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© Direitos de publicação e de trad ução (da edição italiana Promemoria dei Teatro di ' SUMÁRIO

Sirada, Edizio ni Teatro Tascabile Bergamo e Teatro Telaio Brescia, 1989) reservados
pela Ed itora Huc itec Ltda., Rua Gil Eanes , 713 - 04601 São Paulo, Brasi l. Telefones :
(011)240-9318, 542-0421 e 543-0653; vendas: (011)530-4532; fac-símile: (011)530-5938.

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ISBN 85-271.0458-X
. Foi feito o Depósito Legal.

Editoração eletrônica: Ouripedes Gallene e Rafae l Vitzel Corrêa

Prefácio 9
Dad os Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Sandra Regina Vitzel Doming ues)
Reflexão sobre o tea tro e seu espaço 11
C 959 Cru ciani, Fabrizio
Teatro de Rua / Fabrizio Cruciani, Clelia Falletti; Uma tradição irresolvida 19
tradução de Rober ta Baarni; com o capítulo Teatro de Rua no
Brasil de Fernando Peixoto. - São Paulo : Hucitec, 1999. A tradi ção de nosso século: perspectivas com exemplos 23

A trad ição con temporân ea : três m od elos e duas situações 77


168 p. ; 21 em. (teatro; 37) 78
JULIAN BECK E o LIVING TH EATRE
ISBN 85-271-0458-X
PETER SCHUMANN E O BREAD AND PUPPET TH EATRE 91
Tradução de : Pro mem or ia de i Teatro di Strada
EUGEN IO BARBA E O ODIN TEATRET 102
ATELIÊ INTERN ACION AL DE BÉRGA MO, 1977 115
1. Teatr o 2. Teatro de rua - Brasil I. Falletti, Clelia
FESTIVAL INTERNACIONA L DE SANTARCANG ELO, 1978 125
11. Baarn i, Roberta m. Peixo to, Ferna ndo . Teatro de Rua no Brasil
IV. Título: Teatro de Rua V. Teatro de Rua no Brasil VI. Série.
Uma tradição possíve l 139
CDD - 792
792.0981 Teatro d e rua no Brasil, Fernando Peixoto 143

índi ce para catálogo sistemático :

1. Teatro d e Rua 792


2. Teat ro de Rua: Brasil 792.0981 7
PREFÁCIO

N ÃoPOR ACAS O um termo tão complexo como a p alav ra teatro tem um


espessor sem ân tico ao mesmo tempo tão denso e in de finido: teatro é
um lugar físico, um espaço arquitetônico qu e se foi org anizando de
formas variad as no decorrer dos sécu los; teatro também é a obra lite-
rária ainda à espera d a sua encarn ação em cena por meio da med ia-
ção de um diretor e de atores; teatro é enfim, pl enamente, o produto
artístico; aliás, em sentido rigoroso, ap ena s es te último é teatro de
forma tão pregnante que é po ss ível se "fazer teatro" me sm o prescin-
dindo da s duas acepções antes' lembradas.
Dando-se por descont ad a es ta premissa, é p aten te a con tradição
determinada por dois grupos teatrais, o "Teatro Tascabile" de Bérga-
mo e o "Teatro Telaio" de Brescia, qu e se aventuram numa in iciat iva
editorial deste teor: um livr o a respeito do teatro qu e con tradiz cada
um dos postulados acima citados. .
Uma contribuição - e nã o um ensaio, esclarecemo s desde já -
acerca de um gênero, o teatro de rua, qu e cer tame n te n ão é um gêne -
ro entendido no sentido tradicional com formas e es tilem as cod ifica-
dos; sobre um fenômeno que leva at é às extremas con seqüên cias a
crise arquitetônica do teatro, que reinventa a cad a vez se us espa ços,
para voltar ao s primórdios, à parada, à pantomima eqüestre, à pom-
pa; que se espalha para alémdo horizonte d a palavra liter ária, ren o-
vando o gesto e dilatando a po tencialidade do corpo e da voz.
Talvez neste conjunto de negações é que se justifique a necessidade
deste livro e que se .reso lva a mais rad ical d as con tra dições: ter a pre-
ten são de fixar n a p ágin a, qu e está fora d o tem p o, aquilo que por sua
9
10 PREFÁCIO

n atureza - isto é, o even to teatral - tu d o vive, e que se consome n o REFLEXÃO SOBRE O TEATRO E SEU ESPAÇO
p resente; e que, à d iferen ça d a p alavra escrita, ext rai su a vitalid ade
deste se u morrer e renascer a cada ap resen tação . Uma n ecessid ade,
di zíamos, move es te livro: a convicção, aliás já trad uzid a pelo Festi val
R ENZ O V ESCOVI
Internacional de Teatro, Música e Dança Sonaoan... le vie dintorno qu e
o tea tro d e rua, m ais d o que qualq uer outra forma cên ica, asseme-
lha-se à vida, a ela adere, tem suas p ulsações, esperanças e fadigas;
que p assa, a través d os muros das r uas e d as praças que se tran sfor-
m am em circo e arena e fest a, o m esmo sopro d e vida qu e ani ma as
d iárias vicissitudes humanas das quais fora m test em unhas.
E, se é assim , o prezável es tu do de Fabrizio Cruc iani e Clelia Falletti
"De co mo toda m in ha vida
(um a "n ão história" e uma "não fund amentação teórica" do teat ro d e ten ha me levad o a este po nto:
rua) merece a lu z como os grafites d e nossos ances trais camunhos': o teatro de rua" (Iulia n Beck)
para test emunhar es te micro cosmo que é o teat ro d e ru a que contém
n ão b iografias ilus tres e um ca tálogo d e espetáculos m ais ou m enos
bem sucedidos, mas, primariamen te, migalhas de vida, fragmen tos, "NUNCAp ensar am o quanto é arquitetonicamen te es tú pido o teat ro
por tanto, da h ist ória do Homem. italian o?
Tea tro Telaio "Comecemos pe la sala, a 'casa' (llOuse). Um n ome tolo p ara fileiras
após fileir as d e assentos regularmente dispostos , p equen os objetos
de cen a que os espectadores alugam por umas pou cas horas. Não h á
n ada, aqui, da liberd ade d e disposição de uma casa on de as pessoas
vive m, e p odem d eslocar os m óveis à sua volta, d o jei to que bem
d esejarem.A m aioria d os lu gares n a "casa" n ão são apropriados p ara
ver e para ouvir.
"As p rimeiras fileiras são tão p r óximas dos a tores que eles, em
se u esforço p ara se p roje tarem a té o fund o e n o alto d as ga lerias,
cospem à sua volta toda; as poltronas laterais dão uma visão do
p alc o típic a de barracão d os espelhos deforman tes , tu d o levad o fora
d e prop orção. Os assentos atrás d a orquestra, so b o b alcão, são claus-
trofóbicos e, além d isso, um ve rdadeiro crime acústico; a visão d os
galin heiros faz o palco parecer u m circo das pulgas. Apenas uns
p oucos lugar es da platéia , m ez an in o e p rim eiro balcão oferece m
al go como uma ag rad á vel visão d a cena. Mas n ão é surpresa. O
teat ro ita liano foi originaria mente formado para remarca r as dife-
ren ças de cla sses e de censo. Qu eria m ost ra r que h a via lu gares real-
m ente bons, lugares m édios, feios e h orror osos.
"Quando as pessoas chegam a trasadas ou vão-se em bora an tes ,
p isam nossos p és, desfilam a bu nda na nossa cara e perturbam filei-
ras in teiras de es pec tadores . Não h á como ajeitarmos o corpo, es tirá -
. Ca m un hos são os a n tigos habit an tes p ré-rom anos d o va le Valca m ónica, l1 .d .t.
lo ou esticar os braços.
11
12 REFLEXÃO SOBREOTEATRO ESEU ESPAÇO REFLEXÃO SOBREOTEATRO ESEUESPAÇO 13

"Durante o intervalo todos voam para o foyer a engolir comida, culiar: as caracterís ticas d e recepção e os meios físicos específicos
beber, fumar, papear. O intervalo representa o único m omen to h u- ligados à sua a tuação.
mano. Até m esm o para, naturalmente, ver quem es tá ali, o que sem
dúvida é uma das maiores e mais antigas alegrias do teatro. Não Filha de se u fi lho
somente para olhar ou procurar pessoas famosas, mas para olhar
en tre a multidão, ver quem saiu conosco n esta noite. É impossível Todas as ou tras artes (igualmente, mesmo que de modo teórico, a
fazer es tas observações na platéia tenebrosa, que n os obriga a nos música) podem - ou até mesmo devem - ter in terlocu tores indivi-
concentrarmos d iretamente à nossa frente - como na igreja ou na duais: o teatro aco ntece, ao contrário, na presença de um público e,
escola - sobre um espe táculo que, no fundo, é possível que não nos como sabemos, não é passível de uma análise para além das atuações
interesse minimamente." (Richard Schechner, 1973, reeditado recen- iso ladas e momentâneas de que consis te. Na obra tradu zid a em alg u -
temente em Performative Circumstances:From the Avant Garde to Ramlila, ma realidade física (Os Lusíadas, a Gioconda, o Partenon, Aleksandr Ni é-
Calcutá, 1983, p . 80-1). vski, La Traviata) o artefato ar tístico permanece imutável; a mudança
realiza-se somente por parte do receptor (leitor ou visitante ou ouvin -
TEMOS realmen te certeza de que inves tir dinheiro em palcos de ci- te ou espectador: de época ou talvez contexto sociocultura l diferente
men to, fileiras de assen tos pregados e galinheiros variadamente res - do "previsto" ou claro para o autor) semfeedback material- é o que
taurad os seja a melhor maneira de dar nova vida a uma realid ad e nos interessa neste raciocín io - acerca da obra acabada e inalterável
que parece ter esgotado seu curso? (salientando isso não para sugerir uma absurda in depen dê n cia da obra
Talvez o veio profundo não estancou minimamente, m as, pelas para com seu público, mas para sublinhar a for te dessemelhança que
mesmas leis que guiaram as correntes nos séculos, o fio está "sim- regula, no que conceme este aspecto, a fisiologia das artes cên icas) .
plesmente", como noutras vezes, trocando de leito. O a to tea tral consuma-se, ao contrário, dian te dos espectadores e
Claro, a mais óbvia ilustr ação do vocábulo "teatro" ainda sugere nu tre-se materialmen te de s ua respos ta imediata .
um palco no qual uma ou várias pessoas, diante do público reunido Num casual engarr afamen to histórico-geográfico a resposta con -
para a ocasião, d izem uns para os outros, de forma convenientemen- dicionan te do "público" tomo u-s e tão encorpada e rígida a ponto de
te exp ressiv a, palavras ou frases d e um preexistente texto literário se transform ar, arro gantem ente, n uma perversão in édita: a petrifica-
decorado. . ção . O edifício teat ral. .
A noção parece hoje tão imediata e evidente que talvez valha a Àquela altura a relação prosseguiu com uma espécie de mons-
pena recordar como, na realidade, es te significado abrange apenas truosa homogeneidade: a cena de pedra sustentou o condicionamento
de forma parcial, aliás bastante limitada - quer no espaço quer no sociológico do público (com as diversificações arquitetônico-estru-
tem p o, como também na própria realid ad e social - aquilo que du- turais recordadas por Schechner) petrificando mesmo a drama tur-
rante séc ulos e em todos os cantos da terr a costumou-se indicar com gia: que se tomou, assim, filh a de seu próprio filho, o edifício teatral,
a mesma palavra, teatro, justamente. tomando-se es téril, num círculo vicioso. Daqui os patéti cos pedidos
O que hoje geralmente se en ten d e com es te termo, na verdade li- por "novas drama turgias" reduzidas a novos textos a serem revoc i-
mita-se a dois ou três séculos de prá tica essencialmente européia, fera dos nestas estúpidas estruturas: uma ter ap ia n ão apropriada, pra-
em conformidade com u m a certa evolução da história cultural da- ticad a à base da alimen tação for çada e da circulação artificial, com
qu ele continente; mas o teat ro possui uma trad ição, um terr itório, e grande desperdício d e dinheiro p úb lico e de técn icas de marketing
um contexto social muito mais an tigos e abrangentes . importadas de ou tras atividades.
Como as outras artes ele tem o di reito de percorrer seu caminho Quem continua restau rando e mesmo fabricando palcos italianos,
antecedendo ou encalçan d o, ou naturalmente acompanhando, as tor- até com palcos de cim ento imperecível troca , por p reguiça, o meio
tuosidades do even to humano. Parece, no entanto, qu e um duplo com o fim : para alcança r o específico teatral do século XIX aquela
fenômeno sui generis condicionou a trajetória do teatro em modo pe - sala era , talv ez, ou até certamente, o melhor meio.
14 REFLEX/':O SOBRE O TEATRO E SEU ESPAÇO REFLEXÃO SOBRE O TEATRO E SEU ESPAÇO 15

Mas agora, transformada a sociedade - abertas novas realidades que é o do público. Neste ponto a consideração é certamente mais
para o entretenimento, a cultura, o tempo livre e o seu sentido, par- difícil e talvez mesmo, ou ainda, ligeiramente equívoca (a aborda-
cialmente remexido o contexto social- mudou o específico. gem que aqui se propõe ressente de urna parcialidade deformante, a
O específico da dramaturgia clássica residia essencialmente no tex- do ponto de vista do homem de teatro).
to: mas hoje os textos estão mais disponíveis para a leitura, publicados Um de seus aspectos mais evidentes deriva do sentimento talvez
e resumidos nos jornais, ilustrados pelas fotonovelas e quadrinhos, primário do artista de teatro, a intolerância contra ter de confiar a
transformados em seriados de rádio e de TV: o alto-falante-ator (assim garrafa ao mar: não à escuridão da providencialidade poética (o es-
definia-o o velho ator italiano Memo Benassi), com suas entonações pírito sopra onde bem quiser, claro), mas à luz anônima dos néons
microfônicas igualadas às milhares que crepitam ou grasnam a todo o com polidas multidões, desmotivadas ou inconscientes, arrastadas à
momento em nossos ouvidos, detém então apenas urna função aces- assinatura' por intermédio das promoções de marketing.
sória mais bem cumprida em circunstâncias mais favoráveis. "Não gos- Se é legítimo imaginar o resgate do poeta graças ao isolado leitor
to do ator Carmelo Bene", dizia distraidamente o diretor Gabriele Lavia, jogado no mais sombrio cárcere do outro lado do mundo, como pro-
numa entrevista para um jornal, "ao ouvi-lo tem-se a impressão de testava apaixonadamente Camus, seria legítimo imaginar algo equi-
ouvir o rádio...": como contrastá-lo se alguém (os mais pobres) só con- valente para o livro acondicionado com bombons-brinde?
segue ver deste ator, da distante galeria dos teatros à italiana (the stage Afinal, toda a revolução artística (sintoma da insuficiência do sta-
looks like a fica circus), uma manchinha branca? De qualquer forma, tus preexistente) implicou uma transformação consciente do públi-
qual é a vantagem de se ir ao teatro para ouvi-lo: não é melhor conse- co: Dante escrevia na língua vulgar das mulheres do povo, Manzoni
guir ver seu corpo ou mesmo seu rosto (com algum primeiro plano) vende seu romance em fascículos ilustrados: porque á lição de Sada
pela TV? Um microfone vale outro, a voz não difere, então... Yacco, tão admirada por Meyerhold, foi a de não ter-se perdido pro-
O específico teatral hoje é bem diferente: deve ser analisado me- curando entoações sinonímicas para suas falas, e sim a de tê-las dan-
lhor, naturalmente, mas a formulação famosa que o indicava na jisi- çado, conquistando os espectadores.
cidade do ator, em seu verdadeiro corpo e em sua verdadeira voz, Quero dizer que um elemento teoricamente estranho à obra, ou
demonstra-se cada vez mais exata à proporção que tecnologia e con- como que adjacente e, por assim dizer, colateral a esta, acaba na rea-
sumismo englobam espaços cada vez maiores da vida social e indi- lidade sendo absorvido por seu coração e a colocar-se como uma
vidual. característica ulterior (e essencial) da obra em si.
Mas para desfrutar desta fisicidade os espaços devem poder ser Em momentos de urgência não se pode ser excessivamente escru-
diferentes: por exemplo mais limitados ou concentrados, ou sem in- puloso, e, como dizem os franceses, para se fazer a omelete, é preciso
vencíveis empecilhos estruturais como cadeiras encavilhadas ou pal- quebrar os ovos. ,
cos de cimento acima do nível da platéia: o verdadeiro teatro de hoje O que é preciso quebrar, aqui, são as barreirras que' dividem hoje,
será um espaço-recipiente que protege das intempéries e do barulho. no teatro, seus diversos públicos especializados: o espectador de
Quanto trabalho há, para os arquitetos conscientes, nesta simpli- vanguarda não vai assistir a um ator conhecido e clássico como Giulio
cidade! Bosetti, e vice-versa.
Para tentar arrancar desta afirmação o curioso sabor de bizarrice
A dramaturgia do espaço ao público gratuita, é preciso ter a paciência de passar por algumas considera-
ções elementares: hoje, para irmos ao teatro, é necessário fazê-lo de-
Na verdade, porém, o raciocínio óbvio da arrogância da pedra liberadamente e para tanto é preciso pertencer a um determinado
talvez deva ser levado adiante.
Por mais discreto que seja um recipiente; e mesmo que equipado
com espaços dramaturgicamente afinados à potencialidade de cada . Na Itália, a maior parte do público freqüenta os teatros "es táv eis" fazendo assina-
evento específico, seu aparecimento não toca um problema ulterior, turas para as temporadas, n.d.t.
16 R EFLEx A O SOBRE O TEATRO E SEU ESPAÇO R EFLEx A o SOBRE O TEAT RO E SEU ESPAÇO 17

censo cul tu ral, so b cujo n ível não h á n em mesmo os pressupostos p rática parece, legitimamente, desen cad ear. E só para começar: qu anta
técni cos. E p reciso termos uma certa esc ola ridad e, sa berm os reco- ru deza e a tra p alh ação n estes primeiros ens aios im aturos! As pessoas
nhecer a grá fica dos cartazes en tre as propagandas murais, lermos de bom gosto, como Leopardi chama va os leitores flor entinos muito
os jornais e a p ág ina de espetác u los, as m odalidades das res er vas e decep cion ados com Os noivos, acham que se us limites es téticos são
ass im p or d ian te. Abaixo d esse n ível ficamos automaticamente ex- insuperáveis. Os crí ticos , p or sua vez, evi tam m eticu losamente (na
clu íd os d os teat ros p orque - d eixando-se de lado a falta de necessi- Itália: com rar íss imas exceções) escrever acerca dos espe tácu los de
dade (induzida) - n ão temos a possibil idade material de ir até lá . ru a e os mais benévolos toleram o fenômeno com picos d e impa-
Po d e-se observar, naturalmente, que aquela camada de excluídos ciênc ia (a se nhora Círio, por exemplo, que é crítica de teatro, sugeriu
es tá geralmen te tolhid a d e muito m ais do que o teatro e que portan- inopinadamen te qu e se se rrassem as pernas-de-pau). Outros so rr i-
to, se o problema exis te, é um problema de história e de sociopolíti- ra m com prazer à p rop ost a: a bem d a verdade, ce r tos exem p los p ara
ca, e não d e teatro . além d os Alpes e para além d o mar (o Bread and Puppet) poderiam
Tal vez, e ali ás com cer teza, especi almente se por teatro nos refe- con ferir alg um a legitim idade a essas ex travagân cias, m as n ão será
rirmos à d efin ição corren te referid a. Mas, para nos limitarmos ao es ta pobre an dorinhazinha a ge rar a p rimavera. .
negligenc iável tema de qu e n os ocupamos, d o m esmo modo que é O fenômeno p ar ece con ter, no en tan to, tod as as carac terísticas
d ifícil afirmar se se ria o so lad o a gas tar a calçad a ou a calçada a gas- n ecess ári as (ain d a, certamente, in suficientes) p róprias das legít imas
tar o solado, para d ar sentido e conclusão operativa a est a metade do revolu ções. A m oti vação estét ica ini cial (intoler ância para com as
d iscurso, for talece -se a citad a intolerân cia d o teatro-texto e d a práti - esgo tadas p rát icas teatra is oficiais e se u em bo lora do enxoval soc io-
ca cên ica d o teat ro oficia l. E se os teat ros, com a dureza da pedra e lógico) que se alarga em atenção h ist órico-soci al : massa s d e m ar gi-
se us poleiros d ist antes, n os obriga m a ler em vo z alta algum Oscar n alizados da cu ltu'ra alcançá veis com este meio!, o dinheiro público
clássi co para a p la téia dos bombons, uma das soluções é, certamen- das subvenções investid o realmente em prol d e toda uma comuni-
te, sair d eles. d ade! O desejo abs tra to ou cap richoso de uma n ova d ramaturgia aq ui
Assim n asceu o teatro de rua, e das especiais car act er ísticas topo- encon tra u m ban co de p ro va e uma ofe r ta con cre ta.
gráficas d e se u n ascim ento ex tra iu alguns de se us traços e de seus Tratam-se d e temas n ovos (o público misturado os dita universais
de sd obramentos. Na rua, cruzamento obrigatór io da comunidade, com o a p oesia , não deformados ou banalizados pela "média " con he -
encon tram -se p assando o p úblico conhecedor e os que estão abaixo . cida d o público d estinat ário); criam -se n ovas e indispensáveis técni-
do n ível: don as-de -casas e con ta dores, ado les cen tes e avós, leitores cas teat rai s e novos at or es para um n ovo p úblico. A n ova for ma
d e ensaios e an alfab et os. Podem parar ou ir embora (nenhuma nota mostra-se já tão ric a a ponto d e abrir esp aço para ulter iores e d ife-
promissória d e as sina tura os ata psicologicamente à poltrona). No rentes d esdobramentos, uma espécie d e coa ção em criar qu e en globa
caso d o espetác u lo itiner ante, ao qual propriamente nos referimos, n ovos, inimaginados territórios. Ausculta-se assi m o ritmo circadia-
pode m seguir ou aba n donar a rep re sen ta ção, sobe ran os das pró- n o, aco m panha m -se assim as h oras d o di a (a sus pe nsã o d o cre pús-
prias d ecisões m ais sinceras. E aq ui, talvez p ela primeira vez, largas cu lo, o p assar d a noite em madrugada...), red escober ta a cena di screta
cam adas do gue to d a poltro n a d as TVS privadas terão um encontro da Natureza, suas luzes e seus sons: afin am -se e fund em-se os lim ites
com o fen ômen o "teatral" : a tores tocam dos campanários, outros cho- entre p aisa gem natural e urbana, música e prosa, teatro e dança .
cam -se sobre as pe rnas de paus , ou tros p assam em cortejo d e banda H á, alé m di sso , um ulteri or arg umen to, acessório, percebo -o, m as
sob as jane las ab ertas, sae m corre n d o d e rep ente, seguidos em dispa- . ta lvez n ão tot almente d esprezível e cer tame n te concedido aqui em
rada pelos espectad ores, acolhem Julietas populares (ou entrevêem remate, em qu e m e veio: no fun d o, escrevia Schechner pouco acim a,
sofisticadas Eleonora s) aos balcões. o es pe tácu lo pode n ão m e in tere ssar nem um p ouco. O quehá de mais
bonito no teatro, sus ten tava já em sua época Baudelaire, são os lustres:
o QU E SE en tende p or novo espaço teat ral p od er ia agora tal vez ser m as va mos tentar sair dele e, em caso de necessid ad e, n o mínimo
in tuí do, com o p or outro lad o bem com preensíveis são as perplexida- volta rem os a·ver as es trelas.
d es ou as resist ên cias ou a té m esmo as firmes oposições que es ta
UMA TRADIÇÃO IRRESOLVIDA

SE OLHARMOS para a extensão, cronológica e geográfica, dos even tos


que se assina lam so b a locu ção "his tória d o teatro ", tem- se a s ur pre-
sa de perceber o q ua nto é lim itad a a seção pertine n te ao edifício tea-
tral como lugar específico, proje tado e aparelhado para os espetácu los.
Teatro faz-se nos mercados, nas feiras, nos paços, nos espaços de con-
gregação da comunidade; faz -se nas igrejas, nos lu gares de cu lto,
nos adros das igrejas; nas praças, nas ruas, nos quintais, nos jardins
púb licos; etc. Aos loca is das represen tações su bst itui-se (e nunca to-
talmen te) o específico espaço do teat ro so me n te em algumas seções
(crono lóg icas e cu lturais) da hist ória d as civi lizações. Exis tiu um
"gênero" d e espe tác ulo, como a en trada triunfal, qu e fazia d a cida de
teat ro; exis tiram, desd e sempre e em tod o o lu gar, os espe tácu los
liga dos à multid ão dos m ercados.
En tre entretenimen to e rito, ar te e festa, o teat ro de ru a tem uma
longa e complexa história pessoal. E também não é uma trad ição do
teat ro, não, ao menos, na consciência da cultura : pertence ao faze r, e·
também n ão pertence à reflexão cognoscitiva.
"Teatro de rua" é um term o que pode abarcar coisas bas tante diver-
sificadas. Pode-se pensar no tea tro como o conhece mos nas sa las, ape-
nas reconstituído ao ar livre; po de -se pen sar n o espetácu lo itin erante,
que é verd ade iro so men te qua ndo é ve rda de iro, qu ando en tre tém as
pessoas para dali tirar seu sus ten to; ou no espetácu lo mais ou m enos
espon tâneo como podemos ver hoje no Beaubourg ou nas estações de
metrô de Nova York ou Paris; ou ainda nas multíplices ar tes do circo;
ou nos espetáculos que poderíamos defi nir de difusão ou contág io nas
. . 19
20 U MA TRA DIÇÃO IRRESO LVIDA UMA TRADIÇÃO IRRESOLVIDA 21

festas. Até chega rm os aos happenings e às representações. Preferimos "Deixar o teatro para ir aonde?" À igreja? alguns curiosos n,os segui-
retomá-lo em sen tid o estreito e falar som ente daquele teatro que na sce riam. Não os crentes. À fábrica? Ao palácio dos novos-ricos? A casa do
povo? À praça pública? Pouco impor ta o lugar desde que os que aí se
como teatro e se organiza pelas ruas: d eixaremos de lado, portanto, as
juntam tenham a necessidade de nos ouvir, e que nós tenhamos algo a
muitas art es d e espetácu lo d e me rcado de um lado; bem como, d o
lhes dizer ou a lhes mostrar, e desde que este lugar seja animado pela
outro, o simples levar ao ar livre a forma de teatro de sala (para escla- força da vida d ramática que está em nós. Se não sabemos para onde ir,
recer por m eio de um exem plo: mesmo o Orghast, de Pet er Brook qu e vamos para a rua. Que nós tenhamos a coragem de mostrar que nossa
foi teatro ao ar livre, ao passo qu e o Orlando Furioso d e Luca Ron con i arte não tem asilo, que não conhecemos mais nossa razão de ser e não
foi teatro de ru a). É um teatro qu e tem se us m ódulos representat ivos. sabemos mais de quem esperá-Ia. Para a aventura até que não tivermos
Se tomarmos, por exe mplo, um m ódulo en tre os mais relevantes, a encontrado, para aí fincarmos nossa barraca, o lugar do qual poderemos
p arada, nela distinguiremos m od alidades d e representação e de espe - dizer: aqui está nosso deus e nosso país".
táculo (rep resen tativas e espetaculares ) d iversas.a m ais difusa é, sem
'd ú vid a, a da procissão, escond ida pela seqüência ordenad a d as ima- (Jacques Co peau, Nota para uma conferênciaem Am sterdã, 21 de janeiro
gens e das ações; pode-se também organizar corno espe tácu lo por eta- de 1922. In Appels, Paris, Gallimard, 1974, p. 274.)
pas, no qual se passa d e um lugar par a o outro, ond e se pára a fim de
real izar a ação d o espetáculo; pode também ser de não-env olvim en to
mas de ataque ou infiltração, com uma estratégia m ilitar, na qual os
atores contrap õem-se aos espectadores. Há portanto uma dramatur-
gia, há técnicas de representação , há uso do esp aço: há uma lin gua-
gem teatral. Em nosso século, ad emais, introduz-se no teatro de rua
com esp ecial força, o " tea tro que sai para a rua", física e metaforica-
mente, qu e se con stitui como aven tura e viagem, exp eriência que se
abre para o risco d o imprevisto e do d esconhecid o, qu e tem alg o a
d izer para um público qu e o é nã o por necessid ades pretextuais e qu e
se pod e certam ente procurar satisfazer sem se av iltar (como escrevi a
[acques Copeau a um jovem gru po flam engo em 1927, que, tendo aban-
d on ando o teatro oficial e evitad o o teatro de arte , tinha escolhid o a
ru a). Ou seja, o teatro d e rua nã o como um transferên cia para o ex-
terior do s m od os e das p essoas do teatro, e sim como uma diferente
situação do teatro.
N esta im p os tação do p roblema podem ap arecer ev en tu alme n te,
aqu i e acolá, com certeza, as mitologias d a or igin alidade, da espon -
taneidad e ou d o "p op ular"; m as é mais útil ver, em p ositi vo, a pes-
quisa que nasce d o teat ro para encon trar um sen tido e expressar
val or es, para se por tar em si tuações cultural e socialmen te m en os
m ed iadas. Recuper ar par a o teat ro aque le fascí nio qu e Sklo vski ide n-
tifica no acrob at a: p od e at é m esmo cair. .
Mas a reflexão ace rca do teatro, a consc iência cul tural qu e d ele se
tem, e até m esm o a d o ofício, afast ou o teat ro d e rua - como um
"teatro m en or" (com um julgamento d e sa bor oi tocen tista) . Misturan-
do numa ún ica in ferioridad e tod os os m odos e os níveis d o teatro na
22 UMA TRADIÇÃO IRRESOLVIDA

rua. Assim o teatro de rua aflora de vez em quando na história da A TRADIÇÃO DE NOSSO SÉCULO:
cultura teatral ou se confunde, de algum modo enobrecendo-se, com
a teatralização da cidade. É portanto uma tradição, claro, porque PERSPECTIVAS COM EXEMPLOS
continua e se amplia; irresolvida, porém, porque afastada na separa-
ção . .Mas que os homens de teatro reencontram toda a vez que se
medem com o sentido de suas escolhas por meio do teatro.

VAMOS PARA O teatro com costume indiferente: o edifício nos é fami-


liar, entramos na sala mais ou menos acolhedora e luxuosa, nos sen-
tamos confortavelmente e aguardamos o momento em que vai abrir-se
o pano de boca. Parece um modo "natural" de se ir ao teatro e natu-
ralmente é, ao contrário, um modo acrítico e autoritário, ideologiza-
do e redutivo. Desde o -fim do século passado a vanguarda teatral
reagiu contra este teatro do costume; assim como a sociedade civil
comprometida na fundação e conservação dos valores.
Em nome da arte teatral, em nosso século o teatro saiu dos teatros;
a fim de que o teatro pudesse ser algo mais do que apenas teatro, por
isso a história do teatro do século XX se desenvolve apenas parcial-
mente nas salas teatrais.
Com os primórdios de nosso século o sentido e a função do teatro
mudam profundamente. Tudo o que antes se concentrava na articu-
lada unidade do teatro será, em seguidà, cumprido e disperso por
meio de uma variada multiplicidade de meios de comunicação que
conquistam para si próprios ·linguagens específicas e modos de re-
cepção (o cinema antes dos outros): e o teatro reinventa a si próprio.
Inicia-se uma fase de grande força centrípeta, na qual o teatro abre
suas fronteiras e as estende pará imitir os mais diversos modos ex-
pressivos, nos quais os homens de teatro procuram, fora dele, quer
formas, quer situações, quer sentidos.
Pode-se, no século XX, traçar uma história de espetáculos e teatros
não tea trais que vão sendo experimentados em diferentes formas de
teatro ao ar livre; e uma história de homens de teatro que se colocam
23
A TRADIÇÃO DE NOSSO SÉCULO: PERSPECTIVAS COM EXEMPLOS 25
24 A TRADIÇÃO DE NOSSO SÉCULO : PERSPECTIVAS COM EXEMPLOS

1859. AS FESTAS DE SCHILLER . UMA LITURGIA DE UNID ADE ~a ~ u canto no momento em que o cortejo es tava chegando. Depois os es-
NACIONAL NO CENTENÁRIO DO NASCIMENTO tudantes segui ram para outra praça, onde can tara m hin os estuda~ tis e
.1I11on toaram seus archo tes até transformá-los nu ma grande fogueira. O
As festas shillerianas desenvolveram-se em nível local: cada cidade uso a que foram destin ada s nesta ocasião a Ludw igstrasse (projetada
organizou as p róprias manifestações. (...] para os cort ejos reais) e a Feldherm lzalle foi re toma ~o .ce_rca. de setenta
A festa iniciava-se cos tumeiramen te com cort ejos, uso qu e já se torn a- anos depois, quand o os nazistas ado taram encenaçao id ên tica para co- ~,
ra norma, e às vezes eles eram alegrad os por carros alegór icos sobre os mernorar seus mort os no golpe de Hitler, em 1923. :/

temas das tragédias de Schiller, trazend o vár ios grupos com os símbolos Além dos corteios e dos discursos, as festas shillerianas também eram r"

de seus ofícios. As bandeiras eram de pra gmática e todos os qu e partici - alegradas por repr~sentações simbólicas (Tra I1Spal:el1 t~) e por lab~em!x-vivmlts.
pa vam do cortejo tinham de exibir o mesmo emblema; em Lípsia, por Frankfur t, entre as várias cidades que se pod eria Citar, constitui exemplo (
exemplo, todos leva vam a verga de Mercúrio na qual estava em poleira- típico em razão da encenação ali realizada de enorme simbol!zaçãO da ~le- ,,,
do um mocho, símbolo da arte e do comércio. À noite davam-se desfiles manha coroando Schiller com ramos de louro e tendo aos pes as represen-
à luz de archotes e pelas colinas em volta acendi am-se fogueiras. De tações das várias tribos germânicas.O teatro municip al ence~ou lableallx-vi- :'
hábito o desfile term inava na praça do mercad o, onde se dav am d iscur- val1 ts inspirados nas tragédias de Schiller, que semp re termm avarn com a
sos e brindava-se a Schiller e à nação alemã . Por vezes as cida des prepa- apoteose do poeta, que ascendia ao céu para ser cor~ado por s~us predeces- ;;
ravam encen ações de efeito pecul iar, possibilitad as pelas cara cterísticas sares, de Lívio a Shakespeare. No teatro o tema nacional devia ceder ll~ga r
urban ísticas: Mun iqu e, por exemplo, serviu-se d a Feldherrnluille, situada às artes, mas nas representações ao ar livre sempre estava presente:Schiller
no final da Lud wigstrasse, a alameda projetad a por Klenze para os cor- e a Alemanha foram orgulhosamente unidos.
tejos; um cortejo à luz d as tochas de cerca de quinhento s estudantes en-
cerrou- se diante do monumento, cujo pórti co era decora do por um busto (de G.L. Mosse, La nazionulizzazione delle masse, Bolonh a, li Mulino,
de Schiller circundado pelos coros masculinos da cida de, qu e iniciaram 1975, p. 99 -100).

numa situação que lhes é estranha, tendencialmente em relação mais A guerra d e 1915, a Primeira Guerra Mundial, a guerr~, ~a ~10b ili~a­
do que com um público, com as p essoas e a vida, inserindo-se e trans- ção tot al, n ão acabou com a paz. O gra n de d rama d os UltI? 10S_d ias
formando a situação do dia-a-dia. da humanidade" desenrolou-se na própria vida e aqueles d ias sao os
En contramos o teatro entre as ruínas d os anfiteatros e diante das p rimeiros d e um mundo ac os tu mado à guerra sem fim, q ue começa
igrejas, na s praças e n o campo, nos bosques e nas ruas; o próprio com a paz; escreve-o Karl Kraus em su a ep opéia em fo rma d e dran:a,
edi~ício do teatro já n ão é o monumento d a cid ad e e sim a "c asa d os
um gran de quad ro d a g uerra que é o qu adro do século XX. A his-
atores". . tória, e a história do teatro, fala dos eve n tos no presente ou n o passa-
M ais de uma ve z Er win Piscator con tou suas experiê n cias du ran- d o; o teatro na história, como a ficção, o jo go e a narração, con hece
te a Primeira Guerra Mundial: de quando, em 1915, encontrou-se no apenas o imperfeito, a ação que se desenrola e continua. ,
meio dos horrores das trincheiras, en tre m ortos e granadas. A o rece- A Primeira Guerra Gundial é o eixo cen tral e ocu lto d o s éculo que
ber a ordem d e entrincheirar-se procura cavar como os outros, mas acabou de passar, o séc u lo XIX: um período d e guerras, revolu ções,
não consegu e fa zer penetrar a pá na terra; e para o oficial que o agri- con tra-revoluç ões; de violênc ias, mal-estar, contradições aco ssantes e
de e lhe pergunta qual era s u a profissão civil responde: ator. A com- céle res. Mesmo para falar d os teatro s na m orte d o Teat ro , é p reciso
panhia inteira explodiu numa ri sada - n ão parecia uma profissão perceber bem clarament.e as mutações antrop ológic~s qu,~ es ta ~ uerr~
real, era farsesca, ri d ícula, vexam in osa; não respondia ao mundo pre- revelou e agravou se m piedad e e se m p u dores: os anugos d eclarados
sente. Depois conseguiu "em boscar-se " e particip ou d o "Teatro d o inimigos, as impotências do in d iví d uo i~olado na m áquina socia~, a
front" : era normal, ex plica, o teat ro d os solda dos para os sold ados, hipoest at ização n ão so me n te 'd os va lores n: as até mes mo d e ~u.a tor -
m as ind ica a loucura d e uma ép oc a qu e usa o teatro com o a cac haça . ma ção , a exp ro priação d o mundo, a precanedad e e a sep ara tl\' ld ad e
26 A TRADIÇÃO DE NOSSO SÉC ULO: PERSPECTIVAS CO /vI EXE/vIPLOS " A TRADIÇÃO DE NO SSO SÉCULO: PERSPECT IVAS COM EXE1,IPLOS 27

1914. OS TEATROS DA VIZIN HANÇA EM LOND RES NA OPINIÃO Il !Sque residem no subúrbio, e quase em toda a casinha cost ura -se ani-
DE UM SOVIÉTICO
madamen te pa ra os figurinos . "
Entre os moradores também são escolhidos que r os atores para os
A parte noroeste de Londres termina com uma cidade-jard im cla ra- " .lpéis principais quer os figu rantes, os bai larinos e bai lari nas: ? coro e a
mente distinta das limítrofes ruas urbanas. Pequ enas casas isoladas são orq uestra. Os tipógrafos que moram lá preparam car tazes. e filipetas, os
cercadas por jardins e canteiros, as ruas arbo rizadas formam curvas ca- fotógrafos tiram fotos de todas as cenas e preparam postal: para venda.
prichosas, as calçadas são , pela metade, cultivadas com grama, moitas, l'or várias semanas os trabalhos de preparo da man ifesta ção tornam-se
ar bus tos de rosas e can teiros de flores . No centro des te ag lomerado há o foco do interesse dos mo radores. Não há um sequer que deixe de fazer,
os edifícios públ icos - um clube, as esco las, a igreja. [...] Vêm mo rar de algum modo, seu dever para o sucesso da manifestação. Ninguém se
aqui intelectuais, pequenos funcioná rios, professores, p intores, jo rnalis- considera au torizado a ficar de fora. O pa dre do lugar assume de bom-
tas, operários especia lizados. O es tabe lecimen to tem in teresses comuns tom o papel do bispo no drama e o ve lho arqui tet~ representa.com paixão
que unem os morad ores entre si; graças ao princípio cooperativis ta a aos () de u m duque . Mães com bebês no co lo ensaia m ex~us hvame ~ te as
interesses comuns da admi nistração au tôno ma, da ges tão, da ilu min a- cenas em qu e é ap resent ad a a mu ltidão variegada ~a Cidade medieval.
ção, no subú rbio rein a um a a tmos fera de camaradage m que nen hum Crianças, adu ltos, es tuda n tes e idosos - todo s participam do ale~re tra-
o utro ag lomerado urb ano jamais conheceu. balho para criar es ta man ifestação. Até trezent as pessoas, ou_seja, ~ I to
Justamente nes te subúr bio londrino tive as mais intensas expe riên- par cen to da popul ação, exibe m-se na qu alidad e de .a tare: . Entao no fim,
cias teatrais. No s ub úr bio de Hamp stead vigora o cos tume (se o subúrbio quando tudo já está ensa iado, os núm eros mu sicats es tao p.ron to~ e .as
não fosse tão jovem pode r-se-ia se di zer: um ant igo costu me) de encenar danças encena das , os figurinos confecClo nados - chega o dia da lepre-
todo o ano um espetác ulo ao ar livre. É um grande evento e os prepa ra- sentação.
tivos requ erem muito tem po e trabalh o. O dra ma é apresentado num gra mado, às margen s do b? sque. U m
Princípio funda me ntal dessa man ifes tação é que o maior número pos- semicírculo verde, íngre me na direção do bosqu e, fechado a volta por
síve l de morad ores do lugar par ticipe dos preparativos, e so bre tudo que outro se micírculo: os bancos de madeira . A maiori a dos espectadores
a organização toda seja sustentada pe lo subúrbio conta ndo apenas com toma lugar na gra ma, ao lado dos bancos. O bosqu e serve de fundo e de
suas próprias forças . bastidores, a trás dos quais desaparecem os personagens que represen-
O enredo é qua se sempre extraído de uma antiga lenda popular in- tam. Do bosq ue sa i a procissão, do bosque desp~nta a ho rrível ca~eç~ d~
glesa , o texto dramático é ad aptado pelos escr itor es locais. As peças dragão q ue cospe fogo e fuma ça, e do bosque Sal, correndo em dire ção a
" musicais são escrit as por compositores ou por simpl es músicos amado- cena, o alegre" bando de palhaços e bufões.

