

A fabricação artesanal de panelas


de barro é o ofício das
paneleiras de Goiabeiras, bairro
nucleares, muitas das quais
aparentadas entre si. Envolve
um número crescente de
de Vitória, capital do Espírito executantes, atraídos pela demanda
Santo. A atividade, eminentemente do produto, promovido pela
feminina, constitui um saber indústria turística1 como
repassado de mãe para filha por elemento essencial do “prato
gerações sucessivas, no âmbito típico capixaba”.
familiar e comunitário. A técnica De fato, no Espírito Santo as
cerâmica utilizada é de origem panelas de barro são o recipiente
indígena, caracterizada por indissociável de moquecas de peixe
modelagem manual, queima e outros frutos do mar, como
a céu aberto e aplicação de também da torta capixaba, sagrada
tintura de tanino. iguaria tradicionalmente
Apesar da urbanização e do consumida na Semana Santa.
adensamento populacional que Ícones da identidade cultural
envolveu o bairro de Goiabeiras, capixaba, a torta, as moquecas e
fazer panelas de barro continua as panelas de barro ganharam
sendo um ofício familiar, o mundo e configuram, na
doméstico e profundamente literatura gastronômica,
enraizado no cotidiano e no “a mais brasileira das cozinhas”,
modo de ser da comunidade de por reunirem e mesclarem
Goiabeiras Velha. É o meio elementos das culturas indígena,
de vida de mais de 120 famílias portuguesa e africana.
História
e pré-história
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 15

página ao lado
amassando o barro.
foto: josé alberto
júnior.

abaixo
cecília de jesus
a herança das santos açoitando
paneleiras a panela. foto:
márcio vianna.

O processo de produção das


panelas de Goiabeiras conserva
todas as características essenciais
que a identificam com a prática dos
grupos nativos das Américas, antes
da chegada de europeus e africanos.
As panelas continuam sendo
modeladas manualmente, com
argila sempre da mesma
procedência e com o auxílio de
ferramentas rudimentares.
Depois de secas ao sol, são polidas,
queimadas a céu aberto e arqueológicos como legado cultural 1815 e fez a primeira referência a
impermeabilizadas com tintura de Tupi-guarani e Una2, com maior essas panelas, descritas como
tanino, quando ainda quentes. Sua número de elementos identificados “caldeira de terracota, de orla
simetria, a qualidade de seu com os desse último. O saber foi muito baixa e fundo muito raso”,
acabamento e sua eficiência como apropriado dos índios por colonos utilizadas para torrar farinha e
artefato devem-se às peculiaridades e descendentes de escravos fabricadas “num lugar chamado
do barro utilizado e ao africanos que vieram a ocupar a Goiabeiras, próximo da capital do
conhecimento técnico e habilidade margem do manguezal, território Espírito Santo”.3
das paneleiras, praticantes desse historicamente identificado como Goiabeiras é, portanto, o
saber há várias gerações. um local onde se produziam lugar onde esse ofício de fabricar
A técnica cerâmica utilizada é panelas de barro. O naturalista panelas ocorre por tradição.
reconhecida por estudos Saint-Hilaire visitou a região em Ali, foram encontrados sítios
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 16

modelando a panela
com a cuia. foto:
josé alberto júnior.
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 17

material de sítio
arqueológico na
área do aeroporto.
foto: christiane
lopes machado.

arqueológicos cerâmicos, O consumo permanente e


remanescentes da ocupação reiterado das moquecas e da torta
indígena, no alto da pequena da Semana Santa, valorizado
elevação conhecida como Morro pelos capixabas como uma
Boa Vista e nas proximidades do referência na formação de sua
aeroporto de Goiabeiras. Ainda identidade cultural, é
que Saint-Hilaire não tenha provavelmente uma das principais
mencionado as frigideiras de razões da continuidade histórica
moqueca, provavelmente na da fabricação artesanal das
época de sua passagem já se faziam panelas de barro, apesar das
panelas para cozinhar frutos do notáveis transformações urbanas
mar, pois este é o alimento ocorridas. A cidade cresceu e
primordial e preponderante coleta de frutos do mar alcançou Goiabeiras, que se
dos nativos da região desde persistem entre nós com transformou em um bairro
tempos pré-históricos. Segundo força imorredoura. Constituem, urbanizado de Vitória. Mas ali
informam os estudiosos da ainda hoje, cenas diárias nas continuam sendo feitas, como
culinária e da identidade local, praias, manguezais e pedras do sempre, as panelas pretas.
“Os sambaquis, que o proto- litoral [do Estado]”.4 Vestígios Enquanto a cidade crescia,
capixaba deixou, em diversos desses sambaquis, compostos as paneleiras iam progressivamente
pontos do litoral do Espírito de grande quantidade de lascas se profissionalizando e fazendo
Santo, (...) são, em sua essência, de quartzo e de conchas de ostras, do seu ofício a mais visível
um amontoado de conchas foram identificados em 2005, atividade cultural e econômica
partidas e de cascas de moluscos... durante a construção da nova do lugar.
Esses processos milenares de pista do aeroporto.
o território do ofício
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 19

vista do manguezal
com bairros de
vitória ao fundo.
foto tomada do
alto de goiabeiras
velha. foto:
márcio vianna.
a ocupação
urbana da área

O ofício das paneleiras é uma


atividade econômica
culturalmente enraizada na
localidade conhecida como
Goiabeiras Velha, situada na parte
continental norte do Município
de Vitória, à beira do canal que
banha o manguezal e circunda
a Ilha. O grande projeto de
modernização urbana da capital,
promovido nos anos 1970,
confinou Goiabeiras Velha
entre a via expressa de acesso O antigo distrito de Goiabeiras Goiabeiras, seguida da instalação
ao Aeroporto e o mangue, esteve relativamente fora do dos grandes empreendimentos da
resguardando-a como reduto de processo de urbanização da capital indústria siderúrgica na Ponta do
ocupação antiga, de configuração até o final da década de 1960, Tubarão. Alcançado e seccionado
familiar, onde reside a maioria quando foram implantados o por novas avenidas, o distrito se
das famílias de paneleiras. campus da Universidade Federal do subdividiu em bairros que foram
Os quintais de pais e avós são Espírito Santo, o primeiro sendo ocupados rapidamente,
hoje repartidos com as novas conjunto habitacional do então conquistando terreno através de
famílias de filhos e netos, Banco Nacional de Habitação – aterros e desmatamentos, o que
e em grande parte também BNH e as correspondentes vias de produziu alterações significativas
ocupados com a fabricação acesso. Foi também dessa época a nas relações dos antigos ocupantes
das panelas de barro. ampliação do Aeroporto de com o seu meio ambiente.
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 20

prefeitura municipal de vitória

Até então, o manguezal nativo o manguezal, depois de goiabeiras velha


era a principal fonte de vencido um pequeno trecho a manguezal
alimentação – pescado e coleta de pé. Apesar das transformações, canal do mangue
ostras e caranguejos – e o caminho a relação da comunidade de galpão da associação
de acesso dos moradores de Goiabeiras com o manguezal das paneleiras
Goiabeiras ao trabalho e ao se preservou, em alguma
mercado. Para as paneleiras, medida, especialmente quanto
também significava o provimento ao provimento do tanino.
da casca de mangue-vermelho O acesso ao barreiro, fonte da
e o caminho até o barreiro – principal matéria-prima das
como elas chamam a jazida de panelas de Goiabeiras, passou
barro situada no Vale do Mulembá a ser feito pela Ponte da
–, onde se chegava de canoa Passagem e pela rodovia
pelos braços de mar que margeiam perimetral da Ilha.
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 21

à direita
sinalização do
acesso ao galpão
das paneleiras de
goiabeiras. foto:
márcio vianna.
goiabeiras,
abaixo, à direita
folia de reis de
o lugar
goiabeiras velha. das paneleiras
foto: álvaro abreu.

A ssentadas em Goiabeiras
Velha, nas relações familiares
e de vizinhança, as paneleiras
executam seu ofício nos quintais
e no galpão da associação.
Os espaços/tempos de morar e
trabalhar se confundem: cada
casa é uma oficina, onde o fazer
panelas de barro convive com
os afazeres domésticos cotidianos
e com a criação dos filhos e
netos, nos momentos de festa,
de perdas, de fé. Em casa como
no Galpão, é usual a presença
de crianças participando das
atividades, tanto modelando
a argila em pequenos formatos,
como trabalhando no
alisamento das panelas.
Assim, de brincadeira, vai-se
partilhando a vida e
aprendendo o ofício, atividade
primeira de muitos dos que
moram ali.
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 22

melquíades alves presença das bandas


corrêa da vitória de congo na festa
rodrigues e sua em defesa do
netinha assucena barreiro. foto:
vitória santana márcio vianna.
da rosa fazendo
panelas. foto:
cacá lima.

A maioria das paneleiras


continua trabalhando em casa,
levando suas panelas para serem
queimadas na área externa do
Galpão, onde trabalham cerca
de 30 paneleiras e mais um
número equivalente de auxiliares.
Mas nem só de fazer e vender
panelas vivem as paneleiras e a
comunidade de Goiabeiras Velha.
Lugar de brincadeira, reza e
benzeção, o bairro também é
conhecido pela Banda de Congo 5 Congo de Goiabeiras
Panela de Barro, pela Folia de Congo de devoção
Reis Goiabeiras Velha e pelo Congo da União, ê, a
Boi Estrela – que enchem as ruas Valha-me São Benedito
de música e alegria com seus E a virgem da Conceição
ensaios e apresentações. Samba criolo
Deixa sambá
Panela de Barro
Acabou de chegar
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 23

ao lado e abaixo
fotos: márcio vianna.

o manguezal

A Rua e o Galpão das Paneleiras


dão acesso ao manguezal,
que continua sendo fonte de
especializaram em extrair do
manguezal. Cada casqueiro
extrai em média 15 latas de
conforme orientação de manejo
da Secretaria do Meio Ambiente
e da Universidade Federal
pescado, de caranguejo e mariscos casca por dia, vendida socada do Espírito Santo.
para os moradores da localidade, ou inteira.
além de lazer para as crianças, Em favor da preservação do
que costumam nadar nas águas ecossistema e da sustentabilidade
do canal. Na beira do Galpão, econômica da atividade,
os casqueiros encostam suas canoas atualmente a coleta tem se
para entregar às paneleiras a limitado a uma parcela do anel
casca do mangue-vermelho, da casca, de modo a permitir
que esses trabalhadores se a recomposição da espécie,
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 24

ronaldo corrêa
extraindo o
barro no vale do
mulembá. foto:
márcio vianna.

página ao lado
vista interna
do galpão da
associação das
paneleiras de
goiabeiras. foto:
márcio vianna.

continua sendo franqueado às do conseqüente comprometimento


paneleiras pela Companhia com a preservação do barreiro.
Espírito-Santense de Saneamento Nesse contexto, vem se trabalhando
– Cesan. As paneleiras com as paneleiras a idéia de que
podem extraí-lo diretamente o barro é um recurso natural
o barreiro ou comprá-lo de tiradores não renovável. Elas partilham a
que o trazem de caminhão até crença de que “o barro não acaba”,
Goiabeiras. No entanto, explicando: “se a argila do
para garantir a continuidade barreiro vem sendo usada desde
de acesso à matéria-prima, muito antes das nossas bisavós e
nesses últimos anos, as paneleiras nunca se acabou, nossas filhas,
tiveram que regularizar a netas e bisnetas vão tirar o barro

