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Só pressão da

sociedade civil
acabará com
dívida externa

Por Maurício Hashizume


Clóvis Marques

01/02/2002 00:00

Só existe uma solução para a dívida externa dos


países pobres: a pressão da sociedade civil.
Esta foi a conclusão da Conferência sobre o
tema no Eixo I - A Produção de Riquezas e a
Reprodução Social, realizado nesta manhã
(01/02) no II Fórum Social Mundial. "Não existe
chance alguma dos credores perdoarem a
dívida por vontade própria. Precisamos
pressioná-los para anular as dívidas dos países
de Terceiro Mundo", convocou o belga Eric
Toussaint, Comitê de Anulação da Dívida do
Terceiro Mundo (CADTM). "A grande questão é
que os nossos governos estão dominados pelo
medo. E isso impede que tenhamos uma
sociedade realmente livre", declarou o argentino
Adolfo Pérez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz de
1990.

Toussaint apresentou alguns números para


justificar a exigência. O Programa das Nações
Unidas (PNUD) e a Unicef estimam um gasto
anual de US$ 80 bilhões em um período de dez
anos permitiria garantir a todo ser humano o
acesso à educação básica, aos cuidados
básicos de saúde, a uma alimentação
adequada, à água potável, e às infra-estruturas
sanitárias, assim como, para as mulheres, o
acesso aos cuidados ginecológicos e
obstetrícios. O pagamento da dívida pública
externa do Terceiro Mundo representa uma
despesa de aproximadamente de US$ 250
bilhões por ano, ou seja, três vezes a quantia
necessária para a satisfação das necessidades
humanas fundamentais.

"Em uma mão, temos a força; na outra, a


legitimidade. Os países ricos se valem da força
para legitimar a dívida externa dos países
pobres. Não precisamos, de forma alguma,
aceitar as condições impostas pelos credores.
A anulação da dívida é uma questão de justiça",
afirmou a filipina Lidy Nacpil, do Freedom from
Debt Coalition.

Paul Samengeron, camaronês da organização


Caritas, declarou que a pressão também deve
se dar internamente, em cada país. "Precisamos
fiscalizar rio acima e rio abaixo. Exigir a
anulação da dívida externa dos credores do
Primeiro Mundo e fiscalizar e punir as elites dos
nosso países, na tentativa de diminuir a
corrupção e o desvio de dinheiro. Se não
fizermos nada, corremos o risco de estarmos
daqui a dez anos discutindo a mesmo dívida".

"A dívida externa obedeceu até hoje a uma


estranha aritmética: os países mais pobres
passaram a dever "um" na crise do início dos
anos 80, pagaram "dois" durante todos esses
anos e hoje deve "três". Não podemos mais
passar vinte anos sem nenhum
desenvolvimento", completou o peruano Luís
Miguel Sirumbal, da Cedal, um dos outros
participantes da mesa.

Aplaudidíssimo, Esquivel disse à platéia que a


dívida externa é um problema essencialmente
político. "Mais pagamos, mais devemos e
menos temos. Não somos países pobres.
Somos países ricos empobrecidos. Não somos
do Terceiro Mundo. Pertencemos a um mundo
só mal distribuído." E ainda emendou: "O grande
desafio da Argentina hoje é negar a dívida. As
pessoas precisam entender que isso é normal.
Se a esquerda ganhar força na Argentina, as
forças progressitas vencerem nas eleições para
presidente do Brasil neste ano e Hugo Chávez
reforçar a luta na Venezuela "bolivariana", os
credores se sentirão pressionados, com
certeza".

Jack Jones Zulu, do Jubileu Zâmbia, fez um


depoimento emocionado no fim da
Conferência.
"A ajuda financeira que nós recebemos do
Banco Mundial não é suficiente. Um quinto da
população da Zâmbia é portadora do vírus HIV.
O coquetel de drogas para o tratamento de
cada um deles custa US$ 15 por dia e os
recursos dão apenas para US$ 4. Nossos
governantes acumulam dívidas para pagar em
50 anos. Muitos deles já estarão mortos antes
do fim do prazo e a dívida e todos os outros
problemas ficarão para os seus descendentes."