física e moral, psicológica e ideológica. É o sécu lo em q ue " tradicio- va lores. Mas as razões do social e da cu ltura n ão são d e imediato a
n al " torna-se adjetivo n ega ti vo e "conservador" s ignifica reacionário e razão d o teatro . Quando a g uerra e a luta são reais, o ofício e a ar te da
inimigo d o n o vo e do m ode rn o; em que tend er aos ex tre mos, n a vida e ficção são u sados co mo re tórica ou propagand a o u ev~s~o; m as, n~
na arte, é utop ia e imanência d o p re sente. Eu;' q ue fa zer teatro é agir nudez e crueldade do di a-a-dia, d izer "sou ator" torna-se rid ícul o e anti-
uma com u nicação, ju stificá-Ia e fin ali zá-Ia num con tex tode q ue o teatro soc ial - tanto ou m ais do que ser p oeta. A situação desespe radora do
n ão fo rnece o se n tido; em qu e fala r d e teatro é usar as pala vras d e h omem de teatro nos an os 20 (e talv ez durante o séc u lo todo) es tá em
tran sformação d o h omem ef o u da so ciedade . se u não-poder se reconhecer no teatro, tal con~o a _ex ~ressa Harold
De 1917 é o Ocaso do Ocidente, de Spengler, de 1918 é O Espírito da Clurman ree vo cando, em Tlte Ferocni Years, as motivaçoes incongruentes
Utopia, d e Ernst Bloch - d e 1918 é o se g un do prefácio de La musique et a an ômalas d a ex istência d o Group Theaire, com u n id ade teatral se m fin s
la tnise en scene, de Appia, com sua "ca ted ra l do por vir". O espec tro da lucr ati vos, nos E.U.A.: "Não posso vive r se m teatro, m as n ão posso
guerra, que vagueia p ejos teat ros e pelas cultu ras tea trais d o séc ulo XX, viv er com o teat ro . O teat ro a trib ui a si altíssimas q ua lidades, p ret ende
é também a exagera ção q ue nasce da n ecessid ad e de significar e fund ar um a n obre linhagem, m as n ão é m ais do que um bordel?".
28 A TRADIÇÃO DE NOSSO SÉCULO : PERSPECT IVAS COM EXEMPLOS A TRAD iÇÃO DE NOSSO SÉCULO : PERSPECTIVAS. COM EXEMPLOS 29

o d ram a qu e vi neste lugar [junho de 1914] e ra um a varia nte da len- , utou um a dança desenfreada di ant e da multid ão da cida de . Os b ufões,
da de São Jorge; como tod os sabem S. Jorge é o patrono da Inglaterra. , ''; 1'.llhaços, nã o pud eram seg ur ar-se e começara m eles tamb ém a dan-
Um d ragão terrificante tinh a-se instal ado noreino do rei. [...] ';01 r e fazer palhaçad as e, p ara gra nde felicidade da multidão de jovens
_ O dra ma foi apresen tado sem cenografia. Ape nas algu mas inst ala- ' 1'11 ' os cercav a, fize ram um es trondo eno rme com os gu izos . Bem no
ço~s foram colocadas em dois pon tos, ali onde os ban cos se juntavam na II wio dess a alegria desenfreada cai a no tícia do misterioso desapareci-
beira do bosque: rep resen tava m umas torres. An tes de todo o a to do is 1I II' IltO do sucesso r ao trono ducal, a m ultidão se dispersa tomada pelo
jovens passava m dia nte do público trazendo um car taz no q ua l es tava 1':lIlico, en tre lamentações.
escrito: "p raça da cida de", ou então "a trás da port a do cas telo" o u ainda São Jorge apa rece, sobre se u cava lo bran co - a atenção dos espe cta-
" uma força mal ign a". E então os espec tadores não viam diant e de si a dor es foi retesada até o máximo limite. São Jorge desc e do cava lo e com
verde mu ralha das árvo res e sim os grandes bastiões da fort aleza ou as ~ ; l l a es pada na mão vai até o profundo do bosqu e, ali o nde muge o terrí -
es treitas rue las d a cid ad e medi eval ou mesmo os rochedos d as mo nta- 1'1'1dragão. Não são so men te as crianças a seg uir co m inquiet ude e an-
nhas cober tas pela vege tação. !',üstia o êxito desse du elo ocultado pela fumaça . E, no final, novamente
~ ;( ' vê, en tre a fumaça, a figura de São Jorge:
[ ...]
Aprox ima-se camba leando, cai de joelhos e anuncia a vitória . E de
Nesta represen tação a multidão represen tava o papel mais impor tan- lodo lugar, de tod os os pon tos, hom ens felizes correm pa ra fora do bos-
te. Uma vez era o v iv az vaivém do mercado onde os bufões fazi am seus que. Gri tos de felicidade , prantos, tumu lto, canto de agra dec imento. O
jogos e on de se desen volvi am seu s com ba tes burl escos, de ou tra vez era I',lís es tá livre do mal. São Jorge parte a ga lope, e a trás dele a multi dão
um mult idão colhida pe jo terror que se p recipitava em direção ao bos- ,'om can tos e gritos de sa udação. [...]
q ue num ritmo end iabrado e despropositado. Depois novamen te via m- As encenações de Hamps tead não são minimam ente, na Inglaterra,
se as da nças desenfreadas e as festas despr eocupad as das cidades felizes 11111 fenô meno isolado. Todo ano, em d ive rsas cidades e cen tros residen-
ou mesmo um a procissão fúnebre que seguia ad ian te com ri tmo gra ve e ciais, encena m-se análogas representações em ocasiões históricas ou sole-
doloroso. Esta len ta procissão a trás do fére tro da mor ta impressionava nes para o lugar, cujo tema pri ncipal é his tó rico, represe ntaçõ es das quais
enormemen te. O coro cantava à meia voz, as cha mas das velas tremul a- não tom am pa rte atores profissionais e sim os residentes da cidade. Como
vam ,ao vento e se apaga va m; so lene, o ince nso su bia dos pequ enos in-. (! 111 Hampstead, em ou tros lugares os mor ad ores prep a ram soz inhos a
ce nso n~s, _o velho sace rdo te caminh ava com passo alque brado d ian te "pe ça" e a música, a rranjam figur inos, represe ntam tod os os pap éis; em
da pro: lssao, as p alavras de ade us do d uq ue soava m ang us tiadas. breve: cr iam coletivamente todo o espetác ulo teat ral.
Muitos o utros mom entos ficara m for temente gra vados em minha me-
mória . Um g rupo de bufões div er tidos, ves tidos de galos e gal inhas exe- (de P. M. Kerze ncev, Il teat ro creatiuo, Roma, Bulzoni , 1979, P: 37-41).

As m icrossociedades à parte d os homens d e teatro foram vi olenta- celebr açã o ou m esmo à encen ação da atenção do público . O teatro
das, interrompidas ou instrumentalizadas p elas socie dad es d a g uer- d a cultura e o teatro da socied ade afas tam e d egradam, na ordem e
r a; con tu do, dessa fo rma o teatro foi consag rado co mo arte "ú til" d e no p oder do d iscurs o, o teatro d o teatro .
comu n icação, d e agregação, d e diver timen to, em for mas d om estica - O teatro redu zido à sua fu nção ou justificação socia l, como requ er
d as, funcionais e su ba lternas ao tra uma social. o tea tro ex tremo numa o longo alvoroço socia l d a Europa en tre o fim do século XIX e a Se-
si tuação s?cial exasperada levou à lu z a ex prop riação que, n o século g u n da G ran de Gu erra, é o tea tro d as vang uardas e d e pesq uisa, é,
XX, a socie dade e a cultura fizeram da socie d a de teatral. O teatro ac im a .de tudo, o teatro que se realiza fora d o teatro, que su s ten ta os
para m odifica r o homem e o teatro para co n s truir uma socied ade teatros d e agita ção, que ju stifica os teatros do futuro e a recusa d o
~iferente são as ra zões que a cu ltura d o teatro ela borou para justi- teatro ; é o. espetác u lo no esp aço e no tempo socia l. A h istória mais
ficar o faze r tea tro n o séc u lo XX: o teatro é ins tr u m en to, m ei o enalte - ev idente sob re isso, m ais in cisiv a e d ec isiva, é a hi s tória p er versa d a
ce der pa ra se ve r a m udança e o rien tá-la, en tre sublimacões e en- "socialização" d a ação, d a rep resentação d e um a liturgia capa z d e criar
tusiasmos; o tea tro é manipulação dos espectadores, da propaganda à em o tivid ad e e persuasão, d a b usca d e u m a comunidade; o fingimento
30 A TRADIÇÃO DE NOSSO SÉCULO: PERSPECTIVASCOM EXEMPLOS A TRADiÇÃO DENOSSO SI~CULO :"P ERSPEC TlVAS COt\·\ EXEMPLOS 31

1916. UM PAGE A NT AMERICANO mens dos trajes maravilhosos, de qu e a are na es tava rep leta. Estas mas -
sas moviam-se ritmicame nte, en trelaçavam-se, ag rupavam-se em círcu-
No ano de 1916 a Yale Universi ty organ izo u um a celebração para o lo, se parava m-se - em orde m harm oni osa govern ada po r um preciso
bicentenário de sua atividade. Dessa manifestação par ticiparam sete mil ritmo unitário.
es tuda ntes e morado res de Yale. A me tade dos part icipant es era m m u- "O ca ráter democrático desse espe táculo encon trava expressão tam-
lheres e cr ianças. Seiscentas pessoas forma vam a orques tra e o coro. Nã o bém no fato de os própri os intérpretes terem aprontado se us figu rinos,
conseg ui ass istir a essa rep resen tação; dela, no en tan to, escreve u 011- cujos mod elos e cores deviam ser aprovados pelos organizadores?a fest~ .
tlook: "Durante os ensaios des ta mul tidão de sete mil pessoas a cidadezi-
"Um pagean! ao ar livre e com um g rande número de part icipant es nha havia-se tran sform ad o numa espécie de circo medieva l. Por todo
tem seus limites precisos e possi bilida des peculiares. Não é um drama, lado pelas ruas vagu eavam pu ri tan os, peles-vermelh as, belas m ulhe res
é, antes de mais nad a, um panora ma, um espe táculo, um episódio dra- da época primitiva, estudantes em trajes bra ncos, colonos de camisas
máti co, cheio de movimento . Do pon to de vis ta d ramático se po dem re~ vermelhas, etc.; era evidente que os inté rp retes eram não som en te par te
p reender a lguns po ntos fracos do pagemz t. Falta-lhe a hom ogen eidade e do espe t ácu lo mas ao mesmo tempo part e da m ultid ão dos espec tad o-
a har moni osa construção d ram ática. Não há u m texto esc rito para a re- res; fornec iam di versão, mas se di vertiam eles própri os. Sem d úvid a cada
presen ra ção. As pouca s palavras q ue são d itas poderiam mesmo ser omi- um deles preferiria ser um dos índ ios berrantes ou das cr ianças que jo-
tid as, sem o menor prejuízo pa ra o efeito. gavam bo la, do que o president e d a Rep ública ou Washing ton.
"Dura nte a representação es te ou aquel e intérprete arr anca um ap lauso "Trinta mil es pec tadores seg ui ram o desd obr am ent o do espe tácu lo.
entusias ta mais por ca usa de uma pos tura g raciosa do corpo, por um No fina l as vozes do s atores uniram-se às da multidão, forma da por
belo gesto, do que por uma in terpretação de um personagem ou de um milhares de espec tad ores, no harmonioso can to geral do hino do amor e
sen time n to. Será inesq uecíve l o g racioso e ágil indíge na qu e leva à sua da espe rança. Assi m acabo u o pagealll. O espetác ulo cons istia numa sé-
tribo a not ícia da aprox imação dos brancos (o papel era int erpretado por rie de cenas histó ricas e simbó licas . As primeiras cenas ap rese ntava m a
um conhec ido a tleta da Un iversidade de Yale); impressão da mes ma for- fundação de New Haven , o tra tad o com os pe les-vermelhas e episódios
ça deixaram talvez os movimen tos grand iosos e sole nes e as poses pito - da vida dos colonos . Seguiam-se quadros sobre a criação da Universida -
rescas dos intérp retes que representavam a " Paz" .Aci rna de tudo , porém, de, da lut a revolu cio nária da indep end ência, da vis ita de Washing ton a
g ravara m-se na memór ia as movim entad as massas va riegadas de ho - New Hav en , do choq ue en tre es tud an tes e bomb eiros nos pr imórdios do

d o tea tro é co n d uzido d e vo lta à m et áfora e ao sím bolo, à cerimônia e vel p elo se tor tea tral, e or ie n to u a p olít ica teat ra l d ecididamente em
à liturgia, à re velação d e verdades esse nciais e absolu tas . O ritual torna- ' direçã o a formas cu I tu ais. . . '
se espe tác u lo (ou p ro cura-se como tal ) nas ficções s im bó licas e n as A 10 d e maio d e 1933, n a praça do Teatro da Opera d e Berlim, teve
va ried ades d as ações, n a concretização d o sonho d e resgat e d as orige ns lugar uma exaltante e exa ltada re p resen tação, que n ão é p ossívellem-
sac ras e d a n ecessidade d e com u n idade que es tá n a ba se d as mais brar se m ficarmos pa ra lis ados d e h o rror p elo fascíni o e p ela p o tên -
ele vad as ex periênc ias d e refundação d o teatro d o século XX, d e Crai g cia es p e tacu lar qu e re vel a. Teve en o r me repercussão na im p re n sa e
a A p p ia, d e Fuchs a Reinha rdt, d e Stan islavski a C opeau. Mas fa z-se foi apresen tada em o u tras cidades .
espetácu lo n as ações e reuniões sociais, com êxi tos perversos cu jo h orror C a íd a a n oite, às 10 h oras, d es filou na praça um cortejo d e es tu -
fez es q u ecer com exc ess iva facilidade su as ra zões e se u fascínio . dantes com uma banda musical das divisõ es d e assalto; depois, le-
va n do tochas num a sugestiva passea ta d e archo tes, chegou outro
JA COPEAU, no Th éãtre Populaire, indicava Hi tler e as encen ações na- g ran d e cortejo d e es tu d an tes nos trajes d e ga la d e suas corporações.
zis tas; e Goebbels elevava a es pe tác ulo as for m as d a p ropa ganda : Amu ltidão n a praça era imensa. No ce n tro es tava arm ada uma gran de
em se u m inistério Rainer Schl ôsser foi, p or al gum tempo, respons á- pira e os b omb eiros at eara m fogo . C hega ram os ca m in hões e no ve
32 A T RADIÇÃ O DE NOSSO SÉCULO: PERSPECTIVAS CO M EXEMPLOS A TRA DIÇAO DE NOS SO SÉCU LO: PERSPECTIVAS CO M EXEMP LOS 33

sécu lo XIX, episódios da gue rra civil, etc. Particu larm en te bem-suced i- 1'.120. UM ESPETÁCULO DE MASSA SOVIÉTICO
do s foram os três entrea tos que separavam os pr incipais episód ios his tó-
ricos: a migr ação alegó rica das ar tes e das ciências do velho para o novo No mesmo ano Petersburgo produ ziu par a o jubileu da Revolu ção de
mundo, a alegoria da guerra a da pa z e a alegori a da guerra civil na Outubro um espetácu lo de mass a: A Tomada do Palácio de lnvem o.
metad e do século XIX. Desta vez decid iu-se erguer não um, e sim vários palcos. Os especta-
"De um desses en trea tos p ar ticiparam mil alunos em trajes verdes e dor es foram acomod ados na ex-Praça Alexandre, entre o Palácio de In-
violeta: com moviment os dos bra ços e dos corpos as crianças rep resen- verno e o Estad o-Maior-Geral. Ao lad o do Estado-Maior foram erigi do s
tav am o mar; o segundo foi interessant e pelo ag rupa men to e o efeito dois terr aços, cada um com trint a metros de comp rimen to; o da direita
pictórico dos a tores; no terceiro as danças rítmicas concordes produzi- era bran co, o da esqu erd a vermelho (tanto no que d izia respeito à colo-
ram um qu adro magn ífico". ração qu anto à iluminação). Entre os dois terraços uma ponte, onde igual-
Representações bastante próximas, por seu car áter, aos pageants, po- men te se desd ob ravam cenas part icul ares: choq ues entre br an cos e
de m ser vistas freqüentemente na Suíça. Nes tes espetácu los popul ares vermelhos. A ação da segu nd a parte do esp etácu lo tinh a lugar princi-
q ue tratam morm ent e argu mentos essencialmen te históricos, colabora m palmen te na p róp ria pr aça e dep ois se deslocava pa ra o Palácio de In-
os habitantes d a região em qu es tão, sem distinção de classe. Aq ui são verno. O públ ico tinha simplesmente de se v irar para ter à fren te o novo
criados um estilo próprio e in teressantes métodos cênicos próprios. lugar da ação.
Na literatura teat ral d a Euro pa ocid en tal p odem ser enco n trados Cada um a das cinq üen ta janelas do segu ndo and a r do Palácio de In-
muit os exemplos de representações que corresponde m ap roximadame nte vern o mos trava es te ou aq uele moment o da luta entre os person agens. A
aos acima descritos. luz saltitante nas janelas simbolizava a luta mor tal do ago nizante gove r-
Caráter parecido tinh a a represen tação ao ar livre encenada recen te- no pro visório.
me nte por [acques Dalcroze sobre o lago de Genebra, as repr esent ações O espetácu lo juntava e m si n umerosas técnicas tea trais. Sobre o palco
de Pott echer sob re os vosgos a reconsti tuição dos an tigos mistérios em dos brancos a ação desenv olvia-se à moda de uma coméd ia, sobre o pal-
Môna co, etc. A este gênero per tencem tamb ém os mistérios religiosos, co dos ve rmelhos na' for ma de um dram a heróico.
inacessíveis aos est rangeiros, que os Dukh obortzi encenam no Cáucaso. Gu iava o inteiro espetáculo um gru po de diretores sob a direção geral
de N. levr iéinov. Participa ram d a rep resentação aproximadamen te dez
(de Kerzencev, li teatro creatioo, cit., p. 43-4) mil figurantes, entre os qu ais pessoas que ha viam realme nte participad o

ara u tos receb eram alternadamente pacotes de livros, en ch arcados d e "os es cri tos d e Alfred Kerr ~ . d e Tukho~sk! e ,d e ~ssiet~ky" . A cada " J
gasolina, que jogaram n a fogueira gritan do a sentença . Primeiro arau - arremesso res pon d ia m os gn tos da multid ão. A m eia-noite, na atmos- ~
to: "Con tra a luta d e classes e o m aterialismo ! Pela unidade d o povo fera exaltada, n a praça que era o es paço do rito, en tre a fumaça d a ~
e p or u ma con cepção id ealist a da vid a!... Lanço às ch am as os escritos fog ueira e a luz d as tochas, Goebbels fez um d iscurso. ~
d e Marx e d e Kautsky": se gu n d o arauto: "Contra a d egeneração dos Em s u a forma mais crua, a rep res entação d a. cerimônia puri ~i~a~ \
costu m es ! Por uma b oa moralid ade! Por um espíri to da família e um d ora d e m assa es ta va cum p rid a . O teatro d e massa e o teatro Roh tlc .
espíri to do es ta do'...Lanço às chamas os escritos d e H einrich M ann, n ão alcan çam o n ível d e su ges tão d est e es petác u rü --=- m as te~~s m es - ,
Ernst Glâser e Erich K âstner": e o terceiro e o quarto "Con tra a su p er- 'm as m otiva ções. H á pr ecéd en té-s;'sõbreluao n o n aclOnaIÍSÍÍ10 àl~
valorização da vida sexual, corruptora dos espíritos! Por urna nobi- --e n On Õ\Tó -d'esp er tar luterano d o sécu lo XIX, a partir d a ob ra promoto-
lit açã o d a alma humana! ... Lanço às ch amas os es critos de Freud": e ra d e jahn: na famosa fest a d e 1817 n o castelo d e Wartburg, por exem -
o quinto e o sexto e o sé timo " Con tra a traição literár ia p ara co m os p lo, n o qu al as associações d os gin astas e as con fra rias es tu d an tis, co m
so ldad os da gran de gu err a! Pela ed ucação de um es pírito sad io!... Lanço procissões d e a rchotes e co lu nas d e fogo, jogaram n a fogueira livro s
às ch a mas os escritos d e Erich Maria Remarqu e "; e o oitavo e o nono "não alemães", num espír ito n acion al e românti co .
38 A TRADIÇA O DE NOSSO SÉCULO: PERSPECTIVAS COM EXEMPLOS A TRADIÇAo DE NOSSO SÉCULO : PERSPEcnVAS COM EXEMPLOS 39

l
~ O gênero das pequenas rep resentações ao ar livre e na rua aind a de- dos, quer representando ao mesmo nível da rua, na calçada, rodeado s
v veria ser encontrado . Havia sido pr essent ido; no en tan to, quan do na !,or espectadores. Outra pa rte ocupa tablado s, com mais freqüência ca-
li festa de primeiro de maio de 1919, Leningrado foi percorrid a em todos minhões, No início os atores eram recrutados entre os profissionais. Mas
os sentidos por quatro pequ enas companhias artísticas ambulantes que o incremento de seu número e a técnica totalm ente nova destes espetá-
l,j faziam, aqui e aco lá, br eves rep resentações. Um a del as ex ibia u m culos "conde nsados" faziam renuncia r aos procedim entos teatrai s expe-
" Petruchka cujo texto era de Lun at ch árski . Um ano depois, ao mesmo temp o rimentados. Ao lad o d os profissionai s, s uplantando -os aos pouco s,
ii em que se preparava a festa no Jardim de Verão se fez uma tentati va afirmam-se em qualidade os novos atores, os operários, os jovens da-
\
; original : naquele ano, a centr al elétrica só traba lhava com dificuld ade s, quela rua, que a conhecem, que compreendem suas exigências. Elabora-
~ com longos intervalo s, e toda a demonstra ção de sua energia era acla- se nos círculos um novo estilo, que se adapta quer à rua quer aos pequeno s
li mad a como um a festa. Eis que a prime iro de maio pelas ruas incolores, palcos, e sua originalidade é dada por esta dúp lice possibilidade.
~l meio devastad as fizeram-se circular doze ônibus elétricos aos quais se Para o décimo anive rsário do Outubro, na URSS contam-se 3.500 clu-
ti cone ctaram tablados sem cobertura. Guarnecidos de tecidos e telas pin- bes operários, que re úne m dois milhões de membros de associações pro-
;; tados, estes' elétr icos haviam-se tran sformado em barra cões teatrais fissionais. Mais de 30.000 "cantos verm elhos" (rnicroclubesjad erem .
~ ambulant es. Durant e as parada s, muito próximas entre si, os atores, dis- I esses clubes e nesses cantos vermelhos trabalham cerca de 75.000 cír-
l'j farçados nos vagões, saíam para os tablad os e faziam pequenas repre- culos - políticos, técnicos, indu striais, científicos, ar tísticos, etc. Somente
I; sentações de dez, quin ze minutos. os círculos dramáticos contam cerca de 20,000 membros: artistas, mús i-
Nos anos seguintes aplicou-se este princípio em maior escala. Soment e cos, cantores, cenógrafos, diretores, todos, que fique claro, amadores.
" em Leningrado, a primeiro de maio de 1921, as companhias ambulan tes
~ alcançam a casa das trezenta s. Uma parte desta s comp anh ias circula pela (de N. Gourfinkel, Teatro 1'1/550 contemporaneo, Roma, Bulzon i, 1979,
11 cidade confundindo-se na multidão, que r utiliz ando os palcos pr epara- p. 125-6)

e o Ministério des loisirs, as Maison de la Culture e os esp etácu los en Acerca do teatro do povo escreveu-se muito: H enri Ghéon publica
plein air; o mito da Commedia de/l'Arte e o mito do Teatro Soviético. na Ncuoelle Reoue Fran çaise de 1911 um artigo acerca do assunto e Jean-
O motivo do teatro popular é de ascendência iluminista (remonta à Richard Bloch em 1910 um volume que pretende ser uma resposta
Revolução Francesa e depois à Comuna - citando-se Michelet), e tem indireta para Rolland e intitulado Le Th éãire du Peuple: critique d'une
seu d esenvolvimento máximo entre o fim do sé cu lo XIX e a Primeira utopie. N este livro, como no en saio de 1914, Carnaval est Mort, Bloch
Guerra Mundial. Os eventos e os nomes são muitos: Pottecher, Lumet, reconhece'a festa como expressão de civilização, mas especifica tratar-
Bargel, Berny, Beaulieu... e o concurso para o melhor projeto de teatro se de uma civilização, hoje, a ser alcançada, à qual não correspondem
popular que a Reuue d'Art Modeme institui em 1899 (ganho pelo minu- nem às festas da liturgia católica nem às da democracia política.
cioso projeto d e Eugene Morei), e o movimento das universidades Mas é um dos protagonistas, Romain Rolland, que escreveu, ain-
populares que organizou representações clássicas nos subúrbios op e- da hoje, sua m elhor história: Le Th éãtre du Peuple (1903); uma obra
rários. Os laços culturais e políticos sã o com o naturalismo e com o cujos ecos alcançam com força a Europa toda até a Rússia soviética e
socialismo; as experiên cias sã o difer entes, do teatro region al e di aletal o Teatro Criativo de Kerjentzev. Trata-se de uma obra poliédrica, que
d e Pottecher ao teatro d os bairr os operários de Lumet, d o p rojeto de recusa as tentativas con tem p orâ neas de teatro para o povo e as ridi-
Catulle Mend es de um teatro ambulante, como o carro de Tespi pro- ' culariza nas motivações e nos êxitos, no repertório, na praxe peda-
posto em 1899 e novamente em 1905, ao projeto de Gémier de 1902 e gógica dos conferencistas, rios públicos burgueses disfarçados de
se u Th éâtre Nati onal Ambulant de 1911; e ainda os muitos teatros ao operários; e celebra Maurice Pottecher como primeiro fundador de
ar livr e e na província (in terior), diferentes em origens, m odos e finali- um teatro do p ovo .
dades, com amadore s e profissionais. Chega-se a p edir reconhecimen- O discurso em aranha-se de motivações sociais, estéticas, de público
to n o ap ara to pedagógico do Es tad o e pedem-se subvenções . ', e de preços. Por trás há o mito exemplar dos teatros alemães, a Volks-
40 A TRA DIÇÃO DE NOSSO SÉCULO: PERSPECTIVAS COM EXEMPLOS A TRADIÇAo DE NOSSO SÉCULO : PERSPECTIVAS Cm. 1 EXEMP LOS 41

EISENSTEIN E A MO NTAGEM DAS ATRAÇÕ ESZ A atração (do palito de vista do teat ro ) é qualquer momento agressivo do
teatro, oil seja qualquer elemento que exercite sobre o espectador um efeito sen-
1. A linha teatral do Proletkult sorial 0 11 psicológico, verificadoexperimentalmentee calcuta âo matematicamente,
de modoqlle produzadeterminados abalos emotivos que, porsuavez, todos juntos,
Em poucas palav ras. O prog rama teatr al do Pro letk ult não co nsis te determinam em quem as percebe, a condição para acolher o lado ideal c a final
no "uso do s valores d o passa d o" ou na "descober ta de novas for mas de conclusão ideológica do espetáculo. (O caminho da consciência "pelo jogo vivo
teat ro" , ma s na abolição do instit u to de teat ro como tal, qu e é subs tituí- das paixões" é especifico do teatro.)
d o por uma cen tral demons trativa das real izações ob tid as em vis ta d e O efeito senso rial e psico lógico dev e se r co mp ree nd ido p ara a reali-
u ma elev ação de qualidade na organizaçãoda vida diária das massas. O ap ri- dade imed ia ta, co mo es tá em uso, por exe mp lo, no teatro do Gra nd-
moramento de labor atór ios e a elabo ração d e um sistema cien tífico pa ra .C uign ol (arra nca r o lhos ou cor ta r mãos e pés e m cena; ou en tão a
elev ar est a qualificação é a tar efa explícita d a se ção cien tífica d o Pro- partic ipação de um persona gem, ao te lefone em cen a, de um evento hor-
letk u lt no campo do teat ro . ripilan te q ue aco ntece a dezenas de qu ilômet ros de d istân cia; ou ainda a
Tod o o res to é feito somen te sob a ins ígnia d o "por enq uan to"; no cum- situação de um bêbad o que sen te seu fim se a pro ximar, mas cujos ped i-
pr imento de tarefas ma rgina is, não funda me n tais para o Prolet kul t. (...] dos d e ajuda são percebid os como um d elírio), e não para o desenvolv i-
mento d e p robl emas psicológ icos, o u seja, qu an d o a atra ção já es tá no
2. A montagem das atrações tem a como tal, e o tem a exis te e age mes mo fora d a açã o da da à co nd ição
que con tenh a su ficien te atualidad e. (Erro em qu e cae m mes mo qu ase
Lan ça-se mão d a montagem d as atrações pela primeir a vez . Necessi- lodos os teat ros de agit ação qu an d o se co n ten tam d e um a a trac ionalid a-
ta d e escla recimen tos. O es p ectador é colocad o na co ndi ção de mat erial de ps ico lóg ica de ste tipo e m su as representações.)
fundamen tal do teat ro; moldar o espectad or segu nd o uma ten d ên cia (dis - Eu co nsi d ero a a tração, no plan o da for ma, co mo o eleme nto au tôno-
p osiçã o de ânimo) d esejada é a ta re fa de qualqu er tea tro u tilitar is ta (p ro- mo e p rimário d a co ns truçã o d o espe tácu lo: a u nidad e molecu lar (is to é,
p aganda, publicidad e, ins tr ução sa ni tá ria e tc.). O ins tru men to des ta cons titu tiva) d a eficiência (deistneuost) do tea tro e do teatro em geral. Em
elabo raçã o é fornecid o por tod as as par tes que cons tituem o apa ra to tea- plena ana log ia com o "m aterial figurat ivo " de Gro sz ou com os ele men -
tral (a "dicção" de Ost ujev n ão vale ma is d o que a cor da malha da p rim a- tos d a ilus tração fotog ráfica d e Rod tchenko.
do na, um go lpe d e timba le equ iva le ao mon ólogo d e Rome u, o gr ilo no "Cons titu tiva " porque é difícil traça r o limia r em q ue acaba o encan to
aq uecedor não é men os d e u m d isp a ro d e fes tim qu e exp lode sob as pela nobreza do heró i (mo men to psicológico) e inter vé m o eleme nto de
polt rona s d os esp ectadores), reconduzid as, em tod a a s ua het e rogen ei- se u fascín io pessoal (ouseja, s ua in fluência e róti ca); dessa fo rma o e fe ito
dade, so b um a ún ica categoria qu e legitima a p resen ça: s ua na tureza de lírico de uma série de cenas d e Cha plin é inscind ível d o ca rá ter de a tra-
a trações. ção d a es pecífica mecân ica dos se us mov imen tos; é igu al ment e d ifícil

bühne e o Sch illertheater de Berlim, com suas assinaturas, sua organiza- reoioals e das d emagogias (a lé m d as próprias escolh as de Roll and,
ção e seu repertór io. de sua po ética e d e su as ob ras): reco nh ece a tensão de ir a lém do
Roll and indica, na prefácio, o sen tido d e se u livro : "O teatro po- teatro (burguês) reedifican d o-o co mo ar te ou en tão reed ifican d o-o
pular tem mais o que fazer d o que recolh er os res tos d o teat ro bur- em seus lu gares e em su a função.
gu ês. Nós não qu eremos ampliar a clientela d os teatros atuais e não Além do m ais n ão é somen te a multiform e e ten az a tividad e d e
é para eles q ue trabalhamos; n ós temos de le va r em consideração Firmin Gémier que p ro rr oga a id éia d o Th éãire National Populaire; é
somente o bem da arte ou o bem do povo". A arte ou o p ov o sã o os an tes esta id éia p onto de re ferên cia para as soluções fáce is e amb ígu as
pontos de referência p ara o teatro, em contraposi ção ao teatro bu r- da ren o vação do tea tro e d a sociedade. Cone cta -se a es te ou tro m ito
gu ês (à sua extensa e indiscutível heg emonia econôm ica e cu ltu ral). di fu nd id o e d eform ante, o d o tea tro com o serviço público; n ou tras
É uma p os tura qu e introdu z clareza na confusão d as festas, d os palav ras o pe di do d e su bve nções es ta tais, qu e alcança os prim eiros
42 A TRADIÇAo DE NOS SO SÉC ULO: PERSPECTIVAS CO M EXEMPLOS A TRADI ÇAo DE NOSSO SÉCULO : PERSPECTIVAS COM EXEMPLOS 43

delimitar o pon to em qu e o pathos religios o deixa lugar ao gozo sádico , ,'c ren temen te narra tivo, mas não como algo de indep end en te e de-
nas cenas de mar tírio do teat ro dos mistério s, e assim por dian te. u-rrni na n tc. mas sim como a tração de for te impacto, esco lhida cons-
A atr ação não te m nad a em comum com o artifício. O artifício, ou ,'ie n temen te em vis ta de um obje tivo preciso, p orque o a u tên tico
melho r, trick (está na hora de recolocar em se u lugar es te termo do qual lundamen to da eficiên cia d o espe tác ulo não é a "reve lação do dese -
.já se abusou em de masia), é uma realização isolad a, um número cum prido uho do drama turgo " ou a "corre ta in terp re tação do au tor" ou "o fiel
no âmb ito de uma de termina da habilidad e (a acrobacia, em particular) e reflexo d a época" e tc., mas somen te a a traçã o e o sis tema das a tra-
. não passa de uma forma de a tração ap resen tada (ou, para usar o jargão ,;eles. In tu itivament e a a tração, seja lá como for, se mpre foi usad a, ins -
do circo, "vendida") de modo adequado, Do pon to de vista terminológico, lintivamen te, por todo di retor expe riente, mas certame nte não no foco
enquan to designa algo de abso luto e em si acabad o, o ar tifício opõe-se de mon tagem e cons tr ução , e sim no âmbito de um a "co mposição
diame tralmente à atração, que se baseia exclusiva mente num fato relativo, har m ôn ica" (daí d er ivou um ja rgão comp le to: "baixar o pano de boca
na reação do pú blico. co rn efeito", "uma rica e ntrada ", "u m belo go lpe", etc.), no resp eito
N osso método modif ica radiculmen íe os prin cípios de const rução da da veross imilha nça na rra tiva (se e ra "jus tificado" pela comédi a), e
"estrutura eficiente" (o espet áculo em seu conjunto): em lllgar do "refle xo" .ic i ma de tud o d e for ma incon scien te e p rocu rand o p erseguir um ob-
estático do evento dado, exigido pelo tema, e da possibilidade de resolvê-lo jdivo com p letamen te d ife rente (algo não d iferent e do q ue d issem os
un icamente pelas ações log icamente ligadas àquele evento, apresenta-se um "de início") , No q ue d iz resp ei to à elabo ração do sis tema de orga ni-
novo procedimento: a liv re montagem de ações (atrnções) arbitrariamente z.i çã o do esp etácu lo, só falt a deslocar o ce ntro de a tenção sobre es te
escolhidas e autônomas (mesmo [ora da composição dada e da ambientação aspecto necessário, an tes conside rad o ma rg ina l e d ecora tivo, qu e, efe-
narrativa da cena e dos personagens) mas dotadas de uma precisa orientação tivam ent e, é o veículo principa l d as an or mais intenções de di re ção e,
pam um determinado efeito temáticof iliai: eis a montagem das atrações, sem se deixar a panha r pela lóg ica d a ve rossimilhan ça ou pela lógica
Es te cami nho libe ra total ment e o tea tro do jugo da " figura tivida- da tradi ção literária, inst it uir esta impostaçãoem autêntico método de di-
d e ilusória " e da " rep rese n tabilidade", cons ideradas até en tão ine lu- reção (trabalho re alizado d esd e o o utono de 1922 nos labo rató rios do
táveis e decisivas, para se passar à montagem de "reais artificialid ad es" I'role tku lt).
( rcaln ikli delunnost iei) , au torizan do aornes rn o tempo a in terpola ção
na mon tagem de in teiros " trecho s rep resentativos" e de u m enredo (de S. M . Ejzenstejn, 11 nlontaggio, Veneza, Ma rs ilio, 1986, p. 21 9-22)

su cessos com o Primei ro Congresso Internacional d os Autores e Com - Mas o m it o d o tea tro p opular, se mp re re corrente n as d ua s acepções

I
pos ito res (N an cy, 1904) e p osteriormente co m a Comissão Parlamen - de d esc en tr ação ou d e fest a, co m su a am b igü idade artís tica e política,
tar p ara os Teat ro s Pop u lares (1906); d epois d a gu e rra as s u b ve n çõe s permaneceu no d iscurs o d a política teatral co m o única p ossibi lidade,
. a u m en ta rão (mas, p or volta da d écada d e 30, além d a Op éra, d a Opéra na fa lta d e o u tras alte rnativas . Do lad o oposto , m esmo o teatro de
~ Ccm iquee da Comédie, recebe m s ubve n ções somen te o Od éon, o Ou eore, ar te n ão pode d eixa r d e se co loc ar o prob lema d o públic o; o fa z, po-
Ç) ' o A télier e o Th éãire des A rts). Em junho de 1920 o Th éãtre National rém, em termos co n flitu a is. Fala d e ed u cação m as n a rea lidad e, m esmo
~\ Populaire de C émier, em gran d ioso p rojeto irrealizado, co nsegue san ção quan do indica com o alv o o públi co ou quem d era o gran de público, é
:f3 e fig ura juríd ica . o pon to d e partida a d ita r as palav ras . A r azão d a a rte é que d omina
_ _\) ! Rolland havia sido, mesmo sem consid era r as conseqü ên cias, bastante as ra zõ es dos esp e táculos represen ta dos.