A argila utilizada na fabricação


das panelas de Goiabeiras
é extraída da jazida existente no
exploração do barreiro,
submetendo-se às legislações
ambiental e mineral para obter
dali pra sempre”. Confrontadas
a dados técnicos sobre o
esgotamento do barreiro nos
Vale do Mulembá, próximo ao a correspondente licença de próximos 18 anos, as paneleiras
atual bairro Joana D’Arc. A área extração da argila. estão se conscientizando da
da jazida pertence ao Estado O aumento da demanda pelas necessidade de racionalizar a
do Espírito Santo, que a panelas e o reconhecimento de exploração da jazida e de
desapropriou para ali instalar sua atividade como Patrimônio buscar fontes alternativas dessa
uma Estação de Tratamento de Cultural do Brasil têm provocado matéria-prima.
Esgoto – ETE. O funcionamento uma mudança de atitude
da Estação não impediu a das paneleiras com relação à
exploração do barro, que sustentabilidade do seu ofício e
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 25

o galpão,
vitrine do
ofício

I mplantado pela Prefeitura em


1987, na beira do manguezal, o
Galpão da Associação foi uma
matérias-primas e abrigar as
mesas de trabalho para a
modelagem, secagem e polimento
pelas paneleiras, nos próprios locais
de produção. Podem ser adquiridas
por atacado ou no varejo, por
conquista importante para a das panelas, e os depósitos e encomenda ou para pronta entrega,
valorização do ofício e organização bancadas para os produtos prontos. no Galpão ou em suas casas.
da categoria. Muito mais que um No terreiro ao lado do Galpão, Há alguns poucos intermediários
ponto de produção e venda das na margem do manguezal, é feita em pontos de comercialização fora
panelas por um pequeno grupo de a queima das panelas. de Goiabeiras Velha. Os principais
artesãs, visto que o espaço só Atualmente trabalham ali cerca estão no mercado da Vila Rubim,
acomoda cerca de 30 paneleiras de de 60 pessoas entre paneleiras e no Centro de Vitória; numa rede
um universo de quase 120, o Galpão ajudantes, em condições precárias, regional de supermercados; na loja
passou a representar o lugar do no espaço que se tornou de um artesão, onde também
ofício, dando visibilidade à categoria insuficiente para o número de trabalham quatro paneleiras, na
profissional de seus executantes. trabalhadores em atividade, para a avenida de acesso ao Aeroporto de
Situado à Rua das Paneleiras quantidade de panelas prontas em Goiabeiras; e no próprio aeroporto.
n° 55, na margem do manguezal, exposição e para os visitantes que O mercado consumidor consiste de
o atual Galpão da Associação das recebe. O Galpão é muito restaurantes, hotéis, lojas, feiras,
Paneleiras foi inaugurado em 1991. procurado por consumidores e supermercados, turistas e moradores
Foi construído pela Prefeitura, turistas, cujo fluxo vem aumentando da Grande Vitória. Engradados de
para substituir o primeiro que era significativamente com a valorização panelas de barro saem do Galpão de
constantemente alagado com a do ofício e com o estímulo à Goiabeiras direto para os mercados
subida da maré. Tem uma área visitação do lugar. locais, regionais e de outros Estados
coberta de 432m2, projetada As panelas de Goiabeiras são brasileiros, notadamente do Sul e
para guardar e preparar as geralmente vendidas diretamente do Centro-Oeste.
paneleiras de goiabeiras
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 27

grupo de paneleiras
que trabalham
no galpão da
associação. foto:
josé alberto júnior.

H abilidosas, trabalhadeiras,
orgulhosas de seu saber,
vaidosas de seu fazer, essas são as
básica para a continuidade da
sua produção artesanal e
sobrevivência econômica das suas
a categoria na defesa de seus
interesses e das condições objetivas
de permanência do ofício. À época
Paneleiras de Goiabeiras. Mulheres famílias. Progressivamente as foram priorizadas a preservação do
entre 15 e 88 anos de idade, muitas paneleiras têm se apropriado do barreiro e a construção do galpão,
delas pertencem às famílias mais significado cultural, econômico e destinado a abrigar as atividades de
antigas envolvidas com o ofício, político do seu produto para a produção e venda das paneleiras
seja por laços de parentesco, seja cidade, para o estado e para o país, que já não dispunham de espaço
pelo casamento. Seus sobrenomes buscando sua organização e em seus quintais.
são: Lucidato, Corrêa, da Victória, atraindo a atuação de entidades A Associação tem sido o
Alves, Ribeiro, Gomes, Fernandes, públicas e privadas em favor principal canal de negociação
Barbosa e Rodrigues. A estas se de sua atividade. das paneleiras junto ao poder
juntam as de sobrenome Salles, dos Para enfrentar a ameaça público e à iniciativa privada, na
Santos, de Moura, da Silva, implícita no projeto de construção busca de apoio para a fabricação e
Ferreira, Siqueira, Alvarenga, de uma estação de tratamento de promoção de seus produtos.
Nascimento, Dias, Rosa, entre esgoto na área do barreiro, as Por meio de sua Associação,
outras. São filhas, netas, bisnetas, paneleiras criaram uma associação. as paneleiras têm conseguido
mães, avós, sobrinhas, cunhadas ou Em 25 de março de 1987, por conquistar patrocinadores,
vizinhas de paneleiras. iniciativa de liderança política local material promocional e novos
Como grupo de ofício, uma e com o apoio da Prefeitura espaços de apresentação e venda
das principais bandeiras de luta Municipal, cinco paneleiras para seus produtos, como as
das Paneleiras de Goiabeiras fundaram a Associação das feiras de artesanato no Espírito
tem sido o direito de acesso à Paneleiras de Goiabeiras – APG, Santo, em outros estados
fonte de matéria-prima, condição entidade constituída para proteger brasileiros e no exterior.
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 28

abaixo
foto: josé
alberto júnior.

Entre março e maio de 2001, como ofício de paneleira, como


durante a realização das pesquisas também escrita nas placas da Rua e
do Inventário de Referências da Associação das Paneleiras. Disso
Culturais em Goiabeiras6, havia não há contestação nem mesmo
55 paneleiras inscritas no cadastro pelos homens que executam o
da APG, sendo que levantamentos ofício de paneleira no Galpão, os
documentais indicavam a quais se autodenominam artesãos.
existência de 102 paneleiras Como evento promocional de
associadas em 19997. O cadastro seu ofício e de seus produtos,
realizado em abril de 2006 destaca-se a Feira Anual das
registra 118 paneleiras associadas, Paneleiras de Goiabeiras, realizada
demonstrando a retomada em desde 1987 pela Associação das
sua mobilização. Paneleiras, com o incentivo da
Constatou-se também, na Associação Espírito-Santense de
pesquisa, a participação crescente Folclore e o apoio financeiro
de homens na modelagem ou do governo estadual e da
puxada da panela: das 55 paneleiras Prefeitura Municipal de Vitória.
cadastradas em 2001, 48 eram Durante os quatro dias da feira,
mulheres e sete eram homens. elas vendem as panelas, cozinham
Apesar da presença masculina, e servem moquecas, em meio
fazer panelas de barro é a apresentações de cantores
definitivamente uma atividade populares e bandas de congo.
associada ao gênero feminino, Cada vez mais, as paneleiras
inscrita nas representações sociais participam e vendem suas panelas
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 29

rejane corrêa
loureiro “puxando”
a panela e tirando
as impurezas
com a cuia
e a faca. foto:
márcio vianna.

em eventos e feiras de artesanato


em diversos pontos do país.
A procura crescente pelo produto
vem estimulando sua imitação
por técnicas que incluem o
emprego do torno e do forno,
o que aumenta o ritmo da
produção e barateia o preço final
do produto concorrente.
Embora se assemelhe na cor e
na forma às panelas de
Goiabeiras, essas outras não
oferecem a mesma resistência
daquelas ao impacto e à
temperatura, nem carregam
a identidade e o selo da tradição.
Fotografadas, filmadas,
gravadas, entrevistadas, convidadas
para expor suas habilidades em
feiras, escolas, shoppings e museus,
as paneleiras de Goiabeiras
são as legítimas porta-vozes
desse patrimônio cultural
brasileiro.
sem torno nem forno
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 31

ao lado
secagem das cascas
de mangue-vermelho.
foto: josé alberto
júnior.

abaixo
bolas de barro no as matérias-
barreiro. foto: josé
alberto júnior.
primas
página ao lado
foto: josé alberto
júnior.

A s matérias-primas
tradicionalmente empregadas
no processo de produção das
panelas estourem na fogueira.
De fato, a composição do barro
condiciona não só o modo de
panelas são provenientes do meio fazer e o aspecto das panelas,
natural. A argila é tirada de como também a propriedade de
barreiro situado no Vale do conservar o calor dos alimentos
Mulembá, na Ilha de Vitória, mesmo depois do seu cozimento.
e a casca de mangue-vermelho8, As moquecas são servidas
da qual é feita a tintura de borbulhando e assim se mantêm
tanino, é coletada diretamente por vários minutos depois de
do manguezal, à beira do qual a retiradas do fogo.
localidade de Goiabeiras Para obter o tanino que tinge
se desenvolveu. Da mesma 13% de areia fina, 13% de areia as panelas, o casqueiro, sempre
forma, dois dos principais média e 8% de areia grossa. na maré baixa, entra no manguezal
instrumentos do ofício – a cuia e É essa composição que condiciona com sua canoa, escolhe uma
a vassourinha de muxinga – são o modo de fazer9 – sem torno, árvore e bate na casca até soltá-la
feitos a partir de espécies vegetais nem forno – e dota o produto de do tronco. Depois de socadas,
encontradas na região. uma série de atributos, como a as cascas do mangue-vermelho
Comparativamente a outras, menor ocorrência de rachaduras são maceradas e postas
a argila do Vale do Mulembá é e a maior rapidez no processo de molho na água por alguns
bastante arenosa. Análises da de secagem, o aquecimento em dias, transformando-se na
granulometria do barro indicaram tempo relativamente mais curto tintura de tanino que é
a seguinte composição média: e a boa resistência ao fogo de aplicada nas panelas após a
40% de argila, 26% de silte, 600°C, o que não deixa que as sua queima.
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 32

ao lado
tirando a panela da
fogueira com a pinça.
foto: josé alberto
júnior.
os abaixo
instrumentos modelando a panela
com a cuia. foto:
de trabalho márcio vianna.

embaixo
muxinga para vassourinha
de açoitar. foto:
márcio vianna.

