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Para que serve a educação?

Selma de Assis Moura

A quem educar? Por que educar? Como educar?


Essas questões são a síntese da preocupação humana com a educação ao longo dos
séculos. Isso porque a espécie humana, diferentemente dos animais movidos apenas
por instinto, é capaz de criar, de inovar, de inventar o supérfluo. E é tamanha a
quantidade de invenções e de conhecimentos humanos, que torna-se necessário
sistematizá-los e transmiti-los às novas gerações. Assim surgiu a educação formal,
como meio de suprir essa necessidade, o que possibilitou uma evolução cada vez
maior e mais rápida em termos de conhecimentos.
Outra característica humana, além do poder de criação, é a reflexão. Por isso, o ser
humano se questiona a respeito de qual a função da educação: será preparar para o
mercado de trabalho, assegurando profissionalização? Ou dar uma visão humanística,
mais geral? Deverá o ensino preparar para o vestibular, ser propedêutico? Ou
devemos fornecer uma educação desvinculada desse compromisso?
Seja qual for a resposta, ela nunca será neutra, mas estará impregnada das nossas
concepções de educação e de sociedade. Passo agora a defender a minha posição.
Educação é um direito de todos. Todos os setores da sociedade valorizam e exigem a
educação, embora nem sempre se mobilizem para torná-la efetivamente abrangente,
universal e de boa qualidade. Mas em todas as famílias vemos a preocupação em ter
seus filhos educados; nas empresas exige-se um nível de escolaridade cada vez
maior, e vários setores buscam superar os problemas das escolas (voluntários, 3º
setor, etc). Todavia, o que se vê é a falta de visão sobre os objetivos da educação.
A educação, muito mais do que transmissão de informações ou qualificação
profissional, tem o dever de transmitir o legado cultural acumulado pela humanidade
historicamente.
Essa é uma tarefa verdadeiramente desafiadora, porque envolve mobilização de
professores e alunos na apropriação de saberes construídos em diversas áreas, desde
a arte até a linguagem, desde a música até a matemática. A escola seria o lugar ideal
para dar um vislumbre da grandeza humana, de sua produção cultural, de suas idéias
e aspirações, do desenvolvimento das técnicas a serviço da qualidade de vida, dos
erros e horrores da história e de como superá-los, aprendendo com eles.
Essa seria uma tarefa apaixonante, e daria conta, indubitavelmente, de todos aqueles
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famigerados conteúdos e programas que são alienadamente empurrados para e pelo


professor. Viria do encontro das necessidades dos alunos, da sua curiosidade, do seu
dinamismo e alegria naturais, desenvolvendo espírito científico e criatividade, e
semeando o prazer do aprendizado.
Quantos talentos se perderam na escola, entre as inúmeras tarefas repetitivas e
mecanizadas, tão comuns no cotidiano escolarizado? Como podiam ter florescido, se
apenas lhes fossem dados meios de desenvolver seu potencial, respeitando sua
individualidade, sem tentar sufocar sua personalidade!
A escola não tem cumprido nenhum dos objetivos anteriormente citados. Não propicia
a atualização cultural, não prepara para o trabalho e nem para o vestibular. A escola
gera alunos desmotivados, que não gostam de estudar, que não têm o hábito da
leitura, meros executores de tarefas repetitivas, seguidores de ordens, passivos e em
nada conscientes.
Inúmeros educadores têm denunciado ao longo de vários anos essa função
reprodutora da escola; Paulo Freire chama essa concepção de "educação bancária",
pois o professor "deposita" o conhecimento no aluno, para nas provas verificar o
"saldo".
Infelizmente, apesar de muito se falar sobre construtivismo, sobre desenvolver as
competências, respeitar as "inteligências múltiplas", essas considerações não
transcendem a teoria, não chegam a alcançar a prática.
São inúmeros os motivos para isso: falta de vontade política e de compromisso social
por parte dos governantes, falta de condições mínimas de trabalho para o professor,
seja de material de trabalho, seja de remuneração; falta de consciência dos pais da
necessidade de mobilizarem-se na luta por melhores condições nas escolas; falta de
visão dos gestores acerca do que é realmente necessário realizar em sua prática e do
que é meramente burocrático... falta de tudo!
Todavia, isso não pode ser desculpa ou empecilho para mudar a realidade.
Reconhecer a importância da escola básica e conhecer seus problemas deve levar-
nos, como sociedade, a nos mobilizarmos para mudar essa situação, exigindo dos
governantes que façam a sua parte, equipando as escolas e dando melhores
condições de trabalho ao professor.
Esses passos são fundamentais para a construção de uma sociedade mais justa e
menos desigual. Para a efetivação da cidadania de cada um, para uma verdadeira
democracia.
Uma escola que dê ao aluno a chance de escolher entre ver o Programa do Ratinho
ou o Jornal Nacional, entre ouvir Bach ou É o Tchan. Entre votar bem ou votar nos
mesmos corruptos que nos têm explorado anos a fio. Que lhe dê liberdade. Porque
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ninguém é livre sem conhecimento, sem consciência.


Uma escola que mostre ao aluno que o mundo tem jeito, que não foi tudo sempre
assim, que vale a pena lutar e coordenar esforços para perseguir um sonho, um ideal.
Afinal, não foi assim com o fim da escravidão, e com tantas mudanças históricas que
só sucederam em virtude das lutas humanas?
Por isso, o papel fundamental da escola é o de dar aos alunos uma visão sócio-
histórica-cultural da evolução da humanidade. Para dar-lhe o direito de escolha, para
que ele tenha meios de efetuar essa luta. Dizer que a escola deve preparar
profissionalmente é reduzir demais o seu papel. Alegar que deve ser propedêutica ao
vestibular é assassinar seu verdadeiro sentido, o que serve principalmente para
perpetuar essa sociedade de privilégios em que vivemos.

http://www.escola2000.org.br/pesquise/texto/textos_art.aspx?id=22 acessado em
25/07/2006

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