~
/~'"decidido; escrevera que há duas correntes no Teatro do Povo: quer-se A p ostura mais nítida e clara fora aquela m anifestada p or An d ré
. _ ~ 'p ev", ao povo o teatro tal como ele é, e esta é a corrente de qoem acredita Ci de, esp ecificam e n te em d u as con ferên cias so bre a a r te d o teatro, d e
;l no teatro; ou se quer fazer nascer com o povo um novo teatro, e esta é a 1903 (em Weimar: A importância do público) e d e 1904 (em Bruxelas: A
corren te de quem acredita no Povo. Rolland não tinha dúvidas de que o cuolução do tentro). C ide explicava que a esp ecifida d e d o d rama, qu e
futuroJosse d os segundos e percebia que o Estado está necessariam en te. é a d e se r represent ável, nã o imp lica a sujeição ao p ú b lico e r;'-".:,
com os primeiros, que o Estado (a organização) p et rifica tudo o qu e toca. an tes, "o d esprezo d o púb lico é um d os princip ais ele me n tos d e rriun-
44 A TRADIc;AO DE NGSSO SÉCU LO: PERSPECTIVAS COtvl EXEMPLOS A TRADIÇÃO DE NOSSO SÉCU LO: P ERSPECT [VAS COM EXE:VIPLOS 45

, CHK LÓVSKI E AA RT E DO CIRCO Mas há algo comum a todas as ações circen ses: são difíceis.
~:~
É difícil levant a r pesos, é difícil contorcer-se como um a cobra, dá medo,
oaa a arte tem sua pró pria es tru tur a, a que trans forma seu material « cn tão um a vez mais é difícil enfiar a cabeça na boca de um leão.
em a lgo a ser revivido sob espécie , justa me nte, de arte. Sem dificuldade não há circo, po rtan to é mais artístico o trabalho dos
Essa estrutura encon tra a própr ia expressão em diversos e vari ados .icroba tas sob a cúpula d o que o trabal ho dos mesm os acroba tas na pista,
ar tifícios de composição, ritmo, foné tica, sintaxe, tram a d a obra. Artifí- mesmo que se us mov imentos sejam idê n ticos em ambos os casos .
cio é o qu e transfo rma o mater ial extra-estético em obra artís tica, dando- Se, além disso, o trabalho é realizad o sem a rede de proteção, irá tornar-
lhe for ma. se ainda ma is am ed ron tad or, mai s circe ns e d aqu e le q ue, graças à
A si tuação é es tra nha no q ue di z respei to ao circo. Os espe tác ulos, 11resença da red e, é no mínimo ligeiram en te menos arri scad o,
qu e se pod eri am, d ividir numa primeira parte farsesco -tea tra l (cloui n),
nu ma seg und a acrobá tica e um a terceira de exibição de animais, são es- A dificuld ade: é es te o ar tifício do circo. Se em teatro são de uso co-
trut urad os artisticam ente so mente na primeira. mum os objetos falsos, corre nte e bolas de papelão, o espec tador do circo
Ne m o homem-serp ente, nem o levanta dor de pesos, ne m o ciclis ta ficaria com razão ind ign ado se descob risse que os pesos levant ad os não
que execu ta seu sa lto mortal, nem o domad or que enfia a cabeça brilhan- pesa m tanto qu ant o an unciad o pelo ca rtaz . O teatro va le-se de outros
tina da na gargan ta do leão, ne m o sorriso do p rimeiro, nem a fisiono mia .irtifícios além da mera dificu ldad e, por isso pod e até abrir mão de la.
do segundo, encaixa m-se no âm bito da ar te. No ent an to sen timos o circo O circo baseia-se totalment e nela.
como ar te, como um teat ro heróico, seg undo I úri Áni en kov A dificuldade no circo es tá ligad a às leis gerais do a traso na comp osi-
Seria cu rioso realiza r pesq uisas sobre a estru tura exa ta do circo, des- cão. O nexo entre o ar tifício da "d ificu ldade" e do " medo" como um dos
cobrir qua l seri a se u artifício, encon trar o que faz dif erir se u movi me nto aspectos da pr imeir a e o a traso na composição acen tua-se acima de tudo
e sua ação dos da vida d iár ia. quando, por exem plo, o herói é colocado n um a situação difícil pela luta
Cons idere mos o levantador de pesos e o dom ad or. As cenas a qu e entre o sentido do dever e o amor. Um acroba ta super a o es paço co m um
pa rt ici pam não possuem enredo, portan to o circo pode abrir mão de las. salto, o do mador sub juga a fera com seu olha r, o hom em levanta o peso
Seus mov ime ntos não são rí tmicos: o circo não tem necessidad e de com o esfor ço, exa tam ente como O restes supe rava o amor pela mãe em
be leza. nOfJ1e da ira que sentia por se u pa i. Nisso é qu e está a ligação entre tea-
Enfim, o conjunto seq ue r é bo nito . Escrevo isso, se ntindo-me culpado tro heróico e circo.
por uti lizar u ma palavra incompreensível: "beleza".
Graças a Deus o circo não necess ita de beleza . (de V. Skl ovsk i], La mossa dei catmllo, Bari, De Don ato, 1967, P: 129-31).

fo" , já que ar tis ta é o q u e tem a lgo a dizer, algo qu e ain d a n ão foi d i to não es trita m en te fra n cês e si m eu ro peu, mesmo o ex tremismo de Cide
e p ortan to cria con tras tes: é o h eré tico e n ão o o r todoxo . tem vá rios ecos e re tomadas . Entre tod os m esmo Yeat s, o p oeta d o
M as o p úblico é n ecessá rio e quan do n ão h á púb lico, con tinua C ide, Tea tro Nacion a l Irland ês, e~11 A People's Theatre (d e 1919, com u m tí-
o artis ta q ue n ão acei ta co m p rá-lo ab aixo d o p reço en tre a multid ão tu lo que Yeats d ecl a ra ter re to mad o d e Rolland para dize r logo a
proje ta-o n o fu tu ro : ma s n ão é a a r te-tese, q ue a massa p ede, que d á diferen ça en tre teatro p op ular e teatro do povo), escrevia quere r criar
sen tido p a ra o a rt ista . A a r te, con tin u a ex p lica n do C ide, recordando para si próprio " u m tea tro n ão popu la r e um p úblico s imila r ao d e
o exem p lo kan tia no da p om b a, m o rre n o equívoco d a lib erdade; a uma socie d ad e se cre ta, q ue se torna aces síve l apenas p or ch am ad o, é
arte viv e d e cons tr içõ es a ser em s upera d as . E ainda em 1931 (o an o que n ão é para muitos". .
em q u e se co n creti za a Féd éra iion du Th éãlreCutirier Ftançais'; escre ve Po d er -se-ia en tão se g uir os acon tec im en tos da bu sca d e uma li tu r-
n o [ouni al que a ar te dramá tica " te m iss o d e h orroro so, o ter d e fazer gia d e es p e tác u lo, o se n tido d o tea tro fo ra do tea tro, no local pr ivile -
a pelo ao p úblico ; te r d e co n ta r co m ele" . giado da in stituiçã o teat ra l, a Fra n ça ; e fal ar do teatro p opular, d e
Como o teat ro p o pu la r e o tea tro polí tico p er ten cem a um di sc urso Rolland a C ém ier; ou seg u ir o teatro nas an tigas a renas e nas p ra ças
46 A TRADIÇAO DE NOSSO SljCULO: PERSPECTIVAS COIv1 EXEMPLOS A TRADIÇAo DE NOSSO SÉCULO : PERSPECTIVAS COM EXEMPLOS 47

COMO O AGITPROP FAZIA TEATRO NA ALEMANHA Textos e atributos cênicos desse gênero evitavam, por conseguinte,
qualquer forma de naturalismo na atuação. Não existindo o "personagem"
A "encenação" dos textos agitprop era tão simples quanto esquemáti- co mo ind iv íduo singular, e sim somente como" tipo", como esquernatiza-
ca. Geralmente não havia cenografias; quando o espaço disponível as- çiío de uma categoria, abolia-se qualquer problema para psicologizar a inter-
sim permitia, cartazes ou faixas de papel e tecido com desenhos e escritas pretação. Os atores-operários "diziam" as próprias falas escandindo-as
serviam de pano de fundo para a ação. Por vezes usavam enormes per- nitidamente para favorecer sua compreensão, acentuando seus lados
fis de papelão pintado, na maioria das vezes representando os "inimi- sa tír icos ou épicos, dirigindo-se amiúde diretamente ao público para
gos", isto é, os "tipos" negativos. Projeções de slides e filmagens co- com en ta r a ação, solicitando-o como juiz ou incitando-o à lu ta. Os ges-
mentavam onde era possíve l a ação, principalmente com documentário, los e os movimentos amp los e acentuados, grifos amplificadores das fra -
mas também com intenção de ambientação cênica. Os adereços indis- ses pronunciadas, também obedeciam a um código gestual elementar,
pensáveis à ação (ferramentas de trabalho, armas, sacos de dinheiro, etc .) e mbora não realista. A figura do operário, constantemente presente em
eram, em geral, descaradamente falsos e maiores do que o tamanho na- seu macacão de trabalho abaixo dos despojos coloridos do "tipo"
tural, para salientar o significado simbólico de sua presença. O unifor- representado, podia criar uma persistente forma de "estranhamento" da
me dos atores-operários era quase sempre um macacão de trabalho sobre açã o cênica - de sinal deveras diferente do distanciamento produzindo
o qual usavam uns poucos e colorid íssimos requisitos característicos dos pelo uso da sátira no Kabareu burgu ês, pois aqui acontecia uma profunda
"tipos" representados (cartola e benga la para o burguês, medalhas e boné identi fica ção espectador-operário ! ator-operário - em benefício do efei to
para o general, e assim por diante). Em cena apareciam amiúde instru- didasc álico da representação. Aliás as exibições acrobáticas, a música
mentesmusicais de todo tipo, tocados alternadamente por quase todos violen ta, os corações veemen tes, os gri tos de guerra, os dedos apontados,
os membros da companhia. N ão se usava maquia gem, a não ser excepci- e tc., constituíam elementos de mera simetria emotiva. Encontramo-nos
onalmente e apenas com objetivo de caracterização caricatura!. O equi- portanto diante de uma estrutura oratório-didllscálico-demonstrativa
pamento dos grupos era extremamente redu zido e funcional , para dotada de forte impacto emotivo tendente à persuasão.
permiti r a máxima velocidade de montagem e de slocamentos rápidos Os grupos agitprop, deslocando-se rapidamente com todo o tipo de
mesmo com meios improvisados, e remetia a um planejamento estrutu- meio de transporte (habitualmente motocicletas ou velhos caminhões),
rado de modo que permiti sse um a leitura imediata do espetáculo por agiam onde quer que fosse : muito raramente nos teatros (o lugar delega-
meio de elementos visuais sintéticos, pertencentes a um código univer- do), mais freqüente no espaço da vida, em salões de encontro de todo o
salmente conhecido . tipo e ao ar livre, nas ruas e nas praças, nos quintais, na porta das fábri -

e nos adros das igrejas, do Teatro antigo de Orange ao teatro católico guir a larga influência das festas soviéticas (o modelo da "Tomada
de Henri Chéon; ou conhecer as intenções e as realizações do teatro do Palácio de Inverno", descrevendo a qual Balázs inicia sua "teoria
cívico nos bairros operários de Lumet ou os teatros de inspiração do drama", ou a presença de Ievriéinov e também a contribuição de
socialista, os de folclore popular em seus reoioals e os teatros de ve- Meyerhold); e as celebrações socialistas de Lípsia (1920-24) ou as
rão, o Th éãire Feminlsie International de 1897 e a associação para as Revistas Vermelhas de Piscator; mas também os espetáculos emplein
festas; ou as diversas histórias da descentralização, como o Théãtre air de Copea u ou o Maio florentino na Itália ou os projetos teatrais de
aux Champs de [ules Princet, autor ~ramático e prefeito de Aulnay- D'Annunzio e sua ação em Fiume.
SOUS-BOlS (1906) ou os COpIaUSna Borgonha ou o escotismo de Chan- Meyerhold como Reinhardt como Copeau encontraram-se, em
cerel. Poderia-se falar também das grandes pageantries inglesas ou diversas ocasiões e por motivos diferentes, indicando a Igreja Cató-
americanas, com as celebrações que o proletkultista russo Kerjent- lica como a verdadeira depositária, em sua liturgia, do sentido do
zov narra e percebe tão próximas do teatro autoativo e a seu teatro .da teatro.
vizinhança (grandes festas representativas, ou no mínimo teatros que A teatralizaç ão (de eventos, liturgias, espélços, modos e motivos dife-
abrangem a plenitude de um esp él ço civil ou social). Ou também se- rentes de agregação) torna -se não apenas uma utilizaç ão do teatro; é re-
48 A TRADIÇAO DE NOSSO SÉCULO: PERSPECTIVAS CO;>. ! EXEI\!Pl OS A TRADIÇ Ao DE NOSSO SÉCULO : PERSPECTIVAS COM EXEMPLOS 49

cas e das escolas, sobre car retos e camin hõe s, em mesas e caixas viradas qu e usam os pa ra os acessórios e d esse mod o ressalta ao máximo as ca-
de cabeça para bai xo. Em tant as va riações de lugares e ambien tes, aos racte ríst icas dos person ag ens. Os un iform es são cor tados como macacões
quais aliás se ad ap tav am com d esen volt a elasticid ad e, um eleme n to de trab alho (mas em d uas peças, calças e camisão), sem bolsos ou botões
permanecia no en tanto inalter ad o, o público, que er a aquele pa ra quem visíveis, se m colarinho. Tud o o que pod e obstaculiza r ou d ist rai r foi eli-
os agi tp rop q ueri am e sa biam dirigir-se: o prol etariado, a classe operá- minado. Calças e man gas vão es tre itan do nas pontas, p ara evi tar qu e
ria, os comunist as. Ao con trário do teatro pol ítico de Piscator ou d e dura n te os exercícios gímn icos possam fica r enr oscad os.
Brecht, aqui não se apresen tavam para um público he terogêneo, acomu-
nad o somen te por u m ingresso adq uirido na bilheteria; aq ui, com clara [Os espetácu los}
escolha po lítica "con tracultura !" agia m "operários di ante de ope rário s",
com o resultado d e uma adesão tanto mais imedia ta e comple ta dos es- Os Gru pos Ag itprop ide aliza ram novos métodos de trab alho. De
pectadores enquant o o que via m fora elaborado em cima d e suas especí- máxi ma ut ilid ad e revelou- se a p ropaganda pelas casas e qu intais. Uma
ficas exigências, por qu em compa rtilhava ess as exigências. Alca nçava-se represen tação des te tipo é desc rita em "Rote Fahne " de 24 d e ag os to:
desse mod o aq ue la "r elação orgân ica " espe tác ulo / público há m uito teo-
rizad a, sobre o u tras bases, nas utopias que fundam o Tea tro da d ireção e O Meie rhof conq uis tado - Excelen te trabalho eleitoral d o gr upo juve-
nunca co mp letamen te rea lizado pelo s profi ssionais do espetáculo. nil d as Rote Blusen - N um dos m ais típicos bairr os o perár ios, na Ackers-
trasse. o gru po juven il d as Rote Blusen junto com o comitê d e inqui linos
l a s teatros ag itp rop chegaram a definir uma específica bagagem teairal nos e a célula de ba irro do partido real izou u ma campa Ilha de propaganda "de
testemunhos recolhidos por Asja Lacis] casa em casa, de ouintol em quintal" . Nossa ida fo i aco mpa nhada pe la ch u-
va e a se nsaçã o de que nosso espetáculo iria m iseravelm ente afogar num
Cheg amo s hoje a um a fo rma raciona ~ o eq uip amen to do grupo. To- copo de ág ua nos p reocup ava bast ant e; por sorte a chuva parou de re-
dos os obje tos pa ra uma hor a e meia de pro grama são colocados numa pe nte. A célula do pa rtido e o comi tê de inquilinos tinham organizado
mala (25x52x92 em), uma chapeleira (37x37x37 em), um saco de lona tud o d ireiti nho.
(1,5 m de comprimen to e 50 em de circu nfer ência), além de um megafo- O Meierho f, u ma d as maiores "co lmé ias" de Berl im, de seis andares,
ne, tran sportad o à pa rt e. Não bast a most rar o unif orme no coro o u na estava inteiramen te revestid o d e transparências lu minosas qu e propu-
ca nção de aber tura e d epois nos nú meros seguin tes fazê-lo de saparecer nham insistentemente as palavr as d e orde m do partido . De qua se todas
sob um a emb rulhada de figurinos tea trais trad icion ais. Isso sig nificaria as jane las d rap eavam ao ve nto bandeiras vermelh as, qu e imed iat am en -
us ar o uniforme de modo merame nte exterior, sem ter compreendido te dera m impulso a nosso espetáculo. Uma cena q ue havíam os es tuda do
sua verdad eira funçã o. Projetamos nossos u nifo rmes de mod o que lhes especialmente p ara a p ropagan d a de casa em casa [Haus und Hofpropa -
acrescen tando LIl IS poucos acess óri os (co larin hos, cin tos, enfeites, etc.), ganda} na qual vários companheiros do grupo estavam às janelas de algumas
resultem em figuri nos completos. Co nfeccionamos "fig ur inos-pra ticá- casas de forma que parecessem inquilinos, teve efeito entus ias man te so bre
veis" (ass im co rno mais tard e confecc ionamos ad ereços cênicos e cená rios os esp ectadores.
p ra ticáveis) . Escolhemos o azu l-mari nho p ara nossos uniformes, por- Assim na sce u simpa tia por nos so es petáculo. Os p roletários entra-
qu e o azul-marin ho é a cor que mais co nse gue ressa ltaras co res vivas va m no páti o a té mesm o pela rua e logo e ram trezentos. Dep ois ap rese n-

conhecida como se:' va lor profundo que, quando muito, foi o teatro quem mesmo movimento histórico, como concepção. São as mais avançad as e
a p erdeu ou traiu. E também, dessa forma, componente d o tea tro, d e um decisivas rachaduras na constru ção social e civil d o teatro d ramático, que
teatro que em todas as formas (até institucionais) conhece em nosso século fora exp ressão típica da civilização européia", m arcando o fim da h egemo-
um máximo d e poética e d efinição ideológica e in telec tual e, em certo sen- niade um " tea tro d ramático como forma de transposição cên ica para lU11
tido, um m ínimo d e teatro. Mesmo Pandolfi, o historiador e crítico, nota .texto literariamen te dialogado en tre personagens"; e "para este p rocesso
q ue "os espetácu los d e m ass a, como os números d e agi tação, p artem d o d e transição também con trib uiu o espetác u lo d e vanguarda".
50 A TRA DIÇAo DE NOSSO SÉCULO : PERSPECTIVAS CO M EXEMP LOS A TRADiÇÃO DE NOSSO SÉCU LO: PERSPECTIVAS CO M EXEMPLOS 51·

tamos ou tras cenas d e nosso p rogr am a sobre u ma ca rre ta. Um co m pa- TEATRO PELAS RUAS
nheiro, em breve ex pos ição, sa lien to u a import ância das elei çõe s. No
fim, de pois de sua exposição, todo o nosso grupo re uniu e exorto u, co m 1949
um coro falado, ao vo to p ela list a qua tro. Os presen tes es tavam en tu- Lem bro -me p razerosa mente e co m se n timen to se m p re vivo aq ue les
siasmados. a nos agi tadí ssimos, apaixona dos, p lenos e aventu rosos d o teatro e do
Fecha ndo o es pe tác ulo, can tamos todos juntos a intemacional, que res- cinem a berl inen ses, de 1926 a 1932, qu e posso di zê- los me us também.
soava d os muros cin za. A cole ta para o fundo eleitora l do pa r tido ren - Lembro-me d e eventos e ex periências.
deu 25 ma rcos . Esse espetác u lo, u ma alegria para nós tam bé m, devia
serv ir de estímu lo para tod os os gr upos para q ue eles se empenhem a ti- (...]
vamente, com mét odos sim ilar es, na ba talha elei toral. Na q ueles anos pretend ia-se criar a cad a dia a lgo d e to ta lment e novo
Segundo as estatísticas , essa forma de propaganda foi ut ilizad a em em teatro. Pen sava -se arrasar o velho, e acred itava-se renovar o mun do
cerca de trezent os edifícios popul are s. • co m a arte teatral. Foi porém exa ta me n te o co ntrário: aos primeiros aba-
Nas gra ndes campanhas, por exe m p lo as "Ligas de Esp ártac us" das los do terremo to qu e se aproximava', ru iu rola ndo a "sobre-es tru tura"
cria nças, p rodu zia m -se contemporaneamen te vários gr upos. Certa ve z do tea tro . No ssa mania inovad ora era so me nte lim a for ça da q uele abalo.
rep rese n tar am .qu inze gr upos, de o u tra vez o ito. Es te novo sis tema de - Todos nós éramos peões da hist ória: os que sabia m e os q ue não sabia m.
mon st rou -se tamb é m bastante vá lido , p ois a co nce ntração num só lugar Os que q ue riam sa lvar o teat ro b ur g uês trab alh ava m igualment e par a
perm itia d irigir-se a um en orme n úmer o d e trab al hadores. s ua de s tr uição . O h, e ra u m grande teat ro' Trabalhava-se febri lme nte. Com
id éias ou sa das, a cada novo di a procu rava -se de sespe ra da men te um úl-
(de E. Casini -Ropa, La danza e l'agitprop, Bolon ha , 11 Mulino, 1988, p. timo ca m inho d e sa lvação . Fogue tes de talent o, de fantás tico esplendor
15-2; o II e III trecho d e A. Lacis, Prcfessione riuoluzionnria, Mi lão, Fel- s ulca vam o céu: esp lêndidos sinais de socorro do nav io que af unda . Não
tri-nelli, 1976, p. 143 e 152-3) se pressentia nada : Hitler já es tava aq ui.

Reinhardt emociono u muito os contempo râneos, ar tistas e espec- revolucionário num espaço envolven te com uma encenação suges tiva,
tad ores, com espe tácu los suntuosos e em preend imen tos in éd itos, d o u ma direção emotiva e uma represe nta ção quen te.Ao en tus iasmo dos
teat ro n o circo às represen tações sac ras . Em n ov embro d e 1919 abriu o críticos e p resumidamente d o público, se rve d e con traca n to Kurt
Grosses Sch aus pie lhaus cuja exec ução h avia en treg ue a H an s Poelzig: Tucholsky com versos qu e d escon fiam d a re tórica e da s exa ltações
um grande circo com ca pacidade para 3.500 espectad ores, a cujo fascí- (Prosas e Poesias, Milão, C uan d a, 1977, P: 21):
nio - obse rva Balázs - ninguém se sub traía; e explica que até mes-
mo um esp e tácu lo já vis to, idê n tico, ali n o circo era diferen te: "pelo No Reinhardt flut ua va o terce iro a to.
fa to de se ficar de fren te, à p lena lu z, consc ientes um d o ou tro" , com Seiscen tos figurantes en fureciam
emoções comuns e conscientes de estarem se olhando. Seu célebre iui- O berlin ês, olha como es tá a ten to!
mele foi freqüentem ent e com parad o às manifestações de massa sov iéti- Os jo rna lis tas estão ex ultan tes .
cas. Em feve reiro d e 1920 Rein hard t encen a neste tea tro o 0 17 /110 /1 d e Par a m im p orém seja lá como for
Rom ain Rolland, com cen ários do viene nse Oskar Strnad: um d ra ma p ar eceu -m e tudo alegoria.

Estronda um po vo : "Rev olu ção!


Movim ent o "espartnqu ista", ou "Ligas d e Esp ártacu s" : movim ento cland esti no Vamos, conquis temos a liberd ad e!" .
d e esq ue rd a qu e se fo rm ou na A lema nha lá pelo fim d a Primeira G rande Gu er ra. Já são séc ulos q ue o queremos.
e qu e posteriorm ent e de u ori gem ao Partido Comun ist a alemão , n.d .t. Que jorre, q ue jorre d e novo mais sangue!
52 A T RADIÇÃO DE NOSSO SÉCULO: PERSPECTIVAS COM EXEMPLOS
A TRADIÇÃO DE NOSSO SÉCULO : PERSPECTIVAS COM EXEMPLOS 53

Houve porém, naqueles anos, na Alemanha, um teatro que não ti- Tive a grande sorte e a grande honr a de ser, por alguns anos, o dire-
nha nem estréias sensaci ona is, nem diretor es capitã es que combates- tor artístico dessa organização e durante todo o tempo de minha perma-
i; sem em cena brilhantes batalhas artísticas, nem ostentação de grandes nência em Berlim liderei o gru po que se chamava "Os heréticos" (Die
'~I críticos, nem grandes atores. Ao contrário , não havia sequer atores, ou Ketzer).
~ verd adeiros palcos! Era um teatro de ama do res, se quisermos, embora Esta lembrança não se transformou à luz cético-crítica dos conheci-
J não fosse a representa ção qu e seus membros mais amav am, estes ama- mentos pos teriores corno a lembrança do teatro de ar te burguês. Esta
li dor es e odiado res. Era também a maior organização teatral não sornen- experiência não se tornou problemática. Permanece a mais profund a, a
i te de Berlim e de toda a Alemanha, mas (excetuando-se a União So- mais pura, a mais sadia. A lembran ça não foi apagada pelo tempo, antes
viética) de toda a Europa. Em 1930 contava aproxim adamente 10.000· tornou-se com o tempo cada vez mais clara, mais luminosa. Porque os
ir! :nembros. Era um movimento de massa. Um teatro de luta que exigia eventos e as experiências com o teatro operário alemão revelaram-se
ti Imenso espírito de sacrifício, que teve muit os heróis e mártire s e urna embriões, que com o tempo elucida ram seu profundo significado.
;j história heróica que um dia as crianças alemãs estuda rão na escola. [ ...)
11 Porque nãoderél 0T B
estilo cênico que quer ia mud ar, e sim o mund o. Leva- Eis aproximadamente o que aconteciaem pleno dia na Friedrichstrasse
" va o nome e A D: Liga do Teatro Operário Alemão. de Berlim em 1930. Um jovem caía sem sentidos bem diante da vitrine
»>

Retumba o palco e o edifício todo. p opular, qu e chegam a ser teatro com a med iação d o circo, d o vari eda-
Às nove acabou. des e d o cabaré, segun d o o "Esque ma do teatro d o culto e d a festa
popu lar, rep art id o segu n do lu gar, p essoas, gêne ro, lín gu a, m úsica ,
Eu olho de sencantado o céu cinzento. d an ça"; é o camp o d a " tra ns m u tação figurai" e alcan ça-se o teatro
Onde foi parar aqu ele mês de novembro? mecân ico. Mas h á m om entos dif er entes n o laboratóri o destes an os.
Onde está aquele povo, en tão tão oprimido, Em artigo de M ari e-Luise von Bancais, no Berliner Tageblatt de 28 /
que a esp era impaciente levou para o alto? 10/1922, relata-se uma das festas qu e p ontuam a presença teatral da
Silêncio. Passado. Nem er a tanto. Bauhaus (à arte m ais técni ca acresce n ta-se a vid a) e o quadro rem ete a
Teatro. Ap en as "teatro. ecos polivalen tes: "Usam so bre tu dos berrantes, colorid os como pi n -
tassilgos, os h omen zinhos têm cab eleira flu ente, as men in inhas têm
Mesmo Alfred Kerr, o crítico qu e teve papel notável e corajoso nos ami úde cab elos curtos, ves tem roupas fantásti cas [...]. Andam d e p és
C: / intricados desenvolvimentos do teatro alemão daqueles anos sus- d escal ços ou d e san dálias, roup as d ecotadas, manga s cur tas , cab eça
\1\,
I

tentador d~ l~m teat:o de propaganda política contra a direita de'1928, descob er ta e em p inam vários pagagaios fantasiosos e insólitos. Estra-
-'0.;' \ em 1931 dizia - diante d o sucesso teatral e da derrota política - nhos indivídu os estes assim ch am ad os bauhau sianos da Escola de
"=:.~ \ duvidar 9ue "um teatro políticoposs_~j~m9-is c ons~~!r a melhora
'I
Weim ar!". E mesmo isso (e a orquestra que tocava im p rov isan d o os
instrumentos nos arre dores d e Weimar e ou tros exemplos d a expe riên -

~
. d as ~on d~~pol.ít~s" . _º..~' te~!~<? q~le .-qu.~ria.E1e}hor~r,,~.E!~O "
cia de vida d a Bauhaus) é um sentido d o tea tro . Acon tra posicão ide o-
I I i. .,-(Bala:.~ f~lado agI tp'r?pt<:=o~he.c~ 9-. a~~da?e da fes ta e d~
lógica e moral en tre direita e esque rd a p olítica n ão pod e escon de r ou
'\ ( -=-e~~l;:~':_~.~l~~~l~~y_~.y.~! d ad e e se us pengo s; SOCIa istas e com u-
falsear as instân cias homogêneas na vivência e nos modos d o teatro.
. 111S t~.:'_~:~~:. ,:r:edi ()~ ~.() iE: ~~~22.~I~~!DE~.pas~ -eã frõ-(e-á tea frãltza---
A propensão para a "festa" como renovação do teatro é comum à
ç~) r;ãO R.odiai!Qri !·..p}~ºAa.glDºÜ.y_(q~de..~.it'!. P.ir~~i9-:-------
At e mesmo a Bauhau s pertenc e ao teatro de Weimar, com o lab ora- cu ltura eu ropé ia de ste séc ulo e ass u me formas e graus de subversão
tório teatral de Schlemmer, que em 1923 substitui Loth ar Schreyer na di ferentes: con tra a instituição tea tra l, m as nem sem pre contra a ins ti-
direção (vinculado com os exp ressionis tas e p ortanto cons iderado ge- tuição cul tura l e social; con tra as formas d e po der na sociedade, Irias
ralmen te irrac ional). Par a Sch lemmer teatro é a área en tre o rito e a festa nem sempre co n tra os es ta tu tos do teat ro.
54 A TRADIÇÃO DE NOSSO SÉCULO: PERSPECTIVASCOMEXEMPLOS A TRADIÇÃO DE NOSSO SÉCULO: PERSPECTIVASCOl\'[ EXEMPLOS 55

de uma refinad a loja de especia lidades alimentares , assim qu e se encon- A pequena troca de opiniões durava há me nos de dez minu tos, q uan -
trava, d iria, qu ase d iant e de um p ano de fundo de gtande efei to, cons ti- do ecoou ag udo o apito da polícia, e o peque no grupo de c ur iosos d ian te
tuído de presuntos, salsic has, qu eijos, cav iar e abacaxis. É quase supérfluo da bela vi trine es tava cerca do. De po is de poucos inst antes já havia sido
ressalta r q ue o caro jovem não es tivesse elega ntemen te ves tido, e tivesse carregado pa ra o ca rro da po lícia e levad o, apesar d os pro testos ame-
antes o as pec to de um dese mp regado, justament e co mo aquele o utro jo- dron tados, pa ra a de legac ia. Ago ra u ma quinzen a d e ped est res ocasio-
vem que se ajoelhava a se u lado, d esabotoando-lhe o cola rinho, procuran- nais es tava m d iante do oficia l d e po lícia e era m int errogados: p equenos
do se r ú til como se faz em tais casos. Pa recia ser um am igo do desfalecid o. bu rgu eses, operários, dis tin tos sen hores e se nho ras . Se u sus to e s ua in-
Formo u-s e im edi ata m ente - co mo d e cos tume - um p equeno dig nação emudeci a d e es pa n to:
agru pa me n to de transeu ntes e m vo lta dos dois. Esse ajun tamen to em "O qu ê? Nós seríamos um grupo teatra l? Os he réticos? Mas o sen ho r
vo lta de u m aciden te de rua é como o sangue que escorre vermelho do es tá querendo nos go zar ? Nós nunca sequer nos encon tramos. Passáva-
po n to de uma ferida . E co mo de cos tume algu ém pergun tou: "O que é mos ali por acas o e paramos um pouquinho. O quê? Nós somos inte-
que ele tem ?". Nem mesmo a amarga resposta do amigo ajoe lhado foi de gr an tes de um teatro o perário? Não te mos sequer id éia do que se trata. E
surpreender: "O que ele tem ? Não tem o que Comer! N unca lhe aconte- onde foi parar aquele jovem qt.1e desmaiou dian te da loja de alimentos?
ceu nada parecid o?". E como é que e u vou saber? Eu não o co nheço. Q uando cheguei , lá
"Tod os os di as", co ncor da ou tro , "e u tam bém es tou d esem p regad o!". não hav ia mais nin gu ém... É claro que n ão podíamos desco nfia r que
E a co nve rsa já es tá encaminh ada. Tran seuntes cas ua is di rigem-na pa ra fossem a tores . Coisas ass im acon tecem , in felizm ente, tod os os dias, e de
o tem a nad a casu al: é o tema do di a. E a es p lênd ida v itrine d e g ulose i mas verd ad e. E o q ue d issemos, n ós o teríamos ensaiado? Nã o é na da neces-
acim a d o jovem desm aiado d e fome dirige as assoc iações do di álogo em sá rio. Com os tem pos que cor rem, a lgo assim sa i da boca es pon tanea -
di reção p recisa, com o desag radável ev idenc iar-se do con tras te qu e exis - mente... Nã o pod em os conti nua r a repr ese ntação aq u i tamb ém? Mas
te en tre os sofisticados clie n tes d a loja careira e o desmaiado sobre o afina l nós não so mos atores! O qu e qu er em de nós? Co mo? Há uma hora
asfa lto ú mido da rua . um jove m ope rári o desmaiou do mesmo jeito di ante d e ou tra loja de

Mes mo em sua Storia deiTea tro DranunaticoSilvio O' Amico reg istra a (a celeb raçã o, o es pe tác u lo das e para as massas , q ue é consenso e
reação aos teatros d a elite e a busca (desde antes da Primeir a Grande org a n iz aç ão e ex ib i ção p rodutiva do con sen so) é a recu sa do pre-
Gu erra até 1939) de um teatro como co munhãocom o p úblico; como se n te, o tem p o "d iferen te" en tre os "d iferen tes", d os não in teg ra -
reunião con tra o teatro de comé rcio ou de ar te, religiosa: "An tes e d e- dos ou não sa tis fei tos : e é tem p o am bíg uo porq ue de negaçã o,
pois d as representações qu e, durante a gran de gue rr a, os atores oferece- p or qu e p ro põ e modos e va lo res inatuais, d e fác il inst rumentaliza-
ram , d a frente d e combat e à re tagu ar d a do [ront, p romovem- se com ção, fes tivos ju s tamen te, e n ão ferrais, d e exceç ão . Mas, em n osso
ardor cada vez m ais aceso gran des espetáculos ao ar livre; p rop õem-se séc ulo, não ex is te a festa 110 lugar d o teatro, é a palavra-ca tegoria
a ressuscitar o teatro d a An tigüi da de ou da Id ad e Mé dia [...]. Na Fran- festa a ser h is tor iog raficam en te mis tifican te; ao passo que, ao con -
ça, n a Inglaterr a, n a Itália, nos p aíses germânicos e eslavos ap regoam-se trário, sã o o sentido e os m odos da oposiçã o fes ta / teatro que d e-
festiva is p opulares; ocupam-se novament e, on de é possível, as ruínas vem ser seguidos nos even tos contemporân eos e n as poéticas para
d os an tigos teatros greco-romanos; noutros lu gares desce-se às are nas; se con h ece r o tea tro do sécu lo XX.
n
\
ou en tão ergue m-se p alcos nas praças, diante d as fachadas das igrejas
[...]. O sucesso prático de tais iniciati vas, já agora florescentes em tod os SKLOVSKI FALAda ar te com o d e um cânone criado pe la progressi- va
os países da Europa, ningu ém o ign ora". es tra tifica çã o das h eresias: a fest a foi usada, em teatro, ju st amen -te
O tempo do teatro, na fes ta, é conside rad o et im ologicamente abso- com o h er esia. Em term os ortodoxos e aca dê micos (e d esativantes)
luto, d esli gado d os v ínc ulos d o quo tid iano (ba nalidade e co mpro- fala -se de for m as p ré-tea trais ou para-tea trai s. Tea tro e festa são como
missos: tempo va zio) e das in ad equações d a sociedade presente os reis-sacerd otes a qu e se refere Prazer, qu e precisa m matar o prede-
(u niform id ad e e alienação: tempo in útil). A fes ta no IlIgar d o tea tro cessor e qu e se rão mortos, e cuja mor te é vida e con tin u id ade : é a
56 A TRADIÇÃO DE NOSSO SÉCULO: PERSPECTIVAS COM EXEMPLOS A TRADIÇÃO DE NOSSO SÉCULO: PERSPECTIVAS COMEXEMPLOS 57

:1 comid a na Wittenbergplatz, e o utro jovem socorreu-o do mesm o modo e de na cena e na sala. Não havia alusão que passasse desp ercebid a. A
2 começou a mesma discu ssão... E o que é que nós temo s com isso? Nã o paixão q ue o a tor rep resentava, ardia na ver da de em tod o o espectador.
ti sabía mos de nada. Aqui est ão nossos documentos..." , Assim por vezes er a possível uma superação da excitação a tuada numa
~ Tod o o gru po preso teve de ser nova men te so lto. Era m todos partici- excitação real , qu e equiva lia a um a alucinação de massa.
;; pa ntes sem culp a e sem suspeita de uma "cena" prep arad a. Os a tores Quando, cer ta vez (ainda an tes da proibição), duran te uma repre sen -
~ pr incipais havia m sumido na hora certa. O jovem, enq uanto isso, es tava tação nossa, operários que se fingiam pol iciais apon taram os fuzis para
desmai ando noutra ru a bem d istante dali. operá rios que represen tava m o pe rários, os operá rios, espec tadores des -
f~
i;1 A Liga do Teatro Op er ár io havia sido expulsa dos teatros, assim re- sa vez, protestar am furiosa men te. Os falsos policiais viraram-se imed ia-
i!
H
presentá vamos num teatro ao ar livre, pelas ruas. Os espectadores se tamente com seus fuzis para o p úbl ico: "Calma! Separe m-se!" A sala
li torn avam, de ssa forma inconscientemente, a tores arr astad os pel a ação, fervia. A representação es tava deslocand o-se para a sa la. Mal consegui-
11 como nos ant igos jogos dionisíacos. Das formas primitivas do teatro mos sa lva r do linchamento os bon s atores-operários em un iforme de
!i nasciam as formas ma is novas. Em lugar de nossas tropa s regulares en- policia is.
ii travam em ação os g uerr ilheiros. Representavam com uma armadilha; Encenávamos o assim chamado "jorn al vivente ". Acontecia algum fa-
i' eram atores invisíveis. Meus problemas como diretor artístico desta or- to político importante para os trab alhadores e "Os heréticos" encenava m-
ganização de luta eram, Deus o sabe, não apenas de caráter ar tístico. no uma semana dep ois. Não precisávamos de cen ári os; colávamo s e
Mas das necessidades da tática política nasciam efeitos estétic os . Os ato- construíamos nós mesmos os ad ereços essenci ais e nosso públic o entrava
res operários clandestinos eram engenhosos, velozes, e seu férvido ar- perfeitamente no quadro . Desta improvi sação, por causa da pob reza, nas-
, dor agia como arrastador a paixão do jogo. Mesmo an tes nosso método ceu o marcado estilo cênico de um simbolismo expr essionista similar ao
havia sido estimular, tanto quanto possível, nosso público à "participa- modo como as crianças fazem teatro com objetos domést icos.
'" çã o " , Agora os ato res eram completamen te absorvid os pelo público. Os Co m es te estilo o compa nhe iro Wangenheim, q ue d epois de mim tor-
ij protagonistas desapareciam no coro e empurravam de dentro as massas nou-se di reto r artí stico d a Liga do Teat ro Op erário, entro u triunfalmen-
i:i para a ação, que nem se mpre foi teat ral. te para o teatro Un ter den Linden com sua Ratoeira (Mal/sefalle). Seu pleno
i: [...] sucesso foi o s ucesso do es tilo do teat ro op er ár io.
A condição de ssa arte e ra a total homogeneidad e de a tores e públ ico.
" Um se n timento, um interesse, um a canção, uma es pe rança, um a ve nta- (de B. Bal ázs, Seritti di teatro, Florença, La Casa Usher, 1980, p. 109-13)

matança de uma cultura e d e uma tradição para poder fa zer uso categoria Festa", co n tra a inconsistência de uma h istória que nada
dela . mais é do que a busca do "Tea tro " n a hi stória; e lembrou co m o a
transmigração da refl exão sob re o teatro em direção à refl exão acerca
"TER UMA tradição" - escrev ia Pave se - " é menos do que nada, e da festa se lig a à constituição do debate a respeito d o teatro do sé cu lo
somente ao procurá-la faz-se possível vivê-la". XVIII em diante, quando o teatro se consolida como in stituição e,
A extensa aproximação de festa e teatro na história e em diferen- justamente, perde co nsciên cia d e si próprio, torna-se hipostático e
tes civilizações não indica necessariamente uma constante meta-his- absoluto, fa z-se transmitir dopassado a sua própria imagem; e des-
tórica ou trans-histórica e sim momentos e fatos diferentes .qu e se contextualiza o presente fazer teatro constituindo-o em farma causa-
referem, em concreto, a específicas culturas - modos de vida e de tis aristotélica, numa categoria conceptual a priori, indiscutida, que
cultura dos homens - e para os quais usamos, este é o problema - determina o próprio p ensar em teatro. A Festa torna-se a projeção de
os mesm.os termos, nem sempre como ato dialético; modos de vida e uma so ciedade utópica, mas na es sên cia a Festa que parece "algo
d e cultura aos quais ce r tamen te não somos estranhos mas qu e s em que não oreatro" nada mais é, afin al, do que " u m outro teatro" .
ju stificações e sem consciên cia co locam os numa série cas u a l privile- Na orige m es tá Rousseau . O teatro é a arte das gra ndes cid ades, da
giad a . Ferdinando Tavian i al ertou con tra a armadilh a d a "pala vra- soc ied ad e degrad ad a n a qual os h omen s vive m n a a usência d e si pró-
58 A TRADIÇÃO DE NOSSO SÉCULO: PERSPECfrVAS CO M EXEMPLOS A TRADi ÇÃO DE NOSSO SÉCULO : PERSPECfIVAS COM EXE/v\PLOS 59

A FESTA DO SOL EM MO N T E VERITÀ louqueci do, símbolo do relâmp ago, q ue arras ta a trás de si, en tre sa ltos
e piru etas, um a fileira de seg uido res ent usias tas, en tre os qua is sobres-
Cena Um . Um gra mado de montanha, orlado, de três lad os - ao norte, sai-se a g raça de um a menin inha redon da e rosad a; um ado lescen te
leste e su l - pelas árvo res de um bosqu ezinho e com pletamen te abe rto cobe rto ape nas po r um a tunicazinh a m ín i ma, a cabeça co road a por sa r-
do lado oeste, ond e escorrega num rápid o declive. Aos p és do declive men tos de videir a, qu e expressa na dan ça um gá ud io q uas e ébrio. En-
es tende-se a água tranqüila de um lago aper tado entre cimos p ossantes , 'l uan to o sol se p õe cada vez mais sobre as monta nh as, sobe pelo declive
qu e esfu mam no hori zont e, abra nda ndo-se numa cad eia de colinas azu- um co rtejo qu e aco mpanha at é o g ram ad o um declama do r. No mo-
lad as. Próximo à borda ocidental do gramado es tá coloca da uma lage men to exa to em que sua cabeça despon ta pela bord a da cla reir a, o dis -
para o fogo, qu ase um alta r de enor mes pedr as rochosas, sobre o q ual a co do so l toca os cimos no horizo nte. Ele e ntão começa a declama r um
lenha p ara a fogu eira es tá p ront a. Pou co an tes do pô r-da-sol es te can to hino ao so l poen te, pr ocedend o solen em en te em d ireção ao altar onde
tranqüilo, totalmente imerso na natureza, é alcançado por alegre comi tiva, é aco lhido por uma dan ça de boas-vindas que in terrompe um pou co
reuni da em prazeroso passeio, acomp anha do por so ns e cantos. Tod os, seu can to, Reto ma-o dep ois co m mais calor, enqua nto o sol desap are-
orde nad amen te, tomam luga r em semicírculo, de cos tas para as á rvo res ceu pela met ad e e as' so mbra s co meça m a se espic ha r. Mas an tes qu e o
e o olha r para o vale e as mon tanhas dist ant es, sobre as qu ais impe ra o as tro mergu lhe com p letamente, da s fileiras dos espec tadores sae m mu-
úl ti m o sol. lheres e crianças qu e se ap roximam da laje dan çand o e acende m a fo-
En tão um a fileira de joven s dan çant es, de pés descalços e trajand o gueira. A leve fum aça qu e se lev anta e que se fund e co m as sombras
t úni cas lev es, sa i do bosqu e e cerca o alt ar numa dan ça fes tiva . Lidera - qu e sae m do lago é logo disp ersad a po r uma im pe tuosa d an ça final,
os um a moça em doura do , h ieráti ca e vibran te, e a trás de la avança m, acom pa nhad a pelas ú ltimas est rofes do hino ao cre púsc ulo, A roda do s
e ntre ou tros, um casa l de es p lênd idos jovens e m azul, parece ndo, e m da nçar inos des a rticu la-se, enfim, num co rtejo q ue a rras ta cons igo os
se u p as so so le ne e rit mad o, a rcanjos vin gad ores; um d ue nd e en - espec tado res,

p rios, da co munidad e d ivid id a e incon sciente, construída n a base d a E a n o va s ocieda d e, a re volu ção, bu sca e o rganiza a fes ta p ara se
p ro curação, d a qual se tem ex periên cia com o represen tação: "é d o re- celeb ra r e durar.
p resentante em gera l - seja o q ue fo r que ele represente" que d escon fia N as festas d a Rev olução Fr an cesa, as id éia s de Rousseau es ten -
Rousseau, tanto que n o Contrato Social ê na Lettre ii d'Alemben em qu e dem-se, e n isso se d eformam. As gra n d es massas, organizadas e or-
propõe subs titui r as representações teatrais com alg um as fest as púb licas d enad as por uma s ábia direção n eoc1ássi ca (entre todas, as festas
sem exp osição n em esp ectad ores, sem "nada para ver" e n as quais os coorden ad as e ideali zadas p or David) representam a festa; "Le nd o
espectad ore s se tornarão eles p rópri os os atores : "m as, en fim quai s as crô nic as e observ an do as fig urações d a festa da Ra zã o e da festa
se rão os obje tos d estes esp e tácu los? Nenh um, se assim se q ui ser... Plan- d o Ser Sup re mo"- observ a Jes i - " tem -se, an tes d e mais nada, a im-
tem n o cen tro d e uma p raça um pos te co m uma -gu irl an d a d e flores, pressão d e que o que falta va n as p ráticas cu ltuais d a Re volução Fran-
ju n tem o povo e te rão uma fes ta. Faça m ain da m ais, façam dos es pe cta- ces a fosse ex a ta men te a visão: n ão a visão ofereci da p elos p arti cip an-
d ores um espetác ul o: façam com q ue eles também se tornem a tores" . A tes (q u e, aliás, era p ro g ramada e efe tu ad a com cuidados es peciais), e
Fest a é o teat ro da so cied ade fu tu ra, os valores que levam à su a bl~ sim a visão d e q u e d everiam goza r os particip antes das fes tas. Eles
sã o os reqmSifé'iâos a e mnãSOClea'ade projet ada, organizada em p e- deixavam se ver, n ão via m" ,
quenas com u n idad es, presente e conscien te d e si própria, se m procura- Novamente a representação que substitui o ser. Festa é o teatro
ções, representações, d ivisões d e capacidade. A Festa indica ao teatro d as g ran des massas. E torna-se a expressão do "es pírito " de um povo,
sua raiz e se u sen tid o . um originário momen to d e " expres sã o", um es p aç o e um tempo
- - --A festa tõf!1ã=s-;; aq uele so nho d e unanimid ad e que p arece d a r se n- alh eio ao presente hi stórico, da lu ta d e classes, da e xp e riê n cia vivida
tid o ao teatro e q u e, e m di feren tes ocasiões, d a Rev olu ção Fra nc es a no ro tin ei ro co tidia n o : a hi stória da id eologia ge r m â n ica e n tre os sé-
e m d ian te, to rn a-se q uase um a verdad eira in s ti tu ição p o r si próp rio. cu los XIX e XX oferece exe m p los m a is claros.
60 A TRADIÇÃO DE NOSSOSÉCULO: PERSPECTIVAS COM EXEMPLOS A TRADIÇÃO DE NOSSOSÉCULO: PERSPECTIVAS CO/vI EXEMPLOS 61