D ois dos principais


instrumentos do ofício –
a cuia e a vassourinha de muxinga –
das peças depois de secas. A pinça
ou vara com ganchos, instrumento
feito de galho comprido com dois
são feitos a partir de espécies ganchos (garras) em uma das
vegetais encontradas na região. extremidades, é usada para
A cuia é feita de um pedaço retirar a panela ainda quente
de cuité recortado e lixado. da queima e colocá-la para ser
Trata-se de fruto semelhante à açoitada. A vassourinha feita
cabaça, comprado em feiras ou com galhos de muxinga, planta
proveniente de árvores dos rasteira nativa, resistente ao
quintais da região. É usado calor e ao impacto, é usada para
para dar a forma curva à panela, bater a tintura.
abrindo e puxando a massa de
argila e definindo a sua espessura.
O arco é parte de aro ou chapa
metálica, desgastado em curva,
usado para tirar o excesso de
barro da superfície e dar o
acabamento na panela. A faca de
metal é usada para a retirada
de impurezas (pedrinhas, folhas
e raízes). A pedra – seixo rolado –
é usada para alisar e polir as
superfícies internas e externas
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 33

abaixo
extração do
barro no vale do
mulembá. foto:
márcio vianna.
os
trabalhadores
do ofício

A produção das panelas de barro


de Goiabeiras compreende
inúmeras atividades, praticadas em
várias etapas. Todas elas são de
pleno domínio das mestras do
ofício, que até pouco tempo as
realizavam diretamente. Hoje são
desempenhadas por diferentes
executantes, ficando o trabalho
de coleta e transporte das matérias-
primas mais freqüentemente a
cargo dos homens. Sobre esses
diferentes trabalhadores, constam até aproximadamente 1 metro de de barro costuma fazer de 140 a 150
do Inventário de Referências profundidade. O barro é então bolas de barro por dia.
Culturais do Ofício das molhado, pisado e dividido em
Paneleiras as seguintes descrições, bolas, com cerca de 15 kg cada. As Casqueiro
pela ordem das etapas que bolas são transportadas em Casqueiro é o coletor da casca
executam no processo: caminhões até o local de trabalho, do mangue-vermelho, espécie
galpão ou quintal, onde são nativa do manguezal que, portanto,
Tirador de barro vendidas. A extração é uma atividade só é alcançada de canoa.
Na jazida no Vale do Mulembá, o predominantemente masculina, O casqueiro vai batendo na árvore
tirador experimenta o barro com os quase sempre remunerada, quando com um porrete até que a casca
dedos para ver se está bom, então não é executada por familiares ou se solte. Leva saco e lata para
escava e retira o barro com a enxada pela própria paneleira. Um tirador carregá-la; traz a casca de canoa
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 34

palmira rosa de
siqueira alisando
a panela. foto:
márcio vianna.

abaixo
carlos barbosa dos
santos tirando a
panela da fogueira.
foto: márcio
vianna.

até Goiabeiras, onde vende para as oficio às gerações descendentes, aos


paneleiras, a preços que variam de vizinhos interessados e, desde os
quatro a cinco reais a lata. anos 1990, a alunos das escolas
Atualmente, quatro trabalhadores municipais, convidadas pela
executam essa atividade. Prefeitura de Vitória.

Escolhedor de barro Alisadora


No galpão das paneleiras, o A alisadora realiza o polimento da
escolhedor faz a limpeza do barro, panela depois de seca e antes da
pisando as bolas, molhando e queima, utilizando uma pedra de
retirando as impurezas. rio – seixo rolado – para alisar a
Geralmente parentes homens superfície interna e externa das
ou auxiliares pagos realizam essa mestres do ofício. As paneleiras e peças. A tarefa é geralmente
tarefa para as paneleiras. os artesãos da Associação conhecem executada por parentas ou vizinhas
as respectivas matérias-primas e das paneleiras, mediante pagamento.
Paneleira procedimentos técnicos e executam,
Mestra do oficio, a paneleira particularmente, a modelagem da Tirador de panela
domina todas as etapas do processo panela com as mãos e depois com a Após a queima, este auxiliar retira
de produção. Apesar de ser uma cuia. Alguns deles têm auxiliares a panela em brasa da fogueira
atividade tradicionalmente para realizar as primeiras e últimas com a pinça – vara comprida com
feminina, há uma crescente etapas – a retirada e escolha do dois ganchos (garras) na ponta –
participação de artesãos ceramistas barro, o alisamento, a queima e o e a deposita junto à paneleira
que, associados ao grupo de açoite da panela. As paneleiras são para que seja açoitada com a
paneleiras, integram a categoria de as responsáveis pela transmissão do tintura de tanino.
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 35

“puxando” a panela.
foto: josé alberto
júnior.

as etapas
de produção

A modelagem manual, o
alisamento, a secagem,
a queima e a aplicação de tintura
são retiradas as impurezas e com o
arco, os excessos de argila.
As alças das tampas e as orelhas
de tanino marcam as etapas de das panelas - pequenas pegas presas
produção das panelas de barro à borda - são feitas com roletes de
de Goiabeiras, explicitadas barro e fixadas com os dedos. As
adiante, no processo do fazer. paneleiras utilizam água para colar
as orelhas e dar acabamento às
Processando o barro panelas. Isto feito, as panelas são
O preparo do barro para a postas novamente para secar até o
fabricação das panelas é feito dia seguinte, quando será
em duas etapas principais: a da trabalhado o fundo. Na modelagem
extração e a da escolha. A primeira em massa com boa plasticidade do fundo, a panela é retirada da
implica, além dos trâmites de para a modelagem. tábua e virada; o fundo chato é
licenciamento para a lavra da arredondado pela remoção dos
argila, o reconhecimento do barro A modelagem excessos com o arco; a superfície
bom a ser extraído, sua retirada O barro escolhido é colocado sobre externa é alisada com a faca, utilizada
com a enxada e a confecção das uma tábua. As paneleiras executam na limpeza e acabamento da peça.
bolas, formato em que o material a puxada do barro com as mãos e
é transportado e vendido às depois com a cuia. A forma é dada O alisamento
paneleiras. A escolha do barro com as mãos, puxando e levantando As panelas e as tampas, depois de
implica uma primeira limpeza, o bojo, definindo a concavidade e secas e antes da queima, são polidas
sua mistura com água e pisoteio, a espessura com a cuia e modelando pelo atrito de seixos rolados (pedra
de modo a transformá-lo a borda com as mãos. Com a faca de rio) interna e externamente.
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 36

“cama” de lenha
para a queima. foto:
josé alberto júnior.

abaixo
açoitando a panela
com a vassourinha
embebida na tintura
de tanino. foto:
josé alberto júnior.

das panelas. Após a queima,


as panelas são retiradas do fogo
com uma vara com dois ganchos
na ponta. A atividade exige
força, destreza e precisão de
movimentos, para evitar que
as panelas se quebrem ou
que as paneleiras se queimem.

O açoite
Esta é a fase da impermeabilização
e pigmentação da panela
Esta etapa pode ser realizada por A queima com tintura de tanino, tirada
auxiliares especializadas, As panelas secas são dispostas da casca do mangue-vermelho,
geralmente mulheres, a céu aberto, emborcadas e aplicada com a vassourinha
remuneradas ou não, parentas apoiadas umas nas outras, de muxinga sobre as peças em
ou vizinhas. São as alisadoras. embaixo as maiores, em uma brasa, assim que retiradas
“cama” de ripas e tábuas de do fogo. Confere às panelas
A secagem madeira (sobras de construção) de Goiabeiras sua característica
Etapa em que as tampas e as panelas e cobertas com lenha seca. coloração preta e age
já polidas são dispostas para secar A fogueira atinge em torno como selante.
no interior do Galpão, ou de 600ºC, sendo mantida por
eventualmente ao sol, enquanto aproximadamente 30 minutos,
aguardam para serem queimadas. variando conforme o tamanho
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 37

abaixo
panelas tradicionais.
foto: josé alberto júnior.

embaixo
outros formatos.
foto: márcio vianna.
as panelas

técnica, pouco variando no de marisco, galinhada e outros


diâmetro, altura e formato. pratos com caldo. Como porta-
No universo pesquisado em 2001, vozes da cultura capixaba, e
a produção média era de 14 panelas formadoras de opinião, as
com tampa por dia, por cada paneleiras dizem que se “pode
paneleira, e a média de panelas cozinhar qualquer coisa na panela
produzidas por semana, pelo de barro, mas peixe e marisco só
conjunto das 49 paneleiras podem ser na panela de barro”.
entrevistadas chegava a 3.400 As panelas são feitas de diferentes
peças. Dados de abril de 2006 tamanhos e alturas, com e sem
mostram que, com a intensiva tampa. São feitas também assadeiras,
participação dos auxiliares, travessas e outros formatos sob

A s panelas de barro de
Goiabeiras tornaram-se
conhecidas no país como as panelas
chegou-se a uma média de 30
panelas por paneleira, indo a 600
o número de panelas produzidas
encomenda. As paneleiras gostam
de vender a panela casada, isto é,
duas panelas conjugadas, sendo
de barro do Espírito Santo, por dia no Galpão. a menor dentro da maior – mãe
constituindo um souvenir dos mais O formato frigideira é o mais e filha. Constata-se o emprego da
procurados. O principal produto vendido para os restaurantes, nos técnica em crescente variedade de
é a tradicional frigideira circular tamanhos para duas e quatro panelas com outras formas –
com tampa de alça, onde são pessoas, com diâmetros entre 22 e miniaturas, ovais, com elementos
preparadas e servidas a moqueca e 28 cm respectivamente. A panela decorativos – além de outros
a torta capixaba, pratos típicos da mais alta é o caldeirão, utilizado objetos utilitários e ornamentais
culinária regional. Todas são feitas para sopa ou feijão. A de altura como jarros, fruteiras, formas
com o mesmo material e a mesma média é usada para o pirão, o arroz de pizza, cinzeiros e cofres.
na panela
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 39

árvore de urucum.
foto: tadeu veiga.

página ao lado
moqueca, arroz e pirão.
foto: humberto capai /
www.usinadeimagem.com.br
moquecas e
torta capixaba

C apixaba que se preza só cozinha


peixe em panela de barro.
Feita por paneleira de Goiabeiras.
que se está cozinhando, ao
contrário do que ensinam as
paneleiras – e aí se deitam as postas
A moqueca capixaba é prato de peixe e, sobre elas, um
cozido à base de peixe ou frutos do pouquinho de sal, um pouco de
mar, caracterizado pelos seguintes caldo de limão, um fio de azeite
temperos: tomate, cebola, alho, doce colorido com a tinta que as
coentro, azeite, limão e tintura sementes de urucum soltaram no
de urucum, que lhe dá a cor azeite quente. E aí tem segredo e
característica. Come-se magia, das grandes. Se não souber
acompanhada de pirão e arroz. fazer, a cor evapora, explodindo
Receita da cozinha doméstica, numa nuvem vermelha que
trivialmente consumida em desaparece no ar.
família, é servida às visitas e Na panela vão se repetindo as
como especialidade de inúmeros camadas, duas ou três no máximo:
restaurantes, em todo o tomate, cebola, o peixe, os
Espírito Santo. temperos, o azeite de urucum.
A panela vai ao fogo com azeite, Nada de água, que não se põe água
um cisco de alho socado, cebola em moqueca. Depois de tudo,
bem picadinha. Mexe de cá e de lá, coloca-se a tampa e leva-se a
e vai se fazendo uma cama de cozinhar no fogo baixo, cuidando
tomate e cebolinha, mais cebola, para não deixar agarrar no fundo.
uns ramos de coentro – pouco, Esse é outro segredo que ninguém
que não é moqueca de coentro ensina: de vez em quando é preciso
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 40

torta capixaba com


seus ingredientes.
foto: humberto capai /
www.usinadeimagem.com.br
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 41

frigideira com
tampa. foto: josé
alberto júnior.