Já o representante francês de uma rede que


criou um observatório de estudos sobre a dívida
externa -para incentivar o debate entre pessoas
e para pressionar os governos- também
anunciou a colaboração da entidade da qual faz
parte. "Nós vamos pedir a reforma do Clube de
Paris (organização formada pelos credores do
Primeiro Mundo) na própria cidade, em
setembro próximo".Ausência de controle de
capitais agrava
crises da Argentina e da Enron
A desestabilização de um país inteiro (a
Argentina) e as falcatruas de uma multinacional
americana próxima do poder em Washington
(Enron) foram invocadas como exemplos
recentes dos maus efeitos do descontrole dos
fluxos internacionais na conferência sobre
“Controle de capitais financeiros” do primeiro
dia do Fórum Social Mundial. Diante de
fracassos como estes e de um sistema que
acentua as desigualdades e agrava fatores de
instabilidade na economia internacional – com
80% dos fluxos de capitais concentrados em
apenas 20 países, segundo o Banco Mundial –,
a ATTAC (Associação pela Taxação das
Transações Financeiras em Apoio aos
Cidadãos) propôs, num documento que circulou
na internet e foi debatido pelos participantes da
Conferência, medidas de controle que
dependem apenas da vontade política dos
governos e sociedades, segundo frisou o
principal expositor, Dominique Pilhon (ATTAC
França).

Para voltarem a ter ascendência


sobre suas próprias economias e
apostarem na poupança interna
contra o endividamento externo,
os governos nacionais devem
recorrer à taxação dos
movimentos e a uma nova
regulamentação do sistema,
propõe a ATTAC. Exemplos da
possibilidade de agir
nacionalmente foram dados pela
Índia e a China, entre as potências
emergentes, e o Chile e a Malásia,
que adotaram respectivamente
medidas temporárias de controle
da entrada e da saída de capitais
financeiros. Em escala
internacional, além da muito
mencionada Taxa Tobin sobre as
movimentações de capitais
especulativos, propõe-se a criação
de taxas sobre investimentos
diretos e lucros consolidados das
multinacionais.

ATTAC preconiza ainda medidas


específicas para os quatro
principais mercados: de ações e
obrigações (limitar as vendas a
não residentes), de câmbio
(depósito obrigatório sobre as
transações) e de derivativos
(aumento do depósito obrigatório).
Coroando essa lógica, “algo que é
do consenso geral mas não é
aplicado”, ponderou Dominique
Pilhon: “Fazer os responsáveis
privados pelas crises financeiras
de países inteiros pagarem por
elas”, contrariando a lógica atual,
pela qual o Fundo Monetário
Internacional aplica planos de
“salvação” voltados basicamente
para proteger os direitos,
precisamente, dos especuladores.
Estes seriam, pelo contrário,
implicados no financiamento dos
estragos causados pelas crises
internacionais nas economias dos
países do Sul.

A reforma passa também pela


reestruturação dos organismos
multilaterais (FMI, Banco
Mundial), para democratizar seu
funcionamento, fazê-los
contribuir para o desenvolvimento
sustentável e pura e simplesmente
restabelecer funções originais
como a de contribuir para a
estabilidade do sistema
internacional. Neste sentido, o
economista Fernando Cardim, da
Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), lembrou que não
seria nenhuma revolução
restabelecer o controle dos fluxos
de capital por parte dos países: “O
próprio artigo sexto da Carta de
fundação do FMI”, disse ele,
“estabelece que não compete ao
Fundo envolver-se em crises de
fugas de capital e emprestar para
compensá-las, como vem fazendo.
Adotada em 1944, a própria Carta
afirma que compete aos países
membros impor controles aos
fluxos de capital para garantir sua
própria estabilidade.”

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