Cella Dois. Pouco antes da meia-noite uma selvagem formação de to- avermelhado dos fogos, lançam às cha mas os gra ndes invó lucros totê-
cadores dançantes, levando tambores, pifares, trompas, chocalhos e tan- micos dos quais estavam revestidos. O conciliábulo con tinua, transfor-
tãs, de tronco e pés descalços, reúne novamente os espectador es e, à luz mando-se aos poucos, à pro porção que os incertos pul os das chamas
dos archo tes, uma p rocissão atordoada de sons, g ritos e ruídos sobem vão-se extinguindo, numa dança de sombras cada vez mais indistintas e '
por uma trilha até o topo de uma colina onde os aguarda uma clareira temíveis. Os grito assombroso de um dançar ino criança quebra então o
circular, onde sobra nceiros estão os picos das rochas, retorcidas e bizar- silêncio mortal. Acendem -se novamente os archo tes e os espectadores
ras. Sobre a grama arde m cinco diferentes fogueiras, que constitue m a abalados são levados novame nte ao vale.
única ilumin ação do lugar. À volta e atra .és delas agita-se uma pequena Cena Três. Ao alvorecer rscolocamo-nos em marcha em direção ao úl-
horda de du end es delirante s, que sobressaem com saltos animalescos timo lugar cênico, um gra mado docemente inclinado em direção ao lado
agitando tições acesos. Logo em seguida apar ece um grupo de figuras leste de uma colina. Os espectadores sentam-se em fileiras ordenadas ao
mascaradas; máscaras gran des, das quais desce até o chão um entrelaça- longo do declive. Logo no fundo da margem da colina aparecem os pri-
mento de ervas e. galhos, esconde ndo o corpo todo dos que dançam. meiros raios do sol nascente. Aparece en tão uma formação de moças,
Destes perfis primitivos, troncudos ou magros, pesados ou leves, desli- envolvidas em amp los e leves mantos de cores vivas, que sobem leve-
zam para fora larvas tenebrosas de bruxas e de mônios, que num sabá mente pelo declive; os raios do sol coroam as figuras e fazem resplande-
inferna l, ainda mais inquietante pelo silêncio absoluto e pelo tremular cer as sedas coloridas . Ao doce som das flautas e dos instrumentos de
\

o teat ro d o povo e a fes ta p arecem coinci d ir e d ão vid a a m últi- O Th éât re du Peuple, de Romain Rolland, é teat ro de ed ucação d as
p las e diversas experimen tações. massas, um u so que se d eclara di fere n te d os es ta tu tos do teat ro.
"Houve um tempo em qu e o povo todo se preparava, se recolhia à
es pera d e uma celebração teatral, que um d eus a cada ano era cha- ALGUMAS SUGESTÕES, ain da, d o períod o so vié tico : " Em n ossa época d e
mado a presidir [...]. revolução socialista as fest as do p ov o são mais do que um m eio de
H ouve um tempo em que multidões ainda mais numerosa s que a ed u cação política das massa s: por m eio dela s as massas ap rox im am -
multid ão an tiga, talvez m ais ig noran tes m as n ão menos animadas se d as art es em todas as su as formas: p oesia, p intura, música, teat ro.
pela "fé, n ão m enos impressionadas p ela so len idade das circu nst ân - As fes tas d o povo d evem b asea r-se n a ativi dade cr iador a das m as-
cias, punham-se a cam inho p or es tra das ru ins, apesar das intempéri es sas. Os trabalhad ores n ão devem lim itar-se a participar d as p rocis-
d e um clim a menos feliz, p ar a assis tir, em pé, por h oras a fio, as ve- sões e d as reun iões, m as também se exibir como can tores e oradores,
zes p or m ais di as, à representação que uma cidade intei ra, comovi- d ecorador es e artistas, impro visa d ores e diret or es [...]". Pelo que d e-
da, lh es oferecia [...]". clara Kerj entzov num relatório acerca das festas do p ov o no primei-
As palavras d e Copeau d e 1934 e retomadas em 1941, e xp ressam ro congresso do teatro op erário e campon ês, em 1919, Sklovski responde
bem a gra n de u topia d e teatro p opular p ara um povo unânime, de clara ndo qu e o teatro d as fest as sem pre exis tiu, m as com outros
qu e ca rrega em si b oa par te das reformas d o teatro. n omes, qu e o tea tro é algo diferente e tem sua especificidade. Co ntra-
Opõe-se fes ta a teatro, como o teatro d o fu turo na futu ra socie- põem-se ain da dois di scursos que não dizem coisas diferentes m as se
dade: liga- se aos m om entos d a revolução, aos fau st os do Teatro d o exp ressam com linguagens d istantes d e objetos não h omogên eos. Em
Povo, e às ut opias d e teatro total. Mas só h á unidade n as palavras. .1923 Eis en stein es crev e: "o programa teatral do Prolet kult n ão con -
Na Sala, "a Catedral d o porvir", de qu e fala Appia em 1918, coa - siste na utilização d e valores do passado e tampouco na invenção de
gu lam -se as in st ân cias d e um agir n o teatro que busca uma socied a- n ovas fo rmas d e teatro, e sim na ab olição d o ins titu to d e tea tro como
d e que tenha n ecessida d e d e teatro . E as Revist as Vermelhas d e tal, subs titui n do-o por u ma fase d emons trati va d os res ultados, no
Pisca tor fecham-se com o ca n to d a Internacional d e um púb lico q ue . plano da elevação, da qualificação, da aparelhagem existencial das
vive a si m esm o no fu turo. m assas" .
62 A T RA DI ÇA o DE NOSSO SJ~CU LO: PERSPECTI VA S COl'vI EXE!',,!PLOS A T RADIÇA o DE N OSSO SÉCULO : PERSPECTI VA S COM EXEl'vlPLOS 63

corda desencadeia-se uma carola aérea e quase impalpável: 0 5 espíri tos Confratern idade dos Iluminados Herm éticos. Ord em do Templo de
luminosos do dia, sím bolo da huma nidade liberta, com o eterno renas- Oriente (Monte Verità, 15-25 de agos to de 1917).
cer do 50 1, do obscuro e opres sivo desvar io das trevas, dan çam a felici- Os relatores: as duas descrições de aceitável abrangência que pos-
dade fulgur an te da vida renovada . suímos do espe táculo, e das quais extraímos com fidelidade aos fatos e à
A época: 1917, 18 e 19 de agos to. atmosfera nossa narr ação, nos chegam do interior do espetacular even-
O lugar: Monte Verità, ern Ascona, no lago Maggiore, em Can tão Tici- to, do pró prio von Laban uma e de [akob Flach, um dos jovens bailari-
no. nos de en tão, a outra.
O espe táculo:A Festa do Sol, em suas três part es O ocaso,celebração do .Em plena Grande Guer ra, no coração da Europa dilacerada pelo con -
" "Ca nto do ocaso" de Otto Borngr âber, Os demônios da noite, dança pan to- flito, nos declives dos Alpes, onde se combatiam sang rentas e decisivas
mímica e passeata com archotes, e O sol vitorioso, hino dan çado . batalhas, esta celebração ritual, em sua "estranheza" que a nossos olhos
Os intérp retes: os alunos da escola-colônia de da nça de Rudolf vo n beira o absur do, sintetizava a própria essência de Monte Veri tà.
Laba n ,
Os comitentes e os recep tores: o Congresso Coope rativo Naciona l da (de E. Cas ini-Ropa, La danza e l'agitprop, cit., P: 23-6)

H á ain d a ou tra h ist ó ria da op oslça o fest a e teat ro, a que usa a or ien tais - es tes também são elem en tos d e um a cult u ra tea tral d o
fes ta p ar a afirmar a com u n hã o ou a comunica ção in terpessoal, Em séc ulo XX.
essênc ia, diríamos h oje, o lu gar d o vivid o e da cr ia tivid ade. Assim É in útil acu m ular exemp los, n ão são - as qu e preced em - indi-
Prou d hon não ac red ita va na s gran d es assembléias ou reuniões, m as cações hi st óricas: objetivam a pe nas ser suges tões p ara qu e n ão se
ac red itava que o tempo livr e d o operá rio podia es tar n a origem de es queçam as m u itas e diferentes im p licações da oposição - con fu-

~
' um d espertar cu lt ura l, baseado na vid a d os g ru pos (La C éi ébration du são fest a e tea tro , d o tea tro p opul ar ao teatro to tal, d as ce lebrações
. ~ Dimanche, 1840). ~polí tico não foi somente o ri tual fes.tivo das de m assa à com unidade cria tiva, d o folclo re e d as culturas n ão oci-

~
' \~ '" celebrações políti cas..de..ll1ilSSa, como taniliém as rea ia ad es n1ãiSirF den tais às experiências de cu ltura alterna tiva e d e oposição.
~. l)~\ formais e dirigid as d e ~er~l§ .e x.p"~riêl1Ç.ia;ae~gJt~~p_~eat~.~'polítlCO Dois p roblemas básicos n o teat ro, por exe m p lo, chegam radicali-
d e "agitaçao e ~~Ilc!~'J E m esmo as experiênciàs d e a tiVíCIãães zad os na problem ática da festa: o d o p úb lico e o d o a tor. O público
ex pressivas (tea trais) co m as crianças que Asja Lacis rea lizou em 1918, ass is te ou receb e a fes ta, e en tão é o p úblico-massa das celebraçõe s;
e qu e es tão na base d o Programa d e Benjam in , con flue m n os d is- ou es t'á es tri ta mente imp licado n ela, se n do a p rópria fest a ou no mí -
co rdan tes tem as d a fest a: "Im provisar o espet ácu lo significou feli- nimo su a cul tura, então é homogêneo.
cid ade e av en tura para as crianças [...]. A representaçã o pública A }2fob lem á tica da relação criação / recep'ção é levad a ao ex trem o
tran sformou-se em fes ta. As cr ianças de n osso es tú d io en caminh a- e, como d esejav a, Benjamin expõe se u lu ga r no in terio r d os m eios
ram -se numa espécie d e cor tejo carnava lesco n o tea tro ao ar livre d a d e p rod uç ão; p ar ece opor ao p ú6lico n ão indiferenc iado a recepção
cidad e. Levavam con sigo, can tand o pelas ruas, os an im ais, as m ás- "b u rg uesa" d a arte.
car as, os ad ereços e os cená rios. Jun tar am-se a e les p equenos es pec- O ator di ssolve-se, an ula-se n a recu sa da procuraçã o, n ega-se
tadores e adultos" . E h á a recuperação d o circo e os vários espe tácu los co mo especialis ta e se pro p õe n o m áxi mo como es tím u lo; ou en tão
e aqu ele conjun to q ue se q uis d efini r (com im precisão tecn ol ógi ca ) é o es tran geiro , o d iferen te, q ue exibe h abi lida d es, m as cuj o tem po e
p ré-cine m a; e im agens mí tica s d o passad o, com o os côm icos d o Ca- cujo esp aço são di st ant es, n ã o conh ecid os .
pitão Fracasse, de Th éophile Ca u tier, au tor d e refin ad as e a ten tas crí- Da oposição fes ta / tea tro chega u m a visão d in â mica e di alé tica :
/Q ,ticas teatrais em que, en tre o u tras , sus ten ta qu e o teatro do fu tu;:..o um percu rso, não uma rea lidade; um con tra s te, n ão um fluir . Em
0jlserá um espe táculo vi su ~ E h á a " testa p op u lar " e a "fes ta d os p ri- essênc ia, a trá s d as pa lavr as e.das gra n d es som bras q ue esco ndem,
mi tivos ", os estudos an trop ológicos e os con hec imen tos d os teat ros há problem as es pecíficos a serem inves tiga d os e usad os.
64 A TRADIÇÃO DE NOSSO SÉCULO: PERSPECTIVAS cou EXEMPLOS A TRADIÇÃO DE NOSSO SÉCULO : I'ERSPECT[~AS COM EXEMPLOS 65

UM PROJETOTEATRAL DE STANISLAVSKl. cuias, mas também da fazend a. Durante o plan tio e a colheita da prima -
vera e do verão, os próprios alunos do Estúdio deveriam fazer todos os
L. A. Sulierjitski sonhava em criar junto comigo algo semelhan te a trabalhos ag rícolas. Isso teria gra nde im portância para o ânimo gera l e a
uma orde m espiritua l de ar tistas, cujos in tegran tes deviam ser pessoas atmosfera de todo o Estúdio . As pessoas que se encon tram diaria mente
de concepção su blime, idéias amplas, vas tos horizontes, conhecedoras no clima nervoso dos bastidores, não podem estabelecer relações estreitas
da alma humana, que aspirassem a objetivos ar tísticos nobres e fossem e amigáveis, indispensáveis a uma comu nidade de artistas. Mas se além
capaze s de sacrificar-se por uma idéia. Sonh ávamos em alu gar um a fa- da vida de bastid ores essas mesmas pessoas se encontrarem na na ture-
zenda ligada à cida de por bond e e estrada de ferro. Poder-se-ia cons- za, no trabalho com um da ter ra, ao ar livre, sob os raios de sol, suas
truir junto à casa gr ande um palc o e um a pl at éia, onde dev eriam almas se abrirão, os maus sentimentos eva porarão e o trabalho físico
realizar-se os espetáculos do estúd io. Nas casas de fund o desejávam os comum con tribuirá para a su a união. Durante os trabalhos agrícolas da
d istribui r os atores, e par a os espectadores era necessário constru ir um primavera e do ou tono, a ativida de teatral se ria in terromp ida para re-
hotel, e o vis itante recebia junt o com a entrada o direito a um quarto nascer após a colhei ta do trigo. No inverno, no tempo livre da criação, os
para pernoi tar. Os espectadores dev iam chegar antes do espe tácu lo.Após próprios pupilos deveriam traba lhar na montagem das peças, ou seja,
um passeio pelo belo pa rque junto à casa, desca nsar, almoçar no refeitó- deveriam pinta r cenários, costurar trajes, fazer rnaquetes, etc. A idéia do
rio gera l que os pup ilos do estúd io mant eriam, sacudi r a poeira da capi- traba lho com a terra era um sonho an tigo de Sulierjitski: este não pod ia
tal e limpar a alma, o espectado r deveria ir ao teatro. Em tal aspecto ele viver sem a terra e a natu reza, especia lmente na primavera. O lad o agrí-
apareceria bem preparado para receber as impressões artístico-estéticas. cola do hipotético Estúd ia deveria, por isso, ser desenvolvido sob os cui-
Os recursos para esse Estúdio fora da cidad e viriam não só dos espetá- dados imed iatos do próprio Sulierjitski.

À hi st ória d as festas, d o teatro em esp aços abe r tos e do teatro po- Bloch ; o Worke rs' Lab or at ory Theatre e o Federal Project, e Joh n d os
pular, d o es p e tácu lo e das liturgias ci vis, dos Festspiele e das Exp osi- Passos e H allie Flanagan; o Worker s Th eatre M ovement, os Reb el
ções Universais, en tre laça-se a história das experi ências "separadas" Players e o Unity Theatre e os Living N ewsp ap er s com a con tribu i-
d e teatro nas diversas formas e a d as que d e al guma forma são ati- ção d e [oan Li ttl ewood. Pod e-se con hecer o m o vimento n a Espanha,
nentes ao teatro; m as também a do teatro político, do teatro operário , n a Gue rra Civil, co m as "Misiones p edagógicas" e a obra d e García
d o teatro agitp ro p, nas diver sas formas e gêneros que assumem ao Lorca e a d e Aleja nd ro Casona e ainda 'a d e María Teresa León e o
lon go d os d ifer erv es anos e em s ituações geográ ficas e h istóricas de- teat ro d efinid o pregn antem ente " de u rgên cia"; e ai nda aque le tch e-
sigu ais; a té m esmo no in tern ac ionalism o que as substancia e, em co-eslov aco com as "esp artaquíadas", as Blus as Azuis, e Jind rick H on zl;
parte, as organiza . E, afinal, na mesma tensã o: u sar o teatro como na Polônia, em Lod z e Varsó via, at é o teatro d os " p ar tisans" da Se-
com u n icação e p er suasão; ou m elhor, em termos mais respondentes gun d a Gu erra Mundial que, com o "Teatro Rap s ódico", era feito em
aos homen s que o fizeram, simplesmente "usar" o teatro (mesmo re sidê n cias particulares ; e n a Romên ia, e na Iu gosl ávia, e n a Bélgica .
como autopedagogia para quem o faz ). H oje conhece-se melhor a Pode-se lembrar a "União Internacional d o Teatro Operário" , de 1930,
hist ória d o teat ro p olítico e ag itp ro p d a Revolução Soviéti ca; e nume- em Moscou , por iniciativa d e sovié ticos e alemães, franceses, tch eco-
ros as con tribuições esclareceram e colorira m aAlemã e m esmo a Fran- eslovacos, be lgas, com suas conferê ncias e se us boletins; e as Olim pía-
cesa e aAmerica na e a Inglesa. O teatro do proletkult, d o ag itp ro p, as d as d e teat ro para g ru pos agi tprop, como as qu e se d er am em Mo scou,
festas celebrativas de Ievri éinov, o Outubro teatral de M eyerhold, as em 1933. E at é o teatro durante a Longa Marcha, na China.
Blusas A zuis; o tea tro agitprop de Weimar com Piscator, Karl-H einz São teatros que propõem prob lemas radicais para o p en sar e m es-
Martin, Bal ázs. Wan genheim, e Berta Lask, e Fri edrich Wolf, e as or- m o para o fazer teatro. Por exe m p lo, agem na ten sã o p a ra uma técn i-
ga n izações d e teatro so cia listas e as comunistas, e os gru pos d e tea- ca que é o ar mamen to d o teat ro p ro fissional e institu cion al (luzes,
tro e se us in telec tuais; a Féd ér ation du Théât re Ouvri er Français, o figu rinos, espaços, preparação física e vocal, be m como texto e a té
gru po Outub ro de Préve rt, a ação p ráti ca e teórica d e [ean-Rich ard m esmo rep ertóri o - h ou ve não somen te revist as, co mo tam bém co -
66 A TRAD IÇAo DE NOSSO SÉCULO : PERSPECTIVAS COM EXEMPLOS A TRADl ÇAo DE NOSSO SÉCULO : PERSPECTIVAS CO:VI EXEMI'I,l l:; 117

Eviden temen te, esse p rojeto não sa iu dos son hos, entretan to acaba - vez das portas e dos caix ilhos, das jan elas, ta petes e co rt inas de pa no;
mos con segu indo pô r em execução u ma par te dele . servia d e piso a are ia d a pr ópria p raia , e no in te rio r da casa formava-se
Na cos ta do mar Negro, na C rirn éia, a al gumas verstas d a cida d e d e um amb ien te aco lhe do r com divãs de p edra e cadeiras cobertas de tra-
Evpa t ória, comprei terr as numa ma gn ífica praia de areia e co loquei -as vesseiros, como nos cast elos med ieva is com as pared es rev estid as de
à d isposição do Est údio . Co m d inheiro arrec ad ad o em espe tác u los da - pano, lantern as chin esas iluminando os cômodos à noite. Toda a comu-
dos em Evpa t ória, cons truí mos na que la terr a préd ios de na tureza so - nidade d e homens primi tivos andava semi nua e nat uralment e b ron-
cia l, u m pe queno hot el, uma cava lari ça, um estáb u lo, de p ósitos p ara zead a do so l. Su lierjitski repe tia as sua s técnicas com os dukhobori no
ins trumentos agrícolas , seme n tes, víveres alimentícios, reservas, sótãos Canadá, es ta belecia um regime severo. Cada pupilo do Estúdio tinha a
para a conserva ção de carne e leite, etc . Cada pupilo deveria construir su a obri gaç ão so cia l: um era o cozinheiro, o o u tro o cocheiro, esse se
com as p ró p rias mãos a casa q ue se lhe concedia para morar nos d ias ocup ava da parte admi nistra tiva , aquele era o ba rq ueiro, e tc. A fama dos
difíceis. homens pr imi tivos espa lho u-se por tod a a Cr imé ia e atraía os curiosos,
. Durante dois o u três anos um g rupo de pup ilos d o Es túdio, dirigidos que or gan izavam excursões p a ra ver os selva gens pu p ilos d o Estúdio
por Sulierjitski ia para Evpa tóri a durante o verão, onde levava vida p ri- do Teat ro de A rte de Moscou .
mi tiva, sem teto. Os pr óprios in tegra n tes do grup o carregavam e la vr a-
vam as pedras para a co nstrução do s edifícios de função p úb lica , (de Kon stan tin S. Stan isla vs ki, Minha vida na arte, Rio de Jan eiro, Ci-
levan tava m prov isoriamente as paredes exata men te da for ma com o as vilização Brasileira, 1989, p . 477-9; o tex to é ex traído d es ta edição bra-
crianças levantam cas inhas com cubos : em ve z de telhad o, uma lona, em sileira, trad uzi d a po r Pau lo Bezerra) .

leções editoriais para o teat ro agitprop, na A lemanha e mesmo na soas juntas - como num refei tório de col égio. Nas paredes estavam
Fran ça); ten são que é recusada d evido aos limites ideológicos e m es- rabiscados desenhos exp ress ion is tas q ue emold uravam verdadeiros
mo op eracionais que a técn ica p õe, com discu ssões ap aixo nadas e recortes d e jornais, verdadeiras cartas d e b ar alho, ró tu los de cerveja,
p olêmicas infl am adas, co mo a q ue h ouve entre Maxim Vallen tin e a caixas de fósforos, caixas d e cig arros, cabeças recort adas d e fot og ra-
re dação da revis ta Linkskuroe; ou o problema do ator amador ou pro- fia s . O caf é estava abarrotado de es tu dantes, em su a maioria vesti-
. fiss ional; ou os contrastes para a de finição e o uso da drama turgia, e dos com agressiva d eso rdem polí tica - os homens com camisetas
l :JZ alin ter ven çãO,? OS escri tbr~s. São teatro s: aci ma d e tudQl....q ue põem o d e m ar inheiro e calças d eform adas e manc hadas, as m oças co m ca'-
cl/'p~ma d o para quem e d o "p orqu e" fa zer teat ro'. m isetas di sfor m es, sa ias visivelmen te seg ura das com alfine tes -de -
Desses tea tros, quer os de agi"tã çãoquer os ClãTiturgia, a prim eira segu rança e berra n tes écharpes ciganas laçadas com desleixo . A
existência e o primeiro va lor é a situação: o clima, a a tmosfera, o proprietária fumava um charu to . O rapaz q ue servia de garçom va -
sinal que o es pe tác u lo potenc ia l d á com se u p ró prio existir. Em ro- diava com um cigarro entre os láb ios e afagava os clie ntes nas costas
m ance autob iogr áfico, Goodbye to Berlin, Ch ris to pher Isherwood , q ue en q u an to ouvia os p edidos. Tudo era comple tamen te falso e praze-
escrev eu textos com A uden, con ta muitos lugares da Berlim da d éca- roso e alegre: era inevitável se n tir-se co mo n a p róp ria casa...'',
d a de 30 (na viagem de instrução obrigató ria para os intelec tuais De forma d iferente o olho es tran ho d e Ish erw ood regis tra a aura
ingleses); duas "cen as", en tre mu itas, podem dar o colori do das si- da sa la d e-reuniões d e um clube para jovens n a zistas : " longas b an-
tu ações: "N u nca es teve na cantina próxima ao zo ológi co?" - p er- deiras co lo ridas pendiam das paredes , bo rda das com in icia is e mis-
gu n tou- me Fr ita enquan to nos afas távamos do Salorn é. ter iosos emble mas- totem. N u ma das ex tremid ades d a sa la havia
"- Poderíamos dar uma olhadi nha... D aqui a se is m eses, talvez, um a m esa baixa coberta com um p ano carmesim bordado - uma
todos vestiremos ca misas ve rm elhas... - Concordei. Es ta va curioso es p écie de a ltar. Sobre a m esa, ve las em castiçais d e lat ã o. - As
para ver como era a 'cantina comunista' d e Frita. Era , na ve rd ade, acen dem os às quartas-feiras - explicou Ru d i - quando tem os dis-
um? ca ntinazinha pin tada de branco. Senta vam, em longos bancos cussões d as que se fa zem em vo lta da fogu eira. En tão nos sen tamos
d e m adeira dian te de enormes mesas despojadas, uma d ú zia de p es- em. roda, no chão, e can tam os canções e con tamos h ist órias-s-. Sobre
68 A TRADIÇÃO DE NOSSO SÉCULO: PERSPECTIVAS CO M EXEMPLOS
A TRADI ÇÃO DE NOSSO SÉCULO: PERSPECTIVAS COM EXEMPLOS 69
:: COPEAU E A AVENTU RA DOS COP IAUS
t~ comerciantes, os burgueses, os funcionários e os cas telões re un iam -se
para nos o uv irem e pa ra jun tos se alegrarem co m nossa re presen tação.

[Em "Recordações", lido em 1931, assim evocava os espet áculos]

Deveria te r-lh es mostrado os Copiaus à obra, em sua grande "a dega",


aos p és de u ma magnífica coli na francesa, ou en tão na esta lage m da
aldeia, imedia ta men te irma nados com os vigorosos boas-v id as dos vi-
nhedos, o u en tão nos caminhos de verão e d e inverno, à cla ridade da lua
ou no ge lo, nos furgões de br asões significa tivos , que vo ltam da repr e-
sen tação . Mo liere so b um a lona o u sobre o tablado de um sa lão de baile,
diante de um p úb lico realmente popular, no qual os operários se mis-
tu ram aos burg ueses e aos se n hores, e q ue, ser eno como a farsa rep re-
sentada, só es tá à espera de cócegas para rir nos mo mentos gos tosos.
Precisaria, sobretudo, descre ver para v ocês as fes tas de Dijon , de Baune
ou de Nuits, as Celebrações do vinhedo e do vinho que espalharam a fama
[ ...] do s m eus companheiros pe la província toda ...
A ex pe riência q ue rea lize i na Barganha de ·1925 a 1930 foi ex trema- D ian te de centenas, m ilhares de vin ha teiros vindos de todos os po n-
.' m ente inst r ut iva porq ue era ex tre ma me n te modes ta. Procurávamos u m tos da colina , os meus Copiaus, q ua tro à direita, qu at ro à esquerda e o
E.: público: fazíamos o pregoeiro da aldeia nos anunciar com uma breve chefe bem no meio, numa bela formação cor al, firmes sobre as pernas, a
" " par a daa " d a q ua I se e nca rregavam nossos jovens, e depois levantava- test a al ta, a voz clara e so no ra, pin d ari za vam em honra das rai nhas bron-
'I mos o pa lco nu ma pr aça ou n um jardi m, na boa es tação, ou en tão no ze ad as q ue os vo tos de su as p refeitu ras tinham elei to, nes ta festa d a
,~ salão de baile de um hotel o u no me rcado cober to. Procurávamos fazer vindima, g uia ndo co rtejos e pr esidindo à Paul ée.
b Depois, finda .es ta pr imeira pa rte da cer imônia e chegada a no ite, os
co m q ue nossa rep resentação coincid isse co m algu ma fes ta, q ue deixas-
;j se o púb lico be m dis posto, e os vin hateiros, os traba lhadores rurais, os compa nheiros deixavam a sala e, e m ro upas cla ras , uma flor no cha -
p éu , a flu íam pelas ru as, no 'me io do pov o, on d e er am recon hecidos,

a mesa, com o castiçal, h avia uma espécie de ícone - o d esenho emol-


durado d e um jovem explorador d e beleza n ão terrena, o olhar es- Co peau, de Me yer ho ld a Reinhard t; encontra-se mes mo em seu trab a-
~ áti c o na distância, um a band e ir a n a m ã o . O lu g a r tod o m e lh o ped agógico - n a experiênci a de fazer um teatro qu e se med e p elos
Incomodava profundamen te. Desculpei-me e fui -me em bora o quan- h om ens que o fazem, que tem d ireito de exis tên cia e sentido an tes do
to an tes " . espe tácu lo para o p úb lico. O espectador n ão p roduz teat ro, e sim (na
Não são diferentes as atmosferas. das descrições dos cabarés, dos es- cu ltura tea tral d o novecentos) é produzido pelo teat ro .
pe tácu los agitprop, das reuniões de teatro político, das festas espeta- Nesse aspec to coincid em também o teat ro de lit urgia e o teatro d e
culares. O olhar do espectador do tea tro de nosso século parece ver a agitação, cujo va lor não reside no teat ro que se faz e sim n o fazer
situação, o espaço e sua transformação, os espectadores, as poéticas - e tea tro.
parece não ver: os atores, sua ação, as dramaturgias em curso, as rela- O teat ro p arece m ed ir-se pelo en tus ias mo de que m o faz e d epois
ções. de quem o recebe; o fana tismo é necessidade para os teatros de que
falamos; é for ça em Craig assim com o em Co peau e em Sta nislavski.
o SON HO E A necessida de de teatro como comuni dade tam bém está nos É d ifícil para a cultura dialogar com o tea tro n o sé culo XX, e é d ifícil
escritos d os grandes mestres do tea tro do século XX, de Stani s-lav ski a ace itar esse teatrofora do Teatro e contra o Teatro (mesmo para qu em ,
ainda assim, está n a cú pu la das mu d an ças socia is: pa ra L ên in que
70 A TRADIÇAo DE NOSSO SÉCULO: PERSPECTIVAS CO M EXEMPLOS A TRADIÇAo DE NOSSO St:CUL O: PERSPECTIVAS COM EXEMPLOS 71

parados, fest ejad os, hosped ad os a té a hor a em q ue a sa la ficav a nov a- se com as circunstâncias, a es tação, a ter ra, o público. Eram sad ias, vigo- t
:ne~1te repl eta , mai s palpitante, mais ondea n te, e nós reap arecíam os ros as, qua se completam ente purificadas pelo pó do palco . '
a ribal ta, pa ra um novo espe tác u lo cujo her ó i era Jean Bourg uig- Delineáva mos com coragem emb ora incompletamer;tte, pobremente m~s
nono [...] . com since ridade, formas mais livres, mais arejadas . Freq üentem ent e obti- !:
Co ntraste de vinhedos, diálogos de amor, coros b áqu icos, pro vérbios vera m, espontaneamente, aquela adesão do pú blico, aqueles mo me ntos de j
e can~ões, danças ag rícolas do vinhedo e do vinho. O pa i No é chegava com unhão per feita entre palco e pla téia que são os áPdicels dOdteat ro e que I.,.;.
para inter romp ê-los. Eis o pai Noé: tant os este tas e teó ricos proc ura m ob ter com. meios a u tera os. .
Bebi, bebo e beberei. Quem d isse qu e é coisa qu e não vale nad a? É
coisa qu e conso la d e tud o. (de J. Copc au, TI Teat ro p op olare, em AA. Vv. r Eroi e Massa, Bolonha,
[ ...] Pat ron , 1979, P: 136-7; e Co pea u, Ricordi deI Viellx Colombier, Milão, TI i;;
Ass im as nossas rep resentações, qu ase imp rovisad as, harmon izavam- Saggia tore, 1962, p. 75-7) .. i

obs tacu liza o prole tk ult; ou p ar a Hitler, cujos m uitos esboços d e edi-
fícios teatrais novo s são ba stante tradicionais; ou para Mussolini qu e
escreve dramalhões com For zano). H arold Clurm an, que com o Group
The a tre h avia levado aos Est ados Un idos o se n tid o d e um teat ro n ão
real i ~ ad o como empree nd imen to comercia l, s ubven cio nado pela co- I'
I
m un idada d os a tores , escreve, num a r tigo de 1929, um diá logo im -
p ud ico: "O homem da lei: Se omitirem o tom ev angélico pode m m e
fa lar d e teatro. O homem de teatro: O fan at ismo en tre n ós é n ão so -
mente inevitável; ~ quase indis pensável".
A con tin uidad e p egajosa doteat ro tradicional, os h ábitos e os atra-
sos d a cultura, d a crítica e d a liter a tu ra dram áti ca ...: a s uperfície d o
.tea tro d o séc ulo XX tem s ua p rópr ia h istóri a, q ue é im portan te e d e
amplo relevo. Mas por trás h á as p remências da busca apaixonada
pe los teat ros d e liturgia e d e agi tação, do trabalho di st in to para o
teatro , d entro e for a do próp ri o teat ro . Temos d e fazer as con tas
com a hi st ór ia d est e ou tro teatro, vis to qu e o teatro do séc ulo XX é
n ossa tradição .

Par a a bibl iog rafia relati va aos assun tos tra tad os, e para as citações, re mete mos
ao e nsaio "Tea tri d i di sturbo e di litu rgia " (q ue é aqui ret om ad o com algum as
II1tegra ções ) em F. Cruciani , Teatrodei No occcuto, Resisti pedagoghi e comnnit ãteatrali
nel XX secolo, Flor e nça, Sanson i, 1985.

Ca rro a l e<>o l~ r i co d a A leman ha no Fes tiva l d os At iradores de Elite. Mu niqu e, 186l.


72 A TRADIÇÃO DE NOSSO SÉCULO: PERSPECTIVAS COM EXEMPLOS A TRADi ÇÃO DE NOSSO SÉCULO: PERSPECTIVAS COM EXEMPLOS 73

Vagão de teat ro e cine ma ag itprop sovi ético.


A Totnada do Palácio de lllvem o, d ireção de Evrein óv, 1920. Acima, os so ldados bran-
cos p reparam -se pa ra o assa lto ao cená rio ver me lho .
Max Reinhard t, O Mila gre, Lon d res , Teat ro O lymp ia Ha ll, 1911.
Abaixo , os so lda dos e os op erá rios rebeldes es tão ju n tos pa ra a travessar a po nt e qu e
leva ao cená rio branco .
76 A TRADIÇÃO DE NOSSO SÉCULO: PERSPECTIVASCOMEXEMPLOS

A TRADIÇÃO CONTEMPORÂNEA:
TRÊS MODELOS E DUAS SITUAÇÕES

Jacqu es,Copeau , As Arlimnnna« de Scapiuo, d e Moliere, espe táculo ao ar liv re, (Aq ui EXISTEM, na hi stória d o teat ro , m omentos e situações em que o teatro
Scapin e represen tad o por Robert Allard, não por Copeau.) parece explodi r, p rorrompendo d as estreitezas das sa las e d o ofício
para d erramar- se n o exterior e en globar tudo o qu e d e n ecessidades
o g ru po Mega/olle Vermelho em ação na cidad e d e Berlim . Cena d o filme Kuhle Wam- ou de formas express ivas encon tra n o exterior, Pare ce adquirir uma
pe, de Brech t, Dudow, Eisler e Ottwald , 1932. grande potencialidade em acolher e veicular o qu e d e diferente ou
de ev ersivo ou d e festivo uma sociedade for capaz de liberar, Tudo
parece poss ível, n o teatro e com o teat ro. Con tam relativamente a
di ver sidade d as lin gu agens e as d iferen ças dos es tilos, as d isp arid a-
des id eológicas ou es téticas : as v iciss itu des pessoais, para as quais
"obviamente tudo isso perman ece d etermin ante e em que en con tra
exatas raízes e motivações, parecem se resolve r numa on da social e
cu ltural da qual se é p arte. O teat ro, em 1968 e d epois ex tens iva men -
te n os anos 70, vive u u m d esses m om en tos de d iástole, com a irru p-
ção em territórios d e fronteira em que ou tras realid ades fo ram
en glob ad as e novas rela ções es tabe lecidas; o teatro sa iu mais uma
vez dos teatros, verteu n os lugares da vi da, nas r uas ,
Na Eu ro pa toda, n os anos "d o 68", o tea tro viveu n ov as formas de
organiza r e p rodu zir um a vid a cu ltural p ercebida como um p ossível
lugar on de co locar à prova um a diferen te qua lidade d a vid a, O Maio
Francês e a ocu pação do Odé on com as d emissões d e Barrault; a Re-
volução Cultural Chinesa; o pe rcurso d e Peter Brook d a Royal Shakes-
p eare Company ao Cen tro In te rn acion al de Pesq u isas Teat ra is em
Paris (70); a exp losão d o Orlando Furioso d e Ronconi ; e ain da o Misté-
rio Bufo d e Dario Fo (69), os /zappenings e os Dionveus 69 d e Schech-
77
78 A TRADlÇAo CONTEMPORANEA: TRÊS MODELOS E DUAS SITUAÇÕ ES A TRADl ÇAo CONTEMPOR;\ N EA: TRÊS MODELOS E DUAS SITUAÇÕES 79

ner, OS teatros d o agi tp rop e d e fest a e d e reuniões cole tivas... Ao gana, n os quais o en vo lv imen to do públic o significou cada vez m ais
tea tro comercial, bem como ao tea tro público, con trap õe-se o teatro a n ecessidad e d e se usar o teatro para criar uma situaçã o real, a té o
como fest a autog~rid a n o b rot ar d ifu so, n os an os marcados pelo 68, escân d alo-s ucesso d e Paradise Noto, ap resentado em Avign on em ju-
das festas, dos mi l grup os teatrais, d os teatros radicados n as com u- lh o d e 1968. Era um es pe tácu lo sob re e d e liber ação, uma via gem
nidades, d a an imação teatral: buscam-se outras situações em que o esp iri tu al e p olíti ca em direção à revolu ção anárq u ica n ão vio lenta.
tea tro ten h a um sentid o im ediat o, as pe ssoas tornam-se a tores en- O Living é uma com u n idade que usa a sala tea tral com o uma p ra-
quanto expressam n ecessid ad es e experiências pessoais, relacionam ça, e sai para as ruas e p ara aqueles lu gares onde se luta con tra as
o teatro com o sen tido que en con tram mais ou m enos d e imediato ao viol ências e as repress ões da n ossa so ciedade. Chega ao Brasil para
fa zê-l o e ao receb ê-lo, colocam-se fora d os circu it os comerciais . Nas- lev ar às extrem as cons eqüên cias es te mod o de vi ver o tea tro ; voltar á
cem cen tros culturais e reap arecem fes tivais "d iferen tes", como o d e à Eu ropa em 1975. Em 1970, n o Brasil, começa um ciclo d e criações
Nan cy (d esde ] 96~) ou o d e San tarca ngelo (desde 1978). Na Europa col etivas p ara in terven çõe s nas ru as, nas fábricas, n os manicômios,
e n os Estados Un idos, n as cem exp eriên cias de en orme est atura d e etc., o ciclo A Herança de 'Caim, es tru tura-se, ag regando sucess iva-
cu ltu ra e d e tea tro , que se ria excess ivam en te d em ora do elen ca r: é m ente ou tros elemen tos e p artes n as diferen tes ocasiões e países.
u m a larga p arte da hist ór ia d o tea tro n os n ossos an os. Fazem parte dele, p or exe m p lo, Sete Meditações sobre o Sadomasoouis-
Tu d o isso tem se us d esen vol vimentos, n o plano socia l e n o pl an o 1110 Político, os Seis At os Públicos para transformar a Violência em Concór-
cultu ral e no pl ano d o teat ro. N ão irem os falar d e h ist ória lembra- dia, A Destru ição da To rre do Dinheiro, e mu it os ou tros . Durante se te
m os isso com o p an o de fund o d e exp eri m en taçõ es tea trai s q ue se an os, a té 1983, o gru po resid e n a Itáli a. Rep resenta n os teat ro s Pro-
coloca m como exem p lares para o pon to d e vista que es tamos seg u in - meiheus e a segun da montagem de A ntigona, O Homem-Massa basea-
d o: o tea tro d e r ua . In d ica-n os, an tes de vermos as diferc nc as o forte do em Toller, Tlte Yellow Metllllselah basead o em Sh aw e Kandinski,
sen tido da uni.dade: respostas d iferentes na orige m, n a r~al i~ação e The Archeology of Sleep, d o próp rio Beck.
nos d esenvolVImen tos, mas di sp ost as numa ins tância comum d e um De ixando a Itáli a, Ju lian Beck escr eve em se u Diár io, a 1.0 d e feve-
diferente uso e se n tid o d o teat ro, d e di feren tes relações n a exis tên cia reiro d e 1983: "Deixa n do Roma. Fim da Cam panh a Italian a. Em ba -
do teatro.
lar: o mapa d a Itáli a ret irad o d a pared e d e m eu quarto, fechado o
capítulo. A agit ação da pa rtid a, arranjos, embala r, embalar e emba-
lar, caixas , papelões, b aús: m alas, problemas d e dinheiro , ve lhos
JULl AN BECK E O LlVIN G THEATRE
amigos, amores, h omenagens, o p assado em corr id a, a través d o p re-
sen te, d entro d o fu turo. E agora o trab alho d os anos 80. O objetivo
El:1 1947 [ulian Bec~ ~ Judith Malina decidiram qu e o te~tro que permanece firme, alto e magnífico: beleza e in telec to d e cor ação e
quen~::1 fazer era o LIVll1g Th eat re: um nome ao qual permanece- espírito a querer alc ançar liber d ad e e pa z, amor e cria tivid ad e, vida
ra m fIeISn os fat os com uma ex trema coe rênci a. Em 1951 começaram con tra m orte, o encontro com o sublime. Di e Ew ige H eilige zieth uns
a f~zer se u t~atr?, fora dos circu itos comerciais, em No va York; priv í- Hinauf (O Eterno Sagr ad o nos faz ag ua rdar). .
legi ararn pnmelramente o drama em versos e en cenaram Gertrude Para trás os se te an os italian os: como ch eg amos p ara difundir na
S ~ein e Bertolt.Brecht, García Lorca e Pic asso, Eliot e [a rr y, Au de n, península as visões dissemin adas median te a alegria de n ossa arte,
Piran d ello, Stnndberg e m esm o a Fedra de Racine. Com The Connec- com o procu ram os con tam in ar as ru as e tod os os gru pos, os partidos
ti?l1: d e J. Gerber, e sobre tu do com The Brig, de K. H . Brown (1963), o políticos gran d es e p equ en os, o in teiro mo vimento an árquico, contra
LIVll1g acentu.a a ligação com Artaud na busca de um rig or e d e uma a tendência a aceit ar ter rorismo, am ericanismo, militaris m o, tradi-
v.:rd~de qu e fizessem d o teatro um lugar de transformação e d e cons- ção . Como son ham os serm os ú teis para o movimen to da classe tra-
ciencia, quer p ara os a tores, quer p ara o p ú blico .
b alh ad ora em busca d e alt erna tivas, com o proc uramos se d uzir com
, ~ p artir d aí reali zaram esp e tác u los que p ert en cem à gran de his- n osso eros p olítico ar tistas e p oet as, o m u n d o d o tea tro e os jornalis-
tona do teatro, com o My steries and Smaller Pieces, Frankestein e Antí- tas, para induzi-los a fazer amor com h armonia e liberdade em todas
80 A TRADIÇAo CONTEMPO RANEA : TRÊS tvlODELOS E DUAS SITUAÇ ÕES A T RADIÇAo CONTEMPO RANEA: TRÊS MOD ELOS E DUAS SITUAÇO ES KI