segurar a panela pelas bordas, côa o caldo e leva-se ao fogo para tradicionalmente usado na receita
levantá-la do fogo e dar uma engrossar, com farinha de era o da palmeira jussara, planta em
mexidinha, para soltar do fundo. mandioca, mexendo sempre que extinção, nativa da Mata Atlântica,
Esse modo de fazer aplica-se é para não embolar. cujo corte está proibido pelos
a qualquer moqueca de frutos do A torta capixaba ou torta da órgãos de proteção ambiental. Vem
mar – mexilhão (que para os Semana Santa é prato de forno, sendo gradativamente substituído
capixabas é sururu), carne de siri, feito a partir de várias moquecas pelo das espécies cultivadas açaí,
camarão, lagosta, ostra e por aí vai. reunidas ou do refogado de mariscos coco, pupunha e pelo palmito
Sem esquecer a moqueca de banana variados, geralmente sururu, indaiá, também nativo e de corte
da terra – que no Espírito Santo é camarão, polvo, lula, siri, controlado. Nessa época do ano
um produto de altíssima qualidade, caranguejo, mais peixe fresco e é trazido em enorme quantidade
sempre muito doce. É invenção das bacalhau cozidos e desfiados, para a cidade, transformando as
últimas décadas, que funciona palmito e azeitonas. Essa torta não áreas livres em grandes feiras do
muito bem como acompanhamento tem massa, é puro recheio. Na produto. Em virtude do apelo
das outras moquecas. verdade, é uma grande fritada: os turístico, a torta capixaba tem sido
Para o capixaba, moqueca de ovos batidos são jogados por cima oferecida em cardápio diário de
peixe tem que ser acompanhada da mistura de moquecas, enfeitados restaurantes de todos os tipos
por pirão de farinha de mandioca. com rodelas de cebola e azeitonas e faixas de preço.
Prefere-se fazer pirão de cabeça de no meio. E assim vai ao forno, para
peixe com todos os temperos da assar. Receita apropriada pela
moqueca, antes mencionados, cozinha doméstica, é preparada
porém um pouco reforçados, especialmente na Semana Santa,
porque o pirão leva água. A cabeça quando é servida em reuniões de
cozinha até desmanchar. Depois se família e da vizinhança. O palmito
o ofício
como objeto
de registro
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 43

panelas à venda.
foto: márcio
vianna.

página ao lado
raspando e
arredondando o
fundo da panela
com a faca. foto:
márcio vianna.

E m março de 2001, a Associação


das Paneleiras de Goiabeiras
apresentou ao Presidente do Iphan
Na mesma época, o Conselho
Consultivo do Patrimônio
Cultural, do Iphan, ao qual
o pedido de Registro do Oficio compete deliberar sobre os bens
das Paneleiras. A demanda pelo culturais a serem registrados,
reconhecimento das panelas de considerando ser este um
Goiabeiras e do seu modo de fazer, instrumento novo, de aplicação
já consagrado como ícone da pioneira, recomendou a realização
identidade cultural do Espírito de experiências-piloto, visando a
Santo, se expressava agora como testar os procedimentos
reivindicação de um bem cultural administrativos de tramitação dos
a ser inscrito no repertório do processos e os procedimentos
patrimônio cultural brasileiro. de Referências Culturais – INRC técnicos para identificação e
Desde 1999 esta demanda vinha e o Registro de Bens Culturais de documentação dos bens culturais,
sendo apresentada ao Iphan, Natureza Imaterial, pelo Decreto nas quatro categorias –
em forma de consultas, pelo nº 3.551, em agosto de 2000, a Celebrações, Formas de Expressão,
Conselho Estadual de Cultura e então 6ª Sub-regional10 do Iphan Saberes e Lugares. Após a
pela Secretaria de Cultura do deu início ao projeto de apresentação do pedido de Registro
Município de Vitória, que levantamento e sistematização de do Ofício pela Associação das
pretendiam a proteção legal das conhecimentos sobre a produção Paneleiras de Goiabeiras e a
panelas e das paneleiras. das panelas de barro de Goiabeiras, Secretaria Municipal de Cultura de
Assim que foram instituídos tendo em vista a abertura e Vitória, este passou a ser um dos
os novos instrumentos de instrução técnica do processo de projetos-piloto que o Iphan
preservação, o Inventário Nacional Registro do Ofício das Paneleiras. executou diretamente. O processo,
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 44

luci barbosa salles


alisando a panela
com a pedra. foto:
márcio vianna.
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 45

ateando fogo
à lenha sobre
a “cama”.
foto: márcio
vianna.

aberto em 26/03/2001, recebeu


o nº 01450.000672/2002-50.
A reunião e a sistematização
das informações sobre o ofício das
Paneleiras de Goiabeiras, que
compõem o processo e a descrição
aqui apresentada, foram realizadas
por meio do INRC, aplicado
sob a supervisão do antigo
Departamento de Identificação
e Documentação, atual
Departamento do Patrimônio
Imaterial -DPI. A metodologia referências documentais, do Ofício das Paneleiras de
desse Inventário permitiu bibliográficas e audiovisuais; Goiabeiras na sua 37º reunião,
levantar, atualizar, sistematizar significados atribuídos ao em 21/11/2002. A inscrição no
e documentar as informações ofício por seus produtores e Livro de Registro dos Saberes
pertinentes à descrição pela sociedade em geral. foi feita em 20/12/2002,
pormenorizada do ofício a ser Subsidiado com todas essas inaugurando mais que o Livro,
registrado: sua origem e evolução informações, e mais os pareceres o próprio instrumento do
histórica; seu contexto sócio- favoráveis dos técnicos do Iphan Registro. Em conseqüência,
cultural de produção e consumo; e do Conselheiro Relator11, o Ofício das Paneleiras foi
matérias-primas empregadas; o Conselho Consultivo do declarado Patrimônio Cultural
modo e etapas de produção; Patrimônio Cultural apreciou do Brasil.
bens culturais associados; e aprovou o pedido de Registro
o plano
de salvaguarda
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 47

página ao lado
panelas esperando
a queima. foto:
josé alberto júnior.

O reconhecimento das panelas de


barro de Goiabeiras ultrapassa
as fronteiras do Espírito Santo,
de Goiabeiras – APG com os
poderes públicos, as empresas e
a imprensa, em busca do
que vêm contribuindo para a
continuidade, o aprimoramento e a
divulgação de sua prática. Entre
sobretudo quando associadas à atendimento às suas demandas. essas inúmeras e conseqüentes
moqueca e à torta capixaba, pratos iniciativas, cujos resultados ainda
típicos da região. De utensílios A atividade das paneleiras tem sido muito podem ser observados, está o
domésticos, as panelas passaram à apoiada e valorizada pelas instâncias políticas programa de educação ambiental
categoria de ícone da identidade locais, numa promoção crescente de sua Panela de Barro, uma tradição a ser mantida:
cultural do estado. imagem e de seus produtos como ícones da estratégias para coleta sustentável da casca
Diferentemente de outros identidade cultural capixaba. A construção do do mangue-vermelho, proposto e
grupos produtores de bens galpão da Associação e a disponibilização realizado pela Universidade
culturais que, a despeito de sua para o transporte do barro são exemplos do Federal do Espírito Santo em
relevância para a formação apoio da Prefeitura Municipal de Vitória. parceria com o Ibama, entre 1998
nacional, se encontram Programas de desenvolvimento do turismo, e 2000, orientando casqueiros e
marginalizados da dinâmica reforçados pelos meios de comunicação, têm paneleiras a evitar a coleta
social e econômica hegemônica, incrementado a visitação ao galpão da predatória da matéria-prima da
as paneleiras de Goiabeiras Associação e a participação das paneleiras em tintura de tanino.
conquistaram, a partir dos anos eventos fora do Estado, representando o O trabalho institucional do
1980, a consciência de sua Espírito Santo em diversas partes do País 12. Iphan em favor da salvaguarda
importância no processo de do ofício das paneleiras de
construção da identidade cultural Desde então, os insumos e as Goiabeiras está voltado para o
regional. Essa consciência vem se atividades do ofício das paneleiras acompanhamento dos processos e
manifestando na interlocução têm sido objeto de estudos, das atividades tradicionais, bem
direta da Associação das Paneleiras projetos e registros documentais como das ocorrências de
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 48

“cama” de panelas
a ser coberta
com lenha para
a queima. foto:
márcio vianna.

intervenções nas condições de das fontes de matérias-primas, crescente urbanização da área e


produção, comercialização e privilegiando o manguezal, fonte da valorização cultural e turística
promoção das panelas de barro. do tanino, e o barreiro, no Vale do do produto, seja pelas exigências
Exemplos de iniciativas desse tipo Mulembá. O segundo refere-se às relacionadas à lavra e coleta das
têm sido as do Sebrae, no condições de infra-estrutura e de matérias-primas. Nesse âmbito
desenvolvimento de embalagens organização das atividades de da salvaguarda, vêm sendo
para as panelas, e as festas anuais produção e comercialização observados e tratados, pelas
das paneleiras, com o apoio das realizadas diretamente pelos instituições públicas das instâncias
instituições governamentais. O ceramistas, na própria localidade municipal, estadual e federal,
acompanhamento do Iphan tem de Goiabeiras Velha. O terceiro, os seguintes pontos:
balizado o apoio e o fomento a por sua vez, está relacionado ao • o processo de trabalho, com a
ações relacionadas à reconhecimento da participação participação de um maior número
instrumentalização das paneleiras, dos artesãos e seus auxiliares tanto de auxiliares e a crescente
assim como à implementação das na economia regional como na especialização de tarefas;
condições necessárias à construção da identidade cultural • as condições de acesso à jazida
sustentabilidade de sua produção. brasileira, na busca dos e de permissão para a extração do
Desde o processo de inventário correspondentes direitos barro, com as implicações derivadas
foram identificados diversos previdenciários. do cumprimento da legislação
elementos essenciais do ofício das Distribuídos entre essas grandes ambiental e mineral;
paneleiras, relativos a três grandes ordens de questões, estão • o impacto da instalação e do
conjuntos de questões, igualmente presentes, ainda, aspectos projeto de ampliação da Estação de
fundamentais para a sua relacionados às alterações nas Tratamento de Esgoto Sanitário no
continuidade. O primeiro deles diz condições tradicionais da prática meio ambiente e sua associação à
respeito ao acesso e à preservação do ofício, seja pela pressão da imagem do produto panela de barro;
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 49

panelas à venda
no galpão da
associação. foto:
márcio vianna.

• a previsão do impacto da considera-se que a convivência


possível mudança do local de entre as paneleiras, antes estabelecida
extração do barro, dada a perspectiva nos territórios da família e da
do esgotamento da jazida, uma vez vizinhança, passou a ser também
que o Vale do Mulembá é a única mediada pela hierarquia formalizada
fonte historicamente conhecida no estatuto da Associação;
da matéria-prima; • o valor cultural agregado pelo
• o processo de urbanização Registro e a afirmação da
de Goiabeiras Velha e a identidade do produto;
permanência das famílias de • o valor cultural agregado pelo
paneleiras no bairro; Registro e a formação de preços
• a ampliação do galpão e a dos produtos;
manutenção da área de queima; • a importância da certificação
• o acesso às políticas públicas de de origem do produto visando
saúde e aposentadoria, uma vez que à sua proteção contra imitações
as paneleiras precisam se manter em da concorrência;
atividade até idade muito avançada; • problemas relativos à
• a capacitação e o fortalecimento embalagem e transporte das
da organização da categoria e as panelas de barro.
questões relativas às relações Cada um desses aspectos apresenta
interpessoais, à liderança e à relevantes desdobramentos,
representatividade política, requerendo ações específicas
no âmbito da comunidade e para o seu encaminhamento
da Associação das Paneleiras – e equacionamento.
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 50

carlos alberto da
vitória trabalhando
no galpão. foto:
josé alberto júnior.

Embora identificadas, as questões


pertinentes à salvaguarda do ofício
precisam ser avaliadas,
dimensionadas e re-elaboradas a
partir dos interesses do grupo. É
preciso considerar as limitações
sociais e legais, suas expectativas e
formas de percepção dos problemas,
bem como sua instrumentalização
para a participação na construção de
alternativas que superem possíveis
entraves à atividade, e ao
reconhecimento e comercialização
de seu produto.
Com esse entendimento, o
Iphan buscou a parceria do
Artesanato Solidário – Programas
de Apoio ao Artesanato e à Geração
de Renda – Central ArteSol,
organização de interesse público
que vem realizando oficinas sobre
as características do associativismo,
processos de formação de preços e
certificação de produtos, a partir
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 51

preços em ™ºº¡.
foto: márcio
vianna.

do diagnóstico das condições atuais Ainda com relação à jazida de Como estamos diante de um
de produção. Nessa mesma linha, barro no Vale do Mulembá, está em processo social dinâmico, o saber e
o Centro Nacional de Folclore processo uma parceria com o o fazer das paneleiras de Goiabeiras
e Cultura Popular – CNFCP, Centro de Tecnologia Mineral – necessariamente continuará a sofrer
do Iphan, que desenvolve um Cetem, órgão direcionado ao re-interpretações e re-significações
trabalho permanente pela desenvolvimento, adaptação e ao longo de sua permanência.
valorização dos artesãos e de seus difusão de tecnologias minero- A política de preservação dos
produtos, vem contemplando metalúrgicas, de materiais e de bens culturais de natureza imaterial
oportunidades de promoção meio-ambiente, ligado ao vai além, portanto, do Registro
das paneleiras e de comercialização Ministério da Ciência e dos bens e do seu reconhecimento
das panelas de barro. Tecnologia. Por meio dessa como Patrimônio Cultural
Em favor da proteção das fontes parceria, o Iphan pretende Brasileiro. Trata, igualmente,
de matérias-primas, foi efetivado aprofundar e difundir junto às do compromisso do poder público
pelo Iphan, a partir de 2004, paneleiras, aos trabalhadores da em apoiar a produção e a
o apoio à obtenção das licenças atividade e aos demais interessados, continuidade dos bens registrados;
para extração da argila junto ao o conhecimento sobre a matéria- o que está sendo feito por meio
órgão ambiental estadual. Nesse prima e suas condições de da construção e implementação
mesmo sentido, em 2005, exploração e estocagem, na de Planos de Salvaguarda,
a Secretaria Municipal de Meio perspectiva da continuidade de seu estabelecidos de forma conjunta
Ambiente implementou programa fornecimento, ou mesmo, da e articulada com os produtores
de educação ambiental para a identificação de material desses bens e demais parceiros
preservação da margem do alternativo com características empenhados na preservação
manguezal, área onde é depositada similares, de maneira a assegurar a cultural e na valorização social
a lenha e feita a queima das panelas. salvaguarda do ofício. de todos os envolvidos.
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 52

notas

1 Segundo Manaíra Abreu, 5 Congo é um auto popular apropriado como fonte de


no decorrer dos anos 1980, a brasileiro de temas africanos, com inspiração por compositores e
indústria turística consagrou a variações regionais. No Espírito instrumentistas contemporâneos.
panela de barro por meio de Santo, as bandas de Congo são Constata-se um crescimento
campanhas publicitárias, geralmente constituídas por um significativo no número das
associando sua imagem à da mestre e diversos tocadores. bandas de Congo na região
moqueca e da torta capixabas, num Apresentam-se com roupas e metropolitana de Vitória.
processo que acabou por adereços típicos; têm ritmo, 6 O Inventário de Referências
transformá-la em ícone da cultura estrutura melódica e instrumentos Culturais de Goiabeiras
regional. abreu, Manaíra. musicais característicos, entre os (inrc/iphan) foi a
Isto não é uma panela. Vitória: quais se destacam o tambor metodologia aplicada, em 2002,
ufes, 2001. Monografia de congo e a casaca, espécie de para produzir e sistematizar o
2 perota, Celso et al. reco-reco com cabeça conhecimento e a documentação
As paneleiras de Goiabeiras. Vitória: antropomorfa. Manifestação necessários à instrução técnica
Secretaria Municipal de Cultura popular presente na festa do processo de Registro do
de Vitória, 1997. P. 14. “profana” das celebrações religiosas Ofício das Paneleiras.
3 saint-hilaire, Auguste. católicas, notadamente de Nossa 7 dias, Carla Costa.
Viagem ao Espírito Santo e Rio Doce. Senhora do Rosário e São A tradição nossa é essa, é fazer panela
Belo Horizonte: Itatiaia/usp, Benedito; objeto de estudo de preta: produção material,
1974. P.55. folcloristas e de pesquisadores identidade e transformações sociais
4 neves, Luis Guilherme das expressões regionais; entre as artesãs de Goiabeiras,
Santos & pacheco, Renato. recentemente revitalizado por Vitória do Espírito Santo.
Torta Capixaba. Vitória: Eldorado campanhas de valorização da Rio de Janeiro, 1999. 223 p.
Comunicacties, 2002. identidade capixaba, tem sido Dissertação de Mestrado.
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 53

panelas e tampas
secando ao sol,
antes da queima.
foto: márcio
vianna.

8 Mangue-vermelho, Rhizophora e a implantação dos Planos de


mangle, planta com que é feita a Salvaguarda dos Bens Culturais
tintura de tanino. Registrados.
9 A ceramista Cristina Oliveira, 11 O parecer do relator Luis
de Vitória, relatou que é Fernando Duarte, antropólogo do
impossível trabalhar com aquele Museu Nacional, está disponível
barro no torno. Ela tentou e suas nos Anexos desta publicação.
mãos sangraram, cortadas pelos 12 Inventário do Ofício das
pedriscos que a argila contém. Paneleiras de Goiabeiras; Ficha
10 Esta sub-unidade era de Identificação: Ofícios e Modos
subordinada à 6ª de Fazer – F60; item 16.3.2;
Superintendência Regional, iphan, 2001.
sediada no Rio de Janeiro.
Em 2004, foi criada a 21ª
Superintendência Regional, com
sede em Vitória e jurisdição no
Estado do Espírito Santo.
O mesmo decreto extinguiu
o antigo Departamento de
Identificação e Documentação –
did, e criou o Departamento
do Patrimônio Imaterial – dpi,
ao qual compete gerir a
aplicação do Registro, do inrc
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 54

a tradição das paneleiras apresentada ao Departamento


de Goiabeiras está morrendo. de Arquitetura e Urbanismo
A Gazeta. Vitória, 16 abr. da Universidade Federal do
1985. Cad. Dois. Espírito Santo do Curso
abreu, Manaíra Frota de. de Arquitetura
bibliografia Isto não é uma panela. Vitória, e Urbanismo, cópia.
2001. Monografia de alves, Claudia; luna, Suely;
Conclusão de curso, nascimento, Ana (1991).
apresentada ao Departamento A Cerâmica préhistórica
de Comunicação da brasileira: novas perspectivas
Universidade Federal do analíticas. clio –
Espírito Santo do Curso de Serie Arqueológica, 7 v. i.
Comunicação Social. Recife, ufpe.
abreu, Tereza Carolina Frota alves, Marcia Angelina. (1991).
de Abreu. Panela, caldeirão e Culturas ceramistas de
frigideira: o ofício das São Paulo e Minas Gerais:
paneleiras de goiabeiras. estudo tecnotipológico.
Revista Tempo Brasileiro. Revista do Museu de Arqueologia e
Rio de Janeiro, n. 147, Etnologia. São Paulo, 1:71-96.
2001. P. 123-8. artesanato: as panelas de barro
aguiar, Sandra. Panelas de não serão feitas. A Gazeta.
barro no mapa: pesquisadores Vitória, 18 abr. 1976.
da Funarte descobrem as artesanato capixaba. Vitória,
paneleiras e preparam Prefeitura de Vitória. Secretaria
catálogo e exposição. A Gazeta. de Turismo, [s.d.].
11 mar. 1996. Cad. Dois. artesanato e panela de barro.
albuquerque, Marcos (1934). A Gazeta. Vitória, 25 maio 1983.
Reflexões em torno da associação das paneleiras
utilização do anti-plástico de goiabeiras. [Carta]
como elemento classificatório 23 dez. 1992. Vitória [para]
da cerâmica pré-história. Sr. Angelo Segatto, Secretário
clio – Série Arqueológica 6. Municipal de Administração
Recife, ufpe. P. 109-112. da Prefeitura Municipal de
almeida, Paulete de Oliveira. Vitória. 1f. Desistência de
Do manguezal à panela de barro. quiosque na Praça dos Desejos,
Vitória, 1997. Monografia assinado pela Presidente
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 55

da Associação, Marinete A Gazeta. Vitória, 11 ago. comemorado anualmente em


Correia Loureiro. 2002. Grande Vitória. P. 19. 07 de julho. Vitória, 10 abr.
associação das paneleiras _______. Paneleiras de Viana 1991. Projeto do vereador
de goiabeiras. [Ofício querem divulgação. A Gazeta. Marcio Calmon.
n.° 06/91] 18 mar. 1991, Vitória, 11 ago. 2002. capixaba workmanship. Vitória,
Vitória [para] Exmo. Sr. Grande Vitória. P. 19. Secretaria do Estado do Bem
Dr. Albuino Cunha de _______. Patrimônio Imaterial. Estar Social/Casa do Artesão
Azeredo, Governador A Gazeta. Vitória, 3 ago. 2002. Capixaba, [s.d.].
do Estado do Espírito Santo, Opinião. P. 4. castilho, Marcia. Prodesan é
Vitória. 1p. Solicita câmara municipal de embargado no Vale do
audiência para tratar sobre vitória. comissão Mulembá. A Gazeta, Vitória,
o Barreiro. Cópia. de direitos humanos. 23 out. 2001.
associação das paneleiras Requerimento n° gpc – cavaliere, Ronald. Moqueca
de goiabeiras. Relação 045/93 de 20 dez. 1993. Capixaba. A Gula, n° 10 [s.d.].
das pessoas autorizadas a Vitória [para] Presidente cesan procura jazida de barro
retirar o barro em área da Comissão de Meio para paneleiras. A Gazeta.
de propriedade da Cesan Ambiente, Vitória. 3f. Vitória, 10 mar. 1994.
localizada em Joana d’Arc. Discutir sobre a instalação de cesan, es. Termo de Acordo n°
[Vitória, s.d.]. 1 f. Cópia. Estação de Tratamento de 001/94, Proc. 01-92-01058,
baptista, Jussara. Estação de Esgoto no Vale do Mulembá de 28 fev. 1994. Termo de
esgoto assusta paneleiras: elas com estudos de impacto Acordo que entre si fazem a
participam de reunião com a ambiental, ou seja, não Companhia Espírito Santense
Cesan para negociar a contaminação do solo. de Saneamento – Cesan,
construção. A Gazeta. Vitória, câmara municipal de o Governo do Estado do
4 mar. 2001. P.15. vitória. Parecer ao Projeto Espírito Santo, através da
_______. Paneleiras recolhem de Lei n.° 70/91. Vitória, Secretaria de Estado para
assinaturas em feira. A Gazeta. 1 mar. 1993. A Comissão Assuntos do Meio Ambiente –
Vitória, 18 mar. 2001. Grande de Justiça emitiu parecer Seama, de um lado e,
Vitória. P.18. favorável ao Projeto, que de outro, a Associação de
bicalho, Leonardo. Hoje foi encaminhado à Paneleiras de Goiabeiras.
tem forró na festa das Presidência da Câmara. cesan, es. Termo de
paneleiras. A Tribuna. câmara municipal de Compromisso n° 001/94,
Vitória, 27 jul. 2000. Cad. vitória. Projeto de Lei n° Proc. n° 01-93-02103, de
Cidades, p. 10. 70/91, de 10 de abril de 1991. 21 fev. 1994. Termo de
bravin, Adriana. Paneleiras de Institui no município de Compromisso que entre si
Viana querem divulgação. Vitória, o Dia das Paneleiras, a ser fazem o Governo do Estado do
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 56