as su as iridescen tes m u tações. Com o d an çamos d entro e fora de 175 única e unitária realidade em teatro: mesmo no s espetáculos em tea -
cid ades e vilarejos, and and o p elas ruas e leva nd o a exp er ime n tação tros, o do Living é, essen cialm en te, um teatro d e rua. O teatro torna-
nos teat ros, com n ossas p oesias na s frestas dos pisos, e in u n dado se um p ro cesso que não tem sen tid o n o teat ro que p roduz e sim p a
n osso público com os salmos d os·n ossos co rações, e d ep ois p artimos. capacid ade d e test emunhar /indicar / p ro voca r transformação . E a
Ad ian te em direção ao cerne, Paris. com p anh ia teatral, a tribo, a disseminação de ações nos lugares mais
Partidos - d eix ando a Itália mais d esanimados de quando che- diferentes, o rompimento da forma estética em experiência existen-
gam os, o m ovim ento anárq u ico n o vamente em d eclínio, mas a in d a cial: é isso que Eu genio Barba indica ao reconhecer no Living um
ag üen tan d o, o m ovim ento p acifista em cres cim en to, em bora em um gu ia p ara uma inteira ve r ten te da pesqu isa teatral nos anos 70 (en -
ri tmo mal p ercep tível, classe s trab alh ad or as sindicatos prisioneiros tre vi st a em F. Quadri, Il Teatro Degfi A nni Settanta. lnuenzione di zm II
d a própria rígi d a forma, m ar cados pela en ferm id ad e burocrática, Teatro Diverso, Turim, Einaudi, 1984). I
m esmo que agora cada um con he ça o signi ficad o da p alavra uuio- Em 1968, em Avignon, o Living abre o "escân d alo" de Paradise I
gestão; ecad a mulh er sa iba so frer opress ão, e os h omossexuais es tão N oto, que prossegue m ais tarde n as salas ocupadas das universida-
apar ecendo, e a im p rensa é burguesa - burgu esa e libe r al, e as esp e- des. Toda a re p resen tação também é uma manifestação política para
ran ças em brasa d o m ovim en to d e 68 eva p oraram : rest am apenas convid ar o público a cumprir imediatamente a própria revolução pes-
tecid os e m em branas. soal, rec us an d o a propriedade individual, os tabus se xuais, a ho stili- .
E ao mes m o temp o a m im parece eviden te qu e nós - e a Itáli a - dade para com os outros, e os outros sin ais da viol ên cia n a soci edade
es tamos pró ximos da capacidade d e rea lizar aq ue las espera nças vi- con tem p orânea. O gru po vive como com un id ad e anárquica e pro-
sionárias e aquelas visões d e espera nç a; h oje mais do qu e en tão [...]". p õe o teatro com o instrumen to d e ação p olítica para a p ossível re vo -
O trech o foi extraído das Crônicas do Living Tlzeatre 1975-1985 red i- lu çã o da anarquia . Em 1970, no Brasil, agirão pelos subúrbios de São
gidas p or Seren a U rbani, Th omas Walker e Ilion Troya (in Quademi I
Paulo, e serão presos por seu teatro p olítico. Em 1977 estarão em . !
di Teatro, n ." 33, 1986, d edicado a Beck e ao Livin g, cu ra d o por F. Bolonha.
I
Ru ffi..ni). Nota-se, neste docu men to, qu e en tre 1975 e 1983 o Livin g ap re- N a "Decl ara ção pela ocupação do Od éon", em m aio d e 1968, em
sen tou na Itália 438 espetáculos em teat ros e 148 n as ru as ou em ou tros Paris, Julian Beck ex p ress a seu sonho p or m eio do teat ro:
lu ga res; e qu e p ara ap roxim adam en te a m etade d os even tos d e r ua " [...] O que acontece aqui é a coisa mais bonita que eu já vi em
n ão fora p rev is ta nenhuma remun~ração e que, m esmo sen d o Roma teatro. Há vin te e cinco anos nós queremos a rev olu ção: e pensamos
i

a ba se d o grupo, n as Estaii Romane dos anos 70 o Living foi para as que teremos a prova do êxito de nosso trabalho no momento em que I i

ru as exclu sivamen te p or ini ciativa própria. a revolução começar. Agora me parece que ne sses dias nós assisti- I
I : I
I
mos à revolução. [...]. N ós queremos ve r a cultura lib ertada, os tea-
Em se tem bro de 1985 Julian Beck morre. tros, as universidades, lib ertar todos os homens. Nós queremos ver
É uma h ist ória, a d o Livin g, marcada por uma profunda coerên- os operários libertos do trabalho d egradante. E esta noite n ós demos
cia de p esquisa com a arte, e d e vid a; uma história em que o teatro o exemplo... Os artistas têm a função de mostrar algumas possibili-
é, com rigor d e q u alid ade e p aixão pelo trabalho, um instrumento dades. O que foi iniciado no Odéon pode prosseguir por todos os
p elo qu al uma experiênc ia in terna e in terior procura os modos de teatros, p orque quando os teatros não são subvencionados pelo go-
cons truir relações com o exter ior, com os ou tros; ali onde es ta expe- verno, o são por uma forma de capitalismo que nós devemos des-
riên cia d e relação é p rocurada por p elo m enos uma parte d o ambiente truir. [...]. É importante ocu p ar o Odéon, porque se encontra no
social em qu e n ã o é d esejada. Nesse sen tido o teatro de rua do Living Quartier Latin, e acima de tudo porque ali se manifesta um talento
é um m omento, o m a is eviden te e o mais ch eio d e riscos, d e uma de primeira ord em: o talento da companhia Madeleine Renaud /Jean-
Louis Barrault, ás qu ais, no conjun to, são com o uns es cravos d o Est a-
.
Ver ões Romanos, eve ntos cu ltu rais de ca rá ter oficia l em Rom a, n.d .t.
d o. E isso confi rm a no ssa idéia de que devemos mudar im ediat amente I.
, 'I
a n ossa forma de ação. É preciso dizê-lo : o Living Th eatre aceita tra- 1

1 1:
82 A TRA DIÇÃO CO NTEMPO RÂNEA: TRÊS MODELOS E DUAS SITUAÇÕ ES A TlnDIç /\ O CONT C'II'O RANEi\: TRÊS Í\[ODELOS E DUAS SITUAÇÕI.S 83

balhos nas Maisons de la Culture, nos teatros burgueses etc. Precisa-


mos ir para as ruas! Temos de d estruir esta arquitetura que separa os
homens. Temos de ir em direção ao homem na rua para fazer com
que ele conheça suas possibilidades de ser. [...].Arevolução con tin u a
a amadurecer em suas formas de beleza, em suas formas de amor,
em suas formas de verdadeira libertação. E eu gostaria de pronun-
ciar uma palavra que nunca ouvi desde minha chegada a Paris: a
procura de modos não violen tos para a re volução. Temos de procurar
mudar o mundo sem utilizar as formas e os fins da civilização que
queremos d estruir. A sociedade é fundada na violênc ia e vai em dire-
ção à vi.olência, é isso que temos de mudar. Sem utilizar a violên cia."
(de J. Beck & J. Malina, II Lavara dei tiving Theaire. Materiali 1952-1969,
org. por F. Quadri, Milão, Ubulibri , 1982).

o teatro de rua do Living não é essen cialm en te uma situação dife-


rente do teatro: não é o lugar que conta, quanto antes o grupo que faz
teatro e propõe seu modo de viver.por intermédi.o dos símbolos (ob-
jetos, ações) positivos e negativos de nossa sociedade. Por isso, num
espaço qualquer, cria o esp aço do teatro: o lugar em que alguns ho-
mens operam atos rituais ou simbólicos com verd ad e. Quase não
necessita de estruturas : necessita de homens que subs tan ciem a m en-
sa gem ética antes mesmo da política. Nos Seis Atos Públi cos h á um
percurso indicado na cidade com pontos (casa da morte, casa da
guerra, casa do Estado, casa do amor, etc .) nos quais acontecem os
eventos simbólicos; na Torre do Dinh eiro há uma construção de mais
andares.
Assim respondia [ulian Beck a uma pergunta acerca das rela ções
entre arquitetura e teatro que lhe fora dirigida n a Bienal de Ven eza
de 1975 (em F. Pe rrelli, UnQuadern o Teatrale. A nni Settanta e Oltre,
Bari, Adriatica, 1986):
"É bastante claro que no teatro de hoje há uma tendência p ara
quebrar as paredes e a levar o teatro para o espaço aberto para dar
vida a um rito popular. A forma habitual do teatro é repressiva por-
que obriga o público a uma situação de imobilidade. O espetáculo é
como um sonho e o público tem de ficar sentado numa câmara escu-
ra . A posição do público é passiva. Os heróis, os que agem, não são
os atores e sim os personagens que os atores interpretam.
"É preciso irmos para as praças, em primeiro lugar para destruir
e
. as formas de vida diária, em segundo lugar porque as nossas vidas
Liv ing Th eatre, Parlldisc Noiv.
são demasiado alienadas.
84
85

;1
"

THE
llVING
SEI ·ATTI PUBBLICI THEATRE
1llAMUTARE LA VIOLf.NZA IN CONCORlllA:
TRAME COKlR.O IL SlSTEM/\ PADRONo/SCRIAVO: LA BlENNALE
ClREMONIE E Pll.OCii:iSlONE :TRASFORMA'LIONE· DI VENEZIA
.Dl VENi'llA: PROLOGO A L'IlIlED1TA DICAlNO OTTDBRE 1915

A cim a: à es -
q ue rda, Li-
v ing Thea tre ,
Seis Atos PÚ - 1'
blicos, mapa I'
com pe rcur sos
I
e loca is pa ra
Veneza 1973 e !
Sa n tar cange-
lo; à di rei ta .
: I
Aba ixo: à es-
q u erda cena
na Piazza San
Marco em Ve-
neza; à direita
cena em 13010-
nh a, 1977.
86
I'
A TRADIÇÃO CO,'-:TEMPORÃN EA: TRÊS IvlODEI.oS E DUAS SITUAÇÕ ES
A TRADIÇÃO CO NTEMPORÂNEA: TRÊS MODELOS E DUAS SITUA ÇÕES 87

"São alienadas porque o ritmo da vida é incessante e as pistas da


mente, do pensamento, batem sempre o mesmo caminho e as pes-
soas não têm possibilidades alternativas de pensar, de olhar o mundo.
Quando fazemos teatro nas ruas sentimos estar irrompendo ria vida
justamente para que as pessoas pensem livremente. Há uma arquite-
tura fascista: os grandes edifíciós de Nova York dizem que há pré-
dios enormes para enormes poderes; as pessoas sentem-se encolhidas
e percebem a impossibilidade de fazer algo, faltam lugares onde as
pessoas possam encontrar-se e ter relacionamentos mais humanos.A
arquitetura procura expressar uma esplêndida forma que sempre
permanece forma de poder. O poder não é o verdadeiro esplendor.
Em Seis Alas Públicos tenta-se demonstrar que em toda a parte há
edifícios que representam a repressão e que acabam por dominar a
no ssa vida. [...]
"Quando elaboramos Paradise Noto decidimos eliminar os ingres-
sos e fazer um esp etáculo em que o público tinha de deixar os palcos.
Qu eremos fazer coisas pelas ruas e o teatro nas ruas significa criar
uma nova forma de liberdade, procurar coisas na vida que mudem a
vida. Não estamos faland o de representar na rua Shakespeare ou
Goldoni: seria repetir velhas fórmulas de um teatro reacionário. Hoje
sabemos que Shakespeare é tão amado pela aristocracia por ser porta-
dor de idéias de cultura repressiva, idéias elitistas e condicionadas
pela cultura dos monges. Por isso teve tanto sucesso nos últimos qua-
trocentos an os. Com o teatro de rua queremos libertar a imaginação
do público, aimaginação revolucion ária . As pessoas devem imaginar
novas formas sociais e econ ômicas [...[."
E o teatro pela rua reencontra "n atur almen te" a tradição do sécu -
lo XX, refletindo-se, na tendência (n ão realizada), para um teatro com
as pessoas e para um teatro das pess oas. Beck ainda: "[.."]. Nós tam-
bém pensamos qu e ser ia um bom trabalho contribuir para a criação
de espetáculos nos bairros. Começamos a tentar este experimento,
mas d e iníc io tivemos difi culdad es porque as pe ssoas nã o confiaram
em nosso esforço. Pensavam qu e fôssemos agitadores políticos e não
tiveram confiança. Então declaramos que no passado fizéramos tea-
tro e que ago ra desejávamos ajudá-los. Mas as pessoas retiraram-se
do mesmo jeito e decid im os então no s apresentarmos an tes com al-
gum espetácu lo e só en tão fazer um espetácu lo com os outros. As
pessoas p obr es têm bons motivos pa ra serem d esconf iad os. Fazer
l_i\Oi ng Thca lre, 1\ 7'11""> do D ill li ci r,) Vcn cz'
I ( l ,
]" -1 -
'/ J. um espe táculo é di fícil: requ er muito trabalho.
Nós, por exemp lo, trab alhamos demoradamente. No pa ssad o (com
88 A TRADI ÇÃO CONTEMPORÂNEA : TRÊS MO DELOS E DUAS SITUA ÇÕES A TRA DIÇÃ O CONT EM PO RÃNEA : TRÊS MUUEI. \ I: . I,. 1'( 1,\ ' , ' oi II I " 'I ,
"
Strindberg, Pirandello, Co cteau) tínhamos um texto es crito e co m saiu das prisões do Bra sil e que d ep ois passou pelos e Sl l ll . li id 01 : , "1 1
três ou quatro sem an as de ensaio, como numa fábrica, ha víamos cruzilhadas in d us triais de Pittsburgh, o Livin g que arrasta s uas ('( ,r
re~liza~o ~.lm ~roduto típico do terrorismo cultural teatral. O p ú- rentes e agita suas toch as e suas asas, verm elhas e p retas, d e se us
b~lC o nao Imagma o qu anto cu sta a p rin cípio um es petác u lo. Nós furores aná rq uicos, ei-lo aqui ..." (R. d e Monticelli, no jornal Corriere
nao p odemo~ fazer algo qu e n ão seja bom para nã o d ecepcion ar. É della Sem) .
um problemao. Esp ero que todos n ós que trabalhamos na rua p os- "Não é tea tro. É um tr ibu nal Ru ssel, Amn est y In tern a tion al" (C .
samos en con trar o m étodo para faz er teatro com as pessoas para C uerr ieri, n o jornal Il Giom o). "E con tinuam fazen d o tea tro . Fa lo do
potencial' a cria tivi d ade d os outros. Living Thea tre: faze m teatro de ou tra forma... Parecia-m e qu e não
Existem .exempl?s d e teatro reali zado pelo povo. No Brasil, p o r tivessem examinado a fundo a questão do teatro d e ru a, e m esmo a
exem p lo, VIm os o ntual da macumba e o gran de carna val, criad o h á d o sa lti mbanco é uma p ro fissão extremamente sé ria, e eles m e pare-
cem anos pelos pobres e agora assombrosamente instrumentalizado ciam am ador es, naquele p ap el, e ao m esmo tem p o ga rantido s. Mas
p elo governo. No Brasil o p ovo se prepara p ara o carnaval com onze daí o caso num d et ermin ado momento levantou vôo , ferm entou, e
m eses d e an tece?ên cia..O ~~ e é trist e é que toda essa en er gia seja com o. Não sei se o ferm en to seja artístico ou ex tra-artístico, mas, jul -
l~sada ~ara um fim reaCl~:>nano . Uma coisa é certa: o p ovo p ode rea- g uem voc ês mesmos: dian te d o mastro central das b an d eiras que
lizar COIsa s magníficas. E necessário inspirá-lo. d esfrald am na Praça San M ar co: d eclarado sím bo lo d o Poder, cir-
Em nota crítica a essa en trevista Perrelli (ci i .) ressalta como o Li- cun d am -no e ficam de joelhos di an te d ele - já anoiteceu - uma vez
vi~g, at é 1985, apesar d os espet áculos "ainda eficien tes e que n ão d uas vezes d ez vezes vin te vezes, rep resentando ladainhas lei gas,
d~I~avam d e t~r l~m gra~de fas~íni?",. tenha sid o considerado p ela rigorosamente anárqu icas e apoca líp ticas: e a insist ência, a repetição
c:I~Ica um s.up erstIte d e SIpropno, limitado por uma pregação lib er- d os ges tos cria um ritual q ue toma, envolve a praça toda, os vin te e
t ária excessivamen te ingênua; e d e como a crítica não consegue captar cinco que rep resentam e os m il que estão à sua v olta" (E. Pa gliarini,
o qu: fa z d.e le um d os ei xos d o teatro d os anos 60 e 70, aq ue la "com - n o jornal Paese Sera). Pag liarini p ro ssegue contando o ges to su cess i-
puls ão radical d e autocombustão es tética objetivando o d esen vol vi- vo , em que, antes Beck e depois os ou tros, um por um, espe tam o
ment~ d e uma é tica como conhecimento e testemunho de coerên cia" , de d o e d edicam as go tas d e san g ue a um a vítima da violência, dos
que da ao teatro uma gran d e p otencialidad e existenc ial. E com acui - os m o rt os p elo reg im e fra nquis ta aos m or tos p ela fom e na India; e
d ad e e sensibilid ade n ot a que ni sso deve se r vis ta uma' p ostura d e d epois con vid am o público a fazer o m esmo, e muitos jo vens con ti-
precisa s raízes "clássicas", raízes que o p róp rio Livin g ind ica em Pi- nuam o rito. Mas o dist an ciamento en tre quem encon tra o teatro como
ra~dello e na ideI: tificação de vida e teatro at é uma representação qu e ex periência pessoa l e os q ue de profissão vão ao teat ro torna-se aqu i
seja verdade; conjugan do assim logicamente Pirandello e Artaud. radical. A crít ica tea tral co meça a comparar o "gran de teatro" do pri-
Mas o teatro d e rua, o teatro como ex periênci a de vida, abre uma me iro Livin g at é Paradise Now com o Living do teatro de interven çã o,
cont~adição n o i~terior do teatro que se com p lica ein esperas e de- a qu ed a d a parábola artís tica com o conseqüên cia d e um a prática re-
c~pçoes, em sentim entos d e ofensa e esperanç as imprecisas e irresol- vo lucionária sinc era, p or ém ingênua. Cuerrieri regist rava ju lga men -
vidas , Em 1975 o Livin g é con vidado para a Bienal d e Veneza com tos: "São a so m bra de si p róprios... Ch umbaram-se fum an d o d uran te
se u tea: ro.d e ru a: Sete Medi tações Sobre o Sadomasoquismo Político, Seis vin te anos ... es te é o resultado... Foram p res os muitas v ezes, talvez
A to~ P úblicos, A.Torre do Dinheiro. N a Bien al o mundo d o teatro era, < ten ha sido isso a m udá-los... Paradise Noto eu vi, era difer ente...Ab ri-
obviamente, pnoritário e o Living estava em situação anômala em ra m m ão d o belo, acham q ue o belo é um lu xo excessivo... Esco lh e-
relação ao. se~I se r. ~ss~m é. b~stante lógica a reação à su a presença, r ra m en tre duas coisas: abrira m mão do tea tro. Porque isso já n ão é
qu e F. Taviani propos (in Biblioteca Tealrale, n." 13, 1979) p or meio de teat ro, é ou tra cois a... Acusam-n os d e deserção da ar te, do teatro.
"". con~r~nto coo: ~s ~ríticas ex traídas d os jornais co n tem porâneos: Ma s eles" (concl uía Cuerrier i) "se n tem a premên cia d e s ua presença
O Livin g q ue Ja n ao faz teat ro, o Living nas rua s p a ra ali a tuar e m ou tros luga res" .
su a re volução demon strativa e não violen ta, o ter ceiro Livin g que Como se vê 17 0 revés o grand e resu ltad o d o Livin g é qu e cons eg ui a,
90 A TRADIÇAO CONTE MPORÂNEA: TRÊS MO DELOS E DUAS SITUAÇÕES A TRAD IÇAO CO NT El\IPORANEA: TRÊS MODELOS E DUAS SITUAÇÕ ES 91

dian te de uma ação tea tral, de representação, com que se falasse so - levar o teatro aos que para o teatro não podem ir ou não têm costume
bre quem são os homens que fazem teatro e acerca do que dizem: os de fazê -lo . A experiência do teatro dos anos 60 nos convida justa-
modos do teatro voltam a ser meios para um fim exterior do qual o mente para essa fó rm ula, ap esar d e sempre existi rem p ossibilidades
teatro é parte. A centralidade do ator dilui-se n a centralidade do ho- d e utilização d os ve lhos teatro s tradicionais, que p odem se r con for-
m em, e o es p e tác u lo objetiva romper n em tanto os espaços tradicio - táveis m as que a presenta m graves problemas, co mo o d a p assivida-
nais e sim a própria relação de separação e não-identificação entre d e d o público [...] n ós queremos ter rel ação com todos os público s I
a tores e espectadores. O teatro do Living sempre se torna - em es- justamente porque quer emos elim in ar todas as classes, queremos
paços fechados ou ab ertos - um " teatro de rua" . O microcosmo do
Living, aquela pequena porção de território livre nômade pelo mun-
do, que vivia de seu próprio teatro sem financiamentos, que no tea -
fa zer ap el o a todos. Por isso fazemos teatro n a rua e, ao mesr~10 t.e~1­
p o, nos teatros também. Certamente fa zer teatro nas ruas significa
realmente sai r do aperto das instit u ições e criar uma nova cultura.
I
~I

~I
tro havia encontrado o não-lugar onde faz er morar sua utopia, porque D ois são OS tip os d e teatro d e rua: um que se estabelece numa praça,
havia-se proposto a "mudar o teatro para mudar o mundo", havia p or ex em p lo, e que é p ro gramado; outro q~le se ins~re d,e i~1p r?vis<?
na vid a diária.Ambos propõem imagen s diferentes a propna VId a. E
,
conseguido o primeiro dos dois objetivos, e tinha colocado no cen- 11

tro, assim, o verdadeiro significado ev ersivo da arte: a criação de um um teatro que amo muito, o que se fa z na rua [...] há, a m eu ver, duas
universo outro, onde seja possív el pôr em prática princípios e se ins- formas d e teatro: uma que acorda as p essoas, e uma que as faz ador-
pirar em valores d e porte geral. m ecer. Um teatro p ode, a rigor, at é não falar de política, de sociologia,
Como os maiores rev olu cio n ários d o teatro, [ulian Beck não ex- m as pode ter, dependendo d as esc olh as d e quem o faz, um resultado
traiu do interior d o teatro as razões d e su a reforma artística, mas d e tomada d e consciênc ia d a realidade pelo público... Sim, eu estou
mudou os fundamentos do fa zer teatro querendo mudar o homem e co mo o teat ro que aco rd a as pessoas..." ,
a socied ade " .Assim escreve C. Valenti numa tentativa de sín tese acer-
ca da presença do Liv ing em nossa cultura teatral (in Dedicatoa[uiian
Beck, Centro per la Sperimentazione e la Ricerca Teatrale, 1986) . E r ETER SCHUMANN
con tin ua apontando com o depois da revolução tea tral Beck conti- E O BREAD AND PUPPET THEATRE
nuou a contestar acerca do teatro para mudar o mundo, n as exper i-
a
m entações, d e 1975 1985, das cr iações cole tivas de teatro de rua; Por vo lta de 68 come ça-se a falar co m in teresse, e d epois a se ver
citan d o Beck: "De com o toda a minha vida tenha m e levado a es te ca da vez mais freqüente~ente, mesmo na Eu ropa, um grupo d e tea-
p onto: o teatro na rua " . Ma s Valenti nota também como o extremis- tro que faz es p e tác u los pelas ruas co m p ernas-de-pau e g ran des bo-
mo possível no microcosmo teatral se mede, depois, no teatro de rua, necos . De N o va York chega, no s teatros d e vangu ard a, a imaginação
com a própria impossibilidade de incidir e até mesmo de refletir o e a fantas ia "teatrais" d e que se colorem os protestos radicais, um
mundo d e maneira eversi va. teatro que liga as im agens do protesto com as da mitologia popu-
O que era, p ara Beck , o teatro e o teatro de rua? Numa en tre v ista la r, que cria figuras épicas e bíblicas e con ta simples fábu las d e inten so
d e 1981, feita por Perrelli (cit., II Teatro Negli A nni di Pi oni bo) em Bari , lirismo.
Beck exp lica: " ... fazer teatro sig n ifica fazer poesia... seria bom se a O Bread an d Puppet busca , artaudianamente, um teatro que se ja
vida foss e com o o teatro... O teatro é um meio comunitário para ten- cu ltura, n ecess ária e elemen ta r como o pão. Fundado por Pet er Schu-
tar compreender a vida. Um rito da comunidade que permite liberar m ann em 1960, d epois d e oit o anos em Nova York, a partir de 1970
a poesia, mas os sentidos também, a fan tasia e a própria razão . Se- rad ica -se numa fazenda d o Vennont.
gund o Aristóteles catarse era qualquer esp écie de instinto violento Schumann é d e origem alemã (n asceu na Silésia, numa cid ad ez i-
m as eu acred ito que p ossa se r a té mais: uma compreensão d a vid a.em nh a qu e pos teriormen te se torna a polonesa Wroclaw ), es t~ldou escu l-
um ní vel d iferente. Por isso é preciso faze r teatro. Hoj e, diria, ac im a tu ra e, já nos anos d e M uniq ue, an tes de 196 1, a p roxrma-se d as
de tud o fa zer teat ro d e rua para mud ar a vid a d e todos os d ias, p ar a ma rio ne tes e funda um gr upo de "d an ça nova" . Em 1961 es tá n os Es-
94 A TRA DIÇÃO CO NTEMPORÃN EA: TRÊS lvlO DELOS E DUAS SITUAÇÕES • A TRAD iÇÃO CO NTE MPO RÂN EA: TRÊS MOD ELOS E DUAS SITUAÇÕES 95

nhar, comer e oferece r o pão fo ram esquecidos. O pã o se perd eu , tumada a ir ao teatro, e sim o d e alcançar um público vas to e de
tornou-se fra co. Gos taría mos qu e v ocês tira ssem os sapa tos qu ando encon trar uma linguagem bastante audaz e desenfreada, grande?
vierem a nosso espe tácu lo de m ar ion su ficiente para funcionar para um público tão vasto e par~ um pu,:
, etes ou en tão ozos taríamos de
abençoá -los com o arco do vio lino . O pão lhes recordará o sacramen - blico ainda ma is heterogên eo, para os jovens, os velh os, as cn anças...
to do come r. Nós queremos que vocês compreendam que o teatro (de uma en trev is ta in Quarta Parete, n ." 2,1976, a cargo de~. Bianc~i,
ainda não é um a for ma es tática, nem o lugar de comércio que vocês que fala de Schumann também em se u Off off & Away, Turim, Studio
acre di tam ser, onde vocês pagam para obter algo. O tea tro é diferen- Forma, 1981). . . ,
te. Parece-se m ais com o pão, p arece-se m ais com uma necessidade. Seu teatro não tem problemas de espaços .' "Os teatros profissio-
O teatro é uma form a de religião. É div ersão. Pr ega sermões e cons - nais" _ disse- "preocupam-se muitíssimo com o espaço e odesig~1 .
trói um ritual au to-su ficien te n o qua l os a tores procuram elevar as Fazem algo d e nov o para cad a encen ação qu.e pr eparam. [...]. Nos
próprias vidas à pureza e ao êxtase das ações de qu e tom am parte. O fazemos um espe táculo par a um es paço partlCular - o espaço em
teatro de m arion etes é o teat ro d e tod os os m eios . Marion etes e más- que acontece es tarmos. O ú nico esp~ço que recusa~os é o d~ teatro
caras deveriam ser apresentadas nas ruas. São mais num erosas do tradicion al por ser confort ável d em ais, bem conhec~do demal~. Su as
qu e o trân sit o. Não ensinam problemas, m as gri tam e dançam e gol- tradições no s deixam pouco à vontade. As pessoas ficam parah.s ~das
p eiam uma a cabeça da ou tra e m ostram a vida no s term os m ais cla - por sent arem nas mesmas poltronas do mesmo modo. Isso condicioná
ros. O teatro de m ari on etes é uma extensão d a escultura . Im agin em suas rea ções. Ma s quando se usa o esp aço onde acontece de se estar
uma ca tedral, n ão como um lu ga r relig ioso decorado, ma s como um ele é usado por in teiro - as salas, as janelas, as portas, as ruas. : are-
teat ro com Cr isto e os san tos e os monstros das gárgulas coloca dos mos qualquer encenação em qu alquer espaço - de sde que caibam
em m ovimento por marion etistas, que falam aos fiéis, que pa rticipam os bon ecos. E em cad a espaço será d iferen te [...]. Rep resentam os nas
do ritual de m úsica e pa lavras. O teat ro de marionetes é mais de ação ruas, em lugares cobe rt os, no ca~ro de um cam inhão,. nos bos~ues,
d o que d e di álogo.A ação é red uzid a aos mais sim ples ges tos especia- nos gramados, num con vento" . E o ~ue di z n a entrevl~ta pubhcada
lizados e parecid os com a dança. Nossas m ari onetes sobre va ras de no número citado de TI1e Drama ReVl ew (n .? 3, 1970); e, a pergunta de
dez pés foram in ven tadas com o dançarino s, cada marion ete com um a como as representações nas ruas incide m nos critérios ~sté ticos, S~I1U­
d ifer ente constituição para o mo vim ento. Uma marion ete po de ser mann especifica qu e é preciso fazer com qu e uma cr ia n ça de cinco
uma só m ão ou en tão pode se r um corpo' complicado de mu itas anos p ossa compreender: na rua "o e~petácul,o .tem d.e ser ~o~o. Te~
cabeças, m ãos, varas e armações. Nossos marioneti st as tam bém de ser tremendam ente conce n trado. E necessan a muito mais inten si-
se rve m d e músicos, a tores e técn icos." dade na rua do que num teatro. Dentro é possível conseguir com a
Schum ann rep resenta espetáculos em qu e os eleme n tos são red u- técnica, reproduzindo fielmente o d iálo go, m as na rua só se .faz su-
zid os ao essenc ial, a palavra sofre um processo de redução evoc ati- cesso se houv er concen tração no qu e se dev e fazer. Cada COIsa tem
va, como na po esia, a narração objetiva à icasticidade da fábula - e de ser Iocada. e tudo ficará atrapalhado e en ted ian te se não d erem o
d a m esma forma as im agens. máximo de si no que es tiverem fazendo. [...]. A maioria de no ssos
N ão se di rige nem ao público de tea tro ne m a u m grupo de espec- espetácu los de ru a nos ensinara m com o nos. c~nc~n t ra r, como con se-
tadores: procura o povo. Prefere evitar a realização de espetáculos gu ir. Aprendem os a fazer com qu e as multid ões imp onentes p ar as-
nos teat ros tradi cion ais; foi um d os prime iros gru pos a realizar espe - sem de tomar coca-cola e começassem a nos ouv ir" . Se a arte não
tácul os n as ruas ou , seja on de for, en tre as p essoas. Fez muitos desfi- encontra sua nec essid ad e do mundo moderno, é m elhor aceitar que
les e paradas, sobre tu do em Nova York; desd e que es tá em Vermont não adianta, e desistir. A rua é uma situação real e m etafórica para se
particip a de parad as organi zadas nas cid ades onde é con vidado e verificar a necessidade daquilo qu e fazem os: "Fizem os no ssas ~e­
muitos dos espetáculos , p articu larmente os de circo, rep resent a-os lhores - e p or veze s m ais estú pidas - pelformances ~1as. ru as. As
ao ar livr e. "O pr op ósi to qu e em erge de no sso teat ro " d iz Schum an n vezes você po de atinziro se u objetivo porqu e é o de Sim plesme n te .
"é cer tamen te o de não fazer mais espetácu los p ara a clien tela acos- estar na rua . Isso faz com qu e as pessoas qu e and am por se u carru-
A TRAOIÇAo CO NTEMPO RÂNEA: TRÊS MODELOS E DUAS SITU AÇÕES 97
96 A TRADIÇ,\O CON TEMPOR..\ N EA: TRÊS MOD ELOS E DUAS SITUAÇÕ ES

nh o parem - para ver aqueles grandes bo necos, para ver algo tea-
tr al for a dos teatro s. Não p od em assumir a p ostura d e quem pagou
para entrar no teatro p ara 'v er algo '. De repen te há es ta cois a di ante
d ele, q ue se confron ta com ele" .
Stefan Brecht dedicou cuidadosas e minuciosas análises ao s es pe -
tácu los e ao tea tro de Sch u m ann. O relato crítico-evocati vo d e The
Cry... (trad uç ão italiana in N llO V O Teatro Americano 1968-73, Roma,
Bu lzoni, 1974) conclui-se com um parágra fo d edic ado à leitura do
Bread com o teatro d e rua:
"Pão sim , p ão não, o Bread and Puppet ig nora o público, o man-
tém afa stado, rep resenta para ele. Execu ta um p lano. Trabal h a dura.
e cu idad osamen te. Seus espe táculos nada p edem ao p úblico, ma s
oferecem -lhe algo . Cuida d e se u ofício, ma s seu ofício é, na realid a-
d e, um ges to d e ami za d e. Suas representações negam os limites da
form a teatral, o espaço, a unicidade d a ocasião, evocando as vidas
reais d o público, da soc iedade , com o autêntico / OC1l5 da rep rese n ta-
ção. [...]. Seu gesto d e ami zade d efine-se (no significado do es pe tá-
culo) na relação com estas existências reais dos espe ctadores. O teat ro
está em todo lu gar na ru a. Po r mais que a tradição queira que o tea-
tro d e rua seja feito em barr acas, lonas ou sobre os carret os das feiras
ou d os m erca d os, nos d ias d e m ercado ou d e festas [...], ele tende
hoje a ass umi r a form a d e p ar ad as, d e pe que nos espetác ulos sobre as
calçad as ou no s parques púb licos , e é justamente isso que o Bread
and Pu p pet es tá fazendo, a d espeit o d e orde ns oficiais e permissões
d a ad minis tra ção m u n icip al. [...]. O estilo d o teatro é o do teatro d e
rua, isto é, o m od o m ais ráp ido com que o es pe r to vagabu n d o es ta-
belece um con ta to com a com unidade ho st il ou indiferente d e ho-
men s e mulheres comu ns aos quais ele não pert enc e, qu e não che ga
esp ecificam en te para vê-lo, m as que está diante d ele p or acaso, mo-
mentaneamente, e es ta com u nid ade poderia ficar surpresa com tal
visão incomum, e /ou ap aren teme n te difícil, a té tirar d ela algu m p e-
quen o ben efício, sem pre que delà se ap ro xim e com algu m humor e
com aq uele m ínim o d e arrogância necessári a. O próp rio espe tácu lo
d eve ca tivar a at en ção que forma o público, e não há nada mais para
retê-la. E o ap elo d eve ser muito amplo, sem m enções à Kultur, por-
que na rua est á ap enas o homem da rua; e deve ser muito tradicional
(por exem plo, cris tão , patrióti co), ma s com uma pontade sá tira, com
o pon to d e vista d os d eserdados, e aqui e acolá de ve mostrar os d en-
tes; não de ve ria ser de jei to alg um respeitável; mas acim a d e tudo Bread a nd Puppet , Parada e m No va Yur k.
d eve ter algo d e est ra nho . [...Sch u ma nn] dirige-se à com unid ade do s
~
98 A TRADl ÇAo CO NTEMPO RAN EA: T RÊS Iv[ODE LOS E DUAS SITUAÇÕES A TRAD IÇAo CONTEMPO RAN EA: TRÊS !v[ODE LOS E DUAS SITUAÇÕES 99

OS WAlD V ON WOl KEN STEIN


137 7 - 1'+ 'f 5
K N IG HT , POET, $IN6ER , íHIEF ii
COMP05ER. , \N O R ~ D - "7"'R AVE ~ LE. R . I

P RISONER , DIPLOMAr CROOf<


COOt< , OARSMAN , ME~C.HA""'T ' I
II
i:
I

HE f<E Y OLJ SEE H OW WOlk'EN·


5 T E:IN , ""T THE AóE Of 10 lE/Wf<,
HiS FATI-/ER ' S CASí~E

EA R l -( IN íHe MORN 1N 6
,0 CHEc K OUT WHAT THE
VV'O RL D IS l-I K E (j)

Brea d a nd Pu pp e t, Schumann Sobre as Enormes Pernas-de-Pau IIn Parada , Bérga mo .


À d irei ta, no a lto: O Cavalo Brallcodo Açougueiro e a p rime ira página d o lib re to par a
Osiosk: vali Wolkellsteill. Em ba ixo: Um esp etác u lo e m Verm o nt.
100 A TRADIÇÃO CONTEMPORÃ NEA : TRÊS MODELOS E DUAS SITUA ÇÕES
A TRADIÇÃO CONTE MPO R.Â.NEA: TRÊS MOD ELOS E DUAS SITUAÇÕES 101

homen s, mas assim também age todo o vagabu n do ou teatro d e ru a.