Espírito Santo, a companhia doria, Helio. Panela de barro. Associação das Paneleiras de
Espírito Santense de A Gazeta. Vitória, 15 fev. 2002. Goiabeiras, Vitória,
Saneamento – Cesan e o Cad. Dois, p. 5. ufes/Centro de Ciências
Movimento Comunitário do _______. E do barro se fez a panela... Jurídicas e Econômicas.
Bairro Joana D’Arc. A Tribuna. Vitória, 11 abr. 1996 Departamento de
chaves, Guta. Sabores. A Gula, espírito Santo: mais bonito Comunicação Social, 2000.
n° 80, jun. 1999. do que você imagina. 6 p. Monografia.
cristina, Gloria. 0 consciente Vitória, encatur, [s.d.] governo do estado do
ofício de quem mantém viva a (Cozinha capixaba, 1). espírito santo. Decreto
arte regional. A Tribuna. estatuto da associação das n° 3690-E, de 25 de janeiro
Vitória, 21 set. 1980. paneleiras de goiabeiras. de 1988. Declara de utilidade
_______. Panela de barro: Cartório de Registro Civil, pública para fins de
reminiscência de um passado Pessoas Físicas e Jurídicas. desapropriação área de terra
que a indústria ainda não Comarca da Capital – Vitória – destinada à implantação de
apagou. A Tribuna. Vitória, es, 07 de julho de 1987. Estação de Tratamento
28 ago. 1983. feira Nacional do Artesanato de de Esgoto Sanitário.
daher, Marlusse Pestana. Barro: febarro. Vitória, Diário Oficial do Estado do
Paneleiras. A Gazeta. Vitória, seic. Secretaria de Estado da Espírito Santo, Vitória,
25 jun. 2001. 1. cad.,p. 5. Indústria e do Comercio, 1985. 26 jan. 1988. p.3. Cópia.
decreto nº 3.551 de 4 de agosto festa com forró e 2 mil panelas governo ignora prefeitura e
de 2000 Art. 1° ao Art. 9° – de barro. A Tribuna. Vitória, manda iniciar obras do
Institui o Registro de Bens 8 ago. 2002. Cidades, p. 10. Prodesan em Vitória.
Culturais de Natureza Imaterial frank Aguiar na festa das A Tribuna. Vitória, 3 out.
que constituem patrimônio paneleiras. A Tribuna. Vitória, 2001. Cidades, p. 8.
cultural brasileiro. Cria o 7 ago. 2002. Cidades, p. 7. joana d’Arc ganha estação de
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Patrimônio Imaterial e dá que nasce da lama. Jornal do Brasil. 6 mar. 1994.
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produção material, identidade A Tribuna. Vitória, 10 jan. 2002. análise da Associação das Paneleiras
e transformações sociais entre as galveas, Kleber. Panelas de Goiabeiras. Vitória, ufes/
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Espírito Santo. Rio de Janeiro, 19 jul. 2000. e Econômicas. Departamento
1999. 223 p., Dissertação gomes, Sheila Machado. de Comunicação Social, 2000.
de Mestrado. Análise individual da 8p. Monografia.
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 57

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mendes filho, Alvarito. popular em Vitória. Folclore. pesquisa de campo,
Um símbolo da cultura popular: Vitória, set-out 1953. comercialização e importância
a panela de barro é suporte para panela de barro: o prato típico sócio-cultural. Vitória, apr –
o preparo da moqueca. A Gazeta. capixaba. Associação das Assessoria, Projetos e
Vitória, 31 jul. 1997. Cad. Dois. Paneleiras de Goiabeiras. [s.d.]. Representações Ltda., [1993].
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 58

paneleiras esperam vender A Gazeta. Vitória, 8 ago.


25% a mais. A Notícia. Agora. 2002. cad. Dois, p. 4.
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paneleiras podem ir para o ameaçado. A Gazeta. Vitória,
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1 ago. 1997. vilaça, Adilson. A vingança dos
paneleiras querem atuar em enfezados: a nossa moqueca
área de Joana d’Arc. A Gazeta. corre o risco de perder o cristal
Vitória, 22 jun. 1993. de seu cálice. A Gazeta.
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Vitória, 28 mar. 2001. cnfcp, 1996. 28p., ii.
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patrimônio Imaterial. xii Feira das Paneleiras. Vitória,
Folha da Memória. Natal, v.5, Associação das Paneleiras de
n.26, jul./ago. 2000. Goiabeiras; Cesan; Secretaria
paysan, Tatiana. Panelas de barro de Estado do Turismo e
ganham selo oficial. A Gazeta. Representação Institucional;
Vitória, 10 ago. 2001. Secretaria de Estado do
Grande Vitória. P. 13. Transporte e Obras Públicas,
perota, Celso et al. As paneleiras 2001.
de Goiabeiras. Vitória, Secretaria
Municipal de Cultura, 1997.
40 p., il. (Memória viva; 5).
pessoa, Claudney. Festa das
Paneleiras atrai 25 mil.
A Gazeta. Vitória, 3 ago. 1998.
saint-hilaire, Auguste.
Viagem ao Espírito Santo e Rio Doce.
Belo Horizonte:
Itatiaia/usp, 1974.
tardin, Neyla. Panela de barro
vira patrimônio nacional.
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 59

Monografias Folhetos
abreu, Manaira Frota de. Isto acarte— Associação Capixaba de
não é uma panela. Vitória, Artesãos. sebrae, [s.d.].
referências abr 2001. Monografia panela de Barro: o prato típico
documentais de conclusão de curso, capixaba. Associação das
anexadas apresentada ao Departamento Paneleiras de Goiabeiras. [s.d.].
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ao processo Universidade Federal do ser mantida. Vitória,
de registro Espírito Santo do Curso de ufes/ibama, [s.d.].
Comunicação Social. panelas de Barro, capixaba há
dias, Carla Costa. A tradição séculos. Associação das
nossa é essa, é fazer panela Paneleiras de Goiabeiras. [s.d].
preta: Produção material, panelas de Barro: iv séculos de
identidade e transformações tradição. Associação das
sociais entre as artesãs Paneleiras de Goiabeiras. [s.d.].
de Goiabeiras – Vitória do panelas de Barro: iv séculos de
Espírito Santo, Vitória tradição. Vitória, Associação das
do Espírito Santo. Rio de Paneleiras de Goiabeiras;
Janeiro, 1999. 223 p., MinC; Fundação Cultural
Dissertação de Mestrado. Palmares, [s.d].
paneleiras de Goiabeiras:
Relatório Técnico “Panela de barro, raiz da
panela de barro, uma tradição a cultura capixaba”.
ser mantida: estratégias para
coleta sustentável da casca do
mangue vermelho. Vitória,
ufes/ibama, 2000.

Publicação não seriada


torta capixaba. Fotos Alex
Krusemark; texto Luiz
Guilherme Santos Neves
e Renato Pacheco.
Vitória, Eldorado
Comunicacties, 2002.
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 60

Artesãos
cadastrados
na Associação
das paneleiras
de goiabeiras –
2006

1 Adelaide Lucidato dos Santos 24 Egídia Nascimento 47 Izabel Corrêa Campos


2 Ademilson Rodrigues 25 Elizete Salles dos Santos* 48 Jakeline Gomes
3 Adriana Machado Soares 26 Eloiza Helena Ferreira Lucidato 49 Jamilda Alves Rodrigues Bento
4 Alceli Maria Rodrigues* 27 Eonete Alves Corrêa 50 Janete Alves Rodrigues*
5 Aldir Corrêa Campos* 28 Eonetes Fernandes dos Santos* 51 Janete Gomes Inocêncio
6 Alexandro Moura da Silva 29 Eronildes Corrêa Fernandes* 52 Jecilene Alves Corrêa
7 Amélia Pereira Freitas 30 Evandro Rosa Rodrigues dos 53 João Farias
8 Arcelene Rodrigues Santos 54 Joelita Dias Rosa
9 Belmo Luiz Lucidato 31 Evanilda Fernandes Corrêa 55 Jorge Gomes Luiz
10 Berenícia Corrêa Nascimento* 32 Flávio Fernandes 56 José Cícero Honório de Moura
11 Bernadete da Victória 33 Florina Maria Moura da Silva 57 José Honório
12 Bernanci Gomes Ferreira* 34 Gecy Alves Corrêa 58 José Moura da Silva
13 Carlos Alberto da Vitória* 35 Genilda Ferreira Lucidato* 59 Josélia Dias Corrêa*
14 Carlos Barbosa dos Santos* 36 Gilda Gomes Campos* 60 Josimere Lima Lucidato
15 Cecília de Jesus Santos* 37 Graziele Dias Corrêa 61 Joyce Alves Corrêa
16 Cícero Moura da Silva 38 Hilda do Nascimento* 62 Juarez Moura da Silva
17 Cíntia Barbosa Salles 39 Ilza dos Santos Barbosa* 63 Jucileida Barbosa*
18 Débora Keila Barbosa Corrêa 40 Inete Gomes Pereira 64 Laílson Gomes Ferreira
19 Delci Salles da Silva 41 Ione Costa Monteiro da Silva 65 Laureci Lucidato da Victória*
20 Dionara Alvarenga Siqueira 42 Irene Chepa Fernandes 66 Lauriete da Vitória Pinto*
21 Domingas Corrêa da Victória 43 Irene Honório Rangel 67 Leoni Ribeiro*
Fernandes* 44 Irineu Florentino Meneses 68 Letícia Pereira Cunha
22 Domingas Corrêa Santana 45 Ivone Ribeiro* 69 Lídia Alvarenga de Siqueira
23 Dulcinea Jesus da Silva* 46 Ivonei Barbosa* 70 Liceia Alvarenga de Siqueira*
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 61