Seu teatro apon ta de termi nados m ales sociais em que o espectado r
es tá envolvido . N isso Schumann d ist ancia-se do..teatro de ru a assim
como o descreve u acim a, m as acre d ita, ao realizá-lo, p od er sair ileso
[...] tem em m en te um teatro p opular para tan tas e tantas pessoas
com uns, onde seja p ossível en tra r normalmente e se d ivertir, v end o
si p róprios sendo levemente esc arnecidos, e Gol ias aba tido; onde se
cons iga sen tir p ied ad e pe los ou tros que es tão nas m esm as condições,
e terro r pelos perigos que ameaçam tod os; e en fren tar o mist ério ab-
so lu to d a vid a: se us va lores e sua fut ilidade:"
A religião, para Sch u ma nn, é o in teresse p elos gr andes probl emas
d os h om en s, como a vida e a m orte, o bem i'! o m al. Os símbo los e os
m itos nascem na ingenui d ade d a epopéia e na tra gicidade d o pre-
se n te, na vivência e no trabalh o d o ar tis ta-ar tesão, como ele se m pre
quis e d eclarou se r. "Os tin teiros" escreve em 1971 "são homen s d e
carnaval; conce bidos em feiras campes tres, nascid os em lat as de lixo ,
casados com ursos-d an çarin os e com p rometid os num trabalho d e
dimensão p lena, que consisten te no exagerar ve lhas situa ções e ca-
Cena ? e A Paixão de Chico Mendes (The Same Boat - The Passion of Chico Men des), tás trofes; que celeb ra glor ios as particulazin has de pó n o so l d o fim-
espeta culo do Bread and Pup pet sobre a mort e d o líde r dos seri ngue iros no no rte do
Brasil. de-tar d e, e que demonstra me do e grande e tern o amor que es tão n o
cora ção d e no sso m undo."
É d essa forma que Sch umann narra, num texto d e 1967, reu tiliza-
do dep ois muitas vezes, o sen tido e a tradição d e seu teatro com as
pessoas: "O Império Romano cons tru iu muitas es tradas pela Euro-
pa . Os vândalos e os go dos tomaram aquelas ruas e foram adiante e
foram adiante e foram adiante até que o Império Romano ru iu aos
pedaços. Depois tom aram as ruas os come rcian tes, e os missioná-
rios, e os p oeta s e os tiriteiros. Os poetas andava m sobre pernas-d e-
pau e os tiriteiros batiam o tambor. Eles narr avam as no tícias d o
mund o: as dimen sõe s do Rei Col e, a beleza da ponte de Brooklyn, a
história de três d amas qu e foram nadar no oceano e de como elas
foram salvas por um cor ajoso salva-vid as. O homem moderno acre -
dita no Ol1ily Netos ou no Neto York Times. O homem an tigo acredita-
va no s d em ôni os misturados co m Deu s. Isso s ign ifica que o fato de
poeta s e tiriteiros d arem no tícias era um negócio demoníaco que lhes
d ava medo, a eles e a se u público de forma bem conside rá vel. A Se-
nh orita Verd ad e falav a com o can teiro de rosas. A Morte sen tava no
tron o d o mu nd o. O Senho r Ni ng ué m d ava a mão para você. Da s.
o Bread an d Puppet atua nd o no centro de São Pau lo em 1994. ru as os tiriteiros moveram-se para igrejas c tabernas, foram enxota-
do s d essas tab ernas, e rep resen taram nas esq u inas d as ruas por al-
102 A TRADIÇÃO CONT ElvlPORÂNEA : TRÊS /vIODELOS E DUAS SITUAÇÕ ES A TRAD IÇÃO CON TEMPORÂNE A: TRÊS MODELOS E DUAS SITUA ÇÕ ES 103

gumas cen tenas de anos. Agora, em 1967, as ru as são tantas e os tiri- les lu gares onde não h á teatro tradicional ou onde es te não tem espa-
teiros são poucos. A verdade é alugada pela CBS, os d emônios vi- ços de vida reais.
vem n o New York Center, e a mor te ainda sen ta n o tron o do m u n d o. É historicamente uma fase no desenvolvimento do Odin que se
O Bread an d Puppet Th ea tre faz p ão e cons trói bonecos. Alguns d e dilata no Terceiro Teatro e nos teatros de grupo; e, em sentido histó-
nossos esp e tácu los se dão nas ruas e outro s se d ão em espa ços fecha- rico mais amplo, é a exp eriên cia de um valor do teatro que é procu-
dos. [..·l. Alguns de nossos espetác u los são bon s e ou tros são ru ins. rado fora de si próprio. ' .
Mas tod os os nossos es petáculos sã o pelo Bem e contra o Mal". "Romper o próprio círculo no teatro. E depois romper o círculo do
O Bread escolh e um sistema d e p rodução alterna tivo ao comer- teatro", escreve Barba em Raízes e Folhas (agora em Barba, ' AI di là
cial; e os m odos da produção tornam-se m od os de cr ia tividade e ex- delle Isole Galleggialltt .Milão, Ubulibri, 1985; o volume contém escri-
pressã o. É um teatro "pobre" e ar tesa nal, usa m at erial reciclad o e tos d e Barba e d ele extr airemos as citações qu e seguirão). Escreve
cons trói as coisa s de qu e p recisa. O espetác u lo, em todas as suas com- isso apresentando em 1976 Come! Anâ the Day Will Be Ours, o espe tá-
ponentes - as histórias, os tipos, os temas, os figurin os, as im agens culo a respeito do ch oque d e culturas realizado durante e ap ós a mul-
e os espaços - nasce do p róprio process o de produção; a partir d es- típlice exp eriên cia das "regi ões sem teatro".
t~ trabalho tra çam-se as po ssibilidades de uso que d ep ois se especi-
ficam nos espe tácu los. "A conseqüênci a desta economia" _. diz ainda Anos antes, em 1968, em a r tig o sobre Teatro e Revolução, escrevera
Stefan Brecht - "é a riqueza : de efeitos belíssimos e ex traord in á rios qu e o ofício d e teatro consiste em mudar a si m esmo? e assim ter a
um tom de profusão que alc an ça a m agia. Fantoch es en ormes, mui- p ossibilidade d e mudar a sociedad e. .
tos fantoch es id ênticos (animais, sen horas cinza, sen horas brancas, N o p refá cio d o livro citado que recolhe seus escritos, Barba per-
discípulos ou h~mens amarelos) em grupos ou em lentos cortejos, corre os vin te anos d o Odin Teatret sa lien tan d o que aos obs er vado-
uma gr an de variedade d e m áscaras extravagan tes ou d e pequ enos res p odem parecer divid idos em d ois períodos. O primeiro começa
b o~ecos. engraça dos, música a tod o o momen to, e efeitos especiais com a fundacão d o Odin em 1964, é marcado p elos espetácul os 01'-
d e ilumina ção . Faltam so men te os p reen ch im entos e os aca bamen - niiojilene (1965), Kospariana (1967), Ferai (1969), M i ll Fa1's Hus (1972);
tos, os com plemen tos convenc ionais, a m oldura que d á o toque fin al. m as também por semi ná rios e encon tros organizados com espe tácu-
Os es pe tácu los n ão têm su perfície, são só profu ndidade . A través los e artistas de gran de relevo (Fo, Ronconi, Grotowski, en tre ou-
da me sma rica pobreza, os 'sign ificados são p oucos e sim p les . Falta tros ), a publicação d e livros e d e uma revista, a produção d e filmes
qualquer afet ação, as h ist órias são todas sim p les, n ão h á iro n ia ou didáticos sobre teatro e as turnês. E, acima de tudo, por um treina-
sofisticaçã o, nem mesmo reservas. Traços fundamentalmente sim- m ento duríssimo e pela ex tensa prepara ção d os es p e tácu los, o traba-
pl es são apresen tad os sim p les mas vigorosamen te. Mas a fan tasia é lh o apartado ("secre to") que dotaram de essên cia não somen te a
e~ tranha, o p onto de vist a original, é-nos d ad o p or algo d e único. A p esquisa in d iv id u al e a forma ção profission al bem como o conju n to
n queza d es ta simplicidade mental é a das id éias, de sua p rofundidade de relações que se indicam como "cu ltu ra d e gru p o" .
e compree nsão." O seg un d o períod o inicia-se em 1974, a partir d e uma lon ga tem-
porada na Itália d o sul. É aqui que o trabalho "secre to" d e treino e
pr eparação torna-se m at er ial d e troca (o "esca mb o"), qu e nasce o
EUGEN IO BARBA E O ODIN TEATRET teatro d e rua, que se ini cia o " terceiro teatro", qu e começam as via-
gens p elas regiões "s em teatro", os ateliês internacionais e depois a
O teatro d e rua do Odin Teatret nasce e d esenvolve-se a par tir d e
uma situ ação in tern a d o gru p o e d e s ua pesquisa; tem, exe m plar-
mente, um d úpl ice sign ificado: por u m lad o é um a tip ologi a exa ta • A/élll das Ilhas Flulnantcs, d e Eu ge nio Barba , publi cado no Bras il, com trad ução de
~o teat ro de rua que agrega e de termi n a t écni cas esp ecíficas; p or ou tro Luis Otáv io Burni er, em co-ed ição d a Ed itor a Hu citec (São Pau lo) com a Editora da
e uma e ta pa, n ecessá ria a posteriori, d e um teatro q ue proCL~ra aque- Unica m p (Ca mpi na s), 1991.
104 A TRADJÇÃO CONTEMPORÂNEA: TRÊS !vfO DELOS E DUAS SJTUAÇÕES A TRAD IÇAo CO NTE MPORÂ NEA : TRÊS MODELOS E DUAS SITUAÇÕ ES 105

Int emationat School of Theatre A nthropoloSlJ (ISTA). Seguir-se-ão tam- Fars Hus o Odin havia procurado novas condições para ap resen tar seu
bé~ OS outros esp etáculos: Come! A nd the Day Will Be Ours (1976), 11 trabalho, dentro de um seminário ou de um encontro que abrangia e
M I/zone (1978 e 1982), Le Ceneridi Brecht (1982), 11 Vangelo di Oxy rhyn- definia o esp etáculo no interior d e uma relação constituída; fora dos
co (1985), os espe táculos que Barba dirigiu na m ais am pla organi za ção circuitos teatrais, freqüentemente em un iversidades ou nos pequen os
d a qual o Odin tornou-se um a par te (o Nordisk Teatret Labo ra to- gru pos teatrais. Inicia uma política d e apoio con cret o a grupos de tea-
rium), e Talabot terminado em fins d e 1988. tro na Europa e na América Latina , uma atividade pedagógica varia-
A div isão em do is per íodos é ar tificial e ex terior: o processo de- da , uma sé rie de enc on tros internacionais de grupos de teatro que irão
senvolve-se de uma concen tração so bre si p róprios (sobre o trabalho constituir uma densa rede d e rela ções baseadas não tanto nas identi-
d o at or e sobre as condições do trabalho em teatro) a uma so lidez e dades e afinidades artísticas ou políticas quanto, antes, nas motiva-
i~1divid ualidade.que permite a projeção p ara o exterior sem se ligar a ções e trocas de trabalho. De Belgrado a Bérgamo, a Madri, aAyacucho,
tipos pred et erminados d e organiza ção teatral , com coerênc ia d e mo- en tre 1976 e 1978, nestes encontros toma con sist ência a necessidade de
tiv ações e d e p ercursos d e p esquisa.Assim explica Bar ba n a introdu- se fazer teatro criando novas relações': "N ão novos conteúdos," - es-
ção citad a: "Q uer a atividade 's ecre ta' qu er o uso do teat ro nas regiões creve Barba - "e sim relações no vas, amiúde difi cilmente'decifráveis,
sem teatro, no s m ostraram qu e é possível tran sformar n osso ofício chegam a tomar o lugar deixado v azi o pelos habitu ais conteúdos do
num in strumento de mudança d e si próprios e d os out ros, d esde que teatro. Não é um 'o u tro teatro' que nasce. Outras situações pa ssam a
n os m an tenhamos aqué m e além d o Teatro, do Sis tema Teatral. O ser d enominadas de teatro". Justamente para ap resen tar o Encontro
aqué m e o além do teatro m ar caram as duas linhas d e ação d o Odin d e Belgrado Barba escreve o manifesto do Terceiro Teatro, um progra-
Teatret. Aque les que no temp o foram dois p eríod os complemen tares m a que muito em br eve se tornará, para muitos grupos em diferentes
são, hoje, os d ois pó los d e uma ú ni ca linha de acão , Além d o teatro países, uma tomada de consciência e um espe lho de confron to. Os gru-
h avia a ' troca ': tro car nossa presen ça teat ral - trein ame n to, espe tá- p os que participam do s encontros do Terceiro Teatro trabalham fre-
cul os, . experiênc ia ped agógica - com a ati vid ade d e ou tros oarupos qüe n temen te com o treinamento do ator e a expressividade corporal,
teatrais o u com gr upos d e es pec tadores . Não era apenas a pesq uis a recorrem às tradições do teatro ocid ental ou às do teatro oriental. Essa
de um uso d o teat ro com m odos e em contextos d iferentes. Era acim a é a situação que substancia o teatro de rua qu e, nos primeiro s anos, é
de tudo a m an eira p ara revitali zar uma relação d e ou tra forma d es- uma das técnicas e d os m od os mais difundidos no s gru pos do Terceiro
gas tada: a maneira pa ra passar d e um encontro com espectadores- Teatro. Mesmo a p edagogia é troca, uma visão do pr óprio s~r no teatro
fantasmas que vêm uma noite e d epois som em, para o encon tro com e por meio do teatro qu e leva o Odin a buscar seu valor de uso pela
espec tadores qu e se m ostram e se ap rese n tam, além de olharem p ar a recusa do teatro-m ercadoria. (Sobre a " troca", além do s escritos de
os a tores. Aquém do teatro h á, para nós, o teat ro 'secreto ', no sen tid o Barba, veja-se o testemunho crítico que, por m eio d e ens aios, ar tigos e
de separado: um lu gar on de um grupo de pessoas, a tores -es pec tado- livro s, no s foi dado por Ferdinando Taviani.)
res que se escolheram reciprocamente, fech a-se para ana tomizar as Em 1974, no sul da Itália, o Odin com eça uma exp eriên cia que ir á
forças que regem os mot os das realidades h uman as e soci ais, para se prosseguir na Europa e na América Latina. As premissas haviam-se
confrontar com as próprias perguntas, os enig ma s irr esol vidos e ver estabelecido levando Min Fars Hus para uma aldeiazinha da Sarde-
em frag men tos, d eformad os ou concen trados com o num espe lho, ins- nha, e pelas danças e cantos oferecidos em respost a ao espetácu lo
tantes d o tempo pa ssado e d aquele iminente. Tan to o 'segredo ' quanto que deveria ser "difícil". Estabelecendo-se por al guns m eses na re-
a 'troca ' baseiam-se na reciprocidad e de interesses e expectativas, gião do Salento' ,o gru po de "estrangeiros" já sem o es pe tácu lo defi-
nã o sobre um a vaga e gera l necessid ad e artísti ca. Na troca resid e o ne-se pelo trabalho diário e cheg a a or ganizar ações espe tacu lares
segred o d e uma maneira d e utiliza r e conjuntamen te d esp erd içar o para as quais ped e em troca qualquer outra forma d e espetáculo en-
teat ro. E, no 'segred o', o momento mais alto de um a troca ".
Os fios de ste teatro além do teatro, que também con tém o qu e m ais
es tritame n te pode-se chama r de teatro de r ua, entrelaçam- se. Com Ivtin * De nomina -se as sim a reg ião s u l-o rien ta l da A p úlia, n .d .t.
...
106 A TRADlÇAO CONTEMPORr\ N EA: TRÊS MO DELOS E DU AS SITUAÇÕES
107
A TRADIÇAo CONTEIvIPORr\ NEA: TRÊS MODELOS E DUAS SITUAÇÕ ES

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Od in Tea tret: O Livro das Dallças (Od d Str ôm e lben Nage \ Rasmussen) ,

Odin Teatret: O Livro das Danças (Torgier Wetha \).

Od in Tea trer: a atriz 1/)<'11 Nllgc/ R ll ':IIII /SS<'1I pe las ru as de um pov oad o d a Itália do sul.
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108 A TRADIÇÃO CONTEMPORÂ N EA: TRÊS MOD ELOS E DUAS SITUAÇÓES
A TRADIÇAo CONTEMPO RÂNEA: TRÊS IvIODELOS E DUAS SJTUAÇ Ó ES 109
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Od in Teatret: Parada na Itália do su l (Torgier Welha l). Odi n Tealrel: Parada na Sardenha .

Odin Teal rel: Parada na Itália do su l (Iben Nagel Rasm uss en).
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110 A TRADIÇ,\ O CONTE J\I I' O R:\ N EA : TRÊS i\IODH OS E DUAS SITUAÇÕ ES
A TRA DIÇÃO CONTE1\IPORÃNEA : TRÊS MODE LOS E DUAS SITUAÇÕES . 111

Od in Tea tre t: Parada na Itá lia do s ul.

Od in Teat re t: Parada em Pon tecler a.

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Od in Teatre t: Pumda em B érgarno.


112 A TRAD IÇAo CONT EMPO!{}.NEA: TRl~ S tvlO DELOS E DUAS SJTUAÇÕES A TRADlÇAo CONTEM PORf\ NEA: TRÊS MO DELOS E DUAS SITUAÇÕES 113

cenado pela população local. O treinamen to d os atores é ence nado damente uma presença do teatro, e com a mesma rapidez subverter
com o espe tác ulo: é Il Libra Delle Danze; a ele acrescen tam -se espetá- os p lanos d ian te das situações dadas sem cair no com prom isso , co-
culos d e cloums e p aradas. mo se a partitura tivesse sido m eticulosamen te estud ad a e rigorosa-
"É possível" - escreve Barb a - "realiz ar u m encon tro que não mente seguida".
se limite ao tempo es tri to d o espe tácu lo? Co mo, en tão, dil at ar, fa- Dessa situação complexa constrói-se, p ara o Odin, o teatr o de ru a:
zer explodi r o teat ro a través do teat ro ? É p reciso tornar-se grandes en tendid o como a ação com que um gru po sai para o ex ter ior para
profissio nais, m as não é preciso vender a alma à profissão." Nas ru as, chocar-se com o pr óprio signi ficad o de sua existência: uma m icrossocie-
nas p raças, nos quintais, nos pátios, o teat ro torna-se m eio d e tro ca. dade no grande con texto social, que não a procurou nem a quis; "Os
O di ferente, o es tra ngeiro (o at or) não procura cum plicidade n em temas d e sua estranhez a e de suas funções, de sua in u tilidade gera l e
coloniza as "regiões sem teat ro": sem fingir respeito à sua id entid a- de sua particular eficácia traduzem-se em elemen tos concre tos, nas
de perm ite o reconhecimen to d os ou tros. Em Lo Straniero che Danza relações entre os ato res na parada e o seu público ocasional". E Taviani
(Turim, Studioforma, 1977) Taviani d eu test emunho crítico e per s- (11 Libra dell'Odin, Milão,'Fe ltrine Hi, 1978, 2." ed .) p rosseg ue :
pectivas d e análises para a experiênc ia; e Tony d 'U rso acrescen to u "O Odin havia começado com as paradas quase sem percebê-lo, nas
ao trabalho uma riquíssima documen tação fotográfica. No mesmo cidade zinhas do Salent o, no verão de 1974, para se d eslocar em cor tejo
livro con ta-se a situação extrem a enfren tada por um a atriz, Iben Nagel de u m pon to para outro, na necessidade de dar es petáculos ao ar livre.
Rasmussen , q ue com se u traje típ ico e o tamborim usados em Libra Depois, como semp re faziam, começaram a trabalh ar isso, proc urando
Delle Danze enfrenta sozinha um a viagem numa vila da Sardenha, todas as p ossibilid ad es qu e lhes eram oferecidas pel o espaço d e uma
Sarule: e define -se, ass im, como atriz. rua, aproveitando as três dimensões, a relação en tre a rua e os tetos das
O teatro como "exp ediçã o antropológica" tradu z-se também num casas, as jan elas, o alto de um campanário, as saliências d os portões e as
filme d e Torgeir Wethal (Vestida de Branco, 1974-76) cen trado em u m tortuosid ades dos becos, a cor d os rebocos, dos tijolos e das pedras, as
saltimbanco p regoeiro . As trocas fun dem-se com as imagens de Co- imagens de u ma d ecora ção arquitetônica, de um portal, de u m m onu-
me, en tre laça ndo a rea lidade d o Peru e o sen tido do teat ro, em ou tro mento. Mas a parada escondia ou tros problem as. O p roblema eram os
filme se u, Sulle Due Sponde dei Fiume d e 1976; e em ou tro ainda, A na- espectad ores. Por um lad o o problema era simples: os espectad ores
basis, es tá d ocumen tad a a experiência da parada de rua dramaturgi- estavam ali, e para eles se oferecia um esp etácu lo sem cair nos equívo-
ca me n te mais organizada do Odin . . cos da par ticipação d ireta , da de nominada animação, sem acreditar qu e
N as regiões sem teat ro, conta Taviani na montagem crítica citada comunicar signi fica relação d ireta, qu e envolve fisicame n te; ain da mais
acerca d a viagem d a atriz, "experim entam os m ui tas coisas ú teis: como que amiúde a situação em que o Odin realizava paradas já estava d efi-
faze r teat ro numa aldeia aprovei tan do as cores de seus muros, os nida em suas relações e nasciam ações comuns sob a forma de trocas.
lu ga res costumeiro s que uma presença es tranh a p od e ren ovar: as Mas, e nos outros casos? Nos ou tros casos os ato res pene travam num .
ladeira s e d escid as, os arcos, os te tos e os terr aços; como se d evem espaço que não era o deles. Pode r-se-ia d izer - exp ressan do-nos met a-
faze r os p rim eiros con ta tos, como se ap rese n tar, como tra nsmitir con- foricamen te - que a aldeia toda, ou o bairro de uma cidade, transfor-
fianç a sem encher os b olsos d e p romessa s e belas palav ras; como mava-se num teatro. A realida de é exatamen te o opos to. Os edi fícios
conseguir jun tar, rep entin am ente, na praça, tod as as pe ssoas e cria r teatr ais, as salas onde se dará o espetáculo, são terra d e ningu ém . Os
u m a situação pe la qual, tendo paciênci a, serão as p essoas a tomar atores e os esp ectadores chegam ali de territ órios e exp eriências diferen-
para si as réd eas d o even to e a improvisa r, de início quase timida- tes e com in tenções divergen tes: uns para ver, ou tros para serem vistos.
m ente, m as em br eve com cada vez mais segu ranç a, a própria fes ta. As vezes, aliás, o espaço da sala teat ral é visive lmen te p reme ditad o
Experim entam os os cam inhos pelos quais se p od e d esen cadear um a pelos atores. Os espectadores são seus convidados, seus vis itan tes.
série de ações e rea ções, como nos po de mos confrontar com eficácia, Pelas rua s, atores e espectado res m isturam-se, cruzam-se chegand o de
como d iferentes, com os rep rese n tan tes d e uma sociedade cujas con- caminhos diferen tes e tend en do pa ra diferen tes di reções. Somente por
venções m ais p rofund as nos escapam; como é possível proje tar rapi- acaso o espectad or torn a-se espectador."
114 A TRADIÇ Ao CONT ElvIPORA NE A: TRÊS MODELOS E DUAS SITUAÇÕES A TRADIÇAO CONT ElvIPO RAN EA: TRÊS MODELOS E DUAS SI I'UN : ( l i:.:;

A situação do teatro de rua é uma experiência-limite do teatro, no do e não quer se enredar numa familiaridade que - dada a situação
qual o Odin experimenta uma metáfora-eixo de sua pesquisa em - seria falsa. [...]
teatro, como a da migração: é a viagem. "Chegados à última praça, no final de Anobasis, escapulidos defini-
"Até as paradas de rua do Odin transformam-se na representação tivamente da multidão dos espectadores, os atores esbanjavam força
de uma viagem. Até então haviam sido aparecimentos tumultuosos e destreza num espaço a eles reservado. Caía a tensão da travessia, a
ou presenças inquietantes e variegadas através das aldeias da Apú- ambígua promiscuidade entre atores e espectadores. No fundo iça-
lia e da Sardenha, da Ocitânia ou da Catalunha, as regiões de cultura va-se uma vela preta, um a um os atores desapareciam por trás dela,
afro-americana do Barlovento na Venezuela e os acampamentos ci- pondo fim à corrida."
ganos na Iugoslávia. Elas vão assumindo caráter cada vez mais pre- A narrativa parcial da última parada do Odin, expressa uma cons-
ciso até tornarem-se um verdadeiro espetáculo: Anabasis (1977), que trução solidamente dramatúrgica: uma "história" capaz de canalizar
se desenvolve nas ruas e nas praças, invadindo tetos e terraços, está- os números de rua antes ritmicamente montados. Nas paradas, a tea-
tuas e torres de igrejas. Exatamente como na história grega de onde tralização do espaço havia sido profundamente indagada. Haviam
Anabasis tomou seu nome, um grupo ele estrangeiros atravessa po- usado os elementos físicos da rua e da praça, em suas cores e em suas
pulações estrangeiras. Os atores, com pernas-de-pau e bandeiras, com formas, mas também nos volumes que as constituem: o espaço é usa-
máscaras, tambores e trompetes, reúnem-se e dispersam-se como do em todas as suas dimensões, mesmo em altura, com efeitos de sur-
soldados. Somente duas grandes imagens da morte, no fim do grupo, presa. A "montagem das atrações" envolve profundamente os atores
têm alguns breves contatos com os espectadores. A viagem de Ana- com suas habilidades e visualizações, mas casas e portas e telhados e
basis termina com uma grande capa preta na qual o pelotão dos atores janelas também se tornam pariners dos atores. O movimento quebrado
é envolvido e onde sons e vozes sufocam." e variado da parada, vertical ou horizontal ou diagonal, alterava o
Dessa apresentação da parada como viagem desenvolvida por ritmo diário criando tensões de significado. Até mesmo a multidão
Taviani (o ensaio está em Cioilià Teatrale dei XX Secolo , organizado era manipulada em agrupamentos e quebras improvisas.
por F. Cruciani & C. Falletti, Bolonha, Il Mulino, 1986) aproxima-se, O forte sentido do teatro de rua do Odin Teatret não está, porém,
no citado Libra dell'Odin, uma descrição que restabelece o 'movimento' tanto nas formas e nas técnicas, no saber que naquele espaço se atua.
criado pelas evoluções desta parada de rua : "Ora os atores, como Ele está exatamente no sentido mais amplo de uni. teatro que, com
grupo de estrangeiros, manobravam a multidão e com ela abriam sua identidade conquistada, constrói um confronto além dos hábitos
um caminho. Seguiam em formações compactas, em fileira, em do teatro, que faz teatro ali onde encontra um sentido em fazê-lo. Ele
cunha, realizavam improvisas conversões e meias-voltas. Às vezes a lança raízes na dialética entre o trabalho do ator e o seu estabelecer
pequena falange extremamente móvel dispersava-se: quem subia uma relação com o exterior, para além das rotinas preestabelecidas.
para o alto, quem se escondia nas casas e descia pelas janelas, para O teatro de rua ali se torna uma extrema experimentação do traba-
depois - ao sinal - voltar a se reunir e prosseguir ainda como um lho de teatro: por isso, mesmo na rua, o Odin aplica com rigor uma
grupo compacto, sem se misturar aos espectadores. dramaturgia e uma montagem, as técnicas do teatro.
"À aceitação dos espectadores, reagiam com momentos de contato
que no entanto não superavam o breve instante de um cumprimento
lançado em trânsito. A indiferença, reagiam com sinais de uma espé- ATELIÊ INTERNACIONAL DE BÉRGAtvIO, 1977
cie de agressividade quase animalesca, sempre mantida à distância.
Por vezes cantavam todos juntos, às vezes faziam tocar os trompe- O Odin Teatret de Eugenio Barba permite-nos olhar, com mais sig-
tes, a trompa, o tambor. Chamam-se uns aos outros, quando distan- nificado e numa seqüência mais histórica, duas situações que se tor-
tes , num idioma incompreensível. A visão que guiava o grupo naram tradição (deveriam ser tradição, se cultura é memória) no teatro
tornava-se espetáculo. Traduziam ao pé da letra sua condição, um italiano e em sua cultura contemporânea: o Ateliê de Bérgamo em
grupo estranho que sabe não pertencer à cidade que está atravessan- 1977 e o Festival de Santarcangelo em 1978.
"
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Não pensemos imediatamente na temporada da "política do efê- .de 1977{foi organizado pelo Teatro Tascabile com o apoio da Unes~o,
mero", e de modo redutivo n as muitas festas dos assessor es, que ainda do LT.L ,do Ufficio del Turismo da cidade, da região da Lombardia:
assim marcaram uma fase muito positiva na história contemporânea foi idealizado e dirigido por Eugenio Barba. É o 2.° Ateliê Interna-
do teatro italian o, e não ap en as ital iano; tampouco pensemos somente cional do Terce iro Teatro, o prim eiro que usa a definição "terceiro
na difusão dos grupos de base e nas políticas e poéticas do uso do teatro", elaborada, um ano antes, em Belgrado. A estrutura organi-
teatro no território e no afortunado fermento do teatro espon tâneo. zativa, diferentemente dos normais festi vais de teatro, previa dois
Trata-se de realidades injustamente afastadas e que, ao reaparecem ní veis de participação: a do s grupos com seminários, trocas de traba-
aqui e acolá, provocam "má consciência"; ainda que, obviamente, lho, encontros com mestres orientais e ocidentais: e a dos espectado-
sejam um nosso passado e não um erro de juventude, uma experiência res, tanto os da cidade quanto os muitos, acima de tudo jovens, que
histórica e não um "como éramos". Como todo historiador sabe, o va- afluíram em Bérgamo e que podiam, com uma assinatura a preço
lor dos eventos reside muito mais nas razões que os provocaram e nas simbólico, assistir a todas as manifestações públicas. Os grupos con-
modalidades em que se deram do que em suas conseqüências conscien- vidados não se limitaram a "p assar" apresentando seus espetáculos,
tes ou em suas aparentes "superações". mas ficaram até o final do ateliê; e não apenas com os espetáculos,
Para conquistar este no sso passado como tradição, para que a me- m as também com demonstrações de trab alho e participação ao s en-
m ória seja elemento ativo em nossa cultura, talvez seja melhor reto- contros, que aconteciam das se te às dez da manhã.
mar suas ra ízes: mesmo qu e limitadamente ao teatro de rua . Ass im relata a situação um d os poucos qu e nos deixaram um tes-
Em Bérgamo e Santarcangelo grupos diferentes se encon traram em temunho por escri to, [e an-jacques Daet wyler (L'Odin Teatret et la Nais-
situações provocadas para exp erimentar e reconhecer e englobar lin- sance du Tiers Th éãtre, Berna, Palindrome, 1980): "Durante uns dez
guagens diferentese o teatro qu is poder estender-se aos muitos terri - d ias, as dem onstrações de trab alho, os esp etácu los, as cloumeries e as
tórios de fronteir,a sem perder a própria identidade. Em sua apre- pa radas seguiram-se na s ru as, praças, ou mesmo na antiga igreja
sen tação do Encontro de Bérgamo (organizado pelo Teatro Tascabile e dessagrada de Santo Agostinho. Foi justamente aí que os mestres dei
dirigido por Eugenio Barba) em 1977, Barba escrev eu: "A art e teatral kathakali, do teatro N ô e do top en g, d an çarinos esquimós, represen-
está vivendo uma mutação profunda e obscura. Seria injusto analisá- tantes das tradições carnavalescas espanholas e atores da Comme-
la somen te como bu sca de n ovos meios expressivos, de novas técnica s. di a dell 'Arte com pararam suas m áscaras, sua s danças, su a utilização
A pesquisa teatral é hoje a bu sca de um no vo sentido do teatro. O do ma scaramento. ·O Ateliê concluiu-se com uma pequena Wood-
problema da técnica é essencial para o trabalho d o ator, ma s mai s es- s tock do teatro e com uma festa popular animada pelo grupo catalão
sencial ainda é o processo que determina os resultados técnicos . Este EIs Comediants, com suas m áscaras gig an tes, su as marionetes, suas
processo é desencadeado por uma postura ética que recusa as situa- hist órias e gags, sua música, su a imagin açã o comunicativa . Ainda
ções da vid a circunstante e que transforma essa recus a num modo de ass im o ateliê não havia sido imaginad o como festival, mas antes
vida d iária . Toda forma de técnica corporal, psíquica ou intelectual - como um m omento de troca e de trab alho, no tríplic e confronto do s
isto é, todo novo resultado - é um passo adiante em direção a uma grupos entre si, com o teatro tradicional d~ Oriente e com a popula-
grande liberd ad e do ator, mas se a técnica não for ultrapassada, trans- ção de Bérgamo. Uma fun ção esse nc ial era permitir aos participantes,
forma -se em colonização. O encon tro de Bérgamo não des eja favorecer que chegavam d e outros continentes, de se enco n trarem e de scobri-
a aquisição de novas t écnicas, nem cons truir um ens ina men to. Deseja rem o quanto têm em com um, mastamb ém de se definir melhor IliI
criar um lu gar e uma situação de troca . Não aspiramos à aprop riação rela ção com os outros, de reconhecer su as peculiaridades, de p ôr ;1
da exp eriênc ia dos outrose sim a nos confrontarmos com ela, tradu- prova sua autenticidad e. Ne sse contexto, a presença dos gralld, ':;
zindo-a, cada um de nós, em sua pr ópria língua, isto é traindo-a, a ún ica
forma de tran smiti-la". (O text o está transcrito no já citado ensa io de
Taviani in Cioilt ãTeatrale del XX Secolo, cit.) • "ln terna tiona l Th eatr e ln st itut " (ITI) - In sti tut o Internac ional de Teatro, d a I In,..., li .
q ue possui representação em q uase tod os os pa íses, a té mes mo no Brasi l, 1\..1.1.
O A teliê Int ernacional de Bérgamo (28 de agos to a 6 de se tem br o
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118 A TRADJçAo CO NTElvIPORAN EA: T RÊS MO DELOS E DUAS SITUAÇÕES A TRADlÇAo CONTEMPORANE A: TRÊS MOD ELOS E DUAS SITUAÇÕES 119

Ate liê d e l3érgilmo 1<)77. Parada.


Ate liê d e Bérgamo 1977. A lbat rozes. Teatro Tascabi le d e B érgarno .
~"".·C.. ~,_-.....
Ate liê d e Bérga rn o 1977. Parada. Eis Com cd ian ts.
A TRADIÇ ÃO CO NTEMPORANEA: TRÊS r-.-IODELOS E DUAS SITUAÇÕ ES '12 1
120 A TRADIÇÃO CONTEMPORÃNEA: TRÊS MO DELOS E DUAS SITUAÇÕES

Ate liê de Bérga mo 1977. Parada. Tea tro Tascabile de Bérga mo.

Ateliê d e Bérgamo 1977. Parada. Eis Co med iants.

A te liê d e l3é rgam lJ 1')/ / . I'drddd. Udi n Tl'<ll rC'l.


122 A TRAD IÇ,"\O CO NTEMPORANEA : TRÊS MODELOS E DUAS SITUAÇÕES A TRADI ÇAo CONTE1vIPO RANEA : TRÊS MODELO S E DUAS SITUA ÇÕ ES 123

mestres do N ô (H ideo Kanze), d o top en g (I Made Bandem) e do ka- encontrar a própria expressividade, libertar mediante o trabalho cole-
thakali (Krishnan Nambudiri), que à primeira vis ta poderia parecer tivo aquela criatividade individual que, por razões h ist órico-p olíticas,
fora do quadro, justificava-se p lenamente. Estas antigas tradições do está sendo cada vez mais reprimida. Central foi a atenção ao tr ab a-
teatro oriental, apresentadas sob o olhar dos anjos e d os santos dos lho dos atores da grande tradição oriental, como Hideo Kanze gran-
afrescos de Santo Agostinho, a tenuavam, com seu esplendor, o pres- de ator do tea tro N ô, I Made Bandem ba linês e Krishnan Namb udiri
tígio d o Ocidente. Ademais, a pluralidade dos valores cu lturais im- do teatro Kathakali indiano; suas sessões de trab alh o aconteciam à
punha-se com evidência . Podia-se es tabelecer um verdadeiro diálogo, tard e, cada um ilustrava as próprias técn icas e trechos do repertório,
de igual p ara igual. E os grupos, na medida em que so u beram pre- usavam-se tam b ém filmes e documentários; assim até a noite . Du-
servar sua identidade, representavam culturas não inferiores, e sim rante o resto d o dia os grupos convidados mostravam, em rodízio,
diferentes. Q uanto aos moradores d a hip ercat óli ca Bérgamo, reser- os p róprios métodos de trabalho . O público, isto é, os não pertencen-
varam ao Ateliê uma recepção ch eia de inte resse e amiúde ca loro- tes a nenh um dos grupos convidados, estava nas condições de um
sá. Mostraram-se se nsíveis à beleza dos espe táculos exóticos, à espectadN passivo, podia apenas estar disponíve.l ao ~ontínuo ma.r-
disciplina dos atores, à habilidade dos dançarinos, acrobatas, elo- telam en to das experiências e " tomar ato" . Um dia foi reservado as
wns, músicos, equilibristas sobre pernas-de-pau e manipuladores paradas, ou tro aos clowns e às máscaras" . A direção das demonstra-
de bandeiras e fitas, que mais de uma vez in vad ir am as ruas e as ções de trabalho, a escolha, a montagem, a valorização e a descobe.r-
praças" . ta das possibilidades de uso se davam sob a orientação de Eugemo
A fascinação dessa explosão de teatro na cidade, além de os espe- Barba.
táculos em si e de sua propagação pelas ruas e praças e parques, O Odin Tea tret participa do Ateliê com paradas e com o Libra Delle
nascia tam bém da presença espalhada dos grupos entre as pessoas Danze. Ladeiam-no o pólo dos grupos teatrais como o Cardiff Labo-
(espectadores de caráter peculiar) e acima de tu d o daquele "segre- ratory com seus espe táculos de pesquisa ou oAkademia Ruchu, gru-
do" que os unia: as reuniões de trabalho pela manhã, com disciplina po polonês que realiza in tervenções de rua e de pr?vocação..Ou ainda
monástica e liberdade. A iniciativa era dosparticipan tes : trein avam - o grupo catalão EIs Comediants. Este grupo arumou mais vezes a
se as técnicas do ka thakali, do topeng e do Nô, experimentavam-se cidade com paradas, in tervenções, fábulas, festas . As paradas usam
as possibilidades de extensão da voz, exercitava-se as técnicas in sp i- personagens grotescos com máscaras giga n tes (os c~b~ztldos da
radas nas artes marciais sob a guia de u m dançarino japonês, traba- . trad ição catalã), grandes figuras levadas por atores, musicas e laz-
lhava-se com instrumentos musicais, com as pernas-de-pau, com as zi diferentes (petardos, esguichos de água, etc.): os elementos de
acrobacias dos cloums, viam-se filmes sobre o treinamento do ator, surpresa e mobilização do espaço atraem grande número de espec-
discutia-se. tad ores insólitos ao redor dos espaços preparados para as represen-
Depois desse período m a tutino em que se permutavam técn icas e tações onde contam / agem breves histórias. Por exemplo "através
se concre tizavam encontros, às 10 horas da manhã co meçava o longo da linguagem de fab u lação narra-se o processo de construção e d es-
dia de demonstrações de trabalho e de espetácu los on de o público truição de uma cidade, numa representação que dista nc ia no espaço
apertava-se em m u ltidão. A grande confluência de p úblico era ines- e nos signos nosso dramático presente. Os pe rsonagens ao fundo eram
perada e revelou-se surpresa e desafio: nas demonstrações de trab a- minúsculos perfis de quadrinhos recortadas em papelão: um renas-
lho, nos es pe táculos, no teat ro de rua. O grupo da revista Sana, cimento do mundo em que os atores, em primeiro plano, são prota-
dirigida por Antonio Attisani (a 5 de novembro de 1977) tentou uma gonistas da redescoberta de si e d os outros, dos própr~os co.rpos, das
análise de comparação polêmica com o Terceiro Teat ro e com o Ate- próprias diversidades e possibilidades. Represen taçao felIz, de su.a
liê: "Em Bérgamo assistimos a uma ampla resenha de modelos de utopia, proposta ao público de uma postura lúdica tan to maIS. parti-
tea tro com as relativas tensões e contradições que tal feito implica. cipativa ou me táfora da situação da Espanha apó~ Fra~co? DIferen-
Estes grupos de pessoas têm em comum a exigência primária de fa- tes, justamente, as interpretações. Arremessos de JornaIs do palco e
zer teatro. Fazer tea tro que significa, na maioria dos casos, conseguir música desencadearam a fes ta coletiva" (Sccl1n , cii.) . Usam elementos
"
124 A TRADIÇÃO CO NTEMPORÂNEA: TRÊS MODELOS E DUAS SITUAÇÕES A TRADIÇÃO CO NTEMPORÂNEA: TRÊS MODEL OS E DUAS SITUAÇÕES 125

do circo, do espetáculo de variedades, dos bonecos, os objetos se trans- "Por trinta horas os grupos se seguiram, sem interrupções, apre-
formam e s~ animam... mas acima de tudo fazem o público partici- . sentando em rodízio seus espetáculos. Depois os músicos tomaram
pa~ com cuidadosa direção até o desfecho, de uma atmosfera que lugar num pódio erigido na antiga Praça de/la Cittadella. Os jovens de
facilmente se torna carnavalesca. Em poucos minutos, na última noi- Bérgamo vieram em grande número. Alguns quiosques vendem
te do Ateliê, criaram uma atmosfera de carnaval numa praça da ci- vinho, uva, doces. Maquiagem e espelhos estão à disposição de quem
?ade; ~lguns dias antes haviam criado uma festa num bairro popular; quiser se mascarar. Bandeirinhas de papel, penduradas em festões
mt~rvIeramcom uma grotesca procissão religiosa ao amanhecer, de- que cruzam a praça, formam uma rede esticada sobre as cabeças. .
pOIS da 10i1g~ noite fi~al em Santo Agostinho com a série ininterrup- "O grupo EIs Comediants abre o baile, em poucos minutos trans-
ta dos espetaculos; criaram fogos de artifício. forma a praça num delírio de carnaval, organiza farândolas e minue-
. B. Cuminetti, em artigo de 6 de setembro publicado no jormal L' Eco tos, conta histórias grotescas e poéticas, liberta-se num surpreendente
di Bergan~o, qu~ re,t~ma outro artigo seu do início do Ateliê repleto de pasticho de belo canto que faz com que aplausos frenéticos explo-
perspectivas hIstoncas e aberto à grande presença do teatro oriental, dam. Pouco antes da meia-noite, ateia-se fogo aos festões de papel. A
escreve que "o Ateliê nos mostrou que o evento teatral ocupa nova- antiga Praça della Cittadella está em chamas. O incêndio dura pouco,
mente a praça - a praça dos cômicos, a praça das dramaturgias po- o teto de fogo cai em cinzas de papel chamuscado. Depois da última
pulares - que o teatro é parente em primeiro grau da festa, que o farândola, os duzentos participantes do Ateliê reúnem-se a portas
tea~ro po~e r.nesclar-se novamente à vida da cidade e que é ou pode fechadas na nave de Santo Agostinho, novamente entregue ao silên-
ser irrupçao Improvisa e imprevisível de um calor e de uma atmosfe- cio. Não há discursos. Mas alguns oferecem espontaneamente seus
ra fes~iv~ p.ropícia a amarrar novamente fios há tempo partidos. A cantos e sua música. Não é casual estar ouvindo as sonoridades que,
ocorrencia Ilustre e prestigiosa do teatro renascentista está indisso- durante os dez dias do Ateliê, emergiram como cantos de ajunta-
luvelmente ligada ao espaço fechado, ao 'local' designado artistica- mento, como totem: em especial, as profundas encantações de Iben
mente elaborado. Mas com o tempo confundimos o evento teatral do Odin, as flautas mágicas dos Cuatrotablas, os trombones nostál-
com o edifício: o Ateliê reiterou-nos que teatro é essencialmente a gicos do Cardiff Laboratory, a música alegre dos Comediants estica-
construção de uma rela ção: e não existe hierarquia de espaços. da por um símbolo pirotécnico - dois sóis que giram e lançam
"O espaço em volta do altar do deus, a sala, a praça, a rua, um petardos, e um arremesso de buscapés que iluminam a noite e caem
tablado: um encontro, enfim, que produza verdade". E, de início o em cachos coloridos - alusões aos petardos e às explosões de fogo
Ateliê havia escrito de como estivesse centrado no grupo teatral e das paradas e dos espetáculos de rua, mas acima de tudo s~nal of~s­
fosse não um festival e sim uma troca de experiências e pesquisa; de cante, generoso e destruidor, assinatura fugaz lançada no ceu de Ber-
como se devessem trocar os habituais parâmetros de julgamento e gamo pelas culturas do Terceiro Teatro ."
de referência "para captar o difícil novo que emerge e se oferece".
O Ateliê, como vimos, não é somente teatro de rua nem somente
esp~táculos ou laboratórios; é tudo isso fundido em tempo integral, FESTIVAL INTERNACIONAL DE SANTARCANGELO, 1978
conjunto de ecos e eventos, não usual: uma dimensão experimental
do teatro numa cidade.
O teatro tornou-se algo mais: encontro de técnicas e linguagens
D,ur~nte o ~teliê a grande afluência de público põe em sério risco diferentes, mais ou menos ligadas à pesquisa ou à praça; nas ruas o
o propno sentido do encontro. Então Barba propõe um grande potlach' teatro também foi a presença de jovens interessados em teatro e
do teatro, que Daetwyler (cit.,) assim relata: o confronto de diferentes espetáculos. Aos espetáculos levados no
.
Potlach: ritual prati cad o po r trib os do Canad á, consiste no intercâmbio m útuo d e
meio das pessoas juntaram-se paradas elaboradas como festas e pa -
radas elaboradas com mais intensa dramaturgia . Mas o "núcleo
objetos pessoai s q ue em seg u ida são qu eimad os para selar o acord o, n.d .t. forte " era o fundamentar-se em laboratórios internos em que o tra-
balho de teatro se tornava riqueza de encontro, o fundamentar-se em
126 A TRADI ÇÃO CONTE MPO JV\NEA : TRÊS /"IOD ElOS E DUAS SITUAÇ ÕES A TRADIÇÃO CONTEMPORÂNEA : TRÊS MODELOS E DUAS SITUAÇÕES 127