71 Luci Barbosa Salles* 92 Marinete Corrêa Loureiro* 115 Valdinéia da Victória Lucidato
72 Lúcia Nascimento Corrêa* 93 Marlene Corrêa Alves 116 Valéria Teodoro Barbosa
73 Luciete Lucidato da Vitória* 94 Marly Barbosa* 117 Waldemar Assiole da Silva
74 Lucila Nascimento Corrêa 95 Melquíades Alves Corrêa da 118 Wanessa Alves Lucidato
75 Lucilina Lucidato de Carvalho* Vitória Rodrigues*
76 Lúcio Alves Rodrigues 96 Nilceia Alvarenga Ambrózio* * Todos os nomes assinalados
77 Magnólia da Penha 97 Palmira Rosa de Siqueira são de ceramistas (paneleiras)
78 Márcia Ferreira de Jesus 98 Pedro Assioli Pereira entrevistados pelo Inventário
79 Marcos Roberto Florentino 99 Poliana Paula da Silva de Referências Culturais do
de Meneses 100 Priscila Barbosa Salles* Ofício das Paneleiras, em 2001.
80 Margarida José de Souza 101 Rejane Corrêa Loureiro* Além desses, foram entrevistados
81 Margarida Lucidato Ribeiro* 102 Rogério Gomes os tiradores de barro Jose Carlos
82 Maria Conceição Gomes 103 Ronildo Alves Corrêa* Ambrosio (também ceramista
Barbosa* 104 Rosemary Loureiro Amorim* paneleiro) e Genivaldo Alves
83 Maria da Glória Ferreira 105 Samarone Ribeiro* Correa; as alisadoras Lidiane
84 Maria da Penha da Silva Pereira 106 Sandra Ribeiro Silva Santos, Dulcineia Jesus da
85 Maria da Penha Santana Rosa 107 Sheila Dias Corrêa* Silva, Priscila Barbosa Sales e
86 Maria Dalva Carlos Salles 108 Silvana Rosa* Simone Theodoro; o comerciante
87 Maria de Jesus de Moura 109 Sônia dos Santos Conceição* e ceramista ocasional Arnaldo
88 Maria do Nascimento Jesus 110 Sônia Ribeiro Gomes Ribeiro Filho; o escolhedor
de Moura 111 Tânia Maria Lucidato Medina de barro Douglas Correa Campos;
89 Maria Honório de Meneses 112 Valda da Victória Lucidato* o casqueiro Eraldo Correa
90 Maria Romeu 113 Valdelicia Salles de Souza* Fernandes e o tirador de panela
91 Maria Serino dos Santos* 114 Valdete Maria Mahen* Wagner Gomes Ricardo.
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 62

Conselho Consultivo
do Patrimônio
processo de Cultural / IPHAN
registro Processo
de patrimônio 01450.000672/2002-50
imaterial
“ofício das
paneleiras de
goiabeiras”

Parecer 1988 relativos ao patrimônio culminação de numerosas iniciativas


Este é o primeiro processo relativo cultural nacional. É eminente, por desencadeadas no âmbito do
ao Registro de Patrimônio Imaterial fim, em função das circunstâncias Ministério da Cultura visando a
a vir à decisão deste Conselho internacionais que têm levado a definir uma nova instituição
Consultivo. Trata-se, portanto, de Unesco a se dedicar sempre mais componente da política de
ocasião eminente, revestida de denodadamente à promoção do patrimônio cultural nacional.
caráter ritual, como soem ser as conceito de patrimônio imaterial e Essa nova instituição pode ter sua
primeiras ocorrências dos atos a proclamar, inclusive, este ano história contemporânea retraçada a
humanos socialmente relevantes. de 2002 como o Ano para o uma grossa meada de atos
Essa eminência é certamente devida Patrimônio Cultural. premonitórios, precedentes ou
ao aspecto mais geral de ampliação A ocasião é propícia, assim, preparatórios. Nos diversos
do conceito de patrimônio cultural para que se evoque – ainda documentos oficiais que hoje
de nosso País – e tudo o que toca a que sumariamente – algumas constituem a memória da criação
dimensão crucial da identidade das circunstâncias e parâmetros desse mecanismo, evoca-se eventos
nacional deve merecer particular que balizam as nossas nacionais e internacionais (cf.
reverência de todos e cada um dos possibilidades de decisão no caso sobretudo, MinC, 2000 e Londres,
cidadãos. É também, mais específico em questão. 2002). Na primeira série, registra-
circunstancialmente, eminente no A legislação nacional a respeito se o anteprojeto elaborado por
contexto político-administrativo, do patrimônio imaterial foi ensejada Mario de Andrade para a criação do
uma vez que coroa esforços pelo texto da atual Constituição Iphan, em 1936, que previa o
persistentes da atual gestão do Federal e se cristalizou na legislação acolhimento das expressões
Ministério da Cultura e do Iphan ordinária por meio do Decreto nº populares na atenção ao processo de
de levar a bom termo a aplicação 3.551, de 4 de agosto de 2000. Esse formação da identidade cultural
dos preceitos constitucionais de diploma legal representava a nacional. E, a partir daí, a criação
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 63

da Comissão Nacional do Folclore oriundas da Unesco, tais como a Unesco e os domínios de ação prioritários, em
em 1947, de onde se originaria, nos Convenção sobre Salvaguarda do que teve particular preeminência a
anos 1960, o Centro Nacional de Patrimônio Mundial, Cultural e discussão da experiência brasileira a
Folclore e Cultura Popular, hoje na Natural, de 1972; a Recomendação respeito (cf. Matsuura, 2002).
Funarte; a própria Constituição sobre a Salvaguarda da Cultura Diversos desafios se apresentaram
Federal de 1988 (que trata da Tradicional e Popular, de 1989; no processo de institucionalização da
matéria em seus artigos 215 e 216); a Proclamação das 19 Obras-Primas matéria. Vários deles foram de
o Seminário promovido pelo do Patrimônio Oral e Imaterial natureza conceitual. O primeiro se
Instituto do Patrimônio Artístico e da Humanidade, 2001; e a expressava na própria hesitação
Cultural da Bahia em 1989 sobre Declaração Universal sobre a terminológica envolvida: patrimônio
um registro especial de patrimônio; o Diversidade Cultural, de 2001. intangível, tradicional, popular,
Seminário Internacional sobre o Também a Carta de Veneza, de oral, imaterial etc. Tratava-se
Patrimônio Imaterial realizado por 1964, pode ser inserida nesse propriamente da dificuldade de uma
convocação do Iphan em 1997, e – contexto internacional favorecedor definição mais precisa para as
finalmente – a constituição de uma de uma maior atenção formal fronteiras e características distintivas
Comissão no âmbito do Iphan para aos componentes vivos, do novo instituto, mesmo quando se
apresentar proposta de processuais, da identidade e do tinha uma quase absoluta
regulamentação da matéria, em patrimônio culturais. concordância quanto à necessidade
1998, acompanhada da criação de Não se pode deixar de evocar que de incluir no conceito de patrimônio
um Grupo de Trabalho de apoio as duas séries se encontraram, algo mais além do tradicional
técnico ao trabalho de inclusive, ritualmente, no Rio de monumento de pedra e cal.
regulamentação (o GTPI/ Iphan). Janeiro, em janeiro deste ano, com a O segundo embaraço se
Na série internacional, trata-se realização da Reunião Internacional sobre o apresentava quanto à forma de
de evocar, sobretudo, as iniciativas patrimônio cultural imaterial: o papel da salvaguarda a instituir no caso de
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 64

processos sócio-culturais vivos, jurídico e administrativo adotado certamente por boas razões, a
ativos, dinamicamente distintos pelo Estado brasileiro para a expressão imaterial e cometer à
dos monumentos nacionais. regulação da matéria. Decidiu-se, experiência mesma de sua aplicação
O terceiro embaraço era em primeiro lugar, adotar uma ao fluxo da vida social a melhor e
constituído pela definição da linha de salvaguarda de cunho paulatina definição das fronteiras
autoridade legítima para a diverso do que se aplica ao conceituais. Isso não se fez sem
proposição do processo de registro. patrimônio material, enfatizando-se considerável esforço de aproximação
Discutiu-se amplamente a o registro (no lugar do tradicional de definições sistemáticas, refletido,
conveniência de acolher propostas tombamento), com concomitantes sobretudo, na categorização de
provenientes de pessoas físicas, tanto dimensões de inventário, documentação, quatro Livros para esses registros:
quanto de pessoas jurídicas. apoio financeiro, difusão do conhecimento e Saberes, Celebrações, Formas de
O quarto embaraço se proteção à propriedade intelectual Expressão e Lugares. Como o
configurava no tocante às formas (MinC, 2000:13). Decreto instituinte prevê, porém, a
de articulação de uma eventual Em segundo lugar, decidiu-se possibilidade de abertura de outros
salvaguarda de práticas sociais ou reservar a iniciativa de apresentação livros, percebe-se o quanto a matéria
monumentos vivos com a lógica do de propostas às pessoas jurídicas dependerá do contínuo engenho e
mercado capitalista hegemônico (governamentais ou civis), no arte dos técnicos do Iphan e dos
nas sociedades modernas, intuito de sublinhar a dimensão integrantes do Conselho Consultivo
particularmente sob a forma de imediatamente coletiva dos ao tomarem suas decisões.
direitos de propriedade intelectual interesses sociais investidos nas O terceiro embaraço também
dotados de valor de troca. práticas a registrar. teve sua definição – declaradamente
Dos quatro, apenas o segundo e No tocante ao primeiro – adiada para o período e as
o terceiro puderam ser até agora embaraço, decidiu-se privilegiar na condições de atualização do instituto
definidos plenamente no formato legislação, sobre todas as demais, na vida real, dadas as dificuldades
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 65

decorrentes da imbricação da que é habitual em procedimentos imbricação do Inventário Nacional


matéria no horizonte jurídico- administrativos desse tipo. de Referências Culturais (INRC)
político contemporâneo mais Os interessados nas nuances da com o Programa Nacional do
amplo: o da regulação das novas matéria poderão sempre se Patrimônio Imaterial. História,
frentes de direitos coletivos beneficiar da leitura das atas fotografia, vídeos, bibliografia,
emergentes. A matéria é lindeira deste Conselho, mormente as das plantas, cd-roms, todos os
dos novos direitos ao patrimônio sessões de 16 de agosto de 2001 e de recursos técnicos de documentação
genético e importa em decisões 23 de novembro de 2001. estão aí combinados com os
nacionais inextricáveis das condições É nessas condições que se tradicionais pareceres técnicos
internacionais em que vêm se apresenta à discussão a presente da equipe do Iphan, sempre
estabelecendo – com grandes proposta, inicialmente subscrita pela precisos e instrutivos.
tensões – essas novas relações, Associação das Paneleiras de Do ponto de vista substantivo,
não-convencionais, entre mercado Goiabeiras, de Vitória/ES, em 8 de pouco poderia acrescentar à
e propriedade. março de 2001. O processo excelente argumentação
Dada a novidade e complexidade circulou inicialmente como o desenvolvida no processo. Como diz
do assunto, discutido em diversas Dossiê de Estudos R. 01/01, tendo o aviso oficial do Iphan: “Trata-se de
reuniões do Conselho Consultivo, em 16 de outubro deste ano tomado prática artesanal enraizada na
decidiu-se trabalhar com grande o número em epígrafe. localidade denominada Goiabeiras
prudência, sobre algumas Trata-se, do ponto de vista Velha, área do bairro de Goiabeiras,
poucas propostas iniciais, cujos formal, de um processo situada na parte continental norte
processos seriam instruídos extremamente bem documentado, do município de Vitória, à beira do
exaustivamente, de acordo com cobrindo numerosos aspectos do canal que banha o manguezal e
o manual em vigor, em caráter fenômeno social em exame, o que circunda a Ilha de Vitória/ES, que
mais claramente experimental do mostra – já em si – o acerto da utiliza apenas matérias-primas
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 66