moti vações qu e at ra vessavam e usavam o teatro; e est e núcleo forte táculos na s p raças, intervenções n o mercado ou n os bares, o trabalho
era verificado e expandido na fest a dos espe táculos d e ru a. Era a ao ar livre , d e dia e entre as p essoas; a utilização de p artes do esp e tá-
p rocu ra d o teat ro possível.
culo de d iferentes grupos que se fund iam ou se contrapunham jun-
Em 1978, em Santarcan gelo , n a regiã o it aliana da Romanha, o tos; os madonnar( r a multidão, os Colombaioni, os stages, o comedor
festi val de teat ro n a p ra ça é "fu n dado n o vamente", escolhendo a d e fogo , o Kathakali... m as além dos elem en tos que compuseram e
praça como uma man eira diferente d e fa zer teatro e abrir-se p ara o articularam o festival o que deu sentido ao teatro de rua foi a dis-
n ovo que emerge (e que o provoca). A "n ov a maneira" é não so- ponibilidade dos diversos artistas e grupos de colaborarem entre si
m ente o es pe tác u lo como tal, bem com o o con tex to em que se o faz n a construção de eventos unitários, as relações entre teatro e teatro:
viver (en tre se m in á r ios e enc on tros de trabalho, e "direçã o" d os sem os álibis e a superficialidade a té regressiva da festa . Certamente
espaços form ais e não forma is d e encontro com o especta d or). Tra- foi festa, mas teatral: com seu rigor e sua disciplina, com sua "dire-
ta-se d e su b trair-se à lógica d as "estréias" e d os espetác ulos de gran - ção". O conectivo usado pelo "diretor" foram os grupos do Terceiro
d e apelo, d e fazer teat ro n ão em lu gares apartados e sim d e levar às Teatro. .
ruas e às praças as p ossibilidades d e rel ação com as pessoas. N ão Em di álogo gr avado no fim do festival (publicado em Dialog, ja-
com at rações tran sit órias e sim em situações de relação co m o tea- n eiro de 1979 e em tradução italiana no vo lume citado) h á "de ime-
tro e p or intermédio d o tr ab alho d e teatro. O respon sáv el artístico, diato" algumas reflexões sobre o festival. Dele participaram, além
o di ret or d o festival, é Rob erto Bacci d o Centro per la Sperimentazione de Roberto Bacc í, Ferdin ando Taviani (estudioso e participante ativo
e la Ricerca Teatra le di Pontedera. O Fest ival coloca-se exp licitamente do festi val), Wojciech Krukowski (da Akade m ia Ruchu d e Var só via)
o obje tivo d e experimen tar "form as difer entes d o esp aço u rban o e Konstanty Puzyna (diretor da revista polonesa Dia/og). Fala-se da
com o teatro" e d e n ão se limitar a tran sportar "espetáculos d e um contraposição (confronto e di álo go) entre os difer entes modos de
es paço fech ado p ara um aber to ", e m ai s, ligan do es te tip o d e pre- teatro de rua: o " p olonês" da Akademia Ru chu, com o caráter da
sença a uma qualidade d e rel açõ es entre os grup os que p articip am "p en e tração sociológica", da improvisa inserção na vida diária para
com uma sé r ie d e labora tór ios. O festival tem um in ício d e du as cr iar reações; e o "italiano" (d os grupos ital ianos participantes do
se manas em p equenos vila rejos próximos e d epois p ro ssegu e em fest ival) qu e Puzyna define "mais lúdico e em otiv o, d iri a quase cat
Santarc an gelo. Assume um tem a, A Cidade Dentro do Teatro, e aos navalesco" . Nas palavras d e Rob erto Bacci, os atores da Academia
es pe tác u los e lab oratórios e se mi nári os acrescen ta jo rnadas co m Ruchu "agem com a imaginação sobre o que já existe. Nós, ao contrá-
temas especificos : "o fogo ", "as músicas da cida de ", "o teatro da rio , queremos, p or m eio d o at or, ch egar ao que ain da n ão exi~ te. [...].
feira ", ":» teatro em vertical", "o teatro político", "o teatro im p rovi- A nós in teressa a im agin açã o física, corporal do ator Ç)ue cna Ima-
sa do", o "Circo teatro", o "ba n que te" . Além d o m ais o teatro se faz gens, ao passo que a Aka d em ia Ruchu desfruta das possibilidades
literalmente na ru a, com os op er ador es ensaia n do, er guendo as es- físicas do ator para in terv ir n a realidade com a ajuda do elemento
tru turas, fazendo se u treinamento. Quer ser n ão um festival-vitrine irracional" .
de cons u mo e si m "u m a ve rificação daquilo qu e com o trabalh o E, ao relembrar algumas d as si tu ações, recon stitui p ara nós o sen-
teat ra l es tá -se fazend o no campo d a p esquisa sobre o espe tác u lo d e tido de ste festival d e teatro d e rua. .
rua" . Os se m inár ios e a presença con tín u a d e gr up os e atores n os Para a chegada d o Teatro Campesino d e Luis Valdez (México) os
temp os e n os espaços d iários d esencadeiam um especia l clima d e gru p os foram ch amados a organ iz ar uma festa d e boas-vindas, na
rel ação, que p ermite acolh er linguag ens e experiências d e teatr o
sign ifica ti vamente diferen tes e também formas mais tradicionais
d o teat ro d e rua (pa ra a d ocumentação cf . La Città Dent ro il Teatro, • ntadonnaro (lIIa dOlll lari corresponde ao plura l), tem dois significad os trad icionais:
ela bo ra do pel o d epartamento d e im p rensa d o Festi val, Bolonha, pod e ser a pessoa qu e, nas pro cissões, ca rrega a imagem d e Nossa Senhora ou
Cap pe lli, 1979). então as pessoas que se d ed icam à pintura d e temas sacros, em gera l sobre o asfalto
Má scaras e pe rn as-de -pau, m úsica e acrobacia e clowneries; espe- da calçada, d esenh and o com giz ou pas tel, n.d.t.

"
126 A TRADIÇAo CO NTEMPO RANE A: TRES MODEL OS E DUAS SITUAÇÕ ES A TRADIÇÃO CONTElvIPORÂNEA: TRÊS MODELOS E DUAS SITUAÇÕES 127

motivações que atravessavam e usavam o teatro; e es te núcleo for te tácul os nas praças, in terve nções n o m ercad o ou nos bares, o trabalh o
era verificado e expandido na festa d os espetáculos de ru a. Era a ao ar livre, d e d ia e en tre as pessoas; a utilização de partes do espe tá-
procura do teat ro possível. culo de diferen tes grupos que se fu ndiam ou se con trap un ha m jun-
Em 1978, em Santarcangelo , na reg ião italiana da Romanha, o tos; os madonnar( , a multidão, os Colornbaion i, os stages, o come dor
fes tival de tea tro na praça é "fundado novamente", esco lhendo a de fogo, o Ka thakali... mas além dos elemen tos que compuseram e
praça como uma maneira diferen te de fazer teat ro e abrir-se para o ar ticularam o fes tival o que de u sen tido ao teat ro de rua foi a d is-
novo que emerge (e que o provoca). A "nova maneira" é não so- po ni bilidade dos d iversos ar tis tas e grupos de colaborarem en tre si
men te o es pe tác ulo como tal, bem como o con texto em que se o faz na cons trução de eventos unitár ios, as relações en tre teat ro e teat ro:
viver (en tre seminários e encon tros de trab alh o, e "direção" dos sem os álibis e a su perficialida de até regressiva d a fest a. Cert amente
espaços for mais e n ão formais d e encon tro com o espectador). Tra- foi festa, mas teatral: com seu rigo r e sua disciplin a, com sua "di re-
ta-se de sub trair-se à lógica das "es tréias" e d os espe táculos de gran- ção" . O con ectivo usado pe lo "d ire tor" foram os grupos do Terceiro
de apelo, de fazer teat ro n ão em lu gares ap art ados e sim de levar às Teat ro.
ruas e às p raças as possibilidades de re lação com as pessoas. N ão Em d iálogo gravad o no fim do fes tival (publicado em Dialog, ja~
com atrações tran sit ór ias e sim em situações d e relação com o tea - neiro de 1979 e em tradução italiana no vo lume citado) h á "de im e-
tro e por in ter médio do trab alho de teatro. O resp onsável ar tístico, diat o" algumas reflexões sobre o fes tival. Del e p articip aram, além
o d iretor d o fest ival, é Roberto Bacci d o Centro per la Sperimeniazione de Robert o Bacci, Ferdinando Tavi an i (estudioso e part icipante ativo
e la Ricerca Tea trale di Pontedera . O Festiva l coloca -se explici tamen te d o fes tiva l), Wojciech Krukowski (da Akademia Ruchu de Varsóvi a)
o objetivo de exp erim entar "for mas difer entes do espaço ur ban o e Konst anty Puzyn a (diretor d a re vis ta p olonesa Dia/og). Fala-se da
com o tea tro " e de não se lim itar a tran sp ortar "espe táculos de um con traposição (confron to e d iálogo) en tre os d iferentes m od os de
espaço fechado para um aberto", e mais, ligan d o es te tip o de pre- teat ro de rua: o "polon ês" da Aka de mi a Ruchu, com o cará ter da .
sença a um a qualidade de relações en tre os grupos que participam "penetração sociológica", da improvisa inserção n a vida diária para
com uma série de laborat óri os. O fes tival tem um início de d uas cr iar reações; e o "italiano" (dos gru pos italia nos participantes do
se m anas em p equen os vi larejos próximos e depois prossegue em fes tiva l) que Puzyn a define "mais lúdico e emo tivo , diria quase car-
San tarcangelo. Assume um tema, A Cidade Dentro do Teatro, e ao s navalesco" . N as p alavras de Roberto Bacci, os atores da Aca de mia
espetácu los e lab oratórios e seminár ios acrescen ta jornadas com Ruchu "agem com a imaginação sobre o que já exis te. Nós, ao con trá -
temas específicos: "0 fogo", "as músicas da cidade", "0 teat ro da rio, queremos, por meio do ator, chegar ao que ainda não existe [...].
feira", " 0 teat ro em vertical", " 0 tea tro polí tico", "0 teatro improvi- A nós interessa a imaginação física, corporal do ator ÇIue cria ima-
sado", o "Circo tea tro ", o "banque te" . Além do mais o tea tro se faz gens, ao passo qu e a Akadem ia Ruchu desfru ta das possibilid ades
li teralmen te na ru a, com os operadores ensaiando, erg uen d o as es- físicas do ator p ara int ervir na rea lidade com a ajuda d o elemen to
tru tu ras, faze n do se u trein ament o. Q uer ser não um fes tiva l-vi trine irraciona l" .
de consumo e sim "uma verificação daquilo que com o trab alho E, ao relembrar algumas das situações, reco nst itui pa ra nós o sen-
tea tra l es tá-se fazendo n o cam p o da pesquisa so bre o espe táculo de tid o dest e fes tiva l de tea tro de ru a.
ru a". Os se mi nários e a presença con tín u a de gr upos e a tores n os Pa ra a cheg ada do Teatro Campesino de Luis Valdez (México) os
tem p os e nos espaços d iários desenc ade iam um especial clim a de gr upos foram chamad os a organizar uma fest a de boas-vindas, n a
relação, qu e p ermite aco lher lin guagens e expe riências de tea tro
signi fica ti vamen te diferentes e também form as ma is tradi cion ais
do teat ro de rua (para a d ocu m en tação cf. La Città Dentro il Teatro, corr espond e ao plural), tem do is sig ni ficad os tradi cion ais:
• lIIad ollllaro (lIIadOlllwri
elaborado pelo de partamen to de im prens a d o Festival, Bolonha , pod e se r a pessoa qu e, nas procissões, car rega a imag em d e Noss a Sen hora ou
Cappelli,1979). então as pessoas que se d edi cam à pintu ra d e temas sa cros, em ger a l sob re o as falto
d a calçad a, desenhando com giz ou paste l, n.d .t.
Máscaras e pe rnas-de-pa u, música e acrobacia e clowneries; espe-
...
128 A TRA DIÇAo CONTElvlPO RAN EA: TR I~S l'v IO D ELOS E DUAS SIT UAÇÕES
r A TRADl ÇAo CON TEI'vIPO RÂN EA : TRÊS MO DELOS E DU AS SITUAÇÕ ES 129

cidad ez inh a, pelas ruas e na prefeitura, antes d o espetáculo: um en- mula d o festi val. De início foi n ecessário escolher três ou qu at ro gru-
con tro entre cu lturas. pos que pudessem co labo ra r durante todo o p er íodo. .
" Krukourski: Est a foi p ara mi m u ma das exp er iên cia s m ais bonitas "Bacci: Porque, você vê, o Festival também teve uma fase prelimi-
do festival. O Campon ês na da sa bia so bre nó s, não con hecia nenhum na r: de L° a 15 de julho dois gru p os, o Teatro Potlach e o Teatro de
d os grupos , disso talvez ten h a d er ivad o o efeito in es perado des ta Ventura, trabalhar am n os vila rejos e n as al deiazin has próximas,
d emon stração feita em su a h om enagem. Foi uma espécie d e luta d o convid an d o em se gu id a três outros gru p os: o Akademia Ru chu, nos-
teatro abe r to con tra o tea tro fechado: O Ca mponês, n o fin al, alinhou- so grupo de Pontedera e o Kerala Kala Kendram. Já então ficou claro
se do n osso lado. Em San ta rcan gelo tod os os gru pos queriam, de . que a fórmula do teatro fechado, ou seja, que simplesmente apresen-
alg uma for ma, reagir à chegada d o Campon ês, sublinhar o significado . ta alguns espetácu los, não dava nenhum resultado. Daí derivou o
q ue aque le teat ro tinha p ar a n ós. Foi dedica do um d ia in teirin ho p rimeiro problema: como transferir o próprio trabalho el abo rad o em
ao Teatro Ca mpo nês . Decid imos realizar um a im age m estereotipad a: sala para as novas condições de trabalhoteatral e de con tat o. Come-
um bem-vin do h olly w oodian o - como operação cr ítica reali za da çou -se por exemplo mudando o horário dos espetáculos: de manhã e
- qu e tornasse conscien te o grupo, m ed ian te a con traposição, d a não à n oit e, assim ficav a mais fác il conseguir-se o contato corri o
p art icu lar id ade de s ua p osição e d a força d e s ua ação. Coletamos ambiente."
en tre os cam poneses italian os as m ais sim p les ferramen tas ag ríco las, Na atmosfera do Fes tiv al podem se r in seridas m esmo tradições
alg uns ch apé us , e criam os p ersonagens com o uma solen e m ad on a orientais que a cultura ocidental usava em moldes enrijecidos . Che-
mexicana, ou a morte se gun d o as velhas representações a ráf icas de ' ga-se , p or exemplo, ao uso que foi feit o d o Kathakali n a rua, cujos
José Posad a: a mor te que é um símbolo ch eio d e significado n a men- at ores, além d e particip arem d os se mi nários d e trabalho, também
talidade e na trad ição cu ltural da Am érica Cen tral. Com a ajuda d e marcaram presença nas paradas e nos espetáculos coletivos, com sua
nossos am igos ar gentin os criamos com a im ag inação uma sín tese d o maquiagem e seus trajes d e cena, para ch egar a seu espetáculo não
Ca m ponês .A té tentamos, em três m inutos, tran smitir um res u mo d e com o a um ritual d a cu ltu ra e sim como a um ev ento d a festa teatral.
se us com por tamentos fu n d amentais. N ão uma totalidade fecha d a e sim uma cu ltura viv a, com at ores ca-
"Puzijna: Então não era so men te um tableau oioant. p azes de es tabelecer relações, se m compromissos com o especialis-
"Krukotoski: Não, m as partim os daí. Depois d e ter arrancado o te- mo ou com o folclore.
lão br an co que ocultava, para o grupo d o Camponês que avançava, a "Bacci: É preconceituoso acreditar que o Kathakali seja uma forma
pers.pectiva da ru a, revelou-se es te qu ad ro que fez com que - por de teatro elitista, e n osso Festi val tal ve z o tenha d emon strado. Por
um in st ante - eles também ficassem im óv eis ro sto no rosto com o ou tro lado o preconceito d eles consistia em se consid erarem comple-
num en quad rame n to; d epois, em m eio a risos feli zes, vier am adian - tam en te diferentes dos outros grupos; ainda assim ele s também são
te e começou-se uma dança. Infelizmente o público tam bém m is tu- a tores . Pela primeira vez participaram d e uma parada, tinham um
rou-se n esta si tuação. m edo en orme d e se m ovimentarem p ela s ru as an tes d o in ício de seu
" Puzsjna: Po r qu e infelizmente? . espe tácu lo.
"Krukotoski: Po rque con távamos com o fato que es te p rimeiro mo- "Krukotoski: Eu, pelo m enos no primeiro dia, estava assustado com
mento ter ia sido uma interação p uramen te teat ral, que aliás teve lu - es ta massifica ção d o Kathakali. Nunca o tinha vis to antes e a fama
gar durante tod a a duração d a parada a té o p alco on de o Camponês que o envolve me levava a uma es p écie d e devo ção, p rocurando uma
ap rese n tou se u espe tác ulo. Assim, por exem p lo, a morte d eles e a forma diferente de assistir ao esp etácu lo. O encontro da multidão ,
nossa d ançaram valsa por um bom tempo. A m oça qu e representava do fogo com este pequeno grupo d e atores foi com ove n te; de início
a morte d eles di sse qu e jamais ha viam sido recep cion ad os d aqu ela es tav a mais impressionado com o público d o qu e com a gran d e m es-
for ma. tri a d e se us m ovim entos e com o ritmo que queri a viv er in tens amen -
"Tauiani: O g ru po d e Po ntedera propôs esta con cepç ão d a cola bo- te. Depois me arrastaram, como a tod os, a liás : o Ker ala Kala Kendram
ração teatral, qu e na realidade é uma concep ção d e vid a, como f ór- tornou-se o grupo m ais p opul ar d e Santarcangelo. E se falamos d a
,
130 A TRADIÇÃO CONTEMPORANEA: TRÊS MODELOS E DUAS SITUAÇÕES A TRA DIÇÃO CONTEMPORANEA: TRÊS MODELOS E DUAS SITUAÇÕES 131

Santarcang elo 1978. Santarca ng elo 1978.


Teatro de Ventura Piccolo Teatro de Pontedera

Sant arcangelo 1978. Parada do Kathaknli. San tarcan gelo 1978. Labo ratóri o co m A ugusto Baal.

...
132 A TRADIÇÃO CONTEMPORÃNEA: TRÊS MODELOS E DUAS SiTUAÇÕES
133
A TRADI ÇÃO CONTEMPORÃNEA: TRÊS MODELOS E DUAS SITUAÇÕE S

Sani tarcange lo 19-/8 . Parada


, de boa s-vindas para o Tcall:o Call1p;siIlO.

San tarcang elo 1978. Tealro Potlach.


134 A TRADIÇÃO CON TEMPORÂ NEA: TRÊS MODE LOS E DUAS SITUAÇÕES
A TRADIÇÃO CON TEMPORANEA: TRÊS MOUE I.l IS I, I >I W ; ::I 11/1\1, 111 -', I I',

ati vidade lógico-semântica do Aka de mia Ruch u, do ll'atrll il.l!io lllll


po éti co e espetac ula r, eis qu e o Kathakali trouxe um tom airu l» ma is
diferente: d eu às pessoas a sensação de qu e as fronteir as da a rte siío
infin itas.
"Puzuna: Seu espe táculo duro u muitos d ias e eu assis tia todos os
d ias, fascinado. Ap rese n tara m d e modo muito inteligente uma de-
monstração dec omposta em fase s, fazendo com qu e os esp ectadores
assi mi lassem sua con ven ção e sua linguagem tea tral. Uma vez m os-
travam some n te o trabalho do corpo, das pernas, dos dedos, dos olhos
e dos músculos faciais sem m aquiagem e sem figurinos; depois o
mudra, os eleme n tos da música e um fragmento extraído do Ramava-
na irtterpretado por um só ator; no fim amplos fragmentos d o Ra-
nunjana e do Mahabharata com a p ar ticip ação d o gru po todo e com
toda a encen ação; e valia a pen a estar lá a cada noite, a cad a repre-
sen taçã o."
As par ad as eram de tipo bem dif erente d as qu e se rem et iam à
Commedia de/l'Arte às m editadas e sonhadoras (Pon tedera, Ventura,
Sant.arca ngelo 1 978~ Acima , e~que rda, Piecolo Teatro de Pontedera. À dire ita, So rr ia,
à
Tascabile): as grandes som bras p rojetadas sobre um telão qu e fecha-
Tea llo Tascabile de Bérgamo. Aba ixo, So rn b ras ch inesas do Teatro Potlach, va um bec o do Teat ro Po tlach ; a presen ça pasmada e en volvente, nos
m ercados e na s p raças, de Bust ric (Sergio Bini); o trabalho de 130<1 1;
os balões...
Uma reflexão que se dá a par tir da descrição de um crítico de tea-
tro (mas sensí vel e ab erto às n ovas situações e que chega a uma críti-
ca cons tru tiva quanto ao mit o pe rigoso deste Festival- a criativida de
d ifund id a d aq ueles anos) é a de Ugo VoUi: .
"Oi to m il lam parinas, velas fech adas em copos de vidro segundo
um m étodo tradicional, ilumina m o vilar ejo: delineiam os contornos
na igreja, sã o apoiadas às jane las das casas, pen dem no me io das
ruas em grand es e fantás ticos lu st res, circulam n as mãos das pessoas
qu e an dam, cerrad as, pa ra cima e par a bai xo. Nos p ontos m ais fre-
qü entados eri gem-se tabl ad os par a o trabalho d os atores, ligados p or
com p ridas pa ssarelas, pe las qu ais anda m bruxas e pregoeiros, m ás-
caras e tortas gigan tes.
"Além da s cos tumeiras barraquinhas de tira-gost os típ icos e de
melancia, ao lado d as cos tu meiras bu gigan gas m ais ou menos
hippies vendi das e com prad os p ela população jovem do festi val, sur-
giram um as barraquinhas onde se compra, a preço simb ólico, com ida
italiana ou polonesa ou cuba na . Cons eg ui r che gar lá, em m eio ao
assalto de m ilhares de pessoas é em presa deses perad ora, e não é muito
mais fácil ve r os espetáculos q ue os gru pos corresponden tes ap re-
136 A TRADlÇAo CONTEMPO RÂN EA: TRÊS MODELOS E DUAS SITUAÇÕ ES A TRADlÇAo CON TEMPO RÂN EA: TRÊS MOD ELOS E UUI\ S SITIJN ,'1IFS

sentam ao lado da comida, o Kat hakali sem maquiagem ou figurinos nham uma capacidade de trabalho em conjunto e de um fresco r 1101
- a nossos olhos enormemente mais poderoso do que o espetáculo relação com o público, Mas nesse teatro o trabalho de rua, a parada,
completo - ou as exibições gímnico-heróicas dos poloneses. Aqui e a clownerie, são algo muito distinto e de alguma forma complem en -
acolá uma companhia de coveiros recolhe ostentosa e simbolicame n te tar dos espe táculos 'verdadeiros ', onde um público limitado e envo l-
o lixo espalhado pelo público que não respeitou os apelos à limpeza vido bem in tens ame n te torna-se testemunha da 'cultu ra' autêntica.
entregues a irônicos gritos pseudofeudais; acontece um burlesco "Sem falar dos gru pos isoladamente, alguma outra consideração
enforcameno de bonecos ou a premiação de uma loteria; passam cor- faz-se necessária.Antes de tudo o público, Sociológica e politicamente
tejozinhos de músicos criativos e pessoas com a cara pintada de bran- não muito diferente do do Umbria [azz ou do Parco Lambro de dois
co e de verde, en tretidas em im prováveis atividades. an os atrás, a massa de jovens que povoa Santarcangelo é igualmente
É o banquete, a última noite dedicada a um tema deste festival rica de sleepings e viol ões, baseados e caprichos criativos insatisfeitos.
antes da festa final, dia 29. Agora a manifestação assumiu um ritmo Que até agora não tenham ocorrido acidentes certamente não é puro
mais normal, mesmo que decididamente diferente do de um festival acaso: a hospitalidade da popula ção ("sentimo-nos aceitos", é a ex-
tradicional: à noite três ou quatro espetáculos com preço mais ou plicação de alguns), o caráter não comercial da m anifestação, a tab ela
menos simbólico, durante o dia os seminários. Claramente, os espe- reduzida de preços dos ingressos e sobretudo da alimentação, as es-
táculos não são m u ito distantes da impostação geral dofestival: tra - truturas abertas.
ta-se dos produtos do s grupos da área cultural do Terceiro Teatro , ou "Permanece porém o contraste impressionante en tre um grupo de
então de algum exemplo internacional de teatro pobre e popular que jovens, os atores, qu e dão duro e treinam diariamente para encontrar
se apresenta pelo circui to de verão, de demonstrações dos "mestres" formas de expressão originais e não es tereótipos de seus problemas,
em que se inspir a hoje o teatro de grupo: os Colombaioni para a e uma massa de coe tân eos seus com os me smos problemas, a mesma
cloumerie, Made Djirnat para a dança balinesa, Krishnan Nambudiri cultura de base e condição econ ôm ica, que tende, ao contrário, a ba-
para o Kathakali." nalizar toda a forma de diferença num sentir-se bem juntos, gruden-
O crítico de tea tro vê o teatro difuso mas procura captar, nas dis- to e sempre igual, dançando a tarantela ao som da música dos atores
tinções das análises, o verdadeiro teatro qu e con tém . Em outras in- Kathakali ou contracenando em qualquer proposta, Não há , enfim,
tervenções falará dos es p e tácu los isoladamente; nesta visão d e continuidade 'cr iativ a' e mera diferença técnica en tre ator es e públi-
con junto, que se gu e a lógica de proj eto e execu ção do festi val, volta co neste fest ival, como desejaria' certa ilusão bast ante demagógica ,
porém à capacidade dos grupos d e criar cultura teatral e aos espe tá- perceb e-se, ao con trário, é só querer en xerg ar, a d iferença radical en tre
culos brotados da colaboração e organização dos grupos. E daqui 'cria tivid ade' e trabalho paciente e humilde da criação."
ainda ao contexto que parece conter e justificar o sentido do festival,
a criatividade difusa daqueles anos. Mas capta as diferenças e esta~
belece distinções: é o teatro que ocupa a cidade e a surpreende de
sentidos e possibilidades.
"P ara os esp etáculos que vão apresentando ne ste s dias os gru p os
Potlach de Para Sabina, o Tascab ile de Bérgamo, o Piccolo de Ponte-
dera e o Teatro di Ventura de Treviglio, só para citar alguns nomes,
são interessantes para verificar se ao crescimento organizativo e 'po-
lítico' des te teatro do qual Santarcangelo é o melhor exemplo, tam-
bém corresponde um d esenvolvimento 'artís tico' , uma ma is rica
capacidade expressi va, uma 'cultura' m ais precisa e articul ad a. O
s ucesso dos gr an des 'espe táculos coletivos' da p rimeira sema na , a
..
noite d o fogo e a do banquet e, o tea tro em vertical e a feira , test emu-
UMA TRADIÇ ÃO POSS~VEL

PODEMOS fazer o balanço. Lembramos (cer tamente não analisamos)


três altos exemplos e duas situaç ões ita lianas significativas para
mostrar as modalidades em que exis te uma trad ição con temporânea
em que o tea tro de ru a tem sentido . Trat a-se de escolhas parciais,
m esm o em sua exemplaridade, e por tan to inj us tas em relação a ou-
tras rea lidades e experiências tam bém d e grande relevo; e inadequa -
d as em relação ao am plo e rico contexto que se po deria reevocar. São
porém suficientes (e, em si, plenamente válidas) p ara lembrar como
m otivações e moda lidades diferentes confl uem n o teatro d e rua em
sua concepção mais abrangen te e mais teatral; o rac iocínio corre o
risco de se acha tar quando se torn a apenas soc iológico e se limita a
u m a busca de sen tido do teatro de rua no público ou na cidade , da
mesma form a que se torn a complexo e fértil quando se coloca o tea-
tro de ru a den tro d o teatro. Enxerga-se-o assim como uma ex trema
po ssibilidade, não so me n te nas técnicas, bem com o n as verificações,
n a "prova" d as capacidades d os atores e d o d iret or. Mesmo aqui,
como na trad ição do século XX, o tea tro de rua não é outro tea tro: é
outra situação d o teat ro, que coloca em risco as pesquisas "secretas "
e os valores d o teat ro.
Em ar tig"o en titu la do "Sem Ilusões", publicado n o n ." 9 d a revis-
ta Rinascita em 1978 (o m esmo ano d o fes tival d e Santarcangelo, d o
qual já falamos), Eugenio Barba escreve:

Rinasciia foi a revis ta po lítíco-cu lt ur a l d o .Partid o Co m uni s ta Ita lia no , n.d .t.
...
139
U MA TRADIÇAO POSSíVEL 141
140 U MA TRADlÇAO POSSíVEL
rat órios' são, n a realid ad e, o exem p lo d e núcleos teatrais aptos a de-
" É n ecessária, p ar a o tea tro, uma política d e risco . senvolverem uma ati vidade articulada e múltipl a ali onde o teatro
"O teat ro ain d a constitui uma ve rda deira n ecessid ade cu ltural? tr ad icionalm ente conce b ido - independentem ente de su a intenção
Quem sabe o que es tá acontecendo n a Itália e em outros países do d e es tar a seroiço - n ão poderia sequer, nem d igo servir, m as en trar.
m un d o, especialmen te en tre as n ovas gerações, sabe que ao en con tro [ ...]
com o teatro ve m sen d o d ado um sen tid o tot almente n ovo . N ão a "A escolha está en tre projet ar e d escobrir. Entre a escolh a de uma
necessidade de receber teatro, mas a n ecessidade de fazer teatro, isto é, n ova ret órica que não poderá deixar de ser, ainda, perdedora, e o risco
de se criar uma nova relação como ator e como espec tador. meticulosamente corrido ao se dar apoio a iniciativas que parecem
"Nesta fórmula pode ser resumida a transformação profunda que bro tar como aven turas p articulares, como sonhos individualistas e a-
o teatro es tá sofren d o. Poderíamos in vestigar em d etalhe as tentat i- sociais, e qu e no entanto - por um paradoxo que a história de nossa
vas que os id eólogos, os cr íticos, os profissionais e os professores cultura n os re vela com excess iva clarez a - freqüentemente têm con-
fizeram, durante an os, para ignor ar e com bater es ta sim p les ve rda- di ções d e se transformar em vozes e a ções socialmen te viva s" . Senti-
d e: que o teatro havia p erdid o se u caráter de uso profundamente mos um fascínio, es tranho e am bíguo, em saber qu e em algum lu gar
funcion al para uma d et ermin ada cole tivi dade ou para uma d etermi- alg ué m realiza um festival de teatro de rua. O fascín io nasce claramente
nada cla sse social. Esta situ ação foi ocu lta da p or elab orad as in crus- d e uma "con sciência p esada", da ideologia que vivem os d e um teatro
ta ções es té ticas e ideoló gicas, que tanto mais presumiam uma capaz de procurar os próprios pilares numa busca d e sentido, que não
utilid ade social e revoluc ionária d o teat ro, quanto m en os o teatro d eseja lim itar-se a vive r e cresce r no in terior de uma reconhecida e
tinha, de fa to, a possibi lidade d e influenciar concretamente a reali- preservada zo n a d a socie d ade - a arte do teatro; um teatro que
dade circ unstan te. p rocura o lugar p ar a o qu al faz sen tido ir e as p essoas p ar a as quais
"As inc rustações er am, n ão raro, pérol as. Mas a p érol a crescia ao tem algo a dizer, que é uma sit u ação social no interior d a socied ade e
redor d e uma ferida qu e se d esejava escon de r: que viva o u que m or- vai para onde as pessoas vive m . Nasce do fascínio de um teatro políti-
ra, o teatro - em su a imagem d e lugar d e uma tradição ou de uma co e de um teat ro existencial; e também, afinal, da festa (no sentido
expe rimen tação cu lt ural - tanto faz. , mais usual do termo). Mas a fascinação nasce também do valor que
" [Teatro n ão é uma n ece ssidade d a socied ade d e hoj e, o é sim para tem, em nosso sécul o, o teatro de rua como teatro: por ser uma situ ação
qu em se comp romet e com ele e consegue assim d eix ar um rastro à "ex trem a" e difícil de trab alh o; p orque oque con ta nela é a cap acid a-
sua volta. ] . de de se ter "p resença" e d e con quistar uma atenç ão qu e n ão é pred e-
"Então, qual é a p olítica cu lt ural d e que o fu turo do teat ro necessi- terminada; porque coloca à vista os mecanismos d ramatúrgicos e as
ta? Uma p olítica d e risc o. técnicas de representação; porque se insere numa realidad e em qu e
"Seria absu rd o, com base nas si tuações, nos desejos ou na s exigên- n ão foi justificado a priori e recebe reaç ões diretas de acolhida ou de
cias do presente, proj etar n ov a organiza ção futura do teatro. Todas as recusa. Este gênero poder ia d esencadear análises de tipo mais técn ico
vezes que iss o se d eu - a hi st ória do teatro assim o d emonstra - a ou profundo (psicológicas ou sociológ icas); preferimos insistir em
tentati va resolveu -se num falimento, em papo-furado, ou sobre tu do vê-lo do ponto d e vis ta d o teat ro.
na jus tificação pa ra sufo car as vozes discordantes ou d esafinadas. O teatro d e ru a é, para o teat ro, uma d emonst ração (u ma necessi-
"Trata-se d e aceitar o que h oje p od e parecer sombrio ou isolad o. d ade d e m ostrar) d a exis tência p ossível d e um se n tid o e d e um valor
N os p r im órd ios dos anos 60, quando comece i a faz er teatro, os p roje- do teatro. H á fases, na hi stória dos tea tro s .e no percurso dos homens
tos dos id eólog os en de reçav am -se para o teatro como serviço me tro- de tea tro, em que no trabalho são mais importantes a p esquisa e o
p ol it ano, p a ra as sa las de 2.000 lu gar es. Os 'labora tórios ', en tão, aprofundamento. Os teatros en tão olham para dentro d e si próprios,
sofriam oposições, ou então eram aceitos por uns poucos e somen te fech am -se so bre si m esmos, a tira m para o próp rio círculo for ças e
para o reconhecimento da utilidade d e uma experimen tação árdua for mas exp ressivas, exigên cias e es pec tadores; a tuam processos d e
porém m argin al, d e uma experimentação sobre a lin gu agem muito conservação e elaboração d e m eios e fins expressi vos, p õem à obra
refinada, muito 'difícil' . H oje m uitos deram-se co nta d e...qu e os 'Ia bo -
-
142 UMA TRADIÇÃO POSSÍVEL