existentes nas proximidades. colonos e escravos que se fixaram na enraizamento nas práticas das
A produção das panelas de localidade, recentemente assumida populações locais (é interessante
Goiabeiras é parte de uma realidade como um ofício e meio de vida por citar, entre tantos outros sinais, a
eco-sócio-cultural construída famílias de Goiabeiras e finalmente referência de Saint-Hilaire, em
historicamente pelos sucessivos reconhecida pela população capixaba 1815), dependência e interação com
grupos sociais que vêm ocupando como traço da identidade de sua os ecossistemas locais, forma de
aquela localidade, em suas relações cultura, a produção das panelas de reprodução não-letrada ou não-
de troca com o meio natural e com a barro guarda suas características erudita, reconhecimento coletivo
sociedade envolvente. A panela de originais praticamente inalteradas como tradição. Por outro, os traços
barro de Goiabeiras é modelada ao longo desse processo de sucessivas da representatividade cultural
manualmente, queimada a baixa apropriações: o emprego de nacional: emblema explícito de uma
temperatura em fogueira a céu matérias primas sempre das mesmas comunidade cultural componente
aberto e tingida com tintura de procedências, a adoção dos mesmos da formação nacional, como é a
tanino. Em sua confecção é procedimentos de trabalho e o uso identidade capixaba, ou do Estado
utilizado o barro de uma única de instrumentos rudimentares, do Espírito Santo; símbolo – pelas
jazida existente no Vale do obtidos ou confeccionados pelas suas características técnicas – da
Mulembá, localizado no noroeste da próprias artesãs.” inter-relação entre as culturas
Ilha de Vitória. A tintura é extraída Temos aí, como se vê, as nativas do atual território brasileiro
da casca da Rhysophora mangle, espécie principais características que se e as culturas do Estado nacional
nativa do manguezal que margeia a poderia esperar de um sistema de criado pela colonização portuguesa
localidade. Originalmente saberes práticos tradicionais com com os aportes de migrantes
compondo o cotidiano de aldeia qualidades de um patrimônio africanos, asiáticos e de outros
indígena, posteriormente nacional. Por um lado, os traços países europeus. Acresce-se à
apropriada por descendentes dos básicos da tradição: longo conveniência do registro desse ofício o
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 67

fato de estar no cerne de uma série tipicamente digno do registro como vinculá-lo com uma cada vez mais
bastante complexa de fenômenos patrimônio cultural imaterial é o fato de vasta clientela consumidora.
culturais e identitários importantes estar animado de um espírito oposto Ele retira, no entanto, de sua
para o segmento capixaba da ao das formas hegemônicas do marginalidade em relação a esses
formação nacional: culinária, poder, político, econômico ou sistemas dominantes ou oficiais
ecologia, música, dança, e – ideológico. Como bons herdeiros justamente o atrativo para neles
por quê não incluir aqui?– do Romantismo, atribuímos uma encontrar o seu nicho. É legítimo
movimento social. particular força de vida aos e interessante por ser privado; é
Prática social viva, ativa, fenômenos sociais que parecem se legítimo e interessante por ser
produtiva; integrada e reproduzir independentemente das artesanal; é legítimo e interessante
representativa, sim, como tantas necessidades canônicas da por ser popular. E é bom que seja
outras. Mas também enraizada no reprodução do Estado, da produção assim. Esse é o nosso melhor
mundo popular e na memória do mercantil-industrial-fabril e da mecanismo de avivamento dos
passado coletivo e – como tal – produção intelectual erudita. valores: o que contempla e
instrumental para o permanente e O ofício das paneleiras de eventualmente premia contrapesos
complexo trabalho da identidade Goiabeiras pode suscitar o dinâmicos às forças centrais,
nacional. Muito consciente como patrocínio dos poderes locais massificadoras e desvitalizantes,
sou – por dever de ofício – das (o que já ocorreu) ou pode suscitar de nosso processo civilizatório.
condições em que se formulam as a produção de uma notável massa Não será bom se este Conselho não
ideologias identitárias em nossa de textos acadêmicos (inclusive teses estiver, porém, sempre muito
cultura ocidental moderna, não universitárias, constantes do consciente – ao julgar tais processos
posso deixar de observar que – para processo). Ele também não se – de que estará ao serviço de uma
além de todas essas características – desenvolve fora do mercado: todo ideologia como qualquer outra –
o que torna esse bem tão um sistema de circulação já está a essa, hoje oportuna, do valor das
{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 68

coisas privadas, artesanais e publicado no Diário Oficial de 23 e gostaria de ver – acredito –


populares – e desmerecer da de outubro último, não tendo assim acompanhar a eventual aprovação
consideração e guarda do transcorrido, portanto (hoje, ainda) deste parecer e o desencadeamento
patrimônio hegemônico material, que os 30 dias para “eventuais pleno do Programa Nacional do
fornece e mantém o corpo que o manifestações sobre o registro”, Patrimônio Imaterial.
espírito do patrimônio imaterial vivifica. previstos no parágrafo 5º do mesmo Em primeiro lugar, será
É, portanto, por todos os artigo 3º. Sugiro que o Conselho necessário que se dê efetivamente a
motivos arrolados que proponho tome sua decisão sobre a matéria máxima publicidade a todo o
o registro do Ofício das Paneleiras nesta mesma reunião, apesar de processo (inclusive nos meios
de Goiabeiras, Vitória, Espírito faltarem três dias para o eletrônicos), de modo a permitir a
Santo, como bem cultural de cumprimento pleno do prazo, desejada divulgação dos entes
natureza imaterial, a ser inscrito comprometendo-se a revê-la culturais registrados e – ao mesmo
no Livro dos Saberes instituído oportunamente caso ainda dê tempo – o compartilhamento da
no Iphan, com o conseqüente entrada no Iphan alguma das experiência político-administrativa
direito ao título de Patrimônio manifestações previstas no Decreto – contida nos atos decisórios ora
Cultural do Brasil. o que parece na verdade desencadeados.
É minha obrigação registrar a pouco provável. Será necessário organizar e
ocorrência de um pequeno Em função ainda do caráter permitir a observação continuada
problema administrativo neste inauguratório deste parecer, do funcionamento dos processos
processo; felizmente, a meu ver, considero-me obrigado, sociais afetados pelo Registro não
reparável. Decorre dos termos finalmente, a aproveitar a apenas para o reexame decenal
estritos do Decreto instituinte do oportunidade para evocar algumas previsto pela legislação, mas para
Programa de que ora nos ocupamos. das condições mais gerais que este uma avaliação mais fina e periódica
O parecer técnico final foi Conselho Consultivo tem discutido das implicações das decisões deste
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Conselho, em função dessa coletiva ou individual eventualmente dos eventuais maus resultados
necessidade de uma “definição envolvida nas práticas cobertas daquela ação. No que toca as
gradativa dos critérios” – como se pelo Registro deveriam merecer condições profissionais, deve-se
referiu, no trato do assunto, Célia uma particular atenção, dada pensar certamente no apoio e
Corsino – ou dessa “jurisprudência a imprecisão que ainda cerca a reforço dos quadros próprios do
consensual” a que se referiu no matéria – crítica por excelência. Instituto, mas não se pode descartar
plenário do Conselho o Professor É claro que deveriam fazer parte a conveniência de uma parceria
Joaquim Falcão. Para atingir tal fim, da pauta também as informações mais sistemática com as instituições
não se poderia esperar por sobre o funcionamento do próprio profissionais e acadêmicas
avaliações decenais. Proponho que Programa Nacional do competentes para esses assuntos.
o Iphan se habilite a apresentar ao Patrimônio Imaterial, em tudo o Emergem do processo em pauta
Conselho Consultivo relatórios que ele promete de referenciamento e referências a trabalho conjunto
bienais que permitam ao Conselho valorização dos entes beneficiados. feito com o Centro e a
avaliar os rumos de seu trabalho. Os efeitos benéficos desse Coordenação de Folclore e Cultura
Deveriam fazer parte da pauta Programa jamais poderão se fazer Popular da Funarte, o que é muito
dessas avaliações bienais de caráter sentir evidentemente se o Iphan bem-vindo. Lembro
meramente informativo, por um não estiver aparelhado financeira e particularmente a minha área de
lado, a atenção aos possíveis e profissionalmente para colocá-lo trabalho, a antropologia, dada a
eventuais efeitos negativos do em funcionamento. O Conselho contigüidade de seus interesses com
Registro, do ponto de vista de Consultivo deveria estar os do Programa (o que é certamente
apropriações mercantis descabidas permanentemente ao corrente provado pelo grande número de
da conotação de autenticidade, por dessas condições para poder julgar contribuições de profissionais dessa
exemplo. As implicações do uso com pleno conhecimento de causa disciplina ouvidos no processo de
(ou não) da propriedade intelectual do caráter estrutural ou conjuntural estabelecimento da política do
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patrimônio imaterial). É mesmo identificação. Seria profundamente permanentemente a par das


possível augurar uma aproximação desconcertante que essa nova e características do fluxo de demanda
formal, nesse sentido, com a promissora iniciativa seguisse o a este novo Programa, de modo que
Associação Brasileira de rumo da grande maioria dos ele possa perceber os contornos
Antropologia (ABA), instituição arquivos e acervos públicos maiores do processo para o qual se
de absoluta legitimidade nesse brasileiros, atormentados pela lhe pede seus abalizados juízos
campo. Mas é claro que incúria administrativa ou pela pontuais. O segundo consiste em
muita competência de outras continuada escassez de recursos – organizar o ritmo das reuniões e a
áreas, como a da história ou da o que os vota a uma certa e densidade de suas pautas de tal
arquivologia, será necessária para irreparável destruição. Algum forma que o Conselho Consultivo
o melhor desempenho das funções entrosamento com o Arquivo disponha do tempo necessário para
agregadas ao registro. Nacional, que acaba de inaugurar discutir em profundidade as
Entre as condições materiais auspiciosamente sua nova sede implicações de sua ação na política
necessárias à plena consecução de restaurada, no Campo de Santana, do patrimônio cultural nacional
tantas boas intenções a que hoje seria talvez instrumental para (agora enriquecido do patrimônio
damos uma chancela ritual um planejamento profissional imaterial) e não apenas – como
encontra-se um ponto de longo alcance. tem quase sempre feito – ater-se
repetidamente discutido no Creio ser necessário, por fim, a aprovar os pareceres relativos a
Conselho Consultivo (sobretudo insistir em dois pontos que já foram processos específicos.
por instigação de Thomas Farkas): levantados nas reuniões deste
a eficiência da política de Conselho anteriormente e que Rio de Janeiro, 15 de novembro
preservação aplicada à poderiam vir a merecer a acolhida de 2002
documentação recolhida ou da Presidência. O primeiro consiste
produzida no inventário e na em colocar o Conselho Consultivo Luiz Fernando Dias Duarte
Referências bibliográficas:

londres, Cecília (org.) –


Patrimônio Imaterial, Tempo
Brasileiro, no. 147 (número Este livro foi produzido
temático), Rio de Janeiro, 2002 no inverno de 2006 para o
maatsura, Koïchiro – Discours à Instituto do Patrimônio Histórico
l´occasion de la réunion e Artístico Nacional.
internationale sur “le patrimoine
culturel immatériel: le rôle de
l’unesco et les domaines
d’action prioritaires” (mimeo),
Rio de Janeiro, 2002
minc/iphan – O Registro do Patrimônio
Imaterial. Dossiê final das atividades da
Comissão e do Grupo de Trabalho
Patrimônio Imaterial. Brasília:
iphan, 2000.
ficha catalográfica elaborada pela
biblioteca aloísio magalhães

Ofício das Paneleiras de Goiabeiras. – Brasília, DF:


Iphan, 2006.
70 p.: il. color, 25cm. – (Dossiê Iphan; 3)

isbn 8 5 - 7 3 3 4 - 0 3 1- 2
Bibliografia: p. 54-58.

1. Patrimônio Cultural. 2. Patrimônio Imaterial.


3. Paneleiras-ofício. I. Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional. II. Série.

Iphan/Brasília-DF cdd –745.5

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