" CLARIVIDÊNCIA
)
TEATRO DE RUANO BRASIL
;.:
FERNANDO PEIXOTO
Da circu lar do Min istério do Turismo e do Espe tácu lo, n." 11, 1988:
;; Intervenções a favor da atividade do tea tro de prosa, ar t. 2 (fina l): "Aos
,; fins das int ervenções previs tas na presente cir cular são levadas em consi-
;; deração as represen tações em públ ico e, em gera l, as manifes tações às
:.1 qua is quem qu e r que seja possa ter acesso com a compra do ingresso ou Em memória de três inesqu ecíveis
;1 com ass ina tura" . . am igos, figuras d e destaq ue d o
E o teat ro de rua ? teatro de rua no Brasil:
João Augusto,
Wanda Femandes e
Mariano Antônio Ferreira

percursos de descoberta e aprendizado e experimentação . É uma fase


preciosa de formação e de fundação de sentidos e valores. Pode ser Festas populares, CPC & Boal
uma situação não feliz ; mas, com o foi dito, o carvã o oprimido po r
toneladas de rochas não é certamente feliz, mas é assim qu e se for- No BRASILo teatro de rua est á nas raízes das mais autênticas manifes-
mam os diam antes. tações da identidade cultural nacional, ponto de partida essencial
Há fases diferentes, n as quais as capacidades adquiridas e os para Uma compreensão da poesia popular e de um processo cultural
sen tidos/valores conquis tados perm item e pedem para serem p os- específico. E são espetáculos que utilizam as mais di versificadas lin-
tos à prova, para consistir n o con fronto com o exterior, para procu- guagens, uma excluindo a outra ou integrando várias, como a dança e
rar relações com esp aços e pessoas não já predeterminados. Têm-se o canto, a presença de atores ou o teatro de bonecos (cham ad o mamu-
certezas, técnicas e espiritua is, que devem tomar forma no risco de lengo em Pernambuco e joão-redondo na Paraíba). Um un iverso de in-
uma relação, daquilo qu e não se conhece: que devem revela r inca pa - venção e fantasia como o bum ba-meu-boi (auto pastoril corri. diálogo,
cida des e debilidades, poten cialidad es e eficácias. Mesm o es ta é uma dança e canto), o fandango, a ciranda, os bacamarteiros e tantos ou tros.
fase preciosa de de fin ição e de constituição de sen tidos e de valores. Toda uma linguagem cên ica tradicional que confi gura uma heran ça e
Os teatros d e ru a, nas d iferentes indicações da tradição contem - mesmo uma influência marcante nos passos iniciai s de alguns grupos
porânea, não são some n te um "gênero" d o teat ro; são an tes uma de teatro de rua no Nordeste em anos bem mais recentes, que partiram
situ ação dos hom ens que fazem teatro. Têm algumas exigências de desta fonte rica e inesgotável para buscar uma linguagem atualizada
base (sere m vistos , ouvidos, chama r a atençã o, dominar uma recep- e inventiva. Vinculado a estas bases populares ou partindo de outras
ção a princípio e tendencialm ente dis traí da; e tomar ade qua dos di- inquietações, incorporando técnicas de representação com o cloum do
feren tes espaços, revelando suas potencialidades exp ressivas ou de circo ou a commedia dell 'arte italiana, às vezes mesmo partindo de
relação sem ficarem op rimi dos ou d iminuídos p or eles; etc.). Mas experiências mais contemporâneas, como os processos de encenação
necessitam , acima de tudo, como teatro, de motivações profund as e representação de Brecht ou as investigações do significado do ator
e de acei tar o risco do con fro n to na ru a. São, para o teat ro q ue vi ve- desenvolvidas pelo teatro antropológico de Eugenio Barba, o teatro de
mos, uma tradição possível. rua, no Brasil de hoje, é uma das manifestações mais vivas e significa-
tivas da arte cênica naci onal. Até mesmo porque o trabalho de rua
implica uma organização econô mica mais fácil do qu e as realizações
em sala s, assim como tem permitido, de forma mais conseqüen te, a
143 ·
144 T EATRO DE RUA NO B RASIL
T EATRO DE RUA NO B RASIL 145
existência efe tiva de um "coletivo d e trabalho", um teatro de grupo,
se m dúvida a forma m ais produtiva de criaç ão teatral. tura (CPC)da UNE, n a busca de um teatro de agitação e propagan-
A rua tem sido a opção de muitos: di retores e atores que, por da nas ruas. Muitas vezes nas esqu in as, às pres sas, antes que a po-
razões artísticas e / ou id eol ógic as , se n tem a necessidade d e um en - lícia ch egasse. E o CPC desenvolveu uma dramaturgia d e p eças
contro efetivo com um público popular nas praças ou nas ruas por cu r tas p ara serem m ostradas n as ruas às vezes em carretas e cami-
meio de espetáculos anunciados e com lugar programado, ou de nhões: textos deOduvaldo Vianna Filh o ou Armando Costa ou Au-
es p etácu los que surp reen dem o espectador que sim p les men te atra- g us to Boal, entre muitos ou tros, buscando um d iálogo inc is ivo
vessava a praça ou a rua em passeio ou em trabalho. E que se de- acerca d e questões so ciopolítica s da atualidade m ais im ed iata, d es-
fronta com o inesperado. O esp aç o cênico é uma d as buscas mais cen d en tes no Brasil dos esp e tácu los d e agitprop d e ru a que tiv e-
inquietas do teatro contemporâneo. Sua escolha ou ac eitação d e- ram es pecial vigor n as vésperas da Revolução So viética e n os anos
termina não apenas aspectos d e ordem física, com evidentes conse- que anteceder am o nazismo na Ale m an h a. E A ug u s to Boal , p or in -
qüências es té ticas, mas ig ualmen te de ní vel social: numa so ciedade terméd io d e alg u mas das m ais in sti gantes técnica s d e seu Tea tro do
dividida em classes, os que se propõem a um teatro de participação Oprimido, at é os d ias d e h oje busca as ruas e praças para rea liza r
sociopolí tica mais diret a, recusam, freqüentemente, os es p aços tra- seu " tea tro fórum", no qual a aç ão é interrompida pou co an tes do
dicionais p ermitidos ou "oficializ ad os" e buscam as sa las ou a ud i- d esfech o p ar a o p úb lico se r convid ado a integrar-se n o es petác u lo
tórios d e sindicatos, as portas de fábricas ou as praças e as ruas, e as sumindo a construção do final que lh e parece mais certo, ou seu
muita s vezes as da p er iferi a, das vilas populares ou dos ba irros - o " tea tr o invisíve l" , em q ue o es p ectador não sabe que é espectador
povo não vem ao teatro, é o teatro que vai ao povo. Mas n ão é d e uma ação ensaiada previamente. Sem dú vida o Tea tro do Opri-
exclusiv am en te para um teatro de intenções políticas que o teatro mido d e Boal, g ru p o que h oje ex is te n o Rio de Janeiro, realiza um
de r.ua é realizado: o objetivo pode ser também apenas o d e provo- tra balho in édito: Boal é ve reador e se u gru p o tr az p ara as ruas a dis-
car instantes de d esenfreado humor e alegria, uma festa d e partici- cussão viva e polêmica dos p rojet os e do que se passa dentro da Câmara
pação col etiva e desenfreada comicidade utilizando co mo p onto Municip al do Rio, provocando uma discussão ab erta e democrática
de partida a sá tira ou a reprodução absurda do cotidiano. São infi- que p ode se r igualmente in corp or ada ao se u tr ab alho n o plenário
nitos os caminhos e as possibilidades de criação em n ível d e dra- com o p olítico.
maturgia e encenaçã o, de " ritu aliza ção" da representação o u do Ma s fala r d e teatro brasil eiro pen sando ap enas em Rio e São Paulo
improviso dos atores em razão da reação e da comunicação com o é um erro, ao m esmo tempo que conhecer com p recisão tudo que se
público, as sim como da integração ou não da platéia à estrutura passa em todo o pais, para uma análise crí tica ma is rigorosa e abran-
narrativa do espetácu lo. Nas ruas, em espaços ab ertos e improvi- ge n te é p rat icament e im possível. O cer to é que o teat ro existe em todas
as re giões e mu itas vezes p ossui, cada um d elas, as pectos e caracterís-
sa~ os, utilizando-se ou não da arquitetura própria do lugar esco-
lhido, em coretos ou con ch as acústicas, em comícios ou em m eio a ticas específicos e con trad itórios . E em todo o p aís exis te, com especial
feiras populares, com o público em forma de roda ou espalhado, vigo r d e in ven çã o e com u nicação, o tea tro d e rua. Vam os no s lim itar a
m en cionar al guns d os gru p os mais co nhecidos em n ível nacional,
em p é ou sentado no chão, ou caminhando com os intérpretes que
en tre muitos ou tros, que desenvolvem um trabalho con tín u o e p olêmi-
deslocam a ação do es p e táculo no esp aço, em clima d e circo ou fes-
co, às vezes ex clusivamen te nas ru as e espaços alternativos, às vez es
ta popular, são inúmeras as possibilidades de expressão e inven-
alternando seus trabalhos en tre rua e sala d e es pe tácu los , também
çã o. Cada um, a partir de s ua proposta, repete fórmulas ou arris-
m esclando técni cas diferenciadas, in co rpora n d o a lin guagem da rua
ca-se ao mergulho no desconhecido. A rua permite um confronto úni-
à sa la e vice-versa.
co e específico.
Na história d o mais recente teatro brasil eiro, cumpre ressaltar,
"Vento Forte" e "Tá na Rua"
por exem p lo, o trabalho desenvolvido, entre 1961 e 1964, in terr om p i-
do pela v iolênc ia d a ditadura militar, pelo Centro Popular de Cul-
Particularmente ex p re ssivo quanto à poética da en cena ção e à
146 T EATRO DE RUA NO BR ASIL T EATRO DE RUA NO BR ASIL 147

form a d e representação dos interpretes, promovendo nas ruas ver- mento teatral d e todos os tempos. O mundo se pôs em movim ento e
dadeiras festas populares d e in tegração en tre público e a tores, com o d os escombro s de uma imagem cristalizada do artístico, d o es té ti-
o espetáculo Um Rio que Vem de Longe, é o Teatro Ventoforte, hoje co-cultur al, do limpo e do correto, aflorou uma torrente irresistível
com uma sala de esp etáculos na cidade d e São Paulo mas criado d e alegr ia, de festa e esperanç a, d e sexualidade e saú de , d e utopia
em 1974 no Rio de Janeiro pelo argentino 110 Krugli, qu e há muitos reali záv el, de transformação possível, de consciência e crescimen-
anos reside em nosso país, uma das personalidades mais marcan- to. Navegan d o nest e generoso rio d e sentimentos e afetos libera-
tes do teatro de grupo no Brasil. Realizando es pe tác u los para do s, es tam os encon trand o resp ostas a nos sa s per guntas e fazendo
crianças e adultos, em salas ou nas ruas ou nas comunidades popu- um teatro com prazer e humor, capaz d e di scutir sem pudores a
lares, 110 es tá sem p re em busca d o n ovo. N u ma entrevista a Paulo real id ad e em suas con tradições" .
Rosa, afirmou que, en tre os ep isódios que marcaram sua formação O grupo nasceu a p artir d e um n ecessid ade d e in vesti gação e
tea tral em Buenos Aires , sa lien ta a p articipação num m ovim ento d iscu ssão da lin guagem cênica e d o sig nificado. ar tís tico e social
d e teatro d e bo necos que nasceu numa pa ssagem d e García Lorca d o fazer te atra l, es tu da nd o tamb ém as relações ent re teatro e po-
pela cidade em 1936: "Esta exp eriência me em p u rro u a uma cami- d er, arte e ideologia. A rua su rgiu com o possibilidade concreta de
nhada pela Amé rica Latina - processo que d eu no Ventoforte. Cami- análise do espaço, em busca d e respostas p ara uma discu ssão das
nhada que determinou minha chegada e integração ao Brasil" . E relações entre ator e es pectad or, di scussão est ética mas igualmente
ainda: "Q uan d o eu viajava há trinta an os p ela América Latina, m e política.
deixei seduzir pela vivacidade da expressão da festa na rua, no fol- Numa entrevista ao jornal Inverta, Amir Haddad afirma, acer-
guedo, o autor popular, que faz acontecer todos os mistérios na pró- ca do encon tro teatro e povo na rua: "Depois que a gente começou
pria rua, ma s sem mistificações..." ! a faz er teatro de rua, veio uma avalanche d e informações, muito
Foi também em 1974, no Rio de Janeiro, que surgiu um dos gru- maior do que a gente pensava que fosse ter. Essas informações nos
pos mais expressivos do moderno teatro brasileiro : o Tá N a Rua, levaram a pensar na qualidade do esp etácu lo, na natureza do es-
organizado por Amir Haddad (um dos jovens que em 1958 cria- pectador, o que é saber, o que é ignorância . Po rque a gente achava
ram, na Faculdade de Dir eit o de São Paulo, o grupo de teatro ama- que uma platéia de burgueses, de classe m édia, era melhor in for-
dor Teatro Oficina, que se transformaria numa das companhias mada que o público de rua e de repente o público de rua dava
profissionais mais significativas de nossa prática teatral. O Tá na respostas como quem tinha assistido teatro milênios" . Daí nasceu
Rua mantém em seus espetáculos um acentuado caráter lúdico, uti- a ne cessidade de repensar o teatro como forma de expressão do ser
lizando as mais diferentes técnicas de composição e comunicação humano, uma reflexão sobre um teatro que era feito ap enas para
da comédia responsável e contestadora, buscando um teatro popu- uma classe social, o que provocou uma desmontagem d a lingua-
lar que incorpore uma linguagem narrativa dialética, voltado para gem: " a gente começou a perceber toda a estrutura, o arcabouço
provocar a consciência do espectad or para inúmeros aspectos de ideoló gico do teatro que a gente fazia" . Foi uma re velação e um
se u cotidiano político, so cia l e econômico. O grupo busca o po vo d esafio: "Tive m os que entrar em contacto com nossa própria igno-
das ruas para estabelecer um diálogo útil para os dois lados. No rância para aprender com o povo da rua, com o povo que talvez não
texto publicado em um d e seus programas, o coleti vo do Tá na Rua tivesse escola, que es tav a no s ensinando demais. Tivemos que mu-
escreve: "Descob rim os no encon tro direto e lúdico com o sentimento dar no ssa postura diante da vida, Em-par a ideologia que formou
popular, a liberdade, o movimento e a vitalidade que envolvem a no sso afeto e nossa estrutura psicológica, mexer na educação pro-
todos nós e que se expressam mágica e poeticamente no aconteci- funda que a gente recebe desde que nasce, sem falar na escola, na
universidade, no delegado , na polícia, no Exército e no Presidente
da República, pois tudo isso educa a gente . Tivemos que nos dese-
I Ent rev ista parcialment e publicad a na revist a Máscara , ed itada em Ribei rão Preto ducar. Tivemos que fug ir da for ça con tam ina n te e poderosa da mí-
pe lo "Mo vimento Brasi leiro d e Teatro d e G rupo", núm er o 2, junho de 1993. dia, do s meios d e co m uni caç ão , qu e também d et erminam qu al é a
148 T EATRO DE RUA NO B RASIL T EATRO DE RUA NO B RASIL 149

moda, qual é o procedimento, qual é o sen timento, o que voc ê tem Espírito de Nosso Te mpo, d e 1994. Ao m esmo temp o o gru p o tem-se
qu e ser", em penha d o num trabalho de ru a qu e ass ume abe rtam en te a re tomad a
Em um texto que escreveu, "Teatro: Magia Sem Mist ér io", Am ir d e um teat r o p olítico que ins tiga e p ro voca a cons ciên cia crit ica,
afirma: O trabalho n as praças e nas ruas é essenc ial para qualquer utilizando p er sonagens em pernas-de-pau ou b onecos gi gantescos,
pe ssoas interessada realmente em algum a transformação social. É o humor e a d enúncia a serviço de uma participação corajosa na
ali que es tá o con h ecime n to vi vo que transforma qualquer teoria em "abertura de uma reflexão d emocrática e p ro gressista, rara no teatro
p rática". E ain da: "Eu me transformei, e me u tea tro comigo. A brasil eiro d os di as d e hoj e, que ch egou a coloca r na rua um texto
sens ação d e que o teat ro era uma ar te m or ta e sem saída, ou p elo com o A Exceção e a Regra de Bertolt Brecht, em 1987, ou adaptação
menos agonizante, desapareceu completamente. H oje acredito n o livre da peça Revolução na América do Sul d e Augusto Boal intitulada
teatro mais do que nunca . A cre d ito no teatro com o a n ecess ár ia A Históriado Homem sem Conhecer Seu Grande Inimigo, produzida em
arte do p resen te e a possível arte do futuro . Descobrimos trabalhand o 1988, ou re tomou um texto ex em pl ar do CPC, Deus Ajuda os Bão d e
n a rua p ossib ilid ad e de vid a lon ga para o teatro, p orque d escob rimos Arn aldo [abo r, traz endo a a ção para os assusta dores tempos d o
o teat ro se rvindo a p art e d a p opulação e a de cada um d e n ós que traz governo Collor, assi m como desenvolveu uma d ramaturgia própria e
em si as es peranç as de um mundo melhor e mais equ ilibrado. Não vigorosa em espe tác u los de rua como Os Três Caminhos Percorridos
m ais um teatro agon izante para um grup o sem saída e sem p erspecti- por Hon ôrio dos An jos e dos Diabos e Se Não Tem Pão, Comam Bolo,
vas, um grup o também agon iante. Um teat ro p ossível para um futuro cr iações coletivas rea lizadas em 1993. O p rim eiro, uma vers ão livre
possível". " d e uma peça d e João Siqueira, saga d e um lavra dor que exp u lso da
Ilo Kru gli e Ami r Haddad já participaram, como coo rde n adores sua terr a chega à cidade gran de e se tr an sform a em líder operário; a
d e oficina s de oficinas d e trabalho cênico de ru a e com as com un ida- segun d a assumindo com o referência in icial uma fra se da rainha
d es populares em enc ontros p romovid os pela "Escola In ternacional Maria An ton ie ta, da França, e recorrendo aos fa tos histór icos para
de Teatro da América Latina e do Ca ribe" em Cuba. penetrar no cot idiano brasileiro atual, di scutindo tanto a fome quan-
to a opressão, a co rru pção e a vio lênc ia an tidemocrá tica da cla sse
"Ói Nó is Aqui Traveiz" política, e isto p or in ter m édio d e sa ltim ba ncos e contad ores d e hist ó-
ria que, como afirm a o gru po numa nota publicad a num programa,
Igualmente fascinante é o trab alh o de p ermanente busca de uma " de uma forma s a tíric a e div ertida can tam p ara o povo, nas "r u as, o
lin guagem cênica aprofundada no terreno id eológico e artístico d e- que a socied ade burguesa procura escon der: a luta d e cla sse s" . É
se nvolvido d esde 1978 pela Tribo de A tuadores o.
Nóis Aqui Traveiz d e também de 1990, o m esmo ano de A ntígona, a cri ação d e um trabalho
Por to Alegre : em espetácu los em s ua sala, o caminho tem sido o d e rua fascinante p ela força teórica e p ela teatralid ade, um espetác u -
m er gulho na análise d a cond ição hum ana p or m ei o de uma lin gu a- lo sem pala vras, apenas deslumbrantes movimentos d e corpos e
ge m teatral extremamente rica em sí m bolos e metáforas, ous an d o a máscaras, a Dança da Conquista que, segundo o grupo, "coloca em
in vestigação de uma comunica ção p ene trante com o público como cena o maior ge nocíd io da his tória da humanidade: a con qu ista da
Fim de Partidad e Samuel Beckett em 1986 ou Ostal (po uc os espec tado- Am érica pela Europa colonizada . Genocídio d e que so m os todos
res ao re dor d e uma cama num peq u en o qua rt o, p rodução d e 1988) h erdeiro s, test emunh os e juízes", e ain d a: "Qui nhen tos anos d epois,
e An tígona, Ritos de Paixãoe Morte, d eslumbrante p esquisa d e es p a- assis tim os nossa so cie d ade p ermitir que se le ve adi an te um ve rd a-
ço e lin guagem cên ica, em 1990. Ou, mais recentemente, uma ver- deiro extermínio em massa da nação ianom âmi, último foco de
são cria tiva resultado d e uma pesquisa corajosa, M issa Para A tores presença au tên tica, in tocad a, do índio em terr as da Amér ica" .
e Público Sobre a Paixão e o Nascimento do Dr. Fausto, De Acordo COI1/ o Começando a produzir n o início de 1978, o gru po ga úcho foi for-
mad o p or um grupo d e artistas e es tudan tes d e tea tro ins a tisfeitos,
z "Am ir Hadda d Ta na Rua", entrevista publicada pelo jorna l lin xrta , d o Rio de segun do eles, com o teatro e com o se u aprendizad o. E preocupados
Jane iro, nas ed ições de 1." iI 15 de m ar ço de 1994 e 16 a 31 d e mar ço de 1994. com um trabalho que res pon desse ao momento social: "Des de o in ício
"
150 TEATRO DE RUA NO BRASIL TEATRO DE RUA NO BRASIL 151

esteve ligado aos movimentos populares: a busca em sair do circuito melho e no azul. Tudo isso apresentado de forma como habitua-
habitual do teatro e realizar um teatro mais eficaz, um teatro de comba- mos a ver a vida e a arte. A culpa desde espetáculo é do Pastoril, do
te, presente no dia-a-dia da cidade, levou o grupo a atuar nas ruas". E Mamulengo, dos Dramas Circenses, dos palhaços, do carnaval, do
assim o 6i NóisAqui Traveiz vem participando em manifestações ecoló- Candomblé, da novela do rádio, do desenho em quadrinhos, enfim,
gicas e antimilitaristas contra o uso da energia atômica, as intervenções a culpa é do Brasil".
teatrais surgem em portas de fábricas e nos protestos contra a violência LindolfoAmaral, figura-chave do lmbuaça, ator e diretor, refere-se
política e econômica que sufoca os trabalhadores ou em atos contra o às manifestações, de caráter religioso ou pagão, identificadas como
extermínio indígena e contra a violência contra operários, contra o FMI populares e presentes no menor estado brasileiro, Sergipe: "A bata-
ou o perigo nuclear. Desde 1988 o grupo vem igualmente desenvolven- lha dos lambesujos e os caboclinhos, apresentações das cheganças,
do projetos como o "Caminho Para um Teatro Popular", criando um reisados, guerreiros, cacumbis, nas festas de reis, em diversas cida-
circuito regular de apresentações em ruas, praças e vilas populares, des do interior sergipano, bem como outros folguedos do ciclo ju-
viajando pelo país, em encontros e festivaís.:e também o projeto "Teatro nino (batalha do busca-pé, samba de coco, o mastro). Essas mani-
Como Instrumento de Discussão Social", que procura despertar a orga- festações invadem as ruas, praças, e o povo se aglomera, atento, ao
nização de grupos culturais nas periferias por meio de oficinas em vilas desenrolar da brincadeira (nome atribuído às manifestações, pelos
e bairros longe do centro. seus participantes). "E assim surgiu o Imbuaça, seus fundadores tendo
Beckett e Brecht, o ser humano em sua condição metafísica trá- participado de diversas oficinas de teatro que os levaram a criar o
gica ou vítima da luta das classes, a análise poética e crítica do grupo (o nome é uma homenagem a um artista popular, "embolador",
indivíduo ou do coletivo: caminhos e opções aparentemente con- assassinado em Aracaju. Mas nasceu de uma influência precisa: em
traditórias mas que se completam num trabalho teatral de criação setembro de 1977, no Festival de Arte de São Cristóvão, promovido
coletiva que não se detém diante do já alcançado, mas que busca pela Universidade Federal de Sergipe, apresentou-se o Teatro Livreda
penetrar sempre mais fundo em sua inquietação e perplexidade, Bahia dirigido por João Augusto (falecido em 1979), que realizava um
transformado em instrumento de reflexão e conscientização social trabalho extremamente criativo a partir da literatura de cordel, desen-
e de combate à colonização e às massificações culturais. volvendo assim uma dramaturgia específica, intimamente vinculada
às tradições culturais do povo do Nordeste brasileiro. A respeito de
"Imbuaça" e "Galpão" João Augusto, informa ainda LindolfoAmaral: "Em Salvador, partici-
pou da criação de diversos grupos de teatro. Fundou o Teatro dos No-
Enquanto este trabalho cresce a cada dia em Porto Alegre, no Sul vos, em seguida o Teatro de Cordel e, por fim, o Teatro Livre da Bahia.
do país, o mesmo acontece no Nordeste, com outras características, Porém, nenhum desses grupos surgiu com a perspectiva de fazer tea-
mas igualmente fascinante pela criatividade de invenção e perma- tro de rua. Isto só veio a acontecer em 1976 quando o TLB participou
nente resgate da cultura popular, como é o desenvolvido em Aracaju do Festival de Teatro de Caracas, onde surgiu a idéia de trabalhar na
e Sergipe, pelo Grupo Imbuaça, que também surgiu em 1977 e desde rua, a partir de experiências vivenciadas com outros grupos:".
então já encenou cerca de vinte textos de literatura de cordel, sem se Lindolfo acentua a importância do trabalho do TLB: "em um pe-
limitar a resgatar uma tradição do povo mas igualmente investigan- ríodo em que diversos autores tinham seus textos vetados, corta-
do uma comunicação intensa e inesperada, como emA Farsa dos Opos- dos, autores/ atares viviam no exílio, o Teatro Livre da Bahia trouxe
tos, que é uma possibilidade dialética de compreensão das relações de volta às ruas o teatro; devolveu à rua a literatura de cordel; le-
humanas por intermédio da representação dos contrários, espetácu- vou para a rua e seu público, um trabalho onde a preocupação era
lo que o diretor João Marcelino, de Natal, no Rio Grande do Norte,
definiu com precisão numa nota para o programa: "O lmbuaça está
na rua representado a todos. No jogo da sedução, na verdade e na 3 Citações do artigo "Imbuaça: Pelos Caminhos da Sua História" de Lindolfo
Amaral, publicado na revista Máscara, Ribeirão Preto, n." 2, junho 1993.
mentira, nos opressores e oprimidos, no sacro e no profano, no ver-
152 TEATRO DE RUA NO BRASIL TEATRO DE RUA NO BRASIl. 153

revitalizar a Cultura Brasileira e sua memória; influenciou o surgi- um público muito mais vivo, presente, um público que interfere, que
mento de diversos grupos de rua, principalmente no Nordeste bra- joga, que não tem o menor compromisso com o espetáculo. E o embate
sileiro". O lmbuaça seguiu o mesmo caminho. Seu primeiro espetáculo com esse público nos traz, como atares, uma enorme sensação de liber-
foi Teatro Chamado Cordel (os textos "O Marido Que Passou o Cadeado dade, com todos os perigos advindos da mesma. Isso porque no teatro
na Boca da Mulher" de Cuíca de Santo Amaro e o "O Matuto Com o de rua tudo é possível... nós, atares, somos colocados numa situação
Balaio do Maxixe" de José Pacheco, adaptados por Antônio Amaral, de perigo iminente, que é fascinante e, temos certeza, representa para
um dos fundadores do grupo). Hoje possui um espaço no bairro de o atar uma arma poderosíssima. Estar diante de uma catástrofe imi-
Santo Antônio. Realiza cursos, seminários, oficinas, exposições, espe- nente ou pelo menos possível, acaba te dando, no mínimo, um grande
táculos, etc. E, afirma Lindolfo: "o Imbuaça segue seu caminho pelas jogo de cintura. Além disso, nos fascinava a possibilidade de romper
ruas do mundo, tentando cada vez mais ocupar novos espaços, divul- com o isolamento do teatro convencional, aprisionado nas casas de
gando o seu trabalho, sem contudo perder o olhar dinâmica em que espetáculos, com um público reduzido quantitativa e qualitativa-
vive o nosso teatro, ou não vive?". mente".
Outro exemplo de combativa criatividade e sempre surpreenden- A primeira montagem foi uma criação coletiva, colagem de tru-
tes resultados, alterando espetáculos em salas ou nas ruas e praças ques e efeitos circenses com relevo para o trabalho com pernas-de-
do país, é o grupo Galpão, de Belo Horizonte, criado em novembro pau, A Noiva Não Quer Casar... Mas alguns espetáculos de rua e uma
de 1982. Cinco atores - Antônio Edson, Eduardo Moreira, Fernan- volta ao palco com um clássico da comedia dell'arte italiana, Arle-
do Linhares, Teda Bara e Vanda Fernandes - haviam participado quim, Servidor de Dois Amos de Goldoni. Seguem-se uma série de
de duas oficinas realizadas em Minas Gerais pelo diretor George sempre inquietas e provocantes montagens de sala ou rua, assim
Froeher e ator Kurt Bildstein, ambos do Teatro Livre de Munique. A como de um período de aproximação com o teatro de Eugenio Bar-
segunda oficina resultou na montagem em Belo Horizonte de A ba, sobretudo por meio de cantata direto com os grupos Tascabile e
Alma Boa de Se-Tsuan de Bertolt Brecht. Os alemães foram embora Potlacli da Itália e o Farfa da Dinamarca. O grupo afirma que não
mas alguns dos participantes da estimulante experiência de exer- possui um método fechado de criação mas existe, sim, uma siste-
cícios e ensaios sentiram a necessidade de continuar e aprofundar mática de treinamento para atores que tem sido desenvolvida com
a pesquisa. E assim decidiram estruturar um grupo de teatro. É o as mais diferentes influências - de Barba a Antunes Filho, de ale-
próprio Galpão que relata por que a opção pela rua e seus primeiros mães grotowskiano-breclztianos ao circo, um permanente esforço de
passos: "Tínhamos uma instrumentação técnica - os alemães ha- auto-reflexão e reciclagem de teoria e prática do espetáculo e da
viam num curto sentido nos acordado para o fato de que o teatro interpretação.
de rua existia e que era possível. Além disso, o aspecto socioeconô- O grupo cita algumas experiências fundamentais em sua trajetó-
mico - como um grupo de cinco atares bastante jovens, que já ha- ria, como oito dias de ensaios ao ar livre na comunidade de Morro
viam feito algumas peças mas não tinham nenhuma grande proteção, Vermelho, com a contínua interferência de crianças, velhos, senho-
poderia ganhar concorrências públicas e ocupar teatros da cidade? O ras e trabalhadores que assistiam ou passavam por perto, sempre
raciocínio era simples: já que não existem salas suficientes para po- com comentários, reações de entusiasmo ou indiferença. Ou a apre-
dermos exercer o teatro, vamos para a rua. É claro que também havía- sentação de um happening em praças de Belo Horizonte, com parti-
mos sido contaminados pelo vírus do teatro de rua. Nas primeiras cipação de mais de trinta atores, numa surrealista manifestação
apresentações, morríamos de medo de sermos apedrejados pela multi- (com roupas de banho, esteiras e barcos) para exigir a criação de
dão ensandecida, presos pela polícia, encarcerados pelo DOPS (ainda uma praia na cidade: o roteiro de ações básicas era desenvolvido
vivíamos um resto do período das trevas), etc. Mas depois das primei- em constante relação com a platéia por intermédio de um repórter,
ras aparições na rua, tivemos um retorno tamanho do público, que já que fazia uma enquete com o público, e de um apresentador-nar-
ali sabíamos que nunca mais, como grupo e atores individualmente, rador-animador, que convocava para o ato. Outra experiência fas-
abandonaríamos a rua e seu público. A rua nos levava ao encontro de cinante foi um trabalho baseado em mendigos: cada ator criou um
154 TEATRO DE RUA NO BRASIL TEATRO DE RUA NO BRASIL 155

mendigo e trabalhava situações em shopping centers, depois o grupo de alegorias e personagens arquetípicos de forte apelo visual e sonoro,
mendigos se reunia e desenvolvia um roteiro preestabelecido. O Gal- que alternam seus movimentos livres de relação com o espectador,
pão sempre revela a sensibilidade de utilizar cada lugar da praça ou com coreografias/ dramáticas precisamente marcadas". O fundamen-
da rua a partir de suas características arquitetônicas e de espaço, as- to desta busca de um teatro popular e participativo tem sido, co-
sim como de suas características sociais. mo define o grupo, a brasilidade: "Portanto, nosso treinamento está
Em sala, um resultado vigoroso foi a encenação de Álbum de Famí- apoiado na prática da capoeira angolana, nos estudos da percussão e
lia de Nélson Rodrigues. Na rua, dois exemplos de surpreendente seus vários ritmos populares, bem como o jongo, o samba de partido
força poética, usando o clown e a pantomima, a sátira e a crítica, a alto, samba-reggae, acompanhado de suas respectivas danças. Con-
reflexão e a invenção, a máscara e as acrobacias circenses, foram Cor- tudo, não deixamos de lado os elementos mais universais de encanta-
raEnquanto é Tempo, a partir da observação crítica penetrante da atitude . mento coletivo, por exemplo as técnicas circenses, técnicas de pan-
de pastores e crentes em igrejas e ruas (manifestações autênticas de tomima e técnicas de máscara".
praças e rua dando, assim, origem: a um espetáculo na rua; muitas Foi essencial o "trabalho com o ator e diretor Pepe Núfiez, que inte-
vezes ()público, nos primeiros momentos, está certo que está assistin- grou o Teatro Vagalume, grupo de rua e circo de Granada, na Espa-
do a um ato religioso e subitamente é surpreendido pelo deboche e nha. O Teatro de Anónimo inclui também em seu repertório números
pela irreverência, passando a uma postura de diversão ou revolta), e a acrobáticos, de malabarismo, equilíbrio sobre pernas-de-pau, mono-
montagem, dirigida pelo encenador Gabriel Villela, expressão poética ciclo e patins, e números aéreos como trapézio, corda indiana, bam-
e dramática de coragem e força de imaginação e criação, de Romeu e bu e quadrante, passando por esquetes cómicos e cloumescos. O estudo
Julieta de Shakespeare, que ultrapassou todas as expectativas. destas técnicas acaba resultando numa transformação do papel do
ator, sua técnica e forma de comunicação. É um grupo em permanente
"Anónimo", "Fora do Sério" e "Oikoveva" estado de pesquisa que já participou de intervenções em atos de greve
e manifestações políticas, notadamente em defesa da cultura negra.
"No final de 1986 o ímpeto adolescente fez com que nascesse um No interior de São Paulo, na cidade de Ribeirão Preto, está outro
grupo de teatro como tantos outros que nascem e morrem com tanta grupo empenhado sobretudo em aprofundar as relações e possibili-
facilidade todos os dias no Rio de Janeiro. Com média de idade en- dades de expressão entre a comédia popular brasileira e as técnicas
tre dezesseis e vinte anos, todos de' família de classe média baixa, da commedia delI'arte, aprofundando a utilização de máscaras e re-
vindos de bairros de periferia, amigos e alunos de colégio secunda- cursos circenses, assim como música e acrobacia, estabelecendo uma
rista": assim o grupo Teatro de Anónimo relata seu nascimento. E relação intensa e criativa com o público e deliberadamente buscan-
depois de um "rápido, desastroso e frustrante contato com o chamado do a interferência direta com o cotidiano do imprevísivel especta-
teatrão (texto, palco italiano, etc.) numa mostra de teatro amador, o dor: é o Grupo Fora do Sério, criado em 1988, que inicialmente teve
grupo logo conheceu a rua por meio do universo da poesia oral, movi- sua sede em Campinas transferindo-se em 1991 para Ribeirão Preto,
mento na época bastante forte na zona norte do Rio". Os poetas decla- onde também possui uma sala de espetáculos, utilizada para monta-
mavam poemas em qualquer lugar, a qualquer hora, nas praças e nas gens que incorporam as técnicas da rua para dentro da sala, numa
ruas. E o grupo estruturou seu primeiro espetáculo, Flash da Cidade, inversão rica em surpresas e imprevistos. O contato com a commedia
pesquisando percussão, capoeira e dança afro, investigando o folclo- de/l'arte começou com o espetáculo Arlecchino de Dario Fo, apresen-
re e a cultura popular. Depois nasce Cura-TuI, que o próprio Teatro de tado durante o curso de artes cênicas na Universidade de Campinas
Anónimo descreve com precisão: "A perspectiva da encenação valori- e dirigido por Neyde Veneziano. O grupo afirma, em uma nota pu-
za o jogo participativo com grandes massas de espectadores, aprovei- blicada num programa: "A etapa seguinte foi ir ao encontro da rua.
tando ao máximo o caráter de intervenção urbana e as possibilidades Explorar o contato direto com o espectador, descobrir a precisão do
arquitetônicas do lugar. Buscamos arrebatar o espectador de seu coti- gesto teatral, a comunicação clara. Do resultado desta pesquisa prática
diano, mediante um jogo envolvente e encantatório com aparições de fez-se,o espetáculoAqui Não, Pantaleão !" Uma criação coletiva realizada
156 TEATRO DE RUA NO BRASIL TEATRO DE RUA NO BRASIL 157

em 1990 que permitiu um paralelo entre o mais representativo persona- A História de Cândido, O Corcunda, Historieta Caprichosa e A Moça e o
gem dacommedia dell'arte italian a, Arlecchino, com um personagem bra- Hipopótamo, uma fábula africana transcrita por Carlos Drummond de
sileiro que na evolução do enredo transformou-se em Zé Craxate, Andrade que, contada na rua, afirma o grupo: "é simplesmente a his-
mantendo características comuns, como a eterna luta pela sobrevivên- tória dos diferentes, do que não é vulgar, do que não é normal".
cia, "fazer qualquer coisa para matar a fome", a ingenuidade, a esperte-
za e a sorte entrelaçadas em situações cómicas típicas: é o que contam Teatro "na rua" em Salvador
dois dos diretores do grupo, Miriam Fontana e Custo Albanez.
A mesma nota, publicado no programa do espetáculo Mistério Bufo, Experiência fascinante aconteceu em Salvador, na Bahia, com dois
a partir da peça do mesmo nome de Maiakovski, define aspectos do espetáculos realizados por um dos mais criativos encenadores da-
grupo: "A existência e a dinâmica do Fora do Sério caracterizam-se quela cidade, Paulo Dourado: A Conspiração dos Alfaiates (1992) e Ca-
pelo trabalho coletivo de seus integrantes, que buscam principalmen- nudos - A Guerra do Sem-Fim (1993). Um depoimento que nos foi
'te o desenvolvimento do ator mediante a criação de uma dramaturgia enviado por Paulo Dourado relata a experiência:
própria, incorporando musicais, acrobáticos e circenses, com também "Foi um projeto de teatro popular revisando as abordagens tra-
na atuação política e social necessária para que este país se transfor- dicionais (quase sempre simplificadoras e distorcidas) do imagi-
me numa verdadeira nação, com um povo consciente e autor de seu nário cultural e histórico da Bahia. Apresentados em um palco, não
próprio destino". Um dois mais recentes êxitos do grupo foi a monta- podemos dizer que nossos espetáculos eram 'teatro-de-rua' no senti-
gem de O Asno de Dario Fo, mais um esforço poético que explora os do estrito da palavra. 'Teatro-na-rua' talvez seja designação mais
limites da acrobacia e da máscara, da música e do humor, atores e correta para espetáculos que montam seus palcos em praças públi-
objetos, olhares e movimentos, estabelecendo uma relação íntima e cas ou utilizam (com entrada franca) outros espaços como ginásios
integrada entre espetáculo e a platéia formada por gente que inespera- ou anfiteatros que possuem uma geografia cênica delimitada.
damente se transforma em espectadores e que interrompe a travessia "A opção apoiava-se na nossa determinação em realizarmos espe-
de uma rua ou praça para vivenciar uma experiência inesgotável e táculos que contivessem uma grandiosidade 'monumental' adequa-
imprevisível. da ao registro épico e trágico das nossas encenações e utilizassem
E no interior do Rio de Janeiro, na cidade de Petrópolis, outro todo o arsenal tecnológico disponível de sonorização e iluminação,
coletivo de trabalho empenha-se em levar o fato artístico às ruas e além de cenários e figurinos projetados para 'compor um espetáculo
praças, buscando o público que não pensava em ser público: o Tea- popular voltado para grandes platéias. (Buscamos em nosso proje-
tro Oikoveva. O grupo explica o significado do nome: "Desde 1989, to um paralelismo com o carnaval baiano com seus trios elétricos...)
elegemos uma palavra indígena que nos acompanha e sintetiza o Obtivemos uma excelente resposta de público e uma média global
que acreditamos ser o sentido do teatro que queremos realizar: Oi- de três mil espectadores por apresentação.
koveva! Uma saudação guarani à vida e a tudo que se mantém vivo. "Os espetáculos tinham em comum a busca de uma estética que
Viver e se manter vivo, no sentido pleno e contemporâneo da ex- reelaborasse os elementos tradicionais das nossas culturas popula-
pressão. A vida no sangue do ator, que tece o trabalho cotidiano, res mediante uma encenação poética e visualmente contemporâ-
com seu coração e sua técnica, buscando a utópica comunhão cole- nea. Embora Alfaiates tivesse canções (como em Brecht) e Canudos
tiva nas ruas, praças e comunidade, para se nascer arte. Pois so- não, em ambos a musicalidade foi um valor espetacular central. Os
mente a beleza, dizia o poeta, poderá salvar o mundo". Flávio Kactus, textos escritos por Cleise Mendes e Aninha Franco incluem a parti-
diretor e ator do grupo, esclarece: "Fomos para a rua sem a pretensão cipação do diretor como roteirista, o que contribuiu para uma
de fazer teatro para o povo. Queríamos apenas estar mais próximos, ir dramaturgia voltada para a otimização de seus recursos cênicos.
em busca de um maior encontro e abrir canais para outro tipo de Também do ponto de vista do texto prevaleceu a determinação de
comunicação". Assim, trabalhando e investigando a linguagem do que o objetivo didático não fosse obstáculo à espetacularidade e à
corpo e do gesto, surgiram espetáculos de permanente invenção, como comunicação com a platéia.
158 T EATRO DE RUA NO BRASIL T EATRO DE RUA NO B RASIL 159

/IAs trinta e cinco apresentações de Alfaiates e Canudos tiveram um


público de mais de cem mil pessoas. Esperamos ter aproximado a
experiência daquelas históricas da vida do cidadão de hoje, me-
diante uma reflexão trágica de acontecimentos praticamente igno-
rados. Esperamos ter reafirmado o teatro como veículo de cultura,
vivo e presente nas ruas da nossa cidade."

Repressão policial em 1994...

Para ser justo seria ainda necessário citar tantos outros grupos e
espetáculos, mais nomes de atores, diretores, etc. No Nordeste, por
exemplo, existe também o Quem Tem Boa É Pr âGritar, de Campina
Grande, Paraíba, que apresentou êxitos fascinantes como A Festa
do Rei e A Árvore dos Mamulengos de Vital Santos. Em São Paulo é
impossível deixar de mencionar os sempre surpreendentes atores
do Grupo Parlapatões, Patifes & Paspalhões que utiliza o circo e suas
múltiplas técnicas, o humor e a acrobacia, assim como resgata as-
pectos da obra c ômica d e Karl Valentin ou Groucho Marx dentro
de um contexto cultural nacional, com espetáculos de intensa co-
municação popular em ruas e praças. É igualmente essencial men-
cionar e ressaltar o trabalho de pesquisa e vigorosa· teatralidade
desenvolvido em espetáculos d e rua em Florianópolis, Santa Cata-
rina, pelo diretor André Carreira, que também trabalhou durante
muitos anos, com grande êxito, em espetáculos de rua realizados
na Argentina. E no Rio Grande do Sul existem muitos outros gru-
pos, entre eles o Falos de Mel & Stercus Theairalis, desde 1991, e que
no ano de 1994, após uma apresentação de um expressivo espetá-
culo, surpreendente e violenta denúncia da repressão da polícia nas
ruas e também da corrupção da polícia, intitulado PM2, teve seu
elenco detido e ameaçado pela polícia...
Nas ruas de todo o país, divertindo e/ ou criticando, realizando
um trabalho d e denúncia ou situando-se num intenso universo de
humor e malabarismo, com e sem música, ato res e bonecos, e muitos
intérpretes em pernas-de-pau, em esp etácu los de cores vivas e for-
te intensidade poética e cênica, o teatro de rua é sem dúvida um
dos aspectos mais inquietos e reveladores da identidade cultural e
popular do teatro brasileiro de nossos dias.

São Paulo, 1996


TeV/I - Morte em Tupi-G uarani, pelo gru po "Ó i N óis Aqu i Trave iz", de Porto Aleg re.
160 T EATRO DE RUA NO B RASIL T EATRO DE RUA NO B RASIL 161

\1

Os Três Caminhos Percorridos por HOll ório dos Alljos e dos Diabos, pelo gr upo "Ói Nóis Tet e e Isab el San tos em A Farsa dos Opostos, p elo g rupo "lrn bua ça" de Araca ju
Aq u i Traveiz" , d e Por to Aleg re (foto: Zé Inácio) , (fot o: Ewe rton A ragão) .
162 T EATRO DE RUA NO B RASIL TEATRO DE RUA NO BRASIL 163

Cena de A Farsa dos Opostos, pelo gru po "Imbuaça", d e Aracaju (foto: Ewerton
Ar agão ). Cura-Tui, espe táculo de "Teatro de An ônimo", do Rio d e Janeiro .
164 TEATRO DE RUA NO BRA SIL T EATRO DE RUA NO B RASIL 165

Aqui Não, Pantalcão, pe lo grupo " Fora do Sério", d e Ribeirão Pret o, SP (fo to: Cu sto Alba nez e Mir iam Fon tana em O A Sil O, de Da rio Fo, dir igido por C us to
Rena ta Testa). com o grupo "Fora do Sér io", d e Ribeirã o Pre to, SP (foto: Carlos Sag ranichi ny).
166 T EATRO DE RUA NO BRA SIL T EATRO DE RUA NO B RASIL 167

Canudos - a Guerra do Sem-Fim, d ireção d e Pa u lo Dourad o, ro leiro d e Ani nha


Fra nco e Cleise Mendes, encena do nas ruas de Salvador em 1993 (fa lo: Ad enor
A CO llspiraçlio dos Alfaiates, direção d e Paul o Dourad o, rot eiro de Aninha Fra nco e Go nd im) .
Cleise Mendes, ence nado nas ru as de Salva dor em 1992 (fo to: Elói Co rrea).
168 T EATRO DE RUA NO BRA SIL
Próximos lançamentos da
Coleção Teatro

• O Novo Teatro Latino-Americano


Beatriz Risk
(Trad . Renata Pallottini)
• O Parto de Godot e Outras
Encenações Imaginárias
Luiz Fernando Ramos
·Vianinha: um Dramaturgo no Cora-
ção de seu tempo
Rosângela Patriota
• Teatro em Aberto
Fernando Peixoto

Capa : A Paixão de Chico Mendes (The Sarne


Boat - The Passion ofChico Mendes), do gru-
po norte-americano "Bread and Puppet".
Duas cenas d e PM 2, texto de Cá tia Cor rea e Marcelo Restori, pe lo grupo gaúcho
"Falos de Mel & Stercus Theatralis", dirigido por Marcelo Restori, um espetáculo de
rua sobre o estupro, a corrupção e a violência policial, que acaba numa grande chacina